A Lenda da Vitória Régia e o amor romantico

July 21, 2017 | Autor: Sonia Vaz | Categoria: Educación, Mitologia, Psicologia
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22/12/2009 -- 21h32
A Lenda da VITÓRIA-RÉGIA conta o mito do amor-romântico

Estava fazendo uma noite muito quente. O luar era tão claro, que se enxergava quase como se fosse de dia. Perto da lagoa havia uma importante tribo de índios, que hoje não existe mais.

Entre os índios, havia um velho chefe, muito procurado pelas crianças, que gostavam de ouvir suas histórias.

Como a noite estava quente e o luar muito lindo, o velho cacique havia-se sentado bem perto da lagoa, para descansar e gozar daquela beleza. Logo que as crianças descobriram que ele estava ali, foram sentar-se perto dele. Pediram que lhes contasse uma história.

O cacique, porém, estava tão distraído admirando a vitória-régia, que nem percebera a chegada das crianças. Custou para que ele saísse daquela contemplação. Por fim, sorriu para elas.

- O que o senhor estava vendo com tanta atenção? - perguntou uma.
- Aquela estrela! Aquela bonita estrela, respondeu o cacique, apontando para a vitória-régia.

As crianças ficaram admiradas e trocaram um olhar significativo. A vitória-régia era uma estrela? Pobre cacique!

Ele percebeu o espanto desconfiado das crianças e lhes disse:

- Não tenham medo! Não fiquei doido, não. Não acreditam que a vitória-régia seja uma estrela? Então ouçam:

Faz muitos e muitos anos. Nem sei quantos. Em nossa tribo, vivia uma índia, muito moça e muito bonita, a quem haviam lhe contado que a lua era Jaci, um guerreiro forte e poderoso.

A moça apaixonou-se por esse guerreiro e não quis casar-se com nenhum dos índios da tribo. Não fazia outra coisa sendo esperar que a lua surgisse. Aí, então, punha os olhos no céu e não via mais nada. Só o poderoso guerreiro. Muitas vezes, ela saía correndo pela floresta, os braços erguidos, procurando agarrar a lua.

Todos da tribo tinham pena da índia, pena de vê-la dominada por um sonho tão louco.

E o tempo foi passando... Contudo, o sonho não deixava a pobre moça em paz. Queria ir para o céu. Queria transformar-se numa estrela, numa estrela tão bonita, que fosse admirada pela lua. Mas a lua continuava distante e indiferente, desprezando o desejo da moça.
Quando não havia luar, a jovem permanecia aborrecida em sua oca, sem falar com ninguém. Eram inúteis os esforços dos amigos e parentes para que ela ficasse com as outras moças. Continuava recolhida, silenciosa, até a lua aparecer novamente.
Uma noite em que o luar estava mais bonito do que nunca, transformando em prata a paisagem da floresta, a moça repetiu sua tentativa. Chegando à beira da lagoa, viu a lua refletida no meio das águas tranquilas e acreditou que ela havia descido do céu para se banhar ali. Finalmente, ia conhecer o famoso e poderoso guerreiro por quem estava, platonicamente, apaixonada.

Sem hesitar, a moça atirou-se às águas profundas e nadou em direção à imagem da lua. Quando percebeu que havia sido ilusão, tentou voltar, mas as forças lhe faltaram e morreu afogada.

A lua, que era um guerreiro forte e poderoso, uma espécie de deus, viu o que havia acontecido e ficou compadecida. Sentiu remorso por não ter transformado a formosa índia em uma estrela do céu. Agora era tarde. A moça ia pertencer, para sempre, às águas profundas da lagoa. Porém, já que não era possível torná-la uma estrela do céu, como ela tanto desejara, podia transformá-la numa estrela das águas. Uma flor que seria a rainha das flores aquáticas.
E, assim, a formosa índia foi transformada na vitória-régia. À noite, essa maravilhosa flor se abre, permitindo que a lua a ilumine e revele sua impressionante beleza branca. Durante o dia, quando iluminada pelo sol, ela se mostra rósea.

Texto extraído do livro Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora, sem/data
Ilustração de J. Lanzellotti

SOBRE A LENDA

No Oriente a Lua é considerada um elemento masculino, somente após as conquistas da civilização ocidental é que a Lua passou a simbolizar o elemento feminino.

Os primeiros habitantes do Brasil considerava a Lua como elemento masculino e nessa lenda podemos assistir a influencia da civilização ocidental em nossa psique nacional.

Os europeus inventaram o amor romântico na época das grandes guerras em que os jovens saiam em batalhas para a conquista e ou defesa de territórios.
Deveria haver uma motivação para que esses cavaleiros tivessem disposição para irem de encontro a morte. Nasceu assim o amor romântico, donde a moça se postava na janela ornada de flores e balançando seu lencinho, dizia adeus ao nobre cavaleiro deitando-lhe ao coração a promessa de que em sua volta triunfal, o amor se realizaria.

Enquanto ele, nos campos de batalha, sonhava com sua amada e a promessa de seu amor, ela ficava em sonhos esperando e suspirando.
Daí a característica do amor romântico ser melancólico, sonhador, platônico, cheio de dores e febres pela ausência do ser amado.

Como na lenda da Vitória-Régia muitas mulheres e homens ainda sonham acordados com esse tipo de amor. Podendo até chegar a desenvolver a obsessão pelo seu objeto de prazer que se encontra inacessível por alguma razão.

O amor-romântico ama mais a ausência e a dor de si mesmo do que propriamente a realização do desejo.

Em sua inocência e ignorância, esse padrão de amor, atribui a uma determinada pessoa o poder de produzir e exercer a força do amor naquele que espera.

Desse modo, o desejoso fica totalmente a mercê e dependente do outro. Afoga-se no seu sonho ardoroso de amor ausente, afoga sua personalidade, perdendo-se na personalidade do outro.
Na lenda a bela índia, não encontrando guarida em seu amor romântico, primeiro ficou obcecada, depois se tornou um vegetal tão longe da comunicação com outras pessoas quanto a estrela no céu. Fechou-se sobe si mesma e agora vegeta.

Narcisicamente encapsulada, não mais toca e nem se deixa tocar. Para sempre, aguarda que o ser amado lhe devolva uma parte de si mesma que, absurdamente, ela sente, em sua obsessão, ser o próprio amado. Como essa pessoa não lhe dá aquilo que deseja, ela se fecha para o mundo, talvez, com ressentimento.

Os índios representam o instintual, o espontâneo. A cultura europeia que aqui se estabeleceu adoeceu os instintos com a loucura, por eles inventada, do amor-romântico como uma mera estratégia para que seus guerreiros tivessem animo para ir às batalhas e vencer para retornar triunfante para sua amada.
No entanto, no imaginário das pessoas, o amor romântico é até hoje bastante contemplado e até possui uma aura divina, algo idealizado e nobre. A vitória- régia, por seu lado, é um símbolo de uma mandala, o círculo mágico que representa o self.
Assim sendo, podemos olhar para essa lenda como sendo uma tentativa de união com o self. Como isso se daria¿ Trata-se do processo de individuação.
Nesse processo, o ego se abre para o conhecimento do inconsciente e conteúdos psíquicos são, desse modo, absorvidos pelo ego que se empodera de suas potências antes adormecidas.
O arquétipo que leva e trás os conteúdos psíquicos da consciência para o inconsciente e vice-versa, é o arquétipo do masculino para a mulher e do feminino para o homem, recebendo os nomes, respectivamente de animus e anima.
Em sonhos, o animus e anima surgem sempre travestidos pelo pai, ou pela, mãe, pelo namorado, pelo amigo ou amiga, etc. E, examinando atentamente, veremos que essa figura trouxe à consciência algum conteúdo reprimido ou totalmente novo para o engrandecimento e confronto da consciência.
Mas, enfim, podemos ver essa lenda como sendo Jaci o masculino, o animus da bela índia. Caso ela tivesse realizado sua união, seu casamento interior com seu animus, ocorreria uma alquimia onde o ego se apoderaria de imensa energia psíquica liberada pela união dos opostos. Pois, ao eliminar a dicotomia e acolher a diversidade, o ego se livra de muitos e tantos preconceitos e moral ressentida e cristalizada de seu tempo.
No entanto, nessa lenda, a índia não conseguiu realizar a união dos opostos em si mesmo e , consequentemente, se afogou no lago tornando-se uma flor.
O ego afogado significa que chegou a entrar no processo da individuação, mas por alguma razão arrefeceu em sua busca psicológica e dormiu, se afogando em algum conteúdo psíquico, talvez da resistência em fazer o confronto com seus conteúdos mais obscuros, o que, de fato, no processo psicoterápico e na individuação, não é nada fácil e leve. É bem natural que o ego tema esses encontros com seus outros eus obscuros.
Porém, isso deve significar algo para o inconsciente social e coletivo de nosso país, pois a lenda foi e é construída pelo nosso povo e até agora por ele reproduzida sem modificações importantes. O que seria¿
Acontece então, que nós, o povo brasileiro, estamos num processo coletivo de individuação, mas que ainda estamos longe de alcançar uma união com os opostos e realizar e obter a sabedoria do self, a sabedoria que trás esse casamento com os opostos. Podemos supor, que nós como povo, ainda estamos "afogados", "dormindo", "de olhos fechados" às coisas que nos cercam. Não estamos ainda enxergando e vivenciando o princípio de realidade, antes, estamos dourando a pílula para nós mesmo, estamos em autoengano. O afogado se utiliza de superstições, mitos e crenças e distorções da realidade para se poupar do confronto. Se afogar é uma defesa para escapar da dor real e da responsabilidade de enfrentar e modificar sua história.

Embora a realização da opus alquímica não se tenha realizado, a flor régia ainda está ali para nos lembrar e indicar o caminho para aqueles que o desejarem.
Vitória-régia significa rainha vitoriosa. A Anima que poderá nos encaminhar a todos, para um resolução desse processo de acordar, de ressuscitar do afogamento e seguir em frente no processo de olhos abertos e de acordo com a realidade como ela é e não como gostaríamos que fosse. Sem auto engano, sem ilusões e místicas a desviar-nos da ação responsável como cidadão e povo brasileiro. É preciso olhar de modo adulto para nossa realidade e como adultos que somos, arregaçar as mangas e lutar para modificar nossa realidade de afogados, mortos, surdos e esquecidos.
Há uma estrela que aponta a direção. Há uma flor esperando ser tocada e colhida pelo ego atento de um povo que até agora só fez sofrer as consequências ao invés de ser, ele mesmo, o sujeito das ações.




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