A LAVOURA CANAVIEIRA E A (TRANS)FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE: O CASO DE ITU, 1773-1830

May 26, 2017 | Autor: Léo Vinicius | Categoria: Colonial Brazil
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LEONARDO VINICIUS BRISOLA BARBOSA - Nº USP 9372180

A LAVOURA CANAVIEIRA E A (TRANS)FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE: O CASO DE ITU, 1773-1830

História do Brasil Colonial II – Vespertino Prof. Carlos A. P. Bacellar 2015

Sumário Resumo..................................................................................................................................03 Metodologia..........................................................................................................................04 1. Introdução.........................................................................................................................05 2. Questão historiográfica....................................................................................................06 3. Crescimento demográfico.................................................................................................08 3.1 Crescimento demográfico de escravos...........................................................................11 4. Proporção de habitantes por idade..................................................................................12 5. Ocupação dos habitantes..................................................................................................15 Conclusão.............................................................................................................................17 Bibliografia...........................................................................................................................18

Índice de Quadros e Gráficos Tabela 1 – Comparação entre os dados da lista nominativa de 1773 disponibilizada pelo Prof. Bacellar e os dados disponibilizados por Samara.......................................................07 Gráfico 1 – Relação entre a quantidade de fogos na vila de Itu em 1773, 1801, 1825 e 1830.......................................................................................................................................09 Gráfico 2 – Relação entre a quantidade de habitantes na vila de Itu em 1773, 1801, 1825 e 1830.......................................................................................................................................09 Gráficos 3 e 4 – Porcentagem de cativos em relação aos habitantes livres da vila de Itu em 1773 e 1830...........................................................................................................................12 Tabela 2 – Faixas etárias dos moradores da Vila de Itu em 1773 e 1830 e seu crescimento. ...............................................................................................................................................13 Gráfico 5 – Proporção da mudança no número de habitantes de cada faixa etária da

população da vila de Itu entre 1773 e 1830..........................................................................14 Tabela 3 – Ocupações dos habitantes da vila de Itu em 1825 e 1830.......................................................................................................................................15 2

Resumo Este trabalho tem como principal objetivo o estudo histórico-social e demográfico da Vila de Itu durante os anos de 1773 até 1830. Usando como ponto de reflexão a estreita relação que os habitantes tiveram com a cultura de agro exportação do açúcar a partir de 1773, foram analisadas algumas características dessa população que pudessem ter sido influenciadas pela produção do açúcar, a fim de entender como uma economia de exportação agrícola pode moldar uma vila no interior paulista. Para isso, a análise se aprofundará em três aspectos principais: crescimento demográfico, proporções etárias e ocupações dos habitantes, visando manter uma comparação entre o período de 1773 a 1830, a fim de evidenciar e analisar as mudanças que ocorreram nesse período em que o açúcar constituiu a base econômica da região. Além disso, este estudo procura também confrontar alguns dados já difundidos na historiografia brasileira sobre a vila de Itu de 1773. Contrastando as listas nominativas de Itu fornecidas pelo Prof. Carlos A. P. Bacellar e os dados fornecidos por Eni de Mesquita Samara em sua obra Lavoura Canavieira, Trabalho Livre e Cotidiano. Itu, 1780-1830, é possível observar dissidências contundentes que serão aqui abordadas e devidamente discutidas. Palavras-chave: lavoura canavieira – história demográfica – Itu – séculos XVIII e XIX

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Metodologia Para as análises feitas neste trabalho foram utilizadas como fontes principais as listas nominativas da Vila de Itu relativas aos anos de 1773, 1801, 1825 e 1830. Na análise da lista nominativa de 1801, pelo fato de muitos de seus dados, tais como idades e ocupações, estarem corrompidos, mal organizados ou mal transcritos, não foi possível extrair muitas informações. No uso da lista nominativa de 1773, entretanto, a análise foi melhor aproveitada, porém mais complexa. Por ela ser a mais antiga e ainda não fornecer um quadro geral da população, foi necessário contar habitante por habitante, fogo por fogo, e localizar por meio digital as idades de cada habitante a fim de montar os gráficos e tabelas apresentados anexos nesse trabalho. Para algumas partes dessa contagem foi utilizada a ajuda de uma assistente voluntária1. No uso das listas nominativas de 1825 e 1830, apesar de já serem fornecidos os dados gerais dos habitantes e divisões etárias, foi preciso seguir o mesmo processo da anterior, pois encontraram-se algumas divergências entre os números fornecidos pelos resumos dos documentos e os números reais contidos nos documentos, como exemplo, na lista de 1830 apesar do resumo constar 8214 habitantes, na contagens foram encontrados 8329, por questão metodológica optamos por utilizar os números obtidos nas contagens. Após esse processo, os dados foram analisados de maneira comparativa, com o objetivo de mostrar a transformação que teria ocorrido em Itu após o fenômeno açucareiro. Como auxílio foram usados diversos autores que estudaram a lavoura canavieira na capitania de São Paulo, como Francisco V. Luna, Hebert S. Klein, Maria Luiza Marcílio, Maria T. S. Petrone e Suely R. Queiroz. Foram usados também autores que estudaram a vila de Itu colonial propriamente dita, sendo eles Joseph C. F. de Almeida e sua orientadora Eni de Mesquita Samara. É importante lembrar que por ter como fonte principal documentos produzidos por mãos humanas, os dados apresentados nessa pesquisa podem não estar completamente de acordo com as realidades de sua época; uma demonstração disso é a recorrência de muitos habitantes com idades que terminam com dígito zero, pois por ser uma idade aproximada, torna-se mais simples usá-la do que contar a idade ano a ano. Outro exemplo muito comum 1

Beatriz Moreira de Souza, Graduanda em Letras na FFLCH-USP.

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é a ocorrência de algumas ausências propositais de habitantes nas listas, por motivos como o não alistamento obrigatório no exército ou o não pagamento de algum tipo de tarifa específica para a coroa. No uso específico da obra Lavoura Canavieira, Trabalho Livre e Cotidiano. Itu, 1780-1830 de Samara, encontraram-se muitas divergências entre os dados apresentados2 e os encontrados nas listas nominativas que foram disponibilizadas, portanto optou-se por seguir um viés crítico perante a autora, não objetivando expor suas possíveis falhas, mas tentando manter um diálogo entre as possíveis interpretações que podem ser retiradas das diferentes fontes e com isso produzir uma análise com resultados mais concretos.

1. Introdução Desde o começo do século XVIII, época dos descobrimentos auríferos nas Minas Gerais, o cotidiano dos habitantes da região paulista era movido pela necessidade de abastecer o comércio interno de gêneros alimentícios, principalmente do Rio de Janeiro e das Minas Gerais, o que fez São Paulo se tornar um importante polo comercial. Na segunda metade do século XVIII, com o interesse da coroa portuguesa em expandir a fronteira em direção ao Rio da Prata, São Paulo se tornou uma capitania autônoma, e com o início do esgotamento das zonas auríferas das Minas Gerais, foram implantadas medidas que favorecessem a produção agrícola e o crescimento populacional. De 1610, sua fundação, até o fenômeno do açúcar, a vila de Itu se manteve apenas na margem da economia de subsistência, sem exportar nem importar quase nada3. No entanto, a partir do começo do século XVIII, o fato dessa região ser um local de trânsito para as minas gerou importantes impactos na economia local, o que unido a seu clima, solo, contexto histórico-geográfico e incentivos governamentais - em especial os garantidos pelo governador ilustrado Luís António de Sousa Botelho Mourão, o 4º Morgado de Mateus acabou por tornar aquela região o principal polo da produção canavieira paulista. 2

Samara cita ter usado como suas fontes os maços de população de Itu: latas 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78 e 79 (1765-1835) – DAESP. 3 SAMARA, Eni de Mesquita. Lavoura Canavieira, Trabalho Livre e Cotidiano. Itu, 1780-1830. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. p. 68.

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Conhecida como Quadrilátero do Açúcar4, essa região formada por Sorocaba, Piracicaba, Mogi Guaçu e Jundiaí tinha Itu como o seu centro. A área tanto possuía tanta influência na produção açucareira de São Paulo que chegou a ser chamada por Suely R. Queyroz de “vanguarda da produção açucareira”5, com a produção representando mais de 1/3 do total fabricado na capitania. Deste modo, entre os períodos de 1773 e 1830, o açúcar comprovadamente constituiu a base econômica da região de Itu, e a partir dessa afirmação abrem-se as portas para diversas das análises que serão apresentadas adiante nesta pesquisa.

2. Questão historiográfica A fim de obter diferentes pontos de vista e consequentemente uma melhor compreensão do tema tratado, optou-se por utilizar como referência para esta pesquisa várias obras de autores diferentes. No entanto, foram encontradas graves dissidências entre os dados obtidos pela lista nominativa de Itu de 1773 a que esse estudo se refere e os dados oferecidos sobre a mesma lista por Eni de Mesquita Samara (veja a Tabela 1 na página 7). Sem dificuldades podemos encontrar divergências no que diz respeito a constituição demográfica da vila de Itu. Enquanto nos dados de Samara, em 1773 Itu possuía 255 fogos e 2211 habitantes, na lista nominativa estudada, Itu possuía 608 fogos e 5237 habitantes, ou seja, mais que o dobro de fogos e habitantes. A diferença de três mil e vinte e seis habitantes para os padrões atuais pode não parecer muito, mas para os parâmetros de uma vila paulista do século XVIII essa diferença pode fazer com que muitas pesquisas históricas concluídas fiquem quase completamente inutilizadas. Há nas listas também algumas diferenças estruturais cruciais. Nos dados de Samara, encontramos em 1773 seis bairros divididos em apenas uma companhia: Inhembi, Pirahy,

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PETRONE, Maria Thereza Schorer. A Lavoura Canavieira em São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968. p. 41. 5 QUEIROZ, Suely R. Algumas notas sobre a lavoura do açúcar em São Paulo no período colonial. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1966. p. 243.

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Tabela 1 – Comparação entre os dados da lista nominativa de 1773 disponibilizada pelo Prof. Bacellar e os dados disponibilizados por Samara

Bairros Sem identificação Intembi Apirebi Jundiaí Salto Boliri Atuaby Forguilha Piracicaba Total

1ª Companhia Lista fornecida Fogos Habitantes 107 913 42 664 0 0 43 284 4 34 35 272 46 291 26 154 17 450 320 3062

Sem identificação Apirebi de Cima Apetubu Taquaquentiba Pouso do Bispo Pirajubu Cajurú Pirapitingui Itaim Guassu Itaim Mirim Caiatinga Ponunduva Total Total Geral

2ª Companhia 16 206 29 249 29 198 42 259 11 73 14 101 20 181 20 145 26 217 28 155 26 185 27 206 288 2175 608 5237

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Lista de Samara Fogos Habitantes 107 829 19 273 22 375 43 281 4 34 35 269 25 150 0 0 0 0 255 2211 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 255

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2211

Jundiahy, Salto, Bahiry e Atuahi. Porém na lista fornecida, encontram-se 18 bairros divididos entre duas companhias6: Intembi, Apirebi, Jundiaí, Salto, Boliri, Atuaby, Forguilha, Piracicaba, Apirebi de Cima, Apetebu, Taquaquentiba, Pouso do Bispo, Pirajubu, Cajurú, Pirapitingui, Itaim Guassu, Itaim Mirim, Caiatinga e Ponunduva. A autora trata dos dados como se estivessem completos e não segue nenhum padrão nas apresentações dos bairros, tornando até mesmo descartável a hipótese de que ela estaria calculando apenas as regiões que fazem parte da Itu atual ou excluindo a vila de Porto Feliz, que seria desmembrada em 1797, pois Samara deixa de incluir na sua lista até mesmo Itaim Guaçu, bairro localizado atualmente na cidade de Itu e que aparece presente na lista de 1773 fornecida. Com divergências de dados tão exorbitantes é impossível afirmar que ambas as fontes possam estar corretas, portanto a explicação mais plausível encontrada é de fato um erro técnico por parte de uma ou ambas as fontes.

3. Crescimento demográfico Com a descoberta do ouro nas Minas Gerais no final do século XVII, houve um aumento generalizado brutal no número de habitantes da região sudeste do Brasil, e Itu não foi exceção. No entanto, é a partir do crescimento no número de engenhos e da produção de açúcar que a população ituana se destaca e começa a se tornar uma importante exportadora no cenário paulista, o que inevitavelmente traria consequências para sua economia e sua estrutura demográfica. Segundo as listas nominativas de Itu de 1773, 1801, 1825 e 1830, é possível observar que a expansão da lavoura canavieira trouxe consigo um representativo crescimento demográfico na região, como pode ser observado nos Gráficos 1 e 2 a seguir.

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Pode-se observar que Inhembi, Bahiry, Jundiahy, Salto e Atuahi aparecem em ambas as listas porém com grafias diferentes, provavelmente por interpretações diferentes entre os transcritores.

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Gráfico 1 – Relação entre a quantidade de fogos na vila de Itu em 1773, 1801, 1825 e 1830

Número de fogos na vila de Itu: 1773, 1801, 1825 e 1830 1200 1000 800 600

400 200 0 1773

1801

1825

1830

Nº de fogos

Gráfico 2 – Relação entre a quantidade de habitantes na vila de Itu em 1773, 1801, 1825 e 1830

Número de habitantes na vila de Itu: 1773, 1801, 1825 e 1830 10000 9000 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 1773

1801

1825

Nº de habitantes

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1830

Analisando os gráficos podemos observar que em 1773 Itu possuía uma população de 5237 habitantes distribuídos em 608 fogos, já em 1801 havia 1043 fogos e aproximadamente 9032 habitantes7, mostrando um grande salto demográfico em um curto período de tempo, período esse não coincidentemente inserido na época de ápice da economia açucareira ituana, podendo-se destacar a ocorrência da Rebelião Haitiana, que tirou do mercado grande parte de um dos maiores exportadores de açúcar para a Europa, o que influenciou no surto açucareiro paulista e consequentemente no crescimento econômico das vilas sujeitas a ele. Em 1825 o número de fogos caiu para 805 e o de habitantes para 7383. Essa ocorrência pode ser explicada por três fatores de maior importância: o empobrecimento do solo ituano, que começa a causar graves consequências econômicas a partir do século XIX, a nova técnica de fabricar açúcar a partir da beterraba, que começou a conquistar os mercados europeus em detrimento da importação do açúcar de cana8 e a instabilidade a que estavam sujeitos os produtores de açúcar paulistas, pois o plantio de cana-de-açúcar era muito dependente de climas propícios, o que nem sempre se realizava. Esses fatores poderiam ter influenciado na queda do número de habitantes, mesmo logo após a ocorrência de grandes conflitos como as Guerras Napoleônicas e as guerras de independência americanas, que na realidade ajudaram o açúcar brasileiro a prosperar. Ao analisar a lista de 1830, observa-se que apesar de ocorrer uma diminuição no número de habitantes em relação a 1801, fica evidente o crescimento demográfico que ocorreu após o crescimento da exportação açucareira. Possuindo 8329 habitantes divididos em 1032 fogos, a vila de Itu em 1830 apresentou um crescimento de 3092 habitantes em 57 anos, ou seja, um acréscimo de 59% (levando em conta os dados de Samara dá 276,7%). Segundo estimativas de autores como Giórgio Mortara9 e Souza e Silva,10 entre 1770 e 1830 a população do território atual do Brasil teria crescido 103%, o que poderia tornar o 7

Aproximado pela falta de informação na lista, foram contados alguns habitantes não identificados e deixaram de ser contados outros, arbitrariamente. 8 CANABRAVA, Alice Piffer. História Econômica: Estudos e Pesquisas. São Paulo: Editora UNESP, 2005. p. 148. 9 MORTARA, Giorgio. Estudos sobre a utilização do censo demográfico para a reconstrução das estatísticas do movimento da população do Brasil. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Estatística, 1941. p. 43. 10 SOUZA E SILVA, Joaquim Norberto de. Investigações sobre o recenseamento da população geral do império e de cada província de per si, tentados desde os tempos coloniaes até hoje. São Paulo: IPE/USP, 1986.

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crescimento de Itu não muito surpreendente se comparado com o território nacional. No entanto, é preciso considerar que esse grande crescimento demográfico “brasileiro” é devido em sua maior parte à imigração europeia e à importação de escravos africanos destinados ao trabalho nas Minas Gerais, e mesmo ainda à produção do açúcar no nordeste, então é válido afirmar que para uma vila no interior de São Paulo esse crescimento demográfico é realmente relevante. Esse salto pode ser explicado por diversos micro fatores como os já mencionados neste capitulo, entretanto, a grande maioria deles está relacionado a um macro fator que definitivamente moldou e influenciou a estrutura demográfica de Itu: o açúcar.

3.1.

Crescimento demográfico de escravos

Desde os primeiros momentos do cultivo da cana-de-açúcar nos territórios americanos de Portugal, ainda no século XVI, indígenas da terra e escravos importados do continente africano foram empregados como mão-de-obra, e na vila de Itu não poderia ser diferente. A produção de açúcar estava estreitamente ligada com o crescimento da população escrava, pois ao passo que o número de engenhos de açúcar da região aumentava, crescia também a busca de mão-de-obra por meio do apresamento de índios oferecido por bandeirantes, e quando esses já não eram mais suficientes, foi preciso investir em escravos africanos, que entre 1773 e 1830 foram levados em massa para os engenhos ituanos, gerando um acréscimo muito grande dessa população. (Ver Gráficos 3 e 4 na página 12). Na análise dos dados recolhidos, é possível observar que em 1773, quando o açúcar estava começando a se desenvolver na região da vila de Itu, a população cativa era de 1672, representando apenas 31,9% da população total. No entanto, em 1830, após o ápice do crescimento na produção açucareira de Itu, o número de habitantes escravos havia crescido para 4600 e agora representava a maioria da população, contando com 55,2% dela. Nos dados de Eni de Mesquita Samara11, apesar de com menor força, ainda é possível observar

11

SAMARA, Eni de Mesquita. Lavoura Canavieira, Trabalho Livre e Cotidiano. Itu, 1780-1830. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo, 2005. p. 101.

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um crescimento na proporção de cativos; segundo ela, da população total de Itu em 1773, 41% eram escravos, o que pode levar a uma conclusão parecida com a retirada dos dados fornecidos para esse trabalho: que o crescimento da população escrava em Itu teve no fenômeno do açúcar o seu maior ápice, passando até mesmo em 1830 a conter, em sua maioria, moradores cativos.

Gráficos 3 e 4 – Porcentagem de cativos em relação aos habitantes livres da vila de Itu em 1773 e 1830

Porcentagem de habitantes cativos em relação aos livres da vila de Itu em 1773

Porcentagem de habitantes cativos em relação aos livres da vila de Itu em 1830

68,1% 44,8% 55,2% 31,9%

Livres

4.

Cativos

Livres

Cativos

Proporções de habitantes por idade

As mudanças na estrutura das sociedades canavieiras não se restringem apenas ao crescimento demográfico; como podemos observar na Tabela 2, elas englobam também o importante campo das faixas etárias.

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Tabela 2 – Faixas etárias dos moradores da Vila de Itu em 1773 e 1830 e seu crescimento (sem contar os habitantes que não possuem idade identificada).

Relação entre as faixas etárias dos moradores da Vila de Itu em 1773 e 1830 Faixas 1773 1830 Crescimento Etárias Total Habitantes % Habitantes % 1178 23,9 1568 19,0 0-9 +33,1% 1036 21,0 2095 25,1 10-19 +101,9% 926 18,8 1712 20,7 20-29 +84,9% 593 12,0 1329 16,0 30-39 +124,1% 457 9,3 819 9,9 40-49 +79,2% 311 6,3 461 5,7 50-59 +48,2% 275 5,6 194 2,3 60-69 -29,4% 77 1,6 54 0,6 70-79 -29,9% 55 1,1 40 0,5 80-89 -27,3% 15 0,3 7 0,1 90+ -53,3% 4923* 99,9 8329 99,9 Total (*) Número de habitantes em 1773 que possuem a idade identificada. Segundo Stuart Schwartz12, nas plantações e engenhos de cana-de-açúcar da época colonial, a grande maioria dos trabalhadores ficava a cargo “da enxada”, que era considerada uma ocupação muito desgastante, que requeria força e saúde. Levando em conta isso e a análise dos escravos encontrados em inventários de senhores de engenho, Schwartz supõe que a faixa etária da maioria dos trabalhadores empregados com a produção do açúcar em geral seria entre catorze e quarenta e cinco anos, idade que provavelmente traria mais lucros para os senhores. Não coincidentemente, como pode ser observado no Gráfico 5 na página 14, as maiores taxas de crescimento populacional em Itu estão entre as faixas etárias de 10-49 anos, enquanto nas populações a partir de 60 anos, houve até mesmo um decréscimo populacional que vai contra a tendência geral do crescimento demográfico deste momento.

12

SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial 1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 136.

13

Gráfico 5 – Proporção da mudança no número de habitantes de cada faixa etária da

população da vila de Itu entre 1773 e 1830

Proporção da mudança no número de habitantes de cada faixa etária da população de Itu entre 1773 e 1830 140,00% 120,00% 100,00% 80,00% 60,00% 40,00% 20,00% 0,00% 0a9

10 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 80 a 89

90+

-20,00% -40,00% -60,00% -80,00% Mudança no nº de habitantes

Esses dados demonstram que a partir do “boom açucareiro”, a vila de Itu sofreu uma sólida mudança na sua estrutura etária, tornando-se mais “jovial”. As razões para isso podem ser variadas; pode ser que essa mudança tenha ocorrido por causa da demanda de trabalhadores jovens para a agricultura da cana, ou esse fenômeno pode ser compreendido como o caminho natural de uma sociedade em ascensão no final do século XVIII e começo do XIX; entretanto, o que é seguro afirmar é que, em ambos os casos, para Itu, essas mudanças foram impulsionadas pelo açúcar.

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5.

Ocupações dos habitantes

Além de todos os aspectos já mencionados que foram influenciados pela produção de açúcar, também podemos considerar a importância dessa economia nas ocupações dos habitantes da vila de Itu (ver Tabela 3 a seguir).

Tabela 3 – Ocupações dos habitantes da vila de Itu em 1825 e 1830

Ocupações dos habitantes da vila de Itu Ocupação Corpo militar Empregos civis, magistr. Clero Secular Clero Regular Agricultores Negociantes Artistas Jornaleiros Escravos Vadios, mendigos Não Informado Total

Habitantes No ano de 1825 No ano de 1830 165 116 26 6 0 19 4 4 502 467 72 72 0 47 90 157 3644 4600 43 91 2837 2822 7383 8329

Apesar da dificuldade de se obter uma análise precisa ao pesquisar sobre as ocupações dos habitantes de uma vila em listas nominativas, por muitas vezes possuírem dados subjetivos que dependem da arbitrariedade de cada recenseador, podemos traçar alguns paralelos que poderiam relacionar esses dados à produção açucareira. É possível observar através da Tabela 3, que Itu de 1825 e 1830, além de possuir um grande número de escravos (assunto já abordado em itens anteriores), possui também uma quantidade alta de agricultores; são tantos, que em 1825, deixando de contar os habitantes sem ocupação informada e os cativos, pessoas que viviam da agricultura representavam 55.6% da população livre, ou seja, a maioria dos habitantes livres. 15

Essa grande representatividade agricultora em Itu serve para mostrar como a vila girava em torno do agronegócio, e como na época as plantações mais comuns na região eram as de cana-de-açúcar, pode-se afirmar que uma grande parte dos habitantes vivia dessa economia ou em órbita a ela. Contudo, pode-se notar também evidências da existência de uma nítida camada de feição urbana, caracterizada pela diversidade de ocupações dos habitantes recenseados, tais como artistas, magistrados, negociantes e mendigos.

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Conclusão

Esta pesquisa, apesar de contar apenas com fontes bibliográficas e listas nominativas, consegue trazer algumas conclusões sólidas quanto a relação entre a produção do açúcar e a vila de Itu do final do século XVIII e começo do XIX. Podemos afirmar que a expansão do açúcar realmente afetou e modificou diversos aspectos da vida cotidiana dos habitantes da vila de Itu e trouxe consequências como: 

o crescimento demográfico brutal – entre 1773 e 1830 a população da vila de Itu cresceu 59%, o que é muito considerando sua localização histórica e geográfica;



a transformação de Itu em uma vila majoritariamente escrava – Itu possuía em 1773 apenas 31,9% da sua população cativa, o que em 1830 subiu para 55,2%;



o aumento na população entre 10-49 anos e diminuição da população com mais de 60 – a taxa de crescimento da faixa etária mais produtiva (e jovem) foi entre 79,2% e 124,1%, enquanto a taxa de crescimento da faixa etária mais velha (de 60 para cima) foi negativa, entre -29,4% e -53,3%;



a órbita das ocupações dos habitantes em torno do açúcar – em 1825 e 1830, além da maioria dos habitantes serem escravos, grande parte da população trabalhava com a agricultura do açúcar.

Além dessas afirmações, a pesquisa também proporcionou comparações entre as listas fornecidas pelo Prof. Carlos A. P. Bacellar e os dados fornecidos pela autora Eni de Mesquita Samara. Entretanto, ambas as fontes mostram um grande crescimento populacional a partir do aumento da produção açucareira e uma inversão entre a proporção de habitantes cativos e livres, portanto, esses conflitos revelam dados diferentes mas conclusões parecidas, e todas elas acabam levando para o protagonismo do açúcar na sociedade de Itu do começo do século XIX.

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Bibliografia

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