A Lei de Anistia e os mecanismos de superação de precedentes como instrumento para sua revisão (The Amnesty Law and the overruling mechanisms as an instrument to its review)

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Cf. LATINOBARÓMETRO. Santiago, 2013. O Latinobarômetro é uma ONG sem fins lucrativos que tem como objetivo pesquisar o desenvolvimento da democracia, da economia e da sociedade como um todo, através de estudos de opinião pública realizados em 18 países da América Latina. Disponível em: Acesso em 13.11.2015.
RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, Brasília. Capítulo 03: Contexto histórico das graves violações entre 1946 e 1988, p. 86. Brasília: COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Disponível em: . Acesso em: 13.11.2015

BRASIL. Constituição (1946). Art. 141, §13º: É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer Partido Político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm> Acesso em: 13.11.2015.
RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, op. cit., p. 90.

Cf. FERREIRA, Jorge. A legalidade traída: os dias sombrios de agosto e setembro de 1961. Rio de Janeiro: Revista Tempo, 1997, v. 2, nº 3, p. 15.
RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, op. cit., p. 97.
BRASIL. Ato Institucional nº 1, de 09 de abril de 1964. Disponível em: . Acesso em: 29.08.2015. (Grifei).

GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada, 4ª impressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.121.

Ibid., p. 134.

RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, op. cit., p. 98.

GASPARI, Elio, op. cit., p.135.

REIS, Daniel Aarão, Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p. 33.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil. Biblioteca da Presidência da República. Disponível em: Acesso em 31.08.2015.
SUGIMOTO, Luiz. Abertura 'lenta, gradual e segura' teve repressão 'ampla e irrestrita'. Campinas: Jornal da Unicamp, 2013, nº564, p. 5.

VICENTINO, Cláudio. História para o ensino médio: história geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2005, p. 533.
No ano seguinte, em 1980, a taxa superaria os 110%. Fonte: IGP/FGV.

BRASIL. Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979. Disponível em: Acesso em 01.09.2015.

Ibid.

Cf. PASSARINHO, Jarbas. Um híbrido fértil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1997, p. 482.
Cf. ANISTIA INTERNACIONAL, Brasil, 2013. Disponível em: . Acesso em: 30.11.2015.

Ibid., pp. 460-461.

RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, Brasília. . Volume II. A resistência da sociedade civil às graves violações de direitos humanos, p. 402. Brasília: COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Disponível em: . Acesso em: 13.11.2015.

Cf. FICO. Carlos. A negociação parlamentar da anistia e o chamado 'perdão aos torturadores'. Brasília: Revista Anistia. Política e Justiça de Transição, 2011, v. 4, pp. 318-333.
SOARES, Gláucio; ARAÚJO, Maria Celina; CASTRO, Celso. A volta aos quartéis. A memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995, p. 225-226.

Cf. GRECO, Heloísa Amélia. Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Belo Horizonte, 2003. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
In: Um relato para a história. BRASIL: NUNCA MAIS. 7ª edição. Ed. Vozes LTDA. Petrópolis. 1985.
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. ADPF nº 153, STF. Brasília, outubro de 2008. Disponível em: . Acesso em: 14.11.2015.p. 17.

RECONDO, Felipe. Ministério Público quer levar Lei de Anistia ao STF. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 jun. 2008. Disponível em:< http://www.fessergs.com.br/noticias.php?id=245>. Acesso em 14.11.2015. (Grifei.)

BRASIL. Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979. Disponível em: Acesso em 01.09.2015.

Ibid.
BICUDO, Hélio Pereira. Hélio Bicudo: "Luta contra tortura prossegue na OEA." Memórias Reveladas, 2009, Entrevista concedida a Ana Tavares Disponível em: Acesso em 14.11.2015. (Grifei).
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: Acesso em: 13.11.2015.

RAMOS, André de Carvalho, Crimes da ditadura militar: a ADPF 153 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, p. 102. In: Crimes da Ditadura Militar. Uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de Direitos Humanos. GOMES, L. F; MAZZUOLI, V. O. (Org.), São Paulo: Editora RT,2011.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário. ADPF nº 153. Arguente: CFOAB. Arguido: Presidente da República e Congresso Nacional, julgado em 29/04/2010, publicado em 06-08-2010, Brasília, 2010. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612960>. Acesso em: 20.10.2015. (Grifei).
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., p. 3, voto do Min. Eros Grau.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., pp. 2 e 13, voto da Min. Cármen Lúcia.

Ibid, p. 12.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., voto da Ministra Ellen Gracie.

BRASIL. Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979. Art. 1º, da Lei 6.683/79: "É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares." (Grifei). Disponível em: Acesso em 01.09.2015.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., voto do Ministro Cesar Peluso.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., p. 19, voto do Ministro Gilmar Mendes.

Ibid. (Grifei).
BRASIL. Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979, op. cit.: § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., p. 13, voto do Ministro Ricardo Lewandowski.

Ibid.
Ibid.

Ibid., p. 32.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., pp. 131-132, Debate.
BRASIL. Constituição (1988). XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm> Acesso em: 13.11.2015 

RAMOS, André de Carvalho, op. cit., p. 194.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 238.
FILHO, José Carlos Moreira da Silva. O julgamento da ADPF 153 pelo Supremo Tribunal Federal e a inacabada transição democrática brasileira. In: PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virginia Prado (coords.). Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Ed. Fórum, 2010.

Ibid.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., voto da Ministra Cármen Lúcia.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformada. 7 ed. rev.. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 71(Grifei).

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., voto do Ministro Eros Grau.
Trecho do depoimento supra.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., fl. 884, voto do Ministro Eros Grau.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Anistia juridicamente impossível. Jornal do Brasil, 10 out 2014. Disponível em:< http://www.jb.com.br/dalmo-dallari/noticias/2014/10/10/anistia-juridicamente-impossivel/> Acesso em: 18.10.15.

GRAU, Eros Roberto. Incoerência sobre a Lei da Anistia e a injustificável grosseria. Consultor Jurídico, 20 out 2014. Disponível em: Acesso em: 09.10.2015.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., p. 11, voto do Ministro Eros Grau.
ABRÃO, Paulo; TORELLY, M. D.; ALVARENGA, R. V.; BELLATO, S. A Justiça de Transição no Brasil: o papel da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição. Brasília: Ministério da Justiça, n.º 1, p.12-21, jan/jun, 2009.

Expressão, cunhada pelo Professor Peter Häberle, que, conforme explica Gilmar Mendes, significa que: "o círculo de intérpretes da Lei Fundamental deve ser alargado para abarcar não apenas as autoridades públicas e as partes formais nos processos de controle de constitucionalidade, mas todos os cidadãos e grupos sociais que, de uma forma ou de outra, vivenciam a realidade constitucional." O Ministro, embora renda homenagens a Peter Häberle, ignorou seu próprio raciocínio acerca das ideias de um Direito Constitucional Comum Iberoamericano, deixando de lado a jurisprudência da CIDH ao proferir seu voto na ADPF nº 153. In: MENDES, Gilmar. Homenagem à doutrina de Peter Häberle e sua influência no Brasil. Disponível em: Acesso em: 19.11.2015.
BARROSO, Luís Roberto, op. cit., pp. 74-75. (Grifei).

BRASIL. Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979, op. cit., §2º, do art. 1º.
PERTENCE, José Paulo Sepúlveda. Entrevista concedida à revista Carta Maior, 18 jan 2010. Disponível em:< http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/PNDH-3-e-fiel-a-Constituicao-diz-Sepulveda-Pertence/4/15254> Acesso em 30.10.2015.

FILHO, José Carlos Moreira da Silva, op. cit.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, op. cit., p. 21, voto do Ministro Eros Grau.
Ibid., p. 09.

MIRANDA, Jorge, Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra, Coimbra Ed., 1983, pp. 243-244. (Grifei)
BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 73.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 68.410, RDA, 202:224, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.

Procurador Regional da República na 3ª Região da Justiça Federal. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Integrante do Grupo sobre Justiça de Transição do Ministério Público Federal.

CONGRESSO JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NOS 25 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, 2013, UFMG, Belo Horizonte: Initia Via, 2014.
BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 68.

JUNIOR, Otávio Luiz Rodrigues. A fórmula de Radbruch e o risco do subjetivismo. Consultor Jurídico, 11 jul. 2012. Disponível em: Acesso em 30.10.2015.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, arts. 1º. a 120. – 9 ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora RT, 2010. Pp. 161/162.

BARROSO, Luís Roberto, op. cit., pp. 363-364.
RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, Brasília. Capítulo 14: A guerrilha do Araguaia, p. 682. Brasília: COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Disponível em: . Acesso em: 13.11.2015.

PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL. Guerra popular: caminho da luta armada no Brasil [1969]. São Paulo: Fundação Maurício Grabois, 5/1/2010. Arquivo CNV, 00092.000138/2015-11.

RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, op. cit., p. 685.
ARQUIVO CNV (Brasil), 00092.002564/2014-17. Brasília, 2014.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e Outros ("Guerrilha do Araguaia") vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010, p. 04. Disponível em: Acesso em: 15.11.2015.

Ibid., §§ 148 e 149. 148. Conforme já fora antecipado, este Tribunal pronunciou- se sobre a incompatibilidade das anistias com a Convenção Americana em casos de graves violações dos direitos humanos relativos ao Peru (BARRIOS ALTOS e LA CANTUTA) e Chile (ALMONACID ARELLANO e outros).
149. No Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do qual Brasil faz parte por decisão soberana, são reiterados os pronunciamentos sobre a incompatibilidade das leis de anistia com as obrigações convencionais dos Estados, quando se trata de graves violações dos direitos humanos. Além das mencionadas decisões deste Tribunal, a Comissão Interamericana concluiu, no presente caso e em outros relativos à Argentina, Chile, El Salvador, Haiti, Peru e Uruguai, sua contrariedade com o Direito Internacional. A Comissão também recordou que: se pronunciou em um número de casos-chave, nos quais teve a oportunidade de expressar seu ponto de vista e cristalizar sua doutrina em matéria de aplicação de leis de anistia, estabelecendo que essas leis violam diversas disposições, tanto da Declaração Americana como da Convenção. Essas decisões, coincidentes com o critério de outros órgãos internacionais de direitos humanos a respeito das anistias, declararam, de maneira uniforme, que tanto as leis de anistia como as medidas legislativas comparáveis, que impedem ou dão por concluída a investigação e o julgamento de agentes de [um] Estado, que possam ser responsáveis por sérias violações da Convenção ou da Declaração Americana, violam múltiplas disposições desses instrumentos.

Data do depósito da Declaração de aceitação da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos.

RAMOS, André de Carvalho, op. cit., p. 198.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, op. cit., §171.

RAMOS, André de Carvalho, op. cit., p. 203.
BRASIL. Constituição (1988), op. cit., XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

BRASIL. Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 18.11.2015.
BRASIL. Lei 12.528 de 18 de novembro de 2011. Disponível em: Acesso em: 15.11.2015.

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE (Brasil). Disponível em: http://www.cnv.gov.br/.
RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, Brasília. Capítulo 18: Conclusões e recomendações, p. 963. Brasília: COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Disponível em: . Acesso em: 15.11.2015.

Ibid., pp. 964-75.
RAMOS, André de Carvalho, op. cit., p. 209.

Ibid., p. 210.

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, op. cit.: 3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.
9. O Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257 da presente Sentença.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (Brasil). Parecer nº 4.433 PGR, de 28 de agosto de 2014, Brasília, DF, 28 de ago. 2014. Disponível em: < http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/ADPF%20000320.pdf/> Acesso em: 15.11.2015.
Desde a condenação do Brasil, o MPF ajuizou 9 ações penais e iniciou 187 investigações a respeito de delitos cometidos durante a ditadura militar. Cf. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, op. cit., p. 21.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário. ADPF 187/DF. Relator: Ministro CELSO DE MELLO. 15/6/2011, unânime. Diário da Justiça eletrônico 102, 28 maio 2014, p. 23 do acórdão. (Grifei.)

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Artigo 68 (01): Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes. Disponível em: Acesso em: 19.11.2015.

WEICHERT, Marlon Alberto. Proteção penal contra violações aos direitos humanos. In: MEYER, Emílio Peluso Neder; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Justiça de Transição nos 25 anos da Constituição brasileira. Belo Horizonte: Initia Via, 2014. p. 598-599.

BRASIL. Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio de 1992. Disponível em: Acesso em: 15.11.2015.

BRASIL. Decreto Legislativo nº 89, de 3 de dezembro de 1998. Disponível em: Acesso em: 15.11.2015.
ONU. Resolução nº 33/173, de 20 de dezembro de 1978. Assembleia Geral das Nações Unidas. Um dos primeiros registros internacionais desse nomen juris está na Resolução 33/173, sobre pessoas desaparecidas, um ano antes da edição da Lei de Anistia brasileira. Disponível em http://www.un.org/documents/ga/res/33/ares33r173.pdf . Acesso em: 18.11.2015.

BASSIOUNI, M.CHERIF. Crimes Against Humanity in International Criminal Law. Second Edition. Haia: Kluwer Law International, 1999. (Grifei).

BRASIL. Lei 9.982, de 3 de dezembro de 1999. Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. Disponível em: Acesso em: 15.11.2015.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, op. cit., pp. 93-94.

Conforme acompanhamento processual disponível no site do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: Acesso em: 10.11.2015.
Cf. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Composição Atual. A composição atual da Corte conta com os Ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin. Portanto, dos que participaram do julgamento da ADPF nº 153, mantiveram-se os Ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Marco Aurélio e Gilmar Mendes. O Ministro Dias Toffoli, embora já compusesse a Corte, não participou do julgamento. Disponível em: Acesso em: 15.11.2015.
BRASIL. Lei 9.982, de 3 de dezembro de 1999, op. cit.,: Art. 10, § 3º A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.

BRASIL. Constituição (1988), op. cit.: Art. 102, § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Cf. MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes. O desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.78.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 188-89
In: MELLO, Patrícia Perrone Campos, op. cit., prefácio.

BRASIL. Lei nº 13.105, 16 de março de 2015. Disponível em: Acesso em 15.11.2015.
Cf. MELLO, Patrícia Perrone Campos, op. cit., p. 236.

Ibid., p.237.
Ibid., p. 238.

Ibid., p. 238.
BOLETIM CIENTÍFICO n. 28 e n. 29 da Escola Superior do Ministério Público da União, jul./dez. 2008. O caso Bowers vs. Hardwich, julgado em 1986 pela Corte Distrital da Georgia, EUA, envolveu a prisão de Michael Hardwich, um garçom homossexual, flagrado por um policial praticando sexo oral em outro homem, no interior de sua própria residência. À época, a sodomia era definida como crime pelo Estado da Georgia. Hardwich, que não chegou a ser processado criminalmente pelo fato, questionou a constitucionalidade da lei que criminalizava a sodomia perante a justiça federal, tendo como requerido o Procurador-Geral do Estado, Michael J. Bowers. A corte distrital rejeitou os argumentos de Hardwich. Contudo, em uma decisão acirrada, a Corte Federal de Apelações da Sétima Região reformou a decisão, afirmando que a lei em questão violava o direito fundamental de Hardwick à privacidade. Finalmente, a Corte Suprema reconheceu que a abordagem original da questão jurídica suscitada estava equivocada, sendo certo que a decisão deveria ter como parâmetro o direito individual de decidir livremente sobre relacionamentos e condutas sexuais. Disponível em: Acesso em 15.11.2015.
CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Caso C.R. v. The United Kingdom. Decisão de 22.11.1995.

Ibid.

SUIAMA, Sergio Gardenghi. Problemas criminais da sentença da Corte IDH no caso GOMES LUND: respostas do direito comparado. Custos Legis – Revista Eletrônica do Ministério Público Federal. Ano 2012. Disponível em: Acesso em 11.11.2015.
CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Streletz, Kessler and Krenz v. Germany. Applications 34044/96, 35532/97 e 44801/98. Sentença de 22.03.01.

Ibid.

ZAFFARONI, Raúl Eugenio. Função do Direito Penal é limitar o poder punitivo. Consultor Jurídico, 5 jul. 2009, entrevista concedida a Marina Ito. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-jul-05/entrevista-eugenio-raul-zaffaroni-ministro-argentino Acesso em 12.11.2015
BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 237, de 2013. Autoria: Senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP). Ementa: Define crime conexo, para fins do disposto no art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/113220. Acesso em 12.11.2015.
SARMENTO, Daniel. Interpretação constitucional cosmopolita. Jota, 14 de abril de 2015. Disponível em: < http://jota.info/interpretacao-constitucional-cosmopolita> Acesso em: 11.11.2015
SANDEL. Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. 4ª edição, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, pp. 322-23.
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 525.

Cf. Grupo de Trabalho Justiça de Transição: atividades de persecução penal desenvolvidas pelo Ministério Público Federal – 2011-2013. Disponível em < http://bit.ly/mpf00014 > Acesso em: 11.11.2015.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
FACULDADE DE DIREITO




Renata Groetaers dos Santos







A Lei de Anistia e os mecanismos de superação de precedentes como instrumento para sua revisão










Rio de Janeiro
2015
Renata Groetaers dos Santos





A Lei de Anistia e os mecanismos de superação de precedentes como instrumento para sua revisão








Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.






Orientadora: Prof.ª Dra. Jane Reis Gonçalves Pereira





Rio de Janeiro
2015
Renata Groetaers dos Santos





A Lei de Anistia e os mecanismos de superação de precedentes como instrumento para sua revisão


Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.


Data de aprovação: ____/ ____/ _____

Banca Examinadora:

________________________________________________
Jane Reis Gonçalves Pereira – Presidente da Banca Examinadora
Prof.ª Dra. da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Orientadora

________________________________________________
Karine Cunha de Souza
Prof. Ms.

________________________________________________
Thiago Magalhães Pires
Prof. Ms.



AGRADECIMENTOS


Agradeço à Professora Jane, pelas primeiras e pelas últimas lições da graduação, através de sua orientação, sem a qual este trabalho não teria tomado o rumo desejado por mim. Obrigada por toda dedicação e atenção prestadas.
À minha mãe, por ser minha maior inspiração e pela paciência em ler cada um dos capítulos dessa monografia. Ao meu pai, que duvidava que um dia eu fosse aprender a ler, por ter me motivado a escrever sobre o tema durante mais uma de nossas discussões nos engarrafamentos da Ponte. À minha irmã, por ser também minha melhor amiga. Aos meus avós Pedrina e João, pelos piqueniques e por sempre confiarem em mim e na minha cabecinha, me transmitindo suas palavras de apoio. À minha avó Iara, por, mesmo não tendo a menor ideia do que seja uma monografia, ter me ajudado com seu alto astral inabalável e com o fornecimento mensal de pedidos em forma de gnocchi. A Chico, por estar ao meu lado, por ser insistente, por sua inesgotável disposição em me fazer feliz e por todo o carinho com que me trata. Amo vocês.
Aos meus amigos, por gostarem de mim com meus assuntos sérios, minhas manias, nervosismos e demais problemas. Obrigada por fazerem parte da minha vida e por tornarem ela mais alegre.
Aos colegas e membros do Ministério Público, em especial, aos da 5ª PIP, por terem me recebido tão bem, por confiarem no meu trabalho, pela paciência com minhas dúvidas excessivas e por terem me ensinado tanto em tão pouco tempo de convívio.
Este não foi um ano fácil, mas, afinal, cá estou agradecendo por tudo: por ter uma família e um namorado incríveis; pelo meu estágio; por meus aluninhos e por cada abraço que recebo deles; pelos novos amigos que fiz, pelos de infância que voltaram, e pelos de sempre. Todos me deram muita força neste ano; e, enfim, pela satisfação em me formar em Direito.
Despedi-me do Ensino Fundamental encenando uma peça sobre Ditadura Militar e hoje, com o mesmo pano de fundo, me despeço da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coincidência ou não, agradeço às duas instituições de ensino que mais me transformaram. À Aldeia Curumim por ter me proporcionado um conhecimento vivo e uma infância com direito a muitos machucados e roupas rasgadas, e por ter me dado amigos para a vida toda. À UERJ, também pelas amizades, jogos, por todos os ensinamentos dos últimos 5 anos - das lições em sala de aula, àquelas dadas por elevadores parados e banheiros imundos - e por ter colocado o amor no meu caminho.
A todos vocês, os meus mais sinceros agradecimentos. Saudações alvinegras.






O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.
Meu Brasil!...
Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarisses
No solo do Brasil...
Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...
Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...
Asas!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar.
O Bêbado e a Equilibrista (Aldir Blanc e João Bosco)
RESUMO


SANTOS, R. G. A Lei de Anistia e os mecanismos de superação de precedentes como instrumento para sua revisão, 2015. 87 f. Trabalho de conclusão de curso – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

Partindo do contexto histórico que levou o Brasil da ditadura à redemocratização, através da Lei de Anistia (Lei 6.683/79), o presente trabalho examina as implicações de longo alcance da transição brasileira sobre os direitos fundamentais, tendo como parâmetro o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADPF nº 153. Analisando de forma crítica os argumentos que levaram o Tribunal, em 2010, a decidir pela compatibilidade da L. 6.683/79 com a Constituição Federal de 1988, temos que a primeira oportunidade de rever a Lei de Anistia à luz das regras de um Estado de Direito fracassou. Em seguida, é exposto o cenário que se seguiu à formação do precedente do STF, indicando que os novos elementos surgidos apontam no sentido da revisão daquele entendimento. Na parte dedicada aos mecanismos de superação, são abordados os princípios e condições que podem levar de modo seguro, eficiente e isonômico ao abandono de um julgado. Por fim, são aplicadas essas condições e princípios ao caso da anistia, revelando-se, mais do que a possibilidade, a necessidade de superar a ADPF nº 153, como medida de justiça e garantia de não repetição das atrocidades praticadas pelo Estado contra sua população.

Palavras-chave: Lei de Anistia. Perdão. Justiça. ADPF nº 153. Precedentes. Mecanismos de superação. Parâmetros.







ABSTRACT


SANTOS, R. G. The Amnesty Law and the overruling mechanisms as an instrument to its review, 2015. 87 f. Trabalho de conclusão de curso – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

This paper examines the far-reaching implications for fundamental rights caused by the Brazilian transition from dictatorship to its return to democracy, through the Amnesty Act (Law 6.683/79), having as parameter the judgment of ADPF No. 153. Through a critical analysis of the reasons which led our Supreme Court in 2010 to decide that there was no incompatibility between the Amnesty Law and the Federal Constitution of 1988, it is demonstrated that the first opportunity to review the amnesty law under the principles of the Rule of Law was not successful. Next, it is sketched the scenario that followed the STF precedent, with an indication that the new emerging elements lead to the revision of the 2010 consolidated interpretation. In the section dedicated to the overruling mechanisms, are addressed the principles and conditions for the safe, efficient and isonomic abandoning of a judgment. Finally, these principles and conditions are applied to the Brazilian case, involving the STF decision about the Amnesty Law, showing that it is not only possible but necessary to overrule the ADPF No. 153 as a measure of justice, as a way of preventing the repetition of aberrant crimes committed by the State against its population.

Keywords: Amnesty Law. Forgiveness. Justice. ADPF nº 153. Precedents. Overruling mechanisms. Parameters.













LISTA DE SIGLAS


ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AI Ato Institucional
ALN Aliança Libertadora Nacional
Arena Aliança Renovadora Nacional
CBA Comitê Brasileiro de Anistia
CEJIL Centro pela Justiça e o Direito Internacional
CF Constituição Federal
CFOAB Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
CIA Central Intellingence Agency
CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos
CISA Centro de Informações de Segurança e Aeronáutica
CNV Comissão Nacional da Verdade
CODI Comando de Operações de Defesa Interna
Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil
DOI Destacamento de Operações e Informações
DOPS Departamento de Ordem Política e Social
EC Emenda Constitucional
Fls. Folhas
HC Habeas corpus
JK Juscelino Kubistchek
L. Lei
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MG Minas Gerais
Min. Ministro
MPF Ministério Público Federal

OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OBAN Operação Bandeirantes
OEA Organização dos Estados Americanos
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PC do B Partido Comunista do Brasil
PCB Partido Comunista Brasileiro
PGR Procuradoria/Procurador-Geral da República
PSOL Partido Socialismo e Liberdade
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
SNI Serviço Nacional de Informações
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TRF Tribunal Regional Federal
ULDP Unidade pela Liberdade e pelos Direitos do Povo
USP Universidade de São Paulo
v./vs. Versus









SUMÁRIO



INTRODUÇÃO 10
1. DA DITADURA À ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA 12
2. A PRIMEIRA PROPOSTA DE REVISÃO DA LEI 6.683/79 24
2.1 O julgamento da ADPF nº 153 27
3. O NOVO CENÁRIO 49
3.1 A condenação do Brasil perante a CIDH 49
3.2 A instauração e o relatório final da CNV 55
3.3 O ajuizamento da ADPF nº 320 58
3.4 A possibilidade de revisão à luz das inovações fáticas 64
4. OS MECANISMOS DE SUPERAÇÃO DE PRECEDENTES COMO INSTRUMENTO PARA A REVISÃO DA LEI DE ANISTIA 66
4.1 O papel dos precedentes na jurisdição constitucional e sua crescente relevância no Brasil 67
4.2 As condições e os princípios para a revisão de julgados 68
4.3 Os possíveis parâmetros para a superação do precedente firmado na ADPF nº 153: fundamentos para dar eficácia retroativa à revisão 69
4.4 Conclusões sobre a superação da ADPF nº 153 73
CONCLUSÃO 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 79
INTRODUÇÃO

Nos últimos cinco anos, o desafio da Justiça de Transição no Brasil sofreu uma reviravolta. Desde a decisão pela validade da Lei de Anistia proferida em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 153, o país inaugurou um novo capítulo em sua história democrática: fomos condenados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela não investigação e impunidade aos crimes da ditadura militar, praticados pelo Estado contra seus cidadãos, e conhecemos os detalhes mais sórdidos de nosso passado autoritário, revelados pela Comissão Nacional da Verdade. Assim, após um intervalo de mais de trinta anos, os impactos das graves violações a direitos humanos cometidas durante o regime militar ressurgiram, demonstrando que nosso processo de acerto de contas, no lugar de nos levar à pacificação, foi responsável pela reconstrução de uma democracia frágil e violenta.
Segundo dados do Latinobarômetro, em 2013, quando comemorávamos os 25 anos de nossa Constituição Cidadã, o Brasil era um dos países da região com menor índice de apoio percentual à democracia e, mais grave do que isso, o grau de apoio a um regime autoritário alcançava a marca de 19% de nossa população. Os números falam por si, revelando que a impunidade e o esquecimento que marcaram nossa transição constituem um obstáculo à sustentação de nossa democracia. Especialmente quanto ao monopólio da força pelo Estado, a realidade brasileira de uso do aparato estatal contra civis demonstra que o desprezo aos direitos fundamentais ainda é institucionalizado em nosso país.
Nesse contexto, a revisão da Lei 6.683/79, ao permitir a investigação, a persecução e o julgamento dos agentes estatais responsáveis por crimes de lesa-humanidade durante a ditadura, desempenharia a função de garantia de não repetição dessas práticas, mostrando-se, portanto, como valioso instrumento para a ruptura com esse passado e para a construção de um novo espaço político. É sobre a viabilidade de tal medida que versará este trabalho.
No primeiro capítulo, será analisado o contexto histórico que levou o país da ditadura à anistia ampla, geral e irrestrita. Partindo dos anos que precederam o golpe militar de 1964, a análise dos anos de chumbo se encerrará nas grandes mobilizações sociais pela anistia, demonstrando que o Projeto de Lei aprovado ignorou a comoção que envolveu o país inteiro, sendo mais uma outorga dos militares, preocupados em garantir seu retorno impune aos quartéis.
O segundo capítulo versará sobre o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADPF nº 153, demanda que representou a primeira proposta de revisão da Lei 6.683/79. Serão examinados os argumentos trazidos pelos Ministros, que concluíram, por maioria, pela improcedência total do pedido arguido.
Já no terceiro capítulo, veremos o novo cenário que se seguiu ao julgamento da ADPF nº 153, desde a condenação do país perante a CIDH, passando pela instauração da CNV e suas conclusões, até o ajuizamento da ADPF nº 320, que visa a dar cumprimento à condenação internacional sofrida pelo Brasil. À luz dessas inovações, veremos se há lastro para a revisão da Lei.
Finalmente, no quarto capítulo, serão apreciados os mecanismos de superação de precedentes como instrumento para a revisão da Lei de Anistia, tendo em vista o entendimento firmado na ADPF nº 153, pela validade e compatibilidade da lei com o sistema constitucional vigente. Desse modo, o presente estudo terá a finalidade de analisar e expor com base em doutrina, jurisprudência e documentos históricos, como os standards especiais para superação de julgados podem contribuir para operacionalizar essa revisão de modo seguro, eficiente e isonômico.


1. DA DITADURA À ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA

Instaurado em 1964, o Regime Militar estendeu-se por um longo período de 21 anos, que, apesar da duração, foi marcado por um discurso de ênfase no caráter provisório da medida. Tratava-se de uma estratégia previamente traçada e bem definida de manutenção e controle do poder político pelos militares.
Para compreender os caminhos que levaram o Brasil da ditadura à anistia ampla, geral e irrestrita, será preciso realizar uma breve digressão histórica, iniciando-se pelo período democrático que antecedeu à outorga do Ato Institucional nº 1 (AI-1), em 09 de abril de 1964.
De 1946 a 1964, o país viveu um breve período democrático após o Estado Novo de Vargas. Embora tenha sido um momento de florescimento de uma nova ordem socioeconômica e política, a democracia nacional mostrava-se instável e frágil, tendo sido também este o período de formação das bases estruturantes da Ditadura Militar.
Fortemente influenciada pelas ideias vindas dos Estados Unidos, a polícia brasileira era marcada por sua força política deturpada pela crença de que os que detêm o poder tudo podem e por práticas violentas que absorveram o pior de nossa tradição escravocrata e das lições de agentes da repressão estrangeiros, especialmente da Central Intellingence Agency [Agência Central de Inteligência] (CIA) .
Além disso, a retomada do pluripartidarismo, anteriormente previsto na Constituição de 1891 e extinto pelo Estado Novo, mostrava-se limitada, pois a Carta de 46 conferia legitimidade somente àqueles partidos que não contrariassem o regime democrático, abrindo espaço a interpretações distorcidas e tendenciosas.
Nessa linha, já em 1947, após obter expressiva votação nas eleições do ano anterior, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que apenas começava a fixar suas bases no país, foi posto na ilegalidade pelo Tribunal Superior Eleitoral, por três votos contra dois. E mesmo antes desta medida, no próprio ano de 1946, o governo já havia demitido todos os funcionários públicos membros do Partido Comunista.
Portanto, o estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos no pós-Guerra Fria, mostrava-se inserido num contexto a um só tempo de avanços liberais da Constituição de 1946, porém de continuísmo da repressão e conservadorismo da Era Vargas, refletindo em território nacional a tensão ideológica global entre o Ocidente e o Leste Comunista.
Durante o segundo governo Vargas, de 1950 a 1954, a crescente politização das Forças Armadas e sua influência sobre o Executivo se fizeram notar principalmente nas duras investidas contra o então Ministro do Trabalho, João Goulart. Acusado pela oposição de ser um "demagogo sindicalista", "admirador do justicialismo peronista", Jango serviu como alvo para um ataque indireto ao Presidente Getúlio Vargas.
A partir daí, um sistemático questionamento do regime e de sua legitimidade se seguiria, tendo como consequência última o suicídio de Getúlio Vargas. Conforme diagnosticado pela Comissão Nacional da Verdade, a existência de um grupo permanente dentro das Forças Armadas reivindicando para si a legitimidade de intervir no poder e na vida pública tornar-se-ia uma constante na política brasileira:
Começa a construir-se, na articulação das Forças Armadas com setores conservadores do país, a narrativa que buscará legitimar, na década seguinte, o golpe de Estado de 1964. Essa articulação estaria também presente nas tentativas de impedir as posses dos presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart.

Em 1956, ao assumir a presidência, JK enfrentaria uma rebelião deflagrada por oficiais da Aeronáutica que reclamavam sua deposição. Porém, mesmo em meio à instabilidade política, Juscelino seria o segundo Presidente a conseguir completar seu mandato no regime liberal populista.
Finalmente, foi com a eleição de Jânio Quadros para Presidente da República e de João Goulart para vice, em 1960, que ocorreu o chamado Ensaio Geral para 1964. Na época era possível a eleição para presidente e vice de chapas diversas, o que levou a tal resultado.
Com apenas um ano de mandato, em 1961, Jânio Quadros anunciou sua renúncia durante visita oficial do vice-Presidente à China. Jango, que já sofrera forte oposição no segundo governo Vargas, seria agora vítima de uma intensa campanha contra sua posse. No Rio de Janeiro, o único jornal a circular era a Tribuna da Imprensa, de propriedade do governador Carlos Lacerda, partidário do golpe. Porém, ainda que sob censura de boa parte dos meios de imprensa, a Campanha da Legalidade, em defesa da posse de Jango, foi vitoriosa e o golpe, adiado.
O governo Jango testemunhou uma grande efervescência política. O Brasil passava por um período de estagnação econômica e as greves tornaram-se cada vez mais frequentes. No campo, a luta pela Reforma Agrária também se intensificava. E, na América Latina, Cuba acabava de inaugurar seu governo socialista, rompendo suas relações diplomáticas com os EUA. Toda mobilização das massas em busca de direitos era mal vista pelos militares, que enxergavam nas classes rurais e trabalhistas ameaças comunistas.
O mês de março de 1964 concentrou os principais acontecimentos que levariam ao golpe no mês seguinte. No dia 13, na estação Central do Brasil, diante de 150 mil pessoas, o Presidente Goulart anunciou impactantes reformas de base, como a encampação de refinarias privadas de petróleo e a realização de desapropriações por interesse social.
Em resposta, a cidade de São Paulo recebeu a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, contando com mais de 500 mil pessoas em apoio ao movimento golpista. Mas foi a Revolta dos Marinheiros, no Rio de Janeiro, no dia 25, que acabou servindo como causa imediata para o golpe. Na ocasião, marinheiros e fuzileiros navais que haviam contrariado ordens do Ministro da Marinha, foram anistiados por Jango, tendo o ato do Presidente aumentado as tensões entre o Executivo e os setores militares.
A hierarquia militar e a disciplina nas Forças Armadas estavam em jogo, e o episódio levou o Presidente a comparecer a uma reunião no Automóvel Clube do Brasil, com a presença de 3 mil sargentos, para pedir o apoio das Forças Armadas para implementação das reformas anunciadas na Central do Brasil.
No dia seguinte, 31 de março de 1964, Jango reconheceu o fim de seu governo. O comandante da 4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora - MG, iniciou a movimentação de suas tropas em direção ao Rio de Janeiro, destituindo João Goulart do cargo de Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Poucas horas após a tomada do poder pelos governistas, o Presidente norte-americano, Lyndon Johnson, reconheceu o novo governo brasileiro. Era o colapso do populismo brasileiro, que já não mais se mostrava capaz de compatibilizar os interesses das massas e da burguesia nacional.
A ascensão militar ao poder tinha como principal fim realizar uma higienização política segundo os parâmetros das Forças Armadas, conforme pode ser extraído do preâmbulo do Ato Institucional nº 1, que formalizou a inauguração do novo regime:
Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do País. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institucional.

Sob a forma de norma jurídica, o AI-1 legitimou o "expurgo político, militar e administrativo" almejado pelos militares, promovendo sensíveis alterações na Constituição de 1946. Nos primeiros dias que se seguiram ao golpe, prenderam-se em torno de 5 mil pessoas, segundo a embaixada norte-americana e a ocorrência de torturas e brutalidades, especialmente no Nordeste brasileiro, tornou-se comum.
No dia seguinte ao golpe foi divulgada a primeira lista de cassados, contendo 102 nomes e atingindo em cheio o PTB, que teve 19 de seus 40 deputados punidos com a perda de seus mandatos. "Sete em cada dez confederações de trabalhadores e sindicatos tiveram suas diretorias depostas."
Assim, foi logo em seu início que o regime consolidou duas de suas práticas que se seguiriam ao longo dos 21 anos de governos militares: a tutela sobre a classe política e o controle policial e judicial dos movimentos sociais. A elite civil aderiu ao discurso militar pelo medo, entrando na luta contras os inimigos que poderiam levar o país ao colapso: a subversão, o comunismo, a corrupção e o populismo. Nas palavras do historiador Daniel Aarão Reis, o medo era o cimento que unia a todos.
O primeiro presidente militar seria eleito no dia seguinte à publicação da lista de cassados no Congresso Nacional, que, mutilado, se reuniria para a escolha de Humberto Castelo Branco como novo chefe do governo brasileiro. Marcado por medidas econômicas impopulares, de arrocho salarial, o governo Castelo Branco fez crescer a incompatibilidade entre o poder estabelecido e a legislação constitucional de 1946, ainda mantida formalmente pelo AI-1.
O descontentamento com o modelo militar tornou-se evidente em outubro de 1965, quando a oposição, mesmo desestabilizada, foi vitoriosa em dois importantes estados, Minas Gerais e Guanabara. A resposta das Forças Armadas veio no mesmo mês: em 27 de outubro, foi promulgado o Ato Institucional nº 2, o qual determinou a dissolução de todos os partidos políticos e estabeleceu eleições indiretas para presidente da República e governadores. Já no final de novembro, foi institucionalizado pelo regime o bipartidarismo, com a reorganização partidária. A partir daí, o país estaria dividido em Aliança Renovadora Nacional (Arena) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
O terceiro e último ato institucional assinado por Castello Branco, o AI-4, de 7 de dezembro de 1966, seria o responsável pela revogação definitiva da Constituição de 1946. O ato convocava o Congresso para votação e promulgação do projeto de Constituição apresentado pela Presidência da República. Tratava-se da reunião de todos os atos institucionais e atos complementares editados com base no AI-2, dando ao Executivo, na figura do Presidente, amplos poderes de edição de normas, dispensadas a deliberação do Congresso e a apreciação do Judiciário.
Sob a égide da nova Constituição, Artur Costa e Silva foi eleito indiretamente pelo Congresso em 15 de março de 1967. O marechal seria responsável pela decretação do Ato Institucional nº 05 e daria início ao período conhecido com "a ditadura total", de 1968 a 1977.
Dentre algumas de suas previsões, o Ato Institucional nº 05 autorizava o Presidente a promover cassações políticas ilimitadamente, suspendia garantias constitucionais e legais como a vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade e o habeas corpus. Finalmente, estabelecia que qualquer ação do Presidente não seria passível de recurso. Diante dessas disposições, o AI-5 foi considerado o segundo ato fundador do regime: nunca na história brasileira tanto poder discricionário ficou concentrado nas mãos de um chefe de Estado.
O governo Costa e Silva encerrou-se abruptamente em razão de um acidente vascular cerebral sofrido pelo marechal em 1967, e foi sucedido pelo governo Médici, no qual o regime militar atingiu sua forma plena. O sistema repressor aperfeiçoou-se exercendo vigilância permanente sobre as principais instituições da sociedade civil: sindicatos, organizações profissionais, igrejas e partidos. A burocracia da censura ganhou força e ao mesmo tempo as práticas de tortura e o assassinato também se intensificaram. Médici governou o país sob grande violência de 1969 a 1974.
Em meio à crescente repressão, crescia também o movimento da luta armada urbana, tendo como episódio marcante o assassinato de Carlos Marighella. Numa emboscada comandada pelo delegado Sergio Fleury, o líder da Aliança Libertadora Nacional (ALN) foi fuzilado em São Paulo na mesma noite em que um grupo de frades dominicanos, que dava apoio à ALN, havia sido retirado do Convento das Perdizes pela Operação Batina Branca, também sob o comando de Fleury. Dias depois foi a vez de Frei Betto, também dominicano, ser preso pelo regime.
Em1969, a política de controle passou a contar com o Destacamento de Operações e Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI). Outra medida tomada com o objetivo de coordenar os diversos órgãos de informação do governo foi a institucionalização da Operação Bandeirantes (OBAN), à qual ficavam subordinados os oficiais daqueles órgãos e policiais militares. O controle da informação era crucial para a neutralização das guerrilhas urbanas. A mensagem oficial pronunciada pelo Presidente Médici nas cadeias nacionais de rádio durante a comemoração do sexto aniversário da "Revolução", bem traduzia o ânimo do governo: "Haverá repressão, sim. E dura e implacável. Mas apenas contra o crime e só contra os criminosos."
Em junho de 1970, mais um caso chocaria a sociedade brasileira: Stuart Edgard Angel Jones foi preso e levado para o Centro de Informações de Segurança e Aeronáutica (CISA), onde foi torturado e morto. Em setembro, com a execução de Carlos Lamarca numa operação que mobilizou mais de duzentos homens das Forças Armadas, a maior parte dos líderes das categorias de luta armada estava presa, morta ou exilada. Em 1972, o exército desencadearia as operações contra a guerrilha do Araguaia e, três anos depois, todos os guerrilheiros estariam mortos ou presos, após a maior operação militar organizada pelo exército brasileiro desde a Segunda Guerra Mundial.
Paralelamente, o Brasil vivia o chamado "milagre econômico". Resultado do maciço ingresso de capital estrangeiro, o "milagre" foi estimulado pela estabilidade política do governo militar, obtido graças a seu empenho no combate ao comunismo, especialmente apreciado pelos Estados Unidos. Enquanto a classe média atingia níveis de consumo cada vez mais elevados, lutas por melhores salários das classes trabalhadoras eram massacradas pelo governo. Essa foi também a época das obras faraônicas, como a ponte Rio-Niterói, a Transamazônica e a hidrelétrica de Itaipu.
O sistema vinha adquirindo a capacidade de reproduzir-se e renovar-se, mantendo certa continuidade e estabilidade, sobretudo, com lastro nos poderes previstos no AI-5. Esta seria a tendência do governo de Ernesto Geisel, sucessor de Médici: com um discurso liberalizante, Geisel manteria em curso a forte repressão e as graves violações a direitos humanos do regime, porém, sob a retórica da abertura política, "lenta, gradual e segura".
Era o começo do fim do ciclo militar, composto pela tríade golpe – "limpeza" – retorno aos quartéis. O milagre não se sustentaria, e mesmo os setores beneficiados pela ditadura reclamavam a abertura. Porém, somente no ano da posse de Geisel, em 1974, seriam registrados 54 desaparecimentos políticos, o maior número de todo regime. A linha dura da alta oficialidade não aceitaria de bom grado o desmantelamento do aparato repressivo estatal.
Em outubro de 75, o caso Vladmir Herzog colocaria em evidência a crueldade das práticas militares: o chefe de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, fora encontrado morto por enforcamento em uma das celas do DOI-CODI, após ser chamado para prestar depoimento. A ampla divulgação das imagens de Herzog revoltou a população, levando os estudantes e professores da Universidade de São Paulo a realizarem uma greve de 3 dias. Houve ainda grande comoção popular em seu serviço fúnebre ecumênico, conduzido pelo cardeal de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns.
O episódio talvez passasse despercebido alguns anos antes, mas o fim da censura à imprensa em 1975 e a combativa atuação da Igreja Católica na denúncia das violações praticadas pelo governo, somados à própria resistência pessoal de Geisel à manutenção da tortura pelo exército, levariam a um duplo confronto: da sociedade civil contra o governo e do Presidente contra a linha dura.
Ainda no governo Geisel, foi lançado o "pacote de abril", um conjunto de medidas aglutinadoras sob o título de Emenda Constitucional nº 11, que trazia dentre outras, uma importante mudança: a abolição do AI-5.
A partir de outubro de 1977, parecia claro que a abertura era irreversível. Em 31 de dezembro do mesmo ano, Ernesto Geisel comunicou formalmente ao general João Baptista de Oliveira Figueiredo que ele seria seu candidato à sucessão presidencial. Apoiado pela Arena, Figueiredo venceu as eleições disputadas contra o candidato do MDB, Euler Bentes Monteiro, e assumiu o poder em março de 1979.
Em 1979, Figueiredo recebeu o poder para cumprir um mandato de seis anos. No cenário mundial, a segunda crise do petróleo afetava ainda mais a economia nacional, que se apresentava num quadro desfavorável e com perspectivas de rápido agravamento. Assim, o Brasil entrava na década de 80 vivendo o que ficou conhecido como estagflação, isto é, estagnação econômica combinada com altíssimos níveis de inflação, tendo a insatisfação popular sido manifestada na onda de greves de 79 e 80. Segundo dados do Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas, a taxa anual de inflação chegou a 77,2% em 1979, número que só cresceria até os anos 90.
Foi nesse contexto que, em 28 de agosto de 1979, Figueiredo sancionou a Lei 6.683, conhecida como Lei da Anistia que, nos termos de seu artigo 1º concedia anistia a:
todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

No entanto, o parágrafo 2º do referido artigo, excetuava do perdão aqueles considerados culpados por atos terroristas e luta armada contra o governo, nos seguintes termos: "Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal." Portanto, a lei estabelecia um tratamento flagrantemente anti-isonômico, pois muito embora anistiasse todos os militares que haviam cometido violências durante o período, excluía do benefício os crimes tipicamente cometidos por civis opositores do regime.
Nesse ponto, um novo desvio no curso histórico deve ser feito para melhor compreender a campanha pela anistia e seu desfecho.
Conforme visto, a partir de meados da década de 1970, teve início o movimento de combate à ditadura. Porém, no lugar de um rompimento abrupto, a iniciativa popular levou a uma ruptura nos moldes planejados pelos militares, lenta e processual. Portanto, foi no governo Geisel que surgiu o plano da abertura política "lenta, gradual e segura", com o objetivo claro de afiançar algumas garantias básicas ao regime.
Segundo o senador Jarbas Passarinho, o ritmo da marcha pela abertura teria sido "planejado como se fosse uma operação de estado-maior", que deveria "prosseguir com a anistia e a reformulação partidária." O senador identifica na sistemática do governo brasileiro grandes semelhanças em relação à experiência de abertura espanhola, que garantiu uma transição de longa duração e sem punições aos agentes franquistas: em 1975 a Espanha promulgou sua Lei de Anistia, extinguindo a punição tanto de agentes estatais quanto de civis, passados três anos, em 1978, promulgou sua Constituição democrática, sendo o país cobrado até hoje pela impunidade aos agentes da ditadura franquista. Nesse mesmo sentindo, José Sarney afirmou que havia uma preocupação de que a "alternância fosse feita sem traumas para o regime militar, guarnecendo-o."
Assim, não se pode perder de vista que, em meio aos manifestos populares, a pressão da "linha dura" também exerceria forte influência no processo de transição. De modo que, na ótica do historiador Carlos Fico, a opção por uma abertura cautelosa estava relacionada, dentre outras circunstâncias, à dificuldade de desmonte das comunidades de segurança e informações. Os militares passariam a exercer forte oposição à abertura, com ameaças de "revanchismo", tornando a garantia de sua impunidade pelos atos cometidos item de especial relevância para a efetivação da abertura política.
As críticas contra o regime iniciaram-se no governo de Emílio Garrastazu Médici: entre 1972 e 1973, o Serviço Nacional de Informações (SNI) recebeu cerca de 2.800 cartas da Anistia Internacional, vindas da Europa e escritas por cidadãos europeus sensibilizados com as denúncias da violência institucionalizada no Brasil. Também em 1972, a Anistia Internacional publicou o relatório Report in Allegation of Torture in Brazil, o segundo realizado nesses moldes pela organização. O principal objetivo do documento era o de demonstrar que a tortura, desde o início da série de governos militares pela qual passava o país, era uma prática institucionalizada, e não um excesso isolado, cometido por alguns dos agentes públicos. Inspirados pela repercussão internacional, os movimentos pró-anistia começaram, então, a ganhar força em solo nacional. Além disso, o ganho de dimensão internacional das práticas das Forças Armadas no Cone Sul, fez com que o apoio norte-americano às ditaduras da região sucumbisse ante a Doutrina Carter, de proteção dos direitos humanos, fragilizando ainda mais a manutenção dos regimes.
Diante de um cenário desfavorável, o governo brasileiro passou a lançar mão dos "desaparecimentos forçados" com muito mais frequência. Esta seria a técnica encontrada pelo regime para manter uma fachada moderada, buscando legitimidade e respaldo da comunidade internacional em meio às denúncias envolvendo o aparato militar.
Especula-se que desde a morte do estudante Chael Charles Schereir, a prática do desaparecimento vinha sendo sistematicamente usada pelos militares. O caso ocorreu em novembro de 1969: preso dentro de casa, o estudante foi levado ao Quartel de Polícia do Exército, na Vila Militar, vindo a morrer três dias depois, em decorrência das torturas sofridas.
A peculiaridade do caso, porém, foi a recusa do corpo médico em elaborar um laudo falso, atestando o óbito de Chael. A partir de então, através do uso dos desaparecimentos, os militares passariam a dispensar a necessidade de laudos médicos para justificar as mortes ocorridas no interior de suas lotações, reduzindo os números de mortos pelo regime, ao menos oficialmente.
O governo Ernesto Geisel foi, por um lado, de recuperação das práticas repressivas, mas, por outro, de reflexão acerca das estratégias que seriam adotadas para operacionalizar o "retorno aos quartéis". A ditadura total já não se sustentaria com Geisel, pois o sucesso de seu mandato estava condicionado à conciliação de posições bastante divergentes, de modo que as negociações pela anistia estariam totalmente comprometidas por essa circunstância.
Muitos consideram a edição da Lei 6.683/79 como parte de uma estratégia bem delineada por um grupo restrito do regime, que visava à realização de uma transição que enfraquecesse a oposição. Nessa ótica, a Lei da Anistia, uma vez acompanhada pelo fim do bipartidarismo, faria com que o retorno dos líderes oposicionistas estivesse aliado à pulverização de sua força, fragmentada pela formação de novos partidos políticos.
Por outro lado, dentro dos setores militares houve muita insatisfação com a aprovação da Lei 6.683/79. Segundo José Luiz Coelho Neto, que ocupava o posto de major na época do golpe, tratou-se de abertura mal feita, que "escancarou" o regime. Quanto à recuperação dos direitos políticos, Ênio dos Santos Pinheiro, teceu duras críticas a Geisel:
A maior parte dos que hoje estão no poder não teriam voltado e as coisas que estão acontecendo, como consequência desse processo teriam sido evitadas. Tudo foi feito de maneira errada. Foi uma falha muito grave, sobre a qual ninguém fala. Ao contrário, até se elogia o general Geisel porque fez a abertura. Mas foi um erro grave, um dos mais graves que se cometeu para com a nação. A pessoa que tivesse cometido crime que não foi político, não podia ter de volta a plenitude dos seus direitos. Aliás, não há nenhum país no mundo que tenha permitido uma coisa dessas. Quem tivesse cometido crimes como corrupção, assassinato pessoal, não poderia voltar para a vida política. Ladrão que tivesse recebido dinheiro do estrangeiro também não poderia.
Agora, quem foi preso porque tinha ideologia comunista, está certo, podia recuperar todos os seus direitos. O governo Geisel aceitou várias emendas ao projeto de anistia e acabou deixando o abacaxi para o Figueiredo. Não quis assumir a responsabilidade do ato embora tenha sido o pai da criança. Não quis ficar com o nome associado na história a esse ato, mas assim mesmo ficou com um nome bonito... De vez em quando, ouço falarem bem dele. Desde o início encaramos a abertura de forma negativa e preocupante porque conhecíamos o general Ernesto. Como todo alemão, ele é um liberal apenas no que diz. Segue o mesmo exemplo de outros alemães como Marx e Lutero, liberais nas ideias que pregam, mas, na prática, autoritários e autocratas. Na realidade, quem concebeu e começou a abertura não foi o general Figueiredo nem o Golbery. Foi o general Ernesto Geisel. Quem tem todo o direito de considerar-se responsável por esse ato é apenas ele.

Porém, ainda que seja inegável a tomada das rédeas do processo de abertura pelo governo, não é possível excluir o papel decisivo da sociedade civil nos rumos da transição política. A luta pela anistia não surgiu como movimento das massas, mas em poucos anos mobilizaria multidões rumo a Brasília.
Já no ano do golpe, apareciam as primeiras manifestações reclamando a anistia aos opositores que sofreram as repressões inaugurais do regime. Em 1967, no Congresso Nacional, surgiu a "Frente Ampla", com pautas como a redemocratização e o fim da legislação de controle político. E, em meados dos anos 70, começa a intensificação dos protestos, com a participação crucial de atores como o MDB, a Igreja Católica e o Movimento Estudantil.
O grande marco da virada na luta contra a ditadura foi o já narrado caso Vladmir Herzorg, ocorrido no final do ano de 1975. Por ocasião de seu assassinato, mais de 8 mil pessoas lotaram a catedral paulistana para participar do culto ecumênico. Porém, pouco tempo depois, em janeiro de 1976, no mesmo local onde Herzog foi torturado e morto, o operário Manoel Fiel Filho sofreria com o mesmo destino. O impacto deste caso teria um efeito sem precedentes sobre o regime, dando origem a novas mobilizações sociais.
Nesse contexto de florescimento dos movimentos sociais, o "Movimento Feminino pela Anistia" destacou-se como o primeiro legalmente constituído para o enfrentamento do regime militar, em 1975. A ele, seguiu-se a criação, em 1978, do Comitê Brasileiro de Anistia (CBA), no Rio de Janeiro. A partir desse momento, organizaram-se marchas e "Dias Nacionais de Protesto e Luta pela Anistia" ao longo de todo o ano de 1978. Finalmente, graças à intensa campanha popular pela anistia, em janeiro de 1979, com a apresentação pelo senador Dinarte Mariz (Arena) de um primeiro projeto de lei, passou-se a discutir qual seria a amplitude da medida.
Conforme se sabe, o projeto final, sancionado pelo general João Baptista Figueiredo em 28 de agosto de 1979, seria o da Lei nº 6.683, de iniciativa do governo e aprovado pelo Congresso Nacional. Os militares se apropriaram do slogan das ruas, de uma anistia "ampla, geral e irrestrita", para garantir seu retorno impune aos quartéis.


2. A PRIMEIRA PROPOSTA DE REVISÃO DA LEI 6.683/79

Conforme visto, a Anistia trazia em seu bojo a lógica da pacificação pelo esquecimento, institucionalizando um processo de acerto de contas de cima para baixo, em nada preocupado com a verdade.
A despeito disso, em 1985 - ano da posse do primeiro presidente democraticamente eleito após o governo ditatorial - a Arquidiocese de São Paulo lançou a histórica obra Brasil: nunca mais, cumprindo a missão de não recolher ao esquecimento os anos de chumbo vividos até a abertura política.
Demonstrando o escopo do livro, as citações que o inauguram e que o encerram reforçam exatamente a importância de combater a desmemória pretendida pelos militares: "Escreve isto para memória num livro" (Êxodo 17,14). "Meu pai contou pra mim;/ eu vou contar para meu filho./ Quando ele morrer?/ Ele conta para o filho dele./ É assim: ninguém esquece. – Kelé Maxacali, índio da aldeia de Mikael, Minas Gerais, 1984."
Além desse, outros exemplos de contrariedade ao esquecimento imposto pela transição política surgiram no Brasil ao longo dos anos que se seguiram à abertura, tais como o acesso a documentos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) no governo do Presidente Fernando Collor de Mello, seguida da abertura de mais arquivos a partir de 2005, e a criação do Portal Memórias Reveladas em 2009.
No entanto, foi após quase trinta anos da aprovação da Lei de Anistia que surgiu a primeira iniciativa formal para promover sua revisão, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) em outubro de 2008. Ao contrário das iniciativas anteriores, o objetivo da ADPF era não o de revelar a verdade histórica sobre os fatos vividos durante o período ditatorial brasileiro, mas o de promover justiça, permitindo processar e julgar aqueles indevidamente favorecidos pelo benefício da anistia: os agentes públicos.
De maneira singela, a ADPF nº 153 pretendia dar ao parágrafo 1º, do artigo 1º, da Lei 6.683/79, interpretação conforme a Constituição Federal de 1988, "de modo a declarar, à luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar (1964/1985)."
O Conselho Federal apresentou a relevância da controvérsia à luz do debate instaurado à época entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Defesa. Tratava-se de discussão envolvendo o alcance da anistia concedida pela Lei 6.683/79: seria possível considerar como conexos – e, assim, abrangidos pela anistia - crimes comuns como homicídio, desaparecimento forçado, lesão corporal e estupro, praticados pelos agentes públicos contra os opositores do regime? Conforme declaração dada em junho de 2008 pelo então Ministro da Justiça, Tarso Genro:
Se um agente público invade uma residência na ditadura cumprindo ordem legal, isso é um crime político de um Estado de fato vigente naquele momento. Agora, se esse mesmo agente público prende uma pessoa e a leva para um porão e a tortura, esse crime não é um crime político porque nem a legalidade da ditadura permitia tortura. Mas isso teria que ser uma interpretação do Poder Judiciário.

Nesse sentido, a inicial da ADPF nº 153, logo após ultrapassar o cabimento da demanda, parte de plano ao questionamento da interpretação conferida ao dispositivo objeto da arguição, de modo a demonstrar sua inépcia jurídica.
Ocorre que o art. 1º da Lei declara que: "é concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes." Em seguida, a redação do artigo é esclarecida pelo parágrafo 1º, que assim dispõe: "consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política."
Nesse ponto, a exordial demonstra que não há conexão entre crimes políticos praticados por opositores do regime militar, e crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo. Isto em razão de o instituto da conexão só poder ser reconhecido quando entre dois ou mais crimes houver um liame quanto à sua finalidade, isto é, quando um crime for praticado para a realização ou ocultação de outro delito principal. Nas palavras do jurista Hélio Bicudo:
Quando a lei usa um termo técnico, como é no caso - "crime conexo" é um termo técnico em direito penal -, é preciso saber qual sua definição. Os "crimes conexos" são aqueles cujas finalidades são as mesmas do ato principal praticado.
(...)
É como nesse caso da Anistia. Os opositores do regime cometeram crimes que a lei diz que, depois de algum tempo, não podem ser punidos. Mas se trata de crimes praticados contra o Estado repressor. Ideologicamente, eles não têm nada a ver com os crimes praticados pelos agentes do Estado.
(...)
A finalidade dos crimes praticados pelas pessoas que eram contrárias ao regime era política. Os crimes praticados pelos agentes do Estado não têm finalidade política. São crimes contra a humanidade e, por esse motivo, imprescritíveis. (...) Quer dizer, você pode ter pessoas que cometeram crimes contra o Estado conexos entre si, mas você não pode ligar estes crimes aos cometidos pelos agentes do Estado para beneficiar a si próprios. Ou seja, os agentes do Estado agem por outra finalidade. No caso, para manter a ditadura.

Diante disso, o que se percebe é que não há necessidade de elaborar nova redação ao dispositivo, porquanto o que se mostra manifestamente inepto juridicamente é a interpretação a ele conferida. Vale dizer: tecnicamente somente estão abarcados pelo §1º, do artigo 1º, os crimes comuns cometidos pelos mesmos autores dos crimes políticos. Nessa linha, o conceito clássico de crime político, adotado inclusive pelo STF em sua jurisprudência, traz como os bens jurídicos tutelados a integridade territorial de um país, a pessoa de seus governantes e a soberania nacional. Logo, vê-se que se tratam de crimes praticados contra o Estado.
Dessa forma, os agentes públicos, em princípio, não podem estar abrangidos pela conexão do §1º, pois até que se prove o contrário, o cometimento de crimes comuns por eles, como estupro, tortura e homicídio não tinha qualquer liame subjetivo com outra conduta principal, que visasse a atingir os bens jurídicos tutelados pelos crimes políticos.
Não obstante isso, em se admitindo a interpretação de que há conexão entre os crimes praticados por agentes públicos e aqueles praticados pelos opositores ao regime militar, a ADPF nº 153, revelou também a invalidade desse reconhecimento à luz dos preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Por esse motivo, o pedido da arguição envolvia não a invalidação do texto legal, mas a atribuição de intepretação que se coadunasse com os princípios e preceitos fundamentais da Constituição de 1988, de modo a corrigir a leitura que vem sendo feita do dispositivo desde a entrada em vigor da Lei 6.683/79.
Assim, invocando os preceitos fundamentais dos artigos 1º, III e parágrafo único; 3º, I e IV; 4º, II, 5º, caput, XXXIII e XXXIX, todos da CRFB, o CFOAB dirigiu-se à Corte Constitucional para que esta, à luz da dignidade da pessoa da pessoa humana, se manifestasse quanto à violação aos princípios democrático e republicano e à prevalência dos direitos humanos, a desigualdade perante a lei, a ocultação da verdade, e a desconsideração da legalidade em matéria penal, provocados pela intepretação dada ao artigo 1º, §1º, da Lei de Anistia.

2.1 O julgamento da ADPF nº 153

Em 28 de abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal procedeu ao julgamento da controvérsia. Nesse momento estava também em curso o Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), cujo objeto abrangia a totalidade da matéria suscitada via ADPF. Assim, o julgamento pelo Supremo seria marcado por um elemento inédito: pela primeira vez uma ação perante o STF com efeito vinculante e erga omnes seria processada simultaneamente a um processo internacional com objeto semelhante em curso perante a Corte de San José.
Portanto, era grande a possibilidade de prolação de decisões conflitantes, mostrando-se recomendável que a Corte Constitucional adotasse como medida de cautela o "sobrestamento do feito", de modo a evitar um possível choque. No entanto, assumindo esse risco, o Supremo prosseguiu com o julgamento.
A expectativa em torno do caso envolvia a possibilidade de, enfim, definir os intensos debates sobre o alcance da Lei de Anistia. Porém, apesar das manifestações pela procedência do pedido realizadas pelo Ministério da Justiça, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e pela Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, a Corte não acolheu as razões da inicial. Na data da sessão, participaram do julgamento nove dos onze Ministros: Joaquim Barbosa encontrava-se licenciado e Dias Toffoli declarou-se suspeito. Por maioria de votos, a Corte acompanhou o entendimento do Relator, Ministro Eros Grau, decidindo-se pela improcedência da arguição, conforme a ementa seguir:
LEI N. 6.683/79, A CHAMADA "LEI DE ANISTIA". ARTIGO 5º, CAPUT, III E XXXIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL; PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E PRINCÍPIO REPUBLICANO: NÃO VIOLAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E TIRANIA DOS VALORES. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E DISTINÇÃO ENTRE TEXTO NORMATIVO E NORMA JURÍDICA. CRIMES CONEXOS DEFINIDOS PELA LEI N. 6.683/79. CARÁTER BILATERAL DA ANISTIA, AMPLA E GERAL. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA SUCESSÃO DAS FREQUENTES ANISTIAS CONCEDIDAS, NO BRASIL, DESDE A REPÚBLICA. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E LEIS-MEDIDA. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES E LEI N. 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997, QUE DEFINE O CRIME DE TORTURA. ARTIGO 5º, XLIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INTERPRETAÇÃO E REVISÃO DA LEI DA ANISTIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 26, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1985, PODER CONSTITUINTE E "AUTO-ANISTIA". INTEGRAÇÃO DA ANISTIA DA LEI DE 1979 NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. ACESSO A DOCUMENTOS HISTÓRICOS COMO FORMA DE EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VERDADE. 1. Texto normativo e norma jurídica, dimensão textual e dimensão normativa do fenômeno jurídico. O intérprete produz a norma a partir dos textos e da realidade. A interpretação do direito tem caráter constitutivo e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e da realidade, de normas jurídicas a serem aplicadas à solução de determinado caso, solução operada mediante a definição de uma norma de decisão. A interpretação/aplicação do direito opera a sua inserção na realidade; realiza a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inserção no mundo da vida. 2. O argumento descolado da dignidade da pessoa humana para afirmar a invalidade da conexão criminal que aproveitaria aos agentes políticos que praticaram crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não, durante o regime militar, não prospera. 3. Conceito e definição de "crime político" pela Lei n. 6.683/79. São crimes conexos aos crimes políticos "os crimes de qualquer natureza relacionados com os crimes políticos ou praticados por motivação política"; podem ser de "qualquer natureza", mas [i] hão de terem estado relacionados com os crimes políticos ou [ii] hão de terem sido praticados por motivação política; são crimes outros que não políticos; são crimes comuns, porém [i] relacionados com os crimes políticos ou [ii] praticados por motivação política. A expressão crimes conexos a crimes políticos conota sentido a ser sindicado no momento histórico da sanção da lei. A chamada Lei de anistia diz com uma conexão sui generis, própria ao momento histórico da transição para a democracia. Ignora, no contexto da Lei n. 6.683/79, o sentido ou os sentidos correntes, na doutrina, da chamada conexão criminal; refere o que "se procurou", segundo a inicial, vale dizer, estender a anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado encarregados da repressão. 4. A lei estendeu a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceção; daí o caráter bilateral da anistia, ampla e geral, que somente não foi irrestrita porque não abrangia os já condenados --- e com sentença transitada em julgado, qual o Supremo assentou --- pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. 5. O significado válido dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos. Mas essa afirmação aplica-se exclusivamente à interpretação das leis dotadas de generalidade e abstração, leis que constituem preceito primário, no sentido de que se impõem por força própria, autônoma. Não àquelas, designadas leis-medida (Massnahmegesetze), que disciplinam diretamente determinados interesses, mostrando-se imediatas e concretas, e consubstanciam, em si mesmas, um ato administrativo especial. No caso das leis-medida interpreta-se, em conjunto com o seu texto, a realidade no e do momento histórico no qual ela foi editada, não a realidade atual. É a realidade histórico-social da migração da ditadura para a democracia política, da transição conciliada de 1979, que há de ser ponderada para que possamos discernir o significado da expressão crimes conexos na Lei n. 6.683. É da anistia de então que estamos a cogitar, não da anistia tal e qual uns e outros hoje a concebem, senão qual foi na época conquistada. Exatamente aquela na qual, como afirma inicial, "se procurou" [sic] estender a anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado encarregados da repressão. A chamada Lei da anistia veicula uma decisão política assumida naquele momento --- o momento da transição conciliada de 1979. A Lei n. 6.683 é uma lei-medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade. Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada. 6. A Lei n. 6.683/79 precede a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes --- adotada pela Assembléia Geral em 10 de dezembro de 1984, vigorando desde 26 de junho de 1987 --- e a Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1997, que define o crime de tortura; e o preceito veiculado pelo artigo 5º, XLIII da Constituição --- que declara insuscetíveis de graça e anistia a prática da tortura, entre outros crimes --- não alcança, por impossibilidade lógica, anistias anteriormente a sua vigência consumadas. A Constituição não afeta leis-medida que a tenham precedido. 7. No Estado democrático de direito o Poder Judiciário não está autorizado a alterar, a dar outra redação, diversa da nele contemplada, a texto normativo. Pode, a partir dele, produzir distintas normas. Mas nem mesmo o Supremo Tribunal Federal está autorizado a rescrever leis de anistia. 8. Revisão de lei de anistia, se mudanças do tempo e da sociedade a impuserem, haverá --- ou não --- de ser feita pelo Poder Legislativo, não pelo Poder Judiciário. 9. A anistia da lei de 1979 foi reafirmada, no texto da EC 26/85 pelo Poder Constituinte da Constituição de 1988. Daí não ter sentido questionar-se se a anistia, tal como definida pela lei, foi ou não recebida pela Constituição de 1988; a nova Constituição a [re]instaurou em seu ato originário. A Emenda Constitucional n. 26/85 inaugura uma nova ordem constitucional, consubstanciando a ruptura da ordem constitucional que decaiu plenamente no advento da Constituição de 5 de outubro de 1988; consubstancia, nesse sentido, a revolução branca que a esta confere legitimidade. A reafirmação da anistia da lei de 1979 está integrada na nova ordem, compõe-se na origem da nova norma fundamental. De todo modo, se não tivermos o preceito da lei de 1979 como ab-rogado pela nova ordem constitucional, estará a coexistir com o § 1º do artigo 4º da EC 26/85, existirá a par dele [dicção do § 2º do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil]. O debate a esse respeito seria, todavia, despiciendo. A uma por que foi mera lei-medida, dotada de efeitos concretos, já exauridos; é lei apenas em sentido formal, não o sendo, contudo, em sentido material. A duas por que o texto de hierarquia constitucional prevalece sobre o infraconstitucional quando ambos coexistam. Afirmada a integração da anistia de 1979 na nova ordem constitucional, sua adequaç o à Constituição de 1988 resulta inquestionável. A nova ordem compreende não apenas o texto da Constituição nova, mas também a norma-origem. No bojo dessa totalidade --- totalidade que o novo sistema normativo é --- tem-se que "[é] concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos" praticados no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Não se pode divisar antinomia de qualquer grandeza entre o preceito veiculado pelo § 1º do artigo 4º da EC 26/85 e a Constituição de 1988. 10. Impõe-se o desembaraço dos mecanismos que ainda dificultam o conhecimento do quanto ocorreu no Brasil durante as décadas sombrias da ditadura.
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Passemos, portanto, à análise dos votos proferidos, iniciando-a pelos que entenderam pela improcedência do pedido, acompanhando o relator e, em seguida, passando aos que votaram pela procedência.
O Ministro Relator, Eros Grau, capitaneou a tese do déficit democrático do Judiciário para definir a questão: "Revisão de lei de anistia, se mudanças do tempo e da sociedade a impuserem, haverá -- ou não -- de ser feita pelo Poder Legislativo, não pelo Poder Judiciário".
Afirmou o Ministro que a Lei 6.683/79 foi fruto de acordo político sem o qual o Brasil não viveria hoje sob um regime democrático, ressaltando, ainda, o descolamento histórico entre o ajuizamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 e o contexto de edição da Lei de Anistia.
Eros Grau encerrou seu voto de modo emocionado, afirmando que sua decisão em nada afastava o repúdio que as práticas da ditadura despertavam na sociedade e nele pessoalmente.
Acompanharam o entendimento do Relator os Ministros Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello, Cezar Peluso e Gilmar Mendes.
A Ministra Cármen Lúcia iniciou seu voto distinguindo o direito à verdade histórica e a responsabilidade civil do Estado brasileiro pelos atos praticados no curso do regime militar da responsabilidade penal de seus agentes, esta sim objeto de discussão na ADPF.
Assim, iremos notar que houve uma mesma tendência nos votos pela improcedência do pedido: os Ministros afirmavam que a abrangência da anistia aos agentes do Estado é legítima e compatível com a ordem constitucional de 1988, ao passo em que faziam questão de manifestar toda sua repugnância pelos anos de chumbo. Como se quisessem votar com a consciência tranquila, expunham de forma categórica e enfática sua repugnância à ditadura militar, mas, afinal, julgavam pela legitimidade da intepretação conferida ao texto da Lei de Anistia, o que fica claro no seguinte trecho do voto da Min. Cármen Lúcia:
Assim, o direto à verdade, o direito à história, o dever do Estado brasileiro de investigar, encontrar respostas, divulgar e adotar as providências sobre os desmandos cometidos no período ditatorial não estão em questão, e, se estivessem, pelo menos eu, com certeza, daria resposta exatamente no sentido enaltecido pela advogada. Apenas deve ser enfatizado que não é essa a questão, nem ao menos como objeto de exame ou de argumentação para a reposta judicial a ser dada na presente argüição, simplesmente não é esse o tema posto, nem parece haver dúvidas tão graves quanto as que se suscitam na presente argüição.
[...]
Numa primeira análise, parece certo aceitar-se exatamente o quanto exposto pela Ordem dos Advogados do Brasil na presente argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Atualmente, a anistia decretada nas condições antes explicitadas – concedida aos autores de crimes políticos e seus conexos (de qualquer natureza), incluídos os crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores – contraria o sistema constitucional vigente, em especial o seu art. 5º, pelo que seria com ele incompatível.
Todavia, o exame mais aprofundado de todos os elementos do que nos autos se contém impõe uma análise que considere mais que apenas a leitura seca da Lei de Anistia e da Constituição da República, e se busque a interpretação que conduza à aplicação efetiva e eficaz de todo o sistema constitucional brasileiro, levando-se em consideração o momento político de transição do regime autoritário para o democrático no qual foi promulgada a Lei de Anistia.

Com efeito, não era o objetivo da arguição a busca pela verdade. Conforme visto, o ineditismo da demanda era justamente o fato de ser a primeira proposta de busca pela justiça, pela punição individual aos agentes responsáveis por crimes contra opositores durante o regime militar. Medidas de busca da verdade histórica já estavam em curso no país e leis anteriores à ADPF já visavam a garantir a indenização pelo Estado de vítimas e familiares de vítimas do governo militar.
Portanto, conforme esclarece a Ministra, o verdadeiro fim da arguição era o de garantir a persecução penal e a eventual punição dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade durante o regime militar, através da conferência de interpretação conforme a Constituição de 1988 ao parágrafo 1º, do artigo 1º, da Lei 6.683/79.
A partir daí, a Ministra concluiu que seria possível alterar uma interpretação sedimentada há três décadas. Porém, afirmando tratar-se de matéria penal, Cármen Lúcia sustentou que "todos os atos, incluídos os mais atrozes e merecedores de integral repulsa e total abominação, praticados 'nos desvãos da repressão política', estavam incluídos entre os anistiados", não podendo tal entendimento ser alterado, salvo para beneficiar os possíveis réus. Acrescentou ainda que isso somente seria possível para normas ainda não exauridas em sua aplicação.
Assim, a pretexto de conferir aplicação efetiva e eficaz a todo o sistema constitucional brasileiro, a Ministra acabou por negá-lo, encerrando seu voto fundando-o nos argumentos da existência de um pacto histórico inquestionável após o decurso de mais de trinta anos, que conduziu o país à democracia, e de que a avaliação da legitimidade da Lei de Anistia levaria, em última instância ao questionamento da legitimidade da própria ordem constitucional vigente, também convocada por um Congresso ilegítimo.
O voto seguinte pela improcedência foi o da Ministra Ellen Gracie, que de modo conciso acompanhou o relator afirmando que:
Não se faz transição, ao menos não se faz transição pacífica, entre um regime autoritário e uma democracia plena, sem concessões recíprocas. Por incômodo que seja reconhecê-lo hoje, quando vivemos outro e mais virtuoso momento histórico, a anistia, inclusive daqueles que cometeram crimes nos porões da ditadura, foi o preço que a sociedade brasileira pagou para esclarecer o processo pacífico de redemocratização.

O Ministro Marco Aurélio foi o único a votar pela extinção do processo sem resolução do mérito tendo em vista que os crimes já estariam prescritos. Porém, tendo sido vencido em seu voto sobre preliminares, no mérito, julgou pela improcedência reforçando a clareza da redação da lei.
Segundo o Ministro, o texto da lei não suscitaria qualquer dúvida interpretativa, sendo uma só a leitura que dele se poderia extrair: a de que o legislador quis, na maior medida possível, ampliar os limites de abrangência da anistia ali concedida. Marco Aurélio deu ênfase à expressão todos quantos, para sustentar a intenção do legislador, chegando ao ponto de afirmar que mesmo a noção de crime conexo era definida pela lei, em seu parágrafo 1º, não havendo que falar em recurso à norma geral do Código de Processo Penal para defini-la.
Celso de Mello, apesar de mencionar a existência de tratados internacionais firmados pelo Brasil, demonstrando o compromisso do país com a garantia aos direitos humanos e com o combate aos crimes de lesa-humanidade, entendeu que, tendo sido esses atos firmados posteriormente à edição da Lei de Anistia, haveria que preponderar o postulado da reserva constitucional de lei em sentido formal, não podendo os tratados se sobreporem à Lei. 6.683.
O Ministro citou a jurisprudência do Corte Interamericana de Direitos Humanos acerca das leis de anistia na América Latina, porém, concluiu que as condenações advindas da Corte de San José referiam-se às leis de autoanistia. Assim, confirmando a tese do acordo e da transição pacífica trazida pelo Relator, Celso de Mello julgou o pedido improcedente, afirmando o caráter bilateral da anistia brasileira.
O voto do Ministro Cezar Peluso, que acabara de assumir a presidência da Corte, foi um dos mais aguardados, dada essa circunstância. Assim como Celso de Mello, o ministro citou a jurisprudência da CIDH no sentido de que somente são reprováveis as leis de autoanistia: "Se é verdade que cada povo acerta contas com o passado de acordo com sua cultura, com os seus sentimentos, com a sua índole e com a sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia." E, também alegando a inexistência de dúvida quanto à intepretação da lei de anistia, já há décadas sedimentada, o Ministro Presidente votou pela improcedência, acompanhando, com grandes elogios, o voto do Relator.
Gilmar Mendes, apesar de apresentar um histórico de decisões favoráveis à proteção dos direitos humanos, em reverência à jurisprudência da Corte de San José, não mencionou os direitos humanos internacionais em seu voto, além de ter contrariado a posição da CIDH quanto à imprescritibilidade de crimes de lesa-humanidade. Um dos principais argumentos trazidos pelo Ministro foi o da constitucionalização, pela EC nº 26/85, da anistia concedida pela Lei 6.683/79. Por essa razão, a anistia teria sido trazida para a nova ordem constitucional como um de seus fundamentos. O Ministro traduziu o objetivo da arguição com as seguintes palavras:
É possível verificar que se trata, na verdade, de pedido de declaração de não recepção, pela Constituição de 1988, de um sentido normativo (uma norma) do texto do §1º do art. 1º da Lei nº 6.683/1979. Tem-se, no caso, o que tecnicamente se costuma denominar de declaração de inconstitucionalidade (ou de não recepção) sem redução do texto.

Quanto à Emenda Constitucional nº 26/85, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte, afirmou o Ministro:
Nesse contexto, não se pode olvidar que a EC nº 26, de 1985, que convocou a Assembléia Nacional Constituinte e deu início ao processo constituinte, incorporou a anistia, expressamente em seu art. 4º, como um dos pressupostos de possibilidade da construção da nova ordem constitucional.
[...]
Devemos refletir, então, sobre a própria legitimidade constitucional de qualquer ato tendente a revisar ou restringir a anistia incorporada à EC nº 26/85. Parece certo que estamos, dessa forma, diante de uma hipótese na qual estão em jogo os próprios fundamentos de nossa ordem constitucional.
Enfim, a EC nº 26/85 incorporou a anistia como um dos fundamentos da nova ordem constitucional que se construía à época, fato que torna praticamente impensável qualquer modificação de seus contornos originais que não repercuta nas próprias bases de nossa Constituição e, portanto, de toda a vida político-institucional pós-1988.

Com essas considerações, Gilmar Mendes votou pela total improcedência da arguição.
Doutra parte, pela procedência parcial do pedido, votaram os Ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto.
Lewandowski, atual Presidente do Supremo, votou logo após a Ministra Cármen Lúcia, fazendo ampla referência ao direito internacional dos direitos humanos à luz da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Comitê de Direitos Humanos. O Ministro criticou a postura formalista de proteção a esses direitos adotada pelo Brasil. Afirmou a necessidade de cumprir efetivamente os tratados internacionais, não sendo possível a criação de uma interpretação nacional estranha àquela dada pelos intérpretes autênticos destes tratados.
Inicialmente, assim como os demais julgadores, Lewandowski realizou a contextualização histórica da edição da Lei 6.683/79, passando em seguida à análise da menção a crimes conexos trazida pela lei. Ao contrário do que entendeu o Ministro Marco Aurélio, que ainda votaria, Lewandowski afirmou que o conceito trazido pela lei, gerava grande perplexidade nos responsáveis por sua interpretação e aplicação. Neste sentido, assim se pronunciou o Ministro:
Ora, como se sabe, o sistema penal e processual brasileiro somente contempla as seguintes hipóteses de conexão: (i) conexão material: concurso formal, material ou crime continuado (CP, arts. 69, 70, 71); (ii) conexão intersubjetiva por simultaneidade: duas ou mais infrações praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, sem acordo mútuo de vontades, conhecida como "autoria colateral" (CPP I art. 76, I, primeira parte); (iii) conexão intersubjetiva por concurso: duas ou mais infrações praticadas por várias pessoas em concurso, mediante acordo mútuo, embora diverso o tempo e o local (CPP, art. 76, I, segunda parte); (iv) conexão objetiva: duas ou mais infrações praticadas quando uma delas busca facilitar ou ocultar a prática da outra (CPP, art. 76, lI); (v) conexão probatória: quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influírem na prova de outra infração (CPP, art. 76, III); e (vi) conexão intersubjetiva por reciprocidade: duas ou mais infrações praticadas, por várias pessoas, umas contra as outras (CPP, art. 76, I, última parte) .

Para então concluir:
Destarte, embora o legislador de 1979 tenha pretendido caracterizar, para o efeito da anistia, a conexão material entre ilícitos de natureza distinta praticados ·por pessoas diferentes e em circunstâncias diversas, com o objetivo de ensejar a absorção das condutas delituosas comuns pelos crimes políticos, não é difícil constatar que tal desiderato, ao menos do ponto de vista técnico-jurídico, não logrou ser bem sucedido.

Outro importante esclarecimento feito pelo Ministro foi quanto ao conceito de crime político. Destacando a jurisprudência do Supremo sobre o tema, Lewandowski citou o caso Battisti, afirmando que:
Como se vê, o Supremo Tribunal Federal vem fazendo uma clara distinção entre crimes políticos típicos, identificáveis ictu oculi, praticados, verbi gratia, contra integridade territorial de um país, a pessoa de seus governantes, a soberania nacional, o regime representativo e democrático ou o Estado de Direito, e crimes políticos relativos, que a doutrina estrangeira chama de hard cases, com relação aos quais, para caracterizá-los ou descartá-los, cumpre fazer uma abordagem caso a caso (case by case approach). Essa abordagem, na jurisprudência da Corte, como registrado, deve guiar-se por dois critérios, a saber: (i) o da preponderância e (ii) o da atrocidade dos meios.

A partir desses critérios, portanto, caberia ao juiz, caso a caso, avaliar se as condutas praticadas por agentes públicos civis ou militares durante o período compreendido pela Lei de Anistia poderiam ou não ser consideradas como crimes políticos. Isto é, seria possível anistiar agentes públicos, desde que comprovado que seu crime, de acordo com os critérios utilizados pelo STF, pode ser caracterizado como político. Por esse motivo, o Ministro votou pela parcial procedência do pedido, para que, dando ao §1º, do art. 1º, da Lei 6.683/79 interpretação conforme a Constituição, fosse excluída a anistia automática aos agentes públicos:
[...] devendo o juiz ou tribunal, antes de admitir o desencadeamento da persecução penal contra estes, realizar urna abordagem caso a caso (case by case approach), mediante a adoção dos critérios da preponderância e da atrocidade dos meios, nos moldes da jurisprudência desta Suprema Corte, para o fim de caracterizar o eventual cometimento de crimes comuns com a consequente exclusão da prática de delitos políticos ou ilícitos considerados conexos.

Por fim, em debate com o Ministro Cezar Peluso, Lewandowski esclareceu a extensão que o dispositivo questionado deveria ter à luz da Constituição Federal de 1988:
[...] a essência da minha conclusão é a seguinte: até agora, salvo engano de minha parte, os votos dos eminentes Ministros Eros Grau e Cármen Lúcia entenderam que os agentes políticos que atuaram na época do regime autoritário estavam todos automaticamente de forma indistinta e genérica incluídos pela Lei da Anistia.
Eu estou dizendo que, segundo o que eu entendo, esse automatismo não existe, que será possível abertura de uma eventual persecução penal contra esses agentes se o juiz ou o tribunal, numa ponderação feita caso a caso, chegarem à conclusão, pelos critérios de preponderância e atrocidade dos meios, segundo a qual, numa determinada situação preponderaram os crimes comuns.

Votando em seguida, Carlos Ayres Britto também adotou a posição de parcial procedência do pedido, porém, não aludindo à jurisprudência internacional acerca do tema, mas à própria Constituição de 1988. Segundo ele, não estariam abrangidos pela Lei de Anistia os crimes elencados no inciso XLIII, do art. 5º, da Constituição. Dessa forma, a conclusão do Ministro acaba por se aproximar do entendimento consolidado pelas cortes internacionais de direitos humanos, no sentido de que não podem ser abrangidos pela anistia os autores de graves violações a direitos humanos.
Nesse momento do julgamento, havia um empate, pois somente haviam votado o Ministro Relator, Eros Grau, e a Ministra Cármen Lúcia, ambos pela improcedência. Enquanto que, pela procedência parcial, votavam, ainda que divergindo, Ayres Britto e Ricardo Lewandowski. Porém, conforme visto, prevaleceu o entendimento do Relator, não havendo, após o voto do Ministro Ayres Britto, mais nenhuma adesão à conferência de interpretação conforme ao dispositivo questionado.
Traçado o panorama geral dos votos, cabe agora avaliar os principais argumentos utilizados para sustentar a total improcedência do pedido arguido. São eles: (i) a anistia foi fruto de um acordo político legítimo; (ii) o questionamento da Lei de Anistia à luz da Constituição de 1988 levaria à necessidade de reapreciação de todo o direito infraconstitucional anterior à CF, e, afinal, ao próprio questionamento da legitimidade da ordem constitucional vigente; (iii) a anistia concedida pela Lei 6.683/1979 foi constitucionalizada pela EC 26/85, sendo verdadeiro fundamento da atual ordem constitucional; (iv) a revisão da interpretação conferida à lei violaria a segurança jurídica pelo atingimento de situação jurídica já constituída e exaurida à luz da Lei de Anistia; (v) o déficit democrático do Judiciário para operar a revisão.
Porém, antes que façamos a análise um a um dos argumentos, é preciso fazer uma ressalva quanto à eleição do método de intepretação histórica no julgamento da ADPF nº 153. Conforme sabemos, não há uma regra para a escolha do método de interpretação, de modo que, quando se lança mão de um, dentre os muitos mecanismos, o esforço de justificação racional da decisão já está em operação. Ou seja, ainda que inconscientemente, o intérprete usa o método como instrumento de manipulação, moldando-o à sua preconcepção quanto ao tema a ser decidido.
Tal constatação não significa necessariamente que toda atividade interpretativa nascerá viciada, ao contrário, importa salientá-la para que a decisão seja o mais imparcial possível. Porém, particularmente quanto ao método histórico, nota-se que ele será dotado de uma carga significativa de parcialidade do julgador, pois dependerá diretamente da compreensão do juiz quanto ao contexto histórico que busca reconstruir.
Não há dúvida de que o contexto histórico merecia preponderar, especialmente, tendo em vista o objeto da arguição, ocorre que parecia haver duas versões do mesmo enredo sendo narradas no Supremo. Conforme destaca a própria Ministra Cármen Lúcia, em seu voto:
A opção inicial do intérprete do §1º do art. 1º da Lei n. 6683/79 haverá de ser entre a adoção de elementos de inteligência da norma segundo os parâmetros atuais, incluídos os princípios constitucionais vigentes, desapegando-os do seu momento originário, de seu surgimento, ou, diversamente, acolher como elemento determinante para a sua interpretação o quadro fático-histórico no qual veio a ser criada e a finalidade nela patenteada.
Da tribuna, na sessão inicial deste julgamento, foi lembrado que nem sempre o elemento histórico é o melhor dos critérios para se chegar à interpretação da norma. E há razão geral, em tal argumento. Entretanto, para o caso específico, difícil seria desconhecer o que se vivia e para o que se deu a elaboração da Lei agora em questão e na qual se contém o dispositivo para o qual se pede interpretação específica.

Porém, apesar de diagnosticada a "razão geral" no argumento de que o aspecto histórico nem sempre seria o melhor critério para se chegar à justa interpretação da norma, não foi realizado qualquer temperamento de modo a levar em conta os princípios constitucionais vigentes: o que se viu no julgamento da ADPF nº 153 foi uma absoluta primazia do elemento histórico, em detrimento do princípio da supremacia da Constituição, assim explicado por Luís Roberto Barroso:
O princípio da supremacia da Constituição, que tem como premissa a rigidez constitucional, é a idéia central subjacente a todos os sistemas jurídicos modernos. Sua compreensão é singela. Na celebrada imagem de Kelsen, para ilustrar a hierarquia das normas jurídicas, a Constituição situa-se no vértice de todo o sistema legal, servindo como fundamento de validade das demais disposições normativas. Toda Constituição escrita e rígida, como é o caso da brasileira, goza de superioridade jurídica em relação às outras leis, que não poderão ter existência legítima se com ela contrastarem.
.

Nessa linha, não resta dúvida de que o protagonismo do contexto histórico no julgamento da ADPF nº 153 operou o nocivo papel de deixar de lado os preceitos fundamentais da Constituição vigente, levando os Ministros a conclusões divergentes (ou até equivocadas) acerca do ambiente político que influenciou o texto da Lei da Anistia. Seria aquele um momento de conciliação no qual se pretendia um perdão amplo que inauguraria uma nova página de nossa história, ou um momento frágil, em que a oportunidade de redemocratização não podia ser ameaçada pela exigência de melhores condições para a anistia? Exemplo claro das distintas leituras do contexto histórico foi o destaque dado a depoimento de Dalmo de Abreu Dallari acerca das negociações pela anistia no final dos anos 70.
Na fundamentação de seu voto, o Ministro Relator cita, às fls. 884/885, longo trecho do referido depoimento, o qual a seguir se transcreve:
Nós sabíamos que seria inevitável aceitar limitações e admitir que criminosos participantes do governo ou protegidos por ele escapassem da punição que mereciam por justiça, mas considerávamos conveniente aceitar essa distorção, pelo benefício que resultaria aos perseguidos e às suas famílias e pela perspectiva de que teríamos ao nosso lado companheiros de indiscutível vocação democrática e amadurecidos pela experiência. (...) A idéia inicial de anistia era muito genérica e resultou no lema "anistia ampla, geral e irrestrita", mas logo se percebeu que seria necessária uma confrontação de propostas, pois os que ainda mantinham o comando político logo admitiram que seria impossível ignorar a proposta dos democratas, mas perceberam que uma superioridade de força lhes dava um poder de negociação e cuidaram de usar a idéia generosa de anistia, para dizer que não seria justo beneficiar somente os presos políticos e exilados, devendo-se dar a garantia de impunidade àqueles que, segundo eles, movidos por objetivos patrióticos e para defender o Brasil do perigo comunista, tinham combatido a subversão, prendendo e torturando os inimigos do regime. Nasceu assim a proposta de "anistia recíproca".
De início, procurou-se limitar a anistia aos perseguidos políticos, dizendo-se que não deveriam ser anistiados os que tivessem cometido "crimes de sangue". Isso foi, afinal, sintetizado numa enumeração de crimes que não seriam anistiados, compreendendo, segundo a lei da anistia (Lei nº 6683, de 28 de agosto de 1979), os que tivessem sido condenados "pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal". Em sentido oposto, beneficiando os que abusando de uma função pública tivessem cometido crimes [.] (F)oram abrangidos os que tivessem cometido crimes políticos ou "conexos" com esses. Assim, aquele que matou alguém numa sessão de tortura estaria anistiado porque seu principal objetivo era combater um adversário político. O homicídio seria apenas conexo de outro crime, a ação arbitrária por motivos políticos, que seria o principal. Assim se chegou à Lei da Anistia.

Pela leitura acima, vê-se que ela em nada sustenta o ponto defendido pelo Relator. Parece claro que a intenção de Dallari é a de explicitar que, num contexto ainda de domínio militar, não havia possibilidade de edição de uma lei de anistia que não abarcasse também os torturadores. Porém, naquele momento, essa era uma concessão assumida pelos militantes como necessária, pois se mostrava como o único meio de ter de volta parentes e amigos há anos presos ou fugidos. Ainda assim, "admitir que criminosos participantes do governo ou protegidos por ele escapassem da punição que mereciam por justiça", era algo concebível somente naquele momento: num país sob um regime ditatorial, num Estado de fato, antidemocrático e autoritário.
Não obstante a aparente clareza da mensagem que o jurista pretendia transmitir com seu depoimento, Eros Grau deu às palavras do professor interpretação diametralmente oposta. O Ministro fez menção ao depoimento para concluir que até mesmo "Dalmo de Abreu Dallari, que sofreu [...] prisão e sequestro pela ousadia de não transigir e não calar, empenhado em localizar desaparecidos, salvar torturados, libertar patriotas vítimas de prisão arbitrária, pregando sempre a reparação democrática", enxerga a Anistia como o acordo fundamental que levou o país à democracia.
O "desentendimento" do Ministro foi tamanho que, no artigo Anistia juridicamente impossível, publicado na edição de 10 de outubro de 2014 do Jornal do Brasil, Dallari teceu duras críticas à decisão do STF na ADPF nº 153, afirmando ser absurdo sustentar que entre torturadores e suas vítimas teria havido um acordo.
Já nas primeiras linhas, o jurista cita o texto da Constituição Federal de 1988, de modo a expressar sua profunda decepção com o julgamento que teria o condão de interpretar o parágrafo 1º, do artigo 1º, da Lei 6.683, finalmente, à luz das normas de um estado democrático de direito. Assim vejamos:
Não cabe a aplicação dos benefícios da Lei de Anistia aos torturadores e agentes públicos ou seus auxiliares que praticaram a tortura e outros crimes que, por suas características, caracterizam crimes contra a humanidade, como o assassinato de presos, o desaparecimento de pessoas sob sua guarda e a ocultação de cadáver.[...] Com efeito, a Constituição brasileira, em seu artigo 5º, inciso XLIII, dispõe expressa e claramente: "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura... por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".

E prossegue o jurista:
[...] eles impuseram aos brasileiros a Lei de Anistia, que foi qualificada de "geral e irrestrita", como um subterfúgio para conceder anistia a si próprios, uma auto-anistia, valendo-se, para isso, da aspiração à anistia manifestada por suas vítimas.
Basta isso para que fique mais do que evidente o absurdo do argumento de que a Lei de Anistia foi o produto de um acordo, o resultado de uma negociação entre os chefes da ditadura e os perseguidos políticos, suas vítimas. (...) Assim, em conclusão, o Supremo Tribunal Federal tem agora a oportunidade de rever sua equivocada conclusão anterior e de tomar uma decisão com clara, razoável e sólida fundamentação jurídica, sem concessões a fatores não-jurídicos.

Diretamente citado no voto do Relator, Dallari realmente pareceu dirigir-se ao Ministro em seu artigo, como se estivesse a esclarecer definitivamente o conteúdo do depoimento dado em 2006.
Contudo, Eros Grau mostrou-se insistente: em 20 de outubro de 2014, o Ministro publicou no site Consultor Jurídico, coluna intitulada Incoerência sobre a Lei da Anistia e a injustificável grosseria, motivado pela publicação de artigo de Dalmo Dallari dez dias antes. Interpretando o texto como uma ofensa pessoal, inclusive classificando a postura de Dallari como contraditória, o relator da ADPF nº 153 desabafou:
Não sei ao que atribuir o autêntico venire contra factum proprium do velho professor. Nem mesmo sua idade provecta justifica a grosseria praticada contra minha pessoa.

A relevância da celeuma surgida entre o Ministro Eros Grau e o professor catedrático da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP é exatamente a de demonstrar a fragilidade do método histórico que conduziu a argumentação da maioria dos Ministros no julgamento da arguição.
As dificuldades impostas pela preponderância do método histórico manifestaram-se de modo sensível nas tentativas de desqualificar a inicial proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Tanto é assim, que o parecer sobre a Lei de Anistia, elaborado em 1979 pelo, à época, conselheiro federal da OAB, Sepúlveda Pertence, foi repetidas vezes mencionado como argumento de autoridade, como se, de modo cabal, revelasse a incongruência do pedido da ADPF.
Nas palavras do Ministro Relator: "A mim causaria espanto se a brava OAB sob a direção de Raimundo Faoro e de Eduardo Seabra Fagundes, denodadamente empenhada nessa luta, agora a desprezasse, em autêntico 'venire contra factum proprium'." Em outras palavras: que motivos poderiam levar o mesmo Conselho Federal a querer alterar a interpretação pela qual ele próprio manifestou apoio, após trinta anos da edição da Lei 6.683/79?
Ora, diversos motivos, dentre eles o fato de que a obscuridade da interpretação do §1º, do art. 1º, só foi identificada quando finalmente a impunidade aos agentes da ditadura ganhou publicidade. E isto somente ocorreu, quando a questão extrapolou o âmbito das famílias das vitimas, ganhando as páginas dos jornais, com a realização de uma audiência pública em 2008 – ano do ajuizamento da ADPF nº 153 – pela Comissão de Anistia.
No dia 31 de julho de 2008, no prédio do Ministério da Justiça, em Brasília, a audiência teve o papel de deflagrar a publicização do debate sobre anistia, tornando o que até então era assunto proibido, numa discussão possível. Não há dúvida de que este foi o marco da mudança quanto à possibilidade de julgamentos de torturadores que atuavam em nome do governo militar, provocando a imediata reação da imprensa, ganhando os meios de comunicação de forma inédita. Três meses após, a audiência culminou no ajuizamento da arguição nº 153.
Mas não só por isso. Na leitura do Relator parecia haver um dever de imutabilidade por parte do Conselho Federal da OAB. Porém, não parece crível que se possa impor à sociedade aberta de intérpretes da Constituição tal exigência, especialmente em se tratando de crimes de lesa-humanidade, que, para além do aspecto técnico da imprescritibilidade, não são jamais apagados da história de um povo, chocando e provocando revolta mesmo com o decurso de trinta anos, mesmo com o suceder das gerações.
E, mais uma vez citando as lições de Luís Roberto Barroso, vê-se o equívoco da decisão do Supremo quanto à recepção da Lei de Anistia e a interpretação que ela merece à luz do novo modelo constitucional:
Atente-se para a lição mais relevante: as normas legais têm de ser reinterpretadas em face da nova Constituição, não se lhes aplicando, automática e acriticamente, a jurisprudência forjada no regime anterior. Deve-se rejeitar uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a intepretação retrospectiva, pela qual se preocupa interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo. Com argúcia e espírito, José Carlos Barbosa Moreira estigmatiza a equivocidade dessa postura:
'Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu sobre as diferenças e conclui-se que, à luz daquelas, e a despeito destas, a disciplina da matéria, afinal de contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de interpretação... em que o olhar do intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a representação da realidade que uma sombra fantasmagórica.'

Desse modo, feita a observação quanto ao desacerto do método de interpretação, pode-se prosseguir para o estudo pontual dos argumentos que fundamentaram o acórdão proferido pelo Supremo.

(i) A anistia foi fruto de um acordo político legítimo

Conforme visto, o levantamento histórico realizado pelos Ministros, à exceção do que entenderam Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto, levou-os a concluir que a anistia foi fruto de um acordo, negociado por toda a sociedade, tendo nítido caráter bilateral e, por isso, distinguindo-se de outras anistias unilaterais de governos latino-americanos. Porém, nem sequer se faria necessária a incursão histórica para perceber a unilateralidade da lei, expressa na redação do parágrafo 2º, do artigo 1º: "Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal."
Vê-se, sem sombra de dúvidas, que a anistia trazia uma exceção estranha ao próprio conceito objetivo defendido pelos Ministros do Supremo. Longe de ser amplo, geral e irrestrito, o projeto de lei aprovado excluiu explicitamente o grupo de criminosos políticos perseguidos pelo governo militar, servindo, portanto, à libertação somente daqueles presos clandestina e arbitrariamente. A redação do §2º foi alvo da mais intensa crítica de Sepúlveda Pertence. Em entrevista concedida à Carta Maior e referida por alguns Ministros em seus votos, Pertence relembra sua luta pela eliminação do que chamou de odiosa regra de exclusão do §2º:
No projeto, havia um ponto inegociável pelo Governo: o § 1° do art. 1°, que, definindo, com amplitude heterodoxa, o que se considerariam crimes conexos aos crimes políticos, tinha o sentido indisfarçável de fazer compreender, no alcance da anistia, os delitos de qualquer natureza cometidos nos "porões do regime" - como então se dizia – pelos agentes civis e militares da repressão.
Meu parecer reconheceu abertamente que esse era o significado inequívoco do dispositivo. E sem alimentar esperanças vãs de que pudesse ele ser eliminado pelo Congresso, concentrava a impugnação ao projeto governamental no § 2° do art. 1°, que excluía da anistia os já condenados por atos de violência contra o regime autoritário.

Daí depreende-se que os termos do "acordo" foram eivados de grave desequilíbrio: de um lado, a concessão de anistia geral, total e prévia aos agentes públicos que, apesar de terem sido responsáveis por atos atrozes, de lesa-humanidade, não se submeteram, durante todo o período da ditadura, a qualquer julgamento pelos abusos cometidos; e de outro, uma anistia capenga e mutilada aos opositores do regime, excluídos os processados, julgados e condenados dentro dos parâmetros da justiça militar. A desigualdade de tratamento da lei é flagrante.
Nada obstante, o Relator, fiel à tese da transição negociada, reforçou o perigo da procedência do pedido com as seguintes palavras:
Romper com a boa-fé dos atores sociais e os anseios das diversas classes e instituições políticas do final dos anos 70, que em conjunto pugnaram [...] por uma Lei de Anistia ampla, geral e irrestrita significa também prejudicar o acesso à verdade histórica.

Ocorre que o lema dos atores sociais que lutaram pela anistia – ampla, geral e irrestrita – conforme visto (v. capítulo 1), esteve sempre voltado aos que se encontravam presos, exilados, expurgados, na clandestinidade, e não aos responsáveis por esse sofrimento. De modo que não há dúvida de que o acordo festejado pelo Supremo Tribunal Federal jamais existiu, tendo sido a redação da Lei de Anistia outorgada pelos militares, como um ponto final, impondo o silêncio, que, no entanto, cessou, ainda que passados trinta anos.

(ii) O questionamento da Lei de Anistia à luz da Constituição de 1988 levaria à necessidade de reapreciação de todo o direito infraconstitucional anterior à CF, e, afinal, ao próprio questionamento da legitimidade da ordem constitucional vigente

O segundo ponto que destacamos é o argumento trazido pelo Relator ao apreciar a questão da recepção de leis anteriores à Constituição de 1988. Ao rebater a alegada violação aos princípios democrático e republicano, asseverou o Ministro:
Não vejo realmente como possam, esses argumentos, sustentar-se, menos ainda justificar a Arguição e Descumprimento de Preceito Fundamental.
Pois é certo que, a dar-se crédito a eles, não apenas o fenômeno do recebimento --- a recepção --- do direito anterior à Constituição de 1988 seria afastado, mas também outro, este verdadeiramente um fenômeno, teria ocorrido: toda a legislação anterior à Constituição de 1988 seria, porém exclusivamente por força dela, formalmente inconstitucional. Um autêntico fenômeno, a exigir a legitimação de toda essa legislação pelo órgão legislativo oriundo de eleições livres ou então diretamente pelo povo soberano, mediante referendo. (...) A contradição é, como se vê, inarredável.

Como já dito, no fenômeno da recepção, de fato, toda legislação anterior deve ser reinterpretada à luz da nova Constituição, de modo a realizar um juízo de compatibilidade entre o velho e o novo. Conforme sintetiza Jorge Miranda, três são as consequências jurídicas do que ele chamou de "novação", por importar o fenômeno de recepção em verdadeira recriação das normas anteriores à nova Constituição:
a) Os princípios gerais de todos os ramos de Direito passam a ser os que constem da Constituição ou os que dela se infiram directa ou indirectamente, enquanto revelações dos valores fundamentais da ordem jurídica acolhidos pela Constituição;
b) As normas legais e regulamentares vigentes à data da entrada em vigor da nova Constituição têm de ser reinterpretadas em face desta e apenas subsistem se conformes com as suas normas e os seus princípios;
c) As normas anteriores contrárias à Constituição, mesmo que contrárias a normas programáticas, não podem subsistir – seja qual for o modo de interpretar o fenómeno da contradição.

Portanto, não há razão para o espanto do Ministro com o pedido arguido pelo CFOAB. O debate envolvendo Constituição nova e direito infraconstitucional anterior foi solucionado no Brasil à luz dos princípios da supremacia da Constituição - já citado - e da continuidade da ordem jurídica, pelo qual se entende que, toda legislação ordinária que não seja incompatível com a nova Constituição, mantém sua eficácia. Assim, evita-se a situação temida pelo Relator de um completo vácuo legislativo pelo fenômeno da inconstitucionalidade absoluta.
Em suma, a avaliação pelo Judiciário da intepretação conferida ao parágrafo 1º da Lei de Anistia, jamais teria o condão de levar ao tal fenômeno sugerido pelo Ministro. A resposta requerida ao Supremo era somente quanto à recepção da norma extraída do texto do dispositivo questionado: se havia ou não afronta ao sistema constitucional de 88 e aos princípios nele consagrados. Conforme nos alerta Luís Roberto Barroso, muitas vezes, embora o texto da norma recepcionada permaneça o mesmo, "poderá ela merecer leitura e intepretação diversas, quando o novo ordenamento esteja pautado por princípios e fins distintos do anterior." Sendo exatamente esta a situação posta na ADPF nº 153.
Sobre a inconstitucionalidade formal de toda legislação anterior, tem prevalecido de maneira tranquila na jurisprudência brasileira o entendimento de que, a incompatibilidade entre norma infraconstitucional e Constituição superveniente deve ser pronunciada incidentalmente, na apreciação do caso concreto, e não em tese, mediante ação direta de inconstitucionalidade. Ou seja, os efeitos da incompatibilidade levam à revogação da norma e não à declaração de sua inconstitucionalidade, conforme destacou o Min. Relator.
Assim, mesmo que já há muito pacificados pelo Supremo, esses debates ressuscitaram com grande destaque no voto do relator, de modo anacrônico, para embasar seu entendimento pela improcedência.

(iii) A anistia concedida pela Lei 6.683/1979 foi constitucionalizada pela EC 26/85, sendo verdadeiro fundamento da atual ordem constitucional

O argumento da constitucionalização da anistia pela Emenda Constitucional nº 26/85, a mesma que convocou a Assembleia Nacional Constituinte, levou Marlon Weichert, durante o Congresso Internacional Justiça de Transição nos 25 Anos da Constituição de 1988, a afirmar que o Supremo analisou a validade da intepretação dada à Lei 6.683/79 com as lentes de um ditador.
Lançando mão desse argumento, Gilmar Mendes fez referência ao juiz espanhol Baltasar Garzón, que à época do julgamento da ADPF era processado por prevaricação, em razão do ordenamento da prisão de Augusto Pinochet, querendo dizer que o questionamento da Lei 6.683/79 no Brasil levaria à mesma consequência. De acordo com o Ministro, o modelo compromissório adotado pela Constituição de 88 impediria a procedência do pedido. Porém, ao fazê-lo, Gilmar Mendes inseriu no compromisso da Carta Constitucional normas anteriores à Constituição, vinculando o movimento de inauguração de uma nova ordem a uma norma advinda de tudo aquilo que se queria deixar para trás.
Assim, recorrendo novamente a Luís Roberto Barroso:
Em nenhuma hipótese, contudo, será correto o argumento de que o Texto em vigor não terá sido fruto de um poder constituinte originário, porque convocado pelos órgãos do poder constituído anterior. Mais do que em qualquer outro momento da história brasileira, a Constituição de 1988 é produto legítimo do exercício da soberania popular, com as virtudes e vícios que daí advêm, sobretudo quanto às imperfeições do sistema representativo.

Com isso, refutam-se ambos os argumentos, o de que questionar a legitimidade da Lei de Anistia leva, ao fim, ao questionamento da legitimidade da própria ordem constitucional vigente, por ter ela sido convocada por um ato do regime ditatorial, e o da constitucionalização da anistia pela EC 26/85, a qual de modo algum vinculou o poder constituinte originário que dela surgiria.

(iv) A revisão da interpretação conferida à lei violaria a segurança jurídica pelo atingimento de situação jurídica já constituída e exaurida à luz da Lei de Anistia

Este argumento foi trazido pelo Ministro Relator, Eros Grau, sob o aspecto da "boa-fé dos atores sociais", e acompanhado pela maioria do Pleno. Trata-se da discussão clássica no debate da Justiça de Transição, tendo como grandes precedentes históricos o Tribunal de Nuremberg e, posteriormente, o julgamento dos guardas do Muro de Berlim. A célebre solução adotada pelos alemães foi o uso da fórmula de Radbruch, pela qual uma lei injusta não é uma lei, afastando o princípio nulla poena sine lege em relação aos criminosos de guerra, de modo a processá-los e julgá-los.
Embora possa suscitar críticas, a aplicação da fórmula nem mesmo foi ventilada pelo Supremo, que preferiu proteger a segurança jurídica das relações reguladas e exauridas pela Lei de Anistia. No entanto, mesmo a segurança jurídica não pode ter a conotação dada pelo STF no julgamento da ADPF nº 153, pelo menos não no Estado Democrático de Direito brasileiro atual. É o que explica Luiz Regis Prado:
A moderna noção de Estado de Direito, como Estado constitucional, não se coaduna mais com o mero Estado legal, regulado por leis (...).
A partir desse paradigma de Estado, a segurança jurídica assume perfis bem definidos: condição do Direito, não apenas como legalidade positiva, mas decorrente dos direitos fundamentais, que lastreiam a ordem constitucional, e função do Direito, que permite e assegura a realização das liberdades.

Portanto, o valor da segurança jurídica deve ser invocado para atender aos direitos fundamentais, de modo a assegurar o exercício das liberdades constitucionais. Dessa forma, a proteção conferida pelo Supremo à confiança dos agentes da ditadura de que teriam seu direito à impunidade mantido, feriu exatamente os princípios e direitos fundamentais pelos quais a segurança jurídica deveria zelar.

(v) O déficit democrático do Judiciário para operar a revisão

Finalmente, por tudo que foi visto acima, não resta dúvida de que a questão da anistia envolve eminentemente matéria de atribuição do Poder Judiciário, e, especialmente do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição. O pedido da arguição foi o de dar intepretação conforme a Constituição ao §1º, do artigo 1º, da Lei 6.683/79, pois a intepretação até então conferida ao dispositivo violava preceitos fundamentais do Texto Constitucional.
A revisão da lei seria operada, portanto, não pela via da declaração de sua inconstitucionalidade ou de sua revogação, mas pela via da interpretação conforme a Constituição, que busca não a intepretação mais óbvia que se possa extrair da leitura do dispositivo, mas aquela que se revela compatível com a Lei Fundamental. Trata-se de processo de interpretação que visa, na maior medida possível, a preservar o texto legal, mantendo-o íntegro, mas restringindo sua aplicação àquilo que o Tribunal julgar compatível com a Constituição.
Assim, derruba-se o argumento do déficit democrático do Judiciário, pois ele estaria exercendo a função que lhe cabe dentro da separação dos poderes: interpretar as leis. E, tratando-se do Supremo Tribunal Federal: interpretar as leis conforme a Constituição, de modo a resguardá-la de normas que a contravenham.
O déficit democrático somente faria sentindo se também fizesse a ideia do acordo político. Negado o acordo, tem-se que a Lei 6.683/79 fez parte de um pacote de transição outorgado pelo regime militar, pautado por concessões unilaterais violadoras do princípio republicano e que não se coadunam com os atuais princípios do Estado brasileiro.
Portanto, em que pesem os argumentos trazidos pelo Ministro Eros Grau, e seguidos pela ampla maioria do Pleno do STF, a improcedência do pedido para conferir intepretação conforme ao §1º, do art. 1º, da Lei 6.683/79, nos parece equivocada, merecendo ser superada, conforme adiante veremos.



3. O NOVO CENÁRIO

No capítulo anterior, foi ressaltado o fato de que, pela primeira vez na história do Supremo Tribunal Federal, uma ação a ser por ele julgada, concorria com outra, de mesmo objeto, a ser julgada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos: o caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. Conforme observado, havia chances de ocorrência de decisões conflitantes, o que, no entanto, não impediu o Supremo de proceder à apreciação da ADPF nº 153, cujo resultado levou à total improcedência do pedido de dar ao §1º, do art. 1º, da Lei de Anistia interpretação conforme a Constituição.
Exatamente como era esperado, apenas sete meses após a publicação do acórdão pelo STF, foi publicada a sentença da CIDH em sentido oposto ao decidido por nosso Tribunal Constitucional, condenando o Brasil a rever os termos da anistia concedida pela Lei 6.683/79. Portanto, num intervalo de menos de um ano, iniciaram-se profundas mudanças no debate quanto à revisão da Lei de Anistia, que, longe de ter sido encerrado com a decisão do STF, estava apenas começando a amadurecer.

3.1. A condenação do Brasil perante a CIDH

O caso Gomes Lund e outros vs. Brasil chegou até a Corte de San José através de petição encaminhada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 07.08.1995 pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e pela Human Rights Watch/Americas, pedindo o reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro pelas pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia e seus familiares. Porém, somente em março de 2009 a demanda foi submetida pela Comissão à Corte.
A origem da Guerrilha do Araguaia coincidiu com a trajetória seguida pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) a partir de sua criação, em 1960. Dissidência do até então chamado Partido Comunista Brasileiro (PCB), o PCdoB tinha por fim trazer para o país as ideias vindas da China comunista, contrariando o ideal de uma transição pacífica do capitalismo para o socialismo e, enfim, para o comunismo, e afirmando a necessidade de uma verdadeira revolução armada a ser iniciada no campo. Assim, tendo como eixos principais o combate ao imperialismo e ao latifúndio, o partido disseminaria a via chinesa para o comunismo, a qual pressupunha "um amplo processo de mobilização popular, no qual a guerrilha cumpre apenas uma etapa, certamente menos importante do que o chamado 'trabalho de massas ."
Portanto, a escolha da região do Araguaia, no sudeste do Pará, atendia aos princípios do partido, mostrando-se estratégica para o atingimento dos objetivos da guerrilha:
O interior é o campo propício à guerra popular. Aí existe uma população que vive no abandono, na ignorância e na miséria. Nos mais diversos níveis, os camponeses empenham-se na luta pelos seus direitos. Devido à repressão brutal dos latifundiários e da polícia, as ações no campo assumem logo caráter radical. Sobretudo nas regiões de posseiros são frequentes os choques armados com os grileiros.

Cerca de seis anos após a instalação da guerrilha, em 1972 teriam início os combates diretos com as forças militares. Conforme indicam os dados recolhidos pela Comissão Nacional da Verdade, naquele momento, havia 69 guerrilheiros numa área de aproximadamente 6.500 km². Nesse mesmo ano, foi divulgado pela "Unidade pela liberdade e pelos direitos do povo" (ULDP), documento oficializando e condensando os principais objetivos da guerrilha e, a partir dali, os conflitos se seguiriam até o ano de 1974, quando finalmente o exército brasileiro exterminou a luta armada do Araguaia, com a chamada Operação Marajoara.
Dividida em duas fases, uma de neutralização da rede de apoio à Guerrilha, e outra de ataque às áreas de depósitos e esconderijos identificados em operação anterior, a Operação Marajoara terminou com um saldo de 56 guerrilheiros mortos (cujos corpos ainda se encontram desaparecidos) e mais de duas centenas de camponeses presos sob acusação de apoio à guerrilha.
Em 1982 – oito anos após o extermínio da guerrilha – iniciou-se a luta dos familiares das vítimas para descoberta das circunstâncias das mortes e localização dos restos mortais dos desaparecidos. Perante a Justiça Federal do Distrito Federal, Julia Gomes Lund e outros 21 familiares de desaparecidos durante os combates no Araguaia, ajuizaram ação em face da União objetivando a condenação da Requerida a fornecer a indicação das sepulturas de seus parentes, para consequente expedição de atestados de óbito, bem como a entregar o relatório oficial do Ministério da Guerra datado de 5 de janeiro de 1975.
Alegando questões processuais e a inexistência do relatório requerido, em novembro de 1985, a União obteve em primeiro grau a extinção do processo sem resolução do mérito, pelo fundamento de impossibilidade jurídica do pedido, ante a inexistência de norma expressa que estabelecesse a obrigação de indicar o local da sepultura. Porém, em 1993, a decisão foi revertida por acórdão unânime do TRF, que determinou que União apresentasse o relatório de 1975 requerido pelos autores.
A União recorreu através de Recurso Especial, cujo seguimento foi negado pelo caráter nitidamente procrastinatório, e, no ano de 2000, por meio de ofício do comando do Exército, informou mais uma vez a inexistência do relatório.
De volta à primeira instância para apreciação do mérito, o processo foi julgado em 2006 pela juíza Solange Salgado que condenou a União, determinando à Ré:
[...] a quebra de sigilo das informações militares relativas a todas as operações realizadas no combate à Guerrilha do Araguaia; informe ao juízo onde estão sepultados os restos mortais dos familiares dos autores, mortos na Guerrilha do Araguaia, bem como para que proceda ao traslado das ossadas, o sepultamento destas em local a ser indicado pelos autores, fornecendo- lhes, ainda, as informações necessárias à lavratura das certidões de óbito; apresente a este juízo todas as informações relativas à totalidade das operações militares relacionadas à Guerrilha, incluindo-se, entre outras, aquelas relativas aos enfrentamentos armados com os guerrilheiros, à captura e detenção dos civis com vida, ao recolhimento de corpos de guerrilheiros mortos, aos procedimentos de identificação dos guerrilheiros mortos quaisquer que sejam eles, incluindo-se as averiguações dos técnicos/peritos, médicos ou não, que desses procedimentos tenham participado, as informações relativas ao destino dado a esses corpos e todas as informações relativas à transferência de civis vivos ou mortos para quaisquer áreas.
[...] para o integral cumprimento desta decisão determino à ré que, sendo necessário, proceda a rigorosa investigação, no prazo de 60 (sessenta) dias, no âmbito das Forças Armadas, para construir quadro preciso e detalhado das operações realizadas na Guerrilha do Araguaia, devendo para tanto intimar a prestar depoimento todos os agentes militares ainda vivos que tenham participado de quaisquer das operações, independente dos cargos ocupados à época, informando a este juízo o resultado dessa investigação.

Em novo recurso ao TRF a Requerida foi mais uma vez vencida, tendo o acórdão determinado que a entrega dos documentos estabelecida na sentença de primeiro grau deveria ser feita em audiência solene, com a presença de ministros de Estados e comandantes das Forças Armadas. A audiência não ocorreu em virtude de HC impetrado por alguns desses ministros e a sentença somente teve seu cumprimento iniciado em março de 2009.
Diante do relato do curso do processo, fica claro o protelamento do feito por parte da União, que levou a uma espera de quase trinta anos para que a ação proposta em 1982 pelos familiares de desaparecidos começasse a surtir seus efeitos. Por isso, a Comissão Interamericana, responsável pelo juízo de admissibilidade dos casos levados ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, submeteu a demanda à Corte de San José, sob o fundamento de que a delonga no trâmite processual afastava a alegação do Brasil de ausência de esgotamento das instâncias internas, reforçando, ainda, os seguintes motivos em favor da admissibilidade:

[...] porque, "em virtude da Lei nº 6.683/79 […], o Estado não realizou uma investigação penal com a finalidade de julgar e punir as pessoas responsáveis pelo desaparecimento forçado de 70 vítimas e a execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva […]; porque os recursos judiciais de natureza civil, com vistas a obter informações sobre os fatos, não foram efetivos para assegurar aos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada o acesso a informação sobre a Guerrilha do Araguaia; porque as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo Estado restringiram indevidamente o direito de acesso à informação pelos familiares; e porque o desaparecimento das vítimas, a execução de Maria Lúcia Petit da Silva, a impunidade dos responsáveis e a falta de acesso à justiça, à verdade e à informação afetaram negativamente a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada". A Comissão solicitou ao Tribunal que declare que o Estado é responsável pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conexão com as obrigações previstas nos artigos 1.1 (obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposições de direito interno) da mesma Convenção. Finalmente, solicitou à Corte que ordene ao Estado a adoção de determinadas medidas de reparação.

E mais, a Comissão julgou que o caso representava uma importante oportunidade para a consolidação da jurisprudência do Sistema Interamericano acerca de leis de anistia com relação aos desaparecimentos forçados e à execução extrajudicial, e a consequente obrigação dos Estados de instrumentalizar o direito à verdade, de investigar, processar e punir graves violações de direitos humanos. Assim, a exemplo das sentenças que já proferira, inclusive citadas no julgamento da ADPF nº 153, a Corte reiterou seu entendimento, afirmando que a Lei de Anistia brasileira, ao contrário do caráter bilateral frisado pelo Supremo, impede a investigação e a sanção de graves violações a direitos humanos, sendo, portanto, incompatível com a Convenção Americana, da qual o país é parte.
Quase um ano antes do reconhecimento pelo Brasil da jurisdição da Corte Interamericana, ocorrido em 1998, o caso Blake vs. Guatemala já evidenciava o entendimento da CIDH de que o fato de graves violações a direitos humanos terem sido praticadas por um Estado-parte antes do seu reconhecimento quanto à jurisdição da Corte seria irrelevante para o julgamento dessas condutas, posto que as obrigações de investigá-las e de punir penalmente os responsáveis perduram no tempo, não se exaurindo juntamente com o cometimento do ato em si. Esse entendimento foi reforçado em 2005 no julgamento do Suriname por um massacre ocorrido em novembro de 1986 (Caso de La Comunidad Moiwana vs. Suriname). Na oportunidade, a Corte de San José assentou que o Estado deveria responder por seus atos omissivos após o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, entre eles, o de não ter investigado e punido os autores do massacre.
Seguindo essa orientação, no caso Gomes Lund, a Corte decidiu que teria jurisdição quanto a todos os atos de caráter permanente ou contínuo, como os desaparecimentos forçados, e quanto à omissão e aos fatos de responsabilidade do Estado brasileiro ocorridos após 10.12.1998. Abarcados nestes últimos estavam: a falta de investigação, julgamento e sanção das pessoas responsáveis por crimes de lesa-humanidade; a falta de efetividade dos recursos judiciais de caráter civil a fim de obter informações sobre os fatos; as restrições ao direito de acesso a informação; e o sofrimento dos familiares.
Finalmente, a Corte afastou a tese da quarta instância sustentada pelo Brasil, que significaria que o julgamento do caso faria com que a Corte operasse o papel de revisora dos julgamentos do STF. A tese não vigorou, pois o tribunal interamericano exerce a função de apreciar as condutas do Estado brasileiro em face da Convenção, o que se chama de controle de convencionalidade. Portanto, não há a pretensão de reincidir julgados: o que o Caso Gomes Lund representou foi a avaliação da compatibilidade da Lei 6.683/79 com a Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada e internalizada pelo Brasil, e não uma reapreciação da compatibilidade da referida lei com a Constituição brasileira, esta sim objeto da decisão do Supremo.
Assim, afastadas as preliminares, no mérito, a Corte condenou o Brasil por unanimidade, contando inclusive coma concordância do juiz ad hoc indicado pelo Brasil. Em síntese, a sentença condenatória abordou cinco principais aspectos: (i) foi afastada a anistia não só aos envolvidos na Guerrilha do Araguaia, mas também a todos os agentes da repressão da ditadura militar brasileira responsáveis por graves violações a direitos humanos. Isso porque, conforme o entendimento da Corte, são incompatíveis com a Convenção todas as anistias que alcancem crimes de lesa humanidade; (ii) o Brasil foi responsabilizado pelo desaparecimento forçado de opositores ao regime militar, conduta esta que configura violação permanente da Convenção. Segundo a sentença, ficou demonstrado que o Brasil continua sem definir o paradeiro de 60 vítimas desaparecidas, de modo que essa omissão contínua do Estado brasileiro configura uma infração ao dever de prevenção de violações dos direitos à integridade pessoal e à vida, previstos nos artigos 5º e 4º da Convenção; (iii) foram superadas as alegações de prescrição e de falta de tipificação prévia do desaparecimento forçado pelo fundamento de que, à época dos fatos, já existia no costume internacional a imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade. Assim, a Corte reiterou seu entendimento de inadmitir as disposições de anistia, de prescrição e o estabelecimento de quaisquer excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como tortura, execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e desaparecimentos forçados, todas elas proibidas por violarem direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos; (iv) houve violação ao direito à verdade, pelo entrave na busca de informações a respeito da Guerrilha do Araguaia, bem como pela excessiva demora, excedendo o prazo de duração razoável, da Ação Ordinária proposta em face da União pelos familiares dos desparecidos na guerrilha; e (v) o Brasil foi condenado pela violação à integridade pessoal dos familiares das vítimas em seu aspecto psíquico, posto que os desaparecimentos forçados, além do repúdio internacional e das óbvias violações aos direitos humanos da vítima, deixam seus familiares na total incerteza sobre o destino de seus entes queridos.
Assim, declarando sem efeitos as disposições da Lei 6.683/79 que impeçam a investigação e a sanção a graves violações de direitos humanos, a Corte fixou as reparações a serem implementadas pelo Brasil, sendo elas a obrigação de investigar, processar e punir os autores de violações de direitos humanos na época da ditadura, a determinação do paradeiro das vítimas, a adoção de medidas de reabilitação e satisfação - envolvendo desde o tratamento psicológico aos familiares das vítimas, até o estabelecimento de um "Dia dos desaparecidos políticos no Brasil", com a realização de um ato público de reconhecimento oficial do Brasil de sua responsabilidade internacional -, e o implemento de garantias de não repetição, tendo sido exigida pela Corte a tipificação do delito de desaparecimento forçado.

3.2 A instauração e o relatório final da CNV

Em maio de 2012, foi instituída pela Lei nº 12.528/2011 a Comissão Nacional da Verdade (CNV), a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional. Com relatório final divulgado em dezembro de 2014, a CNV revelou de forma minudente as atrocidades e violações a direitos humanos perpetrados pelo Estado brasileiro no período de 1964 a 1985, chamando a atenção aos vícios insanáveis que contaminaram a elaboração do "pacto social" que resultou na Lei de Anistia. Talvez não seja possível dizer que a instauração da comissão foi decorrência direta da condenação sofrida pelo Brasil em novembro de 2010, mas certamente a CNV teve o papel de dar cumprimento a alguns dos pontos estabelecidos pela sentença da CIDH.
O dever de revelar a verdade é mandamento constitucional previsto, em especial, no artigo 5º, inc. XXXIII, e também em dispositivos referentes à publicidade, trazendo em seu bojo a ideia de que o Estado não deve acumular informações em seu próprio interesse ou de seus agentes. No entanto, a necessidade de uma comissão nacional da verdade fez-se presente no Brasil exatamente em função do período militar vivido. Nesse sentido, a ausência de leis que regulassem os termos do acesso à informação, pode ser entendida como reflexo do regime ditatorial e, não à toa, a lei federal que criou a CNV foi aprovada juntamente com a Lei de Acesso à Informação.
As comissões da verdade são órgãos de caráter temporário - com prazo certo para encerrar sua atividade -, oficialmente criados pelo Estado para investigar sua história de violação a direitos humanos, tendo como foco as vítimas dessas violações. São, portanto, órgãos investigativos, incumbidos da realização de audiências públicas e privadas, e não de processar, julgar ou condenar nenhum ator social objeto da sua investigação.
Não obstante isso, o encerramento das atividades da CNV previa a elaboração de um relatório final contendo as principais conclusões e recomendações, dirigido ao Chefe de Estado, e encaminhado à Procuradoria da República e ao Judiciário, o que foi feito em dezembro de 2014.
Assim, a partir de sua criação, a Comissão Nacional da Verdade ocupou-se do reestabelecimento dos fatos e circunstâncias das condutas violadoras de direitos humanos praticadas durante a ditadura, revisitando o passado brasileiro de modo inédito com o acesso a documentos até então inacessíveis. Conforme os artigos 3º, incisos VI e VII e 11, da Lei 12.528/2011, que criou a CNV:
Art. 3o São objetivos da Comissão Nacional da Verdade:
VI - recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; e 
VII - promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações. 
Art. 11. A Comissão Nacional da Verdade terá prazo até 16 de dezembro de 2014, para a conclusão dos trabalhos, e deverá apresentar, ao final, relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e as recomendações.
Parágrafo único. Todo o acervo documental e de multimídia resultante da conclusão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade deverá ser encaminhado ao Arquivo Nacional para integrar o Projeto Memórias Reveladas.

Em 10 de dezembro de 2014, a CNV encerrou suas atividades, cumprindo seus objetivos e apresentando seu relatório final, contendo três volumes, disponíveis e acessíveis ao público. As conclusões atingidas pela comissão foram de quatro ordens: em primeiro lugar, através dos trabalhos realizados, houve a comprovação das graves violações a direitos humanos praticadas no Brasil no período de 1964 a 1988, especialmente durante o regime militar (1964-85); em segundo lugar, ficou comprovado o caráter sistemático e generalizado dessas graves violações, denotando que mais do que um excesso de alguns agentes públicos, elas integravam a política do Estado brasileiro à época; em terceiro lugar, a comissão concluiu que houve a caracterização de ocorrência de crimes contra a humanidade, conforme o entendimento construído pelo jus cogens do direito internacional ao longo do século XX, sendo esta configuração estabelecida pelo caráter desumano das práticas, num contexto de ataque, pelo Estado contra a população civil, de forma generalizada e sistemática, e com a consciência de seus autores sobre essas circunstâncias. Dessa forma, os crimes de tortura, as execuções, os desaparecimentos forçados, as ocultações de cadáver, as prisões ilegais e arbitrárias, revestidas desses elementos, constituíram, comprovadamente, crimes contra a humanidade; por fim, em quarto lugar, diante das conclusões anteriores, a comissão entendeu que há, ainda hoje, a persistência do quadro de graves violações de direitos humanos no país.
A partir dessas conclusões, com o objetivo de prevenir e assegurar a não repetição do quadro vivido durante o regime militar e de promover o aprofundamento da democracia brasileira, foram propostas vinte e nove recomendações, sendo dezessete medidas institucionais, oito iniciativas de reformulação normativa e quatro medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV. São elas as seguintes:
A) Medidas institucionais: (i) reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985); (ii) determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV, afastando-se, em relação a esses agentes, a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, e em outras disposições constitucionais e legais; (iii) proposição, pela administração pública, de medidas administrativas e judiciais de regresso contra agentes públicos autores de atos que geraram a condenação do Estado em decorrência da prática de graves violações de direitos humanos; (iv) proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964; (v) reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos; (vi) modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais, para promoção da democracia e dos direitos humanos; (vii) retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos; (viii) retificação de informações na Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg) e, de forma geral, nos registros públicos; (ix) criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura; (x) desvinculação dos institutos médicos legais, bem como dos órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das polícias civis; (xi) fortalecimento das Defensorias Públicas; (xii) dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso; (xiii) instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário e nos órgãos a ele relacionados; (xiv) fortalecimento de Conselhos da Comunidade para acompanhamento dos estabelecimentos penais; (xv) garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às vítimas de graves violações de direitos humanos; (xvi) promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na educação; (xvii) apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e promoção dos direitos humanos.
B) Reformas constitucionais e legais: (xviii) revogação da Lei de Segurança Nacional; (xix) aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado; (xx) desmilitarização das polícias militares estaduais; (xxi) extinção da Justiça Militar estadual; (xxii) exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal; (xxiii) supressão, na legislação, de referências discriminatórias das homossexualidades; (xxiv) alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão; (xxv) introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal;
C) Medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV: (xxvi) estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV; (xxvii) prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos; (xxviii) preservação da memória das graves violações de direitos humanos; (xxix) prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar.
Diante das numerosas recomendações, percebe-se que as conclusões alcançadas pela CNV revelam a impossibilidade de convivência entre democracia e expedientes como o abuso de poder e práticas cruéis, que, no entanto, persistem no Brasil. Dessa forma, partindo da ideia de que a impunidade originada com a Lei de Anistia constitui um verdadeiro obstáculo à sustentação de nossas instituições, a CNV, mais do que reconstruir a memória, pretendeu estabelecer novos rumos para a ordem democrática brasileira, desvinculando-a, enfim, do passado autoritário.

3.3 O ajuizamento da ADPF nº 320

Em maio de 2014, mesmo ano em que a Comissão Nacional da Verdade concluiu seus trabalhos, foi proposta a ADPF nº 320, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), visando a dar cumprimento à condenação do Brasil perante a CIDH. A inexecução da sentença da Corte Interamericana, conforme arguido pelo partido, gera inconstitucionalidade por omissão do Estado brasileiro ante o desrespeito ao Sistema Internacional de Direitos Humanos, violando os preceitos fundamentais dos artigos 1º, III, 4º, I, e 5º, §§ 2º e 3º da Constituição da República de 1988.
Logo que sobreveio a condenação, estudiosos do tema defenderam que a declaração de compatibilidade da Lei 6.683/79 com o sistema constitucional brasileiro, definida no julgamento da ADPF nº 153, não representava qualquer óbice ao cumprimento da sentença da Corte de San José. Ao contrário, a não execução ensejaria a responsabilização internacional do Estado, podendo o Brasil vir a ser coagido a reparar os danos advindos de sua inércia, pois um Estado não pode justificar o descumprimento de uma obrigação internacional em virtude de mandamento interno. Naquele momento, afirmava André de Carvalho Ramos:
Assim, caso, por exemplo, o Brasil venha a descumprir o comando de uma sentença definitiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos em virtude de decisão de nosso STF, o Estado brasileiro será responsabilizado internacionalmente pela violação da obrigação de cumprir em boa-fé seus compromissos internos (no caso, o compromisso estabelecido no art. 63 da Convenção Americana de Direito Humanos de cumprir as sentenças da Corte).

Apesar disso, passados mais de três anos da condenação, pontos cruciais da sentença não haviam sido objeto de qualquer providência pelo Brasil, de modo que a ADPF nº 320 visa a que o STF reconheça a validade e o efeito vinculante da decisão da Corte Interamericana no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil.
Ajuizada a arguição, a União rechaçou o cabimento da ADPF ao argumento de que o instrumento não seria meio hábil para meramente dar execução a julgados internacionais, alegando, ainda, que o pedido veiculado seria genérico. No mérito, a União afirmou a inexistência de omissão estatal, demonstrando que os pontos resolutivos da sentença da CIDH, especialmente os 3 e 9, vinham sendo cumpridos pelo Brasil. No mais, afirmou que medidas para processar e julgar agentes públicos não vinham sendo impedidas pela manutenção da Lei da Anistia.
Por seu turno, o Congresso Nacional afirmou a validade da Lei de Anistia à luz do decidido pelo Supremo, de modo que a questão estaria encerrada, e acrescentou que a jurisdição da Corte de Direitos Humanos não poderia alcançar fatos pretéritos à sua internalização no direito brasileiro.
Na mesma linha da União, a Advocacia-Geral da União, também afastou o cabimento da ADPF por veicular pedido genérico de dar cumprimento a sentença internacional, frisando a inutilidade do provimento, tendo em vista a aplicabilidade e eficácia diretas das sentenças da Corte de San José no ordenamento brasileiro.
Já a Procuradoria Geral da República, em parecer assinado por Rodrigo Janot, manifestou-se pela procedência parcial da arguição. Acolhendo o argumento do pedido genérico, a PGR entendeu que o pleito para que o Supremo determinasse a todos os órgãos do Estado brasileiro que dessem cumprimento integral aos doze pontos decisórios constantes da sentença do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, não merecia integral provimento, pelo fato de que o arguente não provou o inadimplemento do Brasil quanto a todos os pontos resolutivos da decisão da Corte.
Confira-se a ementa:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO GOMES LUND E OUTROS VS. BRASIL. ADMISSIBILIDADE DA ADPF. LEI 6.683, DE 28 DE AGOSTO DE 1979 (LEI DA ANISTIA). AUSÊNCIA DE CONFLITO COM A ADPF 153/DF. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. CARÁTER VINCULANTE DAS DECISÕES DA CORTE IDH, POR FORÇA DA CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, EM PLENO VIGOR NO PAÍS. CRIMES PERMANENTES E OUTRAS GRAVES VIOLAÇÕES A DIREITOS HUMANOS PERPETRADAS NO PERÍODO PÓS-1964. DEVER DO BRASIL DE PROMOVER-LHES A PERSECUÇÃO PENAL.

Nota-se que o principal fundamento sustentado pela PGR é a existência de um conflito apenas aparente entre as decisões do Supremo e da Corte, esclarecendo que, sendo a primeira, a avaliação de compatibilidade da Lei de Anistia com o sistema constitucional nacional, e a segunda, de compatibilidade da mesma lei com a Convenção Americana de Direitos Humanos, há diversidade dos instrumentos de análise, inexistindo, portanto, qualquer incompatibilidade entre as decisões. Além disso, a Procuradoria entendeu que, tendo o Brasil se submetido de forma soberana e juridicamente válida à jurisdição da Corte, as decisões dela emanadas vinculam todos os órgãos e poderes do país, de modo que a única hipótese possível para o descumprimento das decisões seria a declaração de inconstitucionalidade do ato de incorporação da Convenção ao direito interno.
Portanto, a existência de uma segunda decisão versando sobre objeto já decidido pelo Supremo Tribunal Federal não caracteriza bis in idem, posto que os instrumentos de avaliação foram diversos. Explica-se: para que se sustentasse, a Lei de Anistia precisaria passar por um duplo filtro de compatibilidade - com a Constituição brasileira e com a Convenção Americana de Direitos Humanos -, e ela não sobreviveu a este segundo exame. Esse duplo controle advém da adesão do Brasil ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e dos princípios constitucionais internos de proteção aos direitos humanos à luz da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, conclui-se que, diversamente do pedido da ADPF nº 153, que discutia a compatibilidade com a Constituição brasileira da interpretação dada ao §1º, do art. 1º, da Lei 6.683/79, a ADPF nº 320 tem por fim estabelecer os marcos do diálogo entre a jurisdição internacional da Corte Interamericana de Direitos Humanos e jurisdição do Judiciário brasileiro.
Quanto à alegação de inexistência de óbice à persecução penal pela Lei de Anistia, a PGR, contrariando o posicionamento da União, destacou que, mesmo após a condenação internacional, iniciativas propostas pelo Ministério Público Federal têm sido rejeitadas por decisões judiciais que se baseiam em fundamentos de anistia, prescrição e coisa julgada e não reconhecem a natureza permanente dos crimes de desaparecimento forçado. Assim, o parecer conclui que há uma flagrante inobservância por parte dos órgãos internos do país, especialmente do Judiciário, quanto à decisão da Corte Interamericana, restando violados os preceitos fundamentais dos artigos 1º, III, 4º, I, e 5º, §§ 2º e 3º da Constituição da República de 1988.
Nessa linha, arrematando o cabimento da arguição, o parecer citou o entendimento adotado pelo Supremo na ADPF 187/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello:
Cabe rememorar, no ponto, que esta Suprema Corte, em alguns precedentes, já reconheceu a admissibilidade da arguição de descumprimento que tenha por objeto decisões judiciais veiculadoras de comandos, resoluções ou determinações que possam afetar a integridade de preceitos fundamentais.

No mérito, a Procuradoria reconheceu na inércia do Estado brasileiro a violação aos preceitos fundamentais dos arts.1º, III, 4º, I, e 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição da República de 1988, reforçando que o cumprimento da condenação é mandatório em vista do efeito vinculante das sentenças proferidas pela CIDH para todos os órgãos e poderes estatais, conforme previsão do artigo 68(1) da Convenção. Nas palavras de Marlon Alberto Weichert:
[...] é indispensável, antes de tudo, compreender que a adesão à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o reconhecimento da jurisdição obrigatória da CIDH foram atos soberanos e voluntários do Estado brasileiro. [...] foi o Brasil, por suas autoridades constitucionalmente competentes (Presidência da República e Congresso Nacional), que decidiu integrar o sistema interamericano de direitos humanos. Não se identifica nenhuma mácula no processo de ratificação da Convenção, ou de sua aprovação em âmbito interno. Outrossim, nenhum Estado estrangeiro compeliu o País a tomar parte desses atos e organismos internacionais.

Portanto, o Estado brasileiro, ao ratificar e internalizar a Convenção Americana de Direitos Humanos, aceitando submeter-se à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, reconheceu soberanamente que tais providências mantinham perfeita harmonia com nosso sistema constitucional interno, por reforçar seus valores fundamentais. Assim, o Brasil estabeleceu que seu compromisso de zelo com os direitos humanos estaria sujeito a um duplo mecanismo de garantia: nossa Constituição e a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Por fim, a Procuradoria confirmou o caráter de lesa-humanidade das práticas militares desenvolvidas contra civis durante a ditadura militar, afirmando que o Estado à época resistiu às "práticas subversivas" por mecanismos à margem da lei, como invasões de domicílio, sequestros, tortura e desaparecimentos forçados – expressão que se difundiu no plano internacional a partir de milhares de casos de sequestro, homicídio e ocultação de cadáver de militantes políticos contrários a regimes ditatoriais instalados na América Latina. A necessidade de processar, julgar e punir os agentes públicos responsáveis por atos atrozes contra civis durante a ditadura militar brasileira, foi esclarecida à luz das lições do penalista egípcio M. Cherif Bassiouni:
[...] 'crimes contra a humanidade' não são apenas aqueles contra uma dada vítima em um contexto singular ou isolado pelo qual o perdão possa ser prerrogativa da vítima. Nesses crimes, toda a humanidade é afetada pela vitimação de um dado grupo humano.
A questão nesse tipo de crime não é o ódio, mas justiça retributiva e simbólica. A primeira está bem estabelecida na doutrina do direito penal; a segunda pouco tem sido suscitada porque a maioria dos autores que lidam com esse tipo de questão a aborda na perspectiva da vítima tradicional do crime praticado internamente: o indivíduo. Nenhum tratou daqueles crimes internacionais que chegam a ponto de vitimar um grande segmento de uma dada sociedade que é parte da comunidade mundial. A punibilidade do autor independentemente de tempo e lugar é um ingrediente necessário da responsabilidade penal internacional, especialmente na medida em que não existe mecanismo repressivo supranacional capaz de aplicar consistentemente o direito.
A virtude de perdoar um indivíduo é uma 'generosidade de julgamento' que pode ser aplicada em casos individuais, mas não é virtude alguma perdoar uma categoria inteira de delinquentes que cometeram os piores crimes contra uma categoria inteira de vítimas. É, pois, correto 'insistir [em] que há ocasiões em que não é moralmente apropriado [perdoar] – em especial quanto uma parte muito grande da pessoa está moralmente morta. Estabelecer regras de prescrição é perdão por negativa de justiça, retribuição, prevenção geral futura, mas também significa aceitar a potencialidade de questionamento futuro de estirpe moral.
O perdão é um presente, uma concessão, que uma comunidade lança sobre um malfeitor, mas apenas para sublinhar o valor moral da vítima ou porque encontrou valor moral redentor no auto do crime. Ele não pode ser uma decisão abstrata aplicável a toda uma categoria de delinquentes em nome de uma categoria de vítimas. Denegar a concessão do perdão nesses casos não significa respaldar o ódio ou a vingança mas expressar o senso mais básico de justiça e equidade. Insistir na persecução é, nesses casos, um dever moral, ético, jurídico e pragmático que nenhuma quantidade de tempo decorrido deve apagar.

Nesses termos, o Procurador-Geral da República concluiu seu parecer pela parcial procedência da ADPF nº 320 manifestando-se pela comunicação pelo STF, nos termos do art. 10, da Lei 9.882/1999, a todos os poderes de que a persecução penal de graves violações a direitos humanos deve observar os pontos resolutivos 3, 5, 9 e 15 da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos em face do Brasil no caso GOMES LUND, em razão de seus efeitos vinculantes para todos os órgãos administrativos, legislativos e judiciais do Estado brasileiro, e opinando: a) pelo não conhecimento do pedido cumulativo genérico veiculado na fl. 14 da petição inicial, consistente na determinação, pelo Supremo Tribunal Federal, de que "todos os órgãos do Estado brasileiro deem cumprimento integral" aos pontos decisórios da sentença do caso GOMES LUND; b) pelo conhecimento parcial e pela procedência parcial da arguição de descumprimento de preceito fundamental, para que o Supremo Tribunal Federal dê ao art. 1o da Lei 6.683/1979 (Lei da Anistia), interpretação conforme a Constituição (art. 10, caput e § 3o, da Lei 9.882/1999), de maneira a excluir qualquer exegese que possa: b.1) ensejar extinção de punibilidade de crimes de lesa-humanidade ou a eles conexos, cometidos por agentes públicos, civis ou militares, no exercício da função ou fora dela; e b.2) acarretar a extensão dos efeitos da lei a crimes permanentes não exauridos até 28 de agosto de 1979 ou a qualquer crime cometido após essa data. c) pelo conhecimento e improcedência do pedido de interpretação conforme a Constituição no que se refere à incidência da Lei 6.368/1979 a crimes continuados.
Até o atual momento, a ADPF nº 320 encontra-se conclusa ao relator, Ministro Luiz Fux, aguardando julgamento.

3.4 A possibilidade de revisão à luz das inovações fáticas

Diante das três mudanças tratadas acima – condenação do Brasil perante a CIDH (2010), instauração e relatório final da CNV (2012/14) e ajuizamento da ADPF nº 320 (2014) – surge uma nova perspectiva no âmbito da revisão da Lei de Anistia. Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da compatibilidade da Lei 6.6883/79 com a Constituição Federal, decorreu um breve período de tempo até que essas inovações deixassem claro que o debate não se encerrou, pois embora o Supremo tenha o "monopólio da última palavra", vimos que, em matéria de proteção aos direitos humanos, tema que envolve a aplicação da Lei de Anistia, o Brasil se comprometeu a um duplo filtro de garantia com a adesão ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Além disso, nesse mesmo período, outras mudanças puderam ser observadas, podendo repercutir diretamente no caso. Uma delas é a própria composição do Tribunal Constitucional brasileiro, que contou com a nomeação de cinco novos Ministros, dentre eles o Relator da ADPF nº 320, Luiz Fux.
Outro dado interessante é que, desde 2014, o Supremo está sob a presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Primeiro a votar pela procedência da ADPF nº 153, o atual Ministro Presidente, desde que assumiu o cargo, foi responsável pela promoção de importantes iniciativas no âmbito da proteção aos direitos humanos, como o desenvolvimento e aplicação do Projeto Audiência de Custódia, que visa a garantir a rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. Destaque-se que a iniciativa foi objeto de recomendação pela Comissão Nacional da Verdade.
Além disso, no corrente ano, em visita oficial à Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, o Presidente do STF firmou acordo de cooperação técnica com a CIDH, visando ao aperfeiçoamento de juízes brasileiros em temas de direito humanos. A medida tem o intuito de aprimorar a efetividade dos magistrados no tratamento de causas envolvendo direitos humanos e reduzir o volume de demandas movidas contra o Brasil na Comissão.
Dessa forma, não parece haver dúvida de que a via para a revisão da Lei 6.683/79 está traçada. Resta, portanto, analisar os meios adequados para essa operação, pois, embora tenhamos visto que há um conflito meramente aparente entre a decisão do STF na ADPF nº 153 e a sentença condenatória da CIDH, haverá necessariamente uma mudança de paradigma a ser feita pelo Supremo, gerando repercussões práticas a serem dirimidas pelo Tribunal. Conforme veremos, a adoção de mecanismos de superação de precedentes se mostra de fundamental importância para que, enfim, haja a revisão da Lei de Anistia, permitindo o integral cumprimento da condenação imposta pela CIDH.


4. OS MECANISMOS DE SUPERAÇÃO DE PRECEDENTES COMO INSTRUMENTO PARA A REVISÃO DA LEI DE ANISTIA

As decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, como as produzidas no julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, produzem eficácia contra todos, sendo dotadas de efeitos vinculantes, conforme preveem os artigos 10, §3º, da Lei 9.882/1999, 102, §2º, CF. Elas representam o que a doutrina convencionou chamar de "precedentes vinculantes", uma vez que, aliada à força mandatória que possuem perante todos os poderes, têm eficácia erga omnes.
Nada obstante, em situações em que o julgado decida pela validade de um dispositivo em face da Constituição, o precedente vinculante terá ampliada sua possibilidade de superação. Isso se deve ao fato de que tais decisões são dotadas de um inerente reconhecimento de que mudanças no sentido da Constituição ou transformações na realidade que lhe é subjacente podem alterar o entendimento inicial pela validade do dispositivo, de modo que não haverá formação de coisa julgada material.
Assim, diversamente do que ocorre nos casos de procedência de um pedido de reconhecimento de incompatibilidade com a Constituição Federal, nas hipóteses de improcedência, a lei ou ato normativo permanecerão intactos. Nesse sentido, não seria apropriado impedir o Supremo Tribunal Federal de reapreciar a relação de compatibilidade anteriormente referendada, se novos argumentos, novos fatos e mudanças formais ou informais no sentindo da própria Constituição sobrevierem.
Vê-se que é este o caso da decisão da ADPF nº 153. Ao reconhecer a compatibilidade da intepretação dada à Lei 6.883/79 com a CRFB, o Supremo manteve inalterados o dispositivo questionado e seu modo de intepretação. Porém, embora tenhamos visto que nessa situação o precedente vinculante é dotado de uma "presunção de mutabilidade", ainda assim sua revogação deverá ser orientada pelos mesmos fundamentos de segurança, eficiência e isonomia que levaram à construção da posição anterior, conforme a seguir veremos.
Por ora, a constatação de inexistência de coisa julgada material na decisão da ADPF nº 153, nos fornece um primeiro elemento capaz de conduzir à superação do entendimento firmado pelo STF. No entanto, outros elementos deverão ser somados a este, como a observância dos standards especiais para superação de julgados, devendo-se, ainda, avaliar se há e quais são os fundamentos para que se dê eficácia retroativa à superação. Mas antes disso, um breve desvio acerca da crescente relevância dos precedentes no Brasil deve ser feito.

4.1 O papel dos precedentes na jurisdição constitucional e sua crescente relevância no Brasil

A evolução dos mecanismos de jurisdição constitucional no Brasil e, especialmente, a atribuição de força vinculante e geral aos precedentes judiciais, representa uma forte aproximação do nosso sistema jurídico, de civil law, ao sistema do common law, no qual a ideia de vinculação aos julgados possui papel central. A valorização dos precedentes significa que os casos julgados definitivamente pelo STF serão capazes de orientar as instâncias ordinárias e o poder público em suas decisões, tendo o acatamento amplo à jurisprudência o condão de realizar três grandes princípios constitucionais: segurança jurídica, isonomia e eficiência. Luís Roberto Barroso, esmiuçando cada uma dessas potencialidades, esclarece:
De fato, o respeito generalizado aos precedentes, por parte de juízes e tribunais, assegura a previsibilidade das condutas, elemento fundamental da ideia de segurança. Por outro lado, a aplicação da mesma solução a casos efetivamente equiparáveis impede que se produzam resultados discriminatórios em relação a pessoas que se encontrem na mesma situação. E, por fim, a observância dos precedentes, como regra geral, simplifica a atuação dos órgãos judiciais, permitindo decisões objetivas e com motivações sucintas.

Mais recentemente, com a edição do Novo Código de Processo Civil, os precedentes ganharam menção expressa em nossa lei processual civil, marcando definitivamente seu apreço para o direito brasileiro. No entanto, mesmo com sua trajetória de valorização, é preciso atentar para o fato de que os precedentes são dotados de vinculação prima facie, vale dizer, haverá situações em que merecerão ser suplantados, seja em respeito à consciência do juiz, seja para impedir o perigo do engessamento da jurisprudência.
É nesse contexto, que surge a seguinte questão: quais são os elementos e problemas a serem tidos em conta na superação de um entendimento firmado judicialmente?

4.2 As condições e os princípios para a revisão de julgados

Na linha do que foi dito acima, vimos que o acatamento aos precedentes representa a um só tempo valores de isonomia, eficiência e de segurança jurídica, mas também a possibilidade de violação à livre consciência do juiz e de engessamento da jurisprudência. Assim, o equilíbrio dessas duas tendências antagônicas, levará à conclusão de que o abandono de um entendimento consolidado, no lugar de levar a uma possível descrença na legitimidade do Judiciário ou a um abalo à confiança dos jurisdicionados, é plenamente compatível com o sistema de valorização dos precedentes, posto que essa valorização só se justificará enquanto os fundamentos de segurança, eficiência e isonomia persistirem. E aí reside a compatibilidade da superação com o sistema: ela somente ocorrerá se lastreada pelos mesmos fundamentos (segurança, eficiência e isonomia) que outrora levaram à construção de um precedente.
Em síntese, os mecanismos para o abandono de um julgado são os seguintes: a) overruling, integral superação do precedente anterior; b) overriding, revogação parcial de uma decisão; c) transformation, atribuição de um novo significado a um entendimento, ensejando os mesmos resultados práticos de sua revogação; d) prospective overruling, mudança da doutrina com efeitos futuros; e) signaling, mera sinalização da intenção de se alterar o direito aplicável a determinadas circunstâncias.
A adoção de um ou outro mecanismo elencado acima deve estar orientada basicamente por duas razões: incongruência social ou inconsistência sistêmica de um precedente. A primeira delas, conforme leciona Patrícia Perrone, está ligada à ideia de que a manutenção de um julgado errado, injusto, obsoleto, ainda que possa atender aos anseios de estabilidade, regularidade e previsibilidade dos técnicos do direito, aviltará o sentimento de segurança do cidadão comum. Já a segunda, associa-se à ideia de harmonia que deve estar presente em um ordenamento jurídico, impedindo que um julgado seja com ele incompatível.
Mas não é só. A verificação de uma das duas razões referidas não será o bastante para que se opere a revisão de um julgado, pois não se podem perder de vista os importantes valores perseguidos e instrumentalizados pelo acatamento a um julgado, seja pelas instâncias ordinárias do Judiciário, seja pelos órgãos da Administração Pública, que por ele pautaram suas decisões. Desse modo, para o abandono de um entendimento, o Tribunal deverá avaliar os custos relativos à medida, levando em conta: a) a segurança dos cidadãos que confiaram no julgado anterior; b) a quebra de isonomia entre os jurisdicionados; c) as consequências que a medida gerará para a administração da justiça e sua eficiência; e d) o impacto (positivo ou negativo) sobre a credibilidade do tribunal. Considerados estes pontos, se o resultado da avaliação levar a que os benefícios superem os prejuízos, concluir-se-á em favor da mudança.
Quanto aos princípios que devem orientar a superação de precedentes, temos que o primeiro deles é o de que a promoção da revisão de um julgado sempre dependerá da existência da incongruência social ou da inconsistência sistêmica do julgado. O segundo é o de que a revogação de um precedente somente pode ocorrer quando, sob o ponto de vista social e sistemático, as vantagens de tornar congruente uma regra superarem os custos envolvendo a quebra da segurança jurídica e dos demais valores protegidos pela vinculação ao precedente. O terceiro envolve a confiança dos jurisdicionados, preceituando que um precedente não deve ser subitamente revogado quando violar injustamente a confiança nele depositada. Finalmente, a suplantação de um entendimento deve ser mais conservadora quando a matéria ou as circunstâncias do caso indicarem que a lei é o instrumento mais adequado para a modificação do direito.

4.3 Os possíveis parâmetros para a superação do precedente firmado na ADPF nº 153: fundamentos para dar eficácia retroativa à revisão

Tradicionalmente, doutrina e jurisprudência identificam as seguintes hipóteses de superação de julgados: a) a existência de precedentes inexequíveis na prática porque a regra é inoperável, obscura ou porque foi desfigurada por distinções arbitrárias; b) a compreensão atual de uma doutrina como injusta ou incorreta, em virtude de mudanças culturais, políticas, sociais econômicas ou tecnológicas; c) a obsolescência do julgado em decorrência da evolução dos princípios jurídicos aplicáveis; d) o reconhecimento de que uma exegese é originalmente incorreta.
Adotando essa divisão e à luz dos elementos anteriormente vistos, nos parece que o julgamento da ADPF nº 153 adéqua-se à última hipótese - o reconhecimento de que uma exegese é originalmente incorreta. No emblemático Bowers vs. Hardwich, a Suprema Corte Americana observou que quando (i) o próprio direito em vigor não sustenta o desfecho atingido em um caso; e (ii) há um consenso regional ou internacional acerca de um direito, diverso do definido pela decisão, estará caracterizada a intepretação originalmente errada, havendo importantes razões em favor de sua superação e inexistindo elementos relevantes em favor de sua manutenção.
No caso da decisão do STF na ADPF nº 153, para além das inovações que se seguiram ao julgamento, pontuadas no capítulo anterior, no âmbito da América Latina, a existência de decisões internacionais conflitantes com decisões internas acerca do tema da anistia não era inédita. Com efeito, já havia densa jurisprudência da Corte IDH no sentindo de declarar de nenhum efeito as anistias concedidas a agentes públicos no contexto de sistemáticas e graves violações a direitos humanos.
Quanto ao direito interno, vimos que o sistema constitucional vigente, orientado pela dignidade da pessoa humana e pelos princípios democrático e republicano, não foi considerado de forma preponderante no julgamento da ADPF pelo Supremo. O Tribunal adotou um critério basicamente histórico, interpretando a Lei de Anistia à luz do contexto de sua edição, isto é, de um Estado de fato, autoritário e arbitrário, provocando o desencanto e as críticas dos que tanto aguardaram a análise da Lei 6.683/79 à luz das regras democráticas de um Estado de Direito.
Portanto, verifica-se que estão reunidos os elementos que permitem caracterizar o entendimento fixado na ADPF nº 153 como originalmente errado. Resta, enfim, delimitar quais são os possíveis parâmetros a serem adotados para a superação do precedente, de modo a dar cumprimento à sentença condenatória aplicada pela CIDH, levando à revisão da Lei 6.683/79. Vamos a eles.
Um dos principais argumentos contrários à revisão da Lei de Anistia refere-se à vedação da retroatividade da lei penal in malam partem. No entanto, conforme decidido pela Corte Europeia de Direitos Humanos, no julgamento do caso C.R. v. United Kingdom, em que a Corte Europeia confirmou a condenação do réu pela prática do crime de estrupo contra sua cônjuge, a garantia da legalidade em matéria penal, não deve ser entendida "de forma a excluir o gradual esclarecimento das regras de responsabilidade criminal através de interpretação judicial caso a caso, desde que o desenvolvimento resultante seja consistente com a essência da ofensa e possa ser razoavelmente previsto".
Com essa construção a Corte Europeia definiu que, ainda que à época da prática da conduta o agente estivesse acobertado por uma excludente de ilicitude, se era razoavelmente previsível que ela poderia/ deveria ser extinta, os efeitos dessa exclusão devem retroagir para permitir a persecução e a punição do autor do crime. O caso C.R. v. United Kingdom, tinha por objeto exatamente essa situação: à época do cometimento do crime, os tribunais ingleses absolviam os réus pelo delito de estupro, desde que praticado em relações conjugais. Não havendo dúvida de que se tratava de excludente odiosa, sua extinção, levando à punição do marido pela violação à dignidade sexual de sua mulher, eram resultados razoavelmente previsíveis.
À luz dos direitos humanos e fundamentais, a jurisprudência internacional sugere três principais parâmetros para resolução da problemática acerca da retroatividade da lei penal: (i) a punição dos responsáveis não afeta o âmbito de proteção da garantia porque os crimes contra a humanidade já eram considerados imprescritíveis à época dos fatos pelo costume internacional, norma de direito cogente; (ii) a punição dos responsáveis não afeta o âmbito de proteção da norma porque a garantia protege apenas a confiança na vigência de regras jurídicas válidas, o que não é o caso da lei de anistia ou das regras do direito interno que autorizam a prescrição de crimes contra a humanidade; e (iii) a proibição contra retroatividade, nesse caso, está contida no âmbito de proteção da norma, mas a garantia constitucional tem natureza principiológica e portanto a definição final de seu conteúdo está sujeita ao sopesamento com princípios colidentes.
Num dos mais importantes precedentes históricos sobre retroatividade da lei penal in malam partem, o julgamento dos soldados alemães responsáveis pela segurança do Muro de Berlim durante a Guerra Fria, a condenação dos responsáveis seu deu com base no segundo parâmetro - a garantia protege apenas a confiança na vigência de regras jurídicas válidas -, ao argumento de que os agentes públicos não poderiam se beneficiar de "situação autoreferencial", na qual eles mesmos eram fonte produtora de suas próprias causas de justificação:
[...]Depois da mudança para uma ordem política democrática os agentes responsáveis não podem confiar que suas condutas continuarão justificadas pela forma "específica" através da qual o direito é interpretado por regimes não-democráticos. Para mim, essa é uma conclusão obrigatória, que deriva da inerente universalidade dos direitos humanos e dos valores democráticos, pelos quais todas as instituições democráticas estão vinculadas.

Já Argentina e Chile, ao apreciarem suas condenações perante a CIDH, usaram a tese de que o princípio da nulla poena sine lege não se aplica a situações que, pelo costume internacional, já fossem consideradas violações ao jus cogens. Aliás, conforme visto, foi este também o critério utilizado pela CIDH para condenar o Brasil. Raul Zaffaroni, Ministro da Corte Constitucional Argentina, responsável pela declaração da inconstitucionalidade da lei de anistia local, referiu-se ao tema de modo muito claro em entrevista concedida em 2009:
[...] nós declaramos que a lei era totalmente inconstitucional, seguindo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Argentina condenou só os comandantes. Depois declararam a anistia, mas o governo Menem indultou os condenados. Nós declaramos a nulidade da anistia e dos indultos. Declaramos a nulidade de tudo.
ConJur — Qual foi o argumento?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Estava contra o que nós tínhamos ratificado no tratado interamericano de Direito Humanos. O Tratado Interamericano proíbe essas leis.

Portanto, assim como fizeram seus vizinhos, o Brasil deverá declarar a nulidade da anistia concedida aos agentes da ditadura, reconhecendo a eficácia e a aplicabilidade diretas da condenação sofrida perante a CIDH. Para tanto, será necessário superar o entendimento firmado pelo STF em 2010, de modo que, dos mecanismos de superação de precedentes apresentados, o overruling se mostra como o mais adequado, pois levará ao abandono integral da decisão adotada na ADPF nº 153, permitindo a fixação de um paradigma inteiramente novo pelo Supremo.

4.4 Conclusões sobre a superação da ADPF nº 153

Diante de todo o exposto, podemos concluir que a revisão da Lei de Anistia afigura-se plenamente possível. De plano, a inexistência do óbice da coisa julgada material já advogaria em favor da possibilidade de superação, porém é a reunião dos demais elementos vistos que permite dizer que a revisão, mais do que uma possibilidade, é medida necessária.
Recapitulando as condições expostas, temos que a incongruência social do precedente é o que deve orientar o abandono do julgado, pois, conforme visto no capítulo 2, o STF, ao invocar a segurança jurídica, a pretexto de proteger a boa-fé dos atores sociais envolvidos na luta pela anistia, prestigiou apenas as ideias de estabilidade, regularidade e previsibilidade dos técnicos do direito, desprezando os valores de justiça dos cidadãos comuns. Explica-se: o cidadão comum espera que uma decisão seja justa, dentro do que seu bom senso e padrões morais indicam como sendo o correto, de modo que, para o leigo, não há proteção à segurança jurídica que possa legitimar a impunidade a crimes de lesa-humanidade cometidos pelo Estado contra seu povo, e que produzem impactos negativos até hoje.
Esse entendimento é corroborado pelo parâmetro internacional que afirma que a punição de agentes públicos responsáveis por graves violações a direitos humanos não afeta o âmbito de proteção da norma porque a garantia da segurança jurídica protege apenas a confiança na vigência de regras jurídicas válidas, o que não é o caso da lei de anistia ou das regras do direito interno que autorizam a prescrição de crimes contra a humanidade.
Com isto, atende-se ao princípio de que é vedado violar injustamente a confiança depositada num precedente, posto que não é legítima a tutela da certeza que os agentes do regime militar tinham de que suas condutas seriam e continuariam sendo justificadas pela forma através da qual o direito é interpretado por regimes autoritários. Logo, o abandono da decisão não leva a uma violação injusta da confiança.
Superada análise quanto à segurança, é preciso ainda sopesar as vantagens da medida em relação aos custos quanto à eficiência, isonomia e credibilidade do Tribunal.
Quanto à eficiência, parece claro que o abandono do precedente da ADPF nº 153 desempenhará o papel de encerrar os conflitos já verificados entre MPF e Judiciário quanto à persecução e julgamento dos responsáveis por crimes de lesa-humanidade durante a ditadura militar brasileira. Vimos que a noção de eficiência traz em seu bojo a simplificação da atuação dos órgãos judiciais, permitindo decisões objetivas e com motivações sucintas, graças ao acatamento dos precedentes vinculantes proferidos pelos Tribunais Superiores. No entanto, o acatamento ao precedente da ADPF nº 153 vem impedindo esse objetivo, pois representa um obstáculo ao reconhecimento da eficácia vinculante e direta da sentença proferida pela CIDH contra o Brasil, dificultando a consolidação do entendimento acerca da Lei 6.683/79.
Em relação à isonomia, a atribuição de efeitos retroativos à revogação leva a que todos recebam igual tratamento, não havendo beneficiados, pois o objetivo primordial da superação é exatamente o de levar a julgamento todos os agentes, punindo-os se for o caso.
Por fim, quanto à credibilidade do órgão julgador, a doutrina dos precedentes destaca que, nesse aspecto, o Tribunal deve levar em conta as consequências que a revogação ou a manutenção de uma orientação produzirá sobre a sociedade. Assim, tendo em vista as conclusões do relatório final da CNV, ficou comprovado que a manutenção do quadro de impunidade que marcou nosso regime de transição é responsável pela fragilidade de nossa democracia e pela continuação de práticas estatais violadoras das garantias e direitos fundamentais. Nessa linha, a superação do entendimento reforçaria a confiança em nossa Corte Constitucional, que se mostraria comprometida com a guarda e com a promoção dos valores humanitários perseguidos pelas instituições de um Estado democrático e republicano.
Em relação ao último princípio condutor da superação de julgados, podemos dizer que, tanto a matéria quanto as circunstâncias do caso indicam que, ao contrário do que afirmou o Ministro Eros Grau, não seria uma lei o instrumento mais adequado para a modificação da abrangência da anistia concedida pela Lei 6.683/79. Conforme se infere dos capítulos anteriores, alguns são os fatores que apontam nesta direção. Inicialmente, vimos que o objeto da ADPF nº 153 envolvia a intepretação de dispositivo de lei pré-constitucional à luz da CRFB, ou seja, típica matéria de atribuição do Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal. Em segundo lugar, já existe provimento condenatório de eficácia plena e vinculante da Corte de San José, determinando a investigação e a punição dos agentes da ditadura militar responsáveis por crimes de lesa-humanidade. E, em terceiro lugar, a tentativa de revisão da Lei de Anistia pela via legislativa encontra-se em tramitação desde 2013 no Congresso Nacional, contando, por enquanto, apenas com parecer da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional pela rejeição do Projeto de Lei nº 237 de 2013.
Com efeito, seja qual for o parâmetro adotado para a revisão do entendimento sobre a Lei de Anistia - (i) os crimes contra a humanidade já eram considerados imprescritíveis à época dos fatos pelo costume internacional, norma de direito cogente; (ii) a garantia de segurança jurídica protege apenas a confiança na vigência de regras jurídicas válidas; e (iii) a garantia da irretroatividade constitucional tem natureza principiológica e portanto a definição final de seu conteúdo está sujeita ao sopesamento com princípios colidentes -, todas as condições para essa operação estão presentes, não restando dúvida de que as vantagens do abandono do precedente do Supremo superam os valores eventualmente protegidos por sua manutenção.
Por fim, de modo a harmonizar possíveis tensões entre supremacia da Constituição de um lado e superioridade das normas de Direito Internacional em face do direito interno de outro, um novo parâmetro deve ser adotado pelo Tribunal Constitucional brasileiro: a intepretação constitucional cosmopolita. Isso porque, em regra, a adesão de um Estado a um sistema regional de proteção a direitos humanos, significa que existe entre ambos um objetivo comum de reforço e promoção de valores humanitários. Porém, quanto à validade da Lei de Anistia brasileira verificou-se uma exceção a essa regra.
Assim, tudo recomenda que a divergência entre as decisões interna e internacional seja dirimida pela via hermenêutica, no sentido de que o STF deverá buscar ajustar a legislação interna à normativa internacional, "no afã de construir interpretações da primeira que se compatibilizem com parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos."


CONCLUSÃO

Neste trabalho vimos que a fragilidade da democracia estabelecida após a ditadura de Vargas, reinseriu o país num longo período de exceção, que embora não tenha inaugurado as práticas violentas por nosso Estado, representou o momento de ápice dessa institucionalização. Ocorre que, mesmo com seu término em 1985, a ditadura militar tem seus efeitos sentidos até hoje em virtude da impunidade de seus crimes, garantida pela Lei de Anistia.
Conforme visto no capítulo 1, a intensa mobilização popular pela anistia iniciada no final da década de 70 foi apropriada pelos militares, que nela enxergaram a oportunidade de encerrar impunes sua tríade composta por golpe – "limpeza" – retorno aos quartéis. A análise do contexto histórico permitiu ver que o "acordo político" que nos levaria de volta à democracia, foi fruto de mais uma outorga militar estrategicamente pensada para manter na ilegalidade os "subversivos", excluídos da anistia pelo parágrafo 2º da lei, e para forjar um meio obscuro de impunidade aos agentes públicos através de uma definição inédita de crime conexo.
No capítulo 2, foi examinada a primeira proposta de revisão da Lei 6.683/79, provocada pelo CFOAB, através do ajuizamento da ADPF nº 153. Vimos que, a despeito da expectativa pela procedência da arguição, o Supremo Tribunal Federal, acolhendo as razões do relator do caso, Ministro Eros Grau, rejeitou o pedido. Utilizando-se do método de intepretação histórica, o Supremo avaliou a Lei de Anistia à luz do contexto de sua edição e afirmou ser ilegítimo rever os termos de um acordo político realizado pelo povo brasileiro há mais de trinta anos e que nos levou, pela via da concórdia, à democracia.
Porém, a partir da análise dos argumentos apresentados no julgamento, vimos que a decisão alcançada em 2010, por partir de premissas equivocadas, chegou a conclusão também equivocada, especialmente por ter desconsiderado o quadro latino-americano de condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. E mais, por ter desprezado a existência de demanda com mesmo objeto contra o Brasil a ser julgada pela Corte de San José.
No capítulo 3, foram pontuadas as mudanças ocorridas em relação ao tema da anistia após o julgamento da ADPF nº 153. Partindo da condenação do país pela CIDH, vimos que, com a instauração da Comissão Nacional da Verdade, o povo brasileiro teve acesso a documentos e depoimentos da ditadura, que comprovaram a sistemática violação a direitos humanos praticada pelo Estado contra seu povo. Porém, mesmo diante das terríveis constatações da CNV, o Brasil manteve-se inerte quanto ao cumprimento de importantes pontos da sentença da Corte IDH, o que justificou o ajuizamento da ADPF nº 320. Pendente de julgamento, e com parecer favorável da PGR pela parcial procedência do pedido, a ADPF nº 320 visa a que o Estado brasileiro reconheça a eficácia e aplicabilidade diretas da condenação internacional, para que os órgãos de todos os poderes observem seu fiel cumprimento.
Após traçar esse novo cenário, vimos no capítulo 4 como os mecanismos de superação de precedentes poderiam instrumentalizar, enfim, a revisão da Lei de Anistia. Através do estudo das condições e princípios da superação de julgados, foram sugeridos parâmetros internacionais que levassem ao abandono do entendimento firmado pelo STF em 2010, concluindo-se pela adoção do mecanismo de overruling. Assim, vimos que o abandono do precedente da ADPF nº 153 afigura-se plenamente possível e alinhado aos valores de segurança jurídica, eficiência e isonomia que orientam a doutrina dos precedentes.
Por fim, sugerimos a adoção do cosmopolitismo ético pelo Supremo Tribunal Federal como método de intepretação capaz de harmonizar as possíveis tensões entre nossa Corte Constitucional e a Corte de San José. Através de sua exigência de que às fontes transnacionais seja dado o devido peso argumentativo na intepretação da Constituição, o cosmopolitismo permitiria um salutar convívio entre as Cortes em aparente conflito, especialmente pelo fato de que o Brasil aderiu soberana e voluntariamente à Convenção Americana de Direitos Humanos. Dessa forma, reforçado o peso da fonte internacional, a revisão da Lei 6.683/79 seria fruto de um inédito e enriquecedor diálogo entre Cortes rumo à efetividade dos direitos humanos e fundamentais.
Diante de todo o exposto, o presente trabalho se encerra com a reflexão de que o tema da Lei da Anistia, assim como qualquer outro que envolva questões de justiça, traz em si concepções divergentes de honra e virtude, orgulho e reconhecimento. Afinal, não à toa o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Diretos Humanos, ambas instituições de guarda e zelo da dignidade da pessoa humana, chegaram a decisões opostas quanto à questão, o que nos leva inevitavelmente à pergunta: o que é digno de honra e recompensa?
Instigados por essa reflexão, procuramos desenvolver nosso raciocínio tendo em conta, na maior medida possível, os argumentos contrários à revisão da Lei, de modo a avaliar os diversos dilemas suscitados pela proposta de revisão. Através disso, acreditamos ter trazido importantes elementos que nos permitem afirmar que os benefícios da revisão da Lei 6.683/79 superam os prejuízos. A conclusão a que chegamos é a de que, quando uma categoria inteira de agentes, que cometeram os piores crimes contra uma categoria inteira de vítimas, promove sua autoanistia, a virtude de perdoar deve ceder em favor do dever ético e jurídico de insistir na persecução, pois nessa situação o perdão é moralmente inapropriado: a procura da vantagem pessoal é o oposto de toda manifestação de justiça.
Dessa forma, o abandono do entendimento firmado na ADPF nº 153 não pode ser motivo para temores de retrocesso quanto às garantias fundamentais da pessoa contra o arbítrio estatal. Ao contrário, a persecução penal e o julgamento de crimes de lesa-humanidade realizados no bojo de um Estado de Direito, como agora é o brasileiro, são medidas de reforço a essas garantias, pois levam ao esclarecimento e à punição dos responsáveis por óbitos ocorridos sob tortura, execuções sumárias e desaparecimentos de mais de três centenas de brasileiros, cumprindo a importante tarefa de garantir que tais práticas não continuem a se repetir.



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