A invenção da Praia. A construção imagética e a transformação do território da praia de Tambaú, João Pessoa-PB: 1950-1970

July 26, 2017 | Autor: Thaise Gambarra | Categoria: Media and Cultural Studies, Urban Studies, Modern Architecture
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

.

THAISE GAMBARRA SOARES

A Invenção da Praia A construção imagética e a transformação do território da praia de Tambaú, João Pessoa – PB: 1950-1970

SALVADOR, 2012

1

THAISE GAMBARRA SOARES

A Invenção da Praia A construção imagética e a transformação do território da praia de Tambaú, João Pessoa – PB: 1950-1970

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia – área de concentração em Urbanismo –, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Orientação: Prof. Dr. Francisco de Assis da Costa.

SALVADOR, 2012

2

Faculdade de Arquitetura da UFBA - Biblioteca

S676 Soares, Thaise Gambarra. A invenção da praia: a construção imagética e a transformação do território da praia de Tambaú, João Pessoa – PB: 1950-1970 / Thaise Gambarra Soares. 2012. 122 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis da Costa. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Arquitetura, 2012. 1. Cidades e vilas - Imagem - Marketing - Praias - João Pessoa (PB). I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura. II. Costa, Francisco de Assis da. III. Título. CDU: 711(813.3)

3

THAISE GAMBARRA SOARES

A INVENÇÃO DA PRAIA. A CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA E A TRANSFORMAÇÃO DO TERRITÓRIO DA PRAIA DE TAMBAÚ, JOÃO PESSOA – PB: 1950-1970.

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Área de concentração: Urbanismo

BANCA EXAMINADORA: _________________________________________ Professor e Orientador Dra. Francisco de Assis da Costa Universidade Federal da Bahia

_________________________________________ Professora Dra. Eloísa Petti Pinheiro Universidade Federal da Bahia

_________________________________________ Professora Dra. Nelci Tinem Universidade Federal da Paraiba

_________________________________________ Professora Dra. Doralice Sátiro Maia Universidade Federal da Paraiba

Salvador, 26 de setembro de 2012

4

Agradecimentos

Antes de tudo, deveria aqui registrar essa longa jornada. Um percurso iniciado desde os tempos de Graduação em Arquitetura, na Universidade Federal da Paraíba. Imersa em arquivos, junto a imagens do passado e traços da vida cotidiana de um tempo outro, nascia um desejo de explorar a curiosidade que ali surgia. Desejo de buscar, descobrir, questionar, entender, entre tantos outros verbos possíveis. Ao entrar no mundo da pesquisa, vi-me cada vez mais convidada a explorar minha capacidade de investigação e questionamento. E foi esse desafio que me convenceu a continuar no mundo acadêmico. Esses um pouco mais de dois anos (intensamente) vividos e de grande transformação e aprendizado tiveram muitos nomes nos quais devo aqui expressar meus sinceros agradecimentos. Ao meu orientador, XICO COSTA, pelo conhecimento partilhado, pelos desafios propostos e incentivo a busca por novos olhares e diferentes perspectivas. Obrigada pelo carinho e apoio que me foi dado durante esses anos. A NELCI TINEM, eterna orientadora e amiga, que me mostrou o mundo da pesquisa. Obrigada pela sua disponibilidade, carinho e incentivo. Aos membros da banca ELOÍSA PETTI e DORALICE SÁTIRO MAIA, pelas sugestões e contribuições dadas nesse percurso. Aos meus COLEGAS DE MESTRADO e que tenho certeza que posso chamar de amigos, e em especial à Silvana, Érico, Felipe, Ludmila, Manuella e Flávia, obrigada pelas descobertas, angústias e risadas compartilhadas, pelas momentos de descontração e carinho. À minha FAMÍLIA e a VINICIUS pelo apoio, carinho e incentivo. Foi a partir do exemplo dado por eles, de determinação, coragem e comprometimento que me apoiei e decidi continuar nessa jornada de conhecimento. A SILVANDIRA e MARIA, pela disponibilidade e carinho durante todo o mestrado. Ao CNPq, pelo apoio financeiro.

5

Resumo ! ! Essa investigação relaciona Imagem, Mídia e Produção da Cidade. Trata-se de uma reflexão sobre a influência dos discursos/imagens criados pela mídia na construção e estruturação do território, no caso das praias de João Pessoa-PB durante o período de 1950-70, período considerado de maior desenvolvimento na área estudada. Entendendo que através das diferentes linguagens de comunicação, seja ela escrita, oral ou visual, se criam e recriam cenários urbanos modificando inclusive o comportamento da sociedade. Para essa investigação foram utilizadas imagens e reportagens coletadas em jornais e Revistas locais, bem como propagandas imobiliárias. Acredita-se então, que os discursos midiáticos servirão de instrumentos para refletir sobre o impacto desta construção imagética nos processos e mecanismos de produção da cidade, exemplificado no que aqui chamamos de invenção da praia. Palavras chave: Imagem; Mídia; Produção de Cidade; Praia. !

!

6

Abstract

This investigation relates Image, Media and Production of the City. This is a reflection on the influence of discourses/images created by the media in the construction and structuring of the territory, in the case of the beaches of João Pessoa - PB in the period 1950-70, considered for further development in the area. Understanding that through the different languages of communication, whether written, oral or visual, create and recreate urban settings modifying the behavior of society. For this research will be used images and reports collected from local newspaper and magazines, as well as real state advertisements. It is believed then, that media discourse will provide the tools to reflect the impact of this imagery in the processes and mechanisms for production of the city, exemplified in that we call the invention of the beach.

Palavras chave: Image; Media; city production; beach.

7

Lista de Figuras Capítulo 1 FIGURA 01: PRAIA DE TAMBAÚ. Crédito da Imagem da abertura: Manoel Clemente. Fonte: A União, 27 Out. 1968, p.03. FIGURA 02: PORTO DA BARRA, SALVADOR – BA. DÉCADA DE 1940. Fonte: Fundação Gregório de Matos. FIGURA 03: PROPAGANDA DA SHELL – DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEL. Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: 07 maio 1960. FIGURA 04: CAPA DA REVISTA ILUSTRADA VU. Edição de 03 mar.1934. Fonte: imagem disponível

no

site

www.sebodomessias.com.br/loja/(S(zwgwiv55dnqza12tiewhsv45))/detalheproduto.aspx?idIt em=47476 . Acessado em: 19.01.2011 FIGURA 05: CAPA DA REVISTA ILUSTRADA PICTURE POST. Edição de 17 abr. 1954. Fonte:

imagem

disponível

no

site

http://www.gracesguide.co.uk/File:Im19540417PP-

AAtitle.jpg Acessado em 19.01.2011 FIGURA 06: CAPA DA REVISTA ILUSTRADA LIFE. Edição de 13 jan. 1947. Fonte: imagem disponível no site http://www.originallifemagazines.com/LIFE-Magazines-1940s-C452.aspx Acessado em: 19.01.2011 FIGURA 07: CAPA DA REVISTA ILUSTRADA O CRUZEIRO. Edição: 24 nov. 1928. Fonte: imagem disponível no site www.memoriaviva.com.br Acessado em 19.01.2011 FIGURA 08: RIO DE JANEIRO NA CONSTRUÇÃO DE UM IMAGINÁRIO DE CIDADE. Fonte: Manchete. Edição Especial 1968. FIGURA 09: SÃO PAULO NA CONSTRUÇÃO DE UM IMAGINÁRIO DE CIDADE. Fonte: Manchete. Edição Especial 1968.

Capítulo 2 FIGURA 10: A BELA DA PRAIA. Fonte: A União. João Pessoa: 26 de Mar. 1968. FIGURA 11: PROPAGANDA CALIFÓRNIA BRONZE. Fonte: Manchete. Última Capa. Rio de Janeiro: Edição Especial 1968. FIGURA 12: PROPAGANDA SIMCA CHAMBORD. Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: 07 de maio de 1960. FIGURA 13: PROPAGANDA VARIG LINHAS AÉREAS. Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: Edição Especial 1971.

8

FIGURA 14: CAPA LIFE MAGAZINE. Edição 25 de Julho de 1949. Fonte: site da revista Life. Disponível em: www.originallifemagazines.com Acessado em: 10 de maio de 2011. FIGURA 15: CAPA REVISTA O CRUZEIRO. Edição 28 de Dezembro de 1928. Fonte: site Memória Viva. Disponível em: www.memoriaviva.com.br Acessado em: 23 de abril de 2011. FIGURA 16: CAPA REVISTA MANCHETE. Edição 07 de Dezembro de 1960. Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Capítulo 3 FIGURA 17: PRAIA DE TAMBAÚ, década de 1930. Fonte: Revista Manaíra, João Pessoa. 14 Mar. 1939. FIGURA 18: DILÚVIO SEGUNDO O ILUSTRADOR FRANCÊS GUSTAVE DORÉ. Fonte: site http://catholic-resources.org/Art/Dore.html Acessado em: 02 fev 2012 FIGURA 19: DIEPPE, BANHO DOS HOMENS. Fonte: Biblioteca Nacional de Paris apud CORBIN, 1981. p.234 FIGURA 20: DIEPPE, BANHO DOS HOMENS. Fonte: Biblioteca Nacional de Paris apud CORBIN, 1981. p.235 FIGURA 21: VOLKS ELETRIC RAILWAY, BRIGHTON NA INGLATERRA, MEADOS DO SÉCULO XIX. Fonte: CORBIN, 1981, p.240. FIGURA 22: ROYAL CRESCENT, BRIGHTON NA INGLATERRA. PINTURA DE PHILIP MARTIN, MEADOS DO SÉCULO XIX. Fonte: CORBIN, 1981, p.241. FIGURA 23: Influência do contato com o sol e o ar livre para compensar o desgaste causado pela vida caótica das grandes cidades. Fonte: Revista A.C., Barcelona: Jul/Ago/Set. 1932. FIGURA 24: Influência do contato com o sol e o ar livre para compensar o desgaste causado pela vida caótica das grandes cidades. Fonte: Revista A.C., Barcelona: Jul/Ago/Set. 1932. FIGURA 25: CAPA DAS REVISTAS A.C. DE NÚMERO 7. Fonte: Compendio Completo com as Publicações do GATEPAC. FIGURA 26: CAPAS DAS REVISTAS A.C. DE NÚMERO 7 E 13. Fonte: Compendio Completo com as Publicações do GATEPAC. FIGURA 27: PROPOSTA DE PROLONGAMENTO EM LINHA RETA EM DIREÇÃO AO MAR DA “GRAN VIA LES CORTES”. Fonte: Revista A.C. Barcelona: Jul/Ago/Set. 1934, modificado pela autora. FIGURA 28: SETORIZAÇÃO DA CIDADE DO REPOUSO EM BARCELONA. Fonte: Revista A.C. Barcelona: Jul/Ago/Set. 1934. FIGURA 29: DESENHO SOBRE CÓPIA DA PLANTA DA CIDADE DA PARAYBA ELABORADA EM 1855, por Alfredo de Barros e Vasconcelos e reduzida em 1905 por Arthur

9

Januário Gomes D´Oliveira. Organização: Wylnna Vidal. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba apud VIDAL, 2004. FIGURA 30: PLANTA DA CIDADE EM 1923. Fonte: Wylnna Vidal, 2004, modificado pela autora. FIGURA 31: AVENIDA JOÃO MACHADO, década de 1920. Fonte: Arquivo Público Estadual. FIGURA 32: LAGOA. 1939. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega. FIGURA 33: PARKWAY DA LAGOA, AO FUNDO PARQUE SÓLON DE LUCENA. 1939. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega. FIGURA 34: MAPA DA CIDADE DE JOÃO PESSOA NA DÉCADA DE 1910. Vê-se a pequena aglomeração na praia de Tambaú, desenvolvida em torno da Capela de Santo Antônio. Fonte: COUTINHO, 2002, modificado pela autora. FIGURA 35: OBRAS DE SANEAMENTO E CANALIZAÇÃO DO RIO JAGUARIBE EM 1924. Fonte: Revista Era Nova, 1924 apud AGRA, 2006. FIGURA 36: VISTA AÉREA DA CIDADE DE JOÃO PESSOA A PARTIR DO PARQUE SÓLON DE LUCENA. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega. FIGURA 37: MAPA COM AS ÁREAS DE EXPANSÃO DA CIDADE ATÉ A DÉCADA DE 1930. Fonte: Coutinho, 2002. FIGURA 38: MAPA DA CIDADE DE JOÃO PESSOA DÉCADA DE 1940. Fonte: Coutinho, 2002, modificado pela autora. FIGURA 39: MAPA DA CIDADE DE JOÃO PESSOA DÉCADA DE 1950. Fonte: Coutinho, 2002, modificado pela autora. FIGURA 40: MAPA DA CIDADE DE JOÃO PESSOA DÉCADA DE 1960. Fonte: Coutinho, 2002, modificado pela autora. FIGURA 41: MAPA DA CIDADE DE JOÃO PESSOA DÉCADA DE 1970. Fonte: Coutinho, 2002, modificado pela autora.

Capítulo 4 FIGURA 42: “TAMBAÚ USANDO JÓIA”. Foto do Hotel Tambaú situado na praia de Tambaú em João Pessoa. Fonte: O Norte. João Pessoa, 14 Out. 1970. FIGURA 43: JANGADAS AO MAR, imagem da praia de tambaú. Autor: Walfredo Rodrigues. Fonte: Revista Manaíra, João Pessoa, Abr. e Mai. 1944. FIGURA 44: JANGADAS AO MAR, imagem da Praia de Salvador. Autor: Carybé. Fonte: Carybé, Verger & Caymmi: Mar da Bahia. Org. José Barreto de Jesus, Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisline Design Editora, 2009.

10

FIGURA 45: JANGADAS AO MAR, imagem da Praia de Salvador. Autor: Verger. Fonte: Carybé, Verger & Caymmi: Mar da Bahia. Org. José Barreto de Jesus, Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisline Design Editora, 2009. FIGURA 46: PESCADORES LANÇANDO SUAS REDES AO MAR, imagem da Praia de Tambaú. Autores: Walfredo Rodrigues. Fonte: Revista Manaíra, João Pessoa, Abr. e Mai. 1944; FIGURA 47: PESCADORES LANÇANDO SUAS REDES AO MAR, imagem da Praia de Salvador. Autor: Carybé. Fonte: Revista Manaíra, João Pessoa, Abr. e Mai. 1944; Carybé, Verger & Caymmi: Mar da Bahia. Org. José Barreto de Jesus, Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisline Design Editora, 2009. FIGURA 48: PESCADORES LANÇANDO SUAS REDES AO MAR, imagem da Praia de Tambaú e Salvador. Autor: Verger. Fonte: Carybé, Verger & Caymmi: Mar da Bahia. Org. José Barreto de Jesus, Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisline Design Editora, 2009. FIGURA 49: LIFE MAGAZINE, revista de circulação internacional que indica o modo de vida. Fonte: Life Magazine 13 Jan. 1941. Disponível no site www.originallifemagazines.com Acessado em: 10 de maio de 2011. FIGURA 50: O CRUZEIRO, revista de circulação nacional. Revista O Cruzeiro Dez. 1928. Disponível no site www.memoriaviva.com.br Acessado em 10 de maio de 2011. FIGURA 51: MANAÍRA, revistas de circulação internacional, nacional e local indicam o modo de vida. Fonte: Revista Manaíra Jan. 1947. FIGURA 52: Ideal de beleza e representação da figura feminina no ambiente das praias. Fonte: Life Magazine. New York, Jul. 1949. FIGURA 53: Ideal de beleza e representação da figura feminina no ambiente das praias. Fonte: Revista O Cruzeiro. Rio de Janeiro, Jan. 1944. FIGURA 54: Ideal de beleza e representação da figura feminina no ambiente das praias. Fonte: Revista Manaíra. João Pessoa, Dez. 1946. FIGURA 55: INFLUÊNCIA ESTADUNIDENSE RELACIONADA AS PRÁTICAS DE LAZER E SER SAUDÁVEL NO LITORAL, evidenciando a figura feminina, de classe social média e alta. Fonte: Revista Manaíra. João Pessoa, Jun. 1940. FIGURA 56: INFLUÊNCIA CARIOCA RELACIONADA AS PRÁTICAS DE LAZER E SER SAUDÁVEL NO LITORAL, evidenciando a figura feminina, de classe social média e alta. Fonte: Revista Manaíra. João Pessoa, Dez. 1945. FIGURA 57: CALÇAMENTO DA AVENIDA EPITÁCIO PESSOA, 1952. Fonte: A União, João Pessoa, 15 Out. 1952, p.05. FIGURA 58: PROPOSTA DE PROLONGAMENTO EM LINHA RETA EM DIREÇÃO AO MAR DA “GRAN VIA DE LES CORTES”. Fonte: Revista A.C. Barcelona: Jul/Ago/Set. 1934.

11

FIGURA 59: CONSTRUÇÃO DA AVENIDA EPITÁCIO PESSOA. Fonte: Coutinho, 2004, modificados pela autora. FIGURA 60: CALÇADINHA DE TAMBAÚ. Fonte: A União, João Pessoa, 26 mar. 1968 FIGURA 61: COPACABANA. Fonte: O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 07 mai. 1960. FIGURA 62: INAUGURAÇÃO DE BRASILIA. Fonte: O Cruzeiro, Rio de janeiro, Edição Especial, 07 mai. 1960. FIGURA 63: INAUGURAÇÃO DE BRASILIA. Fonte: Manchete. Rio de Janeiro, mai. 1960. FIGURA 64: LANÇAMENTO DA PEDRA FUNDAMENTAL DO HOTEL HILTON NO RIO DE JANEIRO. Fonte: Fato em Foco. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, mai. 1960, p.13 FIGURA 65: REINAUGURAÇÃO DO ELITE BAR, restaurante emblemático localizado na praia de Tambaú. Fonte: O Elite. O Norte, João Pessoa, 29 Out.1967. FIGURA 66: SERVIÇOS INAUGURADOS NA PRAIA DE TAMBAÚ. Fonte: TAMBAÚ...O Norte, João Pessoa, 28 Set. 1969, p.01. FIGURA

67:

SERVIÇOS

INAUGURADOS

NA

PRAIA

DE

TAMBAÚ.

Fonte:

PAVIMENTAÇÃO...A União, João Pessoa, 13 fev. 1957, p.01 FIGURA 68: PROPAGANDAS IMOBILIÁRIAS DE LOTEAMENTOS LOCALIZADOS NA PRAIA. Fonte: O Norte, João Pessoa, 28 set. 1958, p.03. FIGURA 69: PROPAGANDAS IMOBILIÁRIAS DE LOTEAMENTOS LOCALIZADOS NA PRAIA. Fonte: O Norte, João Pessoa, 01 jan. 1959, p. 03. FIGURA 70: PROPAGANDAS IMOBILIÁRIAS DE LOTEAMENTOS LOCALIZADOS NA PRAIA. Fonte: O Norte, João Pessoa, 13 jan. 1957, p.3. FIGURA 71: VISTA DA PRAIA ATRAVÉS DOS GRANDES ESTACIONAMENTOS DE CARROS NA CALIFÓRNIA: o carro como grande articulador e determinante no tipo de urbanização. Fonte: Parking Lot at the beach. Life Megazine, julho de 1950. FIGURA 72: VISTA AÉREA DA PRAIA DE COPACABANA NO RIO DE JANEIRO, destaque para o grande paredão de edifícios em 1968. Fonte: O Rio Maravilhoso. O Cruzeiro, edição especial 1968. FIGURA 73: VISTA AÉREA DO HOTEL TAMBAÚ. Elemento marcante na paisagem da praia de Tambaú, demonstrando sua monumentalidade e o desejo de progresso em meio a uma área ainda pouco ocupada. Fonte: Tambaú usando jóia. O Norte, João Pessoa, 14 Out.1970. FIGURA 74: PRAIA DE TAMBAÚ, DÉCADA DE 1960. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega. FIGURA 75: PRAIA DE COPACABANA, DÉCADA DE 1960. Fonte: Desconhecida. FIGURA 76: Propaganda da inauguração de edifícios de grande altura construídos na praia de Tambaú, Ed. João Marques de Almeida. Fonte: O Norte, João Pessoa, 12 Dez. 1965.

12

FIGURA 77: Propaganda da inauguração de edifícios de grande altura construídos na praia de Tambaú, Ed. São Marcos. Fonte: O Norte, João Pessoa, 30 Dez. 1967. FIGURA 78: Localização dos edifícios altos residenciais na orla e no centro da cidade, década de 1970. Fonte: PMJP, modificado pela autora. FIGURA 79: Goverador João Agripino mostra maquete do Hotel Tambaú, obra realizada pelo Governo do Estado. Fonte: A UNIÃO, João Pessoa, 16 jul 1968. FIGURA 80: Praia de Tambaú na década de 1978. Fonte: PMJP, setor de Geoprocessamento, modificado pela autora, 2011. FIGURA 81: Trecho da praia de Tambaú nas imediações da Avenida Epitácio Pessoa, ano de 1955, onde é possível ver as poucas ocupações na faixa litorânea. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega.

Anexo 01 FIGURA 82: PRIMEIRA EDIÇÃO DO JORNAL A UNIÃO. 02 de Fevereiro de 1983. Fonte: ARAÚJO, História e Ideologia da Imprensa na Paraíba, 1983, p.105 FIGURA 83: FAC-SÍMILE DO PRIMEIRO NÚMERO JORNAL O NORTE. 7 de maio de 1908. Fonte: ARAÚJO, Fátima. História e Ideologia da Imprensa na Paraíba, 1983, p. 117 FIGURA. 84: FAC-SÍMILE DO PRIMEIRO NÚMERO JORNAL CORREIO DA PARAÍBA. De 5 a 9 de agosto de 1953. Fonte: ARAÚJO, Fátima. História e Ideologia da Imprensa na Paraíba, 1983, p. 123 FIGURA 85: CAPA REVISTA MANAÍRA EDIÇÃO JUNHO 1940. Fonte: Acervo IHGP.

Anexo 02 FIGURA 86: CAPA REVISTA LIFE. Edição de 28 Jun. 1937. Fonte: imagem disponível no site http://www.originallifemagazines.com/LIFE-Magazines-1930s-C451.aspx Acessado em 19.01.2011 FIGURA 87: CAPA REVISTA O CRUZEIRO. Edição de 29.12.1928. Fonte: Imagem disponível

em

http://www.originallifemagazines.com/LIFE-Magazines-1930s-C451.aspx

Acessado em 19.11.2011 FIGURA 88: CAPA REVISTA MANCHETE. Edição 21 abr. 1960. Fonte: Arquivo pessoal da autora.

13

Lista de Tabelas

TABELA 01 – Crescimento Demográfico do Brasil (1890 – 1940). Fonte: SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira, 1993, modificado pela autora. TABELA 02 – Edifícios construídos na orla marítima de João Pessoa – 1959 a 1969. Fonte: LEANDRO, 2006; CHAVES, 2008, modificado pela autora. TABELA 03 – Evolução de preços médios de venda de terrenos na faixa litorânea e em Jaguaribe de 1962-1978. Fonte: Anúncios Jornal “O NORTE”. RODRIGUEZ, 1980, p.89 e 90, modificado pela autora. TABELA 04 – Registros de Arquiteturas em Tambaú, 1916 a 1959. Fonte: Tabela produzida pela autora a partir do Banco de Dados Registros de Arquiteturas do “Arquivo morto” da PMJP.

Lista de Gráficos

GRÁFICO 01 – Arquivos e periódicos pesquisados. Fonte: Gráfico elaborado pela autora, 2012. GRÁFICO 02 – Registros do número de construções em Jaguaribe e em Tambaú nas décadas de 1930 a 1950. Fonte: Gráfico produzido pela autora a partir do Banco de Dados Registros de Arquiteturas do Arquivo morto da PMJP. GRÁFICO 03 - Imagens coletadas nos jornais e revistas locais. Fonte: Gráfico elaborado pela autora, 2012.

14

Sumário INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................15

CAPÍTULO 1 – Imagem midiática e Território.......................................................................................19 1.1 Decodificando Antecedentes...........................................................................................................20 1.2 Imagem midiática e Território. Articulações entre as Palavras e as Coisas....................................24 1.2.1 A Imagem e imaginário: conceitos e interpretações.....................................................................24 1.2.2 Imagem e Mídia: fotografias e revistas na construção de um imaginário.....................................27 1.2.3 A Imagem midiática e a formação de territorialidades..................................................................34

CAPÍTULO 2 – Narrativas. Os Jornais e Revistas na construção e representações de modelos de Cidades.................................................................................................................................................38 2.1 Referências Históricas da/na Imprensa e Representações de Cidades.........................................39 2.2 Os periódicos, seus modos de ver e fazer ver................................................................................43 2.3 Os Jornais e Revistas locais...........................................................................................................44 2.4 O chamado “arquivo morto” da Prefeitura Municipal de João Pessoa............................................47 2.5 As Revistas suporte........................................................................................................................49

CAPÍTULO 3 – A Cultura da Praia........................................................................................................51 3.1 A Cultura da praia: o mar e a transformação do imaginário...........................................................53 3.2 A cidade e a praia. Um panorama do século XIX...........................................................................58 3.3 Do rio ao mar: João Pessoa e sua relação com a Praia.................................................................64

CAPÍTULO 4 – Praia, Mídia e Arquiteturas: um imaginário da cidade..................................................76 4.1 A praia de Tambaú e suas temporalidades: o uso da imagem como dispositivo de construção de modelos e da transformação do território.........................................................................................78 4.1.1 Tambaú, a descoberta da Praia e suas influências: a consolidação da ideia de Veraneio..........80 4.1.2 Tambaú e a rápida transformação do território............................................................................87 4.1.3 O Hotel Tambaú e o Projeto CURA: o Estado inventando a Praia...............................................92 4.2 As Arquitetura da Praia..................................................................................................................100

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................................104 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................106 ANEXO 01 ..........................................................................................................................................111 ANEXO 02 ..........................................................................................................................................116 ANEXO 03 ..........................................................................................................................................119

15

Introdução

Qual a primeira imagem que vem a sua cabeça quando você pensa numa praia tropical? Dia ensolarado, mar transparente, uma faixa de areia branquinha, coqueiros que fazem sombra enquanto alguém está sentado no seu estado mais relaxado aproveitando uma deliciosa água de coco; crianças brincando na areia, pessoas felizes aproveitando a água do mar para se refrescar do imenso calor; pessoas andando de bicicleta no calçadão ou jogando vôlei na areia da praia. Poderia descrever inúmeras imagens que representariam as impressões que temos sobre as praias e todas elas nos passariam a ideia de um lugar tranquilo e agradável, sonho de consumo da maioria da população. Tais imagens surgem como forma de representação das ideias assimiladas pela população a partir dos discursos criados pela sociedade e de acordo com os interesses existentes em cada época auxiliando a formar uma consciência coletiva, ou melhor, a visão que as pessoas têm sobre determinados eventos. A divulgação, afirmação e construção destes diversos discursos, criados para representar situações existentes ou desejadas para estes territórios, encontram na mídia um de seus principais pontos de apoio. Através desta e das diferentes linguagens de comunicação, seja ela escrita, oral ou visual, criam e recriam cenários urbanos modificando inclusive o comportamento da sociedade. É a partir desse contexto – onde os discursos ampliados pela mídia influenciam as formas de ocupação e desenvolvimento do território -, que se pretende pautar essa investigação, buscando estabelecer paralelos entre os discursos midiáticos, revistas e jornais locais, sobre a praia de Tambaú em João Pessoa – PB, durante as décadas de 1950 a 1970, e a cidade construída ou mesmo idealizada. Ou seja, de que maneira a praia é inventada como área de lazer ou de residência de férias e reinventada durante todo o processo de ocupação e desenvolvimento como bairro; em seu conjunto, trata-se de uma forma de entender o impacto desta construção imagética nos processos e mecanismos de produção da cidade, exemplificado no que aqui chamamos de invenção da praia. Ao longo de toda a minha formação acadêmica no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPB tive a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a história da cidade de João Pessoa e a construção de sua paisagem. O contato com jornais e revistas nos arquivos públicos a partir das experiências vividas durante o curso de graduação, como em projetos

16

de Iniciação Científica1 e no Trabalho Final de Graduação2, despertou meu interesse sobre as diferentes formas de linguagem e representação do espaço e a utilização da imagem ou dos discursos criados pelos meios de comunicação como ferramentas para vender ideias ou qualificar territórios a partir de diferentes interesses, bem como a criação de cenários urbanos representativos de um ideário desejado. A imagem, assim, aparece como um importante elemento de influência na formação de um imaginário coletivo sobre determinados eventos, agregadora de qualidades e produtora de conceitos que são fundamentais para a construção e produção da cidade. É através dos meios de comunicação que vão encontrar o suporte para a divulgação desses conceitos e desejos. Poucos são os trabalhos que discutem essa temática com maior profundidade na capital paraibana. Dessa maneira, percebi a necessidade de refletir sobre a construção e estruturação do território, no caso as praias de João Pessoa – PB, a partir dos discursos criados pelos meios de comunicação, sejam eles jornais, revistas e propagandas imobiliárias. Tais reflexões motivaram a escolha do tema para a elaboração do projeto de Mestrado: A invenção da Praia. A construção imagética e a transformação do território da praia de Tambaú, João Pessoa – PB: 1950-1970. Dessa maneira, o trabalho em questão propõe:



Estabelecer paralelos entre os discursos criados pela mídia impressa, jornais e revistas locais, sobre a praia de Tambaú em João Pessoa – PB, durante as décadas de 1950 a 1970, e a cidade construída ou mesmo idealizada;



Identificar os elementos que estruturam o espaço da praia de Tambaú em João Pessoa – PB, do ponto de vista da territorialização;



Estabelecer o papel que esses elementos tem na invenção da praia, nos territórios criados.

1

Projeto de pesquisa intitulado “Registros de Arquitetura Moderna em João Pessoa entre 1950 e 1970”, coordenado pelo Laboratório de Pesquisas Projeto e Memória e desenvolvido entre os anos de 2006 e 2008, através do Programa de Iniciação Científica da UFPB, cujo objetivo é registrar as notícias sobre Arquitetura e Urbanismo Modernos, nos jornais locais - A União, O Norte e Correio da Paraíba –, de maneira a possibilitar a criação de um banco de dados para auxiliar trabalhos futuros, ampliar o conhecimento e possibilitar a reflexão sobre a história da arquitetura e urbanismo modernos na cidade. 2 Trabalho final de Graduação defendido em agosto de 2009 e intitulado “Patrimônio Moderno”. Intervenção no Iate Clube da Paraíba. Tendo como objetivo promover a requalificação de um conjunto edificado – O Iate Clube da Paraíba – localizado no bairro Jardim Oceania na cidade de João Pessoa – PB, na forma de anteprojeto, entendendo que ele tem importância na construção da memória da cidade e possui elementos arquitetônicos característicos de uma arquitetura que teve grande repercussão no país e no exterior, a arquitetura moderna.

17

Para tanto, é necessário construir um percurso para a investigação. O primeiro capítulo será o momento de compreender de que maneira esses meios de comunicação constroem os discursos e se utilizam das imagens para agregar valores e qualidades a determinados eventos ou espaços. Verificando como se dá a construção da imagem de um determinado lugar e como tais imagens, carregadas de símbolos e significações, produzem conceitos que serão fundamentais para a construção e produção da cidade. Uma espécie de referencial teórico sobre os dois elementos no qual se baseia o trabalho em questão: Imagem midiática e Território. Dessa forma, conceituar e articular esses dois elementos serão aspectos primordiais e fundamentais para a compreensão do tema. No capítulo 2 serão trazidas as ferramentas utilizadas para a pesquisa, ou seja, os documentos de representação escolhidos e atores fundamentais dessa reflexão, bem como as estratégias que serão utilizadas durante a investigação. Nesse momento, será necessário compreender de que maneira esses documentos de representação são importantes para a construção da história podendo constituir-se como fonte para a pesquisa. Para facilitar o entendimento, dividiremos as ferramentas utilizadas em três grupos: o primeiro se refere aos jornais e revistas locais, principal material a ser analisado. Trata-se dos periódicos que nos trarão os discursos imagéticos referentes ao recorte espacial da pesquisa: a praia de Tambaú. Estes, pesquisados de maneira sistemática, abarcando o período em questão, 1950-1970; O segundo grupo se refere ao que chamaremos de verificação das apropriações dos discursos; ou mais especificamente uma tentativa de observar as primeiras apropriações, pela população, desses discursos através de uma aproximação com a arquitetura e a cidade. Esses elementos terão como uma das referências uma base de dados contendo informações sobre os projetos de construção que deram entrada na Prefeitura Municipal de João Pessoa durante o período de 1916 a 1959 e que inclui os momentos iniciais do avanço urbanístico em direção à orla marítima; E finalmente o terceiro grupo, que se refere às revistas que servirão de apoio/suporte para a pesquisa propriamente dita: revistas de porte nacional e internacional, que auxiliarão na compreensão dos discursos locais que introduzem e reforçam a ideia de orla marítima, ou praia, como lugar ideal para se morar. É importante esclarecer que, o recorte temporal (1950-1970) se estabelece exatamente por centralizar as ações de incorporação territorial dos discursos em tentativas de consolidação de uma nova área de expansão urbana para a cidade. Para entender este momento, no entanto, a pesquisa incorpora, necessariamente, eventos anteriores ou posteriores a este recorte temporal.

18

Esclarecido o tema e as ferramentas utilizadas, chegou a hora de abordar sobre o nosso estudo de caso: A praia de Tambaú. Para tanto, no capítulo 3, refletiremos sobre as transformações do imaginário relacionado a praia, procurando entender como se constitui a cultura da praia e quais suas relações com a cidade. Por fim, traremos uma breve contextualização histórica e urbana sobre a cidade de João Pessoa, a partir de sua relação com o mar, de maneira a entender o momento em que a cidade “descobre” a praia, seus benefícios e qualidades terapêuticas e passa a enxergá-la como uma alternativa ao cenário insalubre e os problemas existentes em uma cidade que, de certa forma, convive com estruturas urbanas ainda fortemente caracterizadas por sua história colonial. No capítulo 4 serão analisados de forma sistemática os discursos encontrados nos jornais locais – A União, O Norte e Correio da Paraíba, e a revista Manaíra. Trata-se de uma abordagem interpretativa, de maneira a compreender as intenções por trás de cada fala criada no discurso realizado sobre a ocupação e utilização das praias de João Pessoa. Ou seja, da praia essencialmente como lugar de veraneio e a praia que também incorpora e se deseja estabelecer enquanto bairro, mas também enquanto centro. O que esses discursos querem dizer, o que eles de fato dizem e como a população o interpreta ou a apreende serão questionamentos presentes em todos os momentos da investigação nas notícias de jornal e revistas e propagandas divulgados pela mídia. É nesta óptica que este estudo pretende avançar, reunindo imagens e escritos que explicam a construção das diversas imagens das praias de João Pessoa. Por fim, as Considerações Finais, que trarão reflexões sobre o uso da imagem como instrumento de poder na transformação do espaço, abordando possíveis hipóteses sobre até onde iam essas invenções e até que ponto auxiliam na transformação do território.

19

Capítulo 1 Imagem, Mídia e Território

Fig. 01 – Praia de Tambaú. Crédito da Imagem da abertura: Manoel Clemente. A União, 27 Out. 1968, p.03.

20

Imagem midiática e Território. É tomando como base esses dois elementos que será fundamentado o trabalho proposto. Conceituar e articulá-los serão aspectos primordiais nesse capítulo e fundamentais para a compreensão do tema. É importante afirmar ainda, que o trabalho em questão não é nem a Imagem Midiática [palavras, linguagem], nem o Território [arquitetura e os discursos sobre a cidade], mas sim os processos de construção de territorialidades através dos discursos midiáticos [jornais e revistas]. Dessa maneira, eles devem ser entendidos como partes de um todo, onde cada elemento desempenha relação com o outro. Entender como a imagem midiática, esse dispositivo carregado de símbolos e significações, representação das ideias que são assimiladas pela população, promove, afirma e cristaliza desejos e conceitos. Ou ainda, como a partir desses discursos criados por uma parcela da sociedade, aquela detentora do poder (seja ele político ou social), e de acordo com os interesses existentes em cada época, é possível construir um imaginário coletivo 3 . Verificar algumas evidências entre imagem midiática e territorialidades é necessário para entender como a partir de um paralelo entre a imagem construída, afirmada e divulgada pela mídia se evidenciam formas de construir ou idealizar uma cidade. Ou ainda, possíveis territorialidades. Articular as palavras [imagem, linguagem] e as coisas [territorialidades e arquiteturas]: esse é o fio condutor que irá guiar-nos através desse exercício de reflexão e síntese da estrutura teórica pretendida.

1.1 Decodificando antecedentes De maneira a entender esses questionamentos e refletir sobre o tema escolhido na dissertação, serão elencados teses e dissertações que de alguma maneira abordam o tema em questão, além da bibliografia básica que se faz pertinente sobre o tema. Barthes (1984; 2005) trará a sustentação teórica necessária para que se possa compreender a imagem no contexto da mídia e dela como discurso. Jacques Aumont (2004) e Martine Joly (2002) e seus estudos sobre a imagem e suas possíveis interpretações serão peças importantes para compreender as relações nas quais a imagem pode estar associada, embora não seja objetivo fazer uma leitura interpretativa plástica ou documental da imagem. Michel De Certeau (2008), ao escrever sobre o cotidiano urbano, Henri Lefebvre (1986) descrevendo sobre o espaço e as sociabilidades urbanas, trarão um melhor entendimento sobre a relação 3

Imaginário coletivo entendido como um conjunto de símbolos, conceitos, significados e significações, comum a um conjunto de pessoas, uma sociedade.

21

entre imagem midiática e a formação de territorialidades. E ainda Michel Foucault (1999) e sua relação entre “As Palavras e as Coisas”, que apesar de não ser especificamente sobre o assunto, surgiu como fonte de inspiração para estruturação do trabalho proposto. O objetivo aqui, é criar um conjunto de elementos que sirvam de suporte e fundamente o trabalho. Tendo em vista a possibilidade de obter um panorama geral dos trabalhos produzidos no país sobre o tema, e a partir da plataforma de periódicos online da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior, foram encontrados três trabalhos que de alguma maneira abordam o tema ou parte do tema em questão. O primeiro investiga a questão da imagem como discurso da cidade relacionando-a de maneira mais aprofundada com a mídia, outros dois tratam sobre a imagem da cidade, ou melhor, da imagem referente ao imaginário coletivo, endossado pela mídia, entretanto, com enfoques diferenciados. O primeiro trabalho mencionado é a dissertação de Marcos A. Nunes Rodrigues escrita sob a orientação da professora Ângela Maria Gordilho: “Cidade, Imagens e Discursos. A imagem de Salvador na era do Planejamento Estratégico”, do curso de Pós graduação em Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Busca entender como o chamado planejamento estratégico urbano atua ou influencia na construção da imagem da cidade de Salvador através de uma das suas principais ferramentas: o marketing, ou seja, através da promoção da cidade a partir de determinados atributos. O autor mapeia e analisa a construção de uma imagem de cidade com base nas peças de publicidade, no caso específico os vídeos publicitários veiculados em rede nacional na década de 1990. E é nesse aspecto que o trabalho de Rodrigues se aproxima do trabalho que está sendo proposto. Rodrigues traz à tona a questão da construção de uma imagem/discurso de cidade que tem por objetivo criar consensos e cristalizar ideias. Revela e confirma que os processos comunicacionais, nesse caso a mídia, interagem dialeticamente com o processo de constituição do espaço urbano e da imagem pública das cidades. Dessa maneira, indica a necessidade de refletir sobre as conexões existentes entre as representações da cidade e as relações de poder. Qual o poder que as imagens exercem sobre a sociedade? Qual o poder que a mídia exerce sobre a cidade? E como a cidade aparece idealizada na mídia impressa? Questionamentos esses, que serão fundamentais para responder um dos principais objetivos do trabalho que está sendo proposto: compreender e refletir sobre as relações existentes na construção imagética e os processos e mecanismo de produção da cidade, exemplificado no que estamos chamando de invenção da praia. Assim, buscaremos compreender as relações de poder entre imagem/sociedade e mídia/cidade existentes

22

durante o processo de ocupação da praia de Tambaú em João Pessoa-PB, no período de 1950 a 1970 [época de maior desenvolvimento da área estudada]. O segundo, “Narrativas da construção de Brasília. Mídia, Fotografias, Projeto e História”, se refere à tese de doutorado de Luisa Videsott, sob a orientação do professor Carlos Roberto Monteiro de Andrade, do curso de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia da USP São Carlos. O trabalho descreve e contextualiza as matérias que descreveram a construção de Brasília durante o período de edificação da cidade, publicadas através de meios de comunicação de massa, analisando arquitetura e a cidade em construção, com o objetivo de indagar a qualidade e o caráter de participação da mídia na elaboração de uma Imagem da construção da Capital. Esse trabalho contribui para auxiliar na construção da metodologia utilizada nas análises dessas matérias e fotografias selecionadas nos periódicos escolhidos. Entender como os contextos e as relações sociais e políticas podem interferir na compreensão das imagens construídas. O terceiro trabalho trata da construção de uma imagem/imaginário da praia de Copacabana no Rio de Janeiro O trabalho “A Praia de Copacabana: Uma reflexão sobre algumas das estratégias de construção e manutenção da imagem de um espaço de consumo e lazer na cidade do Rio de Janeiro”, dissertação apresentada por Flávia Ferreira Fernandes sob a orientação da professora Dr. Laura Graziela Gomes do Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense. Fernandes analisa a ocupação do espaço da praia de Copacabana como um ambiente de consumo e lazer através de registros fotográficos e matérias vinculadas aos meios de comunicação de massa no período de sua ocupação e nos dias atuais. Esse trabalho contribui para entender as intenções ocultas ou disfarçadas das matérias nas revistas, jornais e folhetins pesquisados, avaliando melhor sobre as intenções por trás de cada evento. Utilizando a relação feita por Foucault em “As Palavras e as Coisas”4, os trabalhos trazidos até aqui, buscaram auxiliar nas reflexões sobre imagens e discursos, ou seja, sobre “as palavras”, que como afirma Foucault (1999), são capazes de construir uma linguagem, sistema organizados de símbolos, sobre determinados eventos. Assim, os textos a seguir vão auxiliar nessa articulação, de maneira a relacionar a linguagem e as “coisas” que fazem parte do mundo, no nosso caso, as cidades, arquitetura, as territorialidades.

4

Referência ao Livro de Michel Foucault, “As Palavras e as Coisas. Uma arqueologia das Ciências Humanas” (1999).

23

Com a intenção de catalogar textos que abordam aspectos específicos da cidade de João Pessoa, elementos que auxiliaram a estruturar o espaço da praia de Tambaú do ponto de vista da territorialização e pudessem contribuir para a compreensão sobre os aspectos históricos e evolução urbana da cidade de estudo, foram selecionados cinco trabalhos. O primeiro, a dissertação de mestrado do arquiteto Marco Antônio Farias Coutinho, “Evolução Urbana e Qualidade de Vida: O Caso da Avenida Epitácio Pessoa”, realizado pelo Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente na Universidade Federal da Paraíba em 2004. Coutinho estudou a Avenida Epitácio Pessoa, principal artéria de ligação entre o Centro da cidade e a praia e elemento estruturador e fundamental para explicar a ocupação da Praia de Tambaú, local de estudo do trabalho proposto. Através de mapas, imagens e uma série de registros sobre aspectos históricos das transformações ocorridas e relacionadas a essa importante artéria pode-se obter informações relevantes que contribuirão para entender a construção das territorialidades existentes na praia de Tambaú e o papel que esse elemento teve sobre a o que aqui chamamos que invenção da praia. O segundo trabalho, de Aldo Gomes Leandro, “O Turismo em João Pessoa e a Construção da Imagem da Cidade”, dissertação que teve a orientação do professor Carlos Augusto de Amorim Cardoso do curso de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, fala sobre a construção de uma imagem de cidade a partir do marketing turístico. Analisa tanto as intervenções urbanas realizadas e que atendem a produção turística local como a influência da mídia na construção dessa imagem. Nesse contexto traz dados importantes sobre o Hotel Tambaú, elemento estruturador da praia de Tambaú, responsável pela criação de diversas redes territoriais criadas. Já os trabalhos de R. C. C. Moreira, “A questão do gabarito na orla marítima de João Pessoa (bairros de Manaíra, Tambaú e Cabo Branco)”, 2006 do Mestrado em Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba, e “Acumulação do Capital e Produção do Espaço. O caso da grande João Pessoa”, dissertação de mestrado realizada pela geógrafa, Janete Lins Rodriguez, em 1980, no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco, trazem dados importantes sobre o Projeto CURA Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada, elemento fundamental para o estabelecimento das bases estruturais do bairro de Tambaú. O quinto e último trabalho, intitulado “Transformações Urbanas: a modernização da capital paraibana e o desenho da cidade, 1910 – 1940”, dissertação de mestrado desenvolvida pela

24

arquiteta Wylnna Carlos Lima Vidal no ano de 2004 pelo Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana na Universidade Federal da Paraíba faz um grande panorama sobre as transformações urbanas ocorridas na cidade entre 1910 e 1940. Apresenta mapas, descreve eventos históricos e transformações urbanas ocorridas na cidade, proporcionando assim um panorama dos acontecimentos que possibilitaram o desenvolvimento da cidade e a evolução urbana em direção ao mar.

1.2 Imagem midiática e Território. Articulações entre as Palavras e as Coisas. Como dito anteriormente, a relação que aqui se faz necessária pode, de certa maneira, ser observada a partir de uma articulação entre “As Palavras e as Coisas” (1999) de Foucault, uma articulação entre a linguagem e as “coisas” que fazem parte do mundo, no nosso caso, entre a imagem e a arquitetura, as territorialidades. A imagem midiática aqui se configura de maneira análoga as “palavras” mencionadas por Foucault, ou seja, está representada como a linguagem utilizada para “fazer tudo falar”, representação das “coisas”. Esta, aqui equivale a materialidade do mundo, a arquitetura, as relações sociais criadas, as territorialidades produzidas. Tal analogia propõe uma tentativa de entendê-las como um conjunto, um saber que só se faz possível a partir de um espaço de ordem, onde imagem midiática e território são trazidos para o mesmo patamar.

1.2.1 A Imagem e imaginário: conceitos e interpretações Para compreender sobre como a imagem pode ser utilizada como dispositivo de transformação de território, ou seja, como através dela é possível promover ideias e cristalizar conceitos capazes de proporcionar a um determinado lugar identidade e/ou a efetiva apropriação daquele espaço e finalmente possibilitar a análise da imagem midiática como discurso; achou-se importante trazer para essa discussão um pouco sobre o conceito de imagem, seu uso, sua interpretação e as relações existentes entre imaginação e imaginário, mesmo que o objetivo do trabalho não seja fazer uma leitura interpretativa plástica ou documental da imagem. A utilização da imagem como forma de linguagem e como meio de expressão da cultura humana existe desde as pinturas pré-históricas, não prescindindo ao tempo. Através de

25

desenhos, pinturas, gravuras, fotografias, imagens cinematográficas ou mesmo imagens literárias criadas a partir dos discursos escritos e orais, nossa vida cotidiana está permeada de mensagens visuais. Nesse momento, conceituar a imagem é fundamental para que possamos compreender sua dimensão e complexidade. Para FLUSSER (1985, p.13) em seu livro Filosofia da Caixa Preta, “Imagens são superfícies que pretendem representar algo” e que se dá a partir de um “processo específico de abstração”, onde se evocam ideias ou imagens de objetos, êxitos, relações, atributos ou sentimentos. SANTELLA (2008) no momento em que divide as imagens em dois domínios: a imagem como representação visual - representação visual de um objeto ou de uma ideia, que possuem formas visíveis - e a imagem como representação mental – o domínio imaterial das imagens na nossa mente, que se dirigem ao intelecto, ou seja, a imaginação – reitera a relação entre imagem e imaginação e explica que ambas são inextricavelmente ligadas; pois não há imagens como representação visual que não tenham surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais. A imagem que aqui nos referimos, configura-se como representação figurativa da ideia traduzida em conceitos sobre algo visto/vivido no mundo real. Ela é um convite que vai além da simples aparência captada pela visão, pois provoca a imaginação que cria novas imagens.

Fig. 02 – Porto da Barra, Salvador – BA. Década de 1940. Fonte: Fundação Gregório de Matos.

26

Na imagem acima (Fig. 02), a praia do Porto da Barra surge como representação de uma cidade bucólica, cidade dos Saveiros, dos pescadores a beira mar. Faz-nos refletir sobre as diversas imagens/realidades existentes na cidade. A Salvador de Pierre Verger, de Lina Bo Bardi, que mescla tradições e modernidade se comparada em um campo mais ampliado. Em suma, a imagem é sempre a representação de algo, seja no campo do concreto ou do abstrato, intencionando transmitir mensagens, ou seja, representações sempre carregadas de símbolos e identidades. Mas então, como interpretar tais imagens? Como compreender o que uma imagem nos quer transmitir? E mais, como entender o processo de construção de territorialidades a partir do processo de criação e difusão de imagens? Mello (2004), em sua dissertação sobre a produção da imagem urbana da cidade de Salvador, através de fotografias produzidas no fim do século XIX até meados do século XX e divulgadas através de cartões-postais, afirma que interpretar uma imagem é entender através de seus códigos, a expressão das mais diversas formas de representar e significar; é uma relação que ela carrega em si, entre o sujeito e a sua cultura. Para Joly (2002), essas representações são também resultados de um complexo processo de significação, ao qual, segundo ele, não se pode atribuir uma interpretação única, pois depende de diversos fatores para ser compreendida e interpretada. Isso então, nos faz perceber que a interpretação da imagem não pode ser realizada somente de maneira objetiva e analítica, como quer a semiótica5, pois atrelado a imagem está a imaginação e os diversos fatores e discursos inerentes a ela. Nesse ponto, convém afirmar que a partir dessa relação entre imagem e imaginação, há uma relação direta entre a imagem e o sujeito. Um ponto importante, pois se entende que seria insuficiente considerar as imagens fora das interpretações pessoais do sujeito e da “intensidade de seu desejo frente ao objeto fotografado”, como afirma Barthes (1984). Assim, tão (ou mais) importante quanto o produtor da imagem – e que a partir dela deseja transmitir uma mensagem - e que aqui chamaremos de locutor, é o espectador, aquele que olha a imagem. Pois, “a imagem por si só não nos diz nada, apenas indica” (BARTHES, 1984). Entretanto, podendo ser bastante eloquente na indicação.

5

Semiótica é a ciência que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de significação.

27

Dito de outra maneira, o entendimento do discurso depende tanto daquele que formula o discurso como daquele que o interpreta. No caso da construção da imagem, tratamos igualmente da construção de um discurso que, através de um olhar, terá reestabelecida uma significação. É nesta relação entre imagem e espectador que Aumont (2004) apresenta os diversos fatores determinantes deste olhar, como a classe social e o contexto histórico e cultural no qual esse espectador está inserido. Entretanto, para Joly (2002) ainda que cada espectador seja único e possua a sua própria grelha interpretativa, que variam de acordo com as circunstâncias, a interpretação de uma imagem nem por isso será destituída de certos limites. E são esses limites e regras de funcionamento que possibilitam construir uma imagem que, embora formada por diversas facetas, se mantém coerente na sua significação. Portanto, embora o papel do espectador seja extremamente ativo - pois é ele quem “faz a imagem” - a imagem tem por função primeira garantir, reforçar, reafirmar e explicitar sua relação com o mundo visual. Tal como explica Gombrich (apud AUMONT, 2004), o espectador faz o reconhecimento da imagem, identificando nela características que vê no mundo real, mas também se utiliza da rememoração, de esquemas de estrutura relativamente simples e memorizáveis, de maneira a codificar o real. Fazendo a junção de uma com a outra, o espectador constrói uma visão coerente do conjunto da imagem. Ou seja, ele “faz a imagem” a partir de um repertório relativamente preciso de referências. Sendo assim de extrema importância conhecer o contexto, os discursos e desejos existentes na época na qual a imagem se insere e assim se estabelece como um vetor de disseminação de ideias e conceitos, sendo capaz de transformar e construir a realidade. A partir dessa afirmação e tendo em vista que o objetivo é analisar a imagem midiática como discurso, faz-se necessário levar em consideração uma nova relação: a do espectador e a do produtor da imagem, no nosso caso, aquelas veiculadas pela mídia impressa.

1.2.2 Imagem e Mídia: fotografias e revistas na construção de um imaginário O termo comunicação significa tornar comum, partilhar, repartir, trocar opiniões. A comunicação é o processo de troca de experiências que permite tornar um patrimônio comum, com o objetivo de informar, orientar, entreter e transmitir cultura, valores e normas sociais. Os meios de comunicação sejam eles jornais, revistas, rádio, televisão, cinema e

28

atualmente a internet, através desta troca mudam ou cristalizam atitudes, opiniões e valores naqueles indivíduos que participam deste processo. Esses meios de comunicação, e claro mais especificamente a mídia impressa, atingem simultaneamente um vasto público, caracterizado por ser heterogêneo e geograficamente disperso, mesmo que as mensagens produzidas sejam dirigidas a uma parcela específica desse público, isto é, a um sexo, faixa etária ou a um determinado grau de escolaridade. Dependendo então dos objetivos de quem está por trás da mensagem produzida, esses poderes de influência constituem verdadeiras ferramentas de fabricação, reprodução e disseminação das representações sociais que o próprio indivíduo tem de si mesmo ou do outro ou mesmo de um lugar. A mídia impressa aparece como o elemento responsável para que esse imaginário coletivo criado tenha representatividade. Vejamos o exemplo da imagem a seguir (Fig. 03): propaganda da Shell – distribuidora de combustível - associando a marca à ideia de progresso construída sobre Brasília. Nesse caso, a representatividade adquirida por Brasília como símbolo de progresso, de ser moderno, a utilização de suas edificações modernistas como representação da modernidade, teve a mídia como o grande responsável pela criação desse imaginário coletivo. Brasília passou a significar progresso e quem quisesse estar associado a mesma ideia a utilizava como símbolo.

Fig. 03 – Propaganda da Shell – distribuidora de combustível. Associação da marca com a ideia de Progresso diversas vezes afirmada e divulgada sobre a construção de Brasília. Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: 07 maio 1960.

Mas o que significava ser moderno? Existe uma multiplicidade de modernidades e modernismos que podem ser pensados, ou seja, há uma possibilidade de variedades de projetos de modernização que seriam expressas por numerosas, mas não arbitrárias,

29

estéticas modernistas.6 Do ponto de vista deste estudo, o modernismo pode ser visto como um movimento de ideias e ideais, que circulam pelos principais núcleos urbanos do país e do mundo, assumindo características muitas vezes distintas. De todo modo, em meados do século XX, no Brasil, ser moderno significava, entre várias outras coisas, mobilizar uma nova ordem presidida pelos valores do progresso e da civilização; ser moderno era romper com o atraso colonial, com as amarras do estado de dependência cultural e econômica em que se vivia no país; ser moderno era a emergência de uma condição mundial própria e de um esforço de integração de um estado-nação. (CAVALCANTI, 2006; KAZ, 2010) Segundo Videsott (2009), a utilização de imagens com o objetivo de comunicar ou transmitir mensagens é a ferramenta que melhor se presta à veiculação de uma interpretação de um determinado evento, pois é a mais acessível à maioria das pessoas e que possui maior credibilidade (no caso das fotografias, especificamente) junto às massas. Para a mesma autora, “a linguagem visual, por comunicar para além dos limites das línguas escrita e falada, alcança mais facilmente seus públicos” (2009, p.16). Entretanto, a autora também alerta que, apesar da simplicidade e acessibilidade com que a imagem aparenta atingir a todos, sua compreensão não se manifesta da mesma maneira ou com a mesma profundidade, podendo ocultar discursos mais complexos como ideologias, patrimônio cultural, tradições, etc. Nesse sentido, é fundamental levar em consideração as consequências que os dispositivos imagéticos, especialmente a fotografia7, e as interlocuções entre as palavras e imagens tem na constituição do imaginário coletivo. Além dos jornais, justamente a partir dos anos 1940, a comunicação em massa no Brasil foi vinculada, sobretudo pelas revistas ilustradas, as quais dispuseram de um novo poder de persuasão decorrente do uso maciço da comunicação visual e do movimento de renovação da fotografia, como afirma Helouise Costa (2004). A fotografia adquire relativa importância no processo, pois ela vai assumir um papel essencial nas representações criadas pela mídia. Esse processo ocorreu nas duas primeiras 6

Cf. GOMES, Ângela de Castro. (Org.) Essa gente do Rio: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. 7 É necessário pontuar algumas questões sobre as imagens fotográficas. Apesar de seu status de “testemunho da verdade”, como já comentado anteriormente, a fotografia tem em si certa maleabilidade. Kossoy (2000) indica a facilidade com a qual a própria imagem fotográfica se apresenta “aos mais diferentes e interesseiros usos dirigidos”. E acrescenta que, quando vinculadas através dos meios de comunicação de massa, as imagens fotográficas abusam do despreparo do público frente à propensão em acreditar que os conteúdos das fotografias são expressão da verdade e à falta de compreensão das representações iconográficas em geral. Contudo, o mesmo autor convida a refletir que é o próprio conceito de verdade que, na verdade, exige uma reflexão pontual e não a imagem.

30

décadas do século XX e tratava-se de “desconstruir a herança documental da fotografia do século XIX, questionar os limites da utilização do aparelho, atualizar a percepção do homem e redefinir o potencial de transformação da arte”. (COSTA, 2004, p.102) Essa experiência permitiu uma liberação da fotografia que a partir de então perderia o compromisso de reproduzir o mundo tal qual ele era. Nascida em um ambiente totalmente positivista no qual era encarada como registro visual da verdade, ela então se renova, ganha autonomia enquanto linguagem e expressão, passando de mera ilustração do real, a “produtora” de uma realidade. Passa a servir de transmissão de conteúdos próprios e também de ideologias. Esse é o caráter assumido pela fotografia naquele momento: algo que não é gratuito nem espontâneo, portador de discernimento e intenções. É a verdadeira renovação do papel da imagem na mídia, com uma linguagem mais atraente para o público e que ensejava novas maneiras de ver o mundo, servindo como refletor da modernização da sociedade. A renovação do papel da imagem na mídia e o consequente surgimento do fotojornalismo8 na Alemanha, pós primeira guerra mundial, surge e ganha força a partir de alguns fatores como: o poder de atração e popularidade das fotografias, suportados por uma cultura visual que se desenvolvia com o cinema e que, mais tarde, abriria caminho para a televisão; o entendimento das imagens como fator de legibilidade e de acessibilidade aos textos por parte do público; a introdução de tecnologias inovadoras como câmeras menores, filme rápido e flashes eletrônicos. (SOUZA, 2002, p. 21) Além desses fatores, vale salientar que a industrialização crescente da imprensa e a busca por lucro fizeram do fotojornalismo o ideal de objetividade. As revistas ilustradas alemãs tinham tiragens de cerca de 5 milhões de exemplares para uma audiência estimada de 20 milhões de pessoas (Lacayo e Russell apud Souza, 2002). Posteriormente influenciadas pelas ideias basilares das revistas ilustradas alemãs, surgem revistas como Vu (francesa), Picture Post (inglesa), Life (estadunidense) e O Cruzeiro (brasileira). A fotografia jornalística ganhou força, ultrapassando o caráter meramente ilustrativo e decorativo a que era voltada. Pela primeira vez, privilegiou-se a imagem em detrimento do texto, que surgia como um complemento, por vezes reduzido a pequenas legendas. Tais revistas inauguraram a nova linguagem na mídia impressa e exportaram para todo o mundo as novas concepções criadas.

8

Fotojornalismo foi o termo criado para denominar o tipo de linguagem onde a fotografia assume o mesmo espaço e importância dos textos. Cf. SOUZA, 2002.

31

Fig. 04, 05, 06, 07 – Capas das Revistas ilustradas Vu, Picture Post, Life e O Cruzeiro. Edições: 03.mar.1934, 17.abr.1954, 13.jan.1947, 24.nov.1928, respectivamente. Fonte: Diversas, conferir lista de figuras.

A Vu, revista francesa inaugurada na década de 1920, segundo Costa (1999), apostava no aspecto visual como principal atrativo, adotando muitas vezes um caráter pedagógico ao pretender ensinar novas maneiras de ver o mundo. Em suas publicações via-se a inserção da imagem em toda a sua nova potencialidade, como resposta a uma nova demanda a vida moderna, como aponta essa apresentação da revista, publicada em seu número inaugural.

32

Porque uma nova revista ilustrada? Para responder a necessidades precisas que até esse dia não foram levadas em consideração na França. (...) não encontramos entre nós uma revista ilustrada cuja leitura traduza o ritmo precipitado da vida atual, uma revista que resenhe e documente todas as manifestações da vida contemporânea: acontecimentos políticos, descobertas científicas, cataclismas, explorações, façanhas esportivas, teatro, cinema, arte, moda. Vu tem por tarefa cobrir essa lacuna. Concebida segundo um espírito novo e realizada através de meios novos (....) (Vu apud COSTA, 1999)

Os conflitos do pós-guerra representaram um terreno fecundo para o desenvolvimento e posterior massificação do fotojornalismo. Nesse momento a fotografia jornalística encontrou espaço para introduzir novas formas de expressão buscando inspiração no interesse humano. Florescia a ideia de que ao público não interessavam somente as atividades e os acontecimentos em que estavam envolvidas as figuras públicas, mas também as vidas das pessoas comuns. Assim, os jornais, e principalmente as revistas ilustradas, começam a integrar reportagens da vida cotidiana com as quais se identificavam uma larga faixa do público, ansiosos por imagens. Surgia uma linguagem moderna e que aplicada ao contexto brasileiro, servia, a princípio, como instrumento eficaz para atender a uma necessidade e vontade de afastar a imagem do atraso conduzindo o país a uma nova era – O Progresso. O progresso, a modernidade e a construção da nacionalidade encontraram nessa nova linguagem um meio de afirmar e divulgar suas vontades, o canal para a construção desse imaginário do Brasil. Determinados gestos de olhar que pretendiam construir um Brasil de acordo com as orientações ideológicas da época. Aqui nasce uma nação inventada. No entanto, torna-se fundamental ressaltar que essa invenção não se configura como fabricação nem falsidade, mas como criação e imaginação, sendo controlada por determinadas intenções. (COSTA, 1999, p. 110)

O que Costa quer dizer, é que não existe uma única realidade ou identidade autêntica, mas sim uma pluralidade delas, construídas por diferentes grupos sociais e em diferentes épocas. Dessa maneira, a veracidade dos fatos não encontra lugar nessa discussão, tendo em vista que as imagens produzidas nesses periódicos são como o reflexo esperado da nação que a sociedade de cada época queria ver e ser. A mídia chega para confeccionar ou, encenar, o imaginário da época, integrando um esforço coletivo onde participavam o Estado, os intelectuais e a própria sociedade.

33

Dessa maneira, as imagens suportadas através desses periódicos podem nos auxiliar a identificar tais realidades e identidades desejadas por porções da população. Levantar hipóteses, responder questões que tenham a ver com os desejos de cada época e de cada grupo social através de um olhar do cotidiano, do dia-a-dia. Assim, a fotorreportagem, mais do que ter narrado o evento, interpretou, contextualizou e descreveu os ambientes, os hábitos, as relações pessoais, “reconstruindo” uma realidade; construiu uma forma/imagem da “realidade” que, supostamente apresentando o presente, o projetou para o futuro. Enfim, essas imagens, incorporadas da realidade existente no contexto presenciado, são como verdadeiros “códigos visuais portadores de conteúdos”. Elas preservam as intenções dos autores e dos clientes, o ponto de vista do fotógrafo, os enquadramentos, os recortes, as iluminações, a escolha dos sujeitos e a hierarquização dos elementos, dependendo tanto do artista quanto dos seus patrocinadores. Essas qualidades e finalidades sobrevivem ao tempo. Vestiários, expressões, gestos, ambientes, composições, sombras e claro-escuros, cores, primeiro plano e fundo, etc., da mesma maneira que, dialogando entre si, constroem os discursos e a beleza das imagens, tornam-se sinais, indicadores dos conteúdos que as próprias imagens visam divulgar. Por essas razões, também as fotografias não podem ser consideradas apenas como “provas” de uma realidade acontecida, mas como “reservas de indícios” para o historiador educado à leitura. As imagens, depois de terem sido agentes para relatar uma história, podem tornar-se fontes para indagar o passado e instrumentos para contar outras histórias. Utilizar as imagens vinculadas à mídia impressa como fonte para o estudo exige uma compreensão das relações existentes entre o conjunto de informações que essas imagens carregam e o uso que a mídia faz delas. As imagens utilizadas como instrumento e/ou divulgadas pela mídia, juntamente com as legendas e manchetes, podem vir a construir narrativas paralelas. É o que Barthes (p.104, 2005) chama de mensagem associada, ou seja a mensagem composta pelo segundo sentido associado a mensagem bruta, literal9. Além do que, como já explicado anteriormente, sua interpretação pode variar de acordo com o espectador, ele pode aceitar a mensagem estabelecida, como também construir sua própria mensagem atribuindo-lhes conteúdos que julga verdadeiros. É a partir dessa complexidade 9

De acordo com Barthes (2005), todo anúncio publicitário é composto por três tipos de mensagem. A primeira é a mensagem literal ou denotada: aquela traduzida de forma bruta, uma descrição simples daquilo que se vê. A segunda mensagem é chamada de associada ou conotada: composta por todos os segundos sentidos associados a primeira mensagem. Nesse segundo caso, são necessárias outras variáveis como cultura, ideias que precisam ser associadas, sugerindo. Por fim existe a mensagem declarada ou referencial: que é o próprio produto ou objeto ali apresentado na imagem. Essas três mensagens são simultâneas e equivalentes, entretanto, é a mensagem associada que possibilita a articulação entre a mensagem literal e o produto ou objeto ali apresentado, pois não existem imagens puras, neutras ou isentas de sentido associado.

34

de relações existentes nas mensagens visuais atreladas a mídia impressa que vão se formando conceitos e afirmando um imaginário coletivo que aos poucos ganha representatividade. A esse imaginário, outra função assumida pela imagem, aqui definida como linguagem, dáse o conceito de: “a imagem que os usuários fazem e que querem que os outros façam de sua própria fala” (BARTHES, p.111, 2005) ou determinado “evento”. Nesse caso, deixa-se então, de entendê-lo simplesmente como uma reserva de imagens expressivas, vinculado ao grande mito romântico da “criação” artística, para compreendê-lo de modo mais completo e neutro como uma articulação entre a linguagem e imagens criadas pelo sujeito (ainda que este sujeito seja coletivo) e repletas de significações, conhecimentos, razões e consolações. É a partir desse ato de construção do imaginário, que poderíamos chamar de imaginação, que o sujeito se apropria e constrói o mundo. Constroem então palavras que falam objetivamente, mas também subjetivamente.

1.2.3 A Imagem midiática e a formação de Territorialidades Ainda existe outra relação que se faz necessária para que se possa compreender o objeto pretendido. Já refletimos sobre o uso da imagem, seu conceito e sua interpretação; relacionamo-la com a mídia, de maneira a entender como esses meios de comunicação se apropriam desse dispositivo. Agora, lembrando que o objetivo é entender como a imagem pode ser utilizada como dispositivo de transformação do território, ou seja, como através dela é possível promover ideias e cristalizar conceitos capazes de proporcionar a um determinado lugar identidade e/ou a efetiva apropriação daquele espaço, faz-se necessário trazermos mais uma relação: a imagem midiática e a formação de territorialidades. Se as imagens fabricadas e divulgadas pela mídia ajudam a formar ou reforçar discursos, o que dizer sobre o discurso utilizado pela mídia sobre a cidade? Como a cidade, ou melhor, o espaço urbano aparece idealizado por esses meios de comunicação? E como podem vir a construir territorialidades a partir dessas imagens midiáticas? Inicialmente, para que se possa compreender como o território pode ser construído através das imagens midiáticas é necessário defini-lo. Território, nesse contexto, é entendido como um espaço onde existem relações de poder, seja esse um poder simbólico, relativo à apropriação do espaço, carregado de marcas do “vivido” ou mais concreto e funcional,

35

vinculado ao sentido de domínio, “poder político”. (HAESBAERT, 2004) Para Lefebvre (1986), esses dois termos referidos acima [apropriação e dominação], deveriam caminhar juntos, ou melhor, a primeira deveria prevalecer sobre a última. Entretanto, o que se percebe é que, com a dinâmica capitalista, o espaço é dominado pelo aparato estatal-empresarial e é completamente transformado em mercadoria, assim, o território incorpora uma dimensão política. Contudo, não se pode esquecer que ele também dirá respeito às relações econômicas e culturais, pois está intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam o espaço, como elas próprias se organizam nele e como elas dão significado ao lugar. A territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um meio para criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter grande parte do contexto geográfico através do qual nós experimentamos o mundo e o dotamos de significado. (LEFEBVRE, 1986, p.219) Dessa maneira, dentro do processo de apropriação e dominação, território e territorialidade devem ser compreendidos a partir da multiplicidade de suas manifestações – que é também, sobretudo, uma multiplicidade de poderes neles incorporados através dos múltiplos agentes envolvidos. Portanto, devemos distinguir os territórios de acordo com os sujeitos que os constroem, sejam eles indivíduos, grupos sociais, o Estado, empresas, instituições, mídia, etc. Ao relacionar território e as imagens trazidas pela mídia, percebe-se que elas refletem e ao mesmo tempo condicionam as práticas e as representações sociais ali existentes, produzindo territórios na cidade. O espaço urbano também pode ser produzido a partir de um discurso e dos conteúdos veiculados nas mais variadas linguagens. Segundo Serpa (2011), esses conteúdos expressam, a um só tempo, diferenças e similaridades, que diferenciam lugares, mas também os relacionam com o mundo. Para o autor, o discurso fabrica o lugar: o lugar da vida cotidiana, da repetição, do trabalho, do lazer, da criatividade. Entretanto, algumas ponderações precisam ser feitas sobre essa “fabricação”. Segundo Michel de Certeau (2008): 10

A “fabricação” que se quer detectar é uma produção, uma poética – mas escondida, porque ela se dissemina nas regiões definidas e ocupadas pelos sistemas de produção (televisiva, comercial, urbanística, etc.) e

10

Do grego poiein: “criar, inventar, gerar”

36

porque a extensão sempre mais totalitária desses sistemas não deixa aos ‘consumidores’ um lugar onde possam marcar o que fazem com os produtos.

A

uma

produção

racionalizada,

expansionista

além

de

centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde outra produção, qualificada de “consumo”: silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com produtos próprios, mas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma sociedade dominante. (CERTEAU, 2008, p. 39)

O que Certeau afirma no texto acima é que, a presença e a circulação de uma representação não indicam de modo algum o que ela é para seus usuários, esses produtos se disseminam de maneira velada e correspondem aos desejos impostos por uma sociedade dominante. São imagens do consumo, reflexo/produto do desejo, vontade de uma parcela da sociedade. A cidade que aparece nessas imagens não necessariamente corresponde àquela construída de fato, mas nos indica uma aspiração daquilo que se pretendia para o espaço urbano.

Fig. 08 e 09 – Rio de Janeiro e São Paulo na construção de um imaginário de cidade. Fonte: Manchete. Edição Especial 1968.

As figuras 08 e 09 demonstram a construção de um imaginário de cidade: o Rio de Janeiro das paisagens naturais incomparáveis e a São Paulo símbolo do progresso econômico almejado pelo país. Imagens do desejo que correspondem as aspirações do que se pretendia para o espaço urbano. Segundo ainda o mesmo autor, para entender o que uma representação e a circulação de ideias significam para seus usuários, seria necessário analisar a manipulação desses

37

produtos pelos espectadores que não o fabricam. Na pesquisa pretendida não nos deteremos de maneira pragmática a esse tipo de verificação, mas buscaremos trazer algumas evidências sobre como de alguma maneira a população se apropriou desses discursos. A partir de uma aproximação com a arquitetura e urbanismos que eram produzidos na cidade. É fato que, de certa maneira, o que estamos nos referindo é a (re)produção de desejos de uma parcela da sociedade detentora das “técnicas e/ou objetos técnicos”, ou seja detentoras do poder político ou social, que, por sua vez e como já dito anteriormente, influenciam o modo como percebemos o espaço e o tempo, tanto pela sua existência física, quanto pela maneira como afetam nossas sensações e imaginário. É nesse sentido, buscando compreender como as imagens produzidas/afirmadas pela mídia constroem territorialidades que se pretende pautar esta dissertação. Entender que cidade é essa que se revela através desses discursos e como são capazes de fabricar conceitos e desejos para esses lugares nos permite refletir sobre os processos de construção da cidade. Que imagens são essas? Que conceitos são esses? Em que contextos estão inseridos? E quem conta essa história? Perguntas fundamentais que estarão todo o tempo presentes na investigação.

38

Capítulo 2 NARRATIVAS Os Jornais e Revistas na construção e representações de modelos de cidade

Fig. 10 – “A bela da Praia”. Fonte: A União. João Pessoa: 26/03/1968

39

O objetivo deste trabalho é a construção de um paralelo sobre a imagem/imaginário na transformação dos territórios11 construídos na praia de Tambaú; refletir as transformações ocorridas na arquitetura e na cidade a partir das representações e narrativas criadas e divulgadas nos Jornais e Revistas locais. De fato, o século XX representou o século dos meios de comunicação de massa, da evolução da tecnologia da informação e comunicação e das novas formas de representação, proporcionando à história da cidade a possibilidade da inclusão dos episódios por ela contados sob uma perspectiva do cotidiano da cidade. Assim surge a ideia de que desconstruir a “história que revestiu com tonalidades épicas” à transformação do espaço em questão ajudaria a compreendê-lo melhor e refletir sobre os mecanismos de produção da cidade. No capítulo anterior apresentamos uma breve revisão sobre o uso da imagem e sua relação com a mídia, o território e a cidade, procurando compreender de que maneira as imagens midiáticas se configuram como dispositivos que persuadem e promovem a cristalização de desejos podendo inclusive, transformar o espaço. Buscou-se trazer ao mesmo patamar os discursos imagéticos sobre a cidade - linguagem utilizada pelas revistas e jornais - e sua arquitetura, os lugares e territórios existentes, relacionando-os. Isto posto, chega o momento de apresentar as ferramentas utilizadas para construção da narrativa pretendida e as suas linguagens, de maneira a apresentar e descrever como serão utilizadas. É nesse momento que as “palavras”, as imagens e os discursos utilizados como linguagem para reflexão pretendida serão postas em ordem. Ordem que, segundo Foucault (1999), se faz necessária para “fazer tudo falar”. Entender “as palavras e as coisas”, só será possível a partir de algumas considerações sobre esse repertório de informações nos quais a pesquisa se apoia e que nos ajudarão a contar a cidade ou se aproximar dela.

2.1 Referências Históricas da/na Imprensa e Representações de Cidades A História da Imprensa no Brasil se inicia juntamente com a chegada da família real portuguesa em 1808. A expansão da Imprensa no Novo Mundo não ocorre de imediato, o seu desenvolvimento real só se completou após a independência de cada país. Segundo

11

No caso da pesquisa, espaços de ocupação ou dominação, seja feita pela elite ou pela própria

mídia.

40

Schramm (1970 apud ARAÚJO, 1983), foi a partir da independência das nações anteriormente colonizadas que elas tiveram condições de desenvolver questões como educação, urbanização e a industrialização, fatores indispensáveis para acelerar o progresso da imprensa. Dentre os países das Américas, foram os Estados Unidos que melhor se desenvolveram nesse setor, transformando-se no maior império mundial das comunicações, onde passaram a utilizar desse meio para divulgação de suas ideias, seus heróis, sua inteligência e sua força. Aliás, o Brasil é um exemplo da larga importação e influência dos valores norte-americanos. (ver Fig. 11) O American Way of Life e o glamour das lendas hollywoodianas, por exemplo, divulgados através das mais diversas formas de comunicação, entre elas os jornais e revistas, representaram um modelo de vida para muitos brasileiros. Na figura abaixo (Fig. 11), é clara a referência ao modelo de vida norte-americano como ideal ou almejado pela sociedade brasileira. A Califórnia aparece como local ideal para passar as férias. A praia entra em evidência e com ela o estilo de vida, a moda, etc.

Fig. 11. Propaganda Califórnia Bronze. Fonte: Manchete. Última Capa. Rio de Janeiro: Edição Especial 1968

No Brasil, até a independência do país, apenas três periódicos haviam surgido: A Gazeta do Rio de Janeiro (1808, no Rio de Janeiro), Idade D´Ouro do Brazil (1811, na Bahia) e um periódico que teve vida efêmera publicado em Pernambuco em 1817. A partir da Independência, a imprensa brasileira ganha maior impulso surgindo novas tipografias em várias cidades como Ouro Preto, Belém, São Luís, entre outros.

41

Na Paraíba o primeiro jornal surgiu em 16 de fevereiro de 1826, intitulado Gazetta do Governo da Paraíba do Norte, que circulou até fevereiro de 1827. Fundado pelo então presidente da Província, o coronel Alexandre Francisco de Seixas Machado, fizera do jornal órgão oficial de sua administração. Durante o período monárquico, mais de 50 periódicos circularam no Estado, a maioria com orientação política ou seguindo ideais partidários12. A maioria dos jornais dessa época tinha vida efêmera. Segundo Fátima Araújo (1983), qualquer jornal que aspirasse uma circulação regular devia girar em torno do partidarismo político, limitando as ideias de alguns profissionais. Somente com o início do novo século e o progresso dos sistemas de comunicação e transportes, que os grandes diários do país passam a entrar no Estado com mais facilidade possibilitando o desenvolvimento da imprensa na Paraíba13. Mas então, qual a importância dessa ferramenta para refletir a história das cidades? Como elas podem ser compreendidas e analisadas? É a partir da utilização dessas ferramentas e dos seus dispositivos (por exemplo, os periódicos e as imagens, respectivamente) ditos não tradicionais segundo Burke (2005), que outros temas, que não apenas os tradicionais temas políticos e econômicos, ganharam o interesse dos pesquisadores. Temas esses relacionados a uma perspectiva da história da cultura, ou seja, acontecimentos políticos, tendências, estruturas sociais, mentalidades, ideologias ou a vida cotidiana. Os olhares sobre o passado passam a ter um caráter mais diversificado e menos tradicional, pois a partir desses instrumentos é possível perceber as diversas representações criadas do e para o espaço urbano. Vale salientar que essas formas de representação da experiência urbana não estão apenas relacionadas aos dispositivos e as ferramentas utilizadas - fotografias, cartografias, desenhos técnicos literatura e/ou cinema -, mas a um determinado fenômeno cultural ligado aos valores estabelecidos em cada cultura e em cada momento histórico. Assim, sendo a percepção um fenômeno cultural, a representação da experiência perceptiva da cidade está 12

Jornais paraibanos do Período monárquico: Gazeta Parahybana (1828), Correio da Parahyba

(1830), O Repúblico (1831), O Raio da Verdade (1830), O verdadeiro Monarquista (1840), A Matraca (1854), A Imprensa (1958-62), O Conservador (1875), entre tantos outros. 13

Diversos foram os jornais surgidos durante a República, entre eles: Diário da Manhã (1890-98),

Estado da Parahyba (1890 – 94), A União (1893), A Imprensa (1897), A República (1907), O Norte (1908), Correio da Manhã (1916 – 34), A Tarde (1930), A República (1934), Gazeta do Povo (1937), O Clarim (1939), A Tribuna (1945), Correio da Paraíba (1953), Jornal da Paraíba (1971).

42

ligada aos juízos culturais de cada momento histórico de sua evolução. Dessa maneira, é possível, através desses instrumentos, conhecer desejos, detectar vontades da/para a cidade.

Fig. 12 e 13 – Propaganda SIMCA CHAMBORD e Propaganda Varig linhas aéreas. Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: 07 de maio de 1960 e Manchete. Rio de Janeiro: Edição Especial 1971.

As duas imagens acima representam o momento cultural no qual o Brasil estava imerso na década de 1960: a construção de Brasília, a ascensão da arquitetura moderna brasileira e o sentimento de progresso e desenvolvimento no qual o país vivia naquele momento. A primeira imagem, propaganda do SIMCA CHAMBORD faz uma associação à Brasília e à modernidade e elegância por ela representada, através de suas edificações modernistas, no caso o Palácio do Planalto. A segunda imagem, propaganda da Varig, faz alusão ao desenvolvimento alcançado no país, associando sua imagem ao sentimento de progresso existente. Ambas as imagens representam os desejos de e para a cidade, refletem o momento histórico no qual o Brasil vivia. Dessa maneira e como dito anteriormente, para realizar as reflexões pretendidas é necessário conhecer as ferramentas, os atores, as condições e as intenções nas quais tenham sido produzidos os discursos e divulgadas as representações e narrativas. Representações específicas de determinadas situações culturais, caracterizadas pelas diferentes “maneiras de ver” (BERGER, 1972), e expressadas em forma de figuras, onde de maneira relativamente fácil são diferenciáveis através de uma história serial e quantitativa que possibilitem mensurar certos processos e julgar certas atitudes. Essas dinâmicas dão sentido aos processos estabelecidos por essas ferramentas e aos imaginários urbanos

43

criados. Mais ainda, verificar os conteúdos dessas narrativas e caracterizar os tons da própria propaganda, bem como investigar o todo o contexto social, político e econômico no qual o objeto do estudo esta envolvido permitiria uma maior aproximação com os fatos em si. Não correndo o risco de fazer uma análise superficial do objeto de estudo. Vale a pena destacar então, a importância dos periódicos como ferramentas relevantes na pesquisa da história da cidade e do urbanismo. A dimensão representativa da imprensa, ou seja, sua legitimação em representar os acontecimentos ocorridos na sociedade, assim como de reconstruir os fenômenos culturais e os estereótipos sociais, fazem dos jornais e revistas potencializadores e guardadores de memórias locais ou mesmo nacionais. No entanto, a aceitação e utilização dos periódicos como fontes para a pesquisa da historia é recente. Isso se deve ao fato de uma mudança na forma de pensar e perceber a história e as fontes historiográficas anteriormente vista como algo imparcial. Esta forma de fazer pesquisa histórica está ligada a um pensamento positivista, onde se acreditava que era possível considerar o historiador como detentor de neutralidade e imparcialidade sobre a sua fonte ou o fato a ser estudado. Dessa maneira, a impossibilidade da imparcialidade na história e na pesquisa histórica proporcionou uma nova interpretação e análise desses materiais históricos. As pesquisas abrem espaço para novas possibilidades e diferentes abordagens e são esses novos olhares que possibilitam o aparecimento de novas fontes, novos questionamentos e novas reflexões. São essas mudanças que irão proporcionar a utilização da imagem e dos periódicos como fonte para as pesquisas, algo que no paradigma positivista seria impossível. A fonte histórica passa a ser construção do pesquisador e de suas perguntas, sem deixar de lado, a crítica documental, pois questionar o documento não é apenas construir interpretações sobre ele, mas também conhecer sua origem, sua ligação com a sociedade que o produziu, entre outros. (SILVA & SILVA, 2005, p.159)

2.2 Os periódicos, seus modos de ver e fazer ver. Verificou-se anteriormente que a utilização de periódicos como fonte, não se limita a pesquisar um ou outro texto isolado, por mais importantes que sejam, mas antes requer uma análise detalhada do seu lugar de inserção e delineia uma abordagem que faz dela fonte de pesquisa. (GUARNIERI & ALVES, 2007)

44

Elencaremos aqui, alguns aspectos que podem ser levados em consideração ao realizar as análises e reflexões pretendidas. Assim, além dos já mencionados, contextos histórico, social e cultural no qual estão inseridas as imagens e notícias selecionadas existem alguns aspectos que merecem ser investigados. Primeiramente, questionar, em alguns momentos, quais informações foram selecionadas e quais os motivos da escolha poderia trazer elementos interessantes para as reflexões. Mesmo sabendo que muito dessa seleção tem a ver com a percepção do pesquisador e de seus conteúdos próprios acredita-se que seria importante elucidar as diretrizes utilizadas para a escolha. Outro aspecto relevante diz respeito às funções sociais desses periódicos. As características físicas, estruturais e técnicas nas quais esses periódicos se sustentavam; o público que visava atingir e os objetivos propostos pelos mesmos. Segundo Guarnieri e Alves (2007), tais elementos são dotados de historicidade e engatam contextos socioculturais específicos. Para os mesmos autores a variedade de fontes impressas é enorme, e as suas possibilidades de pesquisa são amplas e variadas. Dessa maneira, é importante não se prender a um único procedimento metodológico de forma rígida ou tomar determinada técnica como se fosse um dogma exclusivo de acesso à fonte, pois essa variedade de impressos confere um número variado de possibilidades de abordagem.

Assim, após refletir, de maneira breve, sobre algumas das questões que merecem ser levadas em consideração no ato da pesquisa e como objeto de análise, serão trazidas a seguir, informações importantes sobre essas ferramentas para a leitura e reflexão das informações coletadas

2.3 Os Jornais e Revistas locais O primeiro grupo, composto pelos periódicos de circulação local, são em número de quatro (04): três jornais, A União, O Norte e Correio da Paraíba; E uma revista: Manaíra. A seleção dos periódicos deu-se levando em consideração sua importância e a periodicidade dentro do contexto local. Trata-se de três jornais de grande importância e que tinham posições bem claras; O jornal “A União”, uma publicação oficial fundada em 2 de fevereiro de 1893, se mostrava favorável às medidas adotadas pelo Poder Público e evitava comentários críticos e opiniões contrárias, dando uma visão parcial sobre a repercussão das obras; “O Norte”,

45

jornal fundado em 7 de maio de 1908, era um jornal mais comercial e, ainda que nem sempre tomasse partido em questões políticas, era o que trazia as críticas e as insatisfações populares; Já o “Correio da Paraíba”, jornal fundado em 5 de agosto de 1953, era o veículo de manifestação de uma oposição conservadora e moderada como convinha aos políticos num regime autoritário; A revista “Manaíra”, periódico fundado em 1939, e de maior periodicidade e relevância no período estudado14. Para a pesquisa nos jornais em questão, foram analisados exemplares de 1950 a 1970, a partir de um banco de dados desenvolvido através do Programa de Iniciação Científica da UFPB durante a pesquisa “Registros de Arquitetura Moderna em João Pessoa entre 19501970”15, coordenada pelo Laboratório de Pesquisas Projeto e Memória. O banco de dados, atualmente, é composto pelas fotografias das notícias coletadas na pesquisa, separadas por temas referentes aos assuntos considerados mais recorrentes na investigação. Exemplo: Tambaú; Verticalização; Arquitetura João Pessoa; Brasília; Habitação Social; Cidade Universitária; Urbanismo João Pessoa; etc. Já no momento da pesquisa, foi possível perceber que o bairro de Tambaú era um tema recorrente nas notícias dos jornais. Dessa maneira, o banco de dados se revelou uma rica fonte de informações sobre as transformações ocorridas na cidade e na sociedade durante o período em questão. Apesar do banco de dados ainda não se encontrar disponível na internet, tive acesso a todos os dados coletados durante os dois anos de pesquisa16. Assim, divididos por temas, foi realizada uma pequena triagem das notícias que interessavam ao estudo em questão. Dentre as mais de 400 notícias que falavam sobre Tambaú, foram escolhidas apenas 13 notícias com imagens, que abordavam os três elementos, considerados no decorrer da pesquisa, estruturadores do espaço da praia de Tambaú no ponto de vista da territorialização, para análise do discurso nela existente. Quanto a Revista Manaíra, toda a pesquisa foi realizada no ano de 2011 em dois arquivos existentes na cidade de João Pessoa, primeiramente no IHGP - Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, e posteriormente, visando uma complementação do material coletado, na Fundação Casa José Américo. Em ambos os acervos só foram encontrados 14

Para informações mais detalhadas sobre os periódicos locais estudados ver Anexo 01. Pesquisa desenvolvida nos anos de 2006 a 2008, com participação da autora durante todo o processo de pesquisa. O objetivo era registrar as informações coletadas, no período de 1950 a 1970, sobre arquitetura e urbanismo modernos na cidade de João Pessoa – PB, em jornais locais. A pesquisa foi realizada no Arquivo Histórico do Estado, localizado no Espaço Cultural e na Fundação Casa José Américo e a coleção se encontra completa. 16 Os dados foram fornecidos pela Coordenadora do Projeto, prof. Dra. Nelci Tinem, e pelos meus colegas que também participaram da pesquisa, Adriana Leal de Almeida, Carolina Chaves, Lídia Pereira, Alexandre Feitosa, Paula Ismael e Camilla França. 15

46

exemplares dos anos de 1939 a 1949 e um único exemplar do ano de 1965. Nos outros acervos 17 existentes na cidade nada foi encontrado. A interrupção ou diminuição da frequência18 de publicações no período em questão (1950-1965), possivelmente ocorreu devido à falta de recursos para manter a Revista. Segundo a jornalista Fátima Araújo19, em um debate promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, no ano de 1999, sobre a Imprensa na Paraíba 20 , a maioria dos periódicos nesse período teve vida efêmera, havendo casos de publicações de apenas um número. Uma publicação desse tipo tinha um custo alto e em João Pessoa, até a década de 1970 só existia uma gráfica que era capaz de imprimir os exemplares dessas publicações, localizada no Jornal A União. Dessa forma, apesar da lacuna existente na coleção pesquisada, e de certa forma estar fora do recorte temporal definido para a dissertação, acredita-se que os 10 anos de publicações ininterruptas é um indicativo pertinente sobre a importância da Revista para a cidade, podendo assim, sinalizar elementos importantes sobre a pesquisa pretendida. E como foi realizada a pesquisa na Revista Manaíra? Foram catalogadas 28 exemplares no total. Para a seleção das notícias, procurou-se identificar aquelas que trouxessem a praia como tema e mais especificamente a praia de Tambaú. No total foram selecionadas 26 notícias que de alguma maneira falavam sobre os hábitos relacionados à praia, praias no Brasil e em outros países e, claro, sobre Tambaú. Dentre as 26 notícias catalogadas, encontram-se reportagens e imagens, um acervo pequeno, mas repleto de informações ricas na contribuição para a pesquisa em questão (ver nos anexos 3, um catalogo com todas as imagens coletadas nos jornais e revistas locais pesquisados)

17

Foram pesquisados também o Arquivo Histórico e a Biblioteca do Estado (localizados no Espaço Cultural), o Acervo de obras paraibanas da Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba, Acervo Humberto Nóbrega (localizado no Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ) e Academia Paraibana de Letras. 18 O último exemplar encontrado nos acervos foi de Outubro de 1949, ano 8 e n. 64, comparando com o último exemplar encontrado de Dezembro de 1965 ano 26 e n. 76, entende-se que houve uma provável interrupção ou diminuição na frequência de publicações na revista, pois em 15 anos foram publicadas apenas 12 exemplares. 19 Fátima Araújo é graduada em Letras e Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba; possui curso de especialização em Comunicação Educacional (URNE, Campina Grande); tem vários cursos de extensão universitária, inclusive sobre Literatura Brasileira; Historiadora e pesquisadora tem vários livros publicados entre eles: HISTÓRIA E IDEOLOGIA DA IMPRENSA NA PARAÍBA, 1983; HISTÓRIA DA API, 1985; PARAÍBA, IMPRENSA E VIDA, (ensaio que foi premiado no IV Centenário da Paraíba), 1986; PARAHYBA 400 ANOS, 1985; SANTA ROZA – UM TEATRO CENTENÁRIO, 1989; ANTÔNIO MARIZ – A TRAJETÓRIA DE UM IDEALISTA, 1996; e HUMBERTO LUCENA – O VERBO E A LIDERANÇA, 1999. 20 O Ciclo de Debates que tinha o tema: A Paraíba nos 500 anos do Brasil, promovido de setembro a novembro de 1999 pelo IHGP – Instituo Histórico e Geográfico Paraibano. Cf. ARAÚJO, 2000.

47

2.4 O chamado “arquivo morto” da Prefeitura Municipal de João Pessoa Para realizar uma aproximação com o que vinha sendo produzido na cidade e de alguma maneira refletir como o território era constituído e paralelamente se manifestavam através dos discursos midiáticos – em uma tentativa de articular “as palavras e as coisas”, buscouse realizar uma pesquisa no “arquivo morto” 21 da PMJP - Prefeitura Municipal de João Pessoa. A investigação foi realizada através de um banco de dados criado a partir dos Registros de Arquitetura da PMJP. A base de dados foi realizada entre os anos de 1987 e 1988, através de um projeto de pesquisa em parceria com o CNPq, onde foram catalogados cerca de 3000 projetos que tiveram registro na Prefeitura da cidade entre os anos de 1916 a 1959. Dentre os registros têm-se as várias construções e reformas propostas para a cidade nesse período. Representam os desejos da sociedade, na forma de propostas arquitetônicas e urbanísticas. Trata-se de um arquivo de extrema importância e de conteúdo amplamente rico, tendo em vista que muitos dos projetos existentes no arquivo da PMJP foram perdidos. Apesar da base dados abarcar somente uma parte do recorte temporal estabelecido nesta dissertação (1950-1970), acredita-se que informações como: quantidade de construções em determinadas áreas da cidade, as tipologias das construções ao longo dos anos, entre outras informações, nos permitirá entender o crescimento da cidade e a ocupação de determinadas áreas, em especial as praias, além das mudanças nas tipologias construídas. Assim, a partir dessas informações e em conjunto com as edificações que permanecem na cidade é possível construir um paralelo dos discursos divulgados pela mídia e assimilados pela população e pelos técnicos, arquitetos e engenheiros que atuaram na cidade. Abaixo, pode-se observar um Gráfico especificando os arquivos pesquisados e os períodos nos quais a pesquisa foi realizada. Nota-se que existe uma variação no recorte temporal definido para o trabalho, entretanto, acredita-se que para entender a construção de um lugar, o recorte temporal não precisa ser tão rígido, pois ela não acontece de um dia para o outro. Tal recorte é importante para que tomemos como base um período sem nos perder na quantidade de possibilidades existentes, mas nada impede que em alguns momentos esse recorte temporal seja alterado 10 anos para mais ou para menos.

21

Por “arquivo morto” entende-se o arquivo não mais utilizado pelo órgão em questão.

48

GRÁFICO 01 - Arquivos e periódicos pesquisados.

Fonte: Gráfico elaborado pela autora, 2012.

49

2.5 As Revistas Suporte

Fig. 14, 15 e 16. Capas Revistas Life, O Cruzeiro, Manchete. Edições 28.06.1937, 29.12.1928 e 21.04.1960. Fonte: Diversas, conferir na lista de figuras.

As revistas que fazem parte desse grupo se configuram como elementos de apoio às ferramentas de investigação local, ou seja, auxiliarão na compreensão dos paralelos criados a partir dos discursos pesquisados nos jornais e revistas locais. Muito por esse motivo sua investigação não teve um caráter sistemático, mas sim pontual a partir das necessidades surgidas ao analisar os discursos criados na cidade. As revistas foram adquiridas a partir dos próprios agentes do território. Uma seleção feita por eles mesmo, mostrando o que por alguma razão foi decidido ser mantido. De maneira, comparativa e relacional buscou-se refletir sobre as possíveis influências nacionais e internacionais dos discursos produzidos. Assim, as revistas selecionadas para cumprir o papel de apoio são de porte internacional e nacional, e assumiram papel influente nos contextos nos quais estavam inseridas. Devido aos indícios de influência da cultura norte-americana, relacionadas ao uso da praia, encontrados na Revista Manaíra, decidimos acrescentar a Life Magazine, uma revista americana de grande influência em todo o mundo, que procurava divulgar e estabelecer as ideias e desejos norte-americanos. A segunda, O Cruzeiro, revista brasileira de incontestável influência nacional, juntamente com a Manchete, terceira revista suporte, se tornaram as mais influentes revistas do país22.

22

Para conhecer melhor sobre cada periódico abordado conferir anexo 01.

50

É através do uso e criação destas imagens, que essas revistas traduzem desejos e criam necessidades para a população. No âmbito urbanístico estes desejos e necessidades implicam numa requalificação territorial, construída a partir da imagem do desejo.

51

Capítulo 3 A Cultura da Praia

Fig. 17 – Praia de Tambaú, década de 1930. Fonte: Revista Manaíra, João Pessoa. 14.03.1939.

52

A partir do que foi visto até aqui, poderíamos refletir sobre qualquer espaço existente na cidade. Entretanto, o recorte espacial escolhido foi a praia de Tambaú. Evidenciar formas de construção e idealização da praia, a partir dos paralelos criados entre as imagens divulgadas pela mídia. Para tanto, faz-se necessário entender como se configura esse imaginário relacionado ao mar e a praia, ou seja, entender como se constituiu essa cultura da praia e as relações sociais ali existentes. Mas então, o que vem a ser cultura? Essa é uma discussão recente. Foi a partir do século XIX que surgiram as preocupações sistemáticas em estudar sobre as culturas humanas, a discutir de fato sobre cultura. Tais estudos se intensificaram a medida que aumentaram os contatos entre os povos e nações, e as sociedades se transformavam. Entretanto, não se produziu uma definição clara do que viria a ser cultura. Em 1952, no livro Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions23, Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn compilaram uma lista de 164 definições de “cultura”. A mais comum dentre essas definições é associar cultura a educação, formação escolar ou manifestações artísticas. Entretanto, cultura não se limita somente a isso. Cultura é tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou nação, as maneiras de conceber e organizar a vida social, seus aspectos materiais, ou ainda, de maneira mais específica, o conhecimento, as ideias e crenças, ou seja, um domínio da vida social (SANTOS, 1987, p.20). Entretanto, tal definição pode fazer com que se pense que a cultura é uma realidade estanque, imóvel. Para Santos (1987), o esforço de entender as culturas, de localizar traços e características que as distingam, pode acabar levando a que se pense a cultura como algo acabado, fechado, estagnado. Muito pelo contrário. As culturas humanas são dinâmicas, elas estão sempre se modificando, e a principal vantagem de estudá-las é por contribuir para o entendimento dos processos de transformação porque passam as sociedades contemporâneas. É o que acontece com a mídia, por exemplo. Como agente produtor das características culturais de uma sociedade, a mídia também vai auxiliar para o entendimento dessas transformações. Dessa maneira, quando nos referimos a “cultura da praia”, estamos tratando do modo de pensar a vida, organizar a sociedade e suas crenças em relação ao mar e o uso da praia. Ou seja, como as sociedades enxergam o mar e as praias, como elas se apropriam deles. É

23

KROEBER, Alfred; KLUCKHOHN, Clyde. Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions. Nova York: Vintage Books, 1952.

53

fato que tais pensamentos e crenças se transformam ao longo dos anos e é sobre esses aspectos que iremos nos aprofundar adiante.

3.1 A cultura da praia: o mar e a transformação do imaginário Não foi sempre que o encanto das praias, a emoção dos banhistas que enfrentava as ondas, os prazeres da vida junto ao mar eram objetos de desejo da sociedade. Segundo Corbin (1989), a época clássica, com raras exceções, ignorava o desejo a beira-mar. Até o século XVIII, um conjunto de imagens repulsivas constituía as representações relacionadas ao imaginário do mar. Corbin fundamenta essa repulsa através das representações e interpretações bíblicas, dominantes na época clássica, sobre o Dilúvio. Afirma que o mar constitui um “grande abismo, lugar de mistérios insondáveis, massa líquida sem pontos de referência, imagem do infinito, do incompreensível” (CORBIN, 1989, p.11). Como pode ser observado na imagem de Gustave Doré24 intitulada “Dilúvio”, onde o mar é apresentado juntamente com uma soma de corpos amontoados, produzindo uma imagem de horror e medo.

Fig. 18- Dilúvio segundo o ilustrador francês Gustave Doré.

Fonte:

site

http://catholic-

resources.org/Art/Dore.html Acessado em: 02 fev 2012.

24

Gustave Doré foi um dos mais produtivos e bem sucedidos ilustradores franceses de meados do século XIX. Seu estilo se caracteriza pela inclinação para a fantasia, mas também produziu trabalhos mais sóbrios, como os notáveis estudos sobre as áreas pobres de Londres, realizados entre 1869 e 1871.

54

Essa ideia do desconhecido, do mistério, do medo da agitação de suas águas e o vestígio caótico das catástrofes atribuídas ao Dilúvio, permite com que a imagem de repulsa, medo e horror do mar, naquele momento, se tornasse predominante. Digo predominante, pois seria errôneo pensar que existia uma cegueira total, uma insensibilidade geral à natureza antes das mudanças dramáticas ocorridas a partir do iluminismo. Theóphile de Viau, Saint-Amant e Tristan L´Hermite, poetas franceses do século XVII, alguns representantes que falavam sobre os desejos e prazeres que o mar desperta. Nenhum prazer me pode tocar Exceto o de me deitar Sobre a relva de uma falésia E abandonando ali meu pesar Deixar-me sonhar à vontade Sobre a majestade do mar (...) (Tristan L´Hermite, Mer., século XVII apud CORBIN, Alain. 1989, p.30)

Entretanto, são raros esses indivíduos com sensibilidade a ponto de manifestar a admiração pelo infinito e o poder das ondas. As praias vão permanecer, por um tempo, repletas de símbolos, com signos a espera de interpretação. Será a partir do período entre 1750 a 1840 que o desejo das praias terá seu despertar. Esse despertar surge como alternativa aos males da civilização. Por volta de 1750, as praias de mar começam a fazer parte de táticas de luta contra a melancolia25 e os desejos de acalmar as novas ansiedades, que, ao longo do século XVIII se propagam entre a classe dominante. Somados a isso, médicos e higienistas passam a exprimir o receio e o desejo das vantagens do contato com as ondas do mar. O discurso médico aos poucos vai consagrando as virtudes da água fria e as vantagens do contato e temporadas junto ao mar, produzindo, assumindo e codificando essas novas práticas. É importante afirmar que não se trata apenas de uma mudança nas práticas relacionadas ao mar, mas de uma transformação ideológica, uma transformação na maneira de enxergar o mar e as praias. Portanto, segundo Corbin (1985), para que o litoral se consolide como lugar atrativo, será preciso que se afirme esse desejo e, sobretudo, que se imponha o discurso terapêutico sobre os benefícios do mar e das praias. Vemos aí, surgir a necessidade de criação de um status referente a maneira de enxergar esse espaço.

25

Definida como a desarmonia da alma e do corpo, profunda tristeza, falta de entusiasmo e desejo da morte. Muito comum no século XVI e no século XVII, a melancolia é uma característica presente no romantismo europeu.

55

Muitos são os estudos e discursos surgidos a partir de então. Diversos autores foram fundamentais para a consolidação de um modelo do banho de mar terapêutico, que será praticado até metade do século XIX. Nomes como Floyer 26 , Richard Frewin, Richard Russell27 difundiram diversas práticas terapêuticas sobre os benefícios trazidos pelo banho frio e de mar: O líquido exerce uma ação mecânica sobre os tecidos, contrai ou relaxa as fibras conforme a temperatura; modifica a consistência dos humores, o ritmo da circulação sanguínea, influenciando no funcionamento dos nervos. (CORBIN, 1989, p.75)

Associado ao banho de mar cresce a atenção dirigida a qualidade do ar. “O essencial desde então é respirar bem” (CORBIN, 1989) e a praia possui tais qualidades. Assim, a moda do banho de mar nasce de um projeto terapêutico e a invenção da praia acompanha essas descobertas. Abaixo, observa-se imagens de como eram realizados os banhos de mar, um projeto terapêutico que aos poucos se torna moda.

Fig. 19 – Dieppe, banho dos Homens. Fonte: CORBIN, 1981, p. 234.

26

John Floyer. The History of cold-bathing both ancient and modern, 1732. Richard Russell. A dissertation on the use of the seawater in the diseases of the glands, particularly the scurvy, jaundice, king´s evil leprosy and the glandular consumption. Londres, 1869.

27

56

Fig. 20 – Dieppe, banho dos Homens. Fonte: CORBIN, 1981, p. 235.

A imagem da praia salubre e a qualidade do ar existente, associada à prática de exercícios, a partir de então se torna frequente. Surgem os balneários e as temporadas a beira-mar. Neste

momento

estamos

tomando

banho

de

sol

na

praia

de

Brighthelmstone [...]. Minhas ocupações da manhã consistem em banharme e depois comprar peixe; a tarde passear a cavalo, visitar os vestígios dos velhos acampamentos saxões, contar os navios na enseada e os barcos que pescam com rede de arrastão. (WRIGHT, C. The Brighton ambulator, 1818 apud CORBIN, Alain. 1989, p. 90)

Em alguns lugares na Europa, geralmente no Mediterrâneo, os costumes da praia nada tem a ver com o modelo britânico, repletos de códigos e normas e baseado no banho de mar terapêutico. Os banhistas mediterrâneos não vão em busca de energia; apenas brincam nas águas do mar. Um comportamento popular que aos poucos vão sendo assimilados pela classe dominante. A codificação desses hábitos coletivos e os novos esquemas de apreciação dessa prática relacionada ao mar vão gerar novos modelos de comportamento. Modelos esses, que se tornaram inerentes à maneira como hoje enxergamos as praias e que iremos comentar adiante quando estivermos refletindo sobre a praia de Tambaú. É nesse momento também que surge o personagem do turista, aquele viajante que procura a convenção, ou seja, a aventura conhecida, diferente da figura do viajante que descobre, inventa, inaugura. Juntamente com a nova apreciação pela paisagem litorânea, tornam-se obrigatórias as viagens por alguns santuários naturais e estações balneárias. Essas se multiplicam aos montes a partir do século XIX, consequência dos efeitos da moda.

57

Fig. 21 - Volks Eletric Railway, Brighton na Inglaterra, meados do século XIX. Fonte: CORBIN, 1981, p.240.

O hábito de passar o fim de semana nas casas a beira-mar, “hábito anunciador da modernidade”, segundo Corbin (1981), começa a ser exercida em algumas estações balneárias, próximas das grandes aglomerações: Nenhum Marselhês um pouco abastado poderia privar-se de uma quinta [...]. O próprio artesão possui um casebre que ele chama de quinta [...]. Vaise no sábado à noite; passa-se aí o dia de domingo na companhia dos amigos e hóspedes, e retorna-se na segunda–feira de manhã. Entre os negociantes marselheses há o desejo muito intenso de viver num lugar diferente daquele onde se tem suas ocupações, de sentir-se afastado dos negócios das pessoas que poderiam falar deles e de tudo aquilo que pode fazê-los lembrar. (MILLIN, Aubin-Louis, 1808 apud CORBIN, Alain. 1989, p. 269)

Convém notar que a organização dos locais de banho é bem posterior à proliferação do discurso sobre o pitoresco do mar; a busca pela paisagem litorânea e à confissão do prazer provocado pelo contato da areia, da água e do rochedo. O surgimento das estações marítimas, com seus estabelecimentos de banhos, livrarias-salas de leitura, salões de baile, salões de jogos e sala de concertos; as primeiras edificações construídas a beira-mar para abrigar os turistas que pretendiam passar temporadas junto ao mar, como por exemplo as catorze lodging-houses do Royal Crescent, em Brighton na Inglaterra, obra de Jean Baptiste Otto (ver Fig. 22); o alinhamento, a superposição das Esplanades, dos Terraces fascinam os viajantes e possibilitam a utilização e adaptação do espaço aos novos usos e novas práticas junto ao mar.

58

Fig. 22 – Royal Crescent, Brighton na Inglaterra. Pintura de Philip Martin, meados do século XIX. Fonte: CORBIN, 1981, p.241

Tais práticas são inicialmente reduzidas as esferas compostas pela família real, a alta nobreza, os personagens da moda e aos pertencentes a classe social mais elevada. Quando a burguesia manufatureira e os comerciantes começam a frequentar as estações balneárias é em função de outros ritmos e outros hábitos seja qual for o desejo de imitação. Porque de fato, é a alta aristocracia que desempenha o papel de condutor, é a própria família real que determina o efeito de moda. Ou seja, nesse caso, o desejo de imitação desses hábitos praianos e o efeito de moda provocado por uma determinada parte da sociedade está relacionado a questão de status e uma tendência de consumo daquele objeto, fato que pode ser visto até os dias atuais. É dessa maneira que a “cultura da praia” se transforma ao longo dos anos e vai sendo inventada e reinventada. Tais transformações vão enunciar a maneira como hoje enxergamos o mar e as praias. Mas como é a relação entre a Cidade e a Praia? Como as práticas relacionadas ao mar influenciam o cotidiano das cidades?

3.2 A Cidade e a Praia: um panorama do final do século XIX Um fator bastante significativo que contribui para consolidar as práticas relacionadas ao mar em cidades não especializadas no lazer, ou seja, em cidades que não tinham o caráter de balneário, são os efeitos trazidos com a revolução Industrial. A Europa, em meados do século XIX, vivia um momento de industrialização intensa. Cidades como Londres e Barcelona, por exemplo, sofreram um aumento populacional significativo depois do processo

59

de industrialização, e apresentavam condições de vida igualmente precárias, especialmente entre a classe mais pobre. As altas taxas de densidade demográfica acrescidas das condições insalubres das residências e ruas das cidades foram fatores determinantes para o alto índice de mortalidade existente na época. (SUTCLIFFE, 1994) Dessa maneira, as cidades não conseguiam suportar o peso de uma cidade em crescimento, as ruas medievais e barrocas não eram suficientes para o trânsito, as casas pareciam inadequadas face às exigências higiênicas da cidade industrial, fazendo com que iniciassem as buscas por soluções para os problemas das cidades. As reformas, inicialmente de caráter higienista, iniciaram uma verdadeira transformação nas cidades. Essa situação ocorria em toda a Europa e no Brasil, mesmo que não exclusivamente por questões relativas a indústria, não seria diferente: as cidades passaram a adotar esse padrão normativo de higiene e modernidade. O final do século XIX no Brasil é um momento de transferência do poder político das elites agrárias e monarquistas para as elites pré-industriais e republicanas. O conflito desses grupos políticos encontra nas cidades o cenário adequado para o seu desenvolvimento. (COUTINHO, 2002) A República, proclamada em 1889, chega ao seu décimo aniversário com um ambiente propício às alterações de base que refletiriam diretamente no cotidiano das cidades. As novas relações capitalistas que se cristalizavam substituíam gradativamente a mão-de-obra escrava pela assalariada; a economia mercantil exportadora pela capitalista industrial; a decadência da cultura do café pelo desenvolvimento dos setores secundário e terciário, reforçando o crescimento urbano. O Brasil entra no século XX com uma nova organização do Estado fortemente baseada nos valores burgueses e positivistas. O grande crescimento demográfico brasileiro no início do século XX (ver tabela 01) e o desejo de alterar a fisionomia colonial das cidades, atrelados às preocupações higienistas devido às constantes epidemias, tornam o ambiente propício às reformas urbanas. TABELA 01 – Crescimento Demográfico do Brasil (1890 – 1940)

CIDADES BRASILEIRAS Rio de Janeiro Salvador Recife São Paulo João Pessoa

1890

1900

1920

1940

522.651 174.412 111.556 64.934 18.645

811.443 205.813 113.106 239.820 28.973

1.157.873 283.422 238.843 579.033 52.900

1.764.141 290.443 348.424 1.326.261 71.158

Fonte: SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira, 1993, modificado pela autora.

60

O Rio de Janeiro, por exemplo, então Distrito Federal, permeado por ambientes insalubres dos cortiços do centro da capital, com condições de péssima circulação de pessoas e mercadorias apontavam para as soluções drásticas que deveriam ser tomadas. As taxas de crescimento demográfico do Rio de Janeiro apontavam para um crescimento de mais 300% em 50 anos, indicando assim, o número de problemas ali enfrentados. Tanto é que a reforma urbanística que estava por vir, causou um grande transformação na cidade contemplando os preceitos ditos desse “urbanismo higienista” como a introdução do saneamento no combate à propagação das epidemias; o cuidado no tratamento das novas fachadas e nos gabaritos dos velhos e novos edifícios demonstrava uma clara preocupação em embelezar a cidade, e por fim a valorização dos espaços de convivência e das praias como uma nova alternativa ao traçado existente no centro da cidade, de maneira a implantar uma nova ordem na cidade. Nova ordem essa, influenciada pelos pensamentos urbanísticos realizados em Paris durante a gestão do prefeito Haussmann, que mais tarde influenciariam outras cidades brasileiras. A imagem estereotipada de Paris é a haussmanniana. Sempre que pensamos em Paris, a imagem que nos vem à cabeça é a de uma cidade com grandes eixos, belas perspectivas e grandes cruzamentos em estrela. Uma cidade onde o bulevar e o imóvel formam um conjunto indissolúvel. Um modelo para muitas outras cidades que pretendem adaptar-se às novas exigências da vida moderna. (PINHEIRO, 2002, p.83).

O mesmo discurso médico, citado anteriormente ao falar sobre a cultura da praia, afirmava que uma cidade saudável precisava de uma boa circulação dos ventos, pois a grande circulação de pessoas em um espaço insuficiente para a circulação do ar seria a grande causadora das epidemias existentes. Essa teoria denominada, “Teoria dos Miasmas”, defendia que as doenças eram transmitidas pelos ares de uma atmosfera contaminada por estarem concentrados nos ambientes. Em fins do século XIX, início do século XX, um novo olhar médico substitui o paradigma miasmático, é o paradigma bacteriológico, importante na ideia de cidade saudável e cidade moderna. Assim, urge a necessidade de urbanização da área, implantadas seguindo os novos conceitos de que os ventos e a luz do sol são essenciais para a saúde da cidade, pois dissipam as colônias de fungos e de bactérias, características dos ambientes úmidos e sombrios existentes naquele momento nas cidades. Dessa maneira, além das ações reformistas que transformariam suas fisionomias, a praia aparece como alternativa desse cenário caótico das cidades e/ou como uma busca pela vida moderna. As praias então, inicialmente vistas como balneário, locais de veraneio, ocupadas em determinadas épocas do ano ou finais de semana, lugar de fuga do cotidiano caótico das

61

cidades ou apenas como uma nova alternativa de lazer, gradativamente vão sendo incorporadas ao dia-a-dia das cidades. Um exemplo que poderia ser mencionado sobre a tentativa de integração entre a cidade e a praia e que, de certa forma, se aproxima do caso visto em João Pessoa, no que tange a ideia da praia como um alternativa de lazer e busca por uma vida moderna, é o modelo criado pelo G.A.T.E.P.A.C. (Grupo de Artistas y Técnicos Españoles Para la Arquitectura Contemporânea) 28 para a Ciutat del Repós i Vacances de Castelldefels ou “cidade do repouso e lazer”. Uma tentativa de integração entre a cidade de Barcelona, que não tinha uma frente para o mar (a praia existente na cidade era tomada por indústrias) e a praia (Castelldefels). O plano é parte de um estudo e projeto urbanístico realizado pelo G.A.T.E.P.A.C. para a cidade de Barcelona, Espanha. Visava adequar a cidade aos novos princípios da urbanística moderna29. “Ciudad de Reposo y Esparcimiento”, ou melhor, Cidade de Repouso e Lazer era uma tentativa de integração entre a cidade e o mar. O projeto integra todas as ideias que o grupo tinha a respeito do novo Urbanismo e Arquitetura: princípios modernos como funcionalidade, zoneamento, lazer, trabalho, habitação e circulação, além das normas racionalistas higienistas da época, entre outros. Na edição de número 7 e 13 da Revista A.C., ano de 1934, os autores afirmam que Barcelona carecia de praias, pois vivia separada do Mediterrâneo por uma barreira de indústrias e ferrovias. Os arquitetos do GATEPAC, seguindo as ideias defendidas pelos modernos no IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, adicionaram as suas resoluções a seguinte ideia: criação de grandes zonas de lazer e repouso próximas a cidade com o objetivo de satisfazer os desejos de repouso, exercício ao ar livre, grandes espetáculos esportivos e pequenas casas para fim de semana, ou seja, tudo que representa uma reação contrária a vida das grandes cidades. Cidades essas, como dito anteriormente,

28

O GATEPAC foi um grupo de arquitetos espanhóis fundado na década de 1930, como uma filial espanhola do CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna). Com ideais racionalistas e abertos às novas correntes estrangeiras, o GATEPAC era revolucionário e crítico das ideias vigentes. Baseava-se nos preceitos da arquitetura e urbanismo modernos, tendo como principal veículo de divulgação de suas ideias a Revista A.C. 29 Entre as diversas correntes que caracterizam o movimento moderno, na qual Choay (1979) irá separar didaticamente em três correntes: culturalista, progressista e humanista, pode-se afirmar que a mais difundida delas é a progressista, impregnado de cientificismo onde iguala lógica a estética. Seus arquitetos mais representativos, dentre eles Charles-Edouard Jeanneret, o Le Corbusier, seu principal ideólogo, criam no III Congressos Internacional de Arquitetura Moderna (principal veículo de divulgação e discussão das ideias modernistas) a Carta de Atenas, onde anunciam suas ideias de forma doutrinária. Dessa maneira, reunindo os princípios básicos da urbanística moderna a carta de Atenas define a sistematização de quatro pontos doutrinários para organização de uma cidade: habitação, trabalho, lazer e circulação. (FRAMPTON, 1981)

62

que experimentaram um expressivo crescimento urbano decorrente da modernização intensa dos modos de produção.

Fig. 23 e 24 – Influência do contato com o sol e o ar livre para compensar o desgaste causado pela vida caótica das grandes cidades. Fonte: Revista A.C., Barcelona: Jul/Ago/Set. 1932.

Entretanto, os efeitos advindos desse modelo geram e multiplicam os problemas enfrentados pelas grandes cidades: o crescimento demográfico, a degradação das condições de habitação da população operária, o aumento do setor de serviços, transformações ambientais e estéticas, são alguns dos problemas existentes.

Fig. 25 e 26 – Capas das Revistas A.C. de número 7 e 13. Fonte: Compendio Completo com as Publicações do GATEPAC.

63

Dessa maneira, o que propõe a “Cidade do Repouso e Lazer” é nada mais é do que colocar em prática alguns dos princípios modernistas que visavam dirimir e controlar os efeitos perversos no território, provocado pelo crescimento da população urbana. No caso, permitindo uma melhoria na qualidade de vida da população, através de meios higienistas de saúde e lazer. Em linhas gerais, o projeto então sugeria que as zonas de repouso e lazer deveriam ocupar uma localização que reunissem as melhores condições e os maiores atrativos naturais (proximidade de lagos, praias ou rios, com boa orientação e boas condições climáticas). Bem como, bons meios de comunicação com a cidade, de maneira a permitir o transporte de grande número de pessoas na época de férias, fins de semana e dias festivos. A ideia era dirigida a classe trabalhadora, a burguesia preferia como local de lazer e descanso a montanha. Assim, foi proposto o prolongamento em linha reta até o mar da “Gran Via les Cortes”, de maneira a ligar aquela área à cidade através de uma autopista de 12 Km.

Fig. 27 – Proposta de prolongamento em linha reta em direção ao mar da “Gran Via les Cortes” (em laranja), possibilitando a conexão entre a cidade de Barcelona (em amarelo) e a cidade do repouso (em azul). Fonte: Revista A.C. Barcelona: Jul/Ago/Set. 1934, modificado pela autora.

Na área da praia, cria-se uma via de distribuição da circulação separada da praia por uma zona verde, destinada ao parque público, conservando assim o aspecto natural da área. A

64

circulação se reduz ao mínimo fazendo com que os pedestres circulem livremente em todas as direções. A função dessas propostas é proporcionar à população a sensação de estarem longe da cidade a partir da conservação da paisagem natural. Para ordenar o território propõem o zoneamento da área a partir de diferentes serviços: zona balneária, campos de esportes, zona de fim de semana, zona administrativa, entre outros.

Fig. 28 – Setorização da cidade do Repouso em Barcelona. A- Zona de Banhos, B- Zona para fim de semana, C- Zona de residência, D- Zona para cura e repouso. Fonte: Revista A.C. Barcelona: Jul/Ago/Set. 1934.

A proposta não foi executada, entretanto, a área acaba se configurando como local de veraneio. É uma forma de pensar a cidade a partir das novas práticas relacionadas ao mar, seguindo conceitos e modelos modernistas.

3.3 Do Rio ao Mar: João Pessoa e sua relação com a Praia Como visto anteriormente, a relação entre a Cidade e a praia se transforma ao longo dos tempos surgindo a partir de uma necessidade médica, relacionada à melhoria da qualidade de vida e em alguns casos, como uma busca por uma vida moderna. Em João Pessoa, essas transformações tiveram um caráter muito mais relacionado a busca por uma nova alternativa de lazer e uma vida moderna que uma alternativa ao cenário caótico existente na

65

cidade. Entretanto, foram os novos conceitos de limpeza e saúde pública, paradigmas médicos próprios da modernidade, fatores fundamentais para possibilitar a existência e consolidação dessas novas práticas referentes ao mar. Para entender melhor sobre como se inicia essa relação da cidade de João Pessoa com o mar é necessário uma breve contextualização urbana, histórica e social. A cidade de João Pessoa30, fundada em 1585, teve sua implantação a 20 quilômetros da foz do rio Paraíba, com a intenção de proteção militar. Acreditava-se que a cidade ali arraizada estaria protegida de invasões, pois seu acesso pelo oeste era impedido pelo Rio Sanhauá; a leste uma densa floresta tropical a separava do Oceano Atlântico; ao sul pela aldeia Tabajara de Piragibe e ao norte pelas fortalezas31 da entrada do rio. (COUTINHO, 2002) A cidade surge à margem direita do Rio Sanhauá (afluente do Rio Paraíba) em um platô onde se acreditava ter melhores condições de conseguir água potável e maior acessibilidade para quem vinha por terra de Olinda, vila com a qual a nova cidade precisava manter estreitos vínculos. Dessa maneira a cidade foi implantada em dois níveis: Cidade Alta, onde duas ruas longitudinais, Ruas Nova e Direita, atuais General Osório e Duque de Caxias, determinavam a implantação das principais edificações públicas e religiosas – conventos franciscano, carmelita, beneditino e jesuíta; E Cidade Baixa, o Varadouro, onde eram localizados os armazéns de estivas, as poucas lojas comerciais, além das edificações portuárias. Até meados do século XIX, a cidade se resumia ao perímetro atual do Centro Histórico, com uma área aproximada de 1,17 km² e cerca de 7 mil habitantes. A cidade se desenvolvia em torno das principais edificações religiosas e públicas, como pode ser visto a partir da primeira planta levantada da cidade em 1855 (Fig. 29). Tratava-se de uma pequena área urbana, mas que tomadas às devidas proporções tinha todos os problemas de uma cidade com estrutura colonial. A falta de saneamento e os problemas com abastecimento, além do lixo que se acumulava no leito das ruas espalhando mau cheiro e ajudando na proliferação de doenças.

30

A cidade de João Pessoa foi inicialmente denominada de Cidade de Nossa Senhora das Neves, posteriormente em homenagem ao Rei Felipe da Espanha, entre 1588 a 1591, foi oficializado o novo nome da cidade para Filipéia de Nossa Senhora das Neves. Em 1817, a cidade altera novamente o nome para Cidade da Parayba. Sua denominação atual, João Pessoa, é uma homenagem ao político paraibano João Pessoa, assassinado em 1930 na cidade do Recife, quando era presidente do estado e concorria, como candidato a vice-presidente, na chapa de Getúlio Vargas. (GUIMARÃES, 2000) 31 Na foz do rio, em sua margem leste, foi construída a Fortaleza de Santa Catarina e do lado oposto o Forte de Santo Antônio. Por fim, entre as duas fortificações, ergueu-se o Fortim de São Bento na Ilha da Restinga numa clara tentativa de barrar qualquer avanço inimigo. (COUTINHO, 2002)

66

Fig. 29 – Desenho sobre cópia da planta

da

Cidade

da

Parahyba

elaborada em 1855 por Alfredo de Barros e Vasconcelos e reduzida em 1905

por

Arthur

Januário

Gomes

D´Oliveira. Organização: Wylnna Vidal. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba apud VIDAL, 2004.

Com a chegada da República e em consonância com o espírito de modernização urbanística, as reformas urbanas começariam a acontecer não procedendo em uma única fase. A necessária implementação da infraestrutura básica, que inexistia até o início do século XX, ocupou todos os esforços do poder público que lentamente ia dotando a capital das condições necessárias à essa expansão. Inicialmente, não havia um planejamento a ser implantado, mas única e exclusivamente vontade política de atuar pontualmente, em especial nos prédios e logradouros públicos. O ambiente urbano, apesar de tudo se modificaria perdendo muito do seu ar colonial. Foi durante o Governo de João Machado, entre 1908 e 1912, que se iniciam as transformações na cidade através de medidas sanitárias, sendo o abastecimento de água sua principal prioridade. A população se servia da água das bicas, chafarizes e cacimbas espalhadas pela cidade. Nos finais de semana existia o hábito de tomar banho nos mananciais, dividindo o espaço com os animais que faziam o transporte público. Para solucionar o problema criou um sistema de captação de água em poços da Mata do Buraquinho e construiu um reservatório na área central da cidade. (VIDAL, 2004) Outras ações como prolongamentos e alargamentos de ruas, demolições de casas objetivando a construção de praças fizeram parte desse urbanismo dito cirúrgico, um processo de modernização urbana, que buscava adaptar o antigo tecido às novas tecnologias de

67

transporte e infraestrutura urbana, utilizando o trinômio presente no discurso político da época: embelezar, sanear e circular. Paralelo a esse processo, outro se desenvolvia. A cidade se expandia, ocupando áreas cada vez mais distantes do núcleo central, demandando a expansão da malha viária e dos serviços urbanos. A implantação da Companhia Ferro Carril Parahybana, fundada ainda no primeiro governo Álvaro Machado/Walfredo Leal, em 19 de abril de 1895, possibilitou a ampliação do perímetro urbano e os novos vetores que iriam em direção a Rua das Trincheiras (ao Sul), Tambiá (à Leste), Jaguaribe (à sudeste).

Fig. 30 – Planta da Cidade em 1923. Fonte: Wylnna Vidal, 2004, modificado pela autora.

Nessas áreas de expansão foram construídas, conforme as aspirações de progresso da época, belas moradias para as classes mais abastadas. Implantadas em lotes de dimensões generosos, com jardins a sua volta, eram símbolos de uma maneira de morar em conformidade com os novos conceitos de higiene e conforto (ver fig. 31). As novas avenidas e suas belas residências imprimiram à paisagem um aspecto bastante diferente daquele das

68

ruas estreitas e das casas geminadas do centro da cidade. Foram os novos desejos e aspirações atreladas às reformas urbanas que possibilitaram essa expansão.

Fig. 31 – Avenida João Machado, década de 1920. Fonte: Arquivo Público Estadual.

O poder público ocupou-se da construção de um imaginário urbano moderno e a busca por uma vida moderna. Foram criados “espaços símbolos”, como por exemplo, a Parkway da Lagoa, uma avenida de 52 metros de largura proposta pelo plano de Nestor de Figueiredo elaborada em 1932; e em consonância com o projeto de urbanização e saneamento da Antiga Lagoa dos Irerês 32 , elaborado por Saturnino de Brito 33 , sanitarista que viria a transformar o lugar no novo coração da cidade: O Parque Solón de Lucena. O projeto foi elaborado ainda durante o governo de Castro Pinto (1912 – 1916), mas devido ao início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, uma crise econômica e política foi gerada, depois da retenção da safra algodoeira do estado na fonte, tendo que adiar a execução do que seria o primeiro projeto urbanístico da cidade. Só durante o Governo de Solón de Lucena (1920 – 1924) e administração do prefeito Guedes Pereira, que a partir de empréstimos conseguidos com bancos paulista, o projeto de Saturnino de Brito saiu do papel (ver figura 32 e 33).

32

33

Área insalubre, concentradora de um grande volume de águas estagnadas. Saturnino acreditava na importância de um aporte urbanístico junto ao seu planejamento. Para

tanto, abordava de forma integrada as questões técno-sanitárias: o abastecimento d’água; esgotos; águas pluviais; ocupação do solo; sistemas construtivos; habitações populares; espaços e edifícios públicos;

orientação e insolação (Segawa, 1999, p.21).

69

Fig. 32 e 33 – Lagoa e Parkway da Lagoa, ao fundo Parque Sólon de Lucena. 1939. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega.

Assim, a Avenida Getúlio Vargas, como era chamado o Parkway da Lagoa, partindo do Parque Sólon de Lucena em direção a leste, apontava o caminho de desenvolvimento em direção ao mar. Edificações emblemáticas e que visavam reforçar a crescente urbanização da área foram construídas, como o Instituto de Educação, o Liceu Paraibano, obra do arquiteto Clodoaldo Gouveia, com suas linhas retas e linguagem modernista, e que estrategicamente implantou o edifício no final da avenida. Em 1906, a freguesia de Tambaú (leste) abrigava pequeno povoado que sobrevivia da pesca e da plantação de coco. Ali se encontrava ainda uma Capela – Capela de Santo

70

Antônio, uma escola primária para o sexo masculino e poucas residências de veraneio (LEITÃO, 1999; COUTINHO, 2002; LEANDRO, 2006). Segundo Coutinho (2002), já na planta de 1855, elaborada por Alfredo de Barros e Vasconcelos (ver fig. 29), é possível identificar a freguesia de Tambaú (ver fig. 34), que se desenvolvia ao redor da Capela e era ocupada basicamente por uma modesta aldeia de pescadores. Trilhas em direção à orla marítima deveriam existir desde muito tempo, mas é em 1908 imbuídos dos novos conceitos sanitaristas que valorizavam os espaços abertos, trazidos através de Saturnino de Brito, e a busca por uma nova alternativa de lazer, que a praia de Tambaú entra na rota dos bondes criando outro polo de veraneio fora Cabedelo34.

Fig. 34 – Malha urbana da cidade de João Pessoa na década de 1910. Vê-se a pequena aglomeração na praia de Tambaú, desenvolvida em torno da Capela de Santo Antônio. Fonte: COUTINHO, 2002, modificado pela autora.

O percurso – apenas 6 quilômetros – seguia pela atual Avenida Epitácio Pessoa e chegava a praia através do trecho que hoje corresponde a atual Avenida Rui Carneiro. A pequena distância existente entre a praia e a cidade possibilitava os passeios durante o verão e nos fins de semana, e construía pouco a pouco os hábitos relacionados ao mar, ampliando as

34

Balneário mais a Nordeste da cidade de João Pessoa. Hoje, cidade limítrofe do município.

71

opções de lazer existentes numa cidade ainda provinciana. Essa estrada, apesar de precária, conectava a cidade àquele núcleo ainda em formação. O vazio entre a cidade e a praia de Tambaú era recoberto por um platô com mais de 40 metros acima do nível do mar, até proximidades do Rio Jaguaribe, seguidos de uma planície costeira representada por praias, terraços, restingas e manguezais. A Floresta Atlântica, que ali existia, assombrava a antiga estrada por onde passavam os primeiros bondes. Com o objetivo de expandir a cidade em direção à leste, em 1920, e com a intenção inicial da instalação de um porto35 na enseada de Tambaú, durante o governo de Camilo de Holanda (1916-1920), iniciaram-se as obras para a abertura da Avenida Epitácio Pessoa: uma grande avenida planejada que ligava o centro da cidade e a praia de Tambaú. (COUTINHO, 2002; LEANDRO, 2006) A obra só foi concluída por completo em 1930, durante o Governo de Argemiro de Figueiredo e após o saneamento realizado na praia de Tambaú (1924), que incluía a drenagem dos pântanos sublitorâneos aterrando charcos e manguezais, canalização, além do desvio do curso do rio Jaguaribe que era um aspecto crucial do empreendimento hídrico (ver fig. abaixo).

Fig. 35 – Obras de Saneamento e Canalização do Rio Jaguaribe em 1924. Fonte: Revista Era Nova, 1924 apud AGRA, 2006.

35

O Porto naquele momento (1920) estava situado às margens do Rio Sanhauá na cidade Baixa. Entretanto, tendo em vista que a pouca profundidade do Rio Sanhauá não permitia a circulação de navios de grande porte, cogitou-se transferir o Porto para a Praia de Tambaú. Essa possibilidade logo foi descartada.

72

Assim, partindo da Usina Cruz do Peixe, localizada mais a leste do Tambiá, a avenida seguiria o eixo oeste-leste cerca de 6 quilômetros e teria 30 metros de largura. Embora precária, estava aberta a ligação entre o centro da cidade e a praia, permitindo o desenvolvimento de diversos bairros na sua extensão e possibilitando a consolidação da ocupação das praias da cidade de João Pessoa. Um projeto moderno, que certamente não tinha o propósito de integrar a cidade àqueles hábitos praianos considerados saudáveis, mas era essa a ideia vendida pela mídia através da abertura dessa avenida, um respiro de modernidade frente ao traçado colonial existente na capital.

Fig. 36 – Vista aérea da cidade de João Pessoa a partir do Parque Sólon de Lucena, vendo seu Parkway e ao fundo a Avenida Epitácio Pessoa, grande eixo de conexão entre a cidade existente e a cidade futura. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega.

Após a abertura da Avenida Epitácio Pessoa, a cidade cresce de maneira vertiginosa. Em 1930, a partir de uma planta da cidade elaborada pelo engenheiro Alfredo Cihar sob encomenda do então prefeito, José de Ávila Lins, ficava delineado o primeiro traçado urbano da povoação em Tambaú, com a projeção de suas primeiras ruas. Deusdedit Leitão em seu livro Ruas de Tambaú (1999), afirma que esse desenvolvimento urbano inicial ocupou apenas as ruas mais próximas da orla marítima, com a construção de modestas casas para a temporada de veraneio. A partir da cartografia abaixo, elaborada por Marco Coutinho (2002), em sua dissertação de mestrado, e baseado na planta da cidade de 1930, pode-se observar a expansão urbana da cidade de João Pessoa até a década de 1930 e seu gradativo avanço em direção ao mar, seguindo o eixo da Avenida Epitácio Pessoa.

73

Fig. 37 – Malha urbana da cidade de João Pessoa, com as áreas de expansão da cidade até a década de 1930. Em amarelo (1910): ocupação inicial da região praieira; Em azul (1920): primeira iniciativa de abertura da Avenida Epitácio Pessoa-PB, que liga o núcleo urbano à praia de Tambaú, e consolidação de um conjunto urbano nessa praia; Em vermelho (1930): Grande área de crescimento, dando continuidade ao partido regular do traçado, consolidando bairros em direção à orla, sobretudo nos primeiros trechos da Avenida Epitácio Pessoa. Fonte: COUTINHO, 2002.

As primeiras ruas que compunham o traçado de Tambaú, e que já podiam ser vistas na planta de 1930, foram a Avenida Tamandaré, identificada pelo nome de Antônio Lyra, Avenida Nossa Senhora dos Navegantes e Maria Sales, ambas projetadas. A avenida Rui Carneiro aparecia com o nome de Avenida Atlântica. (LEITÃO, 1999; LEANDRO, 2006) Até meados de 1950, o traçado da praia de Tambaú pouco se modificou. Entretanto, a cidade continuava se expandindo em direção à leste e diversos bairros ao longo da avenida Epitácio Pessoa vão se constituindo, o que facilita a ocupação efetiva das praias. É então, a partir da década de 1960, que Tambaú começa de maneira concreta o processo de ocupação e expansão de sua mancha urbana. Como pode ser observado nas quatro cartografias abaixo: a rápida ocupação das praias, principalmente entre as décadas de 1950 a 1970.

74

João Pessoa 1940

João Pessoa 1950

João Pessoa 1960

João Pessoa 1970

Fig. 38, 39, 40 e 41 – Cartografias da cidade de João Pessoa nas décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970. Fonte: Coutinho, 2002, modificado pela autora.

Naquele momento, toda a área que hoje vai, atualmente, do início da praia do Cabo Branco até a praia de Manaíra era geralmente denominada de Tambaú36 e fazia parte do Distrito de mesmo nome, criado através da Lei Estadual de n° 2.638, de 20 de dezembro de 1961. A partir do Art. 9, da Lei 1.347 de 1971, que institui o código de obras da cidade, inclui toda a área que compreende o então Distrito de Tambaú como pertencente a zona urbana da cidade de João Pessoa. Entretanto, será só a partir de 1989, através do Art. 65 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias contidas na Constituição Estadual, que é revogada 36

A vila de pescadores, localizada nas proximidades da Igreja de Santo Antônio, entre as atuais av. Nego e Olinda (bairro de Tambaú), era denominada Santo Antônio pelos moradores antigos. Já a área próxima a Igrejinha de São Gonçalo possuía o mesmo nome e hoje faz parte do bairro de Manaíra. (LEITÃO, 1999; LEANDRO, 2006)

75

a criação do Distrito de Tambaú, reincorporando aquela área ao perímetro urbano da cidade de João Pessoa e delimitando os atuais bairros de Tambaú, Cabo Branco e Manaíra. Dessa forma, neste trabalho, ao nos referirmos a Tambaú, estamos tratando da faixa litorânea que atualmente vai do Cabo Branco a Manaíra, pois naquele momento, década de 1950-70, não seria possível traçar a delimitação que hoje conhecemos. E assim, essa Tambaú vai se desenvolvendo, atraindo a população que desde o início do século XX a enxerga como uma alternativa de lazer e vida moderna. Estava dado o principal passo no processo de invenção da praia.

76

Capítulo 4 Praia, Mídias e Arquiteturas: um imaginário da cidade

Fig. 42 – “Tambaú usando joia”. Foto do Hotel Tambaú situado na praia de Tambaú em João Pessoa. Fonte: O Norte. João Pessoa, 14 Out. 1970

77

No capítulo anterior, refletimos sobre as transformações do imaginário relacionado ao mar, procurando entender como se constitui essa cultura da praia e quais as relações existentes entre a cidade e a praia. Finalizamos o capítulo com uma breve contextualização histórica e urbana sobre a cidade de João Pessoa, a partir de sua relação com o mar. O objetivo foi entender o momento em que a cidade “descobre” o mar, seus benefícios e qualidades terapêuticas e passa a enxergar a praia como uma alternativa de lazer e vida moderna, mas também, como novas oportunidades para os interesses comerciais e políticos. Neste capítulo, continuaremos essa contextualização, agora sob o enfoque da ocupação da orla marítima, fazendo um paralelo entre imagem e transformação do território, como pano de fundo para refletir e compreender a construção desse espaço e de suas territorialidades, a partir da utilização dos dispositivos imagéticos divulgados pela mídia impressa. Ou seja, de que maneira esta praia que é inventada a partir destes recursos imagéticos, se traduz em efetivas intervenções urbanísticas e arquitetônicas. Lembrando que, o objetivo aqui não é estabelecer relações diretas de causa e efeito entre o modelo de cidade proposto pela mídia e aquela que efetivamente vem a ser construída, mas constituir uma estrutura de conhecimento que possibilite, graças a sua lógica paralela, entender possíveis relações. E entre elas, a possível evidência de que a imagem ou modelo de orla marítima criada pela mídia impressa teriam se constituído em dispositivos de transformação efetiva do território, com impacto no processo de produção da cidade, modificando, inclusive, os hábitos e comportamento da sociedade. A busca por estas possíveis evidências se dá em um período que corresponde a meados do século XX, no qual a área começa a ser ocupada por residências fixas e gradativamente deixa de ser vista não apenas como praia de veraneio mas também como bairro. Essas duas temporalidades e suas características descritas, a praia como veraneio e a praia como bairro, estão de fato nos discursos midiáticos realizados sobre a ocupação e utilização da praia de Tambaú. Entretanto, essas temporalidades se sobrepõem. Em diversos momentos esses usos ocorrem simultaneamente, com destaque para a permanência da cultura do veraneio. O que se delimita de fato é a predominância dos usos nesses tempos como forma de facilitar o entendimento e a construção de uma lógica de produção da cidade. Dessa maneira, o período estudado (1950-1970) corresponde à transição entre esses dois tempos; momento do desejo explícito de ser bairro, mas ainda sem infraestrutura para tal e permanência do caráter de lugar de veraneio.

78

4.1 A praia de Tambaú e suas temporalidades: o uso da imagem como dispositivo de construção de modelos e da transformação do território. Como visto anteriormente, já em meados do século XX as praias em geral haviam perdido a imagem repulsiva de lugares de despejos e foco de doenças, discurso existente até fins do século XIX, inicio do século XX e passam a ser vista como um alternativa de lazer e vida moderna. Mas como isso acontece? João Pessoa segue uma vertente um pouco diferente do que acontece na maioria das cidades europeias, onde os efeitos da revolução industrial – rápido crescimento da população e consequente insalubridade existente nos bairros antigos – irão motivar a busca por alternativas àquele ambiente caótico existente, baseados nos novos paradigmas médicos. Seus bairros antigos não possuíam as condições alarmantes encontradas em Londres e Barcelona, por exemplo, pelo menos não a ponto de justificar, aos olhos da comunidade e da administração pública, a necessidade de construir um novo modelo de cidade. Entretanto, possuíam, uma estrutura colonial que lembrava o passado. Seu traçado estreito e suas casas geminadas não mais correspondiam aos novos paradigmas em voga, pois dificultavam a circulação dos ventos e incidência do sol, requisitos básicos para se obter uma cidade saudável. Esses conceitos de limpeza e saúde pública se tornaram fundamentais na determinação da estrutura física e social da cidade contemporânea. E será a representação desses paradigmas médicos como algo dito moderno que determinará a busca desse novo espaço de lazer, proporcionando à cidade de João Pessoa uma aproximação com a praia, pois representava o tão desejado modelo de vida moderna. Através dos Jornais locais, percebe-se que aos poucos a praia passa a ser vista como alternativa a essa realidade encontrada no centro antigo da cidade, com sua estrutura colonial. Digo alternativa, pois não se tratava somente da existência de uma área livre que possibilitava as construções segundo os preceitos modernos, mas sim do discurso médico sobre os benefícios trazidos pelo contato com os raios de sol e o ar puro da praia. As beiras de praias, no século passado [séc. XIX], eram simplesmente beiras de praias para depósito de lixos e cemitério de negros escravos. A urbanização, mais do que urbanização, sítio de desenvolvimento de educação física e sol é hábito iniciado no século atual [séc. XX]. As praias modificaram certos princípios morais. Tiraram de dentro das casas sombrias, famílias que não viviam em contacto com o sol e o espaço livre, colocando-as onde justamente a natureza exige a presença humana. A

79

humanidade de hoje deve muito ao litoral. (Praias... A União. João Pessoa, p.02, 28 Fev. 1969)

Portanto, embora em um primeiro momento (década de 1950), o discurso dos jornais locais exaltem a beleza e o caráter “virgem” da praia, há um discurso inspirado no paradigma bacteriológico como algo próprio da modernidade que justifica de forma muito mais clara a necessidade de aproximação com a orla marítima. Mas então como se caracterizava a praia de Tambaú nesse momento?

Fig. 43, 44, 45 – Jangadas ao mar imagens da Praia de Tambaú e Salvador. Autores: Walfredo Rodrigues, Carybé e Verger. Fonte: Revista Manaíra, João Pessoa, Abr. e Mai. 1944; Carybé, Verger & Caymmi: Mar da Bahia. Org. José Barreto de Jesus, Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisline Design Editora, 2009.

Fig. 46, 47, 48 – Pescadores lançando suas redes ao mar, imagens da Praia de Tambaú e Salvador. Autores: Walfredo Rodrigues, Carybé e Verger. Fonte: Revista Manaíra, João Pessoa, Abr. e Mai. 1944; Carybé, Verger & Caymmi: Mar da Bahia. Org. José Barreto de Jesus, Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisline Design Editora, 2009.

Em um primeiro momento, Tambaú apresenta uma imagem de praia ligada ao lazer e descanso, nos trazendo a ideia de um lugar bucólico, calmo e relaxante. A luminosidade das jangadas, o jogar das redes dos pescadores ao mar, a coreografia trazida por esse movimento, todas essas impressões se acumulavam no imaginário da população e traduziam o mundo do mar que agora, mesmo que lentamente, começava a fazer parte do

80

cotidiano da população pessoense. São imagens bastante divulgadas durante meados do século XX, ao retratar o mar e as praias. Quem não se lembra das fotografias dos eternos saveiros de Pierre Verger? Ou ainda das alegres e coloridas puxadas de rede dos desenhos de Carybé? Sem falar nos pescadores das formosas jangadas sempre presentes nas composições de Dorival Caymmi? O mar da Bahia, foi amplamente retratado por essas três figuras, contribuindo para a criação de um imaginário relacionado ao mar e por sua vez, tendo sido reproduzidas em diversos momentos em jornais e revistas da cidade de João Pessoa. No segundo momento deste discurso, as praias, ao se transformarem em um espaço valorizado pelo discurso terapêutico, consequência dos efeitos da modernidade. A partir da criação desse imaginário relacionado ao mar, são introduzidas para os habitantes novas formas de lazer e também de viver saudável, espaço para descansar da ansiedade e correria existente na cidade, sarar o corpo e reconstituir energias.

Em ambos discursos, está claro, a praia é descoberta ou apresentada como lugar de veraneio [embora as atividades pesqueiras existam, elas são incorporadas somente como um cenário bucólico para este veraneio], a primeira temporalidade aqui delimitada para a praia de Tambaú.

4.1.1 Tambaú, a descoberta da Praia e suas influências: a consolidação da ideia de Veraneio Como dito anteriormente, a ocupação da praia, pelos moradores da cidade, ocorre de maneira gradativa e se dá, inicialmente, com a construção de residências de férias nos terrenos vazios, ocupando ou substituindo aldeias de pescadores existentes no local. Com a crescente ocupação desses terrenos e o aumento do número de veranistas e frequentadores das praias, os melhoramentos começam a ser realizados pelo governo, demonstrando um início de preocupação em melhorar as condições urbanísticas da área e articular, de maneira mais eficiente, a cidade existente e a sua extensão à praia37. Será aquilo que anteriormente chamamos de cultura da praia, um fator determinante para a ocupação e desenvolvimento da praia de Tambaú, que modificou inclusive os hábitos e 37

Mesmo que em diversos momentos a praia de Tambaú tenha oficialmente ganhado título de distrito anexado ao município pessoense, como fora explicado no capítulo anterior.

81

comportamentos da população. Seguindo o exemplo de famosos balneários e a partir de um desejo de ser moderno, uma modernidade marcada por bens de consumo norte-americanos e pelo American way of life, o litoral passa a ser visto como área de lazer, um ambiente aprazível e salutar. Mas então, como foi essa influência norte-americana? E como afetou a cultura da praia influenciando a ocupação e desenvolvimento da praia de Tambaú? Após a Primeira Guerra Mundial, e alguns anos depois com a consolidação do cinema em Hollywood, a mentalidade de consumo norte-americana se expandiu por todo o mundo fazendo com que o American way of life alterasse a forma como o mundo pensava sobre si mesmo e o que as pessoas tinham como ideal de felicidade. Assim, os comportamentos mudaram, as formas de sociabilidade também mudaram, as novas tecnologias, o desenvolvimento dos meios de comunicação, do esporte, do turismo, do rádio, do cinema sonoro, de uma sociedade de consumo representavam

as maiores formas de

entretenimento. A intenção era expandir os valores de consumo associados a um modelo de sociedade desenvolvida e ideal, da qual os americanos tanto se orgulhavam. Tal ideologia seria desejada em todo o mundo, mas em especial na América Latina. Entretanto, foi a partir da Segunda Grande Guerra Mundial que elementos decisivos foram trazidos para aumentar a influência americana no Brasil. Após a definição de apoio38 e posterior entrada na Guerra, ao lado dos Aliados, o Brasil passa a ser alvo estadunidense para propagação de sua Cultura. A Política de Boa Vizinhança, implementada durante o governo Rosevelt a partir dos anos 1940, e sob a gerência de Nelson Aldrich Rockefeller, visava uma dominação estadunidense sobre a América Latina 39 , através de acordos comerciais, planos de cooperação internacional e alianças políticas. Mais do que isso, segundo Cavalcanti (2006), a maior estratégia utilizada para obter o domínio econômico foi a via cultural. Essa ingerência dos EUA em território latino-americano se tornou definitiva com a instalação da Guerra Fria, ao final da Segunda Guerra Mundial, reforçando e consolidando essas transformações, mudando o mapa das influências internacionais.

38

Foi acertado um acordo em que, em troca de permissão de instalar uma base aérea militar em Natal e do término da neutralidade brasileira, os EUA financiaram a siderúrgica de Volta Redonda e a Fábrica Nacional de Motores, e ofereceram vantagens fiscais para a entrada do café brasileiro no mercado norte-americano, além do monopólio do fornecimento desse produto para o exército ianque. Entre 1944 e 1945, o Brasil enviou, para lutar na Europa, um contingente de 25 mil soldados, constituindo-se o único país sul-americano a combater diretamente na Segunda Guerra Mundial. (CAVALCANTI, 2006) 39 Com especial atenção para Brasil e Argentina, pois tinham fortes laços comerciais com a Alemanha e Itália.

82

Todo esse discurso para falar que tais influências são exaustivamente manifestadas pela mídia e a propagação da cultura da praia não seria diferente, já que mesmo antes a orla marítima também era divulgada pelas revistas europeias como área de lazer, um ambiente aprazível e salutar, e agora, com a influência americana, passa ser evidenciada também através de reportagens de capas das revistas norte-americanas como Life, ou nacionais como O Cruzeiro, e cujo modelo se reproduz na mídia local através da Revista Manaíra.

Fig. 49, 50, 51 – Life, O Cruzeiro e Manaíra, revistas de grande importância dentro de seus contextos internacional, nacional e local indicam o modo de vida. Fonte: Life Magazine 13 Jan. 1941; Revista O Cruzeiro Dez. 1928; Revista Manaíra Jan. 1947.

Através do uso e criação destas imagens, essas revistas vão traduzir desejos e criar necessidades no público leitor. No âmbito urbanístico, estes desejos e necessidades implicariam numa requalificação territorial, construída essencialmente a partir da imagem do desejo. A imagem, ela mesma discurso, mas também elemento de um discurso maior que constrói modelos de vida urbana, deve ser entendida como linguagem, pois ela transformase na escrita a partir do momento em que é significativa. As capas das revistas Life, Cruzeiro e Manaíra, reproduzidas anteriormente, são nesse sentido muito eloquentes. Efetivamente, ao observarmos as três capas, fica claro que sempre que a praia é trazida como matéria de capa faz-se relação a um modo de vida saudável, ambiente relaxante e agradável, trazendo na maioria das vezes a mulher como protagonista, mas principalmente como símbolo indicativo de uma forma de vida urbana moderna. São imagens sedutoras, promotoras de um consumismo modernizador de espaços e costumes que buscavam ampliar a atuação da mulher e do homem, delimitando e reforçando alguns estereótipos. Por exemplo, o do homem como chefe de família, ou ainda

83

da mulher como dona de casa correta e sempre impecável. Esses estereótipos, ou representações sociais criadas, surgem como objetivo central para a vida adulta do indivíduo moderno.

Fig. 52, 53, 54 – Ideal de beleza e representação da figura feminina no ambiente das praias. Fonte: Life Magazine. New York, Jul. 1949; Revista O Cruzeiro. Rio de Janeiro, Jan. 1944; Revista Manaíra. João Pessoa, Dez. 1946

Com a intenção de atingir tanto o público masculino quanto o feminino, as imagens além de mostrar o corpo da mulher e reforçar o ideal de beleza, produziram o estereótipo de que a praia é um ambiente de lazer saudável frequentado por mulheres bonitas e esculturais de classe social média e alta. Assim, vale a pena ressaltar que a exploração deste recurso imagens com mulheres claramente associáveis aos padrões disseminados pelas revistas constitui uma espécie de esfera representativa de ideal de beleza e feminilidade e, portanto, uma imagem que também traz uma intenção de segregação social imposta através de um discurso elitista, sugerindo uma renovação de processos territoriais de elitização.

Fig. 55 e 56 – Influência estadunidense e carioca relacionada as práticas de lazer e ser saudável no litoral, evidenciando a figura feminina, de classe social média e alta. Fonte: Revista Manaíra. João Pessoa, Jun. 1940; Revista Manaíra. João Pessoa, Dez. 1945.

84

Assimilando tais discursos e posturas, a sociedade pessoense incorpora ao seu dia a dia a cultura da praia, sob forte influência americana e carioca, segundo se observa a partir dos exemplares pesquisados da Revista Manaíra (ver figuras 55 e 56). O que vemos nas figuras acima é a incorporação, na Revista Manaíra, da mesma linguagem e dos mesmos discursos das revistas Life e O Cruzeiro. O que permite supor, a existência de um desejo de inclusão, em João Pessoa, de um modelo de cidade próximo aquele que as revistas internacionais e nacionais apresentam, através das imagens, do Rio de Janeiro ou da Califórnia. Suspeita lógica se consideramos a crescente valorização da praia de Tambaú, distante 6 quilômetros do centro da cidade de João Pessoa e que a partir do calçamento da Avenida Epitácio Pessoa (ver figura 57), realizada em 1952, possibilita um melhor acesso para os que iam de carro àquela praia, aumentando o número dos que frequentam o local.

Fig. 57 – Calçamento da Avenida Epitácio Pessoa, 1952. Fonte: A União, João Pessoa, 15 Out. 1952, p.05.

Começava uma nova fase que, somada a implantação dos bondes elétricos na década de 1940, durante o governo de Rui Carneiro, e em consonância com a política desenvolvimentista40 implementada no país pós Revolução de 30 e pelo Governo Vargas, ampliou o acesso à orla para uma parcela maior da população e o núcleo inicial de ocupação no entorno do Bar e Restaurante Elite. (COUTINHO, 2004)

40

. O Brasil realizou uma revolução em termos de modernização, destronando as antigas estruturas

oligárquicas da República Velha, implementando uma política baseada no progresso.

85

A partir de então, as mudanças ocorreriam à velocidade das marinetes e dos veículos41, que passariam a percorrê-la com mais frequência, introduzindo a cultura da praia ao cotidiano da cidade e proporcionando o crescimento urbano da área. Crescimento, que não se limitou à praia de Tambaú. A pavimentação seria responsável por uma mudança radical no entorno da avenida que, em menos de dez anos, não estaria ligando somente o centro ao mar, mas promovendo a ocupação de áreas tanto ao sul quanto ao norte da orla. Essa característica que torna a Avenida Epitácio Pessoa elemento fundamental na relação entre a cidade e a praia de Tambaú, faz-nos indicar um paralelo com o prolongamento da Gran Via de Les Cortes de Barcelona, proposta elaborada pelo GATEPAC nos anos 1930, para a construção da “cidade do repouso e lazer”, já explicado no capítulo anterior.

Fig. 58 – Proposta de prolongamento em linha reta em direção ao mar da Gran Via de Les Cortes (em laranja) possibilitando a conexão entre a cidade de Barcelona e a cidade do repouso e lazer. Fonte: Revista A.C. Barcelona: Jul/Ago/Set. 1934.

41

O aumento do número de veículos possibilitados pela nova Política Nacional de Rodovias e as

mudanças nos sistemas de comunicação e economia, puderam ser sentidos na cidade a partir de 1946. Segundo Maia (1978), o movimento diário de veículos que circulava entre a cidade de João Pessoa e cidades vizinhas como: Recife, Campina Grande, Cabedelo e Santa Rita passou de 332 para 1550 veículos por dia entre os anos de 1946 e 1950.

86

Fig. 59 – Construção da Avenida Epitácio Pessoa (em laranja), ligação entre a área central de João Pessoa e a Praia de Tambaú. Fonte: Coutinho, 2004, modificados pela autora.

Embora em contextos bastante diferentes, desde o ponto de vista social e político, ambas iniciativas se tornam referenciais claros para a imagem de desenvolvimento e sinônimo de modernidade que cada projeto urbano persegue. Quando o GATEPAC formula o projeto para a Ciutat de Vacances de Castelldefels, está comprometido com os ideais políticos socialistas e com os indicativos do CIAM. No caso de João Pessoa, há de certa forma, um compromisso em ligar o projeto de articulação da cidade tradicional com a praia também como forma de incorporar elementos de modernidade, embora mais próximos dos interesses da classe mais abastada e não da classe trabalhadora, como é o caso do GATEPAC. Entretanto, nos dois casos o projeto ali representava uma tentativa de incorporação de elementos de modernidade à cidade, e a possibilidade de integração da cidade com a praia e seus hábitos de viver saudável. Ambos representaram uma espécie de possibilitador de uma invenção da praia.

87

4.1.2 Tambaú e a rápida transformação do território A rápida transformação percebida em Tambaú, de fato, tem a ver com o ritmo desenvolvimentista imposto por Juscelino Kubitschek, os “cinquenta anos em cinco”, e que, juntamente com a construção de uma identidade nacional, buscada desde os anos 1940 com Getúlio Vargas, ditaram o modelo e o ritmo de crescimento em todo o país. Mas qual teria sido, efetivamente, aquelas ações que poderiam ser relacionadas com este desejo de modernidade e de invenção da praia, que este discurso imagético teria provocado ao nível das transformações da cidade propriamente dita?

Uma evidência importante são os investimentos realizados na intenção de adequar a infraestrutura da praia de Tambaú aos novos tempos. Ruas, praças, estabelecimentos e a própria “calçadinha” - como até hoje é conhecido o passeio que percorre toda a orla recebem melhorias. E claro, que essas melhorias utilizariam como modelo os discursos e as representações que melhor expressassem essa nova ordem de modernidade. Assim, Copacabana se torna influência não só através dos hábitos ali exercidos, do estilo de vida ali criado, como também através de seus elementos simbólicos construídos.

Fig. 60 e 61 – Calçadinha de Tambaú (à direita) seguindo padrões de Copacabana (à esquerda). Fonte: O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 07 mai. 1960; A União, João Pessoa, 26 mar. 1968.

Essa “Copacabana mítica”, como bem afirma Stela Kaz (2010), ecoou [mundo afora] em diversos lugares, inclusive em João Pessoa. A praia de Tambaú também era requerida moderna, ordenada, símbolo desse progresso que tanto foi disseminado no país. As referências à Copacabana existentes nas revistas e jornais locais, se concretizaram através

88

também da construção da “calçadinha” de Tambaú, que seguiu o design padrão do calçadão de Copacabana (ver figuras 60 e 61). A concretização do desejo de modernidade não se limitava exclusivamente a elementos simbólicos que poderiam ser caracterizados a partir da arquitetura e do urbanismo, mas principalmente as formas de uso; a nova arquitetura e o novo

urbanismo

deveriam

permitir

a

imitação

daqueles

novos

hábitos,

novos

comportamentos e novos estilos de vida anunciados de forma sedutora por jornais e revistas. Ao imaginário sobre Copacabana, corresponde um estilo de vida integrado às experiências da cultura do consumo e da estetização do cotidiano. Copacabana representa a promessa de felicidade, estilo de vida, signo universal. É sempre, no imaginário universal, alguma coisa a mais do que um bairro ou um balneário. Imbuídos desse desejo, equipamentos de serviços começam a ser implantados em maior número e os que já existiam, entram no processo de reformas para assumir este caráter sedutor; um caráter moderno. Desejo que estará presente em todo discurso observado nos jornais e revistas locais, discurso esse, também inflamado a nível nacional. Embora não apareça associada à invenção da praia, Brasília é o exemplo melhor do promotor. Nesse momento, é comum ver-se associado o fato urbanístico ou arquitetônico com a imagem de seus promotores, como um atestado de certificação de qualidade, como se observa em todo o período da construção e inauguração de Brasília.

Fig. 62 e 63 – Capas sobre a inauguração de Brasília onde Juscelino Kubitschek aparece como promotor desse novo ideário. Fonte: O Cruzeiro, Rio de janeiro, Edição Especial, 07 mai. 1960; Manchete. Rio de Janeiro, mai. 1960.

89

Quando se fala em Brasília, lembramos de Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, os grandes promotores desse novo ideário moderno. É a chamada personificação do fato histórico. Essa formula, é amplamente utilizada em revistas e jornais para se vender a ideia de modernidade. É o que de fato acontece ao analisarmos as imagens seguintes.

Fig. 64 e 65 – Lançamento da Pedra Fundamental do Hotel Hilton

42

no Rio de Janeiro;

Reinauguração do Elite Bar, restaurante emblemático localizado na praia de Tambaú. Fonte: Fato em Foco. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, mai. 1960, p.13; O Elite. O Norte, João Pessoa, 29 Out.1967.

Nesses casos, mais importante do que o fato em si são os promotores dessa modernidade, que aparecem em primeiro plano e em destaque. Lembram-se da observação feita anteriormente sobre a segregação social imposta através de um discurso elitista? Pois bem, tal discurso pode ser verificado também nas imagens acima. No primeiro caso, cujo título da reportagem é “Um fato em foco” vê-se um grupo de empresários desfilando sob o sol do Leblon. O fato referido é a construção, no Rio de Janeiro, do mais novo hotel da rede Hilton de hotéis americanos. Entretanto, muito mais importante que o próprio fato, parece ser a presença das personalidades da alta sociedade (no caso, O Sr. Corad Hilton, Ziva Roldann, ex-miss Israel, e sua comitiva, além do Industrial Antônio Sanches Galdeano), representação viva da modernidade desejada, uma espécie de certificado de qualidade, indicando quem seria a classe social frequentadora do local. O mesmo se observa na imagem seguinte: a reinauguração do restaurante Elite Bar, em João Pessoa, tradicional restaurante localizado na praia de Tambaú (o próprio nome já diz muito sobre o desejo do local). Em ambas fotografias, nada se vê da nova arquitetura ou do novo empreendimento, mas sim as personalidades da sociedade local ou os responsáveis pela sua realização. Porque esta imagem bastaria? Ou melhor porque esta imagem seria mais importante que a imagem do edifício?

42

O Hotel Hilton, mencionado na reportagem, não chegou a ser construído.

90

Embora já seja possível verificar o interesse por mostrar a construção de parte do passeio marítimo [A calçadinha], as imagens abaixo são igualmente sugerentes em relação a importância deste aspecto na invenção da praia. Parece importar mais quem está vinculado ao projeto do que aquilo que o projeto pode efetivamente apresentar, transformando com a urbanização ou com a arquitetura.

Fig. 66 e 67 – Serviços inaugurados na praia de Tambaú. Fonte: TAMBAÚ...O Norte, João Pessoa, 28 Set. 1969, p.01 e PAVIMENTAÇÃO...A União, João Pessoa, 13 fev. 1957, p.01

Tais imagens revelam muito das intenções desejadas para a praia de Tambaú, área que iniciava seu processo de ocupação e aos poucos iria se consolidar como bairro, um território da elite pessoense, como queriam muitos.

Mas, para que de fato a ocupação acontecesse, ou seja, para que de fato a praia até então vista como veraneio, se transformasse em bairro, era necessário acrescentar a esse ideário de local saudável e “bem frequentado” (lê-se frequentado por pessoas importantes da sociedade pessoense), um discurso qualificando a praia como “local ideal de moradia”, símbolo do desenvolvimento e progresso da cidade - mesmo que ainda não possuísse infraestrutura adequada para tal. Nas décadas de 1950 e 60, quando se processa esta invenção da praia, diversos empreendimentos importantes para a consolidação urbana da cidade começam a ser construídos. São edifícios residenciais de grande altura, escolas, mercados, loteamentos e unidades habitacionais. Particularmente nos anos 60, com a política habitacional do regime militar43, é iniciado uma série construções de conjuntos habitacionais e a introdução de

43

O Regime militar criou em 1964 o BNH (Banco Nacional da Habitação), passando a gerir as contas do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).

91

importantes

obras

de

infraestrutura

e

equipamentos

urbanos,

que

iriam

alterar

significativamente as estruturas urbanas das grandes e médias cidades do país. Os conjuntos habitacionais passaram a ser o elemento propulsor e estruturante do crescimento da cidade, conduzindo a expansão em direção sudeste. Mas também, através do mesmo SFH - Sistema Financeiro da Habitação, abriram-se novas linhas de financiamento para construções isoladas destinadas à classe média alta. Esses recursos, se concentraram nos nascentes bairros situados ao longo do eixo de ligação com a orla marítima. Desta forma, assistiu-se a rápida consolidação dos bairros de Tambaú, Manaíra e Cabo Branco e a consequente valorização de todo o percurso da avenida. (COUTINHO, 2002) O tremendo surto imobiliário e os contínuos loteamentos, não só ao longo da Av. Epitácio Pessoa como também na orla marítima, são um índice revelador da maneira pela qual o homem encontra, naquele recanto plasmado docemente pela natureza, condições favoráveis ás suas necessidades individuais e coletivas. (MESQUITA, Jeová. “Sociedade dos Amigos de Tambaú”. O Norte, João Pessoa, 29 dez. 1957, p.02)

Fig. 68, 69 e 70 – Propagandas Imobiliárias de loteamentos localizados na praia. Fonte: O Norte, João Pessoa, 28 set. 1958, p.03; O Norte, João Pessoa, 01 jan. 1959, p. 03; O Norte, João Pessoa, 13 jan. 1957, p.3.

Os diversos loteamentos localizados nas praias divulgavam a imagem associada ao conceito de “ideal de moradia”. A comercialização desse ideal, ecoava por toda a cidade, sempre fazendo uso dos benefícios e qualidades terapêuticas existentes nas praias:

92

espaços de saúde e lazer. O jornal O Norte, veículo de perfil mais comercial e que trazia os anseios da população, exaustivamente divulgava e afirmava essa crescente valorização. Dessa forma, aos poucos, Tambaú vai perdendo suas características de veraneio, casas de uso temporário e de férias vão sendo substituídas por residências fixas e acima de tudo, a população passa a exergá-la como espaço pertencente a cidade, assumindo assim, caráter de bairro residencial. O que se observa, é que o impacto da valorização das praias, em virtude dessa expansão dos loteamentos e construções, expulsa os pescadores e a população de menor poder aquisitivo, para áreas mais afastadas. A população mais humilde aos poucos foi sendo substituída por moradores de maior poder aquisitivo mais alto, imbuídos do novo discurso de “local ideal de moradia”. (LEANDRO, 2006)

4.1.3 O Hotel Tambaú e o Projeto CURA: o Estado inventando a praia. Até o final da década de 1960, é possível verificar, através de fotografias, que apenas as três primeiras quadras de parte daquele polígono considerado como a Praia de Tambaú estavam ocupadas. A infraestrutura ainda era precária e encontravam-se construções esparsas de casas e edifícios. Um indicativo mais convincente para a ocupação da área e possivelmente mais eloquente que as imagens de engravatados reinaugurando restaurante, será aquele da construção de um Hotel de grande porte – O Tropical Hotel Tambaú – sobre a faixa de areia da própria praia. Há muito tempo a cidade carecia de hotéis com infraestrutura, capazes de suportar a demanda que crescia cada vez mais na cidade. A praia de Tambaú, recebia turistas de toda a região e desde a década de 1940 já era um destino de férias bastante procurado. A maioria dos Hotéis existentes estavam localizados no centro da cidade, entretanto, já não mais correspondiam às exigências e necessidades da vida moderna. (GAMBARRA & TINEM, 2008) Era urgente, desde o início de 1950, a construção de hotéis que proporcionassem “uma melhor acolhida aos seus visitantes” (TAMBAÚ, 1952, p.04) e conseguissem atender a procura natural em uma cidade em desenvolvimento. A população não podia mais perder a oportunidade de sediar eventos, de caráter comercial, cientifico ou cultural, pela ausência de instalações hoteleiras adequadas, como afirma a manchete do jornal “A União”, em 1963, “Porque não tem hotel João Pessoa não será sede de congresso”.

93

Assim, não era só um desejo da população, também era de interesse dos “homens de negócio”, industriais, comerciantes e banqueiros, a construção de um novo hotel, com a possibilidade de aumentar seus lucros. (GAMBARRA & TINEM, 2008, p. 06)

Assim, em 1968, o governador João Agripino, investido da autoridade política que o governo militar lhe conferia, assume a responsabilidade e encarrega o arquiteto Sérgio Bernardes da construção do Hotel na capital, cuja localização na orla marítima é justificada como “próprio dos grandes centros urbanos, (...) que tinham seus hotéis localizados a no mínimo 30 minutos do centro da cidade” (TEIXEIRA, 2006). Na verdade, não se sabe ao certo os motivos que levaram o arquiteto Sérgio Bernardes, juntamente com o Governo do Estado, a escolher a praia de Tambaú como local adequado para implantação de seu projeto. Especula-se que a necessidade de ocupar a orla e de maneira mais consistente trazer maiores investimentos para a área, tendo em vista que, até o início da década de 1950, a praia era pouco habitada, sem infraestrutura e de difícil acesso, porém com um potencial turístico que engrandecia os olhos de alguns industriais e altos comerciantes, teria sido um dos motivos que justificaria a escolha. Assim, a construção do Hotel Tambaú se configurou como uma bandeira fincada no solo demarcando o território, trazendo maiores investimentos e proporcionando uma melhor integração entre o centro da cidade e a orla. O arrojado projeto, uma construção de 18.576 m², foi implantado no pontal da praia de Tambaú, local pertencente ao Patrimônio da União – assim como toda a faixa litorânea do país. A construção, tomou toda o pontal e avançou significativamente no mar, sem levar em conta qualquer tipo de impacto ao meio ambiente. Entretanto, com o correr dos anos, o Hotel Tambaú transformou-se em cartão postal da cidade e terminou por marcar o início das operações turísticas no Estado. (COUTINHO, 2002) Dessa maneira, o Hotel vai se configurar como um fato arquitetônico de grande representatividade, tornando-se ícone de um desejo de modernidade e de pertencer a este universo de cidades-praia. É sobre isso que se tratam as imagens seguintes: Um fato arquitetônico e urbanístico que marca, representa ou modifica a realidade e o desejo. A imagem como força de representação e estímulo para a organização e transformação do território.

94

Fig. 71, 72 e 73 – Vista da praia através dos grandes estacionamentos de carros na Califórnia, vista aérea da praia de Copacabana no Rio de janeiro, destaque para o grande paredão de edifícios em 1968 e vista aérea do Hotel Tambaú, elemento marcante na paisagem da praia de Tambaú. Fonte: Parking Lot at the beach. Life Megazine, julho de 1950; O Rio Maravilhoso. O Cruzeiro, edição especial 1968; Tambaú usando joia. O Norte, João Pessoa, 14 Out.1970.

No primeiro caso (figura 71), vê-se um grande estacionamento de carros numa praia da Califórnia, Estados Unidos. Na verdade, muito mais que um estacionamento de carros em uma típica praia americana, a imagem é representativa de um modelo de urbanização ali existente, uma distribuição espacial de cidade onde o carro é o elemento articulador. Foi na Exposição Internacional de Nova Iorque de 1939 que a mostra da General Motors (GM) – projetada por Norman Bel Guedes e intitulada “Highways and Horizons” – difundiu uma visão de cidades do futuro que incorporavam as vias expressas elevadas, ou seja, cidades concebidas para carros. Por meio de maquetes, os visitantes tomavam conhecimento de uma cidade intensamente verticalizada e repleta de vias expressas, de viadutos e de trevos elevados, a imagem da “cidade do automóvel”, tornando sedutora a cidade do transporte individual sobre pneus. O que se percebe então, é que a divulgação das imagens onde o carro aparece como elemento de destaque, além de demonstrar o interesse da indústria automobilística na ampliação do mercado consumidor desse produto, que o transforma em desejo de consumo da população, influencia na configuração espacial das cidades, pois exige uma completa adaptação física do espaço. Tal discurso observado na imagem sobre a praia na Califórnia também é válido para o caso do Brasil, como podemos observar nas duas imagens abaixo das praias de Copacabana e Tambaú, onde mais um vez percebe-se a homogeneização dos discursos.

95

Fig.74 e 75 – Praia de Tambaú e Praia de Copacabana ambas demonstrando a cidade do automóvel, década de 1960. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega e Desconhecida.

Vejamos o segundo exemplo (figura 72): a praia de Copacabana no Rio de Janeiro e seus altos e numerosos edifícios. Nesse caso, o que está sendo representado é a ideia de modernidade e progresso, simbolizada através dos grandes edifícios e à potencialidade estrutural do concreto armado. A arquitetura representa então, a intencionalidade estética definidora das formas de cidade e simboliza a materialização do espírito moderno, da construção do novo. Segundo Chaves (2008), nas primeiras décadas do século XX no Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo foram os primeiros centros urbanos brasileiros a sentirem os reflexos do pensamento positivo de progresso e desenvolvimento que já vinha acontecendo no mundo. O primeiro era sede do poder político da recém-criada república e o segundo, cidade escolhida para a implantação das indústrias nacionais. A soma desses interesses políticos e econômicos fez com que as duas cidades se tornassem símbolos nacionais de desenvolvimento e progresso. Dessa maneira, a imagem dessa nova cidade adensada, expressa na arquitetura dos edifícios altos, reitera esse desejo tão requerido pela sociedade. A insistente divulgação dessa imagem irá fomentar um processo de imitação que não ficará somente no âmbito do desejo mas também da concretização, pelo menos, de diferentes níveis e aspectos desse desejo. É o que acontece, em menor escala em João Pessoa. O processo de verticalização na capital paraibana, em um primeiro momento, é desvinculado de uma necessidade de adensamento, e muito mais atrelado àqueles novos símbolos de desenvolvimento e progresso relacionados com a construção de uma imagem de cidade metrópole.

96

Fig. 76 e 77 – Propaganda da inauguração de edifícios de

grande

construídos

na

altura praia

de

Tambaú, Ed. João Marques de

Almeida

Marcos, Fonte:

e

Ed.

São

respectivamente. O

Norte,

João

Pessoa, 12 Dez. 1965 e O Norte,

João

Pessoa,

30

Dez. 1967.

Esse processo, se inicia a partir da década de 1950, com a construção do Edifício Presidente Epitácio Pessoa, localizado no centro da cidade. Desse período até meados da década de 1970, constituiu-se o primeiro ciclo de verticalização na cidade, tendo sido construídos um total de 24 edificações entre 3 e 18 pavimentos – 16 no centro da cidade e 08 na orla marítima. (CHAVES, 2008; LEANDRO, 2006) É preciso observar que a vocação da praia, nesta época, é essencialmente residencial e que a maioria destas edificações construídas no período estão na praia.

Fig. 78 – Localização dos edifícios altos residenciais na orla e no centro da cidade em vermelho, década de 1970. Fonte: PMJP, modificado pela autora.

97

As edificações localizadas no centro da cidade tem seu uso majoritário para fins institucionais e comerciais. Até a década de 1970, apenas dois edifícios localizados no centro tem uso exclusivamente residencial44. Já na orla marítima, particularmente, todos os edifícios ali construídos tinham um uso residencial e inicialmente destinados ao veraneio (ver figura 78). O primeiro edifício construído na orla foi o Ed. Santo Antônio, no ano de 1959, com 3 pavimentos. Abaixo, segue uma tabela com os edifícios construídos na faixa litorânea durante as décadas de 1950 e 1960. TABELA 02. Edifícios construídos na orla marítima de João Pessoa – 1959 a 1969 EDIFÍCIO

LOCALIZAÇÃO

ANO

CARACTERÍSTICA

Santo Antônio

Tambaú

1959

Térreo + 2 pavimentos

João Marques de Almeida

Cabo Branco

1967

Pilotis + 12 pavimentos

Manaíra

Manaíra

1967

Pilotis + 4 pavimentos

São Marcos

Tambaú

1968

Pilotis + 10 pavimentos

Beira Mar

Cabo Branco

1969

Pilotis + 9 pavimentos

Borborema

Cabo Branco

1969

Pilotis + 10 pavimentos

Fonte: LEANDRO, 2006; CHAVES, 2008, modificado pela autora.

Entretanto, apesar deste impulso inicial, a “Pequena Copacabana” ficará somente como uma imagem do desejo. Será a construção do Hotel Tambaú que trará o caráter metropolitano para a cidade, e que, paradoxalmente, impedirá a reprodução desta paisagem carioca na cidade de João Pessoa. Segundo Moreira (2006), a construção de edifícios altos na orla foi condicionada, dentre outros fatores, ao Hotel Tambaú. A preocupação em preservar a escala do seu projeto (horizontal), diante da perspectiva de verticalização da orla, fez com que Sérgio Bernardes, sugerisse incluir um dispositivo disciplinador de gabarito na Constituição Estadual que estava prestes a ser implementada45. Apesar de não possuirmos evidências que confirmem tal afirmação foi, a partir da Emenda Constitucional promulgada em 1970, que ficava proibida a construção de edifícios com mais de 3 pavimentos na faixa litorânea. Tal atitude, permitiu a preservação da paisagem na orla e atribuiu a praia de Tambaú um aspecto

44

Existem alguns edificios de caráter misto (residencial e comercial) no centro da cidade, como o edificio Presidente Epitácio Pessoa.

45

Constituição do Estado da Paraíba. Emenda Constitucional n°01, de 16 de junho de 1970. Na qual veda a concessão de licença para a construção de edificação com mais de 02 pavimentos na avenida da orla.

98

diferencial na paisagem em relação as orlas de Recife e Rio de Janeiro, embora não fosse este o desejo evidenciado pela imagem que a mídia impressa constrói naquele momento. O Hotel Tambaú, portanto, se evidencia como um elemento de grande importância para entendermos de que maneira se processa a construção da frente marítima da cidade. Este não se articula com a estrutura urbana pré-existente, como é o caso dos hotéis mais emblemáticos de Copacabana, que reforçam a ideia de uma fachada marítima da cidade. Em vez disso, o Hotel Tambaú se coloca como elemento protagonista, revelando a maneira como o Estado compreende a invenção da praia. De fato, como se vê na fotografia aérea (figura 73), o monumental Hotel Tambaú é construído no meio de uma área ainda pouco ocupada e fora da trama urbana que, embora não consolidada, já existia. Era uma ideia de cidade, promovida pelo Estado, em um desejo de ser grande, de progresso e desenvolvimento. Como pode ser visto a partir da imagem abaixo, onde o governador do Estado, João Agripino mostra a maquete da mais nova obra realizada pelo Governo.

Fig. 79 – Governador João Agripino mostra maquete do Hotel Tambaú, obra realizada pelo Governo do Estado. Fonte: A UNIÃO, João Pessoa, 16 jul. 1968.

De alguma forma, tanto a arquitetura como o urbanismo sempre estiveram impregnados de certo simbolismo. A construção da imagem quase sempre esteve atrelada a alguma forma de poder, a afirmação de um status ou similar. Assim, a adoção da arquitetura moderna como estilo para a construção do Hotel e a escolha de um arquiteto moderno paulista – Sérgio Bernardes - reforça o desejo de projeção local no cenário nacional, construindo de um só golpe, uma imagem de grande centro urbano. A intenção, naquele momento, era mostrar para o país que a capital do Estado da Paraíba estava integrada aos esforços de

99

modernização, progresso e desenvolvimento que habilitariam o Brasil a entrar na era da modernidade. Como dito anteriormente, a construção do Hotel Tambaú se configurou como uma bandeira fincada no solo demarcando o território, trazendo maiores investimentos e proporcionando uma melhor integração entre o centro da cidade e a orla. Torna-se ícone de modernidade, auxiliando a construção da imagem de “metrópole” requerida. A praia de Tambaú, a partir de então, deixa de ser uma área predominantemente de residências de veraneio para assumir, a de bairro residencial e turístico. Para atender este novo perfil, o Estado promove a instalação de infraestrutura que ainda carecia na área. Foi a partir da década de 1970, com o Projeto CURA – Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada46, que a praia de Tambaú teve acelerado seu processo de transformações urbanas, recebendo maiores investimentos em infraestrutura – pavimentação e saneamento. Atendendo um dos desejos embutidos nos modelos de modernidade divulgados pela mídia impressa nas décadas anteriores, o projeto CURA e a política do SFH colaboraram para a valorização imobiliária e turística da praia de Tambaú, ao mesmo tempo que a moradia permanente passou a substituir a atividade de veraneio. A valorização de terrenos e casas cresceu de maneira violenta, chegando a alcançar índices de mais de 50.000% e 200.000% entre as décadas de 1960 e 1970. (RODRIGUEZ, 1980, p.90) Em comparação com o bairro de Jaguaribe, por exemplo, área próxima ao Centro da cidade e que durante a primeira metade do século XX recebe a aristocracia pessoense, observa-se que a partir da década de 1960 inicia-se um processo de inversão nos valores dos terrenos. TABELA 03. Evolução de preços médios de venda de terrenos na faixa litorânea e em Jaguaribe de 1962-1978. (em Cr$ 1.000) ANO TAMBAÚ JAGUARIBE 1962 0,649 1.347 1966 9.720 3.645 1974 10.625 8.458 1978 327.500 130.000 Fonte: Anúncios Jornal “O NORTE”. RODRIGUEZ, 1980, p.89 e 90, modificado pela autora. *Terrenos de 15m de frente e 30m de comprimento; 46

Em João Pessoa, o Projeto CURA (Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada) - resultado das políticas federais de desenvolvimento urbano durante o centralismo autoritário do regime militar - foi realizado entre 1977 e 1982, após a adesão da PMJP. A orla marítima foi a área mais beneficiada pelos investimentos em infraestrutura, estimulando a especulação imobiliária. O bairro de Tambaú recebeu o CURA-piloto. (LEANDRO, 2006)

100

Tal processo ocorre, principalmente, devido a melhoria da infraestrutura e valorização dos hábitos saudáveis de morar próximo à praia, favorecendo a manutenção de um status dentro da sociedade. Assim, a praia de Tambaú perde seu caráter de Veraneio e a partir da construção do Hotel e a implantação do Projeto CURA, sendo urbanizada e gradativamente ocupada, assumindo caráter de bairro, ou seja, sendo inventada e reinventada através da representação do seu desejo de ser moderna. Essas representações formam o imaginário coletivo e sedimentam conceitos que irão ser responsáveis pela transformação desse território – “ideal de moradia”, da elite paraibana e turístico.

4.2 As Arquiteturas da Praia Verificando o arquivo de projetos e as estatísticas produzidas pela pesquisa Registros de Arquitetura: João Pessoa, 1916 a 1959, financiada pelo CNPq e coordenada pelo arquiteto Francisco Costa na PMJP, entre 1987 e 1988, é possível fazer algumas observações sobre a quantidade de construções, ampliações e reformas encaminhadas à PMJP no período citado, bem como a tipologia dessas edificações. Estes dados permitem, entre outras coisas, fazer uma comparação entre projetos de construção nos diferentes bairros da cidade, evidenciando as proporções daquilo que efetivamente constitui o desejo de viver na praia. Dos 3.372 projetos catalogados, 58,2% foram novas construções, 22,5% eram de reformas e 19,3% eram ampliações. O que demonstra que a cidade estava em constante crescimento. A maior parte das construções, ampliações e reformas são encontradas na década de 1930, época de maior efervescência política e econômica do Estado, de maiores investimentos em reformas urbanas. Entretanto, mais que destacar o grande aumento nas décadas de 1930 e 1940, é importante constatar o declínio no número de projetos de construção aprovados pela Prefeitura nos anos 1950. Esta redução, no entanto, pode ser atribuída a um aumento importante no número de edifícios de grande altura, seja para abrigar serviços ou moradia. Ainda assim, a ocupação da orla não pode ser considerada um fator de urbanização importante como parece ser nas áreas articuladas pelo eixo viário da avenida Epitácio Pessoa. Em Tambaú, foram encontrados 97 projetos de construções, ampliações e reformas, o que corresponde a menos que 3% do total de intervenções realizadas na cidade no período da

101

pesquisa. Confirmando o que afirmamos anteriormente que, o processo de expansão da cidade em direção a leste e ocupação da faixa litorânea se deu de maneira gradativa e primordialmente após a construção do Hotel e Projeto CURA em 1970. Novamente, se compararmos a Jaguaribe (ver Gráfico 02), temos que até a década de 1950, o número de construções ali propostas, supera em mais de 50% as construções na praia de Tambaú. Entretanto, se observarmos o crescimento de Tambaú de maneira isolada, temos que, as intervenções crescem de maneira acelerada, principalmente em 1940 e 1950. GRÁFICO 02 – Registros do número de construções em Jaguaribe e em Tambaú nas décadas de 1930 a 1950. 150" 100" Jaguaribe"

50"

Tambaú"

0" 1930"

1940"

1950"

Fonte: Gráfico produzido pela autora a partir do Banco de Dados Registros de Arquiteturas do Arquivo morto da PMJP.

TABELA 04 – Registros de Arquiteturas em Tambaú, 1916 a 1959. ANO

CONSTRUÇÕES

AMPLIAÇÕES

REFORMAS

TOTAL

1930

10

0

1

11

1940

27

07

3

37

1950

34

01

14

49

TOTAL

71

08

18

97

Fonte: Tabela produzida pela autora a partir do Banco de Dados Registros de Arquiteturas do “Arquivo morto” da PMJP.

Como não poderia ser diferente em uma área ainda pouco ocupada, a maior parte dos projetos, 72,3%, eram relacionados a novas construções. Essas construções estavam todas localizadas nas primeiras ruas da praia: Rua Antônio Lyra, Praça Santo Antônio (Próximo à capela de Santo Antônio), Avenida Cabo Branco, Avenida Atlântica (Rui Carneiro), como pode ser visto na figura abaixo.

102

Fig. 80 – Praia de Tambaú na década de 1978. Em amarelo, a avenida Epitácio Pessoa; Em vermelho a avenida Rui Carneiro. Observa-se o maior número de construções nas primeiras ruas da praia. Fonte: PMJP, setor de Geoprocessamento, modificado pela autora, 2011.

Assim, reafirmamos que, a ocupação da praia de Tambaú se dá de maneira mais efetiva a partir da década de 1970, com a construção do Hotel Tambaú e os maiores investimentos trazidos com o Projeto CURA. Infelizmente, o banco de dados só nos permite analisar os projetos até o ano de 1959, mas nos permite constatar que neste período não ocorre, efetivamente, uma ocupação importante da orla marítima da cidade e, mesmo assim, nos possibilita prever o crescimento pelo qual aquela área estava por enfrentar.

Fig. 81 – Trecho da praia de Tambaú nas imediações da Avenida Epitácio Pessoa, ano de 1955, onde é possível ver as poucas ocupações na faixa litorânea. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega.

103

Crescimento esse, representado de maneira emblemática, através da figura acima. Tal imagem retrata, acima de tudo, o desejo de expansão e crescimento que tanto buscava o Estado. A avenida Epitácio Pessoa aqui, é uma espécie de braço urbanizador e possibilitador da ocupação da praia de Tambaú. Uma espécie de prenúncio do que estava por vir.

104

Considerações Finais

Articular “as palavras e as coisas”; construir paralelos entre as imagens divulgadas pela mídia escrita e as transformações do território, foi a estrutura construída de maneira a possibilitar refletir e entender a premissa criada sobre a invenção da praia de Tambaú durante as décadas de 1950 a 1970. Os diversos discursos aqui mencionados e discutidos possibilitaram evidenciar que a imagem ou modelo de orla marítima idealizada pela mídia impressa se constituíram, de certa maneira, em dispositivos de transformação efetiva do território. Por meio do imaginário, pode-se dizer que essas imagens atingem não só o âmbito abstrato do pensamento, mas também aquele concreto do processo de produção da cidade, modificando, inclusive, os hábitos e comportamento da sociedade. Através de símbolos, rituais, mitos, ideologias evidenciadas nas imagens e discursos impressos nos periódicos pesquisados foi possível identificar desejos de modernidade, aspirações de uma cidade que buscava de alguma maneira uma integração nacional. João Pessoa, através da ocupação da praia de Tambaú, buscava a modernidade através dos novos hábitos, da arquitetura, de um jeito de pensar a cidade. Como locus de modernidade, Tambaú representou a face jovem da cidade, a emergência de um novo código de comportamento, os estilos de vida sobre os modos convencionais, significantes e significados que não ficaram apenas no desejo. As duas temporalidades percebidas na construção da praia de Tambaú: A praia como veraneio e a Praia como Bairro, estão de fato nos discursos midiáticos realizados sobre a ocupação e utilização da praia. O período estudado (1950-1970) corresponde à transição entre esses dois tempos; momento do desejo explícito de ser bairro, mas ainda sem infraestrutura para tal e permanência do caráter de lugar de veraneio. Os paralelos criados pelos discursos imagéticos sobre a praia demonstraram a existência de desejos e fabricação de diversos territórios: espaços de lazer e ser saudável, local ideal de moradia, espaços de elitização, entre outros mencionados. Tais construções acontecem pois, na medida em que esses fragmentos do espaço se constituem de maior poder político, econômico, social, e permitem, associados aos interesses das elites, induzir o crescimento, os novos investimentos e a valorização da terra urbana, revelam a importância de uma estrutura urbana que atenda prontamente a realização dos interesses desses grupos, atrelando a

105

estrutura à reprodução do espaço, que também deve estar pautada nesses interesses. Dessa maneira, ficou aqui constatado que era de interesse da elite e do Estado que a praia fosse construída como símbolo de modernidade e de progresso, como local ideal de moradia e de turismo. Alguns elementos foram essenciais na construção e estruturação dos diversos territórios e consequente invenção da praia de Tambaú. O primeiro deles foi a construção da Avenida Epitácio Pessoa, grande eixo conector de duas realidades e braço modernizador da cidade. Foi a partir da construção da avenida que foi possível, de maneira mais concreta, possibilitar que a cidade se conectasse a praia; O segundo elemento foi a construção do Hotel Tambaú, um dos atos mais emblemáticos de intervenção do Estado, responsável por, além da constituição de um símbolo de modernidade e a possibilidade de ocupação efetiva do território, a preservação da paisagem na orla, através da permanência da escala dos edifícios, que deveriam seguir a mesma do Hotel (horizontal). Mesmo que este não fosse o desejo evidenciado pela imagem que a mídia impressa construiu naquele momento, o que o Hotel representava e o diferencial que ali estava sendo buscado se constituía, de certa forma, mais importante que a repetição de uma paisagem de referência como a do Rio de Janeiro ou de Recife; E finalmente o terceiro elemento, o projeto CURA, uma série de ações que possibilitaram a instalação de infraestrutura na praia, consolidando sua ocupação efetiva e transformando aquela Tambaú, uma praia de veraneio, em Tambaú, bairro residencial e turístico pessoense. Apesar do extensivo trabalho de pesquisa e análise que foi realizado, sabemos que algumas lacunas podem ter surgido ao longo do trabalho. Uma das lacunas que gostaria de destacar e que definitivamente pode auxiliar reflexões futuras é com relação ao Arquivo de Registros de Arquitetura: João Pessoa, 1916 a 1959. Uma fonte de dados espetacular sobre arquitetura e urbanismo da cidade de João Pessoa e que pode ser mais explorada, gerando diversos outros trabalhos, com enfoques inúmeros. Outra lacuna foram as informações referentes ao Projeto CURA, creio que é possível levantar mais informações a respeito para construir novos paralelos sobre as territorializações criadas. Algumas dessas lacunas surgiram devido a ausência de documentos que no momento da pesquisa não foram encontrados, outras devido ao tempo para amadurecimento de algumas questões. Enfim, sabemos que chega a hora do “ponto final”, ou melhor do “ponto e virgula”, pois acredito que este trabalho não acaba por aqui.

106

Referências Bibliográficas ALEXANDRE, Marcos. O papel da Mídia na difusão das representações sociais. Revista Comum, Rio de Janeiro, v.6, n°17, p.111 a 125, jul./dez. 2001. ARAÚJO, Fátima. História e Ideologia da Imprensa na Paraíba. A União, João Pessoa, 1983. ______________ A Imprensa na Paraíba. In: Anais do Ciclo de Debates sobre a Paraíba na Participação dos 500 anos de Brasil. João Pessoa. Secretaria de Educação e Cultura do Estado, 2000. Disponível em: Acessado em: 24 de janeiro de 2012. AUMONT, Jacques. A imagem, Campinas: Papirus, 2004. BARBOSA, Marialva. O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira. Ciberlegenda - Revista eletrônica do Programa de Pós Graduação Comunicação, Imagem e Informação da Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro,

2002,

n.07,

jan./dez.

2002.

Disponível

em:

<

http://www.uff.br/mestcii/marial6.htm> Acesso em 29 de março de 2012. BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1984. _________Inéditos Volume 3. Imagem e Moda. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2005. BERGER, John. Modos de ver. São Paulo: Martins Fontes, 1972. BRIGGS, Asa e Peter Burke. Uma história social da mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. BURKE, Peter. Visto y no visto. El uso de la imagen como documento histórico. Barcelona: Crítica, 2005. CASTRO, Haroldo. Pinturas Rupestres de 14 mil anos tornam Akakus museu ao ar livre. Revista Época. Rio de Janeiro, 03.02.2011. CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006

107

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. CHAVES, Carolina. João Pessoa: Verticalização, Progresso e Modernidade. Trabalho Final de Graduação. João Pessoa, CAU/UFPB, 2008. CHOAY, Françoise. O urbanismo: utopias e realidades – uma antologia. São Paulo: Perspectiva, 1979. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA (1989). Arquivado do original em 06 de março

de

2012.

Disponível

em:

http://www.pm.pb.gov.br/download/Constituicao_Estadual.pdf Acessado em 06 de março de 2012. CORBIN, Alain. O território do Vazio. A praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. COSTA, Francisco. La compulsión por lo limpio em la idealización y construcción de la ciudad coontemporánea. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] Nº 69, 1 de agosto de 2000. COSTA, Helouise. Um olho que pensa: estética moderna e fotojornalismo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo), PPGAU-USP, São Paulo, 1999. _______________ A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Ed. Cosac Naif, 2004. COUTINHO, Marco Antônio Farias. Evolução Urbana e Qualidade de Vida: O caso da Avenida Epitácio Pessoa. PRODEMA-UFPB, João Pessoa, 2002. DORÉ, Gustave. The Doré Gallery of bible ilustration, Chicago: Belford-Clark Co. Publishers, 1891. FLUSSER Filosofia da caixa preta. 1985 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1999. FRAMPTON, Keneth. História crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1981.

108

GAMBARRA, Thaíse; TINEM, Nelci. Hotel tambaú e a modernidade da capital da Paraíba. Os jornais como instrumento de construção da história da arquitetura. In: Seminário Latino Americano Arquitetura e Documentação. Belo Horizonte, 2008. Anais. Belo Horizonte, UFMG, 2008. GARCÍA-QUIÑOLES, Bélen. AC publicación del Gatepac. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos , 2005. GOMES, Ângela de Castro. (Org.) Essa gente do Rio: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. GUARNIERI, Ivanor Luiz; ALVES, Fábio Lopes. Imagens do Cotidiano e temporalidades: historiografia da imprensa. Labirinto – Revista eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário.

Rondônia,

ano

VII,

n.10,

jan./dez.

2007.

Disponível

em:

<

http://www.cei.unir.br/artigo104.html>. Acesso em: 12 de dezembro de 2011. GUIMARÃES, Luiz Hugo. A conquista da Paraíba. Rio de Janeiro. Simpósios Momentos Fundadores da Formação Nacional, 2000. HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1994. JAGUARIBE, Beatriz. Os passos perdidos, cidade e mito. in: Papéis avulsos, n. 20, Rio de Janeiro: CiEC, 1989 JOLY, Martine. A imagem e a sua interpretação. Lisboa: Edições 70, 2002. JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1977. KAZ, Stela. Um jeito copacabana de ser: o discurso do mito em O Cruzeiro e Sombra. 2010. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Artes e Design, 2010. KLANOVICZ, Luciana. Homens em evidência: corpos masculinos na revista O Cruzeiro (1946-1955). Luso-Brazilian Review, Wisconsin (Wisconsin University Press), v. 47, n.2, p. 163-177, 2010. KROEBER, Alfred; KLUCKHOHN, Clyde. Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions. Nova York: Vintage Books, 1952.

109

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia –SP: Ateliê Editorial, 2000. LAPLATINE, François. O que é imaginário – São Paulo: Brasieliense, 2003. LEAL, José. Vale da Travessia, João Pessoa, API, 1972. LEFEBVRE, H. La Production de l’Espace. Paris : Anthropos, 1986 (1974). LEANDRO, Aldo Gomes. O Turismo em João Pessoa e a construção da Imagem da Cidade. 2006. Dissertação (Mestrado), PPGG – UFBA, João Pessoa, 2006. LEITÃO, Deusdedit. Ruas de Tambaú. João Pessoa : DPG Secretaria de Educação e Cultura, 1998. MAIA, Sabiniano. Caminhos da Paraíba 1500-1978. História do DER-PB. João Pessoa: A União, 1978. MELLO, Márcia Maria Couto. Salvador Multimagética: a imagem do bairro do comércio construída através dos cartões postais (1890-1950). 2004. Dissertação (Mestrado), PPGAU-UFBA, Salvador, 2004. MOREIRA, R. C. C. A questão do gabarito na orla marítima de João Pessoa (bairros de Manaíra, Tambaú e do Cabo Branco). 2006. Dissertação (Mestrado em Engenharia da Produção) – Centro de Tecnologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2006. OSTERMANN, Erika Alezard. As provocações da imagem. A imaginação e a prática do restauro. 1995. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), PPGAU-UFBA, Salvador, 1995. PARAÍBA. Lei Estadual n° 2638 de 20 de Dezembro de 1961. PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA. Secretaria de Planejamento. Código de Obras

(2001).

Disponível

em:

http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-

content/uploads/2012/03/codobras.pdf Acessado em 06 de março de 2012. RODRIGUES, Marcos A. Nunes. Cidade, Imagens e Discursos – a imagem de Salvador na era do planejamento estratégico. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), PPGAU-UFBA, Salvador, 2002.

110

SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica e mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008. SANTOS, José Luis dos. O que é Cultura? São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Ed. HUCITEC, 1993. SERPA, Ângelo. Lugar e mídia. São Paulo: Contexto, 2011. SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil. 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1999. SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005. SOUZA, J. P. Fotojornalismo: Uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa. Porto, 2002. SUTCLIFFE, Anthony. El nacimiento de una disciplina. In DETHIER, Jean; GUIHEUX, Alain (orgs.) Visiones urbanas. Europa 1870-1993. La ciudad del artista, la ciudad del arquitecto. Barcelona: Electa, 1994, p. 121-129. PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, França e Bahia: difusão e adaptação de modelos urbanos (Paris, Rio e Salvador). Salvador. EDUFBA, 2002. TEIXEIRA, Flávio Weinstein. Cenários de modernidade no recife de princípios do século. In: V Seminário de História da Cidade e do Urbanismo: Cidades – temporalidades em confronto, 1998. Campinas: Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Pontifícia Universidade Católica, 1998. TEIXEIRA, Fúlvio. Paisagem do Hotel Tambaú. São Carlos, 2006. Recife, I Docomomo N-NE, 2006. TINEM, Nelci. O Alvo do Olhar Estrangeiro. João Pessoa, Manufatura, 2002. VIDAL, Wylnna. Transformações Urbanas: A modernização da capital Paraibana e o desenho da cidade: 1910 – 1940. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana), PPGEU – UFPB, 2004. VIDESSOTT, Luisa. Narrativas da construção de Brasília. Mídia, Fotografias, Projetos e História. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) EESC – USP, 2009.

111

Anexo 01 Jornal A UNIÃO

Fig. 82 - Primeira Edição do Jornal A União. 02 de Fevereiro de 1983. Fonte: ARAÚJO, História e Ideologia da Imprensa na Paraíba, 1983, p.105.

A União é um jornal paraibano fundado em 2 de fevereiro de 1893 pelo então presidente da província, Álvaro Machado, que viera administrar a Paraíba a mandado do então Presidente da República Floriano Peixoto. O periódico já nasceu oficial, um jornal a serviço da propaganda do Governo, veículo de promoção dos ideais, atos e atitudes de seus líderes e a serviço de interesses grupais. Sempre repleto de excelentes profissionais, A União segundo Fátima Araújo (1983), sempre primou pela qualidade dos serviços prestados ao público, apesar do caráter da oficialidade. O Jornal desempenhou papel importante na formação de jornalistas. Considerado por José Américo de Almeida como a primeira universidade Paraibana, A União desempenhava na prática a função que a própria Universidade Federal da Paraíba somente viria a desempenhar anos depois. Segundo a Associação Brasileira de Imprensas Oficiais47 , o jornal exerceu na Paraíba, o mesmo papel das escolas de letras europeias ou dos inovadores laboratórios norte-americanos, onde a consciência de escrever era adquirida no exercício das técnicas, na descoberta de pequenos e grandes segredos, antes mesmo do domínio da gramática e da estilística. José Leal48, um dos grandes nomes do Jornalismo 47

Cf. Associação Brasileira de Imprensas Oficiais, Disponível em: Acessado: 28 de janeiro de 2012. 48 José Leal foi um dos grandes nomes do jornalismo paraibano. Adepto ao Regime Político Democrático e do Sistema Parlamentarista, amante do jornalismo e da literatura, defensor intransigente da liberdade de imprensa e dos Direitos Humanos, era suas principais características. Durante algum tempo teve

112

paraibano, afirma que A União assumiu o papel de “animador do surto intelectual”, pois abriu suas colunas aos talentos que surgiam, possibilitando a oportunidade de se projetarem e adquirirem prática no exercício da profissão. (LEAL, 1962) Nomes como Adhemar Piragibe, Ademar Vidal, Osias Gomes, Álvaro de Carvalho, Boto de Menezes, Gonzaga Rodrigues, José Leal, José Américo de Almeida, Assis Chateaubriand, entre tantos outros, passaram pela redação do Jornal. A UNIÃO reproduz a ideologia dominante a partir de assuntos que variam na sua maioria entre Política – os atos do Governo e as críticas aos partidos oposicionistas, visitas de autoridades ao Estado, mensagens de esperança dirigidas ao Povo e apologias as Obras Públicas; Bem-Estar Social e Economia. Independente dos ideais partidários, A União, em cada período seguia servindo como veículo de pensamento do Governo49. E hoje é o jornal oficial mais antigo do país que continua em circulação.

militância política, e nesse período foi fundador e presidente do Partido Socialista Brasileiro, na Paraíba, fundador ao lado do ministro José Américo de Almeida do Partido Libertador, na Paraíba. Fundador da Associação Paraibana de Imprensa – API, além de ter sido membro do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba. José Leal foi redator, articulista e editorialista de diversos jornais, inclusive A União e O Norte. (LEAL, 1972) 49 Durante esse período a Paraíba teve 6 governadores: José Targino (1950-1951); José Américo de Almeida (1951-1953, 1954-1956); João Fernandes de Lima (1953-1954); Flávio Ribeiro Coutinho (1956-1958); Pedro Moreno Godim (1958-1960 e depois 1961-1966); José Fernandes de Lima (1960-1961); João Agripino Filho (1966-1971).

113

Jornal O NORTE

Fig. 83. Fac-símile do primeiro número Jornal O Norte. 7 de maio de 1908. Fonte: ARAÚJO, Fátima. História e Ideologia da Imprensa na Paraíba, 1983, p. 117

O Jornal O Norte foi fundado pelos irmãos Oscar Soares e Orris Eugênio Soares no dia 7 de maio de 1908. Nos primeiros anos o jornal publicava reportagens, editoriais e colunas sociais; Circulava em seu inicio como independente de vínculos e disputas políticas, mas por volta de 1915, motivado por dificuldades financeiras, o jornal passa a se envolver em brigas políticas nacionais, dando apoio explícito à candidatura do paraibano Epitácio

Pessoa à Presidência da República. O jornal foi fechado duas vezes, uma na década de 1920 e a outra na década de 1930. Em 1935, o jornal volta a circular nas ruas da cidade de João Pessoa, sob a chefia de redação de Matheus de Oliveira, com uma linha editorial com mais notícias e menos política. Entre 1933 e 1936, Eudes Barros virou o novo diretor do jornal. Pouco tempo depois de assumir o cargo, Barros é perseguido (literalmente) pelo capitão paraibano João Costa, por causa de matéria publicada a respeito do capitão. Em 1936, Barros deixa a direção para José Leal, um dos mais destacados jornalistas paraibanos. No ano de 1954, José Leal passa a direção do jornal para Júlio Guedes C. Gondim, que quase não pôde aproveitar sua função, pois no mesmo ano o Jornal O Norte foi comprado por Assis Chateaubriand e desde então passou a integrar os Diários

Associados. A ideologia do jornal é a dominante, com requintes de oficialidade, tendo em vista seu conservadorismo. Segundo Fátima Araújo, muitas vezes a posição do jornal vai se apresentar ambígua, não conseguindo o leitor identificar a posição do órgão. Entre os principais assuntos abordados estão Política, Educação, Religião, Economia, Trabalho e Bem-Estar Social.

114

Jornal CORREIO DA PARAÍBA

Fig. 84. Fac-símile do primeiro número Jornal Correio da Paraíba. De 5 a 9 de agosto de 1953. Fonte: ARAÚJO, Fátima. História e Ideologia da Imprensa na Paraíba, 1983, p. 123

O jornal Correio da Paraíba surge em 5 de agosto de 1953, através do industrial Teotônio Neto com a colaboração da seguinte equipe: Afonso Pereira [diretor], Gumercindo Cabral [gerente], Geraldo Sobral de Lima [secretário]. A equipe inicial de redatores era composta por Elcir Dias, Gonzaga Rodrigues, Leônidas dos Santos, Espedito Silva, Zeny Cartaxo, Lourdes Câmara e Raimunda Cordeiro. Ou seja, três mulheres faziam parte do corpo editoral do jornal, fazendo com que o Jornal Correio da Paraíba tenha sido pioneiro na profissionalização da mulher paraibana na imprensa. Era um jornal que até 1968, não possuía dependência político-ideológica. Seus editoriais eram predominantemente sobre Política, mas também abordavam temas como Economia, Trabalho, Bem-Estar Social, Congratulações e Referências Pessoais, Educação.

115

Revista Manaíra

Fig. 85. Capa Revista Manaíra Edição Junho 1940. Fonte: Acervo IHGP.

A revista Manaíra, periódico de circulação local, fundada em 1939 e que utilizava a linguagem de fotorreportagem. Intitulava-se uma revista de “expressão de cultura”, o que de fato era. Através de seu conteúdo encontram-se indícios do cotidiano e das características da sociedade da época. Faziam parte da Direção do periódico os jornalistas Wilson Madruga e Alberto Diniz, ambos redatores do Jornal A União na década de 1940. De importância, dentro do contexto local, a revista buscava atingir interesses diversos do público, tratando dos mais variados temas como cultura, esportes, política, saúde, ciência, culinária, celebridades, etc. Características indicativas das expressões da cultura, mas principalmente dos desejos da sociedade; Ser como os cariocas ou como os norte-americanos: modernos. Outras Revistas também fizeram parte desse cenário local, como a Revista Era Nova, publicada de 1922 a 1924, a Revista Ilustração, fundada em 1936 por José Leal e Eudes Barros, Revista Nacionalidade, fundada em 1948 por Duarte de Almeida e Adalberto Viana, Revista Tambaú, que teve circulação nos anos 1960, entretanto de periodicidade irregular e a Revista Paraíba Ontem e Hoje, publicada a partir de 1975, tendo como orientador editorial José Américo de Almeida, dentre outras. Essas são as ferramentas que formam o conjunto de jornais e revistas locais pesquisados, elementos que articulam o sistema organizado de símbolos e conceitos, as “palavras” que irão auxiliar nas reflexões pretendidas.

116

Anexo 02 Life Magazine

Fig. 86. Capa Life Magazine Edição 25 de Julho de 1949. Fonte: site da revista Life. Disponível em: www.originallifemagazines.com Acessado em: 10 de maio de 2011.

A Life Magazine, revista americana fundada em 1936 pelo publicitário Henry Luce50, foi a primeira revista de fotorreportagem51 a ser publicada nos Estados Unidos. Foi publicada até os anos 2000 e também teve uma edição em espanhol, largamente distribuída pela América Latina. Surgiu como uma revista semanal tendo sido publicada dessa maneira até 1972; posteriormente, como “especiais”, de maneira ininterrupta, até o ano de 1978; finalmente como revista mensal de 1978 a 2000. No folheto de lançamento, redigido por Henry Luce, prometia ele que a missão da revista era "ver a vida, ver o mundo; testemunhar grandes acontecimentos, ver os rostos dos pobres e os gestos dos orgulhosos". É a partir dessa premissa e da ascensão adquirida pelos Estados Unidos após a II Guerra que a Life Magazine vai se tornar uma das revistas mais emblemáticas do mundo, difusor dos desejos da sociedade americana, projetando-os para vários países do mundo, inclusive o Brasil.

50

Henry Luce também é dono da Time Magazine e Fortune. Linguagem utilizada onde as imagens tinham o mesmo espaço e importância que os textos; as imagens não eram utilizadas somente para ilustrar ou reforçar um argumento do texto mas também com a intenção de contar sua própria história.

51

117

O Cruzeiro

Fig. 87. Capa Revista O Cruzeiro Edição 28 de Dezembro de 1928. Fonte: site Memória Viva. Disponível em: www.memoriaviva.com.br Acessado em: 23 de abril de 2011.

A revista O Cruzeiro foi a primeira revista brasileira de circulação nacional e também a primeira a utilizar a linguagem de fotorreportagem. A leitura de imagens ganha destaque na cena do jornalismo com a criação desse novo periódico. Fundada em 1928, pelo grupo dos Diários Associados, a Revista O Cruzeiro foi publicada até 1975, sendo considerada a principal revista brasileira ilustrada do século XX. Segundo Marialva Barbosa (2002), é a partir da criação desse novo periódico que a imagem ganha destaque na cena do jornalismo, tornando-se um verdadeiro marco na história da imprensa brasileira. Segundo Barbosa (2002) a revista, que foi dirigida por Carlos Malheiro Dias, teve agentes em todas as cidades do Brasil e correspondentes em várias cidades do mundo. Sua primeira edição, de 28 de dezembro de 1928 (ver Fig. 10), teve uma tiragem de 50 mil exemplares. Entretanto, O Cruzeiro só se consolidaria no mercado editorial brasileiro na década seguinte. (BARBOSA, 2002) Gradativamente o periódico, que apresenta fotografias acompanhando todos os artigos, reportagens, crônicas e seções variadas, vai conquistando leitores e leituras. Editada com 47 páginas, além de acrescentar o artigo o ao seu título original, começa a caminhada em direção à expansão que seria recorrente nas décadas seguintes. A revista constrói-se como testemunha de uma época, reproduzindo, com o apoio sempre da fotografia, momentos que são apresentados como unívocos. Constrói-se dessa forma como produtores de uma história futura. E seus dirigentes e jornalistas sabem desse papel.

118

Manchete

Fig. 88. Capa Revista Manchete Edição 07 de Dezembro de 1960. Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Revista brasileira publicada semanalmente de 1952 a 2000 pela editora Bloch 52 . Foi considerada a segunda revista mais popular do Brasil na sua época, atrás apenas da Revista O Cruzeiro. A Manchete também empregou a linguagem do fotojornalismo e trazia noticias relacionadas aos mais diversos segmentos da vida: política, educação, saúde, entretenimento, esportes, etc. Em seu auge, participaram de sua equipe jornalistas e colaboradores como: Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, David Nasser e Nelson Rodrigues, entre outros. A Manchete atingiu rápido sucesso e se tornou um marco na história da imprensa brasileira. Sempre teve empenho em divulgar os gostos e desejos do Brasil e do mundo, das celebridades. Foi publicada regularmente do dia 26 de abril de 1952 a 29 de julho de 2000. Com a falência da Editora Bloch, a revista deixou de circular, sendo depois relançada de maneira esporádica.

52

Fundada pelo jornalista e empresário ucraniano Adolpho Bloch, um dos mais importantes empresários da imprensa e televisão brasileira. Em 1983, funda a rede Manchete de televisão.

119

Anexo 03 GRÁFICO 03 – Imagens coletadas nos jornais e revistas locais.

1939

1940

1944

1945

120

1952

1953

1957

1958

1960

121

1961

1965

1967

1968

1970

Fonte: Gráfico elaborado pela autora, 2012.

122

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.