A Lei Internacional e o papel das Organizações Internacionais

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Universidade Federal de Uberlândia
Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais
Disciplina: Instituições Internacionais
Aluna: Ana Laura Magalhães
Aula 3
A Lei Internacional e o papel das Organizações Internacionais

Em 1998, Kenneth Abbott e Dundan Snidal publicaram no Jornal de Resolução de Conflitos o texto "Why states act trough formal international organizations", artigo em que analisam o comportamento dos estados através das organizações internacionais formais e questionam o que faz com que estes estados utilizem destas organizações como veículos de cooperação. Além disso, o porquê deles optarem por esta forma de relação em detrimento de formas descentralizadas e informais. A idéia é de que dentre as funções das organizações internacionais que enfatizam sua incontestável importância na facilidade em que se promulgam como mediadoras de negociações, também exercem o papéis de implementação de contratos, resolução de disputas, manuseio de conflitos, projeção de assistência técnica em atividades operacionais, elaboração de normas, e melhoria de discursos internacionais, entre outros. A partir do princípio de que estados são atores racionais que utilizam as organizações internacionais para atingir seus objetivos, o ponto de partida da discussão é o dialogo entre racionalistas e institucionalistas, em conjunto com a aceitação do ideal da Teoria de Regime de Krasner (1983) e Keohane (1984) que muito bem explica cooperação no Sistema Internacional. Os racionalistas consideram ingênuos os pensadores que acreditam na seriedade política das organizações internacionais, enfatizando a anarquia do Sistema como a ausência de uma entidade supra estatal, característica inerente e imutável do Cenário Internacional, além do fato de alegarem que as organizações nada mais são do que um reflexo dos interesses dos países que a compõe. A utilidade de uma organização é em torno da redução de custos, distribuição de informação, idéias, normas, e expectativas de forma a legitimar ou não algumas práticas que potencializam o poder dos Estados. Do ponto de vista dos institucionalistas, por sua vez, a utilidade das organizações internacionais, dentro de suas formalidades, são caracterizadas por uma estrutura estável e concreta com aparato administrativo e certa autonomia em determinadas esferas de atuação. Como organismos centralizados, emanam eficiência e independência no incentivo à interação interestatal, além de seu papel na elaboração de normas e mediação de disputas. Uma organização bem estabelecida promove fóruns de negociação, impulsiona a interação entre os membros e ainda responde prontamente à características súbitas de desenvolvimento. Não obstante, a estrutura das organizações influencia a evolução da cooperação interestatal na medida em que as condições se modificam, afinal, o papel das organizações vai além do suporte de negociações, mas no manuseio de uma variedade de atividades operacionais. Organizações operacionais são geralmente compostas por burocracias, estruturas complexas, operações substanciais, possuem próprio budget, e autonomia, influenciando capacidades, entendimentos, e os interesses dos estados. Mesmo com todas estas características de uma organização formal, os estados podem elaborar normas fora do escopo de uma organização internacional, mas de maneira descentralizada e sem cobertura de custos de transações e controle de oportunismo. A participação de uma organização internacional como elemento independente pode transformar a relação entre os estados, enfatizando a legitimidade, e a eficiência, por exemplo, de maneira a promover a cooperação intergovernamental.
Presume-se que dentre todas as funções de uma organização, a mais importante é o desenvolvimento de uma comunidade que expressa suas aspirações e se baseia em normas. Para Abbott e Snidal acontece um grande impacto na política internacional quando a conduta do estado é afetada por valores compartilhados em aspectos como direitos humanos, apartheid, descolonização, proteção ao meio ambiente, etc. Por fim, é importante o papel das organizações em dar significado a retaliações e atuar em esferas de cunho econômico. A hipótese dos autores é de que os Estados conseguem atingir objetivos que não seriam possíveis fora de um aparato centralizado que eles criaram, além do fato de que os estados não abandonam as organizações que eles compõem, principalmente quando elas cooperam para que eles atinjam seus objetivos.
Sobre a centralização deste processo, Anne-Marie Slaugther publicou em 1993 o artigo "Law and International Relations: a dual agenda." onde discute o papel das organizações internacionais no Cenário Anárquico. Segundo a autora, a Era Pós Guerra trouxe um desafio para o viés realista de se manter como principal teoria vigente, já que houve um aumento de contestações de outros pensadores, além do surgimento de outras teorias sistêmicas que explicam melhor o comportamento dos estados. Slaugther começa seu texto com uma análise histórica do surgimento destas correntes contestadoras, afirmando que nos anos 70 a noção de regimes trouxe melhor entendimento da função das normas, regras e princípios que impactam os tomadores de decisão política. Nos anos 80, entretanto, houve uma transição da noção de regime para o institucionalismo, viés que trazia o liberalismo inserido na Ciência Política. A agenda liberal complementa a agenda institucional como o estudo primário de lei entre os estados liberais por possuir uma agenda unificada que oferece ferramentas poderosas para oportunidades de estudo das Relações Internacionais.
Seguindo esta trajetória histórica, Slaugther explica o ideal legalista-moralista da bagagem dos Wilsonianos focados na democracia e na crença de que as organizações internacionais poderiam aniquilar a guerra e o poder político. O desafio realista trouxe a reconceitualização do relacionamento entre lei internacional e política em questões de jurisprudência, principalmente transformando a própria lei em instrumento de ciência política. Dentre diversos autores que Slaugther ressalta em seu artigo, ela retrata os argumentos de Myres McDougal e Harold Lasswell em reinventar a jurisprudência internacional em prol de melhorar a lei e avançar na dignidade humana, transformando-a em um elemento autoritário no sentido de ter conformidade com as expectativas e valores da comunidade, além de ser efetiva. McDougal e Lasswell alegam que na comunidade internacional não existem valores compartilhados, e que, portanto, as leis funcionam mais como um suporte para a realização dos valores do que como constrangedoras de comportamento, e que por isso, existe a necessidade de se construir uma ordem pública mundial pautada em uma lei consoante com a dignidade e desejos de toda a humanidade, principalmente nos enfoques de Direitos Humanos. Slaugther também ressalta Richard Falk como outro autor que desafia o viés realista, mas dessa vez com a argumentação de que a lei deve funcionar como uma ciência política sistêmica, ou seja, deve ser menos relacionada com contenção de ideologias como McDougal e Lasswell afirmam em relação a Direitos Humanos, e mais vinculadas à lógica autônoma de sobrevivência no sistema anárquico. Para Falk, existe o constrangimento do comportamento dos atores e o fato de que a Lei Internacional em conjunto com regras e normas atuam de maneira embasada no auto interesse dos Estados. Resumindo, McDougal e Lasswell entendiam a Política Internacional como parte integral do desenvolvimento do processo político e social, enquanto Falk conceitualizava a Lei Internacional na relação destes processos em nível sistêmico.
Sobre Waltz, Slaugther retrata a distinção entre indivíduos e estados, explicando sistematicamente a estrutura em que os atores agem como fator determinante para os desdobramentos das interações entre si. A autora argumenta que esta teoria Realista Estrutural foi o final brilhante nas contestações realistas, principalmente porque ele sistematizou o Sistema Internacional sem deixar espaço para a Lei Internacional. Sobre Keohane, ela alega que o autor fez surgir uma vertente de pensamento passível de discutir a colaboração entre advogados internacionais e cientistas políticos além de retratar a importância das normas internacionais em moldar o comportamento dos estados. No regime liberal existe distinção entre lei e política, sendo esta um conjunto de crenças e valores políticos que podem influenciar decisões legais. O comportamento dos agentes é intrínseco à sociedade civil doméstica em que estão inseridos, ou seja, o elemento social é superior ao elemento sistêmico já que os interesses dos indivíduos são determinantes. O desafio da desenvoltura de uma vertente contrária ao realismo dominante traz os benefícios de uma colaboração interdisciplinar, e uma agenda dupla entre liberais e intitucionalistas são complementares. Isso porque os liberais explicam a formação de interesses dos estados aplicando suas conclusões em estudos da Lei Internacional, enquanto que os intitucionalistas trazem explicações sistêmicas, e uma conexão entre estes elementos podem trazer explicações para as leis que são formadas por políticas, e por políticas que são formadas por leis.
Anne-Marie Slaugther também escreveu "Legalized Dispute Resolution: Interstate and Transnational" em conjunto com Robert Keohane e Andrew Moravcsik, mas desta vez com enfoque no aparto jurídico das organizações internacionais no período pós Guerra. A primeira característica acentuada pelos autores é na diferenciação entre dois tipos ideais de tribunais internacionais, em particular, o interestatal e o transnacional. O argumento central dos autores é nas diferenças legais entre ambas as formas de resolução de conflitos que trazem implicações políticas significantes. A disputa de resolução interestatal é consistente com a visão de que o Direito Internacional Público traz uma série de regras e práticas que regem o relacionamento entre os estados, sendo estes considerados atores unitários, que podem ou não implementar decisões de tribunais internacionais, processo que os caracteriza como "gatekeepers". A disputa de resolução transnacional, por contraste, tem acesso à tribunais e cortes cujas subseqüentes decisões e consequências são legalmente insuladas pela vontade individual dos governos nacionais, caracterizando estes tribunais como mais abertos a indivíduos e grupos da sociedade individual. Comparando o segundo com o primeiro, percebe-se que este tende a gerar mais litígio, jurisprudência, e autonomia em relação aos interesses nacionais autônomos e um adicional para a fonte de compliance, embora seja o modelo mais independente. Ainda na disputa interestadual, o processo de barganha existe posteriori ao regime, onde a vontade que prevalece é a dos governantes. Sobre o papel dos indivíduos, os autores acreditam que existe um nível de influência considerável, embora seja necessário que eles atuem através de mecanismos domésticos. Na visão dos autores, a resolução de disputas internacionais possui três características: independência, acesso, e incorporação, sendo que os três são conectados entre si, e a força que esta conexão possui é o que define a eficiência do sistema.
Em relação às diferenças do processo interestatal e transnacional direcionados para litígios e compliance, o primeiro engloba a decisão de quando é necessário processar outros estados, e se for, quando e quanto os resultados deste julgamento será acoplado pela sua jurisdição interna na vontade de obedecer ou advertir estas regras. Quanto ao processo transnacional, os compromissos internacionais estão inseridos no sistema doméstico legal de forma que os governos não precisam se esforçar para absorver julgamentos internacionais. É fato que qualquer que seja o processo, ambos são aderidos sob a égide de uma instituição, organismo que segundo os autores não é estático, mas dinâmico, e isso faz com que os tomadores de decisão também pensem de maneira dinâmica, e que de maneira racional, optem por benefícios futuros em uma resolução de conflito ao invés de pensar apenas no presente.
Conclui-se que ao comparar a disputa interestadual com transnacional, a segunda possui maior potencial de abertura e aprofundamento da resolução de conflitos ao longo do tempo, além do fato que os juízes deste modelo exploram melhor o potencial da independência e da centralização política nas instituições internacionais. Não obstante, maiores diferenças refletem na habilidade dos grupos políticos domésticos em explorar estas características institucionais. Por esta razão, a resolução transnacional de disputas se tornou uma fonte importante de legalização tanto na política interestatal quanto na intraestatal.








Referências Bibliográficas:
ABBOTT, Kenneth. SNIDAL, Duncan. Why states act trough formal international organizations. Journal of Conflict Resolution, vol. 42 n°1, p 3-32, 1998
FALK, Richard. KRATOCHWIL, Saul, International Law: A contemporary Perspective (Studies on a Just World Order N°2) Westview Press, 1985
KEOHANE, Robert. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton University Press, 1984
KRASNER, Stephen. D. (Org.) International Regimes. Cornell, NY: Cornell University Press, 1983.
McDOUGAL, Myres S and LASSWELL, Harold, D. Jurisprudence in Policy-Oriented Perspective (1967) Faculty Scholarship Series. Paper 2582
WALTZ, Kenneth. O Man, the state, and war: a theoretical analysis. A Columbia Paperback, 64 Institute of War and Peace Studies. Columbia University Press, 1959

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