A liderança de opinião nas dinâmicas da moda: a blogueira-celebridade e sua representação identitária.

June 2, 2017 | Autor: Priscila Carvalho | Categoria: Fashion Theory, Blogs, Identity (Culture), Representation, Consumption Culture, Fashion Opinion Leader
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A liderança de opinião nas dinâmicas da moda: a blogueira-celebridade e sua representação identitária Opinion leadership in fashion dynamics: the celebrityblogger and her identitary representation P r i s c i l a R e z e n d e C a r va l h o 1

Resumo: O alargamento dos meios de produção midiática inseriu novos intermediários culturais no campo da moda, influenciando os processos comunicacionais que nele ocorrem. Ainda muito recente e instável essa condição expõe conflitos entre seus diferentes atores e a necessidade de investigar e atualizar noções de moda no mundo contemporâneo. O presente artigo objetiva contribuir com as discussões sobre a figura da blogueira como liderança de opinião nas dinâmicas da moda indagando como se constitui sua representação identitária. O blog “Camila Coelho” foi estudado e o resultado aponta e discute quatro principais características da representação identitária negociada pela blogueira, assim categorizadas: o gosto conspícuo, a generosidade como motivação, a intimidade aparente e a celebridade conquistada. Por fim, consideram-se as consequências para a comunicação e o consumo de moda.

Palavras-Chave: Moda. Representação identitária. Liderança de opinião. Blogs. Consumo.

Abstract: The expansion of media production facilities has inserted new cultural intermediaries in the fashion field, influencing the communication processes that occur in it. Still a very recent and unstable condition, it exposes conflicts between different actors and the need to investigate and update fashion concepts in the contemporary world. This article aims to contribute to discussions on the figure of the blogger as opinion leadership in fashion dynamics inquiring how its identity representation is constituted. The blog “Camila Coelho” was studied and the results point and discuss four major characteristics of the identity representation negotiated by the blogger, categorized as follows: the conspicuous taste, generosity as motivation, the apparent intimacy and conquered celebrity. Finally, the consequences of it for communication and the consumption of fashion are considered.

Keywords: Fashion. Identity representation. Opinion leadership. Blogs. Consumption.

1.  Mestre em Têxtil e Moda, Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO ISTEMA INTRÍNSECO à cultura de consumo, a moda está sujeita a transformações

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nas dinâmicas de seu campo. O atual contexto, marcado pela profusão de meios de produção midiática e pela aceleração dos ciclos de inovação dos produtos, salienta essas transformações e a natureza social da moda. Outrora com intermediários culturais e processos de comunicação mais definidos, atualmente, o campo da moda é propício para observar os conflitos e as contradições da contemporaneidade, em que o consumo é central. Estudos anteriores abordaram o perfil de liderança de opinião como um dos motores das dinâmicas da moda ao estabelecerem identificação e estimularem o consumo de bens materiais e simbólicos. Esse perfil costumava estar relacionado a instituições sociais, tais quais as classes privilegiadas, as corporações midiáticas e as marcas de prestígio. O debate corrente se estende além das instituições para abarcar a ascensão de consumidores comuns ao status de líderes de opinião, considerando que esse não é um fenômeno passageiro e, sim, uma reconfiguração alinhada às mudanças nas formas de comunicação. Para contribuir com essas discussões, ainda incipientes, analisa-se a representação identitária em um blog de moda específico, em ascensão no contexto descrito, o blog Camila Coelho (). Com foco na emissão de mensagens, são analisados apenas os conteúdos publicados pela blogueira. Com isso, objetiva-se responder como se constitui a representação identitária de uma blogueira de moda como liderança de opinião. A escolha do blog como ferramenta para composição do corpus de análise deu-se pelo fato de, entre tantas outras ferramentas na rede e as personalidades que delas emergem, os blogs e suas criadoras se mostram assimiladas pelo sistema e as instituições legítimas de moda, estando em uso há alguns anos e centralizando a produção de outros meios em que sua criadora atue. É enfatizada a narrativa da blogueira, e não a ferramenta em si. Apesar da aparente democracia que as ferramentas da rede proporcionam, em que todos teriam a oportunidade de atingir audiências massivas, o que ocorre são negociações e disputas que elevam alguns da categoria de consumidores ordinários a um alto nível de capital específico ao se “apoderarem do megafone” – aquilo que ocorre quando “consumidores, definidos como indivíduos sem experiência profissional e sem posição institucional ou familiar, publicam na rede sobre consumo e adquirem audiência massiva a partir dessas publicações” (MCQUARRIE et al., 2013, p. 137).

O CAMPO DA MODA E SEUS INTERMEDIÁRIOS A adoção de um objeto de estudo relacionado ao fenômeno da moda demanda por sua definição. Frequentemente empregado como sinônimo de indústria do vestuário (que, embora seja a mais forte, é apenas uma de suas expressões), a moda é um fenômeno social que se expande da configuração indumentária e multiplica sua influência, seus sentidos, suas motivações e seus significados socioculturais. Konig (2002) a apreende a partir de dois pressupostos: i) a moda tem origens psicossociais; ii) e seus efeitos são de ordem social, econômica e cultural. Parte da sociologia das massas, a moda se desenvolveu em paralelo a cultura do consumo, conduzindo a renovação de estilos e costumes que nos posicionam no mundo.

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Para Baudrillard (1996), o vestuário faz parte da esfera dos signos leves e é de mais fácil comutação, assim como o corpo e os bens de consume. A esfera dos signos pesados, como a política, a cultura e a sexualidade possui um processo de comutação mais lento, porém, não deixam de ser afetados pela necessidade de renovação de valores e a natureza cíclica. Nas palavras de Bauman: A moda tem seus usos e uma demanda enorme e crescente. Ela fornece um modelo para a constante troca de identidades de nosso mundo. Funciona também como antídoto contra o horror de falhar num mundo em alta velocidade e contra o resultante abandono e degradação social. Não há nada de inútil na moda. Pelo contrário, é uma necessidade num mundo de flutuação e desorientação (GIRON, 2014).

A forma sistemática que a moda toma inserida na sociedade moderna foi abordada por Bourdieu e Delsaut (2002), que analisaram as disputas por capital simbólico entre costureiros tradicionais e estilistas novatos, baseadas nas representações e expressões de estilo e valores. É a distinção entre conservadores e subversivos, ou seja, entre aqueles que detêm e buscam manter uma posição de prestígio e aqueles que ainda estão galgando essa posição, e pretendem atingi-la. Essa disputa pode ser observada entre a alta-costura e o prêt-à-porter, no momento do aparecimento desse último, entre as elites e as contraculturas e entre diferentes valores e estilos que cada marca ou estilista tende a expressar: “Balmain: o gosto pelo antigo”; “Gyvenchy: o clássico no moderno”; “Hechter: o desleixo obrigatório” (BOURDIEU, DELSAUT, 2002). A associação desses indivíduos à descrição de um estilo de vida em textos da mídia especializada colabora para a construção da crença na autenticidade dessas figuras e, assim, influenciam o consumo de uma série de bens associados ao estilo propagado. Mas, no campo da moda, os costureiros e estilistas não são os únicos atores envolvidos no funcionamento de seu sistema. Todas as pessoas e organizações abrangidas na criação de significados simbólicos e na aplicação desses significados em bens de consumo e produtos culturais, na circulação desses códigos e linguagens a fim que se possa decifrálos e interpretá-los, são atores do campo (SOLOMON, 2011, p. 617). McCraken (2003) coloca que as atuações podem dar-se das seguintes formas: ao transferir os significados pela mídia, apreendendo significados conhecidos no mundo culturalmente constituído e atribuindo esses valores a objetos e afins, fazendo-os serem reconhecidos; ao inventar novos significados por meio de líderes de opinião distantes que tendem a ser imitados de forma generalizada, como quando um deles atesta que algo que há muito não era usado está “de volta à moda”; e ao reformar significados culturais e históricos, apropriando-se deles para devolvê-los sob o aspecto de vanguarda, como quando uma grife de luxo utiliza elementos das culturas uma vez marginalizadas em suas coleções, a exemplo do punk ou hippie. Essa liderança não pertence a um só ator, pois é constantemente construída e reconstruída com base em significados culturais. Esses atores podem ser colocados, de forma resumida, em duas categorias (MCCRAKEN, 2003; BERGAMO, 2007). Uma delas, voltada para o design de produtos, entre eles, costureiros e estilistas, mas abarcando, também, industriários e empresários, em que a criação e fabricação de

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bens é o objetivo principal. A outra, a categoria dos observadores sociais, encontrados na imprensa, no cinema, nas universidades, em empresas de marketing e tendências, são detentores de informação e de meios para a circulação de discursos. O que compõe um complexo de forças de produção material e produção simbólica, todos com funções e papeis determinantes para a orquestração da moda em um funcionamento aparentemente harmônico, contudo, repleto de disputas. O surgimento e multiplicação de novos atores como intermediários culturais é consequência da sociedade voltada para o consumo e as relações de mercado: Eles estimulam uma inflação de bens culturais, recorrem constantemente às tendências artísticas e intelectuais para buscarem inspiração ao trabalharem, paralelamente a estas tendências contribuem para criar novas condições de produção artística e intelectual. Os novos intermediários culturais podem ser encontrados nas ocupações ligadas à cultura de consumo, orientada para o mercado (FEATHERSTONE, 1995, p. 64).

DE CONSUMIDORES A CONSUMIDOS O conceito de sociedade de consumidores está relacionado à crise das instituições sociais na contemporaneidade. Quando noções rígidas sobre a família, a religião e mesmo o indivíduo produtivo dos tempos modernos são questionadas, o consumo em suas diversas práticas se estabelece como denominador comum da sociedade. “[...] A sociedade de consumidores representa um conjunto peculiar de condições existenciais em que é elevada a probabilidade de que a maioria dos homens e das mulheres venha a abraçar a cultura consumista em vez de qualquer outra” (BAUMAN, 2008, p. 70). Pelas possibilidades de consumo nos são feitas toda sorte de promessas de satisfação de desejos humanos, inclusive, o de ser alguém. A fragmentação e multiplicação dos estilos de vida e suas representações levou à fragilidade da identidade do sujeito contemporâneo, em que o pertencimento a dadas instituições, como as classes sociais, não podem mais serem vistas como o começo e o fim daquilo que nos define. Não que a influência dessas seja completamente eliminada, mas torna-se mais uma variável, e não um determinante. Para Bauman (2008), o indivíduo contemporâneo pode se construir como objeto de consumo em si mesmo, por meio de investimentos que desenham o que se é quando se pode ser uma quantidade imensurável de coisas. Esses investimentos variam entre a aquisição dos objetos que portamos e que são visíveis socialmente na imagem de cada um, até a opção por um curso superior ou um possível cônjuge. É o estímulo contínuo de engajar-se em atividades de consumo para sair da invisibilidade da massa, destacandose entre os incógnitos da vida urbana, globalizada e em constante transformação. Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável (BAUMAN, 2008, p. 20).

Ao inserir o campo da moda nesse contexto, questiona-se a forma tradicional de pensar as suas dinâmicas: aquela em que o movimento de disseminação dos estilos

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obedece a uma hierarquia rígida e descendente, surgindo nas classes mais altas e sendo popularizada para as classes mais baixas, o que significaria, também, a desvalorização desse estilo enquanto moda. Os consumidores que pertencem a essas classes privilegiadas teriam a função de liderança no processo de difusão de tendências, e atuariam como propulsores da mecânica que relaciona produtos a possíveis consumidores, como indica a figura abaixo:

Figura 1. Representação gráfica da relação entre ciclo de vida do produto e perfil dos consumidores. Fonte: Solomon (2011).

Nos anos 60, Summers (1970) investigou o perfil de lideranças de opinião de moda procurando entender o que fazia com que algumas pessoas tivessem poder de influência desproporcional ao outros. A partir de cinco variáveis independentes – demográficas, sociais, de personalidade e atitude, exposição à mídia de massa e envolvimento com a categoria – o autor chegou ao perfil de uma mulher jovem, de alta renda ou ocupação bem remunerada, entre outras características que definem uma pessoa das classes privilegiadas. Esse modelo tradicional, denominado trickle-down, precede outros dois modelos: o trickle-up, em que manifestações estéticas da contracultura ascendem para as classes privilegiadas atendidas pela moda , e o modelo trickle-across, em que, pela velocidade dos movimentos de produção e comunicação, as influências acontecem entre pares, superando o status quo da moda e fazendo surgir lideranças dentro dos próprios grupos (SOLOMON, 2011). O cerne da questão é que o jogo é deslocado de um arranjo estático de classes para um arranjo de capitalismo cultural, em que o capital cultural específico pode ser acumulado e investido para que gere ainda mais capital, assim como o dinheiro (MCQUARRIE et al, 2013). Essa espécie de capital, explicada por Bourdieu como uma relação ou energia social que produz efeitos a partir das leis específicas de cada campo – o capital específico da moda difere dos de outros campos (BOURDIEU, 2008, p. 107), é o que difere os atores e pontua as disputas no campo da moda. Um dos recursos para aquisição de capital no campo da moda é o exercício do gosto que, exposto para julgamento, irrompe a relação de identificação e distinção que o caracteriza. O gosto é o que emparelha e assemelha coisas e pessoas que se ligam bem e entre as quais existe um mútuo acordo e afeição (BOURDIEU, 2008, p. 225). Isso porque, em um mundo de identidades incertas e que a aquisição de bens acaba por expressar algo sobre nós mesmos, a capacidade de julgamento entre o que consumir ou não diante dos excessos (de produtos, de representações e de modelos) é valorizado como capital.

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O grupo de líderes no processo de consumo de moda, uma vez composta por pessoas ligadas diretamente às suas instituições, tanto daquelas relacionadas aos produtos quanto à informação, ou sujeitos que representam uma forma privilegiada de vida, como artistas, celebridades e elites financeiras, é penetrada por indivíduos comuns que, dadas as oportunidades das ferramentas de comunicação em rede, projetam-se como especialistas em algum assunto. Uma das novas profissões, provenientes do acesso às ferramentas de produção de conteúdo na rede, surge do hábito de consumidores comuns compartilharem seus gostos, opiniões, imagens e vida pessoal em seus perfis. Isso atingiu tal grau de popularidade nos blogs de moda que, atualmente, esses são modelos de negócio, em que os objetivos comerciais estão acima dos outros. São indivíduos que se exibem nesses espaços como identidades a serem consumidas e movimentarem o consumo de uma larga variedade de itens. Uma vez que o consumidor conquista uma vasta audiência, isso pode ser convertido em acesso às instituições legitimadas. Ou seja, lideranças da moda estão surgindo fora do campo e, conforme ganham mais visibilidade e audiência, são assimiladas, surgindo em revistas, marcas, desfiles, etc. O pertencimento às instituições legítimas não é mais um precedente para conquistar a audiência, mas associar-se a elas é um dos recursos para aumentar o próprio capital específico – e aumentar o próprio valor enquanto sujeito mercadorizado. Mantem-se a relação, mas, subverte-se a ordem. Os recursos e os demais fatores que “amplificam o volume” das mensagens emitidas por alguns desses intermediários, ao invés de outros (MCQUARRIE et al, 2013), ou seja, o que intensifica a influência de uns poucos sobre muitos, são hoje, mais do que nunca, fatores a serem explorados e desvendados.

MÉTODO Em busca de compreender o “como” do problema proposto, de uma situação em que os acontecimentos não podem ser manipulados pelo pesquisador e o objeto é complexo e vivo, realiza-se o estudo de forma exploratória e qualitativa, de metodologia interpretativa. Os dados e a análise foram realizados com consciência intencional, porém, imparcial – a escolha do blog e do corpus se deu por critérios de popularidade e visibilidade de sua criadora no campo da moda no momento da pesquisa, além da aderência ao objetivo da pesquisa. O blog é um produto da ordem da produção cultural de moda, e tanto a produção de mensagens nesses espaços quanto o consumo dessas mensagens permitem entrever informações sobre os comportamentos de consumo que caracterizam a moda nos dias de hoje. O estudo limita-se a observar e analisar a blogueira como ela se apresenta em suas publicações, ou seja, a representação de si que negocia com seus leitores. Os dados foram retirados de suas publicações apenas, inclusive informações que remetem à sua vida pessoal, expostas por iniciativa própria nos textos publicados por ela. Nada foi investigado for a desse escopo. O material que integra o corpus de análise foi retirado de um intervalo de seis meses de observação não-paticipativa do blog (28/10/2013 – 28/04/2014). Qualquer informação acrescentada fora desse prazo nas publicações não foi considerada. Todas

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as publicações foram lidas e categorizadas. As publicações das blogueiras colaboradoras foram excluídas. A revisão teórica foi realizada concomitantemente ao levantamento de dados, buscando aporte teórico. A análise interpretativa apoiou-se nas seguintes questões para a construção da narrativa identitária da blogueira e suas principais estratégias: Como se constitui a representação identitária da liderança de moda fora das instituições tradicionais? Quais as principais características da narrativa? Como se dá a liderança no consumo de moda em meio à atual complexidade de seu campo? “A análise científica ultrapassa a aparência do fenômeno justamente porque descobre as conexões subjacentes a ele, exigindo do analista a reflexão e elaboração crítica do seu objeto de estudo” (CALDAS, 2000, p. 30), a interpretação é uma busca por sentidos que se dão nas ações além das mensagens fixas. As categorias apresentadas foram suscitadas da saturação de algumas características constantes nas publicações no blog. As passagens selecionadas para exemplificar as categorias são reproduzidas tal qual aparecem nas publicações do blog, portanto, podem apresentar erros na sua redação. No entanto, opta-se por não alterar a forma original das mensagens e, assim, também não arriscar alterar os sentidos dessas.

A REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA NO BLOG CAMILA COELHO A trajetória de Camila Coelho iniciou-se em um canal de vídeos do site YouTube, em que ela se projetava como conhecedora do assunto e, portanto, apta para ensinar a audiência sobre. O primeiro nome do blog, Supervaidosa, foi escolhido quando o termo foi usado pelo marido da blogueira para defini-la. Em setembro de 2014, reconhecendo a força do nome da pessoa sobre o nome fantasia, o blog passou a chamar-se Camila Coelho, solidificando a pessoa como marca. Um blog de maquiagem, moda e beleza em geral que nasceu no dia 18 de Abril de 2011. Criado por Camila Coelho, Brasileira de Minas Gerais vivendo em Boston, nos Estados Unidos. Tudo começou com os tutoriais de maquiagem no Youtube e, a pedido das seguidoras, o Super Vaidosa nasceu! ‘O blog foi criado com um objetivo de trazer muito mais conteúdo, continuando com os tutoriais de maquiagem (que é o maior foco) e acrescentando dicas de moda, review de produtos e muito mais… tudo relacionado à beleza feminina, o que nós mulheres Vaidosas adoramos!

Pessoal e autocentrado, o reconhecimento pela sua audiência como uma especialista em maquiagem garantiu à Camila ser vista como autoridade e aumentar sua gama de assuntos. Como capital inicial é possível apontar duas informações: a experiência da blogueira ao trabalhar com maquiagem para a marca Dior e o fato de residir nos Estados Unidos. Sobre a sua pergunta, eu aprendi Ingles na High School, fui chegando e entrei na escola, fiz colegio aqui e no primeiro ano aprendi o Ingles com aulas de ESL. Eu fui saindo da escola e me mudei para Boston, e logo comecei com mauquiagem. Fiz o curso e comecei a trabalhar. No inicio trabalhava em uma loja de departamento, com a Dior. E dai as coisas foram acontecendo ate eu criar o canal no youtube com os tutoriais. Eh isso ai, temos que

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lutar pelos nossos objetivos/sonhos e sempre criar metas. Obrigada pelo seu comentario carinhoso, fiquei muito feliz.2

O fato de viver no exterior aparece em paralelo a afirmação de orgulho das próprias raízes constantemente, um exemplo disso é bazar beneficente que realizou e destinou o valor arrecadado para instituições de sua cidade: Todo o dinheiro arrecadado vai para as instituições, APAE e Hospital São José da cidade de Virginópolis-MG (minha cidade natal)! Tenho orgulho de onde venho e não consigo explicar a minha felicidade nesse momento, pois sei que esse dinheiro será muito bem utilizado.

Sem experimentações conceituais caras à fotografia de moda, as imagens produzidas e publicadas por Camila remetem ao cotidiano. As fotos de look do dia simulam retratos pessoais, apesar da qualidade profissional das fotos. Os vídeos são feitos no próprio quarto, porém, possuem vinhetas e roteiro fixo, com apresentação, desenvolvimento e encerramento. Um cotidiano cuidadosamente estetizado e preparado para o espetáculo. A mistura de marcas populares e marcas de luxo subverte a segmentação rígida de público consumidor, em que o público de luxo consumiria apenas essa categoria e o público popular, apenas produtos populares. O efeito dessa mistura vai além: enquanto as marcas de luxo motivam o consumo aspiracional, as peças de marcas acessíveis reaproximam a blogueira de suas leitoras, reforçando a identificação. É possível recorrer às variáveis utilizadas por Summers (1970) para traçar um perfil de Camila Coelho enquanto liderança de moda (CARVALHO, 2015): • Características demográficas: é jovem, exibe símbolos de elite econômica (consumo excessivo de produtos e marcas de luxo). Não faz menção a sua formação superior, mas sim, a sua formação técnica e expertise (“trabalhou na Dior”) e sua ocupação bem remunerada e de sucesso é, simplesmente, ela mesma representada no produto que é o seu blog. • Características sociais: reside nos Estados Unidos, país em que o consumo de certas marcas e produtos é mais acessível do que no Brasil. Ao mesmo tempo, enfatiza seu pertencimento a Virginópolis – MG. Atividades e eventos sociais são recorrentes, inclusive, seu próprio bazar beneficente. • Características de personalidade, atitudes e valores: religiosidade, família, matrimônio e feminilidade nas formas mais tradicionais. O fato de ter tido a iniciativa de ensinar as “vaidades femininas” a caracteriza como alguém que se percebe agradável, autoconfiante e que pratica o exibicionismo competitivo. • Exposição à mídia de massa: pouco é dito sobre os consumos culturais, a não ser, o de moda, maquiagens, rituais de beleza e imagens de celebridades que, frequentemente, viram pautas para tutoriais. Não é sua exposição à mídia de massa que vem ao caso, mas sua presença na mesma. • Envolvimento: grande envolvimento com a categoria, interesse e postura de conhecedora do assunto. Apresentar-se como alguém que trabalhou na marca Dior é usado como capital inicial – a legitimidade da marca de luxo atribui legitimidade à blogueira como maquiadora. 2.  Reprodução de resposta a um comentário na publicação “Fashion Haul: compras de inverno”.

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McQuarrie et al (2013) identificam duas práticas discursivas nos blogs de moda que visam manter a audiência que se identificava justamente com a condição de consumidora comum, ao invés da condição de celebridade: a simulação de similaridade e a autodepreciação. Na primeira, as blogueiras recorrem a referências mundanas de suas vidas para dissimular o glamour e a raridade de fazer parte do sistema de moda; na segunda, a blogueira se ridiculariza, de forma a humanizar-se e reaproximar-se de sua audiência. Essas práticas foram observadas no blog estudado. Argumentos como “estou fazendo esse vídeo com cara de sono, essa voz fanha, peguei um resfriado” surgem, remetendo às estratégias de manutenção da audiência (auto-depreciação e simulação da similaridade). Erros de pronúncia dos nomes das marcas ou a alegação de que algo é barato, “acha em farmácia mesmo”, são percebidos como formas dessas estratégias para reequilibrar a assimetria entre ser uma celebridade, financiada por marcas fortes, e dialogar com suas leitoras em comunidade. Além dessas, são apontadas outras quatro estratégias que caracterizam a representação identitária posta para o consumo por Camila Coelho, apresentadas a seguir.

O gosto conspícuo O uso constante das palavras “escolhi”, “optei”, “decidi”, de pedidos de validação ou de opiniões do público como “o que acharam”, “espero que gostem”, convidativas para o julgamento, positivo ou não, do leitor. As compras, as viagens, as festas em família: uma grande quantidade de decisões de consumo é exibida e colocada em debate. Se a competência do gosto é motivação para visitar, por livre e espontânea vontade, o seu produto na internet, o interesse por determinadas marcas e objetos também acaba por guiar o sujeito às suas publicações. Uma vez que seu gosto é julgado mais positivamente do que negativamente, Camila acumula capital a ponto de suas escolhas se tornarem seu principal produto: a rede de varejo fast-fashion Riachuelo tem lançado, desde 2013, coleções primavera-verão e outono-inverno baseadas nas escolhas da blogueira. As peças são transubstanciadas pelo valor da blogueira enquanto marca, e o fato de uma peça ter sido escolhida por ela atribui a essa o valor de moda, ao menos, para o grupo que se identifica com o gosto difundido por ela.

A generosidade como motivação Do momento que introduz o blog aos pedidos de sugestões para a produção dos próximos conteúdos, tudo no blog é apresentado em função de atender às ansiedades da sua audiência. A razão de ser do blog é suprir as faltas expressas por suas leitoras e, nesse meio tempo, construir uma vedete aos moldes da indústria cultural, capaz de transformar em espetáculo o ato banal de se vestir diariamente. “Gostaria de agradecer a todas vocês que me incentivaram a criar o blog, principalmente minhas seguidoras no Twitter e no YouTube que sempre me deram o maior apoio”. Apesar de ser uma blogueira profissional, com contratos publicitários e rotinas comerciais, a justificativa mais recorrente para cada ações publicada no blog é “dividir”, “compartilhar”, “ajudar”, “ensinar” ao público algo sobre ser um pouco como Camila, o que remete à busca incessante por identificação dos sujeitos contemporâneos.

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A intimidade aparente A vida pessoal da blogueira é o cerne das publicações. A estratégia das celebridades de transformar a própria personalidade em produto é levada exacerbada. Além de hábitos de beleza, são revelados pela narrativa da própria Camila, de forma confessional, detalhes sobre o casamento, a relação com a mãe, com amigos, aumentando a probabilidade de identificação e reconhecimento em quem a lê. As roupas e produtos que a blogueira mostras não são apenas objetos, mas constituem alguém que o leitor tem a impressão de conhecer. Ela refere-se à audiência como “nós, vaidosas”, colocando-se como parte de um mesmo grupo. A exibição da própria rotina, em espaços privados (dentro da casa ou do carro da blogueira) e no tempo ideal (o look do dia é postado quase todo dia, de fato, e quando não é postado a blogueira dá satisfações do por quê) reforçam a noção de participar do cotidiano de Camila.

A celebridade conquistada As blogueiras adentraram o sistema de moda, não estão à parte dele. O crescimento da audiência, a relação com instituições legítimas e a conquista de capital específico suficiente para se tornarem lideranças de opinião, colocam-nas próximo das celebridades. O fato de isso ser fruto do trabalho é constantemente ressaltado: “Depois de 3 dias corridos e de muito trabalho (com o projeto da Riachuelo que eu já estou louca para contar) tive o fim de semana de folga”. Mesmo em falas da mãe ou do marido, Camila é descrita como viciada em trabalho, que seria objeto de sua total concentração. O blog é tratado como trabalho, como profissão e que exige esforço. Essa condição de celebridade é utilizada como recurso para legitimação também: fotos ao lado de personalidades da moda e do entretenimento, participações em eventos importantes, registros de encontros com fãs, etc., são utilizados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Em um contexto em que a moda se apresenta em transformação, de seus ritmos de renovação, formas de comunicação e comercialização, de cultura material e simbólica, a adoção de uma representação de liderança apenas deixa de fazer sentido. O que se percebe a partir desse estudo em específico é que novas fontes de influência nos processos de consumo de moda devem ser observados conforme surjam, pelas suas particularidades. Ao explorar a representação identitária de Camila Coelho apreende-se que, nas dinâmicas atuais da moda, um modelo híbrido de celebridade, que faz uso de símbolos legítimos como marcas de luxo, presença em desfiles, propagandas e endosso de produtos, e, ao mesmo tempo, se constrói como uma igual de sua audiência, movimenta não apenas os ciclos de consumo de produtos, mas as formas de fruição da cultura de moda, de obtenção de informações e de julgamento estético. Fora das instituições tradicionais, essas lideranças ascendem quando aquilo que projetam como sendo sua especialidade é reconhecido pelo outro, e a narrativa recorre a estratégias diversas para manter essa audiência. No entanto, nota-se que, ao converter o capital cultural adquirido em possibilidades de lucros, esses líderes marginais são inseridos no campo, o que tende a acontecer com cada vez mais frequência, visto que a comunicação em rede aumentou a oferta de prateleiras para as pessoas se exporem

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como mercadorias e, ao mesmo tempo, promoverem outras mercadorias que constituem sua identidade (Bauman 2008). Quando Camila exibe uma peça da qual gosta, um tutorial de beleza ou imagens da vida íntima, o faz na expectativa de ser consumida, ainda que, no espelho do espetáculo, apresente como intenção de atender às expectativas do outro (das leitoras). A busca por concordância com a sociedade de consumidores coloca os indivíduos no ritmo do mercado, de escolha por sedução, de troca constante e empreendimento individualista de estar sempre em busca de si. A representação identitária, entendida como objeto de consumo no espaço do blog, e suas futuras reverberações, constitui um tema a ser estudado, teorizado e aprofundado por pesquisas futuras. Uma das limitações desse estudo que pode ser superada em estudos futuros é a generalização dos resultados para uma escala maior, que demonstre como essas lideranças estão impactando o mercado de moda como um todo. Ainda, o caso presente tratou de uma liderança associada ao campo da moda, mas, a emergência dessas lideranças em outros grupos, quais as narrativas e recursos que conferem a eles a influência sobre os outros também contribuiria para a compreensão da liderança nas dinâmicas da moda em seu estado contemporâneo: instável, alargado e de múltiplas expressões.

REFERÊNCIAS Baudrillard, J. (1996) A troca simbólica e a morte. São Paulo: Loyola. Bauman, Z. (2008) Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. Bergamo, A. (2007) A experiência do status: roupa e moda na trama social, São Paulo, Ed. Unesp. Bourdieu, P. e Delsaut, Y. (2002) O costureiro e sua grife: contribuição para uma teoria da magia In: A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk.

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A liderança de opinião nas dinâmicas da moda: a blogueira-celebridade e sua representação identitária Priscila Rezende Carvalho

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