A literatura na Base Nacional Comum Curricular: uma primeira leitura

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A literatura na Base Nacional Comum Curricular: uma primeira leitura

Djalma Espedito de Lima

Aproveitei meu sábado para ler a versão inicial da Base Nacional Comum Curricular (BNC), disponibilizada pelo MEC para ampla consulta pública há 5 dias, em 15.08.2015. Como professor de letras, meu interesse maior se voltou para a área de linguagens e, mais especificamente, para a área de Língua Portuguesa no Ensino Médio. Meu objetivo é formar uma visão a respeito das orientações teóricas que permearam a construção da BNC, e em especial, das teorias e práticas que se colocam na construção do currículo de língua portuguesa e ainda o lugar designado para a literatura. Este texto é uma versão de uma leitura feita no calor da hora, em primeira mão. Trata-se, portanto, de um discurso que pode ser definido melhor como uma resenha, uma primeira leitura, permeada de primeiras impressões, mas que espero que possa ajudar a quem quiser começar a conhecer a questão para contribuir na consulta pública da BNC. Trata-se de uma visão pessoal e parcial. Por isso, assumo uma posição política e autônoma, como sugere Paulo Freire, mas aberta a aprender mais e disposto a rever meus conceitos num debate. Para tanto, sinto a falta de seminários direcionados aos professores por parte do MEC e de suas comissões. O primeiro aspecto que observei na leitura é a vinculação da proposta às quatro áreas de conhecimento: Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagens e Matemática. Esta escolha está baseada nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNEB), publicadas em 2012. O objetivo geral da BNC é abranger 60% do currículo, denominado “base comum”, complementado por meio da “parte diversificada”. Nesse sentido, a BNC é um projeto de desenho de currículo. Organiza-se em primeiro lugar em torno dos componentes curriculares obrigatórios. Depois foram definidos eixos gerais chamados de campos de atuação nos quais se distribuem os objetivos de aprendizagem de cada componente curricular. O Ensino Infantil também conta com os chamados campos de experiência, que não analisei, visto que meu interesse se volta mais especificamente para o Ensino Médio. Ainda perpassam na proposta a adoção dos chamados temas integradores, que devem ser relacionados, ou não, com cada objetivo de aprendizagem. Foram definidos cinco temas integradores: 1. Consumo e educação financeira (EFC); 2. Ética, direitos humanos e cidadania

(EDHC); 3. Sustentabilidade (S); 4. Tecnologias digitais (TD); 5. Culturas africanas e indígenas (CIA).1

Síntese do Componente Língua Portuguesa O componente curricular de Língua Portuguesa faz parte da área de Linguagens, na qual se encontra também Língua Estrangeira Moderna, Arte e Educação Física. Para a área de Linguagens foram definidos os campos de atuação: 1. Práticas da vida cotidiana; 2. Práticas artístico-literárias; 3. Práticas político-cidadãs; 4. Práticas investigativas; 5. Práticas culturais das tecnologias de informação e comunicação; e 6. Práticas do mundo do trabalho. Esses campos devem orientar “a seleção dos gêneros textuais (BNC, p.42). Observamos que todos esses campos de atuação são definidos em torno da ideia de “prática”, ou seja, em torno de uma orientação não apenas teórica, mas também pragmática. Além desse critério, foram definidos sete objetivos gerais para o componente Língua Portuguesa na Educação Básica. Os objetivos gerais são muito bem descritos, mas nos arriscamos em resumir aqui em palavras-chave, para a construção de uma, ainda que parcial, visão inicial: 1. Intervenções orais; 2. Produções de textos; 3. Aprendizados de leitura; 4. Aprendizados da literatura; 5. Reflexões e usos de variação linguística; 6. Análise de textos; 7. Análise de textos multimodais. (Cf. BNC, p. 43-44). O texto das BNC segue depois com as tabelas dos diversos Objetivos de Aprendizagem de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental I, II e Ensino Médio. O Ensino Fundamental I contem 162 objetivos de aprendizagem, distribuídos ao longo de cinco anos (de códigos LILP1FOA001 a LILP5FOA162). O Ensino Fundamental II, por sua vez, abrange 71 objetivos de aprendizagem, em quatro anos (de LILP6FOA163 a LILP9FOA233). O Ensino Médio, finalmente, alcança 45 objetivos de aprendizagem (de LILP1MOA234 a LILP3MOA277). Neste esboço de desenho, ao longo do Ensino Fundamental e Médio, os alunos deverão atingir, no componente de Língua Portuguesa, 277 objetivos de aprendizagem. Cada um deles está sujeito a discussão e propostas na consulta pública aberta. Portanto, mesmo para opinar, precisaremos de um esforço de análise sistemática e consciente. 1

As siglas dos temas integradores foram definidas pelo MEC nas tabelas dos objetivos de aprendizagem.

O lugar da literatura no Ensino Médio

Não pude ainda analisar atentamente cada objetivo de aprendizagem, sua progressão, relação com temas integradores ou seus fundamentos teóricos. Mas comecei a empenhar uma leitura das formas de objetivação da literatura no Ensino Médio, que é contemplada por três objetivos gerais: 3. Aprendizados de leitura; 4. Aprendizados de Literatura; e 6. Análise de textos. No 1.o ano do Ensino Médio, a literatura é comtemplada em 6 objetivos de aprendizagem do campo de atuação Práticas artístico-literárias; no 2.o ano do Ensino Médio, a literatura é abordada em 3 objetivos de aprendizagem do campo de atuação Práticas artístico-literárias; e no 3.o ano, em 3 objetivos de aprendizagem do mesmo campo de atuação. Passo agora a citar cada um destes objetivos de aprendizagem, organizados em tabelas do 1.o ao 3.o ano: Literatura no 1.o ano do Ensino Médio: PRÁTICAS ARTÍSTICO-LITERÁRIAS Diz respeito à participação em situações de leitura/escuta, produção oral/escrita de textos que possibilitem conhecer produções culturais e literárias, valorizar nossa diversidade cultural e linguística, vivenciar experiências estéticas e de fruição literária. LILP1MOA234 Ler produções literárias de autores da Literatura Brasileira contemporânea, percebendo a literatura como produção historicamente situada e, ainda assim, atemporal e universal; LILP1MOA235 Reconhecer, em produções literárias de autores da Literatura Brasileira, o diálogo com questões contemporâneas (principalmente do jovem), em uma perspectiva de leitura comparativa entre o local e o global, reconhecendo a literatura como uma forma de conhecimento de si e do mundo; LILP1MOA236 Interpretar e analisar obras africanas de língua portuguesa, bem como a literatura indígena, reconhecendo a literatura como lugar de encontro de multiculturalidades; LILP1MOA237 Reconhecer e analisar os efeitos de sentido de algumas estratégias narrativas – como o foco narrativo, a composição das personagens, a construção da ação, o tratamento do tempo – de modo a refinar a leitura de narrativas literárias, considerando recursos linguísticos envolvidos na tessitura do texto (como o tempo e pessoa do verbo, marcadores de temporalidade, adjetivação etc.); LILP1MOA238 Compreender as especificidades da linguagem literária em práticas de escrita criativa de gêneros narrativos e poéticos (como contos, minicontos, crônicas, poemas etc.); LILP1MOA239 Identificar os recursos sonoros e rítmicos (rimas, aliterações, assonâncias, repetições), bem como elementos gráfico-visuais, reconhecendo os efeitos de sentido que esses recursos podem envolver em práticas de leitura e oralização do texto poético. Tabela 1.

Literatura no 2.o ano do Ensino Médio: PRÁTICAS ARTÍSTICO-LITERÁRIAS Diz respeito à participação em situações de leitura/escuta, produção oral/escrita de textos que possibilitem conhecer produções culturais e literárias, valorizar nossa diversidade cultural e linguística, vivenciar experiências estéticas e de fruição literária. LILP2MOA250 Ler produções literárias de autores da literatura brasileira dos séculos XX e XIX, em diálogo com obras contemporâneas, percebendo a literatura como produção historicamente situada e, ainda assim, atemporal e universal; LILP2MOA251 Analisar narrativas literárias que envolvam estratégias como enredo de cunho psicológico, tempo não linear, inovações nas formas de registrar as falas dos personagens, diferentes vozes do texto, refletindo sobre os efeitos de sentido de tais escolhas. LILP2MOA252 Interpretar e analisar processos que envolvam a dimensão imagética do texto literário (comparação, metáfora, metonímia, personificação, antíteses), a partir da leitura de textos em prosa ou em verso, compreendendo os deslocamentos de sentido como parte fundamental da linguagem literária. Tabela 2

Literatura no 3.o ano do Ensino Médio: PRÁTICAS ARTÍSTICO-LITERÁRIAS Diz respeito à participação em situações de leitura/escuta, produção oral/escrita de textos que possibilitem conhecer produções culturais e literárias, valorizar nossa diversidade cultural e linguística, vivenciar experiências estéticas e de fruição literária. LILP3MOA265 Ler produções literárias de autores da literatura brasileira dos séculos XVIII, XVII e XVI, em diálogo com obras contemporâneas, percebendo a literatura como produção historicamente situada e, ainda assim, atemporal e universal; LILP3MOA266 Analisar a interação que se estabelece entre a narrativa literária e o seu contexto de produção (ideologias, vozes sociais, outros textos, tradições, discursos, movimentos culturais, políticos etc.), considerando também o modo como a obra dialoga com o presente; LILP3MOA267 Interpretar e analisar processos que envolvam a dimensão imagética do texto literário (comparação, metáfora, metonímia, personificação, antíteses), a partir da leitura de textos em prosa ou em verso, compreendendo os deslocamentos de sentido como parte fundamental da linguagem literária. Tabela 3

A primeira observação que se faz é a proposta de rompimento com o modelo habitual de progressão cronológica do conhecimento da literatura. Tradicionalmente, a literatura no Ensino Médio tem se pautado por uma linha temporal, que se inicia supostamente com a origem da Literatura Portuguesa, com os primeiros textos dos primeiros trovadores galego-portugueses, por volta do século XII, estendendo-se pela abordagem do humanismo e do classicismo em Portugal, passando depois a abordar simultaneamente a Literatura Portuguesa e a Brasileira, nos séculos seguintes, numa sequência que leva até ao Modernismo e às práticas contemporâneas.

Nessa nova BNC propõe-se uma nova concepção, rompendo a linha cronológica. Assim, no 1.o ano, que tradicionalmente versa do Trovadorismo ao Barroco, as BNC propõem como objeto de estudo, no objetivo LILP1MOA234, “produções literárias de autores da Literatura Brasileira contemporânea”. Não define, entretanto, o que vem a ser esse tempo de contemporaneidade. No limite, esta definição é importante porque permite a inclusão ou exclusão de dezenas de nomes de autores, tais como, apenas para citar três: Osman Lins, Antônio Calado e Murilo Rubião. Ainda no primeiro ano, o objetivo LILP1MOA235 dialoga com esta questão, estabelecendo que as produções literárias escolhidas devem priorizar “questões contemporâneas (principalmente do jovem)”. O objetivo LILP1MOA236 estabelece a abordagem de “obras africanas de língua portuguesa” e da “literatura indígena”. Nesse caso, não se estabelece um critério temporal. Existe uma crescente e reconhecível produção de autores africanos de língua portuguesa, mas autores indígenas de língua portuguesa não são muito acessíveis, pois passam muitas vezes ao largo da formação do professor de língua portuguesa. As outras três competências propõem a análise de textos literários, que possibilitam identificar os gêneros como narrativos e poéticos, que devem ser estudados em relação à estrutura. No 2.o ano, o objetivo LILP2MOA250 propõe o estudo de “produções literárias de autores da literatura brasileira dos séculos XX e XIX”, e no 3.o ano, o objetivo LILP3MOA265 estabelece o estudo de produções literárias de autores da literatura brasileira dos séculos XVIII, XVII e XVI. Nestes dois casos, os objetivos sempre devem ser tratados “em diálogo com obras contemporâneas”. Vê-se claramente que a ênfase dada ao tratamento da literatura é o ponto de vista de obras contemporâneas, mas as razões pelas quais esta escolha foi realizada não foi documentada. Podemos apenas extrapolar estas razões. Como professor de Ensino Médio, tenho acompanhado o diálogo e o senso comum que circula em discursos, especialmente nas esferas jornalísticas e na própria esfera escolar. Uma das clássicas críticas inseridas nesse discurso de senso comum diz que os textos antigos são difíceis porque apresentam linguagem “antiquada” e tratam de temas igualmente “antigos”, que não interessam ao jovem. Muitos jovens reconhecem esse desinteresse. O jovem diz que se interessa pela linguagem do momento, expressa muitas vezes em celebridades instantâneas, que portam especialmente as vozes periféricas. Falta ao jovem o sentimento de apropriação da literatura brasileira como seu patrimônio cultural e o reconhecimento desta como parte de sua identidade. Os

jovens e seus pais são alienados pela propaganda, publicidade, influencia televisiva e os discursos de suas ideologias de espetáculo e consumo, que destacam valores superficiais, produzindo uma dissociação acrítica entre a cultura literária nacional e a valorização de sua própria história, encontrada em um modo de ver e de estar no mundo que antecede a própria experiência escolar. Podemos dizer que, no nosso país, o jovem afirma-se ao negar a identidade nacional pela qual ele deveria ser reconhecido. Em outros termos, ele não se reconhece como brasileiro, no sentido de não acreditar ser herdeiro dessa herança cultural, ressaltando sempre supostas origens externas e, na ausência destas, adota um suposto discurso original de rebeldia juvenil. A meu ver, para sanar esta dificuldade, na tentativa de resolver esta negação equivocada, deste modo, as BNC propõem uma aproximação estratégica com o contemporâneo, isto é, supostamente com a dimensão reconhecida pelo público juvenil, especialmente quando ressalta que devem ser tratadas questões que interessam aos jovens. A falta de consciência da herança cultural brasileira é combatida na BNC com a tentativa de aproximação da cultura presente dos jovens, sujeita às flutuações dos momentos, em direção à cultura literária. Seguindo a mesma ideia, a inversão da cronologia – séculos XXI; XX e XIX; e XVIII, XVII e XVI – propõe uma leitura de um conjunto de obras que partem de uma linguagem atual em direção a variações linguísticas históricas mais antigas. Nesse movimento, existe um silêncio notável a respeito das obras da literatura portuguesa, e em especial, das práticas de representação das letras dos séculos XII ao XV. Essa ausência pode ser lida como um acolhimento aos anseios e reclamações dos jovens de não serem submetidos à dolorosa leitura de trovadores, peças de Gil Vicente e sonetos camonianos. Se a literatura brasileira é de difícil consideração por parte dos jovens, as matrizes portuguesas estão ainda mais distantes. O risco de um empobrecimento dos conteúdos de literatura é, a meu ver, real, dado que os sistemas oficiais de ensino se preocupam em garantir apenas o que é básico. Neste sentido, o básico da literatura não está contemplado pela BNC. A ênfase na abordagem de obras contemporâneas também passa pela necessidade de uma extensa preparação dos professores, que não foram contemplados pelo estudo da literatura brasileira contemporânea em sua formação, ou não possuem tempo para acompanhar a produção contemporânea, dado o foco do ensino ter se restringido até esse momento aos autores apresentados pelos livros didáticos. Nesse sentido, seria pertinente a publicação de listas com sugestões de obras e formas de abordagem, como acontece

no currículo francês, que disponibiliza uma extensa lista para cada do ensino secundário, a partir da qual o professor realiza uma seleção de textos e questões. Em oposição a esse problema, demanda a abordagem da literatura africana e de uma hipotética literatura indígena, campos que carecem de uma delimitação mais precisa. Certamente, cada sistema educacional pode complementar estas escolhas com outros conhecimentos de literatura em língua portuguesa, ou mesmo mundial, visto que esses objetivos formam, não custa enunciar novamente, a base, pensada como 60% do currículo. Mas existe um risco de que a literatura portuguesa não seja mais contemplada, nem as origens da literatura em língua portuguesa. Essa tendência já pode ser observada nos livros didáticos atuais que raramente apresentam informações sobre a obra de Cesário Verde ou a de Antero de Quental, limitando-se a poucos nomes de autores mais representativos como Camões, Eça de Queirós e Fernando Pessoa. É interessante comparar a proposta de objetivos da BNC de objetivos para a literatura, por exemplo, com as Common Core State Standards, currículo desenvolvido nos EUA. Nessas normas americanas, os dois últimos anos do ensino secundário tratam de obras dos séculos XVIII, XIX e início do século XX; e nos dois primeiros anos, os alunos estudam a literatura mundial.2 Existe aqui uma relativa similaridade, deixando por último a leitura dos textos considerados pelos alunos como mais “difíceis”. Nessa rápida leitura da BNC de língua portuguesa, percebe-se também outras mudanças sistemáticas que ainda precisam ser melhor analisadas, não apenas no campo da literatura, como também em relação à análise linguística. Por exemplo, faltam objetivos referentes às funções da linguagem, matéria que vez ou outra é cobrada pelo Exame Nacional de Ensino Médio. Em contrapartida, é priorizado nos objetivos LILP2MOA252 e LILP2MOA267 o domínio retórico de algumas figuras de linguagem: “comparação, metáfora, metonímia, personificação, antíteses”. Estas são definidas como partes integrantes da “dimensão imagética do texto literário”. É importante notar também a dissociação que se faz da literatura em relação à sua dimensão humanística. A área de Ciências Humanas não contempla a literatura, apesar da possibilidade de o texto literário despertar o debate humanístico em alto nível. A literatura também não é relacionada, dentro da área de linguagens, com o 2

Nos EUA, o Ensino secundário é distribuído em 4 anos, equivalentes aos 9.º, 10.º, 11º e 12º anos da escolarização básica.

componente curricular Arte, apesar de ser uma autêntica forma artística. A literatura é aceita quase apenas como fornecedora de textos que permitem uma vista estética, ainda que, relacionado e situada historicamente. Existe uma redução do papel e do conteúdo de literatura nessa proposta, a meu ver, priorizando outros conhecimentos. Percebe-se, nos objetivos da BNC para Língua Portuguesa, um embate entre o norteamento instrumental da educação empenhado pelas Diretrizes Curriculares e a tentativa de aplicação de discursos humanísticos, críticos e reflexivos, numa perspectiva mais ampla. Nesse sentido, espero que as sugestões viabilizadas pela consulta pública mereçam bom acolhimento por meio da profunda reflexão e debate pelas comissões.

Reflexões iniciais a serem empreendidas na BNC

A BNC foi organizada segundo um desenho de Objetivos gerais e de Objetivos específicos. Nesse sentido, adota uma visão inicial destoante das práticas mais recentes, que propõem a organização do currículo organizado por eixos cognitivos e por competências e habilidades, como descrito na Matriz de competências e habilidades do ENEM. É preciso questionar porque esta escolha foi realizada. O modelo de competências foi aplicado especialmente nas corporações americanas e nos princípios administrativos desenvolvidos nos anos 1980 e 1990. Na escola, esse modelo é introduzido especialmente a partir do pensamento do sociólogo suíço Philippe Perrenoud, atuando na Universidade de Genebra. A influência da pedagogia suíça na educação brasileira está consolidada desde os anos 1990. Na área de Língua Portuguesa, essa influência foi enorme, materializada com autores como Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, pesquisadores da mesma Academia de Genebra que teorizaram o ensino de gêneros por meio de sequencias textuais. Outro autor importante que trabalha na Universidade de Genebra é Jean-Paul Bronckart, que atua em uma linha sociodiscursiva da linguagem. Como contraponto, é inegável a contribuição do filósofo e linguista russo Mikhail Bakhtin. Portanto, a pergunta que se faz necessária é: Em que medida esses autores foram considerados na elaboração desse primeiro draft das BNC? A pergunta parece desnecessária, mas não é, pois, a BNC não proporcionou o seu referencial teórico. Fica aí mais uma questão em aberto para reflexão. Talvez possamos traçar algumas pistas. Na página 41 da BNC, por exemplo, A BNC define a língua como um “polissistema que agrega múltiplas

variedades, conforme a situação social de uso da oralidade, da leitura e da escrita”. A ideia de “polissistema” é reconhecível, por exemplo, no trabalho Gramática do Português Brasileiro, de Ataliba Castilho, publicado em 2010. Outra pista relevante se refere a falta de referência ao currículo Suíço no site da BNC. Na seção “biblioteca” do site, como referências internacionais de currículo, são listados os exemplos da Nova Zelândia, Reino Unido, Austrália e EUA. As propostas destes países distanciam-se da escola suíça.

E mais, e o resto?

E o mais é continuar realizando a leitura da proposta da BNC. Nós professores temos o dever de participar nesse processo, sugerindo mudanças, escrevendo artigos, provendo debates. Agora é a vez e a hora da BNC.

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