A LÓGICA ESPECULATIVA COMO A VERDADEIRA METAFÍSICA EM HEGEL

June 1, 2017 | Autor: Daniel Piasecki | Categoria: Metaphysics, Hegel
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A LÓGICA ESPECULATIVA COMO A VERDADEIRA METAFÍSICA EM HEGEL Daniel Antonio Piasecki PAIC/FA, 3 Fil, UNICENTRO Prof. Dr. Manuel Moreira da Silva [email protected] Palavras-chave: Hegel. Metafísica. Filosofia. Ciência. Trata-se de uma consideração sobre o sentido em que, para Hegel, no prefácio à primeira edição da Ciência da Lógica (1812), a Lógica especulativa se constitui como a verdadeira metafísica. Para isso, inicialmente, discute-se o método próprio da Filosofia enquanto ciência especulativa; explicita-se posteriormente as razões da Ciência puramente especulativa e como a mesma deve ser considerada. Enfim, busca-se delinear a necessidade da refundação da metafísica como Lógica especulativa e da apresentação desta enquanto a verdadeira Metafísica. O problema de um método rigoroso para refundar a Metafísica como ciência é apresentado logo no início do prefácio à primeira edição da Ciência da Lógica (1812); neste prefácio, Hegel parte das seguintes constatações. A primeira constatação tem a ver com a mutação completa que ocorreu na maneira de pensar filosófica entre os alemães desde a publicação da segunda edição da Crítica da Razão Pura de Kant (cf. HEGEL, The Science of Logic, p. 74). Essa instaurou o modo de pensar transcendental em detrimento do pensar meramente formal da assim chamada metafísica de outrora, a saber, a metafísica wolffiana; pensar que até então tivera pouca influência sobre a configuração da Lógica (ibid.). Já a segunda constatação, decorrência direta da primeira, é aquela segundo a qual “o que até agora era chamado de ‘metafísica’ foi, por assim dizer, extirpado em suas raízes e ramos, e desapareceu das listas das ciências” (ibid.)1. Consequência importante a ser observada aqui é que, em razão justamente ao seu desaparecimento da lista das ciências, a Metafísica deixa de ser considerada como tal; mas isso ocorre devido sobretudo à mutação completa da maneira de pensar em filosofia acima referida. Essa que se deu mais propriamente a partir daquilo 1

Tradução de DP, na versão utilizada: “What was hitherto called “metaphysics” has been, so to speak, extirpated root and branch, and has vanished from the ranks of the sciences”. __________________________________________________________________________ IX Congresso Internacional de Filosofia da UNICENTRO De 05 a 09 de outubro – Ser e pesar, inícios ISSN 2177-8663

que Kant denominara inversão do método da metafísica tradicional. Ora, a inversão kantiana do método da metafísica consiste em partir das formas da intuição sensível e das categorias do entendimento em sua ligação a priori na imaginação, de modo a determinar os objetos da experiência; portanto de modo a mostrar como os objetos nos são dados (KANT, Crítica da Razão Pura, B XVIss). Procedimento que, no dizer de Kant, se adequa à exigência de um conhecimento a priori dos objetos; exigência essa que, para se realizar sem contradições, não poderia partir dos próprios objetos, como era o caso na metafísica, fossem tais objetos aqueles da experiência ou as assim chamadas coisas em si. O fato é que, após a inversão kantiana, a metafísica deixa de se voltar para as coisas em si enquanto tais e passa a se ocupar do que doravante será então designado determinações de pensamento; essas que para Hegel serão as próprias coisas em si. Essa inversão fora negligenciada tanto pela própria metafísica, na verdade pelos remanescentes da escola wolffiana, que simplesmente se voltara contra a nova maneira de pensar, quanto pela pedagogia da época, que se fixara tão somente na doutrina exotérica e por isso popular da filosofia kantiana, contribuindo assim para a derrocada final da metafísica tradicional (HEGEL, The Science of Logic, p. 74). Levando a sério a proposição crítica de uma inversão do método da metafísica, mas ao mesmo tempo retomando as instâncias fundamentais desta, que a colocam acima do filosofar crítico posterior (cf. HEGEL, Enciclopédia, § 28 p. 66), Hegel entende a ciência como um movimento próprio do conteúdo que, como tal, se determina enquanto em si e para si, isto é, do pensar enquanto conteúdo autoconsciente e, portanto, livre. Disso se depreende que é precisamente em função de seu método próprio que a filosofia pode apresentar-se como ciência, a rigor, como filosofia especulativa pura; vale dizer, na medida em que esta se impõe acompanhar a reflexão própria da natureza do conteúdo (HEGEL, The Science of Logic, p. 76). Eis o que Hegel designa como o determinar-se do conteúdo e, por conseguinte, como o desenvolvimento imanente do conceito, enquanto resultado daquele determinar-se. Isso implica que, apesar de assumir o ponto de vista kantiano de uma inversão do método da metafísica, Hegel considera que, no pensamento kantiano, a subordinação da filosofia à matemática impede o desenvolvimento do conteúdo como tal e reduz a filosofia a __________________________________________________________________________ IX Congresso Internacional de Filosofia da UNICENTRO De 05 a 09 de outubro – Ser e pesar, inícios ISSN 2177-8663

um mero formalismo. Esse consubstanciado numa crítica das formas de pensar puras que leva em conta apenas o seu caráter de conceitos vazios e, portanto, sua relação com um substrato exterior, assumido acriticamente pela metafísica de outrora, mas que deixa de lado a verdadeira crítica daquelas formas, que as considera segundo seu conteúdo próprio (HEGEL, The Science of Logic, p. 42). Em vista disso, a filosofia não deve ter seu método emprestado de outras ciências, isso é, para Hegel a filosofia deve ser ciência autônoma. Segue-se que a metafísica deve ser possuidora de um método próprio, pelo qual ela mesma produza suas determinações, não se contentando, portanto, com o mero uso de conceitos abstratos produzidos alhures; tal método deve consistir, por conseguinte, num movimento espiritual capaz de, em sua simplicidade, ser determinante e igual a consigo mesmo, e neste movimento, o desenvolvimento imanente do conceito. A Lógica constitui-se assim conforme a natureza mesma das essencialidades puras, ou seja, das determinações do pensamento puro enquanto estas são produzidas por ele próprio. Isso ocorre na medida em que o ponto de vista da consciência natural, que é aquele no qual tanto a metafísica de outrora quanto a filosofia kantiana estão subordinadas, é substituído pelo ponto de vista da autoconsciência, que pelo seu movimento contínuo, se liberta das determinações exteriores se reconhece assim idêntica à sua própria essência. Eis aí o quadro a partir do qual a Lógica especulativa, entendida como a verdadeira metafísica, pode então instaurar-se. Porque seu conteúdo não é senão as essencialidades puras, o tratamento rigoroso destas, em sentido especulativo, tem que se dar mediante a identidade acima aludida do pensar puro, a consciência que se sabe idêntica à sua essência, e das próprias essencialidades puras, a rigor, suas próprias determinações. Esse o assim chamado método especulativo, que, como tal, é a um tempo lógico e metafísico ou, a rigor, lógico-real e por isso interior ao conteúdo, constituindo enfim, o conjunto das determinações que este produz. Esse, para Hegel, o único método que cumpre a exigência de não ser exterior à filosofia mesma e nem ao conteúdo desta, isto é, ao pensar; o único método que, portanto, se constitui a partir do automovimento do próprio conteúdo e desse modo apresenta-se como o conjunto das determinações do conteúdo mesmo. Essas as determinações de pensamento ou as essencialidades puras que são a um tempo em si e para __________________________________________________________________________ IX Congresso Internacional de Filosofia da UNICENTRO De 05 a 09 de outubro – Ser e pesar, inícios ISSN 2177-8663

si, não podendo, pois, ser tomadas apenas segundo a forma nem somente conforme o conteúdo enquanto separado daquela. Eis aí, por fim, o caráter especulativo do método e da ciência que este informa, a Lógica especulativa enquanto a verdadeira metafísica ou a filosofia especulativa pura. Essa a ciência pura na qual o método não é senão o automovimento do conteúdo que, como um movimento espiritual que se determina a si mesmo, se desenvolve de um mero conceito em si ou em geral, o ser puro, ao conceito propriamente dito, enquanto o determinado em si e para si (cf. HEGEL, Enciclopédia, § 160 p. 236). Neste sentido, fazendo jus à revolução no pensar instaurada pela Lógica transcendental kantiana, mas também ao conteúdo do pensar e, portanto, ao pensar mesmo, o estabelecimento hegeliano de um método próprio da Filosofia refunda assim a metafísica, agora como Lógica especulativa, assumida para além daquela enquanto a verdadeira Metafísica. Referências bibliográficas HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. The Science of Logic. Tradução para o inglês de George Di Giovanni. Cambridge University Press. Cambridge: 2015. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. The Encyclopaedia Logic: Part I of the Encyclopaedia of Philosophical Sciences. Tradução para o inglês de T. F. Geraets, W. A. Suchting, H. S. Harris. Cambridge University Press. Indianapolis: 1991. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. 5 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

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