A judicialização dos direitos sociais e o possível agravamento das desigualdades sociais: uma análise a partir do caso da saúde no Estado de Minas Gerais.

June 4, 2017 | Autor: Lucélia Sena | Categoria: Judicialização da Política, Judicialização da Saúde
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A judicialização dos direitos sociais e o possível agravamento das desigualdades sociais: uma análise a partir do caso da saúde no Estado de Minas Gerais.

Lucélia de Sena Alves*

RESUMO:O crescimento das demandas que visam à proteção do direito sanitário vem chamando cada vez mais a atenção dos juristas brasileiros, principalmente a partir de 2010, quando o Conselho Nacional de Justiça divulgou que havia mais de 240 mil em trâmite junto ao Poder Judiciário. Diversas são as linhas argumentativas que criticam a proteção jurisdicional do direito à saúde e a doutrina ainda está longe de chegar a um consenso sobre o assunto. Um dos principais argumentos a respeito dos malefícios causados por esse tipo de judicialização é que ele contribuiria para o agravamento das desigualdades sociais, uma vez que as classes mais abastadas se favoreceriam em detrimento dos mais necessitados. O presente trabalho pretende analisar, portanto, a possível relação entre a judicialização da saúde e as desigualdades sociais, a partir do tipo de patrocínio das demandas que visam à tutela o direito sanitário no Estado de Minas Gerais, a partir de estudos empíricos sobre o tema. Pretende-se contribuir para o debate do tema, diante de sua atualidade e relevância. A pesquisa deverá valer-se de análises pertencentes a diversos campos do saber humano, tais como Filosofia do Direito, Direito Constitucional, Direito Processual Civil e Hermenêutica. Palavras-chaves: judicialização saúde – agravamento desigualdades – crítica operacional – direito fundamental à saúde

ABSTRACT: The growing demands aimed at protecting the right to health is increasingly drawing the attention of Brazilian jurists, especially from 2010, when the National Council of Justice reported that there were more than 240,000 pending with the judiciary. There are several argumentative lines that criticize the judicial protection of the right to health and the doctrine is still far from reaching a consensus on the subject. One of the main arguments about the harm caused by this type of legalization is that it would contribute to the deepening of social inequalities, since the upper classes would benefit at the higher classes. This study aims to examine, therefore, the possible relation between the legal protection of the right to health and social inequalities, from the kind sponsorship of demands aimed at safeguarding the health law in the State of Minas Gerais, from bases of empirical studies on the subject. It is intended to contribute *

Mestre em Direitos Fundamentais, da linha de Direito Processual Coletivo, pela Universidade de Itaúna (2014). Possui graduação em Direito pela Universidade de Itaúna (2010). Possui experiência em pesquisa empírica em Direito. Professora de Direito Processual Civil das Faculdades Kennedy de Minas Gerais. Advogada no escritório Sena, Alves & Costa Advocacia. E-mail: [email protected].

to the topic of the debate. The research will make use of analysis belonging to different fields of human knowledge, such as Philosophy of Law, Constitutional Law, Civil Procedure Law and Hermeneutics. Keywords: right to health - worsening inequalities - operating criticism - fundamental right to health

Introdução Ao longo dos tempos, o papel do juiz evoluiu de simples boca da lei a protagonista das políticas públicas. Essa mudança permite, atualmente, que o Poder Judiciário interfira, quando provocado, nas políticas de implementação dos direitos fundamentais. Essa nova postura garante que a população, individual ou coletivamente, busque, através do exercício do direito de ação, a proteção jurisdicional para as lesões ou ameaças a direitos. Pela primeira vez na história brasileira, a Constituição de 1988 consagrou o direito à saúde como um direito fundamental social, prescrevendo ser esse direito de todos e dever do Estado. A judicialização da saúde é um fenômeno relativamente recente na história do ordenamento jurídico brasileiro. Após 25 anos de promulgação, as normas constitucionais garantidoras de direitos fundamentais de 1988 ainda geram controvérsias e a possibilidade do controle jurisdicional das políticas implementadoras desses direitos encontra-se no centro das discussões. O constante aumento do número de ações que visam à tutela do direito à saúde, bem como a disparidade de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, intensificou o debate jurídico acerca do tema. O presente estudo pretende, portanto, analisar as críticas que envolvem a judicialização e o controle jurisdicional de políticas públicas do direito social à saúde, principalmente a crítica que sustenta que este tipo de controle aumentaria as desigualdades sociais, tomando como paradigma a política da saúde no Estado de Minas Gerais. Pretende-se analisar, através de estudos empíricos, se este controle agravariam as desigualdades sociais ou feririam outros direitos fundamentais. O raciocínio da pesquisa será o empírico e o hipotético-dedutivo. A pesquisa deverá valer-se de análises pertencentes a diversos campos do saber humano, tais como

Filosofia do Direito, Direito Constitucional, Direito Processual Civil, Direito Administrativo e Direito Financeiro.

1) Da judicialização da política A possibilidade de o Poder Judiciário determinar a realização de políticas públicas à Administração Pública é resultado da evolução da sociedade em busca da efetivação de seus direitos. Diferentemente do modelo liberal de outrora, o desafio principal do Estado passa a ser o da concretização das promessas contidas na Constituição. Predominou, por um longo tempo, o entendimento de que a análise do mérito dos atos administrativos não estaria sujeita à apreciação do Poder Judiciário. Somente era permitido ao juiz, a análise da legalidade dos atos da Administração. Fundamentando-se em uma interpretação da teoria da separação dos poderes, de Montesquieu1, alguns autores defendiam que o mérito administrativo apresenta-se como a ponderação subjetiva do administrador sobre determinados fatos e que, portanto, aspecto algum deste poderia ser revisado pelo Judiciário, o que frequentemente acarretava abusos. A partir do julgamento do caso Marbury versus Madison, através do voto do Chief justice Marshall, verificou-se a possibilidade de se controlar a adequação de uma lei à Constituição.2 As consequências jurídicas e políticas provocadas pelo voto do magistrado norte-americano, inaugurando o controle de constitucionalidade moderno, foram no sentido de se definir a competência do Judiciário como intérprete final da constitucionalidade dos atos praticados pelos demais poderes.3

1

Defende-se, assim como Eisenmann, que a estrita interpretação da teoria da separação dos poderes além de não corresponder ao real anseio de Montesquieu, não passa de um mito. Essa interpretação errônea não se sustenta nem na própria obra do filósofo francês, argumentando nesse sentido que nela há a previsão: a) da possibilidade de intervenção do rei no Legislativo através do poder de veto; b) da possibilidade de o Legislativo exigir dos ministros conta da sua administração; e c) da possibilidade de julgamento dos nobres pela Câmara dos Pares. (ver EISENMANN. L´Esprit des lois et la separation des pouvoirs. Vendôme: Presses Universitaires de Fance, 1992, p. 101). 2 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da Ciência Política. In O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense: 2011, p. 13. 3 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 10.

No ordenamento jurídico brasileiro, o marco da mudança desse perfil foi a partir da Lei da Ação Popular, em 1965, que abriu espaço para a apreciação do mérito do ato administrativo nas hipóteses previstas em seu art. 4º, II, “b” e V, “b”.4 O status constitucional à possibilidade de apreciação do mérito dos atos do Poder Público foi dado pela Constituição de 1988, em seu art. 5º, LXXIII, ao conceder legitimidade a qualquer cidadão para o ajuizamento de ação popular visando, entre outras hipóteses, a combater ato lesivo à moralidade administrativa. Atualmente, boa parte da doutrina5 e da jurisprudência6 reconhece a possibilidade de análise do mérito administrativo, principalmente quando se trata de políticas públicas, o que possibilitou o surgimento da judicialização da política. O fenômeno da judicialização da política pode ser entendido como o exercício do direito de ação visando à determinação, pelo Poder Judiciário, da satisfação de um direito previsto no ordenamento jurídico que, por ação ou omissão do Poder Público, não foi devidamente efetivado.

2) Causas e críticas à judicialização Diversas são as causas da judicialização, podendo ser apontadas quatro principais: 1) a ampliação do rol dos direitos fundamentais; 2) a abrangência do sistema de controle de constitucionalidade; 3) a inversão do papel do juiz de “boca da lei” para “protagonista da arena pública”7; e 4) a ineficiência dos Poderes Legislativo e Executivo em implementar as políticas públicas. O art. 5º da Constituição de 1988, que trata dos direitos e garantias fundamentais possui 78 incisos e o art. 7º, que trata dos direitos dos trabalhadores, por sua vez, chega a ter 34 incisos. Além disso, adotando-se uma interpretação ampliativa do art. 5º, §2º, a esse rol ainda podem ser acrescentados os direitos e garantias fundamentais provenientes de tratados adotados pelo Brasil. 4

GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense: 2011, p. 127. 5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 29ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 969; MEDAUAR, Odete. Controle jurisdicional da Administração. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 213-4. 6 STF, AgR RE nº 410.715/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJU 3.2.2006. STF, MS nº 20.999, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 21.03.1990; STJ, REsp nº 440.502, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 24.09.2010. 7 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e a arena pública: um olhar a partir da ciência política. In GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 22.

Apesar disso, os direitos fundamentais ainda sofrem com a sua falta de prestígio pelas deficiências em sua efetivação.

8

Alguns doutrinadores sustentam que “a

Constituição não cabe no PIB”, na medida em que variáveis estranhas ao Direito obstaculizariam a concretização, principalmente dos direitos sociais.9 A abrangência do sistema de controle de constitucionalidade se justifica pelo modelo adotado pelo pais: um sistema eclético, que combina o sistema difuso de controle de constitucionalidade, por influência norte-americana, com o sistema concentrado (europeu). 10 Por conta disso, é considerado um dos mais abrangentes do mundo. Conforme já foi dito, a partir do surgimento do controle de constitucionalidade, principalmente a partir do caso Marbury versus Madison, o papel do juiz se modificou, na medida em que passou a poder declarar inconstitucionais os atos praticados pelos outros poderes, evoluindo, posteriormente, para a determinação de atos a fim de adequálos constitucionalmente. Quanto à ineficiência dos poderes originariamente incumbidos de implementar políticas públicas, pode-se citar o caso do art. 198, §2º, da Constituição, no qual o legislador constituinte deixou a cargo da Lei Complementar a regulamentação dos percentuais mínimos do orçamento a serem gastos com a saúde. Somente em 2012 é que a Lei Complementar nº 141 foi sancionada.11 O Poder Executivo, por seu turno, conforme demonstrou Maria Tereza Sadek com base em dados de 2008, 13 dos 27 estados da Federação descumpriam o percentual mínimo do orçamento que deveria ser destinado à saúde.12 Existem três grupos de críticas acerca da judicialização de políticas públicas: o constitucional, a filosófica e a operacional. Segundo os defensores do primeiro grupo de críticas, a “(...) invasão pelo Direito, e pela Constituição em particular, do espaço próprio do pluralismo político 8

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 689. 9 Apud BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública. In GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo: estudos e pareceres. 2ª Edição. São Paulo: DPJ Editora, 2009, p. 04. 10 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: < http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf>, p. 3. Acesso em 03 jul. 2013. 11 Cumpre mencionar que o art. 77 do ato das disposições constitucionais transitórias regulamentou, de 2000 a 2012, a fim de reduzir os efeitos da omissão legislativa, tais percentuais. 12 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e a arena pública: um olhar a partir da ciência política. In GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 27.

produziria – alega-se – um grave desequilíbrio em prejuízos da democracia.”13 Sustentam que os magistrados não teriam legitimidade democrática para determinar ou modificar as políticas públicas da Administração. Ana Paula de Barcellos, utilizando-se dos dados provenientes do Programa Bolsa Família de 2006, para rebater o argumento dos críticos ao controle jurisdicional de políticas públicas em relação à ausência de participação democrática: [...] Em condições de pobreza extrema ou miserabilidade, e na ausência de níveis básicos de educação e informação, a autonomia do indivíduo para avaliar, refletir e participar conscientemente do processo democrático estará amplamente prejudicada. Nesse ambiente, o controle social de que falavam os críticos do controle jurídico apresenta graves dificuldades de funcionamento.14 Além disso, não se pode ignorar que a deliberação acerca da formação do Judiciário foi uma decisão do constituinte, resultante de um processo político democrático. Também, a indicação dos membros de sua corte superior é submetida à aprovação do Poder Legislativo.15 Os defensores da crítica filosófica sustentam que seria presunçoso imaginar que os magistrados tomariam melhores decisões em relação às políticas públicas que os agentes públicos encarregados dessa função, uma vez que não são mais sábios que estes.16 Para eles, a opinião de todos tem o mesmo valor.17 Em relação a essa crítica, inicialmente, deve ser ressaltado que o controle jurisdicional não atribuirá para si a gestão das políticas públicas de forma originária. O 13

BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013, p. 108. 14 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013, p. 109. 15 Conforme estabelece o art. 101, da Constituição de 1998: “O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.” 16 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013, p. 111. 17 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013, p. 111.

magistrado exercerá o controle de legalidade e, acima de tudo, de constitucionalidade do ato, tratando-se, portanto, de uma revisão judicial, e não da prática do ato em si. Os atos continuarão a ser praticados pelo Poder Público. O que muda é a titularidade da iniciativa deles, que partiria diretamente do titular do direito por intermédio do Judiciário. Ademais, no atual sistema democrático, não é exigido dos administradores, ou pelo menos dos chefes do Poder Executivo, conhecimento prévio e notório em gestão e administração públicas para a investidura no cargo, porque os requisitos se limitam aos estabelecidos nas normas eleitorais, que proíbe somente a candidatura de pessoa analfabeta. Isso quer dizer que não há garantia de que a pessoa eleita tenha mais conhecimento sobre a Administração que o jurista revisor de seu ato. O controle de políticas públicas em matéria de direitos fundamentais envolve fundamentos jurídicos, morais e técnico-científicos, que os juristas estão sim aptos a revisar e, por estarem incumbidos pelo art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988, de exercerem essa função, são igualmente legítimos para tanto.18 Por fim, a crítica operacional defende que os juristas não teriam noção, principalmente quando se trata de ações de cunho individual, da ação estatal de forma global.19 Além disso, sugere que os indivíduos beneficiados com essas demandas nem sempre são pertencentes às classes menos favorecidas, o que aumentaria a desigualdade já existente.20 Passaremos a analisar, como proposto no tema da presente pesquisa, este último grupo de críticas.

3) O perfil da judicialização da saúde no Estado de Minas Gerais Passaremos à análise crítica de dados extraídos de estudos empíricos, a fim de traçar o perfil da judicialização da saúde no Estado de Minas Gerais. 18

BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013, p. 114-5. 19 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013, p. 115. 20 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013, p. 115.

Para tanto, serão utilizados dados dos seguintes estudos empíricos: o sistema SPDiSa e os dados obtidos pelo Projeto “Avaliação da prestação jurisdicional coletiva e individual a partir da judicialização da saúde”, realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ) e pelo Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getúlio Vargas. 21 O Sistema de Pesquisa em Direito Sanitário (SPDiSa) é um sistema criado pela Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, que contém dados de 4.215 acórdãos publicados no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais atinentes à judicialização da saúde no âmbito do Estado de Minas Gerais, no período compreendido entre o ano de 2000 a 2008. Os dados se referem, entre outros, ao tipo de ação, comarca, autor, réu, advogado, fatos do caso, pedido, sentença, dados da primeira instância, etc.22 Os pesquisadores23 do Projeto “Avaliação da prestação jurisdicional coletiva e individual a partir da judicialização da saúde” coletaram dados constantes nos acórdãos de segunda instância dos Tribunais de Justiça estaduais e federais dos Estados de São Paulo e de Minas Gerais, no período compreendido entre 2010 e 2012, relativamente às demandas que buscavam tutelar o direito à saúde. No que diz respeito ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, foram analisados 408 acórdãos dos quais foram extraídos dados como o tipo de ação (se individual ou coletiva), os efeitos das decisões (se individuais ou coletivos), autor, réu, patrocinador da causa (se advogado particular, Defensoria Pública, Ministério Público, outros legitimados coletivos...), pedido, entre outros. A justificativa para o aprofundamento nos estudos a respeito da judicialização da saúde baseia-se, principalmente, no crescente grande número de demandas desta natureza. Segundo dados do SPDiSa, no período compreendido entre 2000 a 2008. Foram encontrados 2.316 registros, sendo 7 correspondentes ao ano de 2000; 15, ao ano de

21

O relatório final da pesquisa encontra-se disponível no apêndice deste trabalho, bem como em: http://cpja.fgv.br/sites/cpja.fgv.br/files/relatorio_final_judializacao_da_saude.pdf. Acesso em 31 ago. 2014. 22 O manual do SPDiSa encontra-se disponível em: < http://spdisa.esp.mg.gov.br/publico/manual_spdisa_1.pdf>. Acesso em 27 out. 2013. 23 Esta autora pertenceu ao quadro de pesquisadores participantes em conjunto com os professores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Maria Tereza Sadek, José Reinaldo de Lima Lopes, Ligia Paula Pires Pinto Sica, Luciana de Oliveira Ramos, Natalia Langenegger, Vivian Maria Pereira Ferreira, Marcelo José Magalhães Bonício e Heitor Vitor Mendonça Sica.

2001; 35, ao ano de 2002; 49, ao ano de 2003; 117, ao ano de 2004; 166, ao ano de 2005; 352, ao ano de 2006; 563, ao ano de 2007; e 1.012, ao ano de 2008.

Número de demandas

Evolução do número de demandas junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais em que o Estado de Minas Gerais figura o polo passivo 1500 1000 500 0

Fonte: gráfico de confecção própria a partir de dados fornecidos pelo SPDiSa

2000

O volume de ações que visam2001 à tutela2002 do direito sanitário possui uma relação 2003

2004

2005 sempre crescente em relação ao tempo. A média de crescimento desse tipo de demanda 2006 é de 94%, sendo que, de ano para ano, a majoração foi sempre superior a 70%.

Ano coletiva e Os pesquisadores24 do Projeto “Avaliação da prestação jurisdicional individual a partir da judicialização da saúde” coletaram dados constantes nos acórdãos de segunda instância dos Tribunais de Justiça estaduais e federais dos Estados de São Paulo e de Minas Gerais, no período compreendido entre 2010 e 2012, relativamente às demandas que buscavam tutelar o direito à saúde. No que diz respeito ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, foram analisados 408 acórdãos dos quais foram extraídos dados como o tipo de ação (se individual ou coletiva), os efeitos das decisões (se individuais ou coletivos), autor, réu, patrocinador da causa (se advogado particular, Defensoria Pública, Ministério Público, outros legitimados coletivos...), pedido, entre outros. O principal objetivo da pesquisa

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Esta autora pertenceu ao quadro de pesquisadores participantes em conjunto com os professores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Maria Tereza Sadek, José Reinaldo de Lima Lopes, Ligia Paula Pires Pinto Sica, Luciana de Oliveira Ramos, Natalia Langenegger, Vivian Maria Pereira Ferreira, Marcelo José Magalhães Bonício e Heitor Vitor Mendonça Sica.

2007 2

foi a avaliação da forma pela qual conflitos coletivos, individuais e pseudoindividuais são levados ao judiciário, por intermédio da análise da judicialização do direito à saúde. Na relação patronos versus tipo processual, apurou-se que a Defensoria Pública foi responsável pela propositura de 46,32% das do total de demandas que visavam à tutela do direito sanitário. O Ministério Público propôs o equivalente a 10,53% e os 43,15% restantes foram intentadas por intermédio de advogados particulares, conforme ilustra o gráfico abaixo.

Patronos x Tipo Processual 180 158

160

140 120 100

93 82

80 Fonte: gráfico de confecção própria a partir de dados coletados pelo Projeto “Avaliação60 da prestação jurisdicional coletiva e individual a partir da judicialização da saúde”, realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ) e 35 Vargas. pelo Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getúlio 40

31

Embora a atuação de advogados particulares seja expressiva, a Defensoria

20

4 Pública é a responsável pela propositura da maioria das 0 demandas1 que visam à tutela do4 direito sanitário. 0

Ação Ordinária

4)

Ação Civil Mandado de A relação entre o patrocínio das demandasPública sanitárias e o possívelSegurança aumento das desigualdades sociais

Como já foi dito, a crítica operacional sustenta que “quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado a Justiça (classe média)”.25 Foi demonstrado, a partir dos estudos empíricos apresentados, que mais de 46% das demandas propostas foram patrocinadas pela Defensoria Pública, sendo esta a maior patrocinadora deste tipo de demanda. Constata-se, a partir daí, que os beneficiados pelos provimentos nesse tipo de demanda são aqueles enquadrados no conceito de necessitados (art. 134, CF), que é o público-alvo dessa instituição. O conceito de necessitados é muito mais amplo do que a simples desigualdade econômica. Este conceito deve ser entendido em sentido amplo, pelo aspecto jurídico (carência jurídica), referido por Mauro Cappelletti, no sentido de vulnerabilidade das pessoas em face das relações sociojurídicas existentes na sociedade contemporânea. (GRINOVER apud BRITO. A Evolução da Defensoria Pública em Direção à Tutela Coletiva, 2008). Nesse sentido: E nessa visão parece necessário rever o antigo conceito de assistência judiciária aos necessitados, porque, de um lado, assistência judiciária não significa apenas assistência processual, e porque, de outro lado, necessitados não são apenas os economicamente pobres, mas todos aqueles que necessitam de tutela jurídica: o réu revel no processo crime, o pequeno litigante nos novos conflitos que surgem numa sociedade de massa, e outros mais que podem emergir em nossas rápidas transformações sociais. (BRITO, A Evolução da Defensoria Pública em Direção à Tutela Coletiva, 2008, p. 18) Adotando um ou outro conceito, é inegável que os assistidos pela Defensoria Pública são a camada mais vulnerável da sociedade, que é quem sofre com as consequências das desigualdades sociais. Os dados apresentados também demonstraram que mais de 42% das demandas ajuizadas em defesa do direito à saúde foram patrocinadas por advogados particulares. Não se pode afirmar, somente com base neste dado, que quem é patrocinado por advogado particular faz parte da classe média e alta da população.

25

BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível in: s.conjur.com.br/dl/estudobarroso.pdf, p. 26.

O advogado particular, muitas vezes, deixa de cobrar honorários iniciais de seu cliente, limitando-se a receber os honorários sucumbenciais. Além disso, para que se pudesse afirmar que, por conta da escolha do patrocínio por escritório particular, os titulares do direito possuem condições de arcar com as despesas processuais, não pode ser considerado como inequívoco. Na época em que foram realizados os estudos empíricos apresentados, a Lei nº 1.060, de 05 de fevereiro de 1.950 é que regulada o deferimento da gratuidade da justiça e os critérios para o seu deferimento, em nada têm a ver com o tipo de patrocínio elegido pela parte, conforme estabelece o parágrafo único do art. 2º, da citada lei: Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho. Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Assim, não raras vezes, o benefício da justiça gratuita é deferido àqueles que estão representados por advogado particular, conforme amplamente decidido pelos tribunais pátrios.26

Considerações Finais Consoante o texto constitucional, a saúde é um direito de todos e dever do Estado por intermédio da atuação de todos os entes federativos. Eventuais omissões ou erros praticados para a sua efetivação enseja a pretensão processual de seus titulares. As políticas públicas sanitárias, portanto, precisam mais do que ser levadas a sério. Precisam ser efetivas e minimamente suficientes para atender as necessidades da população. O atual cenário das políticas públicas de saúde desenvolvidas pelo Poder Público não se harmoniza com esse compromisso. O mínimo constitucional de 26

Podemos citar alguns casos: Nada impede a parte de obter os benefícios da assistência judiciária e ser representada por advogado particular que indique, hipótese em que, havendo a celebração de contrato com previsão de pagamento de honorários ad exito, estes serão devidos, independentemente da sua situação econômica ser modificada pelo resultado final da ação, não se aplicando a isenção prevista no art. 3º, V, da Lei nº 1.060/50, presumindo-se que a esta renunciou.(REsp 1.153.163/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, julgado em 26/6/2012, DJe 2/8/2012); Para o deferimento da gratuidade de justiça, não pode o juiz se balizar apenas na remuneração auferida, no patrimônio imobiliário, na contratação de advogado particular pelo requerente (gratuidade de justiça difere de assistência judiciária), ou seja, apenas nas suas receitas. Imprescindível fazer o cotejo das condições econômico-financeiras com as despesas correntes utilizadas para preservar o sustento próprio e o da família. (AgRg no AREsp 257029 / RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª turma, julgado em 05/02/2013, DJe 15/02/2013)

aplicação orçamentária é invariavelmente desrespeitado pelo Executivo, a confecção de leis que irão regulamentar devidamente o sistema é tardia. Tudo isso explica o constante aumento de demandas sanitárias que abarrotam o Judiciário, que, por conta disso e de outras razões, não consegue dar respostas céleres, ou muitas vezes, adequadas às demandas. O controle jurisdicional de políticas é concordante com o modelo de Estado Democrático de Direito. Através dele minimizam-se os efeitos maléficos e muitas vezes irreparáveis de uma atuação insuficiente do Poder Público. Constatou-se, a partir disso, que a simples afirmação de insuficiência de recursos e de aumento das desigualdades sociais não deve prevalecer a menos que se faça um estudo aprofundado pelo assunto. As pesquisas estudadas que apontavam que a judicialização da saúde favoreceria as camadas mais abastadas da sociedade não se sustentam, por se apoiarem em premissas equivocadas. A judicialização da saúde precisa avançar quanto ao aspecto das técnicas processuais vigentes. Entretanto, ela certamente contribui para a diminuição dos efeitos maléficos da ineficiência das políticas públicas disponíveis para a efetivação desse direito.

Referências

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