A JUSTA IMPOSIÇÃO LEGAL DE RESPONSABILIZAR O CONSUMIDOR NA REALIZAÇÃO DA LOGÍSTICA REVERSA VISANDO À SUSTENTABILIDADE

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Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI Tema: "A Ordem Jurídica Justa: um diálogo Euroamericano." 16, 17, 18 e 19 novembro de 2011 – Vitória – ES Membros da Diretoria: Vladmir Oliveira da Silveira Presidente Eneá de Stutz de Almeida Vice-Presidente Aires José Rover Secretário Executivo Cesar Augusto de Castro Fiuza Secretário-Adjunto Conselho Fiscal Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim Roberto Grassi Neto Jose Alfredo de Oliveira Baracho Jr. (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente) Representante Discente Rogério Monteiro Barbosa (titular) Felipe Magalhães Bambirra (suplente) Colaboradores: Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduanda em Administração - UFSC Carlos Fernando Montibeller da Silva Graduando em Ciências da Computação – UFSC Marcus Souza Rodrigues Diagramador dos Anais

C749a Congresso Nacional do CONPEDI (20. : 2011 : Vitória, ES) Anais do [Recurso eletrônico] / XX Congresso Nacional do CONPEDI. – Florianópolis : Fundação Boiteux, 2011. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-7840-070-5 Modo de acesso: http://www.conpedi.org.br em anais dos eventos 1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Congressos. 2. Direito – Filosofia. I. Título. CDU: 34

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

A JUSTA IMPOSIÇÃO LEGAL DE RESPONSABILIZAR O CONSUMIDOR NA REALIZAÇÃO DA LOGÍSTICA REVERSA VISANDO À SUSTENTABILIDADE THE FAIR LEGAL IMPOSITION OF CONSUMER RESPONSIBILIZATION IN MAKING REVERSE LOGISTICS IN ORDER TO SUSTAINABILITY Antônio Carlos Efing1 Laís Gomes Bergstein2 RESUMO O presente trabalho avalia a contribuição da nova Política Nacional de Resíduos Sólidos Brasileira, instituída pela Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, na construção de uma ordem jurídica justa, que visa à sustentabilidade e à manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme preconiza a Constituição da República. A partir da análise da experiência de outros países, verifica-se que o compartilhamento da responsabilidade por todos os envolvidos no processo de produção e consumo, em especial com a inserção do consumidor no âmago da proteção ambiental, além de contribuir com bons resultados, é uma imposição legal justa e necessária. Conclui-se, enfim, que embora certos aspectos da realidade contemporânea representem reais desafios à preservação ambiental, a exemplo do crescimento populacional e da massificação da produção e do consumo de bens e serviços, a unificação de esforços entre nações e povos, em um verdadeiro diálogo de ideias e soluções, pode ser a via mais adequada para a efetiva preservação ambiental. PALAVRAS-CHAVE: Consumidor, Responsabilidade Compartilhada, Logística Reversa, Sustentabilidade. ABSTRACT The present study evaluates the contribution of the Brazilian new National Policy on Solid Waste, created by Law No. 12.305, of August 2, 2010, in building a fare legal system, aiming at sustainability and the maintenance of an ecologically balanced environment, as recommended by the Republic Constitution. Starting by the analysis of the experience of other countries, the study concludes that the sharing of responsibility by all involved in the production and consumption chain, especially the consumer, is fair and necessary law enforcement in order to contribute to the environmental protection. We conclude, finally, that although certain aspects of contemporary reality are real challenges to environmental preservation, such as population growth and mass production and consumption, the unified efforts among nations and peoples, in a real dialogue of ideas and solutions, may be the best means for effective environmental preservation. KEYWORDS: Consumer, Shared Responsibility, Reverse Logistics, Sustainability.

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Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC/SP), Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) nos cursos de graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado, advogado e autor de diversos livros e artigos sobre o Direito das Relações de Consumo. 2 Mestranda em Direito Econômico e Socioambiental (PUC/PR) e advogada. * Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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INTRODUÇÃO A produção e o consumo de bens e serviços resultam em uma enorme quantidade de resíduos que, cedo ou tarde, são devolvidos ao meio ambiente. Todavia, os ventos e as marés não respeitam as fronteiras geopolíticas que dividem os Estados, o que resulta na propagação da poluição por todo o globo terrestre. Tal circunstância é agravada na medida em que as populações crescem e o consumo se expande, é ocasionado um problema global e congênito de gerenciamento de resíduos sólidos: todas as nações, estados e povos são afetados. Considerando-se que a poluição transfronteiriça é um problema de espectro global, verifica-se que, para fins de proteção do meio ambiente, a cooperação internacional e o compartilhamento de responsabilidades são imprescindíveis, uma vez que todos são, ao mesmo tempo, tanto responsáveis quanto afetados pela degradação ambiental. A imposição legal de responsabilizar também o consumidor na realização da logística reversa dos resíduos, visando à sustentabilidade, revela-se, portanto, justa. O objetivo do presente estudo é demonstrar que alguns dos recursos jurídicos e legislativos empregados com sucesso devem ser expandidos para outras localidades para fins de aprimoramento da proteção e da preservação ambiental, em um verdadeiro diálogo de ideias e soluções. Isto considerando que diversas nações já adotam sistemas eficientes de gestão de resíduos, reduzindo significativamente a quantidade de agentes poluentes que são despejados no meio ambiente, enquanto outras ignoram por completo a capacidade de regeneração ambiental. A abordagem ora proposta justifica-se a partir da constatação de que, se a degradação ambiental promovida por determinados entes invariavelmente repercute nos demais, é patente a necessidade de uma massiva cooperação e um compartilhamento de responsabilidades, adotando-se medidas de espectro global, tanto para prevenir as ações depredatórias quanto para recuperar as áreas já atingidas. O trabalho, enfim, é pautado no método científico dedutivo, ao passo que a análise do objeto partiu de princípios reconhecidos para atingir a conclusão de maneira puramente formal, isto é, em virtude unicamente de sua lógica. 1 A SOCIEDADE DE CONSUMO E A NECESSÁRIA UNIVERSALIZAÇÃO DA PROTEÇÃO AMBIENTAL O Brasil obteve um aumento populacional de quase 1.000% entre 1900 e 2010, passando de uma população inicial de 17.438.434 (dezessete milhões, quatrocentos e trinta e oito mil, quatrocentos e trinta e quatro) pessoas para 190.755.799 (cento e noventa milhões,

* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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setecentos e cinquenta e cinco mil, setecentos e noventa e nove) pessoas neste período segundo os dados do Censo 2010 recentemente divulgados pelo IBGE.3 Ainda que a média de consumo por pessoa permanecesse inalterada, apenas o crescimento demográfico já importaria em um aumento significativo na demanda por produtos e serviços necessários à manutenção de toda a população, ocasionando um crescimento quantitativo do uso de recursos naturais. Além disso, a partir da Revolução Industrial a sociedade apresenta-se sob a roupagem de uma sociedade de consumo. As características atuais deste modelo de sociedade desenvolveram-se após a Segunda Guerra Mundial, consolidando-se a partir da década de 1970, predominantemente sob o regime capitalista. 4 Nessa nova configuração social, a produção, a comercialização, o consumo e o crédito passam a ser oferecidos em massa, promovendo o consumo desmedido e tornando o consumidor cada vez mais vulnerável às ações dos produtores e fornecedores de bens e serviços. Para os autores Ezequiel Morais, Fábio Henrique Podestá e Marcos Marins Carazai, a Revolução Industrial “[...] é a tônica de um novo marco a partir do qual o consumo começa a apresentar elementos diferenciais, sobretudo diante de fatores como a concentração populacional em áreas urbanas, modos de produção dinâmicos pela utilização da máquina [...], queda da qualidade dos produtos, capitalismo irracional, entre outros.” 5. O crescimento econômico, assim como o aumento populacional, constitui um verdadeiro desafio à preservação ambiental. O economista e consultor Jeffrey Sachs sustenta que a ampliação em oito vezes do ritmo da atividade econômica humana desde 1950 provoca a destruição ambiental em uma escala imensurável em qualquer estágio anterior da história humana. Isto se deve ao fato de que “[...] a atividade econômica está fortemente baseada na utilização de recursos naturais e dos fluxos físicos, tais como a chuva, os cursos dos rios e, é claro, a fotossíntese para o nosso suprimento de alimentos.” 6 . Os reflexos negativos da expansão descontrolada do consumo e da produção sobre o meio ambiente são inegáveis e demandam uma resposta ativa da sociedade com o objetivo de garantir que a degradação não atinja patamares irrecuperáveis. 3

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sinopse do Censo Demográfico 2010. Disponível em: Acesso em: 7 set. 2011. 4 GREGORI, Maria Stella. O novo paradigma para um capitalismo de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 75, p. 247 et seq., jul. 2010. 5 MORAIS, Ezequiel; PODESTÁ, Fábio Henrique; CARAZAI, Marcos Marins. Código de Defesa do Consumidor comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 25. 6 SACHS, Jeffrey. A riqueza de todos: a construção de uma economia sustentável em um planeta superpovoado, poluído e pobre. Tradução: Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 43. * Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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As transformações sociais, contudo, não se limitaram ao século XIX e ao pós-guerra. Nos últimos anos o Brasil também experimentou um importante crescimento do consumo médio em razão do aumento do poder aquisitivo de classes sociais mais pobres. A análise dos principais resultados das Contas Nacionais no ano de 2008, realizada pelo IBGE, revelou que “O consumo - que em 2008 representou 79,1% do PIB - teve crescimento de 5,0%”, sendo que “O aumento no consumo das famílias é coerente com o aumento de 7,9% na massa salarial real, segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE, e com o aumento de 30,3%, em termos nominais, nas operações de crédito do sistema financeiro para pessoa física, segundo dados do Banco Central do Brasil.”7. Neste cenário de crescimento econômico e massificação do consumo, caso não sejam adotadas medidas protetivas do meio ambiente, que promovam o equilíbrio dos insumos empregados na produção e dos resíduos do pós-consumo, a manutenção do homem e dos demais seres vivos na terra estará comprometida devido ao esgotamento dos recursos naturais. Michael Kloepfer afirma que na atual situação ambiental um Estado apto a subsistir precisa de mais do que a teoria clássica dos três elementos previa; um povo, um poder e um território estatal. O Estado necessita também de “[...] um meio ambiente no e em torno do seu território que não ponha em risco a continuidade de sua existência.”8. Liszt Vieira pondera que dentre os elementos não econômicos que formam o fenômeno da globalização, destaca-se, sobretudo, a deterioração ecológica do planeta, que passou a constituir uma das bases fundamentais deste processo à medida que tanto suas causas quanto seus efeitos são globais.9 A Constituição brasileira de 1988 constitui um marco fundamental na preservação ambiental no Brasil ao elevar o direito ao meio ambiente equilibrado à categoria de direitos fundamentais, na medida em que reconhece o meio ambiente equilibrado como um bem de uso comum do povo (art. 225, CF) e adota a sua defesa como um princípio da ordem econômica (art. 170, VI, CF). Assim, a todos é atribuído o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao mesmo tempo em que também é incorporado ao ordenamento jurídico o dever coletivo de que os recursos extraídos da natureza e transformados pelo

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BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Análise dos principais resultados das Contas Nacionais. Disponível em: Acesso em: 03 jul. 2011. 8 KLOEPFER, Michael. A caminho do Estado Ambiental? A transformação do sistema político e econômico da República Federal de Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado Socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 40. 9 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 74. * Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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homem somente sejam devolvidos ao meio ambiente natural de modo que não provoquem risco ao ecossistema. É evidente, no sistema jurídico brasileiro, que o Poder Público, ainda que seja o principal encarregado de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que representem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, pois detém os recursos e o controle sobre os meios coercitivos, não é o único responsável pela preservação ambiental. Ocorre que as medidas de proteção do meio ambiente devem ser integradas e adotar proporções globais, não podendo ser restritas a determinadas localidades ou períodos históricos, sob o risco de serem inócuas. Sachs afirma que durante o século XXI os desafios do desenvolvimento sustentável serão protagonistas na nova ordem mundial, enquanto “[...] a cooperação global terá que de ganhar prioridade.”. 10 De fato, a cooperação internacional é fundamental para impelir a propagação da poluição transfronteiriça e das ações degradadoras, máxime considerando-se que todas são nações, em maior ou menor grau, são atingidas. 2 EM BUSCA DA ORDEM JURÍDICA JUSTA: A PROBLEMÁTICA DA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL E A CONTRIBUIÇÃO LEGISLATIVA Além da adoção de medidas integradas e universais de preservação ambiental, o estudo das experiências de outras nações nesta seara também constitui um relevante mecanismo para acelerar o processo de alcance do meio ambiente ecologicamente equilibrado e da ordem jurídica justa. Em consonância com esta compreensão, três pesquisadores paranaenses, em conjunto com um professor da Universität Stuttgart, na Alemanha, fizeram um estudo comparativo das legislações brasileira e alemã no âmbito do meio ambiente e da gestão de resíduos de serviços de saúde. Os estudiosos concluíram que apesar da Constituição Alemã (Grundgesetz - für die Bundesrepublik Deutschland) reproduzir apenas implicitamente alguns princípios de proteção ambiental, enquanto o Brasil possui uma ampla garantia constitucional, é o Brasil o país que mais carece de instrumentos para a proteção concreta do meio ambiente e a promoção de ações permanentes de educação ambiental. Segundo os pesquisadores, as atuais Constituições Brasileira e Alemã divergem na prescrição de normas e princípios destinados à proteção, conservação e preservação do meio ambiente, uma vez que enquanto a Constituição brasileira designa explicitamente um Capítulo inteiro para o tema (Capítulo VI), a Constituição alemã estabelece apenas um sucinto artigo (20a), in verbis: “O 10

SACHS, Jeffrey. Op. cit.,. p. 13.

* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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Estado protege também por responsabilidade pelas gerações futuras, os fundamentos naturais da vida e dos animais, no contexto da ordem constitucional através da legislação, em conformidade com a lei e a justiça, o Executivo e o Judiciário.”. 11 Ainda assim, a Alemanha é considerada um rico exemplo de práticas eficazes de educação ambiental. Além da forma na qual são declarados os direitos, verificou-se que a diferença entre os Estados brasileiro e alemão reside principalmente na proteção concreta atribuída aos bens jurídicos tutelados. Neste sentido, os acadêmicos consignaram no estudo que “[...] um dos desafios do Brasil é reforçar os órgãos e agentes para aplicação e fiscalização das práticas pertinentes à preservação ambiental e promover aquelas ações permanentes de educação ambiental, prescritas na Lei 9.795/1999, por ordem expressa da Constituição Federal.” 12 . O resultado desta análise evidencia que a mera edição de leis protetivas – cuja importância é inegável para proteção e promoção do meio ambiente – não é suficiente para garantir a tutela ambiental de modo eficaz. Existem inúmeros exemplos mundiais de organizações governamentais e não governamentais que contribuem de maneira efetiva à proteção do meio ambiente e à conscientização das pessoas acerca das importantes medidas de proteção e preservação ambiental. Verifica-se, portanto, que o envolvimento da sociedade civil organizada na difusão de conhecimentos e de técnicas de preservação ambiental é um exemplo de sucesso que deve ser mais desenvolvido no Brasil. Sob outro enfoque, na África do Sul, assim como no Brasil, o direito ao meio ambiente também é previsto na Declaração de Direitos da Constituição, podendo, portanto, ser classificado como um direito fundamental, o que amplia significativamente o número, a natureza e o escopo dos recursos jurídicos disponíveis para reivindicar o cumprimento deste direito. Existe, contudo, uma diferença significativa na concepção do direito ao meio ambiente na África do Sul: a Constituição reconhece que a poluição é inevitável em uma sociedade industrializada, e, ao fazê-lo, admite que o desenvolvimento implique em certo grau de poluição, o limite imposto é que não seja prejudicada a saúde ou e bem-estar da população. Além disso, a proteção ambiental sul-africana é estendida apenas aos homens, não englobando os demais seres vivos e ecossistemas.13 A Constituição brasileira, acertadamente, 11

SOARES, Matilde de Paula; PETERS, Edson Luiz; FISCHER, Klaus Martin; BARBOSA, Valma. Gestão de resíduos de serviços de saúde e meio ambiente interface da legislação Brasil-Alemanha. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 906, p. 63 et seq., abr. 2011. 12 Ibid. 13 KOTZÉ, Louis J. Uma reflexão crítica sobre as dimensões socioeconômicas do direito sul-africano ao meio ambiente. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado Socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 118-120. * Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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opta por estabelecer o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado ao mesmo tempo em que também assegura a proteção da flora e da fauna. Na América, segundo Doug Macdonald, o movimento de preservação da vida selvagem atingiu o seu primeiro sucesso notável com a criação do Yellowstone National Park, em 1872, refletindo na fundação do Sierra Club, em 1892, e na criação do Earth First!, na década de 1980.14 Mas a crise dos aterros sanitários nos Estados Unidos na década de 1980 seria o fato histórico de maior influência no movimento legislativo para melhorar as condições de coleta dos resíduos de pós-consumo, haja vista a saturação dos aterros e as proibições de despejo de determinados tipos de produtos.15 O mesmo problema de saturação começa a ser observado em Estados brasileiros, em especial nas regiões que concentram o maior índice demográfico. 16 Paulo Roberto Leite afirma expressamente que “Um dos mais graves problemas ambientais urbanos da atualidade é a dificuldade de disposição do lixo urbano.” 17 . A problemática do descarte de resíduos decorrente justamente da massificação da produção e do consumo desenfreado, características típicas da sociedade de consumo contemporânea. O meio ambiente ecologicamente equilibrado pressupõe a manutenção de níveis equiparados de extração e reposição dos recursos naturais. Isto significa que a matéria-prima retirada do meio ambiente somente pode ser devolvida a ele em condições similares às anteriores, a fim de se garantir a sua manutenção para as futuras gerações. O que se observa hoje, contudo, é que, de um modo geral, as pessoas não praticam o consumo consciente, ou seja, não se responsabilizam pelo impacto que o consumo dos produtos terá no meio ambiente depois do seu uso e descarte. A partir da análise das experiências de outros povos, pode-se afirmar que a ordem jurídica que visa a sustentabilidade está intrinsecamente aliada à existência de dois instrumentos muito relevantes na defesa do meio ambiente equilibrado: a adoção da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa.

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“In America, the wilderness preservation movement achieved its first notable success with the creation of Yellowstone National Park in 1872, and was reflected in the establishment of the Sierra Club in 1892, continuing through to creation of Earth First! in the 1980s.” (MACDONALD, Doug. The Politics of Pollution: why Canadians are failing their environment. Toronto, Ontario: The Canadian Publishers, 1991. p. 83-84.). 15 LEITE, Paulo Roberto. Logística reversa: meio ambiente e competitividade. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. p. 156. 16 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. Disponível em: Acesso em: 9 set. 2011. 17 LEITE, Paulo Roberto. Op. cit., p. 20. * Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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3 A NOVA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS: RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA DO CONSUMIDOR E LOGÍSTICA REVERSA No Brasil, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que ainda está em fase de implementação, estabelece as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. Trata-se da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que é formada por um conjunto de princípios, diretrizes, objetivos, metas, instrumentos e ações adotados pelo Governo (isoladamente ou em parceria com particulares), com o objetivo de gerenciar os resíduos sólidos de uma maneira ambientalmente adequada.18 Esta nova legislação institui a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, abrangendo, além dos responsáveis pela limpeza urbana e pelo manejo de resíduos sólidos, os fornecedores de produtos e serviços e os consumidores, por expressa disposição no artigo 30, in verbis: “É instituída a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, consoante as atribuições e procedimentos previstos nesta Seção.” 19 . Trata-se da adoção do princípio de proteção ambiental da Responsabilidade Estendida do Produto, o chamado Extended Product Responsibility (EPR), que mantém íntima relação com a logística reversa, questão que a seguir também será abordada. Pesquisadores da Universidade do Tennessee, nos Estados Unidos, com o apoio da Agência Nacional de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (United States Environmental Protection Agency), promoveram um estudo sobre a Responsabilidade Estendida do Produto, que teve origem no contexto Europeu e que aos poucos é difundida na América do Norte. O referido estudo resultou na formulação de um conceito para melhor compreensão da temática: Responsabilidade Estendida do Produto é o princípio de que os atores ao longo da cadeia produtiva dividem as responsabilidades decorrentes do impacto sobre o meio ambiente de todo o ciclo de vida do produto, incluindo os impactos inerentes à seleção de materiais, os impactos do processo de produção em si, e os impactos do uso e descarte dos produtos. Quanto maior a capacidade do ator para influenciar os

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BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: Acesso em: 8 set. 2011. 19 Ibid. * Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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impactos do ciclo de vida do sistema de produção, maior o grau de responsabilidade deve ser.20

Paulo Roberto Leite refere-se ao EPR como “[...] a ideia de que a cadeia industrial produtora ou o próprio produtor que de certa maneira agridem o meio ambiente, devem se responsabilizar pelo seu produto até a decisão correta do seu destino após o seu uso original.”21. A responsabilidade compartilhada faz sentido quando se verifica que o design dos produtos e do sistema produtivo é fator mais crítico na determinação da natureza e quantidade de recursos, do uso de energia e da poluição gerada em todo o ciclo de vida do produto. Diante disso, o EPR envolve os responsáveis por estas projeções visando incentivá-los a criar produtos mais limpos. O produtor, ao longo da fase de desenvolvimento de seu produto, pode contribuir significativamente para minimizar a geração e o respectivo impacto dos resíduos sólidos.22 No âmbito da Responsabilidade Estendida do Produto, os pesquisadores Gary Davis e Catherine Wilt afirmam que “Também os consumidores dos produtos devem assumir a responsabilidade por escolher cuidadosamente produtos reciclados e recicláveis a fim de gerar menos desperdício comprando menos ou encontrando opções de reutilização ou reparo dos produtos que não mais utilizam.”23. Neste contexto, ao adotar a responsabilidade ao longo de todo o ciclo de vida dos produtos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos também engloba o seu respectivo destinatário final: o consumidor.

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“Extended Product Responsibility is the principle that the actors along the product chain share responsibility for the life-cycle environmental impacts of the whole product system, including upstream impacts inherent in the selection of materials for the products, impacts from the manufacturer’s production process itself, and downstream impacts from the use and disposal of the products. The greater the ability of the actor to influence the life-cycle impacts of the product system, the greater the degree of responsibility for addressing those impacts should be.” (DAVIS, Gary A., WILT, Catherine A. Extended product responsibility: a new principle for product-oriented Pollution prevention. Tradução livre. Disponível em: Acesso em: 8 set. 2011.). 21 LEITE, Paulo Roberto. Op. cit., p. 22. 22 “The design of products and product systems is the most critical step in determining the nature and quantity of resource and energy use and pollution outputs throughout the products’ life cycles. This is why EPR seeks to create an effective feedback loop to product designers to encourage them to design cleaner products. In addition to determining the impacts of the actual manufacturing process for the product, the choice of materials, for instance, determines the environmental impacts upstream in the extraction and processing of raw materials. Material selection also determines the downstream impacts during the use stage and in the ultimate disposal of the product. The product producer can, at the design step in product development, make a tremendous contribution to minimizing solid waste generation and the impacts of solid waste management.” (DAVIS, Gary A., WILT, Catherine A. Extended product responsibility: a new principle for product-oriented Pollution prevention. Tradução livre. Disponível em: Acesso em: 8 set. 2011.). 23 “Also, users of products must take responsibility for carefully choosing recycled and recyclable products and for generating less waste in the first place by buying less or finding reuse or repair options for products that they no longer use.” (DAVIS, Gary A., WILT, Catherine A. Extended product responsibility: a new principle for product-oriented Pollution prevention. Tradução livre. Disponível em: Acesso em: 8 set. 2011.). * Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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O artigo 6º do Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010, que regulamenta a Lei nº 12.305/2010, estabelece expressamente que: Art. 6º. Os consumidores são obrigados, sempre que estabelecido sistema de coleta seletiva pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou quando instituídos sistemas de logística reversa na forma do art. 15, a acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados e a disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução. Parágrafo único: A obrigação referida no caput não isenta os consumidores de observar as regras de acondicionamento, segregação e destinação final dos resíduos previstas na legislação do titular do serviço público de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.

Verifica-se, portanto, o reconhecimento da importância da participação também do consumidor na gestão dos produtos do pós-consumo. Além de dever ser “[...] um consumidor responsável, dando preferência aos produtos e tecnologias que apoiem a sustentabilidade [...]”24 e ser um cidadão responsável, toda pessoa que opta por adquirir determinado produto ou contratar um serviço deve se responsabilizar pelo destino dos resíduos decorrentes desta decisão. A atual legislação explicita claramente a responsabilidade compartilhada do consumidor para garantir que cada embalagem ou material residual seja adequadamente acondicionado, visando à sustentabilidade ambiental. Antônio Carlos Efing ressalta que o conjunto de normas expressa nesta nova legislação revela as futuras diretrizes para o consumo, a partir da instituição de responsabilidade a todos os envolvidos na manutenção da sociedade de consumo, redigindo orientações ao poder público e especialmente ao consumidor, o qual: [...] assume papel fundamental já que é visto como o gerador da demanda (produção) e agente socioeconômico gerador de pós-consumo, cabendo ao consumidor (em que pese sua vulnerabilidade e desconhecimento técnico) a obrigação agora legal de selecionar os resíduos recicláveis dos orgânicos (praticando a coleta seletiva), acondicioná-los adequadamente, como também destinar adequadamente o pós-consumo de diversos produtos que serão recolhidos pelos próprios produtores para a sua correta destinação (para a realização da logística reversa), extraindo ao máximo as qualidades do produto/serviço até o exaurimento do seu ciclo de vida.25

A partir do momento em que o consumidor adota uma postura consciente de seu papel social frente ao mercado de consumo, os produtores necessariamente deverão adaptar-se às novas exigências de sustentabilidade ambiental, sob o risco de não conseguirem subsistir 24 25

SACHS, Jeffrey. Op. cit.,. p. 417.

EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo: consumo e sustentabilidade. 3. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2011. p. 127-128. * Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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no exercício da atividade econômica. Jean Mari Felizardo, citando Takeshy Tachizawa, afirma que a gestão ambiental é a resposta natural das empresas ao consumidor ecologicamente correto. A chamada “empresa verde” representa bons negócios e, no futuro, será a única forma de empreendedorismo lucrativo e duradouro, concluindo que quanto antes as organizações começarem a visualizar a logística reversa como um processo benéfico ao meio ambiente e como uma oportunidade competitiva, maior será a capacidade de sobrevivência e desenvolvimento.26 Embora a edição de uma lei, isoladamente, não seja suficiente para garantir efetividade à tutela ambiental, é inegável que a importância de se ter um ordenamento jurídico adequado e bem estruturado para este fim. Como ressalta Antônio Carlos Efing, alguns dos termos definidos pela legislação passarão a fazer parte do cotidiano de todos os cidadãos e consumidores brasileiros. 27 Pode-se estar, portanto, diante de uma verdadeira mudança de paradigmas, que, eventualmente, poderá conduzir a sociedade aos desejados patamares da sustentabilidade ambiental. A logística reversa, por sua vez, é definida no art. 3º, inciso XII, da Lei nº 12.305/2010, como o “[...] instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”.28 A nova legislação estabelece a obrigatoriedade de estruturação de sistemas de logística reversa inicialmente apenas para alguns tipos de produtos, quais sejam: I - agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em normas técnicas; II - pilhas e baterias; III - pneus; IV - óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; V - lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; VI - produtos eletroeletrônicos e seus componentes.29

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TACHIZAWA, Takeshy. Gestão ambiental e responsabilidade social corporativa: estratégias de negócios focadas na realidade brasileira. São Paulo: Atlas, 2002. apud: FELIZARDO, Jean Mari. Logística reversa: competitividade com desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2005. p.16. 27 28

EFING, Antônio Carlos, Op. cit., p. 128.

BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos ; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: Acesso em: 8 set. 2011. 29 Conforme disposto no artigo 33 da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. (Disponível em: Acesso em: 8 set. 2011.) * Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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A concepção da logística reversa para os produtos não inseridos neste rol, nos termos da Lei nº 12.305/2010 e do Decreto nº 7.404/2010, ainda está condicionada à viabilidade técnica e econômica, a ser aferida pelo Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa. Ocorre que a responsabilidade por todo o ciclo de vida do produto e a logística reversa não devem ser impostas apenas a determinados produtos ou serviços, nem mesmo subordinadas ao atendimento do menor custo ao produtor, uma vez que somente é possível atingir o meio ambiente ecologicamente equilibrado caso todos os insumos utilizados na cadeia produtiva sejam reaproveitados ou adequadamente reinseridos no meio ambiente. Não se pode, portanto, admitir que a obrigatoriedade de reutilização de materiais ou da adoção da logística reversa seja limitada a apenas alguns tipos de produtos, sob o risco de se inviabilizar a efetivação do direito fundamental expresso no artigo 225 da Constituição da República. Como pondera Antônio Carlos Efing, espera-se que todas as medidas adotadas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos interfiram na realidade do consumo impensado e desmedido e gerador de resíduos sólidos desnecessários, reduzindo o custo que é transferido a toda a sociedade.30 É importante destacar, outrossim, que a criação de medidas restritivas à produção e ao consumo de determinados produtos ou serviços não constitui ofensa ao princípio constitucional da livre iniciativa, uma vez que a própria Constituição da República, ao assegurar a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, ressalva a possibilidade de serem impostas condições. O parágrafo único do artigo 170 da Constituição estabelece que: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”, enquanto o inciso VI do mesmo dispositivo legal estabelece a defesa do meio ambiente como princípio orientador da ordem econômica e permite a adoção de “[...] tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” 31. Ou seja, pode-se concluir que, sob a égide da atual Constituição, a extensão das restrições à produção e à comercialização dos produtos ou serviços deve ser proporcional ao impacto provocado sobre o meio ambiente. Paulo Roberto Leite sintetiza a problemática da carência de uma cadeia estruturada de logística reversa afirmando que:

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EFING, Antônio Carlos. Op. cit., p. 137. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível . Acesso em: 7 set. 2011.

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* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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O aumento da velocidade de descarte dos produtos de utilidade após seu primeiro uso, motivado pelo nítido aumento da descartabilidade dos produtos em geral, não encontrando canais de distribuição reversos de pós-consumo devidamente estruturados e organizados, provoca o desequilíbrio entre as quantidades descartadas e as reaproveitadas, gerando um enorme crescimento de produtos de pós-consumo.32

O autor pondera que exemplos de legislações ambientais sobre resíduos sólidos mal aplicadas em outros países permitem avaliar os cuidados que devem ser tomados no âmbito da logística reversa, tais como o de não favorecer um elo ou setor de etapa reversa que provoque o desequilíbrio de preços de materiais reciclados no mercado, para citar um exemplo.33 A análise da experiência de outras nações de muitas formas deve ser utilizada para favorecer o aprimoramento e o rápido desenvolvimento das técnicas brasileiras de preservação ambiental e contribuir para a manutenção de uma ordem jurídica compatível com noção de sustentabilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A ordem jurídica justa somente é atingida quando os direitos expressos nas Constituições dos países são efetivamente aplicados, deixando de ocupar o plano ideal para fazer parte do quotidiano e da realidade social de todo o seu povo. O ordenamento jurídico deve, sob esta perspectiva, ser desenvolvido como um instrumento social capaz de contribuir com a aplicação dos direitos fundamentais, dentre eles o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual, no Brasil, constitui um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Verifica-se, na sociedade contemporânea, que o consumo de bens e serviços, que ocorre de forma socialmente desigual e injusta, excede a capacidade de assimilação de rejeitos pela biosfera, uma vez que a “[...] exploração excessiva dos recursos naturais e [a] iniquidade inter e intrageracional na distribuição dos benefícios oriundos dessa exploração, conduziram à reflexão sobre a insustentabilidade ambiental e social dos atuais padrões de consumo e seus pressupostos ético-normativos.”. 34 A manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme preconiza a Constituição da República, pressupõe que todos os insumos extraídos da natureza sejam a ela restituídos de forma integrada, assegurando a estabilidade dos recursos naturais para as gerações presentes e futuras.

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LEITE, Paulo Roberto. Op. cit., p. 20. Ibid., p. 152. 34 PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2005. p. 23. 33

* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011 ** Trabalho indicado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC – PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

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Ao mesmo tempo em que a Constituição da República estabelece o equilíbrio ambiental como um direito fundamental, necessariamente impõe a todos o dever de contribuir com a manutenção deste sistema. Neste sentido, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei nº 12.305/2010, acerta ao estabelecer a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos aos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, adotando o princípio de proteção ambiental da Responsabilidade Estendida do Produto. Disso pode-se concluir que todos os envolvidos na cadeia de produção de um bem que produza efeitos negativos sobre o meio ambiente, ainda que minimamente, devem ser responsabilizados na exata proporção da sua participação. Neste contexto, a imposição legal brasileira que atribui determinado grau de responsabilidade ao consumidor no âmbito da gestão de resíduos sólidos é plenamente justa e está em consonância com a estrutura do ordenamento jurídico pátrio. O consumidor assume, enfim, uma posição de relevo, ao ter reconhecida a sua importância na gestão dos produtos do pós-consumo. A prática do consumo consciente há algum tempo é objeto de estudos pela doutrina especializada, que assegura que a postura do consumidor frente ao mercado de consumo é fundamental para impor aos fornecedores a adoção de técnicas e instrumentos da cadeia produtiva que visem à proteção e à preservação do meio ambiente. Por fim, verifica-se que a análise comparativa e o estudo das experiências de outras nações no âmbito da proteção ambiental constitui um importante instrumento para o aprimoramento das técnicas e dos instrumentos adotados visando garantir o meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 7 set. 2011. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Análise dos principais resultados das Contas Nacionais. Disponível em: Acesso em: 03 jul. 2011.

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