A legitimidade ativa das subseções da Ordem dos Advogados do Brasil para a propositura de ação civil pública

May 27, 2017 | Autor: V. Monte Custodio | Categoria: Direito Processual Civil, Direito Ambiental
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A legitimidade ativa das subseções da Ordem dos Advogados do Brasil para a propositura de ação civil pública The Order of Attorneys of Brazil’s subsections active legitimation to file a public civil suit Vinícius Monte Custódio1

RESUMO: O presente trabalho busca esclarecer se a legitimatio ad causam, ou capacidade de ser parte, da Ordem dos Advogados dos Brasil (OAB) para a propositura de ação civil pública estaria condicionada à pertinência temática, isto é, se a demanda objetiva garantir direito próprio da Ordem ou de seus associados; e, principalmente, se o ordenamento jurídico brasileiro confere legitimidade ativa às subseções da OAB para a propositura de ação civil pública.

PALAVRAS-CHAVE: Ação civil pública, Ordem dos Advogados do Brasil, Pertinência temática, Subseções, Legitimidade ativa.

ABSTRACT: This paper aims to clarify whether the legitimatio ad causam, or capacity to be a party, of the Order of Attorneys of Brazil (OAB) to file a public civil suit is conditioned to the theme relevance, i.e., if the legal proceeding purports to guarantee the right of the Order itself or that of its associates; and, chiefly, whether the Brazilian legal system grants active legitimation to the OAB’s subsections to file a public civil suit.

KEYWORDS: Public civil suit, Order of Attorneys of Brazil, Theme relevance, Subsections, Active legitimation.

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Advogado e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ – Subseção da Barra da Tijuca. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas com menção em Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

1. Introdução O processo de redemocratização do Brasil, que culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988), bem como a Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), trouxe profundas mudanças na ordem jurídica brasileira, em especial, para o que nos importa aqui, o papel institucional do advogado e da OAB. Por um lado, a Constituição Cidadã dispôs, em seu art. 133, que “[o] advogado é indispensável à administração da justiça” e, por outro lado, o Estatuto da Advocacia, que regulamenta esse dispositivo constitucional, corrobora essa função essencial à Justiça da advocacia, ao afirmar o caráter de serviço público e a finalidade da instituição em seu art. 44. Neste artigo analisaremos inicialmente os limites de atuação da OAB no controle concentrado de constitucionalidade, designadamente sua legitimidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Em seguida, verificaremos se a OAB é parte legítima para ingressar em juízo, via ação civil pública (ACP), para a defesa de quaisquer direitos coletivos em sentido amplo ou se somente pode demandar interesse próprio ou os dos advogados. Por último, avaliaremos se a legitimidade conferida pelo Estatuto da Advocacia ao Conselho Federal da OAB para ajuizamento de ACP é extensível aos conselhos seccionais e às subseções. Quanto a estas se determinará se sua legitimidade ativa tem relação direta de dependência com a personalidade jurídica ou não. 2. A legitimidade universal da OAB para propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade O Código de Processo Civil (CPC) brasileiro adota como condições da ação a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual (art. 267, inciso VI), acrescentando que “[p]ara propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade” (art. 3º). A legitimidade das partes (legitimatio ad causam) é, no dizer de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, a titularidade ativa ou passiva da ação dos sujeitos litigantes, respectivamente, que a lei entende como legítima. Assim, a legitimidade ativa corresponde a quem afirma uma pretensão e a legitimidade passiva cabe a quem se opõe ou resiste àquela pretensão.2 Nessa medida, a Lei Processual aduz que “[n]inguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” (art. 6º). Trata-se daquilo que a doutrina convencionou

distinguir

conceitualmente

como

legitimidade ordinária

e

legitimidade extraordinária, ou substituição processual: aquela se dá quando a pessoa que 2

Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 71.

pede a tutela jurisdicional é a própria titular do [suposto] direito subjetivo material; e esta se dá quando uma pessoa ingressa em juízo, não como mero representante ou assistente, mas em nome próprio, para pedir a tutela jurisdicional de (suposto) direito subjetivo material de terceiro.3 Antes de seguirmos adiante, convém-nos frisar que não se confundem capacidade de ser parte – objeto deste trabalho – e capacidade processual (legitimatio ad processum), que é a capacidade que toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem para estar em juízo, prevista no art. 7º do CPC. Essas duas noções tampouco se confundem com a de capacidade postulatória, que é a capacidade do profissional – em regra, o advogado – legalmente habilitado para postular em juízo (art. 36, caput, do CPC). Portanto, mesmo que tenha capacidade de ser parte e capacidade processual, a parte só pode postular em juízo mediante representação por advogado, ressalvadas as situações excetuadas expressamente na lei. Pois bem. A evolução da jurisdição coletiva em sentido amplo, operada por uma série de inovações e reformas na ordem jurídica brasileira, extravasou a dicotomia individualista do art. 6º do CPC para garantir a defesa efetiva de direitos difusos e coletivos. Essa tendência foi iniciada com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985), que introduziu um instrumento jurídico para acionar civilmente os responsáveis por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Em seguida, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que, entre outras inovações, conferiu legitimidade às entidades associativas para a representação judicial ou extrajudicial de seus filiados; criou o mandado de segurança coletivo; aumentou a legitimidade do Ministério Público na tutela de interesses coletivos lato sensu; e democratizou o controle abstrato de constitucionalidade, anteriormente com legitimação exclusiva do Procurador-Geral da República. E, finalmente, com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, 11 de setembro de 1990), que alargou o espectro de atuação da ACP a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, bem assim aos direitos individuais homogêneos.4 Por esse motivo, PACHECO FIORILLO, fazendo menção à doutrina alemã, explica que a figura da substituição processual, que é concorrente e disjuntiva, aplicável aos direitos

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CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 276. 4 Idem, ibidem.

individuais homogêneos, já não é adequada às relações jurídicas travadas no âmbito de interesses difusos ou coletivos, nomeadamente por via de ACP, pois aí se está perante uma legitimação autônoma para a condução do processo.5 Sempre no tema da legitimação, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) construiu duas outras categorias conceituais a partir da interpretação do art. 103 da CRFB/1988, quais sejam a legitimidade universal e a legitimidade especial. Aquela se aplica às entidades cuja finalidade institucional contempla a defesa permanente da Constituição, independentemente de pertinência temática; enquanto que esta se aplica àquelas entidades cuja finalidade institucional está restrita a sua esfera jurídica ou a de seus filiados, dependendo de pertinência temática.6 Precisamente porque a OAB, nos termos do art. 44, inciso I, de seu Estatuto tem como finalidade “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”, é que seu Conselho Federal, indicado no inciso VII do art. 103, faz parte do rol de legitimados universais para a proposição de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e ação declaratória de constitucionalidade (ADC). Nesse mesmo sentido, foi a posição do Plenário do STF quando do julgamento da ADI nº 3-9/DF7, senão vejamos: [...] em se tratando do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sua colocação no elenco que se encontra no mencionado artigo [art. 103 da CRFB/1988], e que a distingue das demais entidades de classe de âmbito nacional, deve ser interpretada como feita para lhe permitir, na defesa da ordem jurídica com o primado da Constituição Federal, a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra qualquer ato normativo que possa ser objeto dessa ação, independe do requisito da pertinência entre o seu conteúdo e o interesse dos advogados como tais de que a ordem é entidade de classe – grifos nossos.

De acordo com LUÍS ROBERTO BARROSO, a inserção da OAB em dispositivo autônomo daquele destinado às entidades de classe de âmbito nacional no controle concentrado de constitucionalidade pode ser explicada, em parte, pelo papel decisivo assumido pela Ordem no processo de redemocratização brasileiro. E essa interpretação histórica e sistemática da Constituição Federal de 1988 foi certamente fundamental para que a

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Curso de Direito Ambiental brasileiro, 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 433-434. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 141. 7 ADI nº 3-9/DF (Plenário). In: Diário da Justiça, 18 set. 1992. Rel. Min. Moreira Alves. 6

entidade representativa dos advogados não fosse submetida à restrição de pertinência temática.8 3. A legitimidade universal da OAB para propor ação civil pública Mesmo superada de longa data pela Suprema Corte a discussão sobre a legitimidade universal da OAB em matéria de ADI e ADC, a pertinência temática da Ordem na jurisdição coletiva voltou à tona quando da discussão da legitimidade para a propositura de ACP. No REsp nº 331.403/RJ9, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou que os conselhos federal e seccionais apenas gozam de legitimidade para ajuizar ACP “objetivando garantir direito próprio e de seus associados, e não de todos os munícipes”. O voto do relator, acompanhado por unanimidade, sustentou que a autorização que o art. 54, inciso XIV10, do Estatuto da Advocacia confere ao Conselho Federal, e por extensão aos conselhos seccionais, para o ajuizamento de ACP é limitada à defesa dos interesses diretos da instituição e os de seus membros. Para corroborar seu argumento, invocou o relator um precedente daquela Turma que, em sede de mandado de segurança coletivo, concedeu a ordem para afastar a decretação de carência da ação, por reconhecer a pertinência temática da OAB para impetrar o remédio em favor de seus associados. Ora, com a devida vênia, não se nos afigura adequada a remissão àquele julgado, pois é ínsito ao mandado de segurança coletivo (art. 5º, inciso LXX, da CRFB/1988) o requisito da pertinência temática para a defesa de direito líquido e certo, seja o impetrante partido político com representação no Congresso Nacional (alínea a)11, seja o impetrante organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses

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Op. cit., p. 142. REsp nº 331.403/RJ (2ª Turma). In: Diário da Justiça, 29 maio 2006. Rel. Min. João Otávio de

Noronha. 10

“Art. 54. Compete ao Conselho Federal: [...] XIV - ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei” – grifos nossos. 11 RE nº 196.184-8/AM (Plenário). In: Diário da Justiça, 18 fev. 2005, Rel. Min. Ellen Gracie. Esse entendimento – vencedor por apertada maioria, verdade seja dita – foi posteriormente abençoado pelo legislador com a entrada em vigor da Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009), já que o art. 21 daquele diploma legitima o partido político para impetrar mandado de segurança coletivo para a “defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária”. Em sentido contrário, na esteira do voto vencido da Min. Rel. Ellen Gracie naquele aresto, ALEXANDRE DE MORAES advoga que, se o Poder Constituinte não restringiu a legitimidade do partido político como o fez com a organização sindical, a entidade de classe e a associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, a legitimação do partido político é ampla, cf. Direito Constitucional, 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 159. Por consequência, para essa corrente, o art. 21 da Lei do Mandado de Segurança é inconstitucional.

de seus membros ou associados (alínea b).12 Contudo, na ação civil pública, a pertinência temática só é exigida das associações (art. 5º, inciso V, alínea b), da Lei nº 7.347/1985)13. Está bem de ver que a decisão do STJ destoa flagrantemente do entendimento esposado pelo STF, na ADI nº 3-9/DF, acerca da legitimidade universal da OAB no controle concentrado de constitucionalidade. Coincidentemente, três meses depois desse julgamento do STJ, o Plenário do STF reiterou, na ADI nº 3.026-4/DF14, que a OAB “não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional” e que “não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas”, “[já que] possui finalidade institucional”. 4. A legitimidade ativa dos conselhos seccionais da OAB para propor ação civil pública No final de 2013, porém, a mesma 2ª Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1.351.760/PE15, interposto pelo Conselho Seccional da OAB-PE contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) o qual negou legitimidade universal à OAB para propor ACP, sob o argumento que ela “não possui legitimidade ativa para ajuizar Ação Civil Pública de defesa do meio ambiente e patrimônio histórico/cultural, que não está inclusa em sua finalidade institucional de defesa da classe profissional dos advogados”, infirmou sua jurisprudência anterior. O relator Min. Humberto Martins, trazendo a fundamentação do voto vencido do desembargador federal na apelação recorrida, evidencia a incoerência do posicionamento do TRF-5 e, por extensão, do STJ no REsp nº 331.403/RJ pela legitimidade especial da OAB para ajuizar ACP, uma vez que o STF reconhece a legitimidade universal da Ordem para fins de ADI e ADC, matéria “muito mais relevante que a ação civil pública”. Além disso, acolhendo os argumentos da Seccional pernambucana, relacionando-se o art. 44, inciso I, com o art. 54, inciso XIV, ambos do Estatuto da Advocacia, fica manifesto que a função institucional da Ordem na jurisdição coletiva por via de ACP ultrapassa as questões classistas, pelo que a pertinência temática é prescindível. Outra questão enfrentada no escorreito voto do relator foi se a legitimidade ativa para a jurisdição coletiva prevista no art. 54, inciso XIV, do Estatuto era exclusiva ao Conselho 12

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 535-536. 13 “Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: [...] V - a associação que, concomitantemente:[...] b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.” 14 ADI nº 3.026-4/DF (Plenário). In: Diário da Justiça, 29 set. 2006. Rel. Min. Eros Grau. 15 REsp nº 1.351.760/PE (2ª Turma). In: Diário da Justiça Eletrônico, 09 dez. 2013. Rel. Min. Humberto Martins.

Federal ou se também se estendia aos conselhos seccionais. A conclusão diferente não haveria de chegar o relator, que corretamente entendeu serem legitimados os conselhos seccionais, por força do paralelismo de atribuições contido no art. 5916, para ajuizar ACP, desde que os temas sejam afetos a sua esfera local, ou seja, insertos em seus respectivos territórios (art. 45, § 2º). 5. A legitimidade ativa das subseções da OAB para propor ação civil pública Conforme vimos, no REsp nº 331.403/RJ17, a 2ª Turma do STJ declarou que a legitimidade da OAB para a propositura de ACP é especial, e não universal, matéria sobre a qual já discorremos acima. Aquele aresto reformou decisão unânime da 11ª Câmara Cível do TJRJ (AC nº 2000.001.04512)18 a qual reconhecera que “[a]s subseções da OAB têm legitimidade para defender a Constituição e as leis, preservando a ordem pública, tendo, ainda, capacidade para estar em Juízo (art. 54 da Lei 8.906/94).” O acórdão do STJ vincou ainda outros dois entendimentos, quais sejam: (I) que a ACP não é a via processual adequada para obstar a cobrança de tributos, arrimado no art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/198519; e (II) que as subseções da OAB carecem de legitimidade ativa para a propositura de ação coletiva. Quanto à idoneidade da via empregada, a questão não apresenta grandes dificuldades, pelo contrário, a letra da lei é sobejamente eloquente. De fato, o art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/1985 interdita a discussão de matéria tributária por meio de ACP, de modo que a Corte esteve bem ao dar provimento ao recurso especial. Nesse particular, em observância ao paralelismo de atribuições, a veiculação de pretensão envolvendo a taxa de iluminação pública instituída pelo Município de Rio das Ostras – RJ haveria de ser feita mediante representação de inconstitucionalidade do Conselho Seccional da OAB-RJ, e não da Subseção de Macaé, da lei municipal em face da Constituição Estadual (com base no art. 161, inciso IV, alínea a), da Constituição do Estado do Rio de Janeiro)20 ou, menos provavelmente,

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“Art. 59. A diretoria do Conselho Seccional tem composição idêntica e atribuições equivalentes às do Conselho Federal, na forma do regimento interno daquele.” 17 REsp nº 331.403/RJ (2ª Turma). In: Diário da Justiça, 29 maio 2006. Rel. Min. João Otávio de Noronha. 18 AC nº 2000.001.04512 (11ª Câmara Cível). In: Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 06 out. 2000. Rel. Des. José Bahadian. 19 “Art. 1º [...] Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados” – grifos nossos. 20 “Art. 161 - Compete ao Tribunal de Justiça: [...] IV - processar e julgar originariamente: a) a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, estadual ou municipal, em face da Constituição Estadual;”

por arguição de descumprimento de preceito fundamental do Conselho Federal da OAB da lei municipal em face da Constituição Federal (com base no art. 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 199921). Quanto às subseções da OAB carecerem de legitimidade ativa para a propositura de ação coletiva, o STJ reconheceu sua autonomia orgânica (art. 45, § 3º, do Estatuto da Advocacia), porém considerou-as partes ilegítimas para figurarem no polo ativo da demanda, uma vez que não têm personalidade jurídica. Antes de mais, é preciso desfazer a imprecisão conceitual existente no art. 45 do Estatuto que, ao mesmo tempo em que confere natureza jurídica de órgão ao Conselho Federal, aos Conselhos Seccionais e às Caixas de Assistência dos Advogados (incisos I, II e IV, respectivamente), atribui-lhes personalidade jurídica (§§ 1º, 2º e 4º, respectivamente). Ora, é sabido que “[o]s órgãos não passam de simples partições internas da pessoa cuja intimidade estrutural integram, isto é, não têm personalidade jurídica”22, desse modo é paradoxal que a lei considere-os órgãos dotados de personalidade jurídica própria. Duas soluções disjuntiva e juridicamente aceitáveis apresentam-se-nos capazes de contornar o problema: (I) aceitar que aquelas três figuras são, na realidade, pessoas jurídicas de direito público interno criadas por lei, conforme o art. 41, inciso V, do Código Civil (CC); ou (II) assumir que os três são órgãos, não com personalidade jurídica, mas com personalidade judiciária. De uma forma ou de outra, há de se reconhecer a infelicidade do legislador na redação do artigo. Em nossa visão, o Tribunal avaliou mal a questão da personalidade jurídica das Subseções, ou melhor, a ausência dela. O art. 45, § 3º, do Estatuto afirma que as Subseções são órgãos autônomos do Conselho Seccional e, embora não diga literalmente serem elas desprovidas de personalidade jurídica própria, consta de maneira explícita, nos parágrafos anteriores e no subsequente, o termo dotados de personalidade jurídica própria, o que nos permite inferir a intenção do legislador foi a de negar a personalidade jurídica das Subseções. Todavia, uma vez seja criado o Conselho da Subseção, entendemos que ele automaticamente adquire personalidade jurídica, nos mesmos moldes do Conselho Seccional, respeitados a área

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“Art. 1º A arguição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;” 22 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 140.

territorial e os limites de competência e autonomia, por força do disposto art. 61, parágrafo único, do Estatuto23. Nossa posição tem o endosso de PAULO LÔBO, senão vejamos: Uma das mais importantes inovações do Estatuto sobre a competência da OAB, especialmente do Conselho Federal, é a legitimidade para ajuizamento de ações coletivas, além da ação direta de inconstitucionalidade. São elas, essencialmente: ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações assemelhadas. Essas ações coletivas podem ser propostas não apenas pelo Conselho Federal, mas pelos Conselhos Seccionais (art. 57 do Estatuto) e Subseções quando contarem com Conselho próprio (art. 61, parágrafo único, do Estatuto).24

Mesmo que não exista Conselho da Subseção, pensamos que não fica descartada a legitimatio ad causam, pois a ausência de personalidade jurídica própria não afasta a personalidade judiciária da Subseção. Deveras, a regra é que a capacidade de ser parte esteja atrelada a existência de uma pessoa física ou jurídica.25 Nada obstante, o ordenamento jurídico excepcionalmente, e sempre de forma expressa, admite que conglomerados jurídicos desprovidos de personalidade jurídica em sentido material figurem no processo como pessoas formais. E é precisamente essa capacidade que tais conglomerados sem personalidade jurídica material têm de ser tratados como pessoas para fins processuais que se convencionou denominar de personalidade judiciária.26 VICTOR NUNES LEAL, em estudo pioneiro sobre o assunto, analisando um acórdão do TJRS sobre um mandado de segurança impetrado pela Câmara Municipal de Guaporé – RS para reprimir violação de direito subjetivo seu perpetrada pelo Prefeito daquela municipalidade, concluiu pela inexistência de estrita correspondência entre a personalidade judiciária e a personalidade jurídica, admitindo, no entanto, existir uma relação de complementação entre essas figuras jurídicas.27 Vários são os exemplos na lei que atestam esse caráter desvinculado entre as personalidades jurídica e judiciária. O art. 2º do CC estatui que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Daí se entende, por exemplo, que, mesmo sem personalidade jurídica, o nascituro tenha personalidade judiciária para receber doações, desde que aceita por seu representante (art. 542 do CC), e para ser curatelado (art. 1.779 do CC). 23

“Art. 61. Compete à Subseção, no âmbito de seu território: [...] Parágrafo único. Ao Conselho da Subseção, quando houver, compete exercer as funções e atribuições do Conselho Seccional, na forma do Regimento Interno deste, e ainda: [...]” 24 Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 290. 25 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 13. 26 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Personalidade judiciária de órgãos públicos. In: Revista da EMERJ, nº 19, 2002, p. 163. 27 Personalidade judiciária das Câmaras Municipais. In: Revista de Direito Administrativo, nº 15. Rio de Janeiro: FGV, 1948, p. 51.

Igualmente o art. 12 do CPC atribui personalidade judiciária, ativa e passiva, a entes despersonalizados, in verbis: Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: [...] III - a massa falida, pelo síndico; IV - a herança jacente ou vacante, por seu curador; V - o espólio, pelo inventariante; [...] VII - as sociedades sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração dos seus bens; [...] IX - o condomínio, pelo administrador ou pelo síndico.

Outro caso expressamente previsto na legislação brasileira de personalidade judiciária sem personalidade jurídica é a da defesa coletiva dos consumidores do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, senão vejamos: Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) I - o Ministério Público; [...] III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código – grifos nossos;

Considerando, conforme vimos, que a OAB é entidade sui generis, prestadora de serviço público, com finalidade institucional (art. 44 do Estatuto da Advocacia), e que compete à Subseção, nos limites de sua circunscrição, dar cumprimento efetivo às finalidades da OAB (art. 61, inciso I), é preciso que a Subseção esteja munida de instrumentos aptos ao cumprimento das funções que lhe foram confiadas. Entre estes instrumentos destaca-se a legitimidade ativa para a propositura de ações coletivas, em especial a ação civil pública para a defesa de direitos humanos [de 3ª geração], nomeadamente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CRFB/1988). Portanto, conclui-se que, independentemente da personalidade jurídica, é imperativo reconhecer a personalidade judiciária das Subseções da OAB para garantir a efetividade de sua missão institucional de proteção da sociedade brasileira. Essa necessidade é tanto mais imperiosa quanto menor for a expressão da Subseção, às vezes circunscrevendo municípios de interior, às vezes bairros periféricos, pois sem a prerrogativa de recorrerem autonomamente à jurisdição coletiva, ficam integralmente à mercê da representação do Conselho Seccional ou do Ministério Público. 6. Conclusão Com base numa interpretação histórica e lógico-sistemática da Constituição Federal de 1988, vimos que o art. 103 confere claramente legitimidade universal da OAB para, no

controle concentrado de constitucionalidade, ajuizar ADI e ADC. Essa posição conta, inclusive, com a chancela do STF (ADIs nos 3-9/DF e 3.026-4/DF), que reconheceu a Ordem é entidade de natureza jurídica sui generis, prestadora de serviço público e com finalidade institucional, distinta de todos os demais órgãos de fiscalização profissional. Demonstramos também que decorre imediatamente do reconhecimento da prescindibilidade de pertinência temática da OAB para ingressar em juízo em sede de controle abstrato de constitucionalidade a legitimidade universal da Ordem no âmbito da ACP, o que foi reconhecido pela 2ª Turma do STJ em dezembro de 2013 (REsp nº 1.351.760/PE). Desta feita, declarou-se que o Conselho Seccional da OAB-PE tem legitimidade ativa para propor ACP resultante do paralelismo de atribuições inscrito no art. 59 do Estatuto da Advocacia, desde que as questões invocadas sejam concernentes a sua respectiva esfera local. E, derradeiramente, rejeitamos as conclusões alcançadas pela 2ª Turma do STJ no REsp nº 331.403/RJ, pois entendemos que as subseções da OAB têm legitimidade ativa para o ajuizamento de ACP, tenham ou não personalidade jurídica. Por um lado, com fulcro no art. 61, parágrafo único, do Estatuto da Advocacia, é inequívoco que, uma vez criado o Conselho da Subseção, as subseções automaticamente adquirem personalidade jurídica própria, nos mesmos moldes do Conselho Seccional, respeitados a área territorial e os limites de competência e autonomia. Por outro lado, na ausência de Conselho da Subseção, acreditamos que, independentemente da personalidade jurídica, é imperativo reconhecer a personalidade judiciária das Subseções da OAB para garantir a efetividade de sua missão institucional de proteção da sociedade brasileira.

7. Referências BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. CARVALHO FILHO. José dos Santos. Personalidade judiciária de órgãos públicos. In: Revista da EMERJ, nº 19, 2002. ______. Manual de Direito Administrativo, 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro, 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. LEAL, Victor Nunes. Personalidade judiciária das Câmaras Municipais. In: Revista de Direito Administrativo, nº 15. Rio de Janeiro: FGV, 1948.

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