A jihad nos livros didáticos (1985-1995)

June 24, 2017 | Autor: Felipe Barchi | Categoria: Islam, Textbook Research, Jihad, History textbooks
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Grupo de Trabalho II: Usos e abusos nos livros didáticos e paradidáticos



A Jihad nos livros didáticos (1985-1995)

Felipe Yera Barchi

Professor Rede Estadual de Ensino de São Paulo

Mestrando em História pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP

[email protected]





Resumo



Este trabalho tem por objetivo mapear as diversas abordagens do conceito de
jihad presente nos livros didáticos brasileiros que fizeram parte do
Programa Nacional do Livro Didático entre os anos de 1985 e 1995. Não se
trata de impor os rigores de uma análise conceitual-acadêmica aos livros
destinados ao público infanto-juvenil, mas sim de contrastar as diferentes
interpretações de jihad apresentadas nas obras, bem como procurar
identificar as referências bibliográficas e a lógica de sua atualização na
feitura dos manuais. Para tal empreita recorremos à pesquisa na base de
dados LIVRES e a Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo. Entre as dezenas de obras consultadas que
apresentavam tal tema em seus conteúdos, merecem destaque as de Gilberto
Cotrim – autor com maior número de livros publicados no período (dentro do
acervo pesquisado). Tomamos a produção do autor em perspectiva diacrônica e
comparamo-la a de outros autores que publicaram no mesmo período. Tal
procedimento permite apreender a lógica da renovação e atualização das
edições didáticas e também traçar um panorama geral do conceito de jihad,
suas mutações e as referências bibliográficas tomadas pelos autores dos
livros didáticos. Esta pesquisa vincula-se a um projeto mais amplo de
análise das representações do Islã nos livros didáticos brasileiros das
últimas décadas em andamento no Programa de Pós-graduação em História da
Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de
São Paulo – UNIFESP – sediada em Guarulhos.



I - Introdução

Nos últimos anos muito se tem falado em jihad, seja nos noticiários, seja
em livros didáticos e até mesmo nas universidades. O conceito e os usos
que se faz dele é uma pedra de toque para o entendimento de como se pode
relacionar com o islã ou representá-lo.

Embora as relações entre ocidente e islã sejam extremamente complexas – se
é que ela existe nestes termos – o conceito de jihad tem sido mobilizado
por diversos grupos –sejam do ocidente, sejam do oriente -segundo seus
interesses e posições político-ideológicas. Isso não soará como surpresa
para os leitores de Edward Said, em "Orientalismo", o autor (falecido em
2003) que é um dos principais representantes de uma corrente de pensamento
que busca desvelar a complexidade encoberta por expressões como "oriente",
"mundo árabe" ou "mundo islâmico" e .... de outro lado, podemos antepor o
historiador americano Bernard Lewis como representando a corrente oposta,
designada por Said de orientalista.

Neste trabalho procuramos entender três questões fundamentais:

Primeira: Como os autores de livros didáticos apresentam a jihad

Segunda: em quais autores se baseiam

Terceira: quais as diferenças mais importantes entre estas versões da
história e o quê as motivam



II – História do livro e da leitura

Nas últimas décadas a história do livro consolidou sua posição dentre o rol
de disciplinas acadêmicas e hoje seus métodos, problemas e objetivos estão
mais do que reconhecidos, constitui-se como importante área do saber que
caracteriza-se pela interdisciplinaridade, reunindo pesquisadores de
diversos ramos acadêmicos, segundo o historiador norte-americano Robert
Darnton, um de seus principais expoentes, " surgiu da convergência de
diversas disciplinas num conjunto comum de problemas, todos relacionados ao
processo de comunicação"(DARNTON, 2010, p 122). Continua Darnton:

[...]sua finalidade é entender como as ideias eram
transmitidas por vias impressas e como o contato com a
palavra impressa afetou o pensamento e o comportamento da
humanidade nos últimos quinhentos anos. (DARNTON, 2010, p
122)




Não seria exagero dizer que Darnton prioriza em seus trabalhos o livro
enquanto objeto de análise inserido num circuito de comunicação, ele mesmo
defendeu uma visão holística do livro, entendendo-o como um meio de
comunicação fundamental. Por outro lado, temos o não menos importante
historiador francês Roger Chartier que se centra nas apropriações ou
melhor, no universo dos leitores, das inúmeras possibilidades de
apropriação que o texto pode sofrer por parte dos leitores, para Chartier
não há texto sem leitor, um só se concretiza com o outro, portanto podemos
dizer que a preocupação fundamental de Chartier é uma história da leitura.

Seria injusto dizer que Darnton não considera as especificidades e
multiplicidades das leituras, apenas não a toma como objeto central de sua
análise.

Como aponta em trabalho já citado "os leitores não se limitavam a decifrar
os livros, mas extraíam um significado deles" (DARNTON, 2010,p 145). No
entanto, Darnton adverte que os textos também moldam a recepção dos
leitores, por mais ativos que sejam, em suas palavras "a história da
leitura terá de levar em conta a coerção do texto sobre o leitor, bem como
a liberdade do leitor com o texto" (DARNTON, 2010, p 146)

Darnton também propõe um modelo geral para analisar como os livros surgem e
se difundem na sociedade (Figura 1):

Evidentemente, as condições variaram tanto de lugar para
lugar e de época para época, desde a invenção do tipo
móvel, que seria tolo esperar que todas as biografias dos
livros se encaixassem num mesmo modelo. Mas, de modo
geral, os livros impressos passam aproximadamente pelo
mesmo ciclo de vida. Este pode ser descrito como um
circuito de comunicação que vai do autor ao editor (se não
é um livreiro que assume esse papel), ao impressor, ao
distribuidor, ao vendedor, e chega ao leitor. O leitor
encerra o circuito porque ele influencia o autor tanto
antes quanto depois do ato de composição. Os próprios
autores são leitores. Lendo e se associando a outros
leitores e escritores, eles formam noções de gênero e
estilo, além de uma ideia geral do empreendimento
literário, que afetam seus textos, quer estejam escrevendo
sonetos shakespearianos ou instruções para montar um kit
de rádio.[...] Assim o circuito percorre um ciclo
completo. Ele transmite mensagens, transformando-as
durante o percurso, conforme passam do pensamento para o
texto, para a letra impressa e de novo para o pensamento.
A história do livro se interessa por cada fase desse
processo e pelo processo como um todo, em todas as suas
variações no tempo e no espaço, e em todas as suas
relações com outros sistemas, econômico, social, político
e cultural, no meio circundante. ( DARNTON, 2010, p 125-
126*)

Entendemos que, para o período em questão e tratando-se de livros didáticos
no Brasil, cabe a proposição de um modelo mais específico – que não esgota
as possibilidades de análise, mas que pretende contribuir –levando em
consideração as diferenças essenciais ao longo do circuito.

Primeiramente devemos considerar que os textos dos livros didáticos são
escritos por autores, em seguida passam por um longo processo de editoração
(copidesque, revisão ortográfica, revisão pedagógica, diagramação,
ilustração e talvez outras etapas) que tem de levar em conta não só os
anseios da classe docente ou discente, mas também documentos norteadores
como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, os Parâmetros
Curriculares Nacionais e os editais e bancas examinadoras do Programa
Nacional do Livro Didático. Portanto, os livros didáticos são escritos por
autores, editados por editores, avaliados por bancas de analistas
(professores universitários) do Ministério da Educação, escolhidos por
professores, usados por alunos e bancados pelo governo federal. Tal
especificidade instiga-nos a propor um modelo de análise específico (Figura
2)





III - O caso da literatura escolar

Dominar o passado ajuda a controlar o presente. Essa foi a chave de
interpretação que Marc Ferro usou para seu Falsificações da História,
livro dedicado a mostrar as diversas formas com que o poder estabelecido
pode se valer do ensino de história como meio de dominação. Para tal
formulação o historiador francês dedicou-se a minuciosa pesquisa em mais de
doze países*.

Maria Helena Capelato em trabalho "correlato" também demonstrou como o
ensino primário franquista fazia parte de um sistema de dominação política
e ideológica.

Esses exemplos evidenciam a crescente atenção dada ao ensino de história e
à análise do livro didático como documento privilegiado de seu período
histórico.

"A história que nos contaram quando éramos crianças marca-nos para sempre".
A frase também presente no trabalho de Ferro ecoa nos mais diversos
substratos sociais e torna o ensino e, consequentemente, os manuais de
história alvo de disputas ferrenhas. Seja entre grupos étnicos, religiosos,
sexistas ou políticos a busca por espaço e legitimação social tomam a
escola, o currículo e o ensino como espaço privilegiado para a sagração de
seus projetos.

No entanto, no que tange a história da edições didáticas, devemos ter em
mente que a análise puramente ideológica ou curricular (baseada apenas no
conteúdo dos livros) tem se desgastado nas duas últimas décadas em
detrimento de abordagens mais pragmáticas que consideram o livro didático
na especificidade de sua gênese e uso no âmbito de uma cultura escolar.
Não se trata de um livro acadêmico, é o que prega tal corrente, é obra de
divulgação, com destacado caráter pedagógico e destinado a grande
circulação.

Nesse sentido o pesquisador francês Alain Choppin destaca que com o avançar
das décadas a pesquisa dedicada à literatura escolar tem se deslocado de
uma abordagem centrada no conteúdo em direção a uma abordagem que centra-
se nas diversas etapas do processo de produção dos livros.

Portanto, já alertados pela produção historiográfica das últimas décadas
buscamos uma análise que pode ser entendida também como curricular, mas que
se presta a desvendar a lógica da composição dos conteúdos nos livros
didáticos, suas atualizações, seguindo questões contemporâneas que se fazem
presente na literatura escolar, para depois sim, aferir conteúdos e suas
relações com fatores externos.

Neste trabalho realizamos uma análise do conceito de Jihad apresentado nos
livros didáticos brasileiros e suas mutações no período de 1985 e 1997.
tal empreita vincula-se à um projeto maior de análise das representações do
Islã nos livros didático brasileiros antes e depois dos atentados de "11 de
setembro" em Nova Iorque.

A escolha das obras tomadas para análise centrou-se nas editoras de maior
destaque no mercado editorial conciliada à disponibilidade de obras dentro
do acervo da Biblioteca do Livro didático da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo.

Na busca pelos livros privilegiamos a noção de autor como marco
referencial. É bem verdade que depois de trabalhos como o de Kazumi
Munakata a ideia de autoria em livros didáticos deve ser revista, no
entanto quando os professores escolhem os livros, normalmente fazem
referência aos autores. Entendemos que o texto passa por diversas etapas
até se materializar em livro, mas a autoria continua sendo fundamental seja
como estratégia de marketing ou como referência estilística (ainda que
alguns livros já não sejam escritos pelos autores que os assinam).

Roger Chartier, um dos mais influentes historiadores da atualidade,
definiu, citando Roger Stoddard uma grande diferença entre o texto escrito
e o impresso, nesse processo de produção do livro pode-se alterar
radicalmente as intenções do autor do texto original, em suas palavras:

Seja o que quer que façam, os autores não escrevem livros.
Os livros não são absolutamente escritos. Eles são
fabricados por artífices, por operários e outros técnicos,
por prensas e outras máquinas*(Roger Stoddard. Morphology
and the book from American pespective, Printing History,
17, 1987,PP 2-14 in CHARTIER, Roger. A ordem dos livros,



Alain Choppin, baseado nos estudos de Peter Weibremmer, aponta o itinerário
que descrevemos acima, sobre o deslocamento das preocupações referentes à
história dos livros escolares, aponta:

Se retomarmos a categorização proposta pelo teórico alemão
Petr Weinbremer, a maioria dos estudos destinados à
história do manual escolar interessa-se, com efeito,
apenas pelo próprio produto, e de modo mais particular
pelo seu conteúdo – sempre textual, às vezes iconográfico
e excepcionalmente paratextual; aqueles que se interessam
pelas diversas etapas do processo que faz com que o manual
chegue definitivamente às mãos dos alunos são ainda menos
numerosos; aqueles, enfim, que tratam, sob uma perspectiva
histórica, da questão dos usos dos manuais e de sua
recepção são, de longe, os mais raros. ( CHOPPIN, 2 , p )

As pesquisas dos últimos anos, sejam nacionais ou internacionais, confirmam
o apontado por Weinbremer e Choppin, talvez pela dificuldade relacionada a
documentação para uma história da leitura das edições escolares. Neste
trabalho, privilegiamos a produção do livro didático dentro de seu circuito
de comunicação.



V – Representações da Jihad nos livros didáticos

Em geral, nos livros didáticos publicados entre os anos de 1985 e 1995, os
conteúdos referentes a história do islã e dos árabes restringem-se a: a)
Surgimento e expansão do Islã e b) Cruzadas. Portanto, concentram-se no
período medieval e consequentemente ainda são tributários do clássico
modelo quatripartite francês de história. A seguir relatamos passagens
encontradas nos livros.

No livro História Geral: para uma geração consciente de 1987, destinado ao
antigo segundo grau, publicado pela Editora Saraiva, o autor Gilberto
Cotrim referindo-se a expansão muçulmana elenca fatores internos e externos
que contribuíram para tal feito. Entre os fatores externos, destaca o
enfraquecimento dos Impérios Persa e Bizantino (guerreando entre si por
séculos) e entre os internos "a) crescimento demográfico árabe" e:

b) estímulo à guerra, coordenado pelos califas, em nome da
expansão da fé islâmica. Era a chamada Guerra Santa
(djihad), que tinha por bases as seguintes palavras de
Maomé: "a espada é a chave do céu e do inferno. Quem a
desembainhar pela causa da fé islâmica será recompensado
por Alá

Dez anos depois, o mesmo autor, agora num livro dedicado ao antigo primeiro
grau, lançado pela mesma editora, discorre:

Por meio das guerras santas* contra os infiéis, os califas
promoveram a expansão dos territórios muçulmanos muito
além da península Arábica. Conquistaram a Pérsia, a Síria,
a Palestina, o Egito, o noroeste da China, o norte da
África e quase toda a península Ibérica. Mas ao avançarem
em direção ao Reino dos Francos* (atual França), foram
detidos por Carlos Martel, em 732, na Batalha de Poitiers.

Os grifos e notas constam na obra, as notas seguem no canto inferior
direito da página:

"Guerra santa – guerra de conquista, que usa como justificativa a expansão
da fé religiosa." (COTRIM, 1997, p. 141)

Em seu livro de 1992, História e consciência de mundo, destinado ao
primeiro grau, Cotrim escreve:

Por meio das chamadas guerras santas, os califas
promoveram a expansão dos territórios muçulmanos, muito
além da península arábica.

Em seu História e Consciência de Mundo para o segundo grau de 1997, Cotrim
no tópico "A expansão muçulmana" - subtitulado: "O sentimento de uma
invencível força" - retoma a divisão entre fatores internos e externos
exatamente nos mesmo termos de seu História Geral de 1987.

Essa explicação da expansão muçulmana dividida em fatores internos e
externos também aparece em obra contemporânea, o História Geral para o
segundo grau de Antonio Pedro e Florival Cáceres, lançado pela editora
Moderna, comunga da mesma referência:

Em apenas um século após a morte de Maomé, o Império Árabe
estendia-se da Índia até o estreito de Gibraltar e os
Pirineus.

Esta rápida a expansão é explicada por um complexo de
fatores internos e externos ao Império Árabe.

Fatores Internos: explosão demográfica e escassez de
terras férteis [...].

O princípio da Guerra Santa: tal princípio serve como
estímulo a expansão árabe. Todos os maometanos que
fizessem combate sem trégua aos infiéis e morressem em
campo de batalha alcançariam o paraíso. Apesar desse
estímulo religioso, salvo raras exceções, não podemos
falar de fanatismo religioso entre os conquistadores
muçulmanos. Na verdade, as vastas regiões conquistadas,
contanto que se subjugassem ao seu domínio, poderiam
conservar suas crenças e costumes.




Em seu livro solo de 1989, Florival Cáceres apresenta basicamente o mesmo
texto:

Fundamental para a compreensão da expansão muçulmana é o
princípio, contido no Alcorão, do combate e conversão dos
infiéis, através da Guerra Santa. Com o expansionismo
árabe, este acabou por assumir apenas característica
políticas, pois a preocupação passou a ser o pagamento de
tributos e não a conversão, o que levou a uma certa
tolerância religiosa nas regiões ocupadas. (p76)[...]

Outro fator interno foi o princípio da Guerra Santa. Todo
muçulmano que combatesse, sem trégua, os infiéis e
morresse em campo de batalha, alcançaria o paraíso. Apesar
desse estímulo religioso, salvo raras exceções, não
podemos falar em fanatismo religioso, pois os objetivos
políticos e materiais da conquista acabaram por predominar
o princípio da guerra aos infiéis. (p77)

Portanto, depreende-se das obras de tais autores que jihad é a palavra
árabe para guerra santa. Comparando a outra obra, praticamente
contemporânea às mais recentes dos autores supracitados, de 1998, escrita
por Ricardo Maranhão e Maria Fernanda Antunes, intitulada Trabalho e
Civilização: uma história global, em seu capítulo "A expansão muçulmana",
traz um tópico chamado "Guerra Santa e conquista de territórios", os
autores apresentam o tema desta forma:

Um dos pontos fundamentais dos ensinamentos de Maomé era a
missão de expandir a nova religião e converter todos os
homens, ou seja, obter a rendição dos homens a Alá. Esse
interesse se juntou à necessidade de conquistar novos
territórios para obter os recursos que faltavam na Arábia.
[...]

Com os beduínos, eles formaram um exército bravo e
eficiente, cuja missão seria fazer a Guerra Santa ou
Jihad. Acreditavam que o fiel que morresse lutando pela
religião islâmica iria direto para o Paraíso. Nessas
guerras, o saque e a exploração da população e dos
recursos dos territórios conquistados traziam imensas
vantagens materiais. Em pouco mais de vinte anos, os
exércitos muçulmanos assombraram o Oriente com suas
conquistas. (MARANHÃO & ANTUNES, p 34, 1998)

Elza Nadai e Joana Neves em História Geral: Antiga e Medieval apresentam o
tema da seguinte forma:

O Corão admitia a validade da guerra como instrumento de
difusão da nova religião – daí a justificativa de Guerra
Santa (contra o infiel) às guerras de conquista e de
pilhagens que se seguiram. (P241)

Na mesma obra, agora na página 247 as autoras reafirmam o já exposto
trocando o Corão por Maomé e citando M. Arondel* ET alii( Rome ET Le Moyen
Âge Jusqu'em 1328. Paris, Bordas, 1966, p 168 (Collection d'Histoire Louis
Girard)



Elian Alabi Lucci em História Geral: o legado dos povos antigos e a
formação da civilização ocidental, utiliza como sinônimos os termos
islamismo e maometismo (p.144) :

Entregando-se à meditação, Maomé alegou ter visões em que
lhe era recomendado fundar uma religião monoteísta.
Baseado nisto, organizou um sistema religioso que mesclava
o judaísmo com o cristianismo. Assim, nasceu sua doutrina,
o Islamismo ou Maometismo, que se caracteriza pelo
monoteísmo religioso, pois segundo Maomé, só existe um
Deus, Alá, o criador de todas as coisas.

E prossegue na página seguinte discorrendo sobre a expansão muçulmana,
enfatizando a figura de Maomé:

Maomé, não conseguindo atrair pacificamente maior número
de adeptos à sua religião, começou a pregar a Guerra
Santa, que se iniciou contra as caravanas que iam em
direção a Meca. Os coreixitas, para não verem seu comércio
prejudicado, aceitaram a doutrina islâmica, mas exigiram
que Maomé preservasse os vários deuses pagãos que levavam
os peregrinos a Meca.

Para entrar em contato com os beduínos, ele concordou
inicialmente com esta exigência, e quando conseguiu reunir
um grande número de adeptos, conquistou a cidade de Meca e
destruiu os coreixitas.

Nasceu assim, em 630, o Islã, que se tornaria um dos mais
poderosos Estados do mundo oriental.

No fim do capítulo, num tópico chamado "Recordando e Fixando", aparece uma
série de palavras-chave, dentre as quais, Guerra Santa, com a seguinte
definição:

Não conseguindo impor sua religião por meios pacíficos,
Maomé começou a pregar a Guerra Santa, a princípio contra
as caravanas que iam a Meca. Concordando inicialmente com
os coreixitas em não contestar a adoração dos ídolos,
Maomé, após conseguir um bom número de adeptos, derrotou
os membros de sua ex-tribo, dando origem ao Islã.

No livro História Geral lançado pela Scipione em 1991, jihad é apresentada
da seguinte forma:

Após conquistar Meca, Maomé morreu (632), deixando a
Arábia unificada sob uma mesma religião e ideal comum: a
djihad ("guerra santa"), que consistia na luta pela
conversão dos "infiéis" e que, nos séculos seguintes,
propiciaria a expansão islâmica. (p 63)

No livro* História Geral Volume 1: Dos povos primitivos à formação do
capitalismo, em tópico homônimo a expansão árabe-muçulmana é assim
retratada:

O expansionismo árabe começou após a morte de Maomé (632).
Tornou-se necessário levar, pela guerra santa, a fé em Alá
aos mais distantes pontos do mundo.

Essa exigência religiosa mascara os aspectos políticos e
econômicos do expansionismo árabe. Situada numa região de
poucos recursos, a economia árabe não satisfazia as
necessidades gerais da população. Necessitava-se buscar
suprimento em outros lugares, e o expansionismo religioso
podia satisfazer essa necessidade. (p 103)



Nicolina Luiza de Petta e Eduardo Aparicio Baez Ojeda em seu livro
HISTÓRIA:Uma abordagem integrada, apresentam "o Jihad" da seguinte maneira:

O Jihad, ou Guerra Santa, foi usado como justificativa
para o expansionismo árabe, defendendo a ideia de que é
dever do muçulmano expandir a fé em Alá, os árabes
justificavam a invasão de outros países como a necessidade
de converter à força os infiéis. Essa estratégia lhes
permitiu formar um vasto império, como mostra o mapa
acima.(p )



VI – Leituras

Detectar o quê os autores de livros didáticos leem e pesquisam para
compilar suas obras não é tarefa fácil, grande parte dos livros não traz
bibliografia sistematizada, desse modo procuramos seguir as obras que
trazem indicações bibliográficas no fim do livro ou mesmo no corpo do
texto. Assim podemos traçar um esboço geral do quê os autores de livros
didáticos leram ou citaram como fundamento para seus trabalhos.

Gilberto Cotrim em seu História e Consciência de Mundo para o segundo grau
de 1997, num boxe intitulado O casamento no antigo islão: O mundo dos
homens, traz um excerto adaptado de Desmond Stewart* (Antigo Islã. In
Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro, José Olympio, 1973,
p 92-95).

Elza Nadai e Joana Neves em História Geral: Antiga e Medieval, citam em
nota de rodapé: Jacques Heers. Précis d'Histoire de Moyen Âge. Paris, PUF,
1973 p324; Robert Mantran. A expansão muçulmana: séculos VII-XI. Trad.
Trude Von Laschan Solstein, São Paulo Pioneira, 1977, p 94 (coleção Nova
Clio, n 20); M. Arondel ET alii;

A obra traz em seu final uma lista comentada de referências bibliográficas
que além das obras já citadas traz a coleção dirigida por Maurice Crouzet
História Geral das Civilizações, São Paulo, Difusão Europeia do Livro,
1963; Larousse Classique: Dictionnaire Enciclopédique, Larousse, Paris,
1957; Henri Pirénne, Maomé e Carlos Magno, traduzido por Manuel Vitorino
Dias Duarte, Lisboa, Dom Quixote, 1970; Encyclopédie de la Pléiade,
publicada sob a direção geral de Raymond Queneau, pela Editora Gallimard,
Bruges, Bruxelas, volume 1 Histoire Universelle. Des origines à l'Islãm,
sob a direção de René Grousset e Émile G. Leonard. Bruges, Gallimard, 1956,
reimpressa em 1982. René Grousset também é listado com outra obra As
cruzadas, São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1965.

Os irmãos Piletti em História e Vida de 1990 (textos de apoio e exercícios,
Ática, São Paulo) apresentam um trecho de quase uma página da obra A
Espanha Muçulmana, de Mustafa Yazbeck, publicada pela Ática em 1987.

Elian Alabi Lucci em seu História Geral traz um excerto de Muhamed Asimov
sobre Ibn Sina, publicado pelo Correio da UNESCO (n 12, dez, 1980) e no fim
do capítulo no tópico sugestões de leitura indica: História do mundo árabe
medieval de Mário Curtis Giordani, publicado pela Editora Vozes de
Petrópolis em 1976; História geral das civilizações v.6 ( A Idade Média.
Preeminência das civilizações orientais) de Edouard Perroy, lançado pela
DIFEL em 1958, São Paulo; e o livro de Indro Montanelli e Roberto Gervaso,
lançado pela IBRASA Idade média:treva ou luz? ( São Paulo, 1967)

Antonio Pedro e Florival Cáceres apresentam uma bibliografia no fim do
livro que traz títulos como os já citados História Geral das Civilizações
de Maurice Crouzet, Maomé e Carlos Magno de Henry Pirenne e As Cruzadas de
René Grousset, História do Oriente Médio de G.KIRK publicado pela
Zahar(Rio de Janeiro) em 1967, A dominação ocidental da Ásia de K.
Panikkar, lançada pela editora Saga (Rio de Janeiro) em 1969 e Islamismo de
J.A Willians lançado pela Zahar em 1964.

Florival Cáceres, em seu livro de 1989, traz no fim do livro em suas
Sugestões Bibliográficas, os seguintes títulos: História Geral das
Civilizações de Maurice Crouzet e o livro de Mircea Elíade, História das
crenças e ideias religiosas, lançado pela Zahar em 1984.



VII – Usos e abusos



Youssef Cherem nos dá uma breve e esclarecedora definição de jihad:

Atualmente, principalmente depois dos atentados de 11 de
setembro de 2001, a palavra "jihad" entrou no vocabulário
corrente. A raiz j-h-d, da qual se origina, tem o
significado geral de "esforço" ou "luta" (em inglês,
geralmente traduzido como to strive, exert oneself,
struggle). A palavra, em si só, nem sempre tem conotação
religiosa .
Com significado religioso, o jihad pode incluir uma luta
contra as tentações ("jihad do coração", "jihad da alma").
Pode significar também o proselitismo do islã (da'wa) ou a
defesa da moralidade ("comandar o bem e proibir o mal", al-
'amr bilma'ruf wal-nahy 'an al-munkar) A noção de jihad
desenvolvida pelos juristas islâmicos é de "guerra com
significado espiritual" – jihad fi sabili 'llah (jihad no
caminho de Deus), jihad al-sayf (jihad da espada), sendo
sinônimo, no Alcorão de qital fi sabili 'llah ("luta", do
verbo qatala, "matar"). A palavra árabe para "guerra",
harb, geralmente é usada em contextos políticos. Uma
construção, em primeiro lugar, jurídica. Não há
evidências, por exemplo, de guerras religiosas na Arábia.
A doutrina do jihad só se desenvolveu com o tempo (a
partir do século II/ VIII). O termo jihad, embora com
raízes profundas, é pré-islâmico.
Como lembra David Cook, o profeta Maomé nunca declarou um
jihad (pelo menos não com esse termo), embora suas
campanhas possam ser consideradas jihads prototípicos. Da
mesma forma, as conquistas islâmicas dos séculos VII e
VIII
só foram classificadas como jihad depois, e não sabemos
como os muçulmanos da época as chamavam (Cook 2005: 2). As
narrativas da vida do Profeta (Sira) que contêm uma parte
dedicada às suas expedições (maghazi). Os livros dos
historiadores árabes medievais sobre a expansão do islã
chamavam-se "Livro das Conquistas" (Kitab al-Futuh). As
conquistas do império otomano na Europa não eram chamadas,
pelos turcos, de jihad. Isso dissipa, por outro lado,
afirmações de que o jihad é uma característica "essencial"
das civilizações muçulmanas ou da religião islâmica.


Levando em consideração o exposto por Youssef Cherem, mas também valendo-
nos de outros autores com Edward Said e Albert Hourani, constatamos que
jihad significa literalmente "esforço", que pode ser tomado em qualquer
aspecto da vida, do econômico ao intelectual, do espiritual ao sentimental.
Como já dito no início do texto, neste trabalho não pretendemos "julgar"
os autores de livros didáticos segundo as mais recentes pesquisas
acadêmicas e sim deslindar como se formam essas representações.

Primeiramente notamos um tom "homogeneizante" que perpassa quase todas as
obras analisadas, que nos leva a crer que o PNLD com seus editais e bancas
avaliadoras conduzem a um padrão, pois os livros que recebem melhor
avaliação e os que vendem mais passam a ser "imitados" pelos outros.

O segundo ponto, se refere aos livros que os autores leram para concluir
seus trabalhos, a maioria constitui-se de livros publicados no Brasil na
década de 1970, provavelmente tratam-se dos livros que fizeram parte da
formação universitária dos autores, salvo raras e sutis exceções.

Um último ponto a nos deter são as atualizações. Kazumi Munakata em sua
tese de doutoramento serviu-se da metodologia da história oral para
entrevistar autores, editores e outros envolvidos na produção de livros
didáticos. Entre as falas proferidas pelos autores, todos enfatizaram o
constante esforço de pesquisa e reescrita que o trabalho de atualização dos
livros exige. Mas o que se pode constatar, principalmente se tomarmos como
referência Gilberto Cotrim – um dos entrevistados por Kazumi Munakata – é
que, no que se refere à história do islã, as atualizações não foram feitas
num período de doze anos, quiçá mais.

A análise do termo jihad revela três problemas dos mais recorrentes nos
livros didáticos (de um modo geral) teleologismo, anacronismo e
maniqueísmo.

Ler as passagens citadas acima no item IV nos leva a crer que Maomé previa
dominar o mundo através da religião islâmica desde o primeiro momento, e
como se essa expansão que alcançou até mesmo a Indonésia já estivesse
prevista num plano de dominação mundial. Predomina uma visão teleológica
que não põe em causa as diversas possibilidades e implicações vivenciadas
nos momentos históricos em questão.

O uso da palavra jihad como sinônimo de guerra santa aponta tanto para o
anacronismo, quanto ao maniqueísmo, pois baseia-se na visão eurocêntrica de
"Cruzadas" procurando entender a expansão muçulmana dos séculos VIII e IX
nos mesmos termos das Cruzadas e apresentam os muçulmanos como soldados
convictos e preparados a todo momento para conquistar e expandir sua fé a
qualquer custo e que os raros episódios de tolerância religiosa se deram
apenas por interesse econômico.









Considerações Finais

Conciliar abordagem externa e interna com relação à história dos livros não
é tarefa fácil, pois a abordagem externa exige a análise de coleções, de
políticas editoriais, enfim, de uma análise ampliada, já a análise interna
foca no detalhe, no específico. No entanto essa dupla perspectiva se faz
necessária. Os conteúdos dos livros didáticos não foram escritos por
entidades desencarnadas, são fruto de trabalho coletivo, de pessoas que
estão imersas num contexto político, cultural, intelectual, econômico e
religioso. Tem posições, motivações e aspirações diferentes (comuns a
qualquer trabalho coletivo) que podem revelar muito sobre o produto final –
livro.

Procuramos – ainda que brevemente - demonstrar as especificidades dos
livros didáticos, mostrando também aspectos externos que influenciam sua
produção.

Não pretendemos aqui superestimar a importância da história do Islã no
Brasil, como exposto acima esse trabalho faz parte de uma pesquisa de
mestrado que tem por objetivo o estudo das representações do Islã antes e
depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Partimos da hipótese de que
após os atentados da Al-Qaeda houve uma redefinição no espaço e tratamento
dado ao Islã na mídia geral e nos livros didáticos. Conseguimos com o
presente trabalho traçar um panorama geral de como o Jihad era representado
de meados da década de oitenta até meados da década de noventa.



Obras analisadas

ED SARAIVA
 
1997 Hist e Consc do Mundo, Gilberto COTRIM, 2º grau

1997 Hist e Consc do Mundo, Gilberto COTRIM, 1º grau

375 421 c485h 1992
 
1985 Hist Geral: O legado dos povos antigos e inic da civilização ocidental
 
1993 His Geral Elza Nadai

1985 His Ger Elian LUCCI
 
1985 Hist Geral G. Cotrim
 
2000 HG , Cotrim 7 série
 
 
 
 
ED MODERNA
 
 
1986 HG Antonio PEDRO
 
1992 HG Francisco Silva
 
H 1989 HG Florival Caceres
 
1985 HG 1 José DANTAS
 
1986 His moderna e cont., Carlos Guilherne MOTA
 
1999 Trabalho e civilização, Ricardo MARANHÃO, vol 1
 
375 42 M 3111 T 1ªED VOL 2 1999 idem, vol2
 
 
 


Imagens

Figura 1



























Figura 2





















Bibliografia básica

BOZARSLAN, Hamit. Le Jihâd: Réceptions et usages d'une injoction coranique
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escolares como instrumento de doutrinação infantil. Revista Brasileira de
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CHEREM, Youssef. Jihad: Duas interpretações contemporâneas de um conceito
polissêmico. Campos, 2009, p83-89.

CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o
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DARTON, Robert. O beijo de Lamourette: Mídia, Cultura e Revolução.
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DUTRA, Eliana de Freitas & MOLLIER, Jean-Yves. Política, nação e edição: o
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