A Ligação entre Deuses e Homens da Era Viking

June 1, 2017 | Autor: Vlandson Cunha | Categoria: Literatura, Vikings, Historia Cultural, Mitologia Nordica, Deuses Nórdicos
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FACULDADE DE SÃO BENTO DO RIO DE JANEIRO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL - RELIGIÃO E CULTURA

Vlandson Maciel Rezende Cunha

A Ligação entre Deuses e Homens da Era Viking.

Rio de Janeiro 2015

Vlandson Maciel Rezende Cunha

A Ligação entre Deuses e Homens da Era Viking.

Monografia apresentada ao Programa de Pós-graduação Lato Sensu da Faculdade São Bento do Rio de Janeiro (FSB/RJ) para a obtenção do Certificado de Especialização em História Antiga e Medieval - Religião e Cultura.

Professor(a): Orientador Mestre Kimon Speciale Disciplina: Alta Idade Média

Rio de Janeiro 2015

Lista de Figuras

Figura 1 – Nornas tecendo suas tapeçarias junto às raízes deYggdrasil . . . . Figura 2 – Odin em seu trono acompanhado de sua lança, corvos e seus lobos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Figura 3 – Valquírias acompanhadas de Hugin e Munin . . . . . . . . . . . . . Figura 4 – Denmark, Jutland, Aalborg region, Viking burial site of Lindholm . . Figura 5 – The Rainbow Bridge in Richard Wagner’s Das Rheingold, directed by Otto Schenk (1990) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Figura 6 – 1Ulfhednar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Figura 7 – This runestone in runestone style Fp is located in Sorunda. It is raised in memory of a father who died in a war expedition led by a commander named Guðvé. Erik Brate argues that it was the same expedition as the one mentioned on the Grinda Runestone and where the targets are reported to have been England and Saxony. . . . . .

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Sumário

1

Capítulo Introdutório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2 2.1 2.2 2.3

Sorte Lançada aos Deuses . Os habitantes da Yggdrasil . O Pai de Todos . . . . . . . As Damas da Guerra . . . .

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3 3.1 3.2 3.3

Jornada ao Valhalla . . . . . . . . . . . A Ponte em Chamas . . . . . . . . . . Os Guerreiros Deuses . . . . . . . . . Ragnarok, o Apocalipse Nórdico . . .

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20 23 25 27

4 4.1 4.2 4.3

Ligação com os Deuses O Número Sagrado . . . O Mistério das Runas . . Sacrifício aos Deuses . .

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Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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1 Capítulo Introdutório

De origem escandinava, os escaldos com seu grande dom da oratória são responsáveis por propagar feitos lendários de reis e heróis de outrora, acredita-se que este dom foi concedido pelo deus Odin pai dos deuses e das runas. Estima-se que os vikings colonizaram a Islândia por volta do século X dando inicio a construção de suas sagas que não se limitam apenas em contar feitos antigos de reis e heróis,incluindo sagas familiares, clericais e religiosas. Com a chegada do cristianismo na Islândia junto chega a escrita, onde as sagas tomam um formato de manuscrito datados do século XIII e XIV, tornando assim a tradição oral escassa. Neste presente trabalho limito-me em trabalhar e analisar A Saga dos Volsungos, analisando a influência dos deuses e os humanos e para com os mesmos. As obras do mitólogo Mircea Eliade são usadas como parâmetros delineador entre a mitologia e a realidade em um âmbito geral no decorrer deste trabalho, assim como utilizo-me dos materiais publicados pelo professor Johnni Langer onde tem um papel fundamental apresentado nos próximos capítulos. O presente trabalho tem o intuito de contribuir para o enriquecimento de estudos sobre a Escandinávia medieval, pois existem poucos materiais para estudo e pesquisa em nossa língua. Graças a eventos, artigos e teses de mestrado em solo nacional junto ao grupo N.E.V.E. (Núcleo de Estudos Viking e Escandinavo) responsável pela revista on-line Noticias Asgardianas, temos a oportunidade para a iniciação acadêmica neste tema. No capítulo “Sorte Lançada aos Deuses”, serão debatidas as características da literatura produzida na Escandinávia da Era Viking, principalmente na Islândia de onde a fonte será analisada. A literatura em questão possuía características únicas e os poetas que as produziam eram chamados de skalds (escaldos). Antes da adesão do latim pelos islandeses, a transmissão poesia escáldica era feita na forma de recitações. Abordaremos, com isso, as origens da cosmogonia viking, suas deidades principais e sua correlação/interação com o mundo humano. No capítulo “Jornada ao Valhalla”, será feita a apresentação das diversas categorias de vida após a morte na mitologia escandinava, as formas para se alcançar o Valhalla e se tornar um guerreiro prestigioso, uma breve apresentação sobre as deidades da morte, suas funções e como se estruturava a vida e a morte do guerreiro na Escandinávia medieval partindo de uma analise literária e arqueológica. No capítulo ‘Ligação com os deuses”, serão abordados temas como a obrigação e dever para e com os deuses atraves de sua religiosidade, a importância e a sacralidade do numero nove para a sociedade nórdica e algumas referencias econtradas

Capítulo 1. Capítulo Introdutório

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nos Eddas. Para encerrar o capitulo será abordado a origem das runas, sua utilidade mágica e algumas formas de sacrifício e as funções dos rituais citados e praticados na sociedade escandinava medieval .

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2 Sorte Lançada aos Deuses

A tradição oral, comum na cultura escandinava pré-cristã, tinha como finalidade rememorar antigas tradições e transmitir feitos históricos de grandes reis e heróis, poemas e as palavras dos deuses através dos escaldos. Os escaldos geralmente faziam parte da nobreza da era viking (séc. VII ao séc. IX), em sua maioria formado por homens dotados de boa memória, domínio das runas, vasto conhecimento em mitologia e sua tradição passada oralmente de forma singular. Esta tradição originouse na Escandinávia, e a partir do século X se tornou popular na Islândia após sua colonização e a necessidade de uma identidade cultura pois eram desprovidos da arte, dança e musica, fazendo da oralidade sua ferramenta cultural. Atualmente estudiosos da cultura nórdica se utilizam do termo Europa Setentrional referindo-se aos países de origem nórdica como Noruega, Dinamarca e Suécia ou suas colônias Islândia e Gronelândia, facilitando assim suas pesquisas e referências geográficas. Ao recitar os mitos, reintegra-se aquele tempo fabuloso e a pessoa tornase, consequentemente, ”contemporâneo“ de certo modo, dos eventos evocados, compartilha da presença dos deuses e heróis (ELIADE, 1963, p.17).

Através da oralidade dos escaldos são desenvolvidos compilados manuscritos que datam dos séculos X e XI, os quais são divididos em Eddas . Trata-se de uma coleção de poemas escritos em nórdico antigo, considerado pelos especialistas como a fonte para o estudo da mitologia escandinava, também chamada de Edda Antiga, Edda Maior ou Edda de Saemund (termo em desuso). Edda em Prosa, em nórdico antigo escrita em 1220 pelo poeta e historiador islandês Snorri Sturluson (1179-1241), também denominada de Edda Jovem, Edda de Snori ou Edda Maior (LANGER, 2015, p.143-146 ). E por fim temos as sagas islandesas. As sagas tradicionalmente são classificadas por referenciais temáticos (sagas legendárias: fornaldarsögur; sagas de reis: konungasögur; sagas de família: íslendingasögur; contemporâneas: sturlunga saga; sagas de bispos: biskupasögur; sagas de cavalaria traduzidas: riddarasögur; sagas de cavalaria de origem nativa: lygisögur) (LANGER, 2015, p.442).

A Saga dos Volsungos datada do século IV, tem como primazia os feitos lendários do rei Volsung e a origem divina de sua linhagem. Dando inicio com o rei Volsung e sua esposa a valquíria de nome Hliod e ambos tiveram onze filhos. Em destaque encontra-se os irmãos gêmeos Sigmund e Signy que na trama para vingar a morte

Capítulo 2. Sorte Lançada aos Deuses

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de seu pai o rei Volsung geram um filho de nome Sinfiotli. Após a vingança ser bem sucedida por Sigmund e Sinfiotli e orquestrada por Signy contra seu marido o rei Siggeir traidor e assassino do rei Volsung, Signy é consumida pelas chamas junto ao corpo de seu marido, Sigmund torna-se rei e casa-se com a princesa Borhild. Após se resolver a Vingança do rei Volsung, uma nova trama surge entre Sinfiotli e sua madrasta Borhild, onde em uma disputa com o irmão de Borhild pela mão de uma donzela, Sinfiotli o acaba matando. Em forma de punição Sigmund é pressionado por sua esposa para que seu filho seja expluso do reino, não acatando sua vontade Borhild acaba por envenenar seu enteado. Sendo assim Borhild que é expulsa do reino, Sigmund entrega o corpo de seu filho aos braços de Odin e se casa novamente com a princesa Hiordis. Da união entre Sigmund e Hiordis nasce Sigurd quando alcança o enfoque e narrativa principal de seu romance com a valquíria Brynhild. popularmente conhecido como Siegfried (como ficou conhecido na região da atual Alemanha), uma das muitas versões para esta saga, podemos ressaltar a morte do dragão Fafnir. Escrita na Islândia por volta do século XIII e preservado em um manuscrito de 1400.

O estilo predominante nas sagas é de uma narrativa factual, objetiva e rápida, redigida em prosa,concentrando-se nos fatos de um personagem “digno de memória”. uma saga não é uma lenda, conto, texto poético, épico, texto religioso. É uma forma única de narrativa literária criada no Ocidente, que destaca o mundo dos homens e o papel virtuoso da honra, da coragem e da fortaleza (LANGER, 2015, p.441).

Sabe-se que os deuses sempre estiveram presentes na formação de sociedades e culturas diversas, o mito na acepção usual do termo ,i.e., como ”fábula“, ”invenção“, ficção”, eles o aceitaram tal qual era compreendido pelas sociedades arcaicas, onde o mito designa, ao contrário, uma história verdadeira e, ademais, extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo (ELIADE, 1963, p.6).

Se os mitos retratam e relatam a realidade de fatos ocorridos outrora, até onde os deuses influenciaram e influenciam na vida dos homens?

2.1

Os habitantes da Yggdrasil

Ao adentrarmos pelos aspectos míticos e religiosos presentes na cultura escandinava, é importante focarmos em Yggdrasil: árvore primordial que em seus galhos

Capítulo 2. Sorte Lançada aos Deuses

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sustentam e unem os nove mundos da mitologia nórdica. Ela é o centro do universo e o divide em três regiões cósmicas distintas em um eixo vertical: o plano celestial dos deuses, o plano intermediário dos humanos e gigantes, o plano inferior dos mortos - o submundo (LANGER, 2015, p.108). Um território desconhecido, estrangeiro, desocupado (no sentido, muitas vezes, de desocupado pelos “nossos”) ainda faz parte da modalidade fluida e larvar do “Caos”. Ocupando o e, sobretudo, instalando se, o homem transforma o simbolicamente em Cosmos mediante uma repetição ritual da cosmogonia. O que deve tornar-se “o nosso mundo”, deve ser “criado” previamente, e toda criação tem um modelo exemplar: a Criação do Universo pelos deuses. Quando os colonos escandinavos tomaram posse da Islândia (land-náma) e a arrotearam, não consideraram esse empreendimento nem como uma obra original, nem como um trabalho humano e profano. Para eles, seu trabalho não era mais do que a repetição de um ato primordial: a transformação do Caos em Cosmos, pelo ato divino da Criação. Trabalhando a terra desértica, repetiam de fato o ato dos deuses que haviam organizado o Caos, dando-lhe uma estrutura, formas e normas (ELIADE, 1992, p.22).

Em seu topo se localiza Asgard: é a fortaleza das divindades segundo as fontes da mitologia escandinava (LANGER, 2015, p.49). Em seguida se encontra Vanaheim, residência de deuses ligados à fertilidade e agricultura. Em nórdico antigo, Vanaheimr significa residência dos vanes. Alfheim é o nome do mundo onde os elfos habitam. No poema éddico Grímsnimál 5, Alfheimr é dominado de residência de Freyr, uma das muitas residências listadas nesta fonte (LANGER, 2015, p.24). Midgar se localiza no centro da árvore primordial. Na Edda de Snorri, Midgard possui um muro que o protege contra os gigantes e perigos externos; está rodeada pelo mar, no qual se localiza a grande serpente do mundo (LANGER. 2015, pg. 305 ). Ao lado temos Jotunheim; Na cosmologia éddica ele é indicador da região oriental de Midgard e separa o mundo dos homens por meio de rios e florestas de ferro (Völuspá 8,49; Skírnismál 40; Prymskvida 7, 9) (LANGER. 2015, p. 273). Abaixo do mundo dos homens, nas raízes da Yggdrasil está situada Helheim ou simplesmente Hel. Nome do reino dos mortos na mitologia germano- escandinava e personificação literária da deusa do submundo, filha de Loki (LANGER. 2015, p. 242). A seguir temos Nifheim. Terra de escuridão e névoas geladas, onde repousa uma das raízes de Yggdrasil, bem como a região de Hel. No mesmo nível inferior se encontra Svartafheim/ Nidavelhir. Reino em que viviam os anões sombrios. O nono mundo Muspelheim; O reino de fogo, envolvido na criação. Em Ragnarok, os gigantes ocupantes de Muspelheim emergirão, guiados pelo guardião do reino, Surt,para travarem uma batalha com os deuses (GRANT. 2000, p. 34-40).

Capítulo 2. Sorte Lançada aos Deuses

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Além dos nove mundos temos alguns moradores bem curiosos em seu tronco como o esquilo Ratatosk, responsável por informar a águia em seu topo sobre os insultos que o Dragão Nidhug que vive em sua base proferia e vice-versa. O Dragão Nidhug se alimentava de cadáveres que em vida eram pessoas execradas e para auxiliar em sua digestão rói as raízes da Yggdrasil. Existem quatro cervos que se alimentam em seus galhos e por fim as Nornas. Seu salão se encontra na base da Yggdrasill, onde além de residir eram responsáveis pela irrigação da árvore central e guardiãs da fonte de Mimir, deus da sabedoria que foi morto pelos Ases, a cabeça decepada do deus tornou-se a fonte da sabedoria alojada na base da Yggdrasil de onde Odin ira sacrificar um de seus olhos em troca de todo conhecimento. As nornas são três deidades femininas relacionadas ao tempo e ao destino:(1) Urd (Destino) guardiã do passado geralmente caracterizada como uma anciã;(2) Verdandi (Necessidade) representada como uma mulher de meia idade significando a maturidade materna; e (3) Skuld (Ser) representada por uma virgem e as profecias são ligadas a essa deidade. São elas que regem o tempo de vida de cada criatura, tanto dos deuses quanto dos mortais, desde seu nascimento ate seu ultimo minuto de vida, com um simples corte em sua fiandeira sua vida acaba em segundos. Em algumas fontes aparecem muito semelhante às parcas da mitologia grega, em outras elas são assemelhadas a deidades como as Valquírias, e em outras ocasiões seu número que seriam em três componentes passam ser nove.O historiador Johnni Langer , esclarece a relação das nornas e o destino e temporalidade. Nas sagas islandesas ocorre o sentimento de que a felicidade e a desgraça estão conectados aos poderes divinos (rögn, regin, gud, höpt, bönd). Todo indivíduo (herói, deus ou homem) é marcado pela sacralidade do destino: as narrativas demonstram a necessidade de conhecer, aceitar e assumir essa condição natural, demonstrada pela epopeia de Sigurdr Fáfnisbani. Os deuses, como Odin, também são submissos ao destino (LANGER, 2015, p.185).

O trecho a seguir, retirado da saga dos Volsungos demonstra o aspecto profético exercido pelas Nornas. Os dois parentes reúnem homens e navios e Sigmund parte então para onde seu patrimônio de família, e expulsa da terra o rei que ocupa o trono do rei Volsung. Sigmund se faz agora um rei poderoso e excelente, sábio e decidido. Ele se casou com uma mulher de nome Borghild. Os dois tiveram dois filhos. Um se chamava Helgi, Hamund o outro. E ao nascer Helgi, vieram as Nornas e estipularam lhe o futuro, dizendo que ele seria de todos os reis o mais celebre (MOOSGURGER,2011, p.54).

Além de designar uma ideia de temporalidade, as nornas passam uma ideia de equilíbrio dual entre vida e morte, felicidade e desgraça, caos e ordem, afastando-se,

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dessa forma, da bipolaridade maniqueísta (bem x mal) que fundamenta o cristianismo. Outro mito em destaque em que as nornas aparecem influenciando diretamente o destino é a do bardo Nornagesta, que, em seu nascimento um de seus parentes insulta Skuld (Ser), e furiosa diz que a vida desta criança duraria até o derreter de uma vela. Em contra partida, suas irmãs retiram a vela do local e a apagam para que fosse consumida pelo fogo. Nornagesta sempre manteve a vela em sua presença, mas com 300 anos decidiu se converter aos cristianismo e, como prova de sua conversão, resolve queimar o resto da vela para não ter relações com a antiga tradição. Contudo, ao terminar a queima da vela Nornagesta cai morto cumprindo a profecia. Assim, partindo das considerações de Langer, mais precisamente a função do mito, consideramos que com relação aos mitos em geral, e,questiona-se sua interpretação tradicional de que constituíram formas absolutas, primarias e universais que podem ser acessadas facilmente pelas fontes literárias onde foram preservadas (LANGER, 2015,p.7). Todavia o mito de Nornagesta seria um aviso aos pagãos sobre a nova religião, e que jamais deveríamos esquecer de nossas antigas tradições, para reforçar este conceito de destino sobre as sagas e mitos nórdicos. Nas sagas islandesas, as nornas são invocadas em um contexto jurídico e fatídico. Em algumas sagas lendárias e no folclore tardio, ocorreu uma mescla dos conceitos de nornas, volvas, spekonas e profetizas (LANGER, 2015, p.337). Segundo Cardoso(2006), as nornas, personagens da mitologia escandinava que se vinculam tanto á organização da temporalidade (relação entre passado, presente e futuro) quanto ao destino do mundo em geral ou das pessoas em particular .

Capítulo 2. Sorte Lançada aos Deuses

Figura 1 – Nornas tecendo suas tapeçarias junto às raízes deYggdrasil

https://pt.wikipedia.org/wiki/Nornas

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2.2

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O Pai de Todos

Segundo Velasco (2013), Ymir gigante primordial da cosmogonia nórdica, surgiu do frio em Nifheim de encontro com o calor proveniente de Munspelheim. Dele provêm todos os gigantes e o mal que seria inerente a eles,. assim como os homens e os anões foram seus descendentes (Völuspá 9).Ymir se alimenta do leite produzido pela vaca Audhumla surge Búri outro ser primordial, Búri filho de Ymir se casa com uma giganta e desta união surge Bór, que seguindo os passos de seu pai, também dá origem a seres divinos: Odin, Vili e Ve.Logo surgiram as diferenças entre os dois tipos de seres e a guerra entre eles durou milhares de anos sem que nenhum prevalecesse sobre o outro. Até que um dia os três deuses conseguiram matar Ymir (VELASCO, 2013, p.98). A trindade Vili, Odin e Ve matou este gigante e levou seu corpo para Ginnungagap, onde elaboraram o mundo a partir dos elementos deste cadáver com a carne, fizeram a terra; com os ossos as rochas; com os cabelos as árvores; com o crânio o céu; com o sangue o mar; pelas pestanas; criaram Midgard; com o miolo do cérebro criaram as nuvens de tempestade (LANGER, 2015, p.572).

Existe forte semelhança nestes mitos de criação nos quais o ser primordial é geralmente sacrificado ou morto para que os humanos sejam criados. O mitólogo Mircea Eliade deixa bem claro em sua obra “Mito e Realidade”, fator comum em muitas tribos indígenas e na cosmogonia grega, é a morte violenta dessas divindades é criadoura. Algo de muito importante para a existência humana surge em decorrência de sua morte (ELIADE, 1963, p.72). Odin, como era chamado pelos escandinavos, Wodan, para os germanos, e Woden, para os anglo-saxões, era o deus supremo da cosmogonia nórdica. Reconhecido como o “Pai de Todos”, por ser progenitor da maioria dos deuses como Heindall , Thor, Tyr e Balder. Seu nome é relacionado à fúria mas para os escaldos assumia outro sentido vinculado a um transe pois acreditavam que ao recitarem suas sagas mantinham conexão com Odin. A deidade é descrita na Saga dos Volsungos como ele aparecia em Miggard em uma de suas visitas aos mortais. Agora é dito que, quando as pessoas estavam sentadas junto ás fogueiras á noite, um certo homem adentrou a mansão. Este homem era desconhecido da vista de todos. O homem está vestido:ele tem sobre si um manto com manchas e com um capuz. o homem está descalço, e tem calça de linho atadas nas pernas. o homem tem uma espada na mão e caminha até Barststokk com uma touca comprida na cabeça. é alto e idoso e tem um olho só. Ele brande a espada e a crava no tronco de tal modo que ela se enterra ate as guardas. Ninguém chega ao menos saudá-lo (MOOSBURGER, 2011, p.41-42).

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Segundo Velasco, uma figura inconstante e confusa em suas atitudes, considerado deus da magia, xamanismo, poesia, batalha e morte. Acompanhado sempre de sua lança Gungnir,seus corvos Hugin e Munin que tem a função de informar Odin tudo o que se passa em Midgard 1 . Na Ynglingasaga,são citadas algumas habilidades de Odin que podemos relacionar com o xamanismo, tais como: podia abandonar seu corpo de acordo com sua vontade e transformar-se em um animal, viajar instantaneamente a terras distantes ou transpassar as barreiras do mundo (VELASCO, 2013, p.101). Certa vez Regin perguntou a Sigurd, quando estavam os dois juntos, se ele sabia quanta riqueza seu pai ja obtivera e que homens a conservavam. Sigurd responde dizendo que são reis que a conservam. Regin fala: “Tens plena confiança neles?” Sigurd responde: “É cabido que eles a conservem enquanto me convenha, porque sabem melhor do que eu como fazê-lo.” Numa outra ocasião, Regin dirigiu a palavra a Sigurd e falou: “É estranho que tu queiras ser estribeiro de reis ou partir em andanças como um aventureiro.” Sigurd replica: “Não é assim, porque eu tenho total autoridade diante deles. e tudo aquilo que desejo ter é meu por direito”. Regin fala: “Pede a ele que te dê um cavalo”. Sigurd replica: “Fá-lo-ei quando for de minha vontade”. Sigurd agora encontra o rei. Então o rei fala com Sigurd: “O que tu queres como presente de mim?” Sigurd responde: “Desejo receber de vós um cavalo, para meu entretenimento”. O rei fala: “Escolhe tu próprios um cavalo, e o que mais quiseres ter de meus haveres.” No dia seguinte, Sigurd foi ate a floresta e deparou-se com um homem velho, de barba comprida. Este lhe era desconhecido. Ele pergunta aonde Sigurd vai. Ele responde: “Vou escolher um cavalo. Vem me aconselhar na escolha”. Ele fala: “Vamos e os conduzamos até o rio que se chama Busiltiorn”. Eles conduzem os garanhões para dentro do rio fundo, e todos se lançam para a margem, menos um cavalo. Este foi o escolhido por Sigurd. Ele tinha cor cinza e era jovem na idade, bem crescido e belo. Ninguém nunca o havia cavalgado. O homem barbudo falou: “Este cavalo descende de Sleipnir e deve ser tratado com zelo, porque se tornará melhor que qualquer outro cavalo” . O homem desapareceu então. Sigurd deu ao cavalo o nome de Grani, e este foi o melhor. fora Odin quem ele encontrara (MOOSBURGER, 2011, p.66-67).

Figurado sempre como um velho andarilho de barba, cajado e um longo chapéu ele se apresentava ou era retratado pelos escaldos por nomes diferentes, analisado pelos historiadores,é encontrado nos poemas éddicos por volta de 150 nomes referentes 1

Álem de seus corvos Odin possui seus lobos Geri e Freki e de seu cavalo de oito patas Sleipnir.

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a deidade. E ,depois que a batalha, já havia transcorrido por um tempo, surgiu um homem em meio ao combate, com chapéu comprido e um manto negro com capuz. Ele tinha um olho só e empunhava uma lança (MOOSGURGER, 2011, p.62). Chamaram me de Hunkar, quando eu alegrei Hugin, jovem Volsungo, quando eu fiz mortos. Agora podes chamar o velho do rochedo de Feng ou de Fiolnir, quero embarcar-me convosco (MOOSGURGER, 2011, p.74).

Valfadur, o pai dos mortos em combate, era o termo designado a Odin quando se tratava deste assunto em questão.Residente em Asgard onde lá se encontra Valhalla, salão de festejo onde são designados todos os guerreiros mortos em batalha. Neste salão os guerreiros comem,bebem, batalham e se curam todos os dias esperando para lutar ao lado de Odin no Ragnarok. Figura icônica agindo sempre por seus interesses, os deuses nórdicos se assemelham com os mortais cheios de desejos e caprichos . Na Saga dosVolsungo Odin se mostra generoso ao adentrar o salão de Sigmund e presenteá-lo com uma espada que traria muitas bênçãos em batalha. Os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do sobrenatural) no mundo. È essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o mundo e o converte no que é hoje (ELIADE, 1963, p.142). Nesta batalha tombaram mortos o rei Sigmund e seu sogro, o rei Eylimi, á frente das tropas, e mais a maior parte de seu exército. Hiordis caminhou até onde estavam os mortos depois da batalha, á noite, e chegou onde jazia o rei Sigmund; pergunta-lhe se ele se curaria. Mas ele responde:“Muitos sobreviveram com poucas esperanças, mas a minha boa sorte se acabou, de modo que não desejo curar-me. Odin não quer mais que eu empunhe minha espada, agora que ela se partiu”. Eu travei batalhas enquanto isso lhe aprouve“. Ela fala: ”Eu julgaria não precisar de mais nada se tu te curasses e vingasse o meu pai“. O rei diz: ”Um outro está destinado a fazê-lo. Tu carregas um menino, e deverás criá-lo bem e com zelo; este menino será magnífico, o melhor de nossa linhagem. Conserva bem também os pedaços da espada. A partir deles se poderá fazer uma boa espada, que se chamará Gram, e o nosso filho há de empunhá-la e com ela praticar muitas façanhas, as quais nunca serão esquecidas, e seu ome será memorado enquanto o mundo existir. Lembra-te disso. Mas os ferimentos me exauriram e agora visitarei os parentes que ja se foram“ (MOOSGURGER, 2011, p.63).

Para reforçar as atribuições dadas a Odin:

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por mais que não obtenha sucesso em batalha- entra aí a figura de Odin como deus dos mortos-, pelo fato de estarem lutando em seu nome, receberão sua acolhida em Valhall. Desse modo vemos no culto á Odin, em sua dupla caracterização (deus das batalhas e deus dos mortos), as principais preocupações que permeavam os povos relacionados (PALAMIN, 2009, p.4).

Na mitologia nórdica existem três divindades relacionadas a morte. A primeira citada é Odin como visto acima, responsável por receber todas as almas de guerreiros mortos em batalha, a segunda divindade é Hell filha de Loki, ela tem a metade de seu corpo de uma mulher formosa e a outra metade é negra e assemelha estar em decomposição. Seu reino leva o mesmo nome da deusa onde são encaminhados as almas de todos os outros seres que morrem de causas naturais, fatalidades ou guerreiros indignos da presença de Odin, por ultimo a deusa Ran onde acolhia os afogados. A sua função era usar uma rede para arrastar os homens do convés dos navios para uma sepultura húmida, no palácio que partilhava com seu marido-irmão (GRANT, 2000, p. 50). E acabaram por desobedecer ao que lhes pedira a sua mãe, usando pedras para ferir. E agora são atacados, mas defendem-se bem e com bravura, ferindo muitos homens. O ferro não lhes causava danos. Então se achegou um homem, alto e ancião, com um olho só, que falou: ”Vós não sois homens espertos, pois não sois capazes de conceder a morte a esses dois homens“. O rei respondeu: ” Dá-nos um conselho se és capaz“. Ele falou: ”Deveis leva-los com pedras para Hell“ (MOOSGURGER, 2011, p.140).

Capítulo 2. Sorte Lançada aos Deuses

Figura 2 – Odin em seu trono acompanhado de sua lança, corvos e seus lobos.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Odin

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2.3

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As Damas da Guerra As valquírias (”as que escolhem os mortos do combate“) eram filhas de Odin. A mitologia escandinava suavizou bem sua imagem, já que na mitologia germânica anterior, eram uns seres sinistros que desciam aos campos de batalha entre tempestades e semeavam a morte para procurar guerreiros para seu pai que que entre esses povos recebia o nome de Wotan. Este, em muitas ocasiões, incitavam os grandes guerreiros á luta para que alguns deles morressem em combate; assim, ele podia aumentar sua tropa de einherjar. Afinal, tudo devia estar preparado para a ”era do machado e da espada, a era do vento antes da destruição dos mundos“ (VELASCO, 2013, p. 96-97).

As valquírias, assim chamadas nos poemas éddicos, são nove guerreiras equipadas com lanças, espadas, capacetes e de seus cavalos, servem ao deus Odin com a função de conduzir almas de guerreiros mortos em batalha através da Bifrost As duas partes se encontraram no lugar chamado Frekastein e lá se travou uma dura batalha. Helgi avançou através das tropas inimigas. Muitos homens tombaram mortos. Então eles viram um grande grupo de donzelas cavalgando com escudos, e era como se estivessem olhando para chamas. Estava lá a princesa Sigrun. O rei Helgi se lançou contra o rei Hodbrodd e o matou sob os estandartes (MOOSGURGER, 2011, p.58).

Em síntese, temos quatro aspectos essenciais relacionados com estas personagens: atendentes (servindo no Valhalla), amante/esposa, lutadoras (escolhendo e protegendo os heróis e reis), profetisas (em conexão com o destino) (LANGER, 2015,p.539). Entre suas diversas atribuições essas guerreiras iam de encontro aos combatentes que pereciam no campo de batalha para levá-los ao Valhalla e assim esperar pelo Ragnarok, o fim do mundo. Mas as valquírias também eram as mulheres que serviam estes mesmos homens, retratando uma subserviência de certo modo incoerente com seu status (LANGER, 2012, p.5).

Na Saga dos Volsungos, tanto Hliod quanto Brynhild ambas valquírias exercem papeis de esposas , mas em situações diferentes, Hliod a mando do seu pai adotivo o deus Odin, para que se case com o rei Volsung, onde ambos prosperam em sua união matrimonial e viveram em plena harmonia. Na situação de Brynhild desobedece as ordens de Odin e é amaldiçoada com o sono eterno por tal afronta ao deus, em contra partida ela jura se casar com um homem valente e destemido que quebrará tal maldição.

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Então, quando estava ja bem crescido, Hrimnir lhe enviou sua filha Hliod, que se mencionou antes quando levou a maçã para Rerir, o pai de Volsung. Ele decide casar-se com ela, e os dois vivem muito tempo juntos e tem uma boa relação. Eles tiveram dez filhos e uma filha. O mais velho de seus filhos se chamava Sigmund, já a filha, Signy. Eram gemeos, e em todos os aspectos os mais distintos e promissores dos filhos do rei Volsung, apesar de serem todos muito poderosos, conforme foi por muito tempo lembrado o quão orgulhosos os Volsungos foram e o fato de que eles estiveram á frente da maioria dos homens mencionados nas velhas histórias, tanto em sabedoria quanto em habilidades e em determinação de toda espécie (MOOSGURGER, 2011,p.40).

Sigurd era um guerreiro forte, brilhante, refinado, inteligente e corajoso, dotado dos adjetivos ideais para conquistar Brynhild, o que faz com êxito. Tendo adentrado em seu castelo tomado em chamas portando sua espada Gran e montado em seu cavalo Grani o herói quebra a maldição imposta por Odin e, em forma de agradecimento Brynhild se entrega a Sigurd, ambos trocam juras de amor e a valquíria se torna sua tutora nas runas, ensina todos os segredos mágicos para ele. Após a quebra de sua maldição Brynhild retorna para o castelo de seu pai adotivo e espera pelo retorno de Sigurd, e o herói segue com sua missão de derrotar o dragão Fafnir e tomar sua riqueza. Brynhild conta que dois reis haviam guerreado: ” um deles se chamava Hialmgunnar, ele era velho e o melhor e o maior dos guerreiros e Odin lhe havia prometido vitória, e o outro se chamava Agnar ou irmão de Audi. Matei Hialmgunnar em batalha, e Odin me perfurou com um cravo do sono, como vingança pelo meu ato, dizendo-me que eu nunca mais obteria vitória e que deveria casar-me. E, em contra-partida, eu pronunciei o juramento de que não me casaria com ninguém que soubesse ter medo“ (MOOSGURGER, 2011, p.83).

Após saber da morte do homem que matou o dragão Fafnir, o mesmo a quem fez juras de amor, em seu funeral Brynhild toma a espada Gran de seu corpo que estava na pira funerária e crava em si, fazendo com que seu corpo seja consumido pelas chamas junto com o de Sigurd e ambos possam seguir juntos para o outro mundo, conduzindo a alma do heroí ate os portões do Valhalla. Na iconografia da Era Viking, percebemos dois tipos de representações básicas destas personagens, a de servidoras do Valhalla (em estelas, esculturas e pingentes)- seguindo um modelo feminino domestico, e a de mulheres armadas - um modelo somente encontrado em pingentes do século IX, especialmente da Inglaterra. Nestes últimos, podemos perceber claramente seres femininos portando elmos, lorigas, escudos, espadas e lanças. Mas nas representações visuais do final da Era Viking e do inicio da cristianização, as cotas de malha, os escudos, as espadas e os capacetes desaparecem, permanecendo apenas lança (LANGER, 2012, p.8).

Capítulo 2. Sorte Lançada aos Deuses Figura 3 – Valquírias acompanhadas de Hugin e Munin

http://www.mitologia.templodeapolo.net/mitos_mit.asp?mit=Mitologia%20N%C3%B3rdica

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3 Jornada ao Valhalla

O mito da vida após á morte encontra-se presente em inúmeras culturas ais como o Islamismo, na religião judaico cristã, mitologia grega e na mitologia nórdica.O que difere umas das outras é o estado singular etnológico, onde processos de criação do mito adquire características regionais e culturais. O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares (ELIADE, 1963, p.9). Cada povo tem uma maneira de representar sua mitologia, baseada em sua concepção de vida e mundo, nas tradições herdadas de seus antepassados - ás vezes mescladas com as de outros povos - e nas próprias revelações dos que são considerados seres superiores. Por isso, cada povo utiliza seus próprios símbolos e personagens para contar os grandes eventos em que se envolveram seus ancestrais e os seres que os criaram, em um passado remoto onde o tempo e o espaço pareciam funcionar de outra maneira (VELASCO, 2013, p. 92).

Uma das formas de conexão entre o mundo dos homens e Asgard para conquistar o salão de Valhalla seria a escolha do individuo por Odin, segundo uma morte honrosa em batalha e feitos memoráveis em vida. A morte não era jamais um termo absoluto nem mesmo uma ruptura radical, era considerada uma simples mudança de estado. Morrer era simplesmente passar ao estado dos ancestrais com o saber e poder tutelar (LANGER, 2015, p.26). Na cultura escandinava existiam duas formas de preparo em seus funerais, a primeira seria a cremação onde o corpo do individuo era incinerado em uma pira com seus pertences, e seus restos mortais eram colocados em uma urna funerária que depois era enterrada e demarcada em forma de uma embarcação. As sepulturas em formas de barco eram comuns em outras culturas e demonstravam o status social do individuo, geralmente eram destinadas a reis e nobres. A segunda seria a inumação do corpo onde junto seguia alguns alimentos, animais sacrificados, geralmente cães e cavalos,se tratando de reis ou guerreiros importantes, sua esposa ou uma escrava era sacrificada e colocada junto ao seu corpo para que possam seguir juntos para a vida pós morte.Destacado no capitulo anterior sobre o funeral de Sigurd onde Brynhild o acompanha em sua jornada ao Valhalla onde podemos ver claramente o reflexo cultural na fonte presente em analise. Deste modo, a sepultura teria uma função de conectar a realidade aos outros mundos, fazendo o caminho inverso dos deuses. Baseado em uma perspetiva social das escavações, Colin Renfrew foi um dos primeiros a delimitar conceitos para estudos de campo, propondo indicadores arqueológicos para os rituais (foco de atenção do

Capítulo 3. Jornada ao Valhalla

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ritual: uma zona fronteiriça entre o mundo e o alem mundo; a presença de deidades; participação e oferenda). E alem disso aponta a iconografia como mais promissora técnica para estudar antigos sistemas de fé (LANGER, 2015, p.96).

As estelas são rochas esculpidas e pintadas na era viking, e foram encontradas na ilha de Gotland onde suas pinturas tinham finalidades míticas, religiosas e históricas. Outra característica importante encontrada em estelas funerárias era a forma espiral solar, que tinha o intuito de transportar a alma do individuo ao reino dos deuses. Em muitas culturas a espiral esteve vinculada á viagem da alma após a morte por caminhos desconhecidos, ate chegar a morada dos deuses. Deste modo, a espiral solar não era meramente um motivo estético, mas se relacionava a um sistema de fé que manteve traços de antigas praticas de xamanismo e estados alterados de consciência , convergindo para percepções da cosmologia e sendo metáforas da transição entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos (LANGER, 2015, p. 172-173). No caso de Hammar I, todo bloco é um memorial esculpido para homenagear uma personalidade muito importante desta comunidade- talvez um guerreiro famoso, um nobre ou um rei, descrever simbolicamente sua morte em alguma batalha, seu renascimento no mundo sobrenatural nórdico e registar eventos cotidianos que estiveram relacionados com rituais e simbolismo para concretizar essa passagem (LANGER, 2003, p.98).

Em destaque retirei um trecho da Saga dos Volsugos onde Brunhilde pede a seu marido e rei Gunnar para que prepare seu corpo junto com o de Sigurd e possam partir para o outro mundo, onde irão concretizar as juras feitas em Midgard. Com isso deixa explicito que para os escandinavos a morte não era o fim ou até mesmo uma concepção de uma nova vida, mas sim a extensão de sua vida na terra, mas sempre sob a influência dos deuses visto nos capítulos anteriores. Agora Gunnar, faço-te um ultimo pedido: manda acenderem uma grande pira numa planície, para mim, Sigurd e mais aqueles que com ele foram mortos. Manda erguerem tendas vermelhas de sangue de gente e cremarem-me lá, do lado desse rei huno,e, do outro lado dele, meus homens, dois á cabeça e dois aos pés, e dois falcões. Assim estará repartido com justeza. Depositai lá entre nós dois a espada desnuda como outrora, quando nós nos deitamos na mesma cama e proferimos votos nupciais. E as portas não se fecharão sobre seus calcanhares se eu acompanha-lo, e nosso funeral não será miserável se acompanharem-no cinco escrevas e oito servos, que me foram mortos com Sigurd (MOOSBURGER, 2009, P.117).

Capítulo 3. Jornada ao Valhalla

Figura 4 – Denmark, Jutland, Aalborg region, Viking burial site of Lindholm

http://www.fotosearch.com/AGE063/v58-1198705/

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Capítulo 3. Jornada ao Valhalla

3.1

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A Ponte em Chamas

Após a morte de um guerreiro em batalha, as valquírias vão ao encontro do moribundo a mando de Odin, onde a alma deste guerreiro será escoltada através da Bifrost ate Asgard. A Bifrost , guardada pelo deus Heindall 1 , é a ponte construída pelos deuses com os elementos fogo, água e ar, que tem a função de conectar Asgard aos outros mundos do freixo da Yggdrasill. É feita sua menção nos poemas éddicos Grimnismál e Fafnismál com o nome de Bilrost. Sua representação toma forma de um arco-íris, mas muitas vezes é descrita como uma ponte reluzente em chamas. Bifrost é a ponte arco-íris que conecta o mundo dos deuses , Asgard, com o mundo dos homens, Midgard. Não há certeza sobre a etimologia correta da palavra, sendo possível que derive do verbo bifa, que em nórdico arcaico significa ”balança“ ou ”tremer“ , devido ao brilho luminoso da ponte. Já nos poemas éddicos Grimnismál e Fafnismál, a ponte aparece com o nome Bilröst, que significa ”vislumbre fugaz do arco-íris“, a partir do prefixo”bil“, que significa ”momento“ ou ”instante“, denotando o curto intervalo de tempo do arco-íris (LANGER, 2015, p.73).

A Bifrost é um dos meios para se alcançar o Valhalla, por onde apenas os guerreiros valorosos e honrados eram conduzidos pelas valquirias, ou simplesmente se escolhidos e conduzidos pelo próprio Odin. O mesmo acontece com Sinfiotli 2 quando é envenenado por sua madrasta e seu pai/tio entrega seu corpo nas mãos de Odin. Sinfiotli bebeu e imediatamente despencou ao chão, Sigmund se pos de pé e, quase morrendo de tristeza, apanhou o corpo nos braços e foi até a floresta, chegando, por fim, a um fiorde. Ele respondeu que sim. O barco era tão pequeno que não os comportava, e o corpo foi transportado primerio, enquanto Sigmund caminhava ao longo do Fiorde. E em seguida desapareceu da vista de Sigmund o barco, junto com o homem (MOOSGURGER, 2011, p.60).

Ao fim da ponte em chamas se encontra Asgard, que é protegida pelo deus Heimdall e pela deusa Freya que designa para onde as almas dos guerreiros seguirão, os escolhidos por Odin são levados ao Valhalla e os demais ao salão Folkvang da deusa Freya. Depois de atravessar o Bifrost (ponte do arco-íris que une o Asgard, a terra dos deuses, com Midgard, a terra média dos humanos) la na porta chamada Valgrid, espera-lhe ninguém menos do que Freya, a bela deusa do amor. É ela quem decide se ele finalmente entrará no Valhalla ou irá ao Folkvang, seu próprio palácio no Asgard (VELASCO, 2013, p. 95). 1 2

Heimdall é o deus guardião de Asgard e o anunciador do Ragnarok. Filho de Sigmund e neto do rei Volsung.

Capítulo 3. Jornada ao Valhalla

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A ponte era usada não só para conduzir as almas, mas um meio de conexão para os deuses aos outros mundos, como o deus aventureiro e popular Thor, sempre evocado e enaltecido pelos vikings em suas viagens marítimas em busca de aventuras e glorias, acreditavam que Thor os acompanhavam em suas incursões. Odin em suas aventuras amorosas em Midgard, definir batalhas interferindo diretamente, escolhendo o vencedor e o derrotado muitas vezes levado pelo mesmo ao Valhalla. Todos os dias os deuses atravessam a ponte para fazer conselhos no poço de Urd. Assim, Bifrost também é chamada de As-Brú, ponte dos Aesir. A extremidade da ponte que chega em Asgard termina em Himinbjorg (penhasco do céu), morada do deus Heimdall, que mantém vigia sobre a ponte, pronto para anunciar qualquer perigo que possa acontecer a morada dos deuses, tocando sua corneta Gjallar-Horn, que pode ser ouvida em todos os mundos (LANGER, 2003, p.74).

Heimdallr vive ao lado de Bifröst, em um local chamado Himinborj (”Monte doCéu“), seu cavalo se chama Gulltop (”Crinas de ouro“), munido da espada Höfud (”Cabeça de Homem“) e da trombeta Gjallarhorn (”Corno Clamoroso“), protege a ponte contra a chegada de invasores (LANGER, 2015, p.238). De acordo com as fontes literárias onde Heimdall aparece ele é filho de nove gigantas, seu titulo de guardião não foi atribuído a toa, pois sua visão e audição são tão aguçadas que ele pode ver uma gota cair. Além destas atribuições teve um papel importante na sociedade, como criador da casta escandinava dividida entre escravos, homens libertos e a nobreza, faz referencia à Escandinávia, pois a Islândia3 não tinha um governo centralizado ou uma nobreza predominante. Além de ser guardião da Bifröst, é responsável pelo anúncio do início do Ragnarok, utilizando de sua trombeta Gjallarhorn que pode ser ouvida nos nove mundos para convocar os deuses asgardianos e os guerreiros a lutarem ao lado de Odin. Heimdall, ”o que brilha sobre o mundo“, morava em um palácio chamado Himingbjorg, a custodia do céu. De lá observava continuamente a ponte Bifrost para que não passasse para a terra dos deuses ninguém que não tivesse sido convidado. Como mensageiro dos deuses, viajou pelo Midgard sob o nome de Rig, onde deu origem a geração de três classes dde homens; escravos, livres e nobres. Foi ele que lhes ensinou as runas, assim como a realizar os cultos e sacrifícios aos deuses. Estabeleceu entre eles a primeira monarquia atraves de seu filho Kon (VELASCO, 2013, p. 107-108).

3

A Islandia foi colononizada pelos escandinavos em meados do século IX.

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Capítulo 3. Jornada ao Valhalla

Figura 5 – The Rainbow Bridge in Richard Wagner’s Das Rheingold, directed by Otto Schenk (1990)

www.bifrost-group.com

3.2

Os Guerreiros Deuses

sociedade escandinava da era viking se baseava na exaltação de deuses, reis e heróis fazendo com que desde cedo as crianças fossem iniciados na arte da guerra através de treinamentos ou feita através da transmissão dos contos heroicos. Esta influencia não se limitava apenas para os homens, as mulheres por muitas vezes compartilhavam desta virtude guerreira e aventureira. Todas as aventuras constituem de fato provas iniciadoras, após as quais o herói vitorioso adquire um novo modo de ser (ELIADE, 1963, p.60). Os Bersekers eram uma elite guerreira de Odin, portando apenas um manto de urso, machados para serem mais letais e efetivos e escudos onde batiam e mordiam para intimidar seus inimigos, antes de suas batalhas eles passavam por um processo de ritualização evocando forças divinas através de bebidas alucinógenas entrando em um estado de transe fazendo com que a força seja ampliada e sua dor seja ignorada em batalha. Os Ulfhednar era uma versão menos conhecida que utilizavam peles de lobo no lugar da pele de urso. A palavra berserker tem duas acepções. Pode significar ”sem camisa“, pelo costume que tinham de rasgar as proprias roupas e combater

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nus. Ou, ainda, pode ser uma derivação de ”pele de urso“, por eles costumarem cobrir-se com uma capa deste material. Há tambem o termo ulfhednar, menos conhecido, em que o urso é substituido pelo lobo (VELASCO, 2013, p. 24).

Além de Snorri Sturlusson, que descreviam em suas sagas os bersekers, há várias outras fontes como referências, Tacito em Bello Gallico faz menção aos preparativos dos guerreiros germanos e sua ferocidade em batalha. Outra fonte contemporânea do período viking e que pode atestar a euforia guerreira dos escandinavos foi o bizantino Leo Diaconus, que na Historiae Byzantinae descreve as campanhas búlgaras, em que acompanha o imperador bizantino João Curcuas (Ioânnes Curcuas, conhecido como Tzimikes) e presencia a atuação em campo de batalha dos Rus, tribo que havia descido da Suécia pelo rio Dnieper e se instalado no leste europeu, sendo, na ocasião das campanhas búlgaras, liderada pelo chefe guerreiro Sviatoslav. Sendo Leo Diaconus um individuo acostumado ao cenário guerreiro empreendido pelo império bizantino, seu espanto diante dos costumes Rus faz crer que ele testemunhou algo marcante. Ele observou uma maneira de lutar dominada por um frenesi, não presenciada antes por nenhum bizantino. Diz ainda que eles berravam sons animalescos, de uma maneira estranha e chocante que assustava e desestabilizava seus inimigos. Os Rus são descritos atacando com fúria cega e sem se importar com sua proteção. O próprio Sviatoslav lutou rugindo e de maneira temerária, de modo que Leo pensou que ele tinha ficado insano (LANGER, 2015, p.70).

A personificação dos animais pode estar ligada diretamente ao culto para Odin ou até mesmo uma forma de intimidação, incorporando o urso em sua forma singular e feroz, ja no caso dos lobos a sua crueldade dos ataques com a alcateia. Na saga dos Volsungos Sigmund e Sinflioti,seu filho/sobrinho entram em um transe causado pelas peles de lobo que usavam, tomados pelo frenesi vivem para matar ate chegar a hora certa de sua vingança e honrar a memoria do rei Volsungo. A fúria bestial é um tanto diferente do hamr, a transformação literal em animais. E certa vez, enquanto ainda percorriam a floresta a fim de apanharem riquezas, aconteceu de encontrarem uma casa, e dois homens dormindo na casa com grossos anéis de ouro. Eles estavam enfeitiçados, com peles de lobo estendidas dentro da casa sobre si. Uma vez a cada dez dias podiam livrar-se das peles. Os dois eram filhos de reis. Sigmund e seu parceiro puseram-se dentro das peles e não conseguiram tira-las, e acompanhou-os aquela mesma condição. Eles começaram a uivar também, e ambos podiam compreender o uivo (MOOSBURGER, 2009, P.50).

As representações desses guerreiros que incorporam animais podem estar ligadas a ritos de batalha reais, um vínculo marcial com os espíritos animais, em que

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Capítulo 3. Jornada ao Valhalla

os Berserkir e Úlfheðnar, em contato com os espíritos e o deus Odin, revelam uma importante faceta das manifestações religiosas pré-cristãs voltadas para a guerra. Essa é uma visão de mundo que diz respeito a marcialidade, justamente pelo comportamento que desempenha no exercício guerreiro. As práticas antigas e rituais na preparação dos bersekers remontam ao xamanismo pagão, uma ligação direta ao deus Odin pois alem de suas atribuições já citadas ele também é considerado o deus xamanico, que para adquirir tamanho poder teve que se enforcar e ser empalado em uma lança, praticas feitas pelos escandinavos com prisioneiros de guerra em exautação ao deus guerreiro. Figura 6 – 1Ulfhednar

http://norskk.com/ulfhednar/

3.3

Ragnarok, o Apocalipse Nórdico

Os guerreiros escolhidos por Odin eram chamados Einherjar, que significa “aquele que luta sozinho”. Snorri Sturluson descreve, na Edda em Prosa, que, ao longo do dia, os guerreiros mortos, reunidos em Valhall, realizam batalhas entre si. Essas batalhas renovavam-se todos os dias e os guerreiros, uma vez mortos, não poderiam morrer novamente. Desse modo, ao fim do dia, após passarem horas batalhando, os guerreiros se juntavam a Odin, em Valhalla, para banquetear e festejar ao lado de seus companheiros, para, no próximo dia, voltarem a lutar entre si, num processo que se

Capítulo 3. Jornada ao Valhalla

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estenderia até o Ragnarok, os mesmos que lutarão ao seu lado contra as forças do caos na defesa de Asgard, conforme citado no capitulo anterior foi de Sinflioti, onde o próprio Odin recolhe seu corpo nos braços de seu pai Sigmund e o conduz ao grande salão de Valhalla. O ápice da jornada heroica, o ideal de todo membro da elite escandinava, que almejava tornar-se um einherjar depois de morto, aguardando o dia do Ragnarok. {Lembramos que o culto ao deus Odinn era maior nas elites das sociedades escandinavas guerreiras, nobres e realeza (LANGER, 2003, p.120).

A mitologia sobre o fim do mundo é comum em várias culturas, presente no ocidente temos o apocalipse judaico cristão que indica a batalha épica entre o messias e o diabo, a destruição do mundo e a criação de um novo reino de paz. Os mitos do fim do mundo podem ser interpretadas de formas independentes como o fim de uma estação do ano para outra, ou o ciclo de suas colheitas ou ate mesmo a destruição de uma cultura e a criação de uma nova. Em suma, esses mitos do Fim do Mundo, implicando mais ou menos claramente a recriação de um novo Universo, exprimem a mesma ideia arcaica e extremamente difundida da ”degradação“ progressiva do Cosmo, requerendo sua destruição e sua recriação periódicas. Desses mitos de uma catástrofe final, que será ao mesmo tempo o sinal anunciador da iminente recriação do Mundo, é que surgiram e se desenvolveram os movimentos proféticos e milenaristas das sociedades primitivas contemporâneas (ELIADE, 1963, p.46).

Ou ainda: O primeiro sinal do ataque violento de Ragnarok será Fimbulvetr, um rigoroso inverno que durará longos anos, em que a neve cairá, constantemente, em toda parte. Os lobos que perseguem o Sol e a Lua rrão capturá-los e devorá-los. Loki e Fenris, bem como Garm, o cão de Hel, irão conseguir quebrar as correntes e atacar os deuses. Nidhug, o dragão que rói uma das raizes de Yggdrasil, acabará por conseguir os seus intentos. O deus Heimdall tocará uma nota na sua trombeta, em aviso do que está iminente, sendo esta nota de música ouvida por todos. Os Ases e Einheriar (os guerreiros mortos levados do campo de batalha para o Valhalla) ouvirão este som e dirigir-se-ão para Vigrid, onde terá lugar a derradeira batalha. Os mares agitar-se-ão enfurecidamente, o que irá acordar Jormungand, a Serpente do Mundo, que sairá do seu leito das profundezas do oceano para tomar parte na batalha. As contorções da serpente provocarão enormes vagas e uma destas lançará o navio Naglfari, feito inteiramente das unhas dos mortos cujos parentes se esqueceram de lhas cortar. Loki irá a bordo deste navio, acompanhado por uma horda do reino de Munspell. Também os gigantes gelados navegarão para Vigrid, para combaterem com os Ases,

Capítulo 3. Jornada ao Valhalla

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sendo o capitão o gigante Hrym. Hel juntar-se-á ás forças do mal, assim como as suas sicofantas, Garm e Nidhug. Surtr, a chama gigante, irá juntar-se ao exército de Loki, seguida por parentes seus. Quando este último exército atravessar o Bifrost, o peso despedaçará a ponte do arco-íris. OS deuses não mostrarão qualquer medo, embora a força dos exércitos que enfrentaram seja enorme. Odin, uma última vez, irá consultar as deusas do destino e Mimir e, depois, juntar-se-á aos seus companheiros. Odin será morto no duelo com Fenris, Surtr matará Frey e Loki matará Heimdall. Tyr morrerá nos dentes de Garn e Thor numa torrente de veneno que jorrará da boca de Jomungand. Vidar fará Fenris em pedaços. Surtr pegará fogo a Yggdrasil, destruindo, assim, os palácios dos deuses e toda vida vegetal da Terra. (GRANT, 2000, p. 117-118)

Mesmo Odin com seu vasto poder não poderia fugir de seu destino traçado pelas Nornas, deveria cumprir seu papel com exito, demonstrando bravura em batalha fazendo com que seus aliados sintam orgulho de lugar e morrer ao seu lado. Mas não só o pai de todos deveria enfrentar seu inimigo, vários deuses partilham da mesma dualidade em batalha traçado em seus destinos esperando pelo Ragnarok. Apos esta épica batalha ter seu desfecho final, apenas poucos deuses restaram, dando inicio a um novo ciclo de vida e o surgimento de novos deuses.

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4 Ligação com os Deuses

As discussões realizadas até o presente momento tiveram o intuito de apresentar a mitologia Viking bem como as formas como ocorreram as transmissões de tais mitos durante e posteriormente à Era Viking. A apresentação do corpus mitológico, com sua cosmogonia, deuses e seres mitológicos, voltado de maneira geral à sociedade escandinava, mas também mostrar que a morte, a guerra e, principalmente, os mais importantes e cultuados deuses do panteão Viking estavam presentes na vida religiosa de todos os indivíduos dessa sociedade guerreira. Locais como bosques, montanhas, pedras, arvores, poços eram considerados sagrados ou propícios para cultos religiosos. Uma religiosidade profundamente inserida na paisagem natural desde os primórdios essa relação com a natureza foi típica da sociedade nórdica (LANGER, 2015, p.168). Graças á repetição continua de um gesto paradigmático, algo se revela como feixo universal. Através da repetição periódica do que foi feito in illo tempore, impõe-se a certeza de que algo existe de uma maneira absoluta. Esse ”algo“ é ”sagrado“, ou seja, transumano e transmundano, mas de um transcendente que pode ser vivido ritualmente e que acaba por fazer parte integrante de uma vida humana (ELIADE, 1963, p.100).

Desta forma, podemos conjecturar a existência de práticas religiosas na sociedade escandinava que eram executadas de acordo com suas necessidades funerárias, agrícolas, preparações para guerra, além desta característica eles não detinham um poder centralizado e especialista ou sistema de casta como no cristianismo. Ao contrário do cristianismo , no paganismo escandinavo não existia uma teologia sistematizada sem conceito absoluto de bem e mal, com ideias vagas e conflituosas sobre a vida após a morte (LANGER, 2015, p.357). Muito presente no paganismo nórdico era a utilização de símbolos mágicos e sacrifícios humanos para rememorar guerreiros antigos ou deuses. De acordo com Mircea Eliade: é captar o sentido dessas formas de conduta, compreender a causa e a justificação desses excessos. Compreende-las equivale a reconhecêlas como fenômenos humanos, fenômenos culturais, criação do espírito e não como irrupção patológica de instintos , bestialidade ou infantilidade (ELIADE, 1963, p.7).

Como não havia um sistema hierárquico ou mesmo uma religião consolidada entre a sociedade escandinava, os responsáveis por executar as praticas religiosas ou aqueles considerados mensageiros dos deuses eram reis, drótnar, godar ou jarls, espécie de líderes regionais semelhante ao cargo de prefeitos do nosso sistema político.

Capítulo 4. Ligação com os Deuses

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Durante certo tempo , foi utilizado o termo drótnar (mestre) para os sacerdotes dos Ases. Mas a palavra mais comumente utilizada nas fontes foi godar e hofgodar O primeiro termo foi derivado de deus (god) e significa servidor de uma divindade. O segundo significa superintendente de um templo. O termo godi foi universal na Islândia, mas muito raramente mencionado fora dela. Na Escandinávia em geral , as fontes mencionam a palavra ”atendente de templo“ (vardveittur hof), mantedor dos sacrifícios (Héldu upp blótum) (LANGER, 2015, p.426).

As atividades religiosas geralmente eram realizadas em espaços naturais como bosques, montanhas, lagos rios e pântanos. Mas algumas cerimônias familiares ou sacrifícios eram executadas em templos espalhados em toda Noruega, o mais famoso de cunho político e religioso era o de Uppsala localizado na Escandinávia situado na região conhecida atualmente como Gamla Uppsala ”velha Uppsala“ próxima a cidade de Uppsala. Na Islândia era comum as reuniões chamadas de Thing (assembleias) em que era proibida a utilização de armas e a violação desta regra era penalizado com o desterro. Manuel Velasco compartilha as ideias de Jhoni Langer e completa: Onde não havia templos, as cerimonias eram realizadas em espaços sagrados naturais que recebiam o nome de vé, e que podiam ser um lugar determinado em um bosque onde havia uma arvore, um manancial ou uma rocha, aos quais se atribuía alguma qualidade relacionada com forçar inatingíveis que propiciavam o contato com os deuses (VELASCO, 2013, p. 141).

Segundo Mircea Eliade: No interior do recinto sagrado, o mundo profano é transcendido. Nos níveis mais arcaicos de cultura, essa possibilidade de transcendência exprime se pelas diferentes imagens de uma abertura: lá, no recinto sagrado, torna-se possível a comunicação com os deuses; consequentemente, deve existir uma “porta” para o alto, por onde os deuses podem descer à Terra e o homem pode subir simbolicamente ao Céu. Assim acontece em numerosas religiões: o templo constitui, por assim dizer, uma “abertura” para o alto e assegura a comunicação com o mundo dos deuses (ELIADE, 1992, p.19).

4.1

O Número Sagrado

O número nove, muito citado em várias fontes como nas Eddas e nas Sagas de Snorri Sturluson era deveras presente na cultura escandinava rememorando o sacrifício de Odin (allfather) em busca das runas mágicas, no qual ele permanece nove dias enforcado como sacrifício para si mesmo. As festas de sacrifício em Uppsala e Leyre duravam nove dias e supõe-se que nove vítimas de várias espécies eram sacrificadas (LANGER, 2015, p.341).

Capítulo 4. Ligação com os Deuses

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O sagrado manifesta se sempre como uma realidade inteiramente diferente das realidades “naturais”. É certo que a linguagem exprime ingenuamente o tremendum, a majestas, ou o mysterium fascinans mediante termos tomados de empréstimo ao domínio natural ou à vida espiritual profana do homem. Mas sabemos que essa terminologia analógica se deve justamente à incapacidade humana de exprimir o ganz andere: a linguagem apenas pode sugerir tudo o que ultrapassa a experiência do homem mediante termos tirados dessa mesma experiência natural (ELIADE, 1992, p.12).

É difícil separar a vida sagrada da profana quando uma cultura esta ligada ao natural, onde os deuses se fazem presentes em cada passo, onde o mito se reflete diretamente em sua sociedade. A vida cotidiana, as festividades, os ritos de preparação para guerras e viagens estão impregnados pelo sagrado, e o numero nove é uma das características expressivas desta cultura. Acredita-se que a sacralidade que este número possua para a tradição nórdica proveio de outras regiões como da Finlândia estas em conexão direta com outras tradições xamânicas do mundo asiático e europeu (LANGER, 2015, p.341). Nove é o numero mais sagrado para os Vikings e a partir disso várias passagens da mitologia nórdica descrevem alguma associação com esse número: nove eram os mundos criados no inicio dos tempos; Odin teria ficado nove dias suspenso na arvore Yggdrasill; o bracelete magico de Odin, Draupnir, produzia mais 8 braceletes iguais de nove em nove dias (LANGER, 2003, p.99-100).

Pode-se dizer que o número nove tem uma ligação direta e indireta com a cultura e sociedade escandinava, onde a ação dos deuses pode interferir de forma branda em suas vidas, como no caso do deus dos mares Aegir que decide quem tem permissão para navegar em tuas águas, caso contrario suas filhas, as ondas, afundariam as embarcações. Aegir era um deus pouco querido, tal como sua esposa e irmã Ran, porque governavam sobre os oceanos e estavam sempre dispostos a causar naufrágios. O mar do norte era chamado de ”o caldeirão de Aegir“ e suas filhas eram as nove ondas. Muitos vikings por segurança levavam uma pedra de ouro ao embarcar pois, em caso de naufrágio, eles a entregariam a Ran para que ela não fosse muito cruel (VELASCO, 1955, p.108).

Ao analisar o nove em um ponto de vista não mitológico pode-se citar algumas tradições comuns que eram praticadas na Escandinávia e Islândia. As mágias eram recitadas nove vezes, nove era a quantidade de sacrifícios que deveriam ser oferecidos ao deus Odin, nove era o número de leis recitadas nas assembléias islandesas, ,

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ademais, a passagem do tempo estava regulada pela passagem de nove em nove dias. Para reforçar a veracidade do mito, Mircea Eliade nos afirma: O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são deuses ou Heróis civilizadores. Por esta razão suas gesta constituem mistérios: o homem não poderia conhecê-los se não lhe fossem revelados. O mito é pois a história do que se passou in illo tempore, a narração daquilo que os deuses ou os Seres divinos fizeram no começo do Tempo. “Dizer” um mito é proclamar o que se passou ab origine. Uma vez “dito”, quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodítica: funda a verdade absoluta (ELIADE, 1992, p.50).

4.2

O Mistério das Runas [138.] Estive pendurado nove noites, na arvore açoitada pelos ventos por lança trespassado e dado a Odin eu mesmo, a mim mesmo, naquela arvore que nenhum homem sabe onde brota. [139.] Com o pão me abençoaram, nem com o chifre, olhava para baixo, e então eu tomei as runas eu tomei vociferando, de lá tombei de novo depois disso. [140.] Encantamentos nove eu aprendi daqueles filhos celebres de Bolthor, o pai de Bestla, e foi-me dado então de beber do hidromel caro de Odreri. [141.] Depois revigorei-me e fiz-me sábio, cresci e logrei ter maior poder; dito buscava dito do meu dito; obra buscava obra de minha obra. [142.] runas tu hás de encontrar e letras lidas, letras muí grandes, letras muí robustas, e pelo grande sábio desenhadas e pelos grandes deuses engendradas, e pelo Hropt divino entalhadas. [143.] Entre os asas Odin, entre os elfos Dainn, e Dvalin diante dos anões, e diante dos gigantes esta Asvid, e eu próprio talhei algumas delas.. [144.] Sabes como entalhar, tu sabes ler? Sabes como traçar, sabes testar? Sabes como pedir, como imolar? Sabes sacrificar, sabes matar? [145.] Melhor é não pedir que imolar muito, sempre o regalo atenta ao pagamento; melhor sem sacrifício que matança. Assim a gente diva Thund talhou; la, onde retornou, ele se ergueu (LANGER, 2015, p.426-424).

Após a auto imolação de Odin, os deuses se reuniram para ressuscitá-lo através de magia, feito isso lhe é atribuído o epíteto de conhecedor das runas e deus da magia. Como gratidão divide seu conhecimento das runas com outros deuses. Um dos deuses que recebeu o conhecimento foi Heimdall, em uma de suas andanças pelo mundo além de o criador das castas humanas, foi responsável por transmitir este conhecimento das runas aos humanos em forma reduzida e menos poderosa das originais.

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Um professor profissional de runas , que poderia ser considerado um mago recebia o nome de vitki (plural, vitkar) - palavra que tem a mesma raiz de wizard, wicca, wicche ou tantas outras que significam sábio, profeta, o que ve, etc. - e a ele as pessoas recorriam para fazer consultas de adivinhação , para que fabricasse um talismã ou para fazer ou desfazer feitiços (VELASCO, 1955, p.143).

Conhecida como Futhark, conhecida pelos germanos desde o século II, as runas se tornaram o alfabeto nórdico, com finalidades mágicas e narrativas. Geralmente eram esculpidas em madeiras, pedras, ferro e ossos, quando esculpida em estelas narrava a vida do morto, sua história, sua saga para que Odin soubesse de seus feitos em vida e que ele pudesse entrar no Valhalla. Quando eram talhadas em madeira como em barcos ou casas tinham a finalidade de proteção na viagem e bênção. Já em ferro eram encontrados em espadas e machados como um amuleto da sorte em batalha. Nestes, o símbolo do deus da justiça Thyr era o mais usado, uma espécie de T¨só que em forma de seta. Em ossos, pedras pequenas e polidas ou em pedaços de madeira eram utilizadas para a arte divinatória e profecia: prever o que iria acontecer em uma batalha, viagem ou saber sobre a colheita. Sua origem pode ser associada as escritas etruscas, paleolatina e rética, mas há discordância sobre a questão. Entre cerca de 150-800 (no continente) e cerca de 600- 700 ( na Escandinávia), as inscrições eram feitas no antigo fupark, consistindo de alfabeto de 24 caracteres. Entre cerca de 700-800 ocorreram mudanças e o fupark sofreu modificações, bem como uma redução no numero de sinais para 16. É chamado de novo fupark, e é nele em que a grande maioria das estelas rúnicas estão talhadas (LANGER, 2015, p.413).

Utilizando-se da Saga dos Volsungos (Volsunga Saga) como fonte, analisamos a seguir um trecho que demonstra as juras de amor entre Sigurd e Brynhild, após ser liberta da maldição posta por Odin em sua cota de malha por ter alterado o curso de uma batalha e matado o rei por engano. Em gratidão Brynhild presenteia Sigurd com o ensinamento de nove runas, fazendo com que seus dons e habilidades sejam ampliados. As runas não são meros símbolos de um alfabeto, pois cada runa tem um nome e um significado, segue aqui alguns nomes: F, U, TH, A, R, N, I, T, B, L, S, M (FÉ, UR, þurs, Óss, Reið, Nauð, Íss, Týr, Bjarkan, Lögur, Sól, Maðr). Cerveja te dou, líder do foro das couraças, mesclada com poder e com glória. Plena esta de feitiços e de runas curativas, de benfazejas mágias e de palavras de júbilo. Runas da vitória deves conhecer se almejas te tornar sábio, e talha-as nas guardas da espada, no miolo da lamina e noutras partes ainda e nomeia Tyr 1 duas vezes. Runas de 1

Filho de Odin e deus da justiça.

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espuma tu deves fazer se quiseres conservar a salvo, no estreito, os corcéis veleiros. Á proa serão gravadas e á lamina do leme, e aos remos ferreteadas, Não rebentarão pujantes vagas assim, nem ondas negras, e são sairás do oceano. Runas da fala deves conhecer se queres que ninguém com ódio repague-te danos tens de agita-las, mistura-las, dispo-las todas juntas, naquele foro onde as gentes irão a corte completa. Runas de cerveja deve conhecer se queres que esposa de outrem não te traia a confiança, se tu crês, No chifre devem talhar-se e nas costas da mão, e na unha desenha a necessidade. Taça cheia tens de marcar; guarda-te do infortúnio e no liquido lança alho-porro. Assim eu bem sei que tu não terás jamais hidromel com mal mesclado. Runas de ajuda deves usar se queres obter auxilio e retirar da mulher a prole. Deves na palma cortá-las e segurar na mão dela e pedir ás donzelas ajuda. Runas de ramos deves conhecer se queres ser curador e saber sarar chagas. Na casca se devem talhar e em folhas de uma arvore com ramos voltamos ao leste. Runas da mente deves usar se queres ser de todos o mais sábio varão. Elas foram reveladas, elas foram gravadas, elas foram pensadas por Hropt 2 nos escudo foram gravadas, que é postado diante do deis refulgente, nas orelhas de Arvak e na cabeça de Alsvinn 3 e na roda que está sob a carruagem de Rungnir 4 , nas rédeas de Sleipnir5 e na trava do trenó, na pata do urso e na língua de Bragi6 , nas garras do lobo e no bico da águia, nas asas sangrentas e no extremo da ponte, na mão salvadora e nos passos do alívio, no vidro e no ouro e na boa prata, no vinho e na cerveja e no assento da sibila, na cerna do varão e na ponta de Gaupnir7 e no peito da giganta, na unha da Norna e no bico do mocho. Foram todas raspadas, estas que foram talhadas, e misturadas ao hidromel santo e enviadas a vastas vias. Elas estão com os elfos, umas com os ases e com os sábios vanes, e outra tem homens mortais. Eis as runas da cura e as runas da ajuda e todas as runas da cerveja e esplêndidas runas da força, para todos que as possam, imaculas, sem avilta-las, ter para a sua boa ventura. Faz delas uso, se aprendeste, até que feneçam os deuses. Deves agora escolher, conforme te é dada uma escolha, tu, acer de armas cortantes. Falar ou calar? Pondera tu próprio As palavras ja estão decididas (MOOSBURGER,2011, p.83-87).

2 3 4 5 6 7

Um dos vários nomes utilizados por Odin. Arvak e Alsvinn são os cavalos que puxam o sol. Nome de um gigante. Cavalo de 8 patas do deus Odin. Bragi é o deus da poesia. Outro nome para Gugnir a lança de Odin.

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Figura 7 – This runestone in runestone style Fp is located in Sorunda. It is raised in memory of a father who died in a war expedition led by a commander named Guðvé. Erik Brate argues that it was the same expedition as the one mentioned on the Grinda Runestone and where the targets are reported to have been England and Saxony.

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4.3

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Sacrifício aos Deuses

Blót é o nome nórdico para sacrifícios, geralmente eram executados em lugares sagrados como templos ou espaços naturais. Nas sagas Snorri Sturluson divide o blót em três etapas a primeira mas não seguindo uma ordem exata seria o Hausblót onde era celebrado a fertilidade nas primeiras noites de inverno entre 8 a 11 de outubro, o segundo Midvertablót realizado na metade do inverno 9 a 16 de janeiro exaltando a fertilidade e a fecundidade e o Summerblot era realizado entre 9 e 15 de abril, realizado durante o verão abençoando as expedições marítimas. Geralmente a blót é direcionada para alguma divindade, onde os sacrifícios feitos a deus tinham a finalidade de exaltação da divindade os sacrifícios nórdicos é considerado uma troca de favores. Podemos dividir as mortes ritualizadas entre as populações nórdicas précristãs em dois tipos básicos: as imolações de membros da própria comunidade e as mortes de pessoas externas as comunidades, sendo o segundo o mais antigo registrado entre os germanos antigos. A festa sacrificial (blót) era a pratica principal dentro das religiosidades nórdicas. Consistia na morte de criaturas vivas, geralmente cavalos, bois, ovelhas e porcos (LANGER, 2015, p.428).

Tomamos como exemplo novamente a Saga dos Volsungos no poema XXXII onde Brynhild pede ao seu marido o rei Gunnar para que prepare os ritos fúnebres de sua morte e Sigurd, sacrificando alguns servos, escravas, guerreiros e falcões fazendo com que os mesmos auxiliem em sua passagem para a outra vida. A pratica de rituais e sacrifícios eram comuns na cultura escandinava, rememorando o mito de criação e a exultação do principal deus de seu panteão. A imitação dos gestos pragmáticos tem igualmente um aspecto positivo: o rito força o homem a transcender seus limites, obriga-o a situar-se ao lado dos deuses e dos heróis míticos, a fim de poder realizar os atos deles (ELIADE, 1963, p.104).

Ou ainda: Se os deuses tiveram de espancar e esquartejar um Monstro marinho ou um Ser primordial para poderem criar a partir dele o mundo, o homem, por sua vez, deve imitar essa ação quando constrói seu mundo próprio, a cidade ou a casa. Daí a necessidade de sacrifícios sangrentos ou simbólicos por ocasião das construções (ELIADE, 1992, p.31).

Os Alfar são seres míticos ligados a terra, são considerados seres mitológicos menores e são ligados aos vanes (deuses ligados a agricultura e fertilidade). Os elfos (alfar) são cultuados pelos humanos por serem amistosos e prestativos com os mesmos, diferente dos anões e jotuns 8 . Snorri cita uma versão de elfos de luz, acredita-se 8

Jotuns é o nome dado aos gigantes, que aparece em varias fontes como exemplos os eddas.

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que ele faz alusão aos anjos cristãos. Como os Vanir, mas ao contrario dos dvegar9 , os alfar aparecem ter sido adorados. Tais práticas são atestadas nas sagas. Os álfar parecem ter recebido algum tipo de oferta ou sacrifício (Álfablót), indicando que eles eram considerados generosos e benignos (LANGER, 2015, p.154). O Álfablót (sacrifício aos elfos) era um ritual de proteção local dedicado aos elfos,onde utilizava-se do sacrifício e sangue de bois, espalhar pela montanha de morada dos elfos e em seguida fazer refeição da carne, com intuito de proteção e fertilidade de suas terras. Jhonni Langer destaca seis características nas praticas dos rituais nórdicos. -Formalismo: códigos de fala e ação usados pelas pessoas na vida diária -Tradicionalismo: Rituais arcaicos ou com elementos anacrónicos -Invariantes: rituais que oferecem padrões repetitivos -Normativos: rituais com códigos de conduta para determinar comportamento -Simbolismo sacros: rituais para marcar ou conceber simbolismos -Performance: rituais para ações publicas (LANGER, 2015, p.11).

9

Nome referente aos anões.

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5 Conclusão

Ao longo desta pesquisa, o objetivo era analisar as representações mitológicas no quotidiano escandinava medieval da era viking (séc. VIII a X) usando como molde a Saga dos Volsungos. Desse modo, foram mantidos dois focos: a ligação dos deuses perante a sociedade escandinava, suas interferências e contribuições, e as formas de contato que os humanos tinham com suas divindades passando pelo seu destino, vida, morte, rituais, funerais e batalhas. Desse modo, o ponto de partida foi situar a origem da mitologia e a forma como ela foi transmitida, mesmo que de uma forma breve apresentando os escaldos Islandeses e sua origem, compreendemos o papel dos escaldos, isto é, os poetas escandinavos, como detentores do poder de discurso, por possuírem o conhecimento necessário para a produção dos poemas eddicos e escáldicos. A metodologia utilizada para guiar esta pesquisafoi a de Mircea Eliade, que por mais que um mito nos seja apresentado em forma de uma literaruta fantasiosa, os traços da realidade são eminentes. O autor destaca em sua obra ”Mito e Realidade“ que os mitos não devem ser interpretados como mentiras, mas sim como uma interpretação de sua epoca, situacional ou ocasional, sendo assim contribuindo para nossa analise sobre a cosmogonia e coslogia viking. Desse modo, as pesquisas realizadas sobre a cosmogonia, cosmologia, as nornas, os heróis e os deuses, objetivaram demonstrar como estas narrativas e figuras representavam a compreensão do mundo no qual estavam inseridas e a aceitação desse mundo. Dando destaque de forma coesiva para as suas crenças em torno da magia e caracteristicas dos deuses como interesse, vingança, punição e afeto. Ao concluir este trabalho, espera-se uma contribuição para a área acadêmica e uma compreensão maior sobre a cosmogonia e cosmologia escandinava para os leitores, pois não se pode dividir a sociedade e suas tradições culturas do mundo dos deuses, afinal uma reflete suas influencias sobre a outra.

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