A LÓGICA DO PROGRESSO NO ESPÍRITO SANTO NO SÉCULO XXI: O CAPITALISMO GLOBAL E O DESENVOLVIMENTO PORTUÁRIO NA COSTA CAPIXABA

July 25, 2017 | Autor: Flavia Vasconcelos | Categoria: Globalización, Ports, Economia capixaba
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1 A LÓGICA DO PROGRESSO NO ESPÍRITO SANTO NO SÉCULO XXI: O CAPITALISMO GLOBAL E O DESENVOLVIMENTO PORTUÁRIO NA COSTA CAPIXABA1 Flavia Nico Vasconcelos, Universidade Vila Velha UVV-ES, [email protected], GT 22 Felipe Ramaldes Corrêa, Prefeitura Municipal de Vitória, [email protected], GT 22

RESUMO A globalização é um processo hegemônico que integra localidades e indivíduos a uma lógica transnacional. Neste contexto, o capital internacional com apoio e incentivo do empresariado local e do Governo do Estado do Espírito Santo (2010-2014) apresentou um conjunto de propostas para novos terminais portuários espalhados pela costa capixaba. A sociedade civil organizada tem questionado os impactos sociais e ambientais desses novos empreendimentos. Este é o resultado parcial de pesquisa exploratória que visa identificar quais são os novos empreendimentos e os atores participantes do debate. Os resultados parciais sugerem que o capital transnacional se mostra hegemônico e conquistou a comunidade política, empresarial e a mídia local capixabas que, por sua vez, tentam encantar a sociedade com a promessa de emprego e crescimento econômico. Os atores contra-hegemônicos, por sua vez, clamam por seu espaço no processo decisório e alerta à população sobre os riscos e impactos ambientais e sociais. Palavras-chave: globalização, Espírito Santo, portos, economia capixaba, atores contra-hegemônicos.

1. Introdução Nos últimos anos um conjunto de notícias nos jornais regionais veem destacando a conquista de novos empreendimentos portuários para a costa capixaba. Estes empreendimentos são apresentados como vitórias da economia capixaba, prova de sua competitividade. Encantam à sociedade com a promessa de crescimento econômico e geração de empregos. A frequência dessas notícias e o volume dos investimentos chamaram atenção da sociedade civil organizada e do Ministério Público Estadual e Federal, que passou a questionar e tentar compreender melhor o processo em curso.

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Este artigo é parte da produção do Observatório Cidade e Porto, grupo de pesquisa que conta com financiamento da Universidade Vila Velha UVV-ES.

2 Fato é que a sociedade sabe muito pouco sobre esses novos empreendimentos e sobre seu lugar dentro de um projeto de desenvolvimento local de longo prazo. As informações oficiais do governo do ES não coincidem com as informações apuradas pelo Grupo Conexão Abrolhos-Trindade ou com a diversidade de novos terminais regularmente noticiados pela mídia local. A Subsecretaria de Comércio Exterior e Relações Internacionais do Governo do Estado do Espírito Santo reconhece apenas 7 novos projetos em seu portfólio de empreendimentos (Gomes, 2014), enquanto o Grupo Conexão Abrolhos-Trindade e pesquisadores associados mapearam 21 projetos previstos e/ou em licenciamento (Teixeira, 2013). Esta questão provocou a curiosidade de um grupo de iniciação científica organizado como Observatório Cidade e Porto. Dada a multidisciplinaridade do assunto e os diferentes aspectos sob os quais pode ser abordado, o grupo se dividiu em linhas de pesquisa com ênfases distintas. Uma dessas linhas visa conhecer os planos do governo do Espírito Santo para o desenvolvimento do seu setor portuário, entender quais são e em que fase estão os novos projetos de terminais portuários para a costa capixaba e compreender melhor os impactos desses novos empreendimentos. É neste ponto que se insere o presente artigo. Pretendemos contextualizar os projetos de novos terminais portuários no Espírito Santo a partir das discussões sobre globalização. Reconhecendo que as interações entre global e local permeiam as esferas econômica, social e política, buscamos na presente proposta levantar indícios e casos que apontem para agência do capital global junto aos atores políticos e à mídia local na condução dos novos projetos portuários para a costa capixaba e a atuação dos atores contrahegemônicos neste processo. Trata-se de um estudo qualitativo aplicado ao caso do Espírito Santo; com abordagem dialética para melhor compreensão do desenvolvimento dos processos em curso; com objetivo geral exploratório, com fins de levantar quais são os empreendimentos, onde estarão localizados e quais os atores envolvidos. Para a contextualização teórica sobre globalização, utilizamos bibliografia secundária; para a investigação sobre os novos empreendimentos, utilizamos bibliografia primária, como os Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) dos empreendimentos, o Plano de Desenvolvimento Espírito Santo 2025, documentação produzida pela Subsecretaria de Comércio Exterior e Relações Internacionais do governo do ES e pelo Grupo Abrolhos-Trindade e noticiário dos

3 jornais A Gazeta, A Tribuna, ES Hoje e Século Diário no período de julho de 2013 a setembro de 2014. O artigo está dividido em duas seções. Na primeira, optamos por uma teoria de globalização – a teoria do capitalismo global – e desenvolvemos os principais aspectos dessa teoria que nos auxiliarão na abordagem do estudo de caso. Pontualmente, destacamos o capital transnacional como agente da globalização e seu papel em promover uma nova classe capitalista transnacional que transformará o aparato estatal em um estado transnacional e se tornará hegemônico sobre as demais frações do capital. A seguir, buscamos associar a agência desse capital transnacional em direcionar o desenvolvimento da economia capixaba rumo à competitividade, à atração do investimento externo e ao progresso identificando os empreendimentos divulgados e a atuação dos atores contra-hegemônicos. Este é um estudo ainda em andamento e apresenta aqui alguns dos apontamentos iniciais sobre o desenvolvimento de novos terminais portuários na costa capixaba.

2. Forças Hegemônicas e Globalização sob a Perspectiva do Capitalismo Global A globalização, ou globalizações (Santos, 2011), é um processo multifacetado, complexo e dinâmico. Traz em si a mudança, a qual se realiza de forma paradoxal: integrando o mundo em uma aldeia global (McLuhan, 1993) e fragmentando as sociedades e culturas locais (Huntington, 1996). O termo Globalização, popularizado e banalizado na década de 1990, carrega diferentes conceitos e abordagens teóricas que se posicionam de maneiras diferentes sobre suas origens, consequências, extensão, forças motrizes e impactos (Sholte, 2005). Dentre as diferentes abordagens possíveis2, destacamos a chamada “teoria do capitalismo global” (Robinson, 2007; Sklair, 2000; Hardt, Negri, 2001).

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Dentre as diferentes abordagens, podemos citar: teorias do Sistema-mundo; a sociedade em rede; teorias do espaço, lugar e globalização; teorias da transnacionalidade e transnacionalismo; modernidade, pósmodernidade e globalização; teorias da cultura global (Robinson, 2007).

4 A escola do capitalismo global recebe este nome porque acredita que a globalização é uma nova etapa do sistema capitalista que teve início há cinco séculos; logo, globalização capitalista3. A primeira etapa - “Era dos descobrimentos e conquistas” - foi marcada pela substituição do feudalismo europeu por relações capitalistas, levadas para fora da Europa através das expedições de descobrimento e conquistas de novos territórios. A segunda fase – “Era das revoluções, capitalismo competitivo ou clássico” - é quando acontece a revolução industrial, a consolidação da burguesia e o surgimento do Estadonação moderno. Na terceira fase – “Era dos extremos ou capitalismo monopolista” – destaca-se o surgimento das corporações e do mercado mundial. A globalização é a quarta fase na história do capitalismo global, também chamada de “Era da informação”. Nesta era, do capitalismo global ou globalização, nenhum país ou região está fora do sistema capitalista. Inicialmente, há extensão do capitalismo por todo globo – mercadorização extensiva -, seguida da inclusão de setores que estavam fora da lógica capitalista, como saúde e educação – mercadorização intensiva. A globalização é este processo de expansão extensiva e intensiva do sistema capitalista ao ponto de chegarmos à mercantilização da vida social (Robinson, 2007). O caráter global do sistema capitalista tem em sua base as tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a formação de novas organizações sociais, como a sociedade em rede (Castells, 1999). O avanço nas TIC possibilitou o surgimento de transportes mais rápidos e eficientes, economias de escala globais, mobilidade política e material do capital e, portanto, possibilitou ao capital se tornar transnacional. Apesar dos pesquisadores das teorias do capitalismo global reconhecerem que a globalização é um processo multidimensional, enfatizam que a economia global é o elemento determinante das demais relações estabelecidas. O caráter transnacional do capitalismo globalizado é elemento central para compreensão do mundo em que vivemos. A transnacionalidade se expressa de maneira clara na economia global. A transnacionalidade vai além das interações internacionais e implica integração; dificulta a oposição exata entre o que é nacional e o que é internacional, pois 3

Mesmo dentro dessa escola, Robinson (2007) aponta para a existência de dois grupos extremos: para uns, o capital agora globalizado controla tudo (Hardt, Negri, 2001); para outros, os Estados Unidos sozinhos ocupam esse espaço. O autor aceita alguns dos pressupostos de ambos os lados, e apresenta sua própria tese com argumentos próprios.

5 ambos se entrelaçam. Em outras palavras, e seguindo o raciocínio dos pensadores desta escola, a globalização é a transnacionalização da produção – e não do mercado. Uma das dimensões da globalização é a produção transnacional. A acumulação flexível ou pós-fordista (Harvey, 2009) é a reorganização e descentralização da produção em corporações com plantas espalhadas pelo globo. Uma das consequências é a dificuldade em determinarmos a nacionalidade de um produto – por exemplo, deixa de ser made in Brasil para se tornar made in Mercosul. A economia mundial se diferencia da economia global. A economia mundial estava articulada em um sistema também mundial onde as diferentes produções nacionais (ou circuitos nacionais de acumulação) se articulavam às produções e finanças de outros Estados. Na economia global, que hoje presenciamos, o próprio capital transnacional rearticula seu locus produtivo em escala global de maneira a maximizar oportunidades. Para Dicken (1998), no primeiro caso falamos de uma integração superficial, onde as economias nacionais se relacionam mas preservam sua autonomia; no segundo, falamos de uma integração profunda, os fluxos são mais complexos, a produção é fragmentada e realizada em diferentes Estados. O capital transnacional se associa ao capital nacional/local através de alianças estratégicas, alianças intercorporativas, fusões, aquisições, outsorcing, dentre outras formas. Os capitais locais e regionais se organizam ao redor do capital transnacional e fica muito difícil distinguir os circuitos locais dos circuitos globais de produção. Nas décadas de 1980 e 1990, na maior parte do mundo, a fração transnacional do capital ganhou hegemonia sobre as frações nacional e local do capital, capturando a maior parte do aparato estatal e avançando seu projeto globalizante. “O capital transnacional chega a ser a fração hegemônica do capital em uma escala mundial” (Robinson, 2007: 65, tradução nossa). Seguindo Robinson (2007), a fração hegemônica do capital é aquela que comanda, dá as diretrizes, norteia e condiciona a produção e o caráter social, político e ideológico das relações sociais. Portanto, a globalização não é um imperativo ocidental, mas sim uma ideologia do capital global (Sklair, 2000).

6 Além do capital transnacional, uma outra dimensão da globalização é a nova estrutura de classes. A classe4 capitalista transnacional (Transnational Capitalist Class - TCC) se destaca como a classe dominante e a dirigente da globalização (Robinson, 2007; Sklair, 2000; Philips, Osborne, 2013). Ela é a agente da globalização, pois é dela o projeto de um capitalismo globalizado. Essa nova classe é transnacional porque está vinculada a circuitos produtivos, financeiros e globais. Leslie Sklair (2000) entende a TCC como uma nova classe composta por vários grupos sociais: donos e executivos das corporações transnacionais, burocratas e políticos globalizados, profissionais globalizados e elites consumidoras (mídia e comerciantes). Trata-se de uma poderosa elite transnacional, consciente de sua condição de classe – classe para si (Robinson, 2007) -, que projeta uma auto-imagem de ‘cidadãos do mundo’ e compartilha um estilo de vida parecido (Sassen, 2010). Esta classe está cada vez menos vinculada ao território, aos interesses e identidades nacionais. Como geradores de rendas, aproveitam-se da mobilidade de capitais propiciada pelas novas tecnologias e pela nova politica econômica liberalizante. Como executivos de grandes corporações multinacionais, sua transnacionalidade se expressa pelo investimento externo direto, adoção de medidas de boas práticas e benchmarking, cidadania corporativa e visão global. Como ideólogos, suas ideias atendem aos interesses do capital global e se expressam em ideologias como neoliberalismo e consumismo. Seus interesses são colocados em termos de mercados, e não de economias nacionais. Buscam exercer o poder econômico nas relações trabalhistas; o poder político em amplitude nacional, internacional e global; e o controle ideológico no dia-a-dia através da retórica e prática do consumismo e competição global. Cabe destacar o conceito cunhado por Sklair (2000) de tecnopols, isto é, tecnocratas com características extras: são líderes políticos, vão além de questões técnicas muito específicas e são ativos em promover políticas de reconstrução de sistemas sociais e políticos com problemas5. Foram educados em escolas de elite americanas, onde aprenderam a optar pelo livre mercado, sem serem neoliberais radicais, a se posicionar por regimes democráticos e a compreender que as grandes corporações e aqueles que os 4

Utilizamos o conceito de classe de Robinson (2007: 55): .

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Em seu trabalho, Leslie Sklair (2000) cita como exemplos Fernando Henrique Cardoso/Brasil, A. Foxley e Evelyn Matthei/Chile, D.Cavallo/Argentina e P.Aspe/Mexico.

7 dão suporte esperam por estabilidade institucional e continuidade política para salvaguardar seus investimentos. Atuam em prol do estabelecimento de uma agenda globalizante que insira seus países no competitivo mercado internacional. Ao mesmo tempo, as corporações transnacionais propagam o discurso de ser global localmente, de promover a competitividade internacional em nome do interesse nacional em qualquer lugar do mundo onde estiverem. Estabeleceu-se a crença de que atrair investimentos externos é uma forma de promover o interesse nacional e de que a implantação de corporações multinacionais em uma determinada localidade desenvolverá o ambiente industrial local. Sklair (2000) conclui que é com esse raciocínio que muitos governos proporcionam às corporações transnacionais subsídios, garantias e outros benefícios fiscais. O discurso de competitividade facilita aos tecnopols inserir seus Estados no sistema capitalista global - os Estados transnacionais (Transnational States - TNS) são a terceira dimensão do capitalismo globalizado. Os TNS são uma rede de instituições econômicas e políticas supranacionais que penetrou e transformou o aparato estatal tradicional. Um dos reflexos é que os componentes nacionais dos Estados tendem a se aproximar e atender em primeiro lugar os interesses globais , relegando os interesses nacionais a um segundo plano. Os TNS reproduzem as relações de classe no processo de acumulação e valorização do capital global, logo, reproduzem as TCC. Segundo Sklair (2000), as TCC articulam políticos globalizantes, profissionais globalizantes e o setor corporativo em busca de seus interesses. O papel dos políticos é de criar condições de apoio financeiro, fiscal, de infraestrutura e ideológico à inserção das corporações globais nas localidades. Para isso, utilizam-se do slogan de geração de competitividade e enaltecem a geração de renda e de empregos locais. Sistemas democráticos, como o brasileiro, facilitam o jogo de trocas entre as grandes corporações, que financiam campanhas políticas, e as promessas dos políticos de uma legislação trabalhista, de investimentos e de comércio em seu favor. Uma tendência é dos políticos passarem a implementar ações de benchmarketing6 e adotarem receituários de boas práticas para sinalizar ao capital transnacional que seus mercados são competitivos (Sánchez, 2003).

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“Benchmarking é normalmente definido como um sistema de melhorias contínuas derivadas de comparações sistemáticas com as melhores práticas globais” (Sklair, 2000: 4, tradução nossa).

8 O papel dos profissionais globalizantes é de criar e operar o benchmarking e, ao mesmo tempo, perpetuar as ideias de que a competitividade é a chave para bons negócios e de que o benchmarking e a adoção de boas práticas são a melhor forma de estabelecer métodos comparativos com outras economias que comprovem internacionalmente a competividade do local. Ainda segundo Sklair (2000), a TCC usa o discurso da competitividade nacional e internacional para impor maior disciplina na força de trabalho e impor padrões (de qualidade, de produção) que colocam os pequenos competidores fora do mercado. A imposição de boas práticas fora da indústria é mais um passo para a mercadorização da vida social conectado à cultura-ideológica do consumismo. Para Robinson (2007), o capitalismo global é hegemônico porque sua ideologia se torna dominante e porque pode tanto dar recompensas materiais como aplicar sanções. O processo da globalização é a dinâmica estrutural das transformações sociais, políticas, ideológicas e culturais que alcançam as trajetórias individuais de pessoas arrastadas para uma lógica global – (Robinson, 2007: 15, tradução nossa). A globalização, portanto, cria novas dependências sociais.

3. O Capitalismo Global no Local: o Capital Transnacional e o Desenvolvimento Portuário na Costa Capixaba Dividimos esta seção em três partes. Na primeira, apresentamos o desenvolvimento da economia capixaba para então, na segunda parte, apresentarmos as novas propostas de empreendimentos portuários para a costa capixaba. Por fim, buscamos identificar os atores envolvidos nesse debate e o posicionamento dos atores contra-hegemônicos. 3.1 A Longa Internacionalização da Economia Capixaba A presença do capital transnacional e das TCC nos processos da globalização pode ser notado em projetos de investimentos na economia capixaba que acontecem desde a metade do século XX. A vinculação direta com o mercado internacional é marca da economia capixaba desde seu 1o ciclo de desenvolvimento. A estrutura agrárioexportadora centrada no café predominou no período do meio do século XIX até a década de 1960. Os imigrantes alemães e italianos desbravaram a Mata Atlântica e expandiram os campos de plantio para o interior do Estado. Até o ano de 1962, o café

9 arábica foi o senhor absoluto da economia estadual ocupando mais de 500 mil hectares (CETFAT, 2014). A partir da crise cafeeira e da política nacional de erradicação do plantio de café, na década de 1960, foi dada a partida num processo de transformações econômicas que alterou profundamente a estrutura produtiva da economia capixaba. Inicialmente, o processo de acumulação foi conduzido pelo pequeno capital local; a partir da década de 1970, o capital nacional e o estrangeiro deram lugar aos chamados grandes projetos industriais (Morandi; Rocha, 2012; Siqueira, 2010). Foi durante este 2o ciclo de crescimento da economia capixaba que presenciamos a transformação da sociedade rural/agrícola em urbano/industrial. Foram implantadas fábricas com capital multinacional que ainda hoje garantem boa parte dos empregos locais: implantação das unidades de pelotização da Vale (antiga Vale do Rio Doce), em associação com empresas estrangeiras; a planta de celulose da Fíbria (antiga Aracruz Celulose), controlada por grandes grupos nacionais; as unidades de pelotização da Samarco, controlada pela Vale e por um grupo estrangeiro; e a unidade de placas e chapas de aço da ArcelorMittal Brasil (antiga Companhia Siderúrgica do Tubarão), controlada pelo maior grupo siderúrgico do mundo. Junto à indústria extrativa, destaca-se também a extração de minerais não metálicos ou de rochas ornamentais – mármore e granito. A concentração de empresas voltadas para o setor garante ao Espírito Santo o posto de maior exportador de rochas ornamentais do Brasil (Governo do ES, 2014). O comércio exterior se consolida como uma das atividades centrais. O Espírito Santo se especializou na produção e exportação de commodities: café verde, rochas ornamentais, placas e chapas de aço, minério de ferro, pellets de minério de ferro, celulose de eucalipto e, nos últimos anos, em óleo bruto de petróleo. As grandes empresas (Vale, ArcelorMittal, Samarco e Fibria) são as principais responsáveis pelos fluxos de exportação (Caçador, 2014). O sistema de incentivos fiscais do governo do Estado, o Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (FUNDAP), garantiu o aumento em grande escala dos fluxos de

10 importações através dos portos capixabas7. Morandi e Rocha (1991: 38) estimam que o Espírito Santo conte com 500 empresas operadoras de comércio exterior, que empregam formalmente 50 mil trabalhadores e geram cerca de 7% do PIB estadual. Toda essa atividade econômica voltada para o mercado internacional tem como base logística um complexo portuário que movimenta 45% do PIB estadual (Caçador, 2014). São 10 unidades: o porto organizado Porto de Vitória – Cais Comercial e Terminal da Flexibras, em Vitória, e Cais de Capuaba, Cais de Paul, Terminal da Companhia Portuária Vila Velha, em Vila Velha; o porto organizado Porto de Barra do Riacho, que conta com o terminal especializado em celulose, o Portocel, e um terminal para escoamento de gás, da Petrobras; Porto de Praia Mole, de uso privativo, que conta com o terminal de carvão mineral da Vale e o terminal de produtos siderúrgicos do condomínio ArcellorMittal, Açominas e Usiminas, em Vitória; o Porto de Tubarão, controlado pela Vale, em Vitória; o Terminal de Vila Velha, em Vila Velha; o Porto de Regência, que escoa petróleo cru da Petrobras, em Linhares; o Porto de Ubu, que movimenta minério de ferro e pellets para a Samarco e Vale, em Ubu (Sindicato dos Estivadores, 2014). O 3o ciclo de desenvolvimento econômico acontece a partir da década de 1990 (Caçador, Grassi, s/d). Houve uma evolução qualitativa das atividades econômicas importantes para o Estado - os serviços ligados ao comércio exterior, setores de alimentos e bebidas, metal-mecânico, móveis, rochas ornamentais, vestuário, construção civil e serviços imobiliários - somados à expansão dos grandes projetos gerando uma diversificação da economia local, mas com predomínio das commodities - reforçado pelo reavivamento da indústria petrolífera. Trata-se da chamada “diversificação concentradora”. A atividade petrolífera foi revigorada a partir da metade da década de 1990 com as novas descobertas da Petrobras. O ES conta com, aproximadamente, 50 campos terrestres e 10 marítimos para exploração de petróleo. A descoberta de petróleo nas camadas pré-sal na Bacia de Campos e pós-sal na Bacia do Espírito Santo trouxeram perspectivas promissoras para o crescimento econômico capixaba (Alves, 2014).

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O FUNDAP dava vantagens fiscais às empresas de comércio exterior com base no Espírito Santo e perdurou por 41 anos. A partir de 2013, o governo federal fez valer a proposta de unificação da alíquota de 4% de ICMS para operações interestaduais, reduzindo substancialmente os benefícios do FUNDAP.

11 É neste contexto que aparece a oportunidade de crescimento econômico através da construção e operação de novos terminais portuários na costa capixaba. 3.2 A Mercadorização Extensiva: o Loteamento da Costa Capixaba A mercadorização extensiva (Robinson, 2007) pode ser identificada no que a sociedade civil alerta ser um movimento de loteamento da costa capixaba para e pelo capital transnacional. Segundo informações levantadas pelo Grupo Abrolho-Trindade, este movimento é calcado por um forte processo especulativo, com partes do território costeiro do Espírito Santo sendo apropriados para o uso exclusivo de conglomerados multinacionais. No movimento de novos empreendimentos portuários para a costa capixaba, o capital internacional se mistura e se integra ao capital local, envolvendo empresários e políticos na realização de um projeto apresentado à sociedade como de seu interesse. No governo de Renato Casagrande (2010-2014) foi criada a Subsecretaria de Comércio Exterior e Relações Internacionais do Governo, vinculada a Secretaria de Desenvolvimento e responsável pela malha logístico-portuária e pela promoção e captação de novos investimentos para esse setor. Segundo informações coletadas na Subsecretaria, existem em seu portfólio 7 projetos de plantas logísticas previstos para a costa capixaba: (a) no norte do Estado: Petrocity, em São Mateus, voltado para a indústria Offshore; Manaby, em Linhares, voltado para a exportação de minério de ferro; em Aracruz há a ampliação do Portocel, com vistas à diversificação do transporte de cargas em complemento à atual exportação de minério de ferro; o Imetame, visando atender à indústria Offshore e o estaleiro Jurong; (b) no sul do Estado consta o C-Port e o Itaoca, ambos em Itapemirim e para atender a indústria Offshore; e o Porto Central, no município de Presidente Kenedy, para atender a logística multicargas (Gomes, 2014). Já o Grupo Abrolhos-Trindade identificou um número maior de empreendimentos. A pesquisa deles foi feita por meio do acompanhamento de notícias veiculadas na mídia, publicação de licenças prévias e audiências públicas. O grupo sobrepôs em cartografia os portos em operação, os portos anunciados ou previstos, as áreas de Unidades de Conservação de Proteção Integral, as de Uso Sustentável e as áreas que estão em estudo para instituição de novas Unidades de Conservação (Teixeira, 2013). O Grupo identificou os seguintes portos e terminais previstos para a costa capixaba:

12 - no litoral norte: em São Mateus, o porto Odebrech, duas áreas do Superporto Leste e o porto Severin; em Linhares, o porto Manabi e o porto de Linhares; em Aracruz, os portos Odfjell, Nutripetro, Imetame, BABR, Terminal GNL e TABR. - no litoral central, composto pelos municípios da região metropolitana de Vitória, o grupo aponta cinco portos anunciados: Nisibra e Marlim, em Vitória; Superporto de Interlagos, em Vila Velha; e Vale e Bas E&P, em Guarapari. - no litoral sul, o grupo aponta para o anúncio dos portos Itaoca Offshore e Edson Chouest, em Itapemirim; o Porto Central e o Porto de Presidente Kennedy, em Presidente Kenedy. O capital transnacional varia conforme cada novo empreendimento: como os americanos da Edson Chouest, responsáveis pela implantação da base logística C-Port Brasil em Itapemirim; os cingapurianos do Estaleiro Jurong Aracruz, do grupo Jurong do Brasil; os holandeses do grupo de Roterdã que negociam instalar e operar o Porto Central, em Presidente Kennedy. O Grupo alerta que a lógica em que se estabelecem as negociações coloca o ES em uma posição de dependência das especulações impostas pelas multinacionais, que trocam a aplicação do investimento no território por vantagens, bem como ameaçam sua retirada caso não sejam feitas concessões que facilitem sua instalação. A tendência geral consiste em substituir até ao máximo que for possível o princípio do Estado pelo princípio do mercado e implica pressões por parte de países centrais e das empresas multinacionais sobre os países periféricos e semiperiféricos no sentido de adotarem ou se adaptarem às transformações jurídicas e institucionais que estão a ocorrer no sistema mundial (Santos, 2002: 39).

A multinacional Edson Chouest ameaçou levar a central logística C-Port Brasil para o Rio de Janeiro devido a demora no processo de licenciamento ambiental. Dois dias após a ameaça de arrendamento de um terreno no Rio de Janeiro, o IEMA liberou a licença prévia, alegando estar dentro do cronograma inicialmente previsto (Filho, 2014). Constantemente outros empreendimentos utilizam desta mesma prática visando pressionar o poder executivo a agilizar os procedimentos legais em favor das empresas e seus empreendimentos.

13 Notícias veiculadas regional e nacionalmente tratam de negociações entre o expresidente Luís Inácio da Silva e o empresário Eike Baptista, com a participação do então embaixador do Brasil em Cingapura e de ministros do governo, que pressionavam os empresários de Cingapura com a intenção de retirar os investimentos do Estaleiro Jurong Aracruz/ES, e transferir o empreendimento para o Porto de Açu, no Rio de Janeiro. Com a intervenção do então governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, o movimento foi desmantelado e foi mantido o projeto de construção do estaleiro (Lula [...], 2013; Gaspar, Pereira, 2013). E a concorrência não se dá apenas em nível estatal, mas também de cidades. O exemplo do “superporto” ou porto de águas profundas caracteriza bem a disputa intermunicipal e o jogo de interesses políticos e econômicos capixabas locais. Reinvindicação antiga dos trabalhadores portuários do OGMO-ES, o Porto de Águas Profundas é um investimento previsto no quarto lote de novas licitações para portos do Governo Federal. Foi pensado para a ponta de Tubarão, em área já degradada e com a profundidade necessária para navios de container, onde já estão os terminais portuários da Vale e Arcelor Mittal. De acordo com o Deputado Estadual Cláudio Vereza, houve lobby dessas empresas para que o empreendimento não fosse instalado no local, pois compartilharia dos mesmos canais de acessos dos atuais terminais portuários (Cometti, 2013). O lobby feito pelas empresas já instaladas na área inicialmente prevista foi conduzido através da ONG Espírito Santo em Ação, formada por empresários que atuam no ES. Os empresários buscaram deputados estaduais e representantes do poder executivo do município de Vila Velha e conseguiram um manifesto, acatado pelo governador do Estado, em benefício da instalação do porto de águas profundas em Ponta da Fruta. Logo as manchetes de jornais locais – A Tribuna, A Gazeta e Século Diário - passaram a noticiar que estava em análise uma área alternativa à inicialmente prevista: o balneário de Ponta da Fruta, no município de Vila Velha. O então prefeito de Vila Velha, Neucimar Fraga, chegou a reunir a população e a sociedade civil organizada em evento que contou com a participação dos consultores que idealizaram o Porto de Águas Profundas – a DTA Engenharia -, representante do Porto de Suape, representante da Codesa e das Prefeitura Municipal de Vila Velha. No evento, material de propaganda dos benefícios da implantação do porto foram

14 distribuídos por representantes do governo local, bem como material da sociedade civil organizada chamando atenção para os impactos ambientais. A questão levantada pelo movimento ambientalista é que o balneário de Ponta da Fruta é uma área ambiental, tanto terrestre quanto marinha, de alta relevância de preservação e ainda não impactada – diferente da área inicialmente prevista entre os municípios de Vitória e Serra, na ponta de Tubarão. Contudo, o projeto foi apropriado pelo discurso político e apresentado á sociedade como alavanca para o crescimento econômico local. É neste ponto que entra o papel determinante da sociedade civil em apontar que, apesar do crescimento econômico ser uma meta comum, existem questões ambientais e sociais que vêm sendo deixadas de lado. O movimento aponta para uma lógica de desenvolvimento que, em sua essência, busca a produção e o acumulo de riquezas para a classe capitalista transnacional, deixando à sombra toda uma gama de fatores que diz respeito à uma localidade que não os pertence ou interessa. 3.3 Instâncias contra-hegemônicas: a atuação da sociedade civil organizada Quanto maior a participação privada e menor a envolvimento e/ou controle do Estado nas definições estratégicas e políticas, o interesse público, coletivo e local tende a ser colocado em segundo plano. O processo de globalização, se não conduzido ativamente pelo poder público, revela seu lado perverso, pautado pela competitividade acelerada, agressiva e acirrada e por consequências sociais negativas. Por outro lado, há vozes que ainda buscam não serem subvertidas pela racionalidade utilitarista hegemônica. Os fóruns contra-hegemônicos surgem nas frestas da modernidade e com grande esforço ressoam um sentimento que nunca morre por completo: uma outra globalização é possível (Santos, 2012). Findada a ditadura, o Brasil passou a oferecer caminhos para a participação da sociedade na política. Mesmo que estes caminhos ainda sejam restritos e nem sempre respeitados, ao menos agora existem instâncias de participação efetiva. É neste espaço que aparecem os movimentos contra-hegemônicos. Para Avritzer e Santos (2005: 50), junto à prática consensual pela democracia como forma de se fazer política, surgiram também alternativas contra-hegemônicas, que se aproveitam da democracia como um espaço de aperfeiçoamento da convivência humana.

15 Pesquisadores, movimentos sociais, ONGs, universitários, técnicos de órgãos ambientais do poder executivo e outros segmentos da sociedade civil organizada encontram espaços de atuação e demonstram certa organização para denunciar o que entendem como abusos comedidos pelas multinacionais em parceria com alguns agentes políticos nas especulações relacionadas à instalação de novos terminais portuários pelo litoral capixaba. Apesar do grupo ser difuso, compartilham da preocupação e do chamamento em alertar para os riscos – sobretudo ambientais – associados ao espalhamento de portos pelo litoral capixaba. [...] os movimentos funcionam ante o resto da sociedade como uma classe especial de mediação cuja função principal é a de expor à luz o que o sistema não disse por si mesmo, a ação de silêncio, de violência, de arbitrariedade que sempre subjaz os códigos dominantes. Os movimentos são os meios que nos falam através da ação. Não se trata de que não empregam palavras e slogans ou mensagens, mas que seu papel como intermediários entre os dilemas do sistema e a vida diária das pessoas se manifesta principalmente no que fazem: sua mensagem central consiste no fato de que existem e atuam. Com isto, indicam à sociedade que há um problema que concerne a todos seus membros e entorno do qual estão surgindo novas formas de poder. Do mesmo modo, os movimentos declaram que aquilo que a estrutura de poder apresenta como solução para o problema não só não é a única solução, mas oculta uma série de interesses, o núcleo de um poder arbitrário e a opressão (Melluci, 1994 : 145).

As principais instâncias formais deste movimento são as ONGs ambientalistas, onde se destaca a ONG Voz da Natureza; o Conselho Estadual de Cultura, vinculado à Câmara de Patrimônio Natural, Ecológico e Paisagístico e à Secretaria de Estado e Cultura; a Frente Parlamentar Ambientalista do Espírito Santo, ligada à Assembleia Legislativa; Comitês Técnicos ligados aos órgãos ambientais; Conselhos Gestores de Unidades de Conservação; dentre outras. O palco principal para os debates são Audiências Públicas e debates promovidos por iniciativas diversas. Ao situarmos os atores envolvidos no debate sobre os novos terminais portuários na costa capixaba, poderíamos classifica-los em dois grupos: por um lado os agentes hegemônicos ou a classe capitalista transnacional, representados pela elite econômica e empresariado capixaba, por alguns agentes do poder público, pela mídia regional e pelo capital internacional que pregam o crescimento econômico pela atração de investimentos externos; por outro, os agentes contra-hegemônicos que são os ambientalistas, os acadêmicos, as comunidades tradicionais locais e os diversos segmentos organizados da sociedade civil que reconhecem a importância dos

16 investimentos para o crescimento econômico mas, ao mesmo tempo, pedem atenção para os impactos ambientais, sociais e sobre o patrimônio histórico decorrentes da implantação dos novos empreendimentos. Entre um e outro se posicionam atores públicos representantes do interesse da sociedade, como o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. A atuação dos promotores do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Meio Ambiente/CAOA e procuradores acontece como constituição de fóruns de debates e discussões – as audiências públicas -, onde as várias partes se manifestam. Apesar de atuarem para que a ordem jurídica estabelecida seja cumprida, a sociedade civil organizada reclama que as denúncias feitas ao MPES têm retorno muito demorado. Atuantes junto à questão há também os técnicos ambientais do Instituto Estadual do Meio Ambiente (IEMA) e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA). A prática adotada pela classe capitalista transnacional é a de encantamento da sociedade através da mídia regional. É recorrente em jornais como A Gazeta e A Tribuna artigos que enaltecem apenas os benefícios econômicos dos novos empreendimentos, destacando sobretudo a criação de empregos. Assim, criam sonhos em alguns grupos e moradores dos locais que receberão os investimentos. Não esclarecem, entretanto, que muitos dos empregos acontecerão somente na fase da construção, cessando com o início da operação dos terminais, ou que muitas práticas locais (como a dos pescadores) deixarão de existir, ou que os investimentos do empreendimento não são acompanhados de investimentos na infraestrutura urbana para acolhimento dos novos trabalhadores, ou dos impactos ambientais dos novos terminais. No grupo das comunidades locais afetadas destacam-se os pescadores artesanais espalhados por várias regiões da costa capixaba, mas isolados como pequenas minorias que fazem uso do ecossistema marinho para subsistência. Os pescadores artesanais operam um modo de vida próprio, vinculado ao conhecimento tradicional ecológico repassado por gerações principalmente de forma oral e prática, com origens que se misturam entre as técnicas utilizadas pelos índios e inovações trazidas pelos primeiros colonos. Como representantes da sociedade civil organizada, destacam-se o já citado Grupo Abrolhos-Trindade. O Grupo Abrolhos-Trindade é composto por pesquisadores e

17 ativistas ambientais de diversas áreas de formação: geógrafos, biólogos, turismólogos e, com destaque oceanógrafos. Seus membros e colaboradores participam de diversos estudos e projetos voltados para temas ambientais. Destaca-se o conjunto de estudos e levantamentos sobre a Cadeia Abrolhos-Trindade, em parceria com o Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que sintetiza em um mapa as novas propostas de investimentos portuários para a costa capixaba. Outros representantes da sociedade civil organizada têm papel pontual em questionar especificamente alguns dos empreendimentos. Dentre eles, podemos citar a Federação das Associações de Moradores e Movimentos Populares do Espírito Santo (FAMOPES), o Fórum Popular em Defesa de Vila Velha e a ONG Voz da Natureza. Mas, foi o Grupo Abrolhos-Trindade que elevou a discussão para o nível estadual. Alguns políticos são presença garantida nas audiências públicas e nos debates sobre a questão: Deputado Estadual Claudio Vereza (PT), a Senadora Ana Rita Esgário (PT) e o vereador Zé Nilton (PT). Os interessados do meio acadêmico são, majoritariamente, professores do Departamento de Oceanografia/UFES, mas há também professores com atuação relevante no movimento de outros Departamentos da UFES – como o prof. Arlindo Villaschi (Economia), Luiz Cláudio Moisés Ribeiro (História), dentre outros -, além de estudos e pesquisas do Núcleo de Estudos e Urbanismo/NAU. Em 2013, foi criado o Observatório Cidade e Porto/OCP da Universidade Vila Velha/UVV-ES. O OCP é um projeto de pesquisa e de monitoramento do desenvolvimento portuário no ES que conta com alunos de iniciação científica e professores dos cursos de graduação em Relações Internacionais, Engenharia Ambiental e Comunicação Social, tecnólogo em Gestão Portuária e Mestrado em Sociologia Política da UVV-ES. Foram os professores e pesquisadores do Curso de Oceanografia/UFES que cunharam o termo “espalhamento” de portos pelo litoral capixaba e estudaram cientificamente as possibilidades de impactos no ambiente marinho bem como os impactos sociais advindos da formação de novos fluxos migratórios. O posicionamento dos atores contra-hegemônicos não é consensual, mas são raros aqueles que são contra qualquer tipo de investimento portuário na costa capixaba. Em sua

maioria,

estes

agentes

reconhecem

a

necessidade

do

crescimento

e

desenvolvimento econômico. Entendem, porém, que o espalhamento de portos pela

18 costa coloca em risco uma grande diversidade de riquezas do ecossistema marinho capixaba, ambiente cheio de peculiaridades que ainda precisam ser estudadas profundamente e, inclusive, preservado seu valor econômico e potencial turístico; questionam a real necessidade de tantos terminais, sobretudo uns muito próximos a outros; apontam para os impactos sobre o patrimônio natural; levantam a necessidade de se discutir impactos sociais e urbanos da construção de grandes estruturas em comunidades e economias locais muito pequenas ou despreparadas. Em suma, o grupo pede debate, demanda por mais informações e se dispõe a ser parte proativa do planejamento do crescimento econômico capixaba. Neste sentido e, principalmente com base nas pesquisas oceanográficas, o grupo defende a concentração do desenvolvimento portuário em regiões específicas, já impactadas pelo pela antropização e a realização de um zoneamento ecológico econômico marinho que determine as áreas reservadas para empreendimentos e as áreas estrategicamente relevantes para a conservação do ambiente marinho e costeiro. O grupo chama atenção para os ganhos gerados pelo acúmulo de conhecimentos provenientes do debate democrático em relação à melhor escolha e definição dos locais e dos processos de instalação dos novos terminais, mas reclamam por não conseguirem legitimar seus argumentos, que são ignorados. Diversos documentos técnicos, científicos, manifestos e cartas8 foram produzidos e encaminhados para as autoridades locais e até federais. Contudo, toda essa movimentação ainda não foi capaz de ampliar os contatos e o diálogo do TCC com as minorias afetadas pelos novos empreendimentos ou mesmo com o movimento. Fato é que este grupo contra-hegemônico traz uma perspectiva nova à chegada dos investimentos para a costa capixaba. Caso o TCC consiga ultrapassar o reducionismo econômico e a perspectiva de curto prazo, dará lugar a ações importantes de minimização e mitigação do impacto ambiental, conciliando instalação e operação dos novos terminais portuário com preservação ambiental, urbanização planejada e

8

Além de artigos diversos que apontam o potencial ecológico e econômico marinho com base na Cadeia Abrolhos-Trindade, o movimento realizou um mapeamento com a localização dos portos já divulgados, uma carta aberta contra o espalhamento de portos na costa capixaba e documentos técnicos específicos sobre os empreendimentos que dão base a argumentos apresentados em audiências públicas.

19 desenvolvimento social. Neste caso, tanto a cultura e prática democrática, quanto as noções de sustentabilidade e de planejamento (de longo prazo) avançarão.

4. Considerações Finais Nem mesmo o Espírito Santo, cercado por estados de grande representatividade no Brasil e queixoso pelo tratamento recebido pelo governo federal, ficou de fora da globalização. A transnacionalidade do capitalismo globalizado eleva o ES a parte integrante da economia global. Traz, para lugares diminutos e de base econômica ainda pouco desenvolvida, o capital transnacional. Integra à produção e mercados globais, a produção, o território e a sociedade de comunidades precárias. A crença de que é, se não suficiente, ao menos essencial, atrair o capital estrangeiro para o desenvolvimento local foi compartilhada pelos governos local (capixaba) e nacional (brasileiro) nos últimos anos. Pautado por este pensamento, o governo do ES na gestão Casagrande (2010-2014) criou uma subsecretaria específica para cuidar dos portos em nossa costa e para criar oportunidades para estes empreendimentos apoiado no investimento externo. Através do Estado, o interesse global (do capital) se transformou em interesse local (do governo e do empresariado). Quando as trajetórias individuais são arrastadas para uma lógica global, o discurso de crescimento econômico se torna suficiente. Mas, nas margens desse processo hegemônico despontam atores contra-hegemônicos que relembram aos políticos, aos empresários e à sociedade como um todo quais são os interesses verdadeiramente locais: crescimento econômico com sustentabilidade, com preservação ambiental, com planejamento e desenvolvimento. O movimento que vem discutindo o espalhamento de portos na costa capixaba é composto pelos mais diversos atores que, se ouvidos, terão contribuído de forma significativa para o amadurecimento da prática democrática no ES e por um futuro melhor para os capixabas.

20 5. Bibliografia ALVES, B. Petrobras anuncia descoberta de petróleo na Bacia do Espírito Santo. O Capixaba



jornal

do

extremo

norte

capixaba.

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