A irresponsabilidade literária em Georges Bataille e sua controvérsia com o compromisso sartreano do escritor

July 14, 2017 | Autor: Anderson Camilo | Categoria: Georges Bataille, Jean Paul Sartre, Literatura, Soberania
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Nota preliminar

F487

V. 6. Filosofia Contemporânea - Fenomenologia

AFFONSO HENRIQUE VIEIRA DA COSTA (GT Heidegger) ..............................................................................................................9 ALEX DE CAMPOS MOURA (USP) .......................................................................19 ALEXANDRE RUBENICH (UNISINOS) .......................................................................................................................................25 UFSC) .........................................................................37 ANDERSON BARBOSA CAMILO (UFOP) .....................................................................................49 ANTONIO MARCUS DOS SANTOS (UFPR) ............................................................................................................61 BERNARDO BOELSUMS BARRETO SANSEVERO .......................................................73 CARLOS EDUARDO DE MOURA (UFSCAR) ........................79 CATARINA ROCHAMONTE (UFSCAR ...................................................87 DANIEL PAULO DE SOUZA (USJT) ...........................................................93 UFSC) ............................ 105 Sumário

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A irresponsabilidade literária em Georges Bataille e sua controvérsia com o compromisso sartreano do escritor Anderson Barbosa Camilo*

Resumo Este trabalho tem como objetivo abordar a noção de irresponsabilidade e soberania dos movimentos da literatura, segundo o pensamento de Georges Bataille, visando as relações da literatura com os desejos do escritor no plano de uma experiência interior, que quer consumar-se em si mesma, sem nedaremos a crítica de Bataille à concepção de Sartre do compromisso do escritor, tomando como referencial deste último o ensaio Que é a literatura?. na relação entre autor e leitor, no compromisso que um tem com o outro,

Palavras-chave: Literatura; Soberania; Irresponsabilidade; Utilidade; Com-

A

abordagem crítica do tema da literatura em Bataille se inscreve na repráxis, do mundo da ação, na

que pretende se consumir em si mesmo, para além da postergação de seu sentido

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em seu transbordamento, em sua nudez, sem ser sobredeterminada pela lógica da termos a designa como “vida sem medida”, “é o único que conta e é o único sentido Bataille analisa o teor da relação da existência dos homens com o universo da ação, e seu diagnóstico é de que “esses homens confundem obviamente a ação

Segundo o autor, os homens no mundo estão numa espécie de torpor, de inércia, de sono, em que “uma necessidade de esquecer, de não reagir mais, prevalece sobre

medida à ação, como subterfúgio à noite densa na qual a existência e o mundo se que não posso saber nada O problema para Bataille é o do homem se consagrar sem medida à ação, pois nela o homem encontra o subterfúgio, igual ao sono, às trevas do mundo, e

-

É no afastamento da violência da vida dos homens, assegurando a sobrevivência de todos, que o mundo do trabalho se constituiu, e a ação no mundo do

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tuosos que se liberam na festa, e geralmente no jogo, não são decentes» (BATAILintroduziu uma pausa em cujo nome o homem deixava de responder ao impulso

o homem se descobria no-mundo, como parte de uma estrutura intersubjetiva complexa, que exigia a sua solidariedade para a realização da humanidade na história, Bataille postulava a soberania de um desejo sem compromissos, total-

O mundo do trabalho e o mundo da ação são equivalentes para Georges BaGeorges Bataille não que reduzir o mundo da ação e do trabalho às cinzas, uma vez que reconhece que ambos são meios para que a vida continue, e que em tempos de O erotismo coloca como problema é o valor da ação ser superestimado, ser tomado sem medida, o que a faz ser postulada como sentido último da existência, mais lor senão na medida em que a humanidade seja sua razão de ser, mas raramente

A esta altura do levantamento do problema da incompatibilidade, Georges sem medidas, para ele existência autêntica, pois, em sua plenitude, livre de qualVemos que a questão das incompatibilidades é uma exigência para o pensamento de Bataille, e para o autor o alcance dessas incompatibilidades se traduz taille publica A literatura e o Mal e escreve a Carta a René Char sobre las incompatibilidades del escritor

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seus livros desconsidera os recursos que ajudam a “suportar” a angústia da vertidesconsidera tais recursos para tentar tocar essa experiência soberana da vida, que foi “escamoteada”, e que tem dignidade, a única, mesmo que essa dignidade

Os deprecio menos do que me parece, mas seguramente tenho pressa para devolver a pouca vida que me toca ao que se subtrai divinamente perante nós,

devastasse e não estremecesse ao encantar, em uma palavra, que não estives-

Bataille assume que, nos dias em que os homens estão neutralizados pela e nos ridiculariza, o que através de suas supostas mentiras expressa uma verdade damento, da qual a arte é herdeira, faz parte da vida sem medida, e, portanto, é

amo

um -

Mergulhando na questão da literatura, como alcance das incompatibilidades, para os olhos daqueles que estão neutralizados pelo universo da ação, trata-se do

aquele que infringir os limites de sua coação para a manutenção do bem comum, -

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A vida por um lado se recebe com uma atitude submissa, como uma carga e negativa então responde à necessidade outro sentido, a vida é desejo do que pode ser amado sem medida, e a moral é positiva tar uma incompatibilidade entre a literatura e a moral pueril (não se faz boa claros, assinalar por outro lado que a literatura, como o sonho, é a expressão do desejo – do objeto do desejo – e por isso da ausência de coação, da leviana

A literatura e o Mal, Georges Bataille elege alguns escritores para fo-

Carta ao pai, ele sempre se sentiu inferiorizado pelo fato de ter estado cada vez mais longe da estima e do

turidade, ler e escrever pareceram ser as únicas atividades preferíveis e dignas

-

queria abrir mão, mas ao mesmo tempo manter-se excluído do mundo social e do universo do pai, que era correlato do universo da ação, do mundo adulto da ativiobstinada atividade da escrita, estando convencido de que a escrita fazia parte do

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infantilidade tolerada, até amada em seus limites, mas condenada em seu espírito”

Seu pai era para ele o homem da autoridade, cujo interesse se limitava aos Puerilmente

a necessidade de assegurar os meios de subsistência – e sua repartição entre os -

Ele se sentia sempre excluído da sociedade que o empregava, mas considera-

“para nós, que fazemos da literatura nossa preocupação principal, nada importa

A experiência da escrita para Bataille é uma experiência radical, é uma expenia não subordina a satisfação do presente, o gozo do instante, num momento por

porque dirige-se para si mesma, não serve para nada, e não posterga seu sentido

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Tendo em vista a perspectiva da arte ligada a momentos em que não se relaciona com os interesses da atividade produtiva, e da lógica que mantém o bem comum, Georges Bataille e a maldição da literatura

soberana da qual a literatura é expressão, uma vez que a linguagem se situa no riência do transbordamento constitui um vazio no seio da linguagem para Bataille Que é a literatura? medida em que “a linguagem ‘é um momento particular da ação e não se compre-

na medida em que “é uma desordem que resulta da impotência da linguagem para

literatura se insere numa forte crítica à concepção sartreana de literatura, ligada O escrito de Sartre sobre literatura (Que é a literatura? faz questão de desenvolver melhor o conceito de engajamento, foi publicado em que Sartre publicou Que é a literatura?, Auchwitz era um cancro aberto na consA situação histórica do homem tem um estatuto fundamental no pensamensituação tórica, e nessa medida, segundo Silva, a história tem um papel fundamental para

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como é possível fazer-se

ética, assim como falar do homem enquanto realidade histórica é uma tarefa ética,

Ora, o compromisso entre o homem e a história é de ordem ética; esclarecer -

A história se constitui no mundo da práxis, ela é o testemunho das ações dos “como fazer” nos tempos de crise e na atualidade da opressão do mundo do trabalho pela lógica da produção? “A tarefa ética deve ser entendida em estrita conexão com o A literatura, arte da prosa, para Sartre, procura mostrar e descrever a realidade humana para a própria humanidade, descrever a sociedade para a própria falador -

serve das palavras”

rar é preciso que o faça como um homem, visando o alvo, e não como uma criança,

mundo por meio das palavras, “a função do escritor é fazer com que ninguém possa -

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Entretanto, nessa relação dialética entre escritor e leitor, a criação da obra

Assim, a leitura é um pacto de generosidade entre o autor e o leitor; cada um -

Thana Mara de Souza, em seu livro Sartre e a literatura engajada

,

criação da obra depende da liberdade do leitor, se o escritor determinar essa libermostrando-o tal como ele é, mas como se tivesse origem na liberdade humana”

A literatura, para Sartre, é considerada como um espaço aberto em que se exercita a liberdade pela criação da obra e do mundo, e nessa medida ela não é ino-

do autor consiste em me obrigar a criar aquilo que ele desvenda – portanto, em me

tarefa ética, um imperativo, na medida em que promove aos homens a descrição

práxis, da ação dos homens, a lite-

Georges Bataille toma como base essa noção sartreana da literatura ligada ao

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como o erotismo que perverte a reprodução, a literatura “repousa sobre o uso deli-

A prerrogativa de uma experiência vertiginosa, da existência sem fronteira, tura, para o pensamento batailleano, fala por essa linguagem do transbordamento,

vras, mas subversão da linguagem e da ideologia que ela veicula; uma per-

Tendo em vista essa experiência do esgotamento da literatura, se faz pensar

ressaltamos que Bataille não quer deitar por terra o universo da ação, ele reconhece o valor da ação, e inclusive do compromisso, em tempos de fome, de extermínio, -

princípio de servir e livre de qualquer sobredeterminação, torna-se incompatível lidade por mudanças no mundo com causas históricas, em que o teor de tais mu-

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Se damos a primazia à literatura, devemos confessar ao mesmo tempo que nos desentendemos do incremento dos recursos da sociedade. Alguém que dirija a atividade útil – no sentido de um incremento geral das forças – assume inte-

tibilidades da literatura ser decisiva para Georges Bataille, que se remete à ela para responder ao problema das incompatibilidades entre uma existência soberanamente plena e uma existência completamente submetida à lógica da utilida-

ratura, como escritor ou leitor, tem contato com a expressão do que ele é sobera-

-

no sentido da utilidade, a literatura, ao menos que seja considerada por in-

Referências La felicidad, el erotismo e la literatura A literatura e o Mal. O erotismo. Revista investigações, Que é a literatura? Ética e literatura em Sartre: ensaios introdutórios. Sartre e a literatura engajada. .(

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