A M A D E I R A NA CONSTRUÇÃO DE PORTUGAL, DA EUROPA E DO MUNDO

June 7, 2017 | Autor: Alberto Vieira | Categoria: Island Studies, History of Madeira Islands
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A MADEIRA NA CONSTRUÇÃO DE PORTUGAL, DA EUROPA E DO MUNDO ALBERTO VIEIRA CEHA/SRCTT-RAM.MADEIRA

Obs.: Texto que serviu de base à conferência proferida na sessão solene do dia da Região Autónoma da Madeira, organizada pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que teve lugar na vila da Ponta de Sol no dia 1 de julho de 2013. Disponível na Internet para consulta URL: https://drive.google.com/folderview?id=0Bz4ItK2_ExfYeEYycGRpRXp6SGM&usp=sharing

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A MADEIRA NA CONSTRUÇÃO DE PORTUGAL, DA EUROPA E DO MUNDO

ALBERTO VIEIRA CEHA/SRCTT-RAM.MADEIRA

Nascer pequeno e morrer grande, é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento, e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer toda a terra: para nascer, Portugal: para morrer o mundo. Padre António Vieira, Sermão de Santo António, Roma, na Igreja de Santo António dos Portugueses, 1670, § IV

Obs.: Texto que serviu de base à conferência proferida na sessão solene do dia da Região Autónoma da Madeira, organizada pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que teve lugar na vila da Ponta de Sol no dia 1 de julho de 2013. Disponível na Internet para consulta URL:

https://drive.google.com/folderview?id=0Bz4ItK2_ExfYeEYycGRpRXp6SGM&usp=sharing

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azendo nossas as palavras do padre António Vieira, poderemos afirmar que Deus deu aos madeirenses um berço estreito para nascer e o mundo inteiro para morrer. Tudo isto porque a Madeira e os Madeirenses chegaram aos quatro cantos do mundo e tiveram uma intervenção, desde os primórdios do processo de mundialização iniciado no século XV, com os chamados Descobrimentos de que hoje somos plenos fruidores, e que merece ser, aqui e agora, destacado. Partindo desta constatação, seguimos à descoberta dos madeirenses no mundo e dos múltiplos papéis que protagonizaram, porque afinal a ilha foi um cais de permanentes chegadas e partidas. Não queremos fazer da ilha o centro do mundo mas apenas chamar a atenção de todos para o facto de que em quase todos os recantos do mundo há um pedaço da ilha, que se afirma pela presença actual ou no passado de madeirenses. Daí esta ideia de um mundo inteiro para morrer, que a pequenez do espaço obriga e o protagonismo em diversos momentos e situações da História define. O tema parece-nos actual, num quadro de dificuldades que vivemos, uma vez que poderá ser o necessário incentivo ou alento, vindos do passado, para o enfrentar de novos desafios e batalhas que nos conduzam à concretização dos nossos sonhos. Recordo que a diáspora dos madeirenses, como de todos os povos e regiões, foi uma desafio e a busca incessante de um lugar aprazivel para viver. O tema que nos propomos abordar será apresentado em sete partes:

1.ILHAS COM DESCOBRIDORES, ESCALAS E ROTAS OCEÂNICAS. “...universal escala do mar do poente.“ Gaspar Frutuoso, 1590(?), Livro sexto das Saudades da Terra, Cap.II. La gran História pasa frecuentemente por las islas, acaso seria mais justo talvez decir que se sierve de ellas. BRAUDEL, F, 1953, El Mediterráneo y el Mundo Mediterráneo en la época de Felipe II. “...O conjunto dos arquipélagos das Canárias, Madeira e Açores: escalas obrigatórias em todo esse sistema mundial, uma vez que o globo se tornou em periferia desse centro dinâmico, empreendedor e avassalador, que é a Europa ocidental dos séculos XVI-XVIII. (...) A

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Madeira situa-se no centro deste sistema de duplo sentido, e por isso de certo modo comanda todo este espaço, porque vive sobretudo da riquíssima produção própria.” GODINHO, V. M. 1990. 2. DA MADEIRA PARA O MUNDO. HOMENS, INSTITUIÇÕES E TÉCNICAS. “A irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se estremou em termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus homens... Concorreram para transformar rápida e solidamente em nova Lusitânia” [Freire, Gilberto, Aventura e Rotina, 2ªed., pp 440-446, 448-449] Madeirenses foram os primeiros colonizadores, não só da terra vicentina como também das imensas regiões do sul do país, onde actualmente se localizam os territórios do Paraná, Santa Catarina. Rio Grande do Sul e do Nordeste brasileiro. Enzo Silveira, 1956, A Ilha da Madeira nos Destinos do Brasil e de Portugal, Funchal, p.7

3. O QUE FOMOS E O QUE DEMOS AO MUNDO. PAPEIS E FUNÇÕES DO MADEIRENSE NO MUNDO. Madeira foi entreposto, estancia de passagem para o Brasil. Afrânio Peixoto, 1936 ...para que o rei lhe mandasse madeirenses “que cortavam as serras pera fazerem levadas, com que se regam as cannas de açúcar”, para desviar o curso do rio Nilo. 1973, Comentários de Afonso de Albuquerque, vol. II, Lisboa, parte IV, cap. VII, p.39

4. DA AÇÃO E RIQUEZA DOS MADEIRENSES. ...he huma das principaes e proveitozas couzas que noz, e real coroa de nosso reynos temos para ajudar, e soportamento de estado real, e encargos de nossos reynos. 1497: Carta régia de 27 de Abril, El-Rei D. Manuel revertendo para a Coroa a posse da ilha da Madeira, in 1973, Arquivo Histórico da Madeira, vol.XVII, p.363. Uma provincia, que como esta rende para se sustentar a si, he uma grande provincia, pois esta não só rende para se sustentar a si, mas até carregou com a divida que no Rio se contraíu com a Inglaterra, parece

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que deve ser muito attendida. 1823. Deputado Manuel Caetano Pimenta de Aguiar, Diário nº 33, 13 de Fevereiro, p. 805-806. A Madeira nada tem custado ao Thesouro da Metropoli,... ella acudio apromptamente aos emigrados de Portugal por occasião de iniqua invasão franceza e retirada do senhor D. João VI para o Brazil.Alguns annos depois contribuio com mesadas de treze contos trezentos e tantos mil reis á conta do Emprestimo de Libras 600$000, contrahido pelo Governo em Londres, vindo assim a contribuir annualmente com 160 contos, alem de outros saques, e remessas consideraveis, feitas em differentes, e não poucas occasiões a favôr do Erario de Lisboa. Ella paga a todos os seus Empregados Publicos; tem sustentado mais Tropa, do que he preciso para a sua defensa, e Policia interna. Está frequentemente prestando soccorros aos Navios da Corôa, e agora mesmo tem de supportar um saque de duzentos noventa e seis contos quinhentos e tantos mil reis; até algumas vezes tem soccorrido as outras Ilhas, sem destas receber retorno algum deste beneficio. … Sua feliz posição Geografica a respeito das outras partes do Mundo a tem feito objecto de inveja de outras Nações, e objecto de muita importancia para a nossa antiga Alliada, que por duas vezes na ultima guerra se apresentou a defende-la por Mar e Terra; seu terreno offerece producções das quatro Partes do Mundo. Ella paga a todos os seus enpregados publicos; tem sustentado mais tropa da que é precisa para a sua defesa, e policia interna. Está frequentemente prestando socorro aos navios da coroa: até algumas vezes tem socorrido as outras ilhas, sem destas receber retorno algum deste beneficio. 1827: Lourenço José de Moniz, Câmara dos Deputados, Discurso na sessão de 5 de Março, pub. In Funchalense Liberal, no.9.

5. OS MUNDOS DO MADEIRENSE. O Sangue da ilha derramado pelo mundo “...porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de são Miguel, e meu tio a de são Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que vê...”. João de Melo da Câmara, 1532, História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. III, p. 90; cf. Vera Jane GILBERT, 1978, “Os Primeiros Engenhos de Açúcar” in Sacharum, nº.3, São Paulo, pp. 5-1 Zargo povoa a Madeira, um filho S. Miguel, um neto S. Tomé e um bisneto, embora sem êxito, tenta o mesmo com o Brasil. Uma dinastia de colonizadores com raízes e tirocínio inicial madeirense. David F. Gouveia [1987, A manufactura açucareira madeirense (14201550), Atlantico, 10, p.127] 5

6. A IMAGEM DA ILHA E HISTÓRIA NO OLHAR DO OUTRO. Canto do Paraíso, obra de Deus que os homens, com seu engenho, sua bondade, seu amor à terra, vêm aperfeiçoando dia a dia para que nada falte aos que a visitam. MONTÊS, António, 1938, Terras de Portugal, 1ª série, Lisboa, p.186 O Paraíso que a Bíblia citava devia ter sido assim. MARTINS, Carlos, 1972, Madeira, Mar de Nuvens , 2ª edição, Minerva, p. 81.

7. O MUNDO E O MAR DAS ILHAS A PARTIR DA MADEIRA Depois da Segunda Guerra Mundial, a emergência dos Estados insulares no concerto das nações, a Convenção sobre os Direitos do Mar, a definição da Zona Económica Exclusiva (ZEE) e o incremento do turismo provocaram mudanças de tal ordem na percepção da insularidade que, em certos meios leigos e eruditos passou-se a falar dos “mares das ilhas”, do “milénio dos ilhéus” e mesmo da Nissologia ou “ciência do mundo insular”. TOLENTINO, André Corsino, 2006, Universidade e Transformação dos Pequenos Estados em Desenvolvimento. O Caso de Cabo Verde, Lisboa, Universidade de Lisboa/FPCE, p.58 As ilhas estão assim no centro do nascimento da Europa e dos seus valores. Elas são um elemento essencial para que esta bizarra e peculiar ideia de que o indivíduo é o centro do mundo, portador de direitos que só se podem desenvolver num ambiente democrático, tenha nascido e criado um nicho de aplicação. TELO. António, 2011, A Europa e as ilhas - uma dinâmica milenar. In AAVV, As Ilhas e a Europa. A Europa das Ilhas, Funchal, CEHA, p.12 ANEXO. PANTEÃO MADEIRENSE. Breve Dicionário biográfico de Madeirenses no mundo MEMORIAS E RECORDAÇÕES. Principais acontecimentos

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ENTRE O SER E O NÃO SER MADEIRENSE NO MUNDO. Raras foram as vezes em que vimos valorizados esta situação e este protagonismo dos madeirenses. Insiste-se num cada vez mais dominante protagonismo europeu-peninsular, ignorando quase sempre o papel e a importância das ilhas. É certo que alguns dos mais destacados fazedores da História da Europa e da sua Expansão não esquecem as ilhas, e de forma especial a Madeira1, mas a História está quase só voltada para os protagonistas europeus e para os grandes centros, portos e cidades europeias, ignorando-se as ilhas ou apenas considerando-as apenas como episódios. Muitas vezes, são mesmo consideradas a periferia da Europa, 1

Albert Silbert [1997,Uma Encruzilhada do Atlântico- Madeira(1640-1820), Funchal, CEHA, p.76]recomenda que “para bem conhecer a história da Madeira é a do Atlântico que é preciso evocar”. Ainda: “...O conjunto dos arquipélagos das Canárias, Madeira e Açores: escalas obrigatórias em todo esse sistema mundial, uma vez que o globo se tornou em periferia desse centro dinâmico, empreendedor e avassalador, que é a Europa ocidental dos séculos XVI-XVIII. (...) A Madeira situa-se no centro deste sistema de duplo sentido, e por isso de certo modo comanda todo este espaço, porque vive sobretudo da riquíssima produção própria.” V. M. Godinho, 1990., Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar. Séculos XIII-XVIII, Lisboa. Cf. F. Braudel, 1984, O Mediterrâneo e o Mundo Maditerrânico na época de Filipe III, 2 vols., Lisboa, (1ª edição em 1949); .P. Chaunu, 1983, Sevilla y América. siglos XVI y XVII, Sevilha.

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ignorando que alguns centros que se geraram no espaço atlântico tiveram, por epicentro os espaços insulares2. Por tradição, somos encarados apenas como um episódio da expansão europeia que começou nos séculos XIV e XV, esquecendo-se o nosso protagonismo como interventores diretos no processo de descobrimento e de abertura de novas rotas e mercados, assim como na assunção de diversos papeis na divulgação de produtos, conhecimentos e técnicas que colhemos nos dois sentidos do movimento que a expansão europeia gerou. Em qualquer das circunstâncias, na maioria dos estudos e dos manuais, as ilhas são a periferia, o espaço de fronteira entre a Europa e o novo espaço atlântico. Pouco mais. De acordo com os chineses, o império português assentou em ilhas. De acordo com um provérbio chinês, os espaços insulares são um dos pilares da expansão, porque os portugueses são como peixes, que morrem quando se lhes tira a água3. A Madeira, de forma especial, assumiu um protagonismo inusitado, afirmado pela História, uma importância que importa resgatar e divulgar. Fomos e continuamos a ser obreiros do mundo que nos rodeia, um lugar que, a partir do século XV, ajudamos a conhecer e a unir. Cabe a nós, insulares, chamar a atenção para essa verdade e exaltar os papéis que a História nos atribuiu e valoriza, de forma clara, caso queiramos conhecê-los e divulgá-los. Por outro lado, há que mudar a forma de fazer a História da Madeira, pois esta é quase sempre feita a partir daquilo que acontece apenas dentro do seu perímetro reduzido, ignorando as suas extensões por todo o mundo, através das comunidades madeirenses. Ela não pode continuar a ser apenas a História dos que ficaram, sem se entender a presença e a posição dos que partiram4. Parte significativa da nossa História fica, assim, esquecida. Na verdade, a História da Madeira aconteceu dentro e fora do arquipélago. É esta História feita com os de dentro e de fora da ilha que queremos fazer. Neste contexto, a Nissologia, nova ciência das Ilhas, que insiste na ideia de uma História global vista de dentro para fora, sem descurar as suas interconexões e mobilidades, é um caminho seguro, no sentido do aparecimento da Nova História da Madeira. 2

Confronte-se nossos estudos: 1987, Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1992 Portugal y las islas del Atlántico, Madrid

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Urs Bitterli, Los “Selvajes” y los “civilizados”El encuentro de Europa y Ultramar, México, 1981

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Atente-se ao facto de múltiplas homenagens e eventos que se fizeram às comunidades madeirenses mas nunca ninguém se lembrou de realizar uma história séria e com o nível que a diáspora madeirense merece. Temos apenas textos soltos mas nada que seja capaz de expressar essa mobilidade madeirense essa expansão da ilha em todo o mundo e que faz com que o espaço reduzido da propria ilha se multiplica em novas costas, planuras e montanhas nos quatro cantos do mundo. Um dia, quando se fizer a verdadeira História da diáspora madeirense, teremos uma noção clara do que aqui dizemos.

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Atente-se que esta injustiça para com os que partiram e não deixaram memória registada, mais se torna evidente no caso dos madeirenses que, partindo, raras vezes cortaram os vínculos umbilicais que os ligam à ilha5. A atitude da partida nunca foi fácil, porque afinal muitas incógnitas acompanhavam o percurso e algumas vezes o destino ficava-se por uma miragem6. Mesmo assim saiam, por múltiplas razões, mas sempre na mira do ambicionado momento de glória do retorno. E a ilha está sempre de braços abertos para os receber, como aconteceu no processo de descolonização das ex-colónias africanas em 1974-75 e, depois, com as situações especiais da Venezuela e África do Sul. Na verdade, o madeirense, aquele que mantem orgulho em sê-lo, nunca renega as suas origens e está sempre disponível para o retorno, quando as condições o permitem. A imagem da ilha e do seu quotidiano mantem-se presente e atuante em todos os destinos de acolhimento, sejam na Jamaica, Demerara, Hawaii ou Moçâmedes. As presenças do culto à Nossa Senhora do Monte, as tradições culinárias da carne de vinho e alhos, o milho frito e as maçarocas são uma evidência que marcam e denunciam a presença do madeirense no mundo. É claro que ao orgulho, à exaltação dos valores que corporizam a nossa madeirensidade, deveremos contrapor o preconceito, a pequenez daqueles que fizeram do seu nascimento na ilha, um mero episódio muitas vezes negativo. São aqueles que renegam e escondem a sua origem debaixo de um pretenso universalismo, esquecendo-se que ser madeirense é ser universal, porque a ilha se abriu ao mundo a partir da Europa e a todos deu oportunidade de abertura de caminhos para novas realidades. O Madeirense é universal, quer pela sua abertura ao novo e ao avançado, quer pela sua disponibilidade e adaptação e outros mundos. É por isso que tem mundo inteiro para morrer. Há uma ideia e algumas evidências da tradição cultural mediterrânea cristã que aponta para a ilha uma relação com o mundo primordial, com o paraíso: A ilha da Madeira, (...) por ser tal e parecer nele um único horto terreal tão deleitoso, em tão bom clima situada ou criada, disse um estrangeiro que parecia que, quando 5

Atente-se nesta carta de João Fernandes Vieira: “Amor, q devo aessa patria, q suposto q nella naõ (vivi) maiz q 10 annoz e alguns mesez do meu nascimento confesso deverlhe as mayorez obrigasoiñs (…) e juntamente ando com pertençoins de comprar ahy alguas propiedadez, e porq aventade me obrigua se poder de me passar a essa patria a acabar a vida e entre tanto sejam V Ms.servidoz demodizerem o lugar onde determinão fazer o sitio (…) p.a se eu ahy me heyde sepultar heyde deixar de for a parte seiz capelloiñs prepetuoz so por minha conta” [NASCIMENTO, Cabral do, 1932, “Carta de João Fernandes Vieira”, Arquivo Histórico do Funchal, vol. II, p.165-167].

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Cf. SARMENTO, Tenente-coronel Alberto Artur, 1945 Um Fidalgo Madeirense Empobrecido Pede Transporte Para o Brasil. Funchal; Piazza, Walter, A emigração Açorico-Madeirense, Funchal, CEHA, pp.

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Deus descera do Céu, a primeira terra em que pusera seus santos pés fora ela7. Esta foi uma ilha abençoada que espalhou sorte e fortuna a todos e que parece ter aberto as portas a outros tesouros terrenos ao mundo europeu. A nossa história e a dos outros insulares, fala de momentos de glória, de plena afirmação e protagonismo em diversos momentos, uma página ainda não devidamente revelada e afirmada, mas também de situações de dificuldades, pautadas pela violência dos assaltos de corsários e da guerra, do abandono e esquecimento de senhores, monarcas e políticos, de miséria, fome e espoliação da riqueza. Em todos os casos, porém, temos sabido responder de forma pertinaz, encontrar forças e meios para nos levantarmos e seguir em frente na construção da ilha e do mundo madeirense, um pouco por todo o planeta. Ir ao encontro desta História e protagonismo é uma forma de homenagear aqueles que nos antecederam no usufruto desta ilha, mas também o ponto de partida para a descoberta de novas fontes de energia, para outros combates de afirmação e continuidade da madeirensidade. A luz da esperança num futuro próximo melhor, assim como a força para os atuais e futuros desafios está presente no discurso da História e tem que ser afirmada e extremada, através do nosso orgulho de ser madeirenses. Pegando no texto de Eduardo Nunes, Porque me orgulho de ser Madeirense8, partimos à procura daquilo que nos ufana e afirma, no mundo de hoje e na História, continuando a prosseguir novos protagonismos e plena afirmação no presente e futuro. Porque queremos insistir e afirmar esta epopeia humana e insular9 e dar-lhe continuidade, aqui estamos a sinalizar e relevar o protagonismo da ilha e dos madeirenses, trazendo um pouco do nosso orgulho em ter nascido, ser e continuar a ser madeirenses. Que isto seja apenas o alento para uma partida rumo a novos desafios, uma forma de nos voltamos a irmanar com os espaços envolventes dos madeirenses no mundo. Ter e sentir orgulho em ser madeirense é saber posicionar, no lugar correto em relação aos outros, a nossa adequada afirmação. Com os navegadores quatrocentistas e quinhentistas, partimos à descoberta 7

1590 (?), Doutor Gaspar Frutuoso, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, pp.99-100.

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O volume foi publicado em 1951 com o intuito de ser, segundo o seu autor, “ uma mensagem de exaltação à Madeira, que eu desejaria levar aos quatro cantos do mundo, como se manda um postal num sentido de presença ou um abraço no simbolismo duma saudade.”. Tal como refere as suas musas inspiradoras são os volumes de conde Afonso Celso, Porque me ufano do meu país (1900), para o Brasil e de Albino Forjaz Sampaio, Porque me Orgulho de Ser Português (1926), para Portugal. Atente-se que esta forma de vanglória, ufanismo tem as suas origens no jingoism, que ganha expressão em 1878 na Inglaterra e em 1893 nos Estados Unidos da América; cf. The genesis of jingoism, The Advocate of Peace (1894-1920) , Vol. 59, No. 4 (APRIL 1897), pp. 88-91. disponível na internet em: URL: http://www.jstor.org/stable/25751029. Consulta em 11-06-2013; Hobson, J. A. (John Atkinson), 1901, War; South African War, 1899-1902; Great Britain -- Politics and government 1837-1901; Chauvinism and jingoism, London, G. Richards. Disponivel na internet em: URL: http://ia600409.us.archive.org/21/items/psychologyofjing00hobsuoft/ psychologyofjing00hobsuoft.pdf

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A ideia de epopeia domina a nossa História nacional mas também regional. A ideia associa-se quase sempre ao poema Os Lusíadas (1572) de Luiz Vaz de Camões. Também tivemos outros poemas de exaltação da ilha que seguira a esteira de Camões: Manuel Thomas, 1635, Insulana; Francisco Paula de Medina e Vasconcelos, 1806, Zargueida. A propósito queremos ainda recordar apenas alguns títulos, escritos por não madeirenses, e por isso mesmo muito significativos a este respeito: Joaquim Vieira Natividade, 1953, MADEIRA. A Epopeia Rural [Conferência realizada a Associação Industrial Portuense, a convite do Centro Madeirenses do Porto, na noite de 22 de Junho de 1953), Funchal; Maria Lamas, 1956, Arquipélago da Madeira – Maravilha Atlântica; A. Lopes de Oliveira, 1969, Arquipélago da Madeira. Epopeia Humana, Braga.

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deste mundo novo, que equaciona as ilhas e a Madeira de uma forma distinta, que olha e reflete sobre as ilhas de dentro e não de fora. Se insistirmos nesta postura, vamos constatar que o processo de mundialização10 que partiu da Europa no século XV tem um suporte relevante nas ilhas, primeiro as do Atlântico e, depois, as demais. E não devemos esquecer que o século atual é o das ilhas, aquele em que estas se vão afirmar cada vez mais, pela sua posição estratégica e pelo seu espaço de mar. E o primeiro cais de ancoragem foi a Madeira. É certo que, desde o século XIV, são insistentes as expedições e disputas pela posse das Canárias, assim como da realização das primeiras expedições de ocupação, nos alvores da centúria seguinte, mas tardou muito até que se conseguisse pacificar (?) a população aborígene e consolidar a ocupação efetiva do arquipélago. A Madeira estava próxima e tinha múltiplas vantagens: era a abundância de arvoredo e de água; era o facto de não estar, naquele momento, ocupada por qualquer população. As portas do paraíso abriram-se e permitiram que o arquipélago fosse o primeiro passo efetivo na concretização do plano europeu de conquista do mundo, o primeiro passo conducente aos desafios da globalização, afirmados na sua plenitude, séculos depois. Desta forma, a Madeira é tanto o primeiro exemplo de uma realização de sucesso como a referência e o modelo para posteriores iniciativas. Daí podermos afirmar, com alguma propriedade, que a Madeira foi o começo do processo dos descobrimentos europeus, quanto da mundialização que eles trouxeram. 10

Sobre esta ideia do processo de mundialização que parece ser uma invenção do Homem do século XX atente-se nas produções e reflexões dos ultimos anos. Cf. HOPKINS, A.G., 2002 Globalization in World History. New York: Norton; A Quick Guide to the World History of Globalization, University of Pennsylvania. Disponivel na internet em: http:// www.sas.upenn.edu/~dludden/global1.htm; BORDO, Michael D., Alan M. Taylor and Jeffrey G. Williamson, editors, 2003, Globalization in Historical Perspective. Conference held May 3-6, 2001. University of Chicago Press. Disponivel na internet em: http://papers.nber.org/books/bord03-1; RODRIGUES, Jorge Nascimento, Devezas, Tessaleno, 2009, Portugal Pioneiro da Globalização. A Herança das Descobertas, Lisboa, Centro Atlãntico lda; 2013, The History of Globalization, Yale Global Online, Disponivel na internet em: http://yaleglobal.yale.edu/about/history.jsp.

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A condição da ilha da Madeira como espaço de sucesso dos europeus fora da Europa foi muito importante, em termos de afirmação da Madeira, nos séculos XV e XVI, assim como da sua projeção aos novos espaços, entretanto revelados aos europeus e alvo de ocupação e exploração económica. Servimos de modelo de sociedade, das novas estruturas institucionais geradas com as capitanias, das formas de organização e aproveitamento do espaço produtivo e, ainda, das formas de sociabilidade, como a escravatura e formas da sua expressão institucional e espacial, que serviram de base a uma economia de exploração intensiva, assente em produtos de exportação de grande rentabilidade económica como o açúcar. A afirmação da economia açucareira no mundo começou na Madeira e foi o arquipélago, o principio das mudanças necessárias para que esta cultura e produto assumissem a dimensão que tiveram, a partir da segunda metade do século XV. Entre meados do século XV e princípios da centúria seguinte, apareceram inventos significativos, por mãos hábeis de madeirenses, que permitiram que a cultura da cana sacarina se afirmasse e o consumo do açúcar começasse a vulgarizar-se. Há uma revolução tecnológica e alimentar que dá os primeiros passos na Madeira e que vai permitir essa hegemonia do açúcar no espaço atlântico e no mercado europeu. Apenas sinalizamos o efeito multiplicador neste processo do aparecimento do engenho de cilindros para a moenda da cana e do sistema acoplado de caldeiras, conhecido como trem jamaicano, para o fabrico do açúcar, como os mais relevantes avanços que acontecem na Madeira, por mãos de madeirenses e que estão na origem desta revolução tecnológica. Criaram-se condições para uma agricultura em larga escala e de produção intensiva. Descobriu-se um outro ouro que animou

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as trocas europeias e que financiou as descobertas e encontros de novos tesouros e do verdadeiro ouro. Esta situação particular da Madeira, associada à sua posição destacada no processo de afirmação dos impérios europeus, nos séculos seguintes, transformou a Madeira numa placa giratória fundamental para outras aventuras. A variedade de plantas encontradas foi marcando presença no quotidiano, na economia e na alimentação e inserindo outras mudanças. Há uma alteração significativa na dieta alimentar que tem a Madeira como uma ponte de comunicação/adaptação aos novos espaços. O cardápio não só foi enriquecido com novos sabores como se universalizou. A Madeira parece ter sido, assim, um dos principais viveiros desta revolução ecológica mundial. Aqui, a História assinala os madeirenses como agentes de múltiplas funções, que se afirmam tanto como descobridores ou guerreiros, na senda da descoberta ou reconhecimento do Novo Mundo, como da defesa das possessões africanas ou das conquistas orientais. Também os encontramos como exímios agricultores, capazes de adaptar o solo a uma exploração agrícola, de adaptar e transformar técnicas e processos produtivos, dirigindo os seus conhecimentos e sabedoria à para a construção das levadas que trouxeram profundas transformações no processo de moenda da cana-de-açúcar e do processo de fabrico do açúcar. Será que este protagonismo, que ao longo dos últimos anos vimos afirmando, tem a merecida relevância na nossa memória e nos anais da História madeirense? Pretendemos, desta forma, redescobrir os madeirenses na ilha e fora dela como interventores presentes e ativos em diversos momentos e espaços da História. Propomo-nos, então, desenvolver os seguintes aspetos: Ilhas de descobridores, de escalas e rotas; Da Madeira para o Mundo: homens, instituições e técnicas;

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O mundo do Madeirense. O sangue da ilha derramado pelo mundo; Da ação e riqueza dos Madeirenses; do Mundo e o mar das ilhas a partir da Madeira. A partir da década de sessenta do século XX, foi manifestada maior atenção às ilhas no quadro da História e Cultura europeias. Primeiro, valorizou-se o papel das ilhas no contexto da expansão europeia, como espaços de apoio à navegação oceânica, campos de ensaio de novas culturas ou técnicas, usadas em pleno nas amplas terras que depois se descobriram. A partir daqui, estava dado o mote para o protagonismo do mundo insular na História do Ocidente, a partir do século XV. Aos aspetos históricos, juntaram-se os resultados das investigações da História das Técnicas e das Ciências, acabando por concluir-se por idêntico protagonismo. Os europeus lançaram as culturas de grande demanda, como a cana-de-açúcar, mas foram os insulares que buscaram do seu engenho e arte, para conseguir produzir, em condições apropriadas, os produtos demandados pelas praças europeias. Aqui se adaptaram as técnicas de arroteamento das terras à orografia dos novos espaços, através de algumas soluções engenhosas. Surgiu, então, a nova tecnologia que permitiu a produção do açúcar em maiores quantidades e com melhor qualidade. No âmbito da História da Ciência, é certo e evidente o papel das ilhas, o que

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levou alguém a chamá-las “escalas científicas” do Atlântico. Para o caso, porém, podemos definir com propriedade que as mesmas foram, sim, laboratórios da ciência, nomeadamente para os séculos XIX e XX. Laboratórios onde se ensaiaram as técnicas de recolha, análise e estudo do mundo animal e vegetal, que depois foram usadas nos locais de destino. Mais uma vez as ilhas, nomeadamente a Madeira e as Canárias, serviram de ponte entre o Velho e o Novo Mundo, fazendo com que os laboratórios da Ciência europeia se transferissem das instituições para o campo aberto das ilhas e depois das colónias. Descobrir como incorporar tamanho protagonismo, arrojo e determinação na nossa memória e escrita da História torna-se importante, sobretudo neste momento em que as esperanças começam a esfriar, quanto às possibilidades de um futuro melhor e das novas capacidades para continuar a mudar e vencer as circunstâncias adversas que sempre pautaram a História deste espaço. O passado junta os momentos de dor com os de glórias, de vitórias em batalhas e de afirmação por diversas vias, pelo que não nos podemos deixar vencer pelas dificuldades e situações do presente que nos querem arrastar para rumos distintos daqueles que têm sido aqueles que a nossa História sempre trilhou. Vencemos a batalha da indiferença dos poderes aos múltiplos problemas, por vezes com o grito do silêncio da emigração, que projetou e ampliou a pequenez do nosso berço e habitação. Quisemos - e continuamos a querer - construir o nosso mundo sobre o abismo, alheios ao perigo, atentos aos inimigos, mas determinados a conseguir fazer da ilha, um Éden construido à medida da nossa felicidade, realização pessoal, profissional e espiritual. É por tudo isso que, herdeiros, ainda que virtuais, dos demais atlantes que nos precederam na construção deste paraíso atlântico, persistiremos na nossa luta e reivindicação do que temos direito e nos foi reservado com a criação deste cantinho do Mundo. A partir daqui, abre-se um mundo que queremos descobrir e partilhar com os madeirenses e os demais. Vamos ao encontro de uma ilha que se revela e anexa ao mundo europeu, a partir do século XV e que nos revela, entre muitos colonos apegados à terra ou deserdados dela, inúmeros descobridores que partem em múltiplas direções ao serviço do rei, mas também à procura dos seus interesses. Revelamos, com o devir histórico, um espaço insular que ganha importância

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e se torna imprescindível nas estratégias de descobrimento/conhecimento do espaço atlântico, bem como da definição e construção dos impérios europeus. Daqui o apelo a portos e a permanentes escalas oceânicas. Ao mesmo tempo, descobrimos que, neste burburinho e movimento, os madeirenses não se revelam apenas como espetadores atentos, mas também como ativos intervenientes do processo. Daí a vida ribeirinha, as permanentes partidas e as raras chegadas, o levar ao mundo novo aquilo que inventamos e testamos pela primeira vez, em termos de formas de organização institucional, de métodos e técnicas tecnológicas capazes gerar uma nova riqueza e de uma realidade económica capaz de mudar o mundo. Foi assim que se construiu o universo dos madeirenses, que a ilha aumentou a sua superfície de afirmação, com esta fórmula mágica de presença e domínio de outras ilhas e mesmo continentes. A partir de meados do século XV, o mundo da ilha entrelaça-se com outros mundos onde se projeta e afirma. O sangue, o suor e o sémen do madeirense derrama-se, por todo o lado, em momentos de glória e tristeza, em vitórias e fracassos. Mas, afinal, tudo isto faz parte da nossa alma e da nossa força de viver e vencer os desafios, tanto de ontem como de hoje. Para quem soube construir a sua morada à beira do abismo, foi capaz de vencer a floresta e as ravinas tão adversas, traçar os poios para repouso e descanso das searas, vinhedos e canaviais, venceu os desafios do mar alteroso, para reconstruir a sua ilha paradisíaca, plena de riqueza e flores, restará mais algum desafio? Não terá, então, o madeirense direito à fruição do Éden dos deuses da Antiguidade ou do paraíso que todos os caminhos espirituais procuram oferecer a todos os seus adeptos e crentes? O próximo desafio mora, agora, no mar das ilhas, um segredo e riqueza ainda por revelar mas que, para o futuro que agora se constrói, será fundamental para encontrar aquilo que a terra, gasta por insistentes e intensivas explorações, cansada do saque, é, neste momento, incapaz de assegurar. Afinal, o facto de sermos ilhéu,

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que tanto nos prejudicou no passado, começa agora a vislumbrar-se como o nosso potencial de riqueza e afirmação, face às grandes massas continentais que sempre quiseram vencer e devorar as ilhas.

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1. ILHAS COM DESCOBRIDADORES, ESCALAS E ROTAS OCEÂNICAS. Um dos aspetos que a Historiografia europeia mais tem destacado, no sentido da valorização dos espaços insulares e, de forma especial, a Madeira prende-se com o facto de as ilhas terem assumido um papel fulcral na definição das rotas oceânicas, que se imbricam diretamente com os arquipélagos dos Açores, Canárias, Cabo Verde e Madeira. Mas para além dessa evidência não devemos esquecer que este posicionamento estratégico insular permitiu, desde muito cedo, que as suas populações tivessem uma intervenção ativa no processo, apoiando a coroa no projeto de reconhecer ou descobrir novos espaços e definindo rotas e escalas de navegação e comércio. 18

DESCOBRIMENTOS E DESCOBRIDORES. É evidente que as primeiras populações que se fixaram na Madeira não viraram as costas ao mar, viveram de frente para ele e com os olhos sempre apontados no limite da sua visão à linha do horizonte, no sonho de novas terras ou a na expetativa da aproximação de embarcações. Desta forma, os madeirenses estão ligados, não só ao processo de ocupação das praças africanas, como ao reconhecimento da costa de África e à descoberta de novas terras a Ocidente. Desta última situação resulta a ligação às viagens de Cristóvão Colombo, também ele vizinho da ilha por algum tempo e casado com uma filha do capitão do donatário do Porto Santo. A primeira e efetiva participação dos madeirenses na gesta atlântica prendese com as ilhas Canárias e a costa africana, de forma especial com as praças marroquinas. O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios que iam ao encontro da Europa em expansão. A Madeira é considerada a primeira pedra do projeto que lançou Portugal para os anais da História do oceano que abraça o seu litoral abrupto. A fundamentação de tudo isto está patente no real protagonismo da ilha e das suas gentes. À função de porta-estandarte do Atlântico, a Madeira associou outras: ela é o “farol” Atlântico, o guia orientador e o apoio para as longas incursões oceânicas. Por isso, nos séculos que nos antecederam, ela foi um espaço privilegiado de comunicações, tendo a seu favor as vias traçadas no oceano que a circunda e as condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e da vinha. Estas duas condições contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano fosse quebrado e se mantivesse um permanente contacto com o velho continente europeu e o Novo Mundo. Como corolário desta ambiência, a Madeira firmou uma posição de relevo nas navegações e descobrimentos no Atlântico. O rápido desenvolvimento da economia de mercado, em uníssono com o empenhamento dos principais povoadores em dar continuidade à gesta de reconhecimento do Atlântico, reforçaram a posição da Ilha e fizeram avolumar os serviços prestados pelos madeirenses. Aqui surgiu uma nova aristocracia dos descobrimentos, cumulada de títulos e benesses pelos serviços prestados no reconhecimento da costa africana, na defesa das praças marroquinas, ou nas campanhas brasileiras e Indicas11. A proximidade da Madeira ao vizinho arquipélago das Canárias, em conjugação com o rápido surto do povoamento e valorização sócio-económica do solo, orientaram as atenções do madeirense para as ilhas. Assim, decorridos apenas vinte e seis anos sob a ocupação, os moradores da Madeira empenharam-se na disputa pela posse das Canárias, ao serviço do infante D. Henrique. Em 1446, João Gonçalves Zarco foi enviado a Lanzarote, como plenipotenciário, para afirmar o contrato de compra da ilha. Acompanham-no as caravelas de Tristão Vaz, capitão do donatário em Machico e de Garcia Homem de Sousa, genro de Zarco12. Mais tarde, em 1451, o infante enviou nova armada, constituída por gentes de Lagos, de Lisboa e da Madeira, sendo de salientar, no último caso, Rui Gonçalves, filho do capitão do donatário do Funchal. Para a aristocracia madeirense, o empenhamento nas ações marítimas e bélicas é, ao mesmo tempo, uma forma de homenagem ao senhor (monarca, donatário) e de aquisição de benesses e comendas. O próprio Zurara, na «Crónica 11

Confronte-se João José Abreu de SOUSA, “Emigração madeirense nos séculos XV a XVII”, in Atlântico, nª.1, Funchal, 1985, pp. 46-52.

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José PEREZ VIDAL, «Aportación portuguesa a la población de Canarias. Datos», in Anuario de Estudios Atlânticos, nº 14, 1968; A. SARMENTO, «Madeira & Canárias», in Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal, 1931, 13-14.

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da Guiné», confirma-o, referindo que a participação madeirense ia ao encontro dos princípios e tradições da cavalaria do reino. O que não invalida a sua presença com outros objetivos, como sucede a partir de meados do século XV. Os principais obreiros do reconhecimento e ocupação da Madeira, como criados da casa do infante D. Henrique, foram impelidos para a aventura africana, com participação ativa nas viagens henriquinas de 1445 e 1460 e nas aventuras bélicas nas praças africanas do norte, nos séculos XV e XVI. Esta presença de gentes da Madeira continuará, por todo o século XV, em três frentes: Marrocos, litoral africano além do Bojador e terras ocidentais. Na primeira e na última, a presença dos madeirenses foi fundamental. Desta intervenção ao serviço do infante D. Henrique e, depois, da coroa, os madeirenses partiram, por iniciativa própria, ao encontro de outras terras. O reconhecimento dos Açores terá sido concretizado, a partir dos finais da década de vinte do século XV. Todavia, as ilhas mais ocidentais (Flores e Corvo) só foram pisadas por marinheiros portugueses, em 1452 . A sua entrada no domínio lusíada deu-se por mãos de Pedro Vasquez de la Frontera e Diogo de Teive, no regresso de uma das viagens para o Ocidente em 1452 à procura das ilhas míticas. Este arquipélago, por ser o mais ocidental sob domínio europeu até à viagem de Colombo, era o paradeiro ideal para os aventureiros interessados em embrenharse na gesta descobridora dos mares ocidentais. Desde meados do século XV, madeirenses e açorianos saem, com muita frequência, à em busca de novas terras, assegurando, antecipadamente e por carta régia, a posse do que descobrissem. O Ocidente exerceu sobre os ilhéus, madeirenses e açorianos, um fascínio especial, acalentado, ademais, pelas lendas recuperadas da tradição medieval. Por isso mesmo, desde meados do século XV, entusiasmaram-se com a revelação das ilhas ocidentais - Antília, S. Brandão, Brasil. No extenso rol de aventureiros anónimos que deram a vida por esta descoberta, permitam-nos que referencie os madeirenses Diogo de Teive, João Afonso do Estreito, Afonso e Fernão Domingues 13 do Arco. A. Ballesteros identifica este último como o piloto anónimo que, em 1484, veio a Lisboa pedir ao rei uma caravela para, segundo Fernando Colombo, “ir a esta tierra que via.” A estas iniciativas isoladas acresce toda uma tradição literária e os dados materiais visíveis nas plagas insulares. A literatura fantástica, a cartografia mítica, o aparecimento de destroços de madeira e troncos de árvores nas costas das ilhas açorianas acalentavam a esperança da existência de terras a ocidente. Nas costas das ilhas açorianas do Faial e Graciosa, encalhavam alguns pinheiros, enquanto nas Flores davam à costa dois cadáveres com feições diferentes das dos cristãos e dos negros. Tudo isto levantava o fervor dos aventureiros que, frequentemente, se viam perante ilhas que nunca existiram. A “décima ilha”, por exemplo, nunca passou de uma miragem. A curta permanência de Colombo no Porto Santo e, depois, na Madeira possibilitou-lhe um conhecimento das técnicas de navegação usadas pelos portugueses e abriu-lhe as portas dos segredos, guardados na memória dos marinheiros, sobre a existência de terra a Ocidente. Bartolomé de Las Casas e Fernando Colombo falam que o mesmo teria recebido das mãos da sogra “escritos 13

Cristóbal Colón y el descubrimiento de América, 2 vols, Barcelona, 1945.

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e cartas de marear” . Ambos os cronistas transformam o sogro num destacado navegador quatrocentista - uma criação para enfatizar a ligação das duas famílias. Na verdade, Bartolomeu Perestrelo, ao contrário de muitos genoveses ou dos seus 15 descendentes, não é referenciado nas crónicas portuguesas como navegador . Ele apenas é referenciado como capitão do donatário da ilha do Porto Santo, por carta de doação de um de Novembro de 1446 e, na condição de povoador da ilha, terá acompanhado àquela ilha João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz, em 1419 . Mesmo assim, em sua casa podia ser possível a presença de tais documentos. Mais importantes foram os elementos que lhe terá fornecido o seu cunhado Pedro Correia, capitão da ilha Graciosa (Açores). Dava, então, conta de outras notícias das terras açoreanas, sem esquecer os estranhos despojos que aportavam com assiduidade às praias da ilha do Porto Santo. Aí, na Madeira e Porto Santo, ouviu histórias e relatos dos aventureiros do mar, teve acesso a provas evidentes da existência de terras ocidentais legadas pelas correntes marítimas nas praias. Um destes vestígios foi a castanha do mar, mais popularmente conhecida como “fava de Colombo”. Por tudo isto, é legítimo afirmar que o navegador saiu do arquipélago, em data que desconhecemos, com a firme certeza de que algo de novo poderia encontrar a Ocidente, capaz de justificar o seu empenho e o interesse da coroa. A ilha ficou-lhe no coração e nunca mais a esqueceu, no seu afã descobridor. Bastaram alguns anos de convívio com os marinheiros madeirenses, esporádicas 14

História de Las ïndias, vol.I, México, 1986; Vida Del Almirante Don Cristóbal Colón, escrita por su hijo, México, 1984

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Esta situação foi já realçada por Henry HARRISSE, Cristophe Colomb devant l’histoire, Paris, 1892; Henry VIGNAUD, Histoire critique de la grande entreprise de Cristophe Colomb, 2 vols, Paris, 1911; Gaetano FERRO, As navegações portuguesas no Atlântico e no Indico, Lisboa, pp.181-183.

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viagens ao golfo da Guiné, para ganhar o alento, a sabedoria e os meios técnicos necessários para definir o plano de traçar o caminho de encontro às terras índicas pelo Ocidente: Cipango (=Japão) era o seu objetivo. Durante os cerca de dez anos que permaneceu em Portugal, Cristóvão Colombo acompanhou de perto as expedições portuguesas, ao longo da costa africana. O fascínio do navegador pelo mar, conquistado no Mediterrâneo como corsário ou comerciante, despertou-lhe o apetite para as navegações atlânticas portuguesas. No momento em que se fixou em Lisboa, toda a atenção e azáfama estava orientada para o desbravamento da extensa costa africana além do Bojador, conhecida como costa da Guiné. Nesta época, era já conhecida e navegável toda a área costeira até ao Cabo de Santa Catarina, alcançado em 1474, no período do contrato de Fernão Gomes. Não obstante este espaço ser vedado à navegação de embarcações que não fossem portuguesas, os estrangeiros poderiam fazê-lo a bordo e ao serviço de embarcações nacionais. Assim havia sucedido, na década de cinquenta, com Cadamosto e Usodimare. Tal como o fizera o seu patrício, Usodimare, Colombo embarcou em caravelas portuguesas que demandavam as costas da Guiné. Facto normal para um experimentado marinheiro genovês que, na praia do Porto Santo ou na Madeira, acompanhava o vai e vem das nossas caravelas. É de salientar que, por muito tempo, a Madeira foi escala obrigatória das embarcações portuguesas que se dirigiam à costa africana. Tal facto derivou de o Funchal ser o único porto seguro, avançado no Atlântico, dispondo de excedentes de cereais e vinho, necessários à dieta de bordo dos marinheiros. A par disso, os madeirenses acalentavam, desde a década de quarenta, a aventura das navegações africanas, tendo-se empenhado nisso as principais famílias da ilha. Por estas razões, é inevitável associar a viagem de Colombo à sua curta estada nas ilhas da Madeira e Porto Santo, onde contactou com a realidade atlântica, adquiriu as necessárias técnicas para se embrenhar na aventura de busca das terras ocidentais. O retorno do navegador à ilha, em 1498, no decurso da terceira viagem, pode e deve ser entendido como o seu reconhecimento aos madeirenses. Aqui teve oportunidade de relatar, aos que com ele haviam acalentado a ideia da existência de terras a Ocidente, o que encontrara de novo. O convívio com as gentes do Porto Santo havia sido prolongado e cordial pois, em junho de 1498, aquando da terceira viagem, não resistiu à tentação de escalar a vila. A sua aproximação foi considerada um mau presságio, pois os portossantenses pensavam estar perante mais uma armada de corsários. Desfeito o equívoco, foi

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recebido pelos naturais da terra, seguindo depois para a Madeira. A 10 de junho de 1498, a chegada do navegador ao Funchal foi saudada apoteoticamente, como nos refere frei Bartolomé de Las Casas, o que provoca, mais uma vez, a familiaridade com estas gentes e a esperança que elas depositavam em tal empresa. O cronista remata, da seguinte forma, o ambiente de festa que o envolveu: “le fué hecho mui buen recibimiento y mucha fiesta por ser alli muy conocido, que fué vecino de ella en algún tiempo”16. Recorde-se ainda que Diogo Colombo, de acordo com o testemunho do irmão, Fernando, e de Frei Bartolomé de las Casas, nasceu no Porto Santo. Depois do casamento em Lisboa com Filipa de Moniz, filha do capitão donatário desta ilha, por volta de 1480, Colombo veio viver para o arquipélago, nascendo o seu primeiro filho, Diogo, na ilha do Porto Santo, em 1482. O testemunho de Bartolomé de las Casas sobre este feito é claro: “asi que fuese a vivir Cristobál Colón a la dicha isla de Puerto Santo, donde engendró al dicho su primogénito heredero, D. Diego Colón,..”. A Historiografia colombina assinala quase sempre esta passagem de Cristóvão Colombo pela Madeira e Porto Santo apenas como um episódio, não atribuindo o significado que merece, dentro da gesta colombina. Por outro lado, na Historiografia espanhola, a figura de Diogo Colombo (1479/80-1526), o 2º Vice-Rei, 2º Almirante e 3º Governador das Índias, o madeirense filho de Colombo e Filipa de Moniz, é quase sempre esquecido17.

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Fray Bartolomé de LAS CASAS,História de las Indias, vol.I,México, 1986, 497.

17 Cf. Arranz Marquez, Luis, 1982, Don Diego Colon, Almirante, Virreyy Gobernador De Las Indias.(T.1), Madrid, CSIC.

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AS ESCALAS E ROTAS OCEÂNICAS. Uma das funções privilegiadas das ilhas, nos últimos quinhentos anos, foi o serviço de escala oceânica, servindo de apoio a todos os que sulcavam o oceano, em distintos sentidos. Primeiro, elas foram escalas de descobrimento e abriram os caminhos para as rotas comerciais e, depois, escalas do percurso de afirmação da Ciência, através das expedições científicas que dominaram os areópagos europeus a partir do século XVIII. Umas e outras entrecruzam-se por diversas vezes e revelam-nos quão importante foi para a Europa o mundo das ilhas. O Atlântico surge, a partir do século XV, como o principal espaço de circulação dos veleiros, pelo que se definiu um intricado liame de rotas de navegação e comércio que ligavam o velho continente às costas africana e americana e as ilhas. Esta multiplicidade de rotas, que resultou da complementaridade económica das áreas insulares e continentais, surge como consequência das formas de aproveitamento económico aí adaptados. Tudo isto se completa com as condições geofísicas do oceano, definidas pelas correntes e ventos que delinearam o traçado das rotas e os rumos das viagens. A mais importante e duradoura de todas as rotas foi, sem dúvida, aquela que ligava as Índias (ocidentais e orientais) ao velho continente. Foi ela que galvanizou o empenho dos monarcas, as populações ribeirinhas e, acima de tudo, os piratas e corsários, sendo expressa por múltiplas escalas apoiadas nas ilhas que polvilhavam as costas ocidentais e orientais do mar: primeiro, as Canárias e, raramente, a Madeira, depois, Cabo Verde, Santa Helena e os Açores. Nos três arquipélagos, definidos como Mediterrâneo Atlântico, a intervenção nas grandes rotas faz-se a partir de algumas ilhas, sendo de referir a Madeira, Gran Canaria, La Palma, La Gomera, Tenerife, Lanzarote e Hierro, Santiago, Flores e Corvo, Terceira e S. Miguel. Para cada arquipélago, afirmou-se uma ilha, servida por um bom porto de mar como o principal eixo de atividade. No mundo insular português, por exemplo, evidenciaram-se, de forma diversa, as ilhas da Madeira, Santiago e Terceira como os principais eixos.

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As rotas portuguesas e castelhanas apresentavam um traçado diferente. Enquanto as primeiras divergiam de Lisboa, as castelhanas partiam de Sevilha, com destino às Antilhas, tendo como pontos importantes do raio de ação, os arquipélagos das Canárias e Açores. Ambos os centros de apoio estavam sob soberania distinta: o primeiro era castelhano desde o século XV, enquanto o segundo era português, o que não facilitou muito o imprescindível apoio. Mas, por um lapso tempo (1585-1642), o território entrou na esfera de domínio castelhano, sem que isso tivesse significado maior segurança para as armadas. Apenas se intensificaram as operações de represália de franceses, ingleses e holandeses. As expedições organizadas pela coroa espanhola, na década de oitenta, com destino à Terceira, tinham uma dupla missão: defender e comboiar as armadas das Índias até porto seguro, em Lisboa ou Sevilha, e ocupar a ilha para aí instalar uma base de apoio e de defesa das rotas oceânicas. A escala açoriana justificavase mais por necessidade de proteção das armadas do que por necessidade de reabastecimento ou reparo das embarcações. Era, à entrada dos mares açorianos, junto da ilha das Flores, que se reuniam os navios das armadas e se procedia ao comboiamento até o porto seguro na península, furtando-os à cobiça dos corsários, que infestavam os mares. Desde o início que a segurança das frotas foi uma das mais evidentes preocupações para a navegação atlântica, pelo que as coroas peninsulares delinearam, em separado, um plano de defesa e apoio. Em Portugal tivemos, primeiro, o regimento para as naus da Índia nos Açores, promulgado em 1520, em que foram estabelecidas normas para impedir que as mercadorias caíssem nas mãos da cobiça do contrabando e corso. A necessidade de garantir com eficácia tal apoio e a defesa das armadas levou a coroa portuguesa a criar, em data anterior 25

a 1527, a Provedoria das Armadas, com sede na cidade de Angra18. A nomeação de Pero Anes do Canto, em 1527, para provedor das armadas da Índia, Brasil e Guiné, marca o início da viragem. Ao provedor, competia a superintendência de toda a defesa, abastecimento e apoio às embarcações em escala ou de passagem pelos mares açorianos. Além disso, estava sob as suas ordens a armada das ilhas, criada expressamente para comboiar, desde as Flores até Lisboa, todas aquelas provenientes do Brasil, Índia e Mina. No período entre 1536 a e 1556, há notícia do envio de pelo menos doze armadas com esta missão. Depois, procurou-se garantir nos portos costeiros do arquipélago um ancoradouro seguro, construindo-se as fortificações necessárias. Esta estrutura de apoio fazia falta aos castelhanos na área considerada crucial para a navegação atlântica e, por isso, por diversas vezes, solicitaram o apoio das autoridades açorianas. Mas a ineficácia ou a necessidade de uma guarda e defesa mais atuantes obrigou-os a reorganizar a carreira, criando o sistema de frotas. Desde 1521, as frotas passaram a usufruir de uma nova estrutura organizativa e defensiva. No começo, foi o sistema de frotas anuais artilhadas ou escoltadas por uma armada. Depois, a partir de 1555, o estabelecimento de duas frotas para o tráfico americano: Nueva Espana e Tierra Firme. O protagonismo do arquipélago açoriano e, em especial, da ilha Terceira é referenciado com frequência por roteiristas e marinheiros que nos deram conta das viagens ou por literatos açorianos que presenciaram a realidade. Todos falam da importância do porto de Angra que, no dizer de Gaspar Frutuoso, era “universal escala do mar do poente”19. A participação do arquipélago madeirense nas grandes rotas oceânicas foi esporádica, justificando-se a ausência, pelo posicionamento marginal, em relação ao traçado ideal. Mas a ilha não ficou alheia ao roteiro atlântico, evidenciandose, em alguns momentos, como escala importante das viagens portuguesas com destino ao Brasil, Golfo da Guiné e Índia. Inúmeras vezes, a escala madeirense foi justificada mais pela necessidade de abastecer as embarcações de vinho para consumo a bordo do que pela falta de água ou víveres frescos. Não nos esqueçamos que o vinho era um elemento fundamental da dieta de bordo, sendo referenciado pelas suas qualidades na luta contra o escorbuto. Acresce ainda que ele tinha a garantia de não se deteriorar com o calor dos trópicos, ganhando, mesmo, um envelhecimento prematuro. Era o chamado vinho da roda, tão popular nos séculos seguintes. Motivo idêntico conduziu à assídua presença dos ingleses, a partir de finais do século dezasseis. A proximidade da Madeira em relação aos portos do litoral peninsular e as condições dos ventos e correntes marítimas foram o principal obstáculo à valorização da ilha no contexto das navegações atlânticas. As Canárias, porque mais bem posicionadas e distribuídas por sete ilhas em latitudes diferentes, estavam em condições de oferecer o adequado serviço de apoio. Todavia, a situação conturbada que aí se viveu, resultado da disputa pela posse entre as coroas peninsulares e a demorada pacificação da população indígena, fizeram com que a Madeira surgisse, no século XV, como um dos principais eixos do domínio e navegação portuguesa no Atlântico. Tal como nos refere Zurara, a ilha foi, desde 1445, o principal porto de escala para as navegações ao longo da costa africana. Mas o maior conhecimento 18

Confronte-se o nosso estudo sobre 1987, O Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI, Funchal, 17-24.

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Livro sexto das Saudades da Terra, Cap.II.

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dos mares, os avanços tecnológicos e náuticos foram retirando ao Funchal a posição charneira nas navegações atlânticas, sendo substituído pelos portos das Canárias ou de Cabo Verde. Já a partir de princípios do século XVI, a Madeira surgirá apenas como um ponto de referência para a navegação atlântica, uma escala ocasional para reparo e aprovisionamento de vinho. Apenas o surto económico da ilha conseguirá atrair as atenções das armadas, de navegantes e aventureiros. Em síntese, as ilhas são as portas de entrada e saída do Atlântico sul e, por isso mesmo, assumiram um papel importante nas rotas atlânticas. Por outro lado, para sulcar longas distâncias rumo ao Brasil, à costa africana ou ao Indico, era necessário dispor de mais portos de escala, pois a viagem era longa e difícil. As áreas comerciais da costa da Guiné e, depois, as índicas, com a ultrapassagem do cabo da Boa Esperança, tornaram indispensável a existência de escalas intermédias. Primeiro Arguim, que serviu de feitoria e escala para a zona da Costa da Guiné, depois, com a revelação de Cabo Verde, foi a ilha de Santiago que se afirmou como a principal escala da rota de ida para os portugueses, substituindo muito bem as Canárias ou a Madeira. Outras mais ilhas foram reveladas e tiveram um lugar proeminente no traçado das rotas. É o caso de S. Tomé para a área de navegação do golfo da Guiné e de Santa Helena para as caravelas da rota do Cabo. A projeção dos arquipélagos de S. Tomé e Cabo Verde sobre os espaços vizinhos da costa africana levou a coroa a criar duas feitorias (Santiago e S. Tomé) com o objetivo de controlar, a partir daí, todas as transações comerciais da costa africana. No Atlântico sul, as principais escalas das rotas do Índico assentavam nos portos das ilhas de Santiago, Santa Helena e Ascensão. Aí, as armadas reabasteciam-se de água, lenha, mantimentos ou procediam a ligeiras reparações. A par disso, relevase, ainda, a de Santa Helena como escala de reagrupamento das frotas vindas da Índia, depois de ultrapassado o cabo, isto é, missão idêntica à dos Açores, no final da travessia oceânica. Esta função da ilha de Santiago com escala do mar oceano foi efémera. A partir da década de trinta do século XVI, as escalas são menos assíduas. O mar era já conhecido e as embarcações de maior calado permitiam viagens mais prolongadas. Apenas os náufragos dos temporais aí apareciam à procura de refúgio. O posicionamento das ilhas no traçado das rotas de comércio e navegação atlântica fez com que as coroas peninsulares dirigissem para aí todo o empenho nas iniciativas de apoio, defesa e controlo do trato comercial. As ilhas foram, assim, bastiões avançados, suportes e símbolos da hegemonia peninsular no Atlântico. A disputa pelas riquezas em circulação tinha lugar em terra ou no mar circunvizinho, pois para aí incidiam os piratas e corsários, ávidos de conseguir ainda que uma magra fatia do tesouro. Uma das maiores preocupações das autoridades terá sido a defesa dos navios. Mas, no caso das ilhas da Guiné isso nunca foi conseguido, tardando, ao contrário do que sucedeu na Madeira, nos Açores e nas Canárias, o delineamento de um sistema defensivo em terra e no mar. Isto explica a extrema vulnerabilidade dos portos, evidente nas inúmeras investidas inglesas e holandesas, na primeira metade do século XVII. O século é marcado por uma mudança total no sistema de rotas do Atlântico. Os progressos no desenvolvimento da máquina a vapor fizeram com que se elaborasse um novo plano de portos de escala, capazes de servirem de apoio à navegação como fornecedores dos produtos em troca e do carvão para a laboração das máquinas. Nos Açores, o porto de Angra cedeu o lugar aos da Horta e Ponta

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Delgada, enquanto em Cabo Verde, a ilha de Santiago foi substituída pela de S. Vicente, lugar que disputava com as Canárias. Entretanto, o Funchal viu reforçada a sua importância, pela dupla oferta, enquanto porto carvoeiro e por causa do vinho da ilha, o que fez atrair inúmeras embarcações inglesas e americanas. A par disso, a posição privilegiada que os ingleses gozavam na ilha levou a que eles se servissem do porto do Funchal como base para as atividades de corso contra os franceses e castelhanos. Esta nova aposta no setor de serviços de apoio à navegação comercial e de passageiros vai depender de uma outra política, a dos portos francos. As ilhas foram, no século XVIII, um centro chave das transformações sóciopolíticas então operadas, de ambos os lados do oceano, fruto da forte presença da comunidade inglesa e o facto de esta a ter transformado num importante centro para a sua afirmação colonial e marítima, a partir do século XVII. Esta vinculação da ilha ao império britânico é bastante evidente no quotidiano e devir histórico madeirenses dos séculos XVIII e XIX20. 20

Desmond GREGORY, The Beneficent Usurpers. A History of the British in Madeira, London, 1988.

28

No decurso do século XVIII, a Madeira firmou a sua vocação atlântica, contribuindo para isso o facto de os ingleses não dispensarem o porto do Funchal e o vinho madeirense na sua estratégia colonial. As diversas atas de navegação (1660, 1665), corroboradas pelos tratados de amizade, de que merece relevo especial o de Methuen (1703)21, foram os meios que abriram o caminho para que a Madeira entrasse na área de influência do mundo inglês22. Aos poucos, esta comunidade ganhou uma posição de respeito na sociedade madeirense que, por vezes, se tornava incomodativa23. A presença e importância da feitoria inglesa, no decurso do século XVIII, é uma realidade insofismável. A comunidade inglesa passou a usufruir na ilha de um estatuto diferenciado que lhe dava a possibilidade de possuir um cemitério próprio, desde 1761. Tiveram também direito a igreja própria, enfermaria, conservatória24 e juiz privativo. A opção, embora colhesse o de surpresa o Governador, parecia ser desejada, pois, em 1898, o governador de S. Miguel, depois de tomar conta do 21

Public Record Office, FO 811/1, cartas dos privilégios da nação britânica com Portugal desde 1401 a 1805.

22

J. H. FISHER, The Methuen a Pombal. O Comércio anglo-português de 1700 a 1770, Lisboa, 1984, p. 29.

23

Em 1754 o Governador Manuel Saldanha Albuquerque lamenta o exclusivo do comércio inglês na ilha (AHU, Madeira e Porto Santo, n1.48-49).

24

Public Record Office, FO 811/1, fls.278, 31 de Janeiro de 1724.

29

sucedido, manifestou o desejo de que o mesmo sucedesse nos Açores, para evitar o perigo dos franceses25. A presença de armadas inglesas no Funchal era constante e o relacionamento com as autoridades locais amistoso, sendo recebidos pelo governador com toda a hospitalidade26. Relevam-se as armadas de 1799 e 1805, compostas, respetivamente por 108 e 112 embarcações27. Para além disto, era assídua a presença de uma esquadra inglesa a patrulhar o mar madeirense, sendo a de 1780 comandada por Jonhstone28. A partir de meados do século XIX, o Funchal especializa-se como porto de escala de navios de passageiros, com especial destaque para os ingleses. Para isso contribuiu a tradicional presença britânica e a afirmação da ilha como estância turística. Daqui resulta que o porto funchalense não viu quebrado o protagonismo na navegação atlântica, antes pelo contrário, recobrou forças e novas funções, face aos novos desafios da navegação oceânica. Já a presente centúria atribui uma dimensão distinta às ilhas. Assim, o jogo de interesses entre o continente europeu e o americano fez com que algumas ilhas se transformassem em peças chave da hegemonia económica. Daqui resultou a evidente disputa entre Alemanha e Inglaterra para conseguir trazê-las à esfera de influência. Note-se que a política dos sanatórios foi o subterfúgio usado pelos alemães para iludir as pretensões expansionistas no Atlântico. Na base disto está o conflito gerado pela questão dos sanatórios na Madeira, que teve como instigador a Inglaterra29. Aqui, mais uma vez, a Inglaterra usufruiu de uma posição favorável ao reivindicar a tradição histórica da aliança30. A perceção da importância das ilhas, na afirmação da hegemonia marítima britânica, levou Thomas Ashe (1813)31 a reivindicar para os Açores a sua transformação num protetorado britânico. Nos anos vinte, os vapores começaram a ceder lugar às “máquinas voadoras” e, paulatinamente, a aviação civil foi conquistando o mercado de transporte de passageiros. Mesmo assim, as ilhas continuaram por muito tempo a manter o papel de apoio às rotas transatlânticas. Nos Açores, tivemos a ilha de Santa Maria, enquanto em Cabo Verde idêntico papel foi atribuído à ilha do Sal, a partir de 193932. Até ao aparecimento e vulgarização da telegrafia sem fios, a estratégia de circulação da informação assentava nas ilhas. A Madeira, a Horta e São Vicente foram, uma vez mais, motivo de disputa e de interesses por ingleses e alemães33. 25

Em 27 de Fevereiro de 1808 o governador madeirense havia-lhe enviado uma carta relatando o sucedido. Confrontese: Arquivo dos Açores, vol.XI, 359-360, 373-379; Francisco d’Atayde de Faria e MAIA, Subsídios para a História de S. Miguel e Terceira. Capitães-generais 1766-1831, 20 edição Ponta Delgada, 1988.

26

Public Record Office, FO 63/7, sabe-se que por ordem de 14 de Junho de 1722 as embarcações com destino às colónias permaneciam alguns dias no Funchal. A 20 de Janeiro de 1786 são 20 barcos em tal situação, coordenada pelo cônsul.

27 AHU, Madeira e Porto Santo, n1.1125, 1620, 22 de Outubro de 1799 e 7 de Outubro de 1805 28

Ibidem, n1.545, 22 de Janeiro de 1780.

29

Gisela Medina Guevara, 1997: As Relações Luso-Alemãs antes da Primeira Guerra Mundial. A Questão da Concessão dos Sanatórios da Ilha da Madeira, Lisboa

30

Cf. António José Telo, 1993, Os Açores e o Controlo do Atlântico, Lisboa.

31

ASHE, T(homas), 1813, History of the Azores on Western Islands; Containing an Account of the Government, Laws and Religion, the Martners, Ceremonies and Character of the Inhabitants and demonstrating the Importance of these Valuable Islands to the British Empire, Ed. Sherwood, Neely, and Jones, Londres.

32

Francis M. Rogers, 1964, Atlantic Islanders of the Azores and Madeiras, Massachusetts, 1979, pp.191-208; R. E. G. Davies, A History of the World´s Airlines, London.

33

Paul Kennedy, 1971, “Imperial Cable Comunications and Strategy, 1870-1914”, in The English Historical Review, vol. LXXXVI; Francis M Rogers, ob.cit., pp.175-190, 209-230; Charles Bright, 1898, Submarine Telegraphs: Their History, Construction and Working, London; K. C. Baghahole, 1970, A Century of Service. A Brief History of Cable and Wireless Ltd 1868-1968, London; K. R. Haigh, 1968, Cableships and Submarine Cables, London; H. H.

30

A ideia do cabo submarino havia sido sugerida em 1795 pelo catalão Salvat numa comunicação sobre o uso da corrente elétrica para transmissão à distância, apresentada à Academia de Ciências de Barcelona. Três anos mais tarde era lançado em Madrid o primeiro circuito com 44 km, mas só a partir da década de quarenta da centúria seguinte este meio ganhou novo incremento. Para isso terá contribuído o facto de o português José de Almeida ter trazido da Malásia para a Europa a gutta-percha, apresentada em 1843 na Royal Asiatic Society de Londres. Este produto passou a ser utilizado como isolador dos cabos submarinos a partir de 1845. O período que se sucede foi marcado por múltiplos lançamentos de cabos e pela criação de companhias para a sua exploração. Em 1856 surge a Atlantic Telegraph Company e em 1783 a Brazilian Submarine Telegraph Co. A última foi responsável pelo lançamento e exploração de um circuito entre Portugal e o Brasil com passagem pelo Funchal e S. Vicente (Cabo Verde). A imersão do cabo começou a 28 de Agosto de 1873, sendo executada pelo vapor inglês Seins. A 19 de Março de 1874 estava concluída a ligação com o Funchal, estabelecendo-se de imediato a prestação do serviço público. A ligação entre a Madeira e S. Vicente foi realizada pelo vapor Hibernia, ficando concluído em 11 de Março de 1874, altura em que foram trocados telegramas entre a Câmara de S. Vicente e a congénere no Funchal. Em Janeiro de 1876 rebentou o cabo no percurso de Lisboa ao Funchal, o que levou a companhia a propor o lançamento de outro, concretizado em 1882, mas com o dobro dos circuitos. A partir de 1889 a companhia de exploração do cabo passou a chamar-se Westem Telegraph e foi ela a responsável pelo lançamento de outro em 1901 Entretanto em 1947 foi estabelecido um novo cabo entre Gibraltar e o Funchal e, finalmente, em 1972 era inaugurada uma nova geração de cabos por iniciativa da Marconi. A companhia inglesa do cabo submarino havia encerrado oficialmente as instalações a 31 de Dezembro de 1970. Schenck(org.), 1975, The World’s Submarine Telephone Cable Systems, Washington DC.

A 22 de agosto de 1874 saiu de Lisboa o vapor inglês Seine a proceder ao lançamento do primeiro cabo submarino que amarrou no Funchal em Setembro do mesmo ano.

31

2. DA MADEIRA PARA O MUNDO. HOMENS, INSTITUIÇÕES E TÉCNICAS. “A irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se estremou em termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus homens... Concorreram para transformar rápida e solidamente em nova Lusitânia” [Freire, Gilberto, Aventura e Rotina, 2ªed., pp 440-446, 448449]34 Madeirenses foram os primeiros colonizadores, não só da terra vicentina como também das imensas regiões do sul do país, onde actualmente se localizam os territórios do Paraná, Santa Catarina. Rio Grande do Sul e do Nordeste brasileiro. Enzo Silveira, 1956, A Ilha da Madeira nos Destinos do Brasil e de Portugal, Funchal, p.7

A projeção na Madeira no novo Mundo, a partir de meados do século XV, apresenta-se de diversas formas, dando conta de um inusitado protagonismo, raramente valorizado pela historiografia que insiste em considerá-la apenas um episódio deste processo. Aqui foram estabelecidas formas de organização da sociedade e instituições que depois chegaram aos demais espaços. Aqui se ensaiaram culturas e técnicas que acompanharam os madeirenses na diáspora atlântica.

34

Este testemunho resulta da visita que fez ao Funchal em Fevereiro de 1952 em que afirmava: Deixo a Madeira mais entusiasta do que nunca da paisagem, do vinho, do valor desta ilha. Desejo que se reavivem seus contactos com o Brasil.

32

A MADEIRA COMO MODELO E REFERÊNCIA INSTITUCIONAL DO ESPAÇO ATLÂNTICO. A fronteira da ilha projeta-se além Atlântico, pois toda esta experiência institucional, social e económica foi, depois, utilizada, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O arquipélago foi o centro de divergência dos sustentáculos da nova sociedade e economia do mundo atlântico: primeiro, os Açores, depois, os demais arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram. Idêntica função preencheu as Canárias, fronteira europeia do império espanhol, em relação ao mundo colonial rival35. Em termos administrativos, tivemos os ensaios de novas práticas administrativas, não distantes daquelas que se estabelecem para as terras de reconquista na Península. Afinal, funcionamos como fonteira da Europa, como terra franca. O sistema institucional madeirense apresentava uma estrutura peculiar definida pelas capitanias, de amplas liberdades e isenções que funcionavam como atrativos para o povoamento, assim como para a sua afirmação. O sistema institucional madeirense apresentava uma estrutura definida pelas capitanias. Foi a 8 de maio de 1440 que o Infante D. Henrique lançou a base da nova estrutura, ao conceder a Tristão Vaz a carta de capitão de Machico. Ficou, então, definido o sistema institucional que deu corpo ao governo português no Atlântico insular e brasileiro. O mais significativo desta estrutura institucional resulta do facto de a Madeira ter servido de modelo referencial para o delineamento do espaço atlântico. O monarca insistia, nas cartas de doação de capitanias posteriores, na fidelidade ao sistema traçado para a Madeira. Assim o comprovam idênticas cartas concedidas aos novos capitães das ilhas dos Açores e Cabo Verde, o mesmo acontecendo com a demais estrutura institucional que chegou também a S. Tomé 35

Cf. José Pérez Vidal, 1991, Aportación de Canárias a la Población de América, Las Palmas de Gran Canária.

33

e Brasil. A primeira referência a esta situação surge em 2 de março de 1450, na carta de doação da capitania da ilha Terceira, a Jacome de Bruges. Nesta, o infante D. Henrique refere que quanto à jurisdição e direitos se faça ”assim como nas ditas ilhas da Madeira e Porto Santo (...)”. Em 1462, na carta de doação a João Vogado das ilhas Capraria e Lovo, D. Afonso V ordenava que os povoadores “tenham todos os privilégios, liberdades, franquias (...) concedidos e outorgados aos vizinhos e moradores da ilha da Madeira (...) fazendo certo dos privilégios da dita ilha da Madeira por publica escritura ”. Na carta de doação de 17 de fevereiro de 1474 a Antão Martins, a fundamentação era a mesma: “tenha a capitania e governo da dita ilha, como o tem por mim João Gonçalves Zargo na ilha da Madeira na parte do Funchal e Tristão na parte de Machico e Perestrelo no Porto Santo meus cavaleiros ”. O modelo foi seguido para as demais ilhas, chegando, a 16 de fevereiro de 1504, à ilha que ficaria para a História como Fernão de Noronha. Depois, seguiram-se as chamadas capitanias hereditárias da faixa atlântica e interior36. Em finais do século XV, o monarca, ao conceder o foral do almoxarifado da ilha Terceira, recomendava ao almoxarife, Fernão Vaz (1488-1499) o seguinte: “ Primeiramente levareis o foral da minha ilha da Madeira e por ele arrecadareis muito bem todos meus direitos na dita ilha,(...) porque a povoação de todas as minhas lhas foi depois de se começar a povoar a dita ilha da Madeira e aqueles mesmos privilégios hão-de ser em aquelas mesmas.” Terá sido no seguimento destas recomendações da coroa que, em 30 de julho de 1526, o contador das ilhas dos Açores recebeu uma cópia do foral das alfândegas da Madeira de 4 de outubro de 1499 e, em 18 de agosto de 1558, o escrivão da fazenda de Ponta Delgada, Cristóvão Cordeiro, recebeu, a seu pedido, o foral novo da capitania do Funchal . Os castelhanos viram na ilha a resposta para as dificuldades da sua ação institucional nas pequenas ilhas do Atlântico, como se depreende do desejo manifestado em 1518, pelas autoridades das Antilhas, em resolver a difícil situação 36

Sobre as capitanias do Brasil, veja-se : ALMEIRA PRADO, João Fernando de, 1939. Pernambuco e as capitanias do norte do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional; ALMEIRA PRADO, João Fernando de, 1945. A Bahia e as capitanias do centro do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional; ALMEIRA PRADO, João Fernando de, 1961. São Vicente e as capitanias do sul do Brasil. São Paulo: Nacional; BEVILAQUA, Clovis, 1915, “As Capitanias Hereditárias perante o Tratado de Tordesillas”, in Revista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, RJ, Imprensa Nacional, Tomo Especial, Parte II, pp. 6 a 26; BUENO, Eduardo, 1999. Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores. Rio de Janeiro: Objetiva; CALIXTO, Benedito de Jesus, 1924. Capitanias paulistas: São Vicente, Itanhaém e São Paulo. São Paulo, Rossetti; DEUS, Freí Gaspar da Madre de, 1975, Memórias para a História da Capitania de Síio Vicente, BH, Itatiaia; SP, Editora da USP; DIAS. Manuel Nunes, 1979, Natureza e estatuto da Capitania do Brasil, Lisboa: Junta de Investigações Científicas do Ultramar; Dias, C. M. (1924). O regimen feudal das donatárias anteriormente à instituição do governo geral. In Dias, C. M., editor, História Da Colonizaçãao Portuguesa No Brasil, pp 217–283. Litografia Nacional, Porto; DUARTE JUNIOR, Leovigildo, 2003, Sesmeiros e posseiros na formação historica e economica da Capitania de São Vicente, depois chamada São Paulo: das suas origens ao seculo XVIII; Dissertação de Mestrado, Campinas, Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. Disponivel em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000307077&fd=y; DUSSEN, Adrien van der, 1947. Relatório sobre as capitanias conquistadas no Brasil pelos holandeses. Rio de Janeiro: IAA; FERREIRA, Waldemar Martins, 1962, As Capitanías Coloniais de Juro e Herdade, SP, Edição Saraiva; JARDIM, Caio, 1939. A capitania de São Paulo sob governo do Morgado de Mateus (1765-75). São Paulo: Departamento de Cultura; KAHN, Siegmund Ulrich, 1972. As capitanias hereditárias, o governo geral, o Estado do Brasil. In: Revista Ciência Politica, v. 6, n. 2, p. 53-114, abr./jun; LACOMBE, Américo Jacobina, 1978. Capitanias hereditárias. Coimbra: Universidade de Coimbra; LEME, PedroTaques de Almeida Pais, 1955, História da Capitania de São Vicente. Disponivel online: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000043.pdf . MOTA, Jorge Cesar, 1973. “Achegas a velha questão do” feudalismo” das capitanias.” Anais de História. 5: 208-216; SALDANHA, António Vasconcelos, 2001. As capitanias do Brasil: antecedentes, desenvolvimento e extinção de um fenômeno atlântico. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; STUDART FILHO, Carlos, 1937. Notas para a História das Fortificações no Ceará (Separata do Boletim do Museu Histórico do Ceará). Fortaleza: Ramos & Pouchain; STUDART FILHO, Carlos, 1960. O antigo Estado do Maranhão e suas capitanias feudais. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará.; THOMAZ, Luis Filipe dos Reis, 1989, Estruturas quasi feudais na expansão portuguesa, in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, Vol. I, Funchal, Governo Regional da Madeira.

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das ilhas de Curaçau, Aruba e La Margarita, com o recurso ao modelo madeirense de povoamento. Isto prova, mais uma vez, a presença da Madeira como modelo da expansão europeia e demonstra o interesse que ela assumiu para a Europa. A Madeira era, assim, a referência institucional e, em caso de dúvida e omissão, a resposta vinha célere a recomendar-se seguir o padrão madeirense. Assim, ao provedor da Fazenda na Baía, Pedro de Goes, D. João III determina o treslado dos regimentos da Madeira “da maneira que de dever ser feita e como ó é o provedor da minha fazenda na ilha da Madeira ”37. João , de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, resumia, em 1532,38 de uma forma perspicaz, o protagonismo madeirense, na abertura de novas fronteiras no espaço atlântico: “...porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de são Miguel, e meu tio a de são Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que vê...”... A família era portadora de uma longa e vasta experiência. Isso dava-lhe o alento necessário e abria-lhe perspetivas para a sua iniciativa no Brasil. Reclamava à coroa o protagonismo do ancestral Rui Gonçalves da Câmara que, desde 1474, fora responsável pelo arranque definitivo do povoamento da ilha de S. Miguel. Também se assinala a projeção do modelo sesmarial, como forma de apropriação da terra nestes espaços de fronteira, prática comum à metrópole, ilhas e Brasil39. A forma da lei fernandina de 26 de julho de 1375 ganhou forma e adaptações à realidade insular, assim como à extensão do território brasileiro40. As sesmarias foram uma forma de ordenamento territorial e de intervenção da coroa no sector económico, impondo obrigatoriedades para o cultivo de terras, assim como os produtos adequados ao seu aproveitamento. A par disso, não podemos esquecer o quão importante foi este instrumento, como mecanismo geopolítico de afirmação da soberania e de expansão das fronteiras do império.

37

GOUVEIA, David, 1987, A Manufactura Açúcareira madeirense (1420-1580), Atlântico, 10, p.131.

38

História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. III, p.90; cf. Vera Jane GILBERT,1978, “Os Primeiros Engenhos de Açúcar” in Sacharum, nº.3, São Paulo, pp. 5-12. Na mesma linha temos um texto de David f. Gouveia[1987, A manufactura açucareira madeirense(1420-1550, Atlantico, 10, p.127]: Zargo povoa a Madeira, um filho S. Miguel, um neto S. Tomé e um bisneto, embora sem êxito, tenta o mesmo com o Brasil. Uma dinastia de colonizadores com raizes e tirocínio inicial madeirense.

39

Cf. Rau, Virgínia, 1982, Sesmarias Medievais Portuguesas, Lisboa, Editorial Presença.

40

ABREU, Daísy Bizzocchi de Lacerda , 1983, A Terra e a Lei - Estudos de Componamentos Sócio-Económicos em Siio Paulo nos Séculas XVI e XVII, co-edição Secretaria de Estado da Cultura, Comissiio de Geografia e História, Roswitha Kempf Editores; ABREU, Maurício de Almeida, 1007, “A apropriaçãoo do Território no Brasil Colonial”, Iná Elias de Castro ( et al.), Exploraçõees Geográficas - Percursos no fim do Século, RJ, Bertrand Brasil, pp.197 a 245.; FRIDMAN, Fania, 1999, Os Donos do Rio em nome do Rei- Uma história fundiária da cidade do Río de Janeiro, Rio de Janeiro: Garamond/Jorge Zahar Editor; LIMA, Ruy Cirne, 1954, Pequena História Territorial do Brasil - Sesmarias e Terras Devolutas, Porto Alegre, Ed. Sulina; NOZOE, Nelson, 2006, Sesmarias e Apossamento de Terras no Brasil Colónia, EconomiA, Brasília(DF), v.7, n.3, p.587–605, set/dez; PORTO, José Costa, sd, O Sistema Sesmarial no Brasil, Brasilia, Editora Universidade de Brasilia; RODRIGUES, José Honório, 1946, “A concessao de terras no Brasil”, Digesto Económico,São Paulo, 2, 24:40-4; SILVA, Lígia Maria Osório, 1996, Terras Devolutas e Latifúndio - Efeitos da lei de 1850,Campinas,SP, Editora da Unicamp; SILVA, Lígia Maria Osório, 2001, A Fronteira e outros Mitos. Campinas, SP, Instituto de Economía, Unicamp, Tese de Livre Docencia; SOBRINHO, Barbosa Lima, 1946, “Sesmeiros e Povoadores”, in O Devassamento do Piauí, ;VIANNA, Hélio, 1962, “As Sesmarias no Brasil”, apresentado no II Simpósio dos Professóres Universitários de História, APUH, Curitiba, 1962, pp. 247 a 274.

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CANAVIAIS / ENGENHOS - ESTRUTURA SOCIAL E ECONÓMICA. As fronteiras do novo espaço atlântico vão redefinindo novas formas de organização da sociedade e o reajustamento das estruturas sociais aos mecanismos gerados por distintas culturas que assumiram, aí, um papel económico fundamental. A civilização atlântica do açúcar é construída a partir da disponibilidade da mão-deobra africana, marcando, assim, uma fronteira entre a organização do processo produtivo em relação à Europa. Desta forma, a Madeira foi a fronteira da grande transformação social que conduziu à afirmação da escravatura no espaço atlântico. De acordo com S. Greenfield,41 a ilha foi o trampolim entre o “Mediterranean Sugar Production” e a “Plantation Slavery” americana. O autor não faz mais do que retomar os argumentos aduzidos por Charles Verlinden,42 desde a década de sessenta, que 41

“Madeira and the Beginings of New World Sugar Cane Cultivation and Plantation Slavery: a Study in Constitution Building”, in Vera RUBIN e Artur TUNDEN(eds.), 1977, Comparative Perspectives on Slavery in New World Plantation Societies, N. York.

42

1949, «Précédents et Paralèlles Europeéns de l’Esclavage Colonial», in Instituto, vol.113, Coimbra; 1953, «Les Origines Coloniales de la Civilization Atlantique. Antécédents et Types de Structure», in Journal of World History, pp. 378-398; Précédents Médiévaux de la Colonie en Amérique, México, 1954; 1966, Les Origines de la Civilization Atlantique, Nêuchatel.

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mereceram alguns reparos na formulação, mercê de novos estudos então realizados43. Perante tudo isto, podemos afirmar que a Madeira, por ter sido o primeiro espaço atlântico a merecer uma ocupação efetiva europeia, com sucesso, foi fronteira do espaço atlântico e que se projetou para além de si própria, na construção de novas fronteiras do mundo ocidental, em termos sociais, económicos e políticos, que permitiram a plena afirmação da escravatura e do mercado açucareiro.

CANAVIAIS E AÇÚCAR. A cana-de-açúcar poderá ser considerada como uma das culturas agrícolas mais importantes da História da Humanidade. Provocou o maior fenómeno em termos de mobilidade humana, económica, comercial e ecológica. A afirmação agrícola é milenar e abrange vários quadrantes do planeta. É, de entre todas as plantas domesticadas pelo Homem, aquela que lhe acarretou maior número de exigências: quase que o escraviza, esgota o solo, devora a floresta e dessedenta os cursos de água. A exploração intensiva desde o século XV gerou grandes exigências, em termos de mão-deobra, sendo responsável pelo maior fenómeno migratório à escala mundial que teve por palco o Atlântico: a escravatura de milhões de africanos. Ligado a tudo isso está, ainda, também um conjunto variado de manifestações culturais que vão desde a literatura, à música e à dança. Nenhuma outra cultura teve tanto impacto. Foi o Oriente que descobriu a doçura da planta, tendo a Papua Nova Guiné como Berço. Os árabes fizeram-no chegar ao ocidente e foram os principais arautos da sua expansão. Genoveses e venezianos encarregaram-se do seu comércio na Europa. Foi nas ilhas que encontrou um dos principais viveiros de afirmação e divulgação: Creta e Sicília, no Mediterrâneo, Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde e S. Tomé, no Atlântico Oriental, Puerto Rico, Cuba, Jamaica, Demerara. A realidade sócio-económica que serve de suporte ao açúcar diferencia-se no percurso da cultura do Pacífico/Índico para o Mediterrâneo/Atlântico. Assim, no primeiro caso não assume a posição dominante na economia, primando pelo caráter secundário, enquanto, no segundo, é patente o efeito dominador na economia e sociedade/associação ao escravo, que começa no Mediterrâneo e se reforça no Atlântico. A tradição historiográfica anota que as primeiras socas de cana saíram de La Gomera para o novo mundo americano. Todavia, a cultura encontrava-se aí nesse 43

Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, “La Esclavitud en Andalucia...”, in Studia, nº.47, Lisboa, 1989, pp.165-166; Alberto VIEIRA, Os Escravos no Arquipélago da Madeira. Séculos XV a XVII, Funchal, 1991.

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momento, em expansão, enquanto na Madeira estava já consolidada. Note-se que ainda estão por descobrir as razões que conduziram Colombo, no decurso da Terceira viagem, a fazer um desvio na sua rota para escalar o Funchal. Na verdade, a Madeira foi a primeira área do Atlântico onde se cultivou a cana-de-açúcar que, depois, partiu à conquista das ilhas (Açores, Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Antilhas) e do continente americano. Por isso mesmo, o conhecimento do caso madeirense assume primordial importância, no contexto da história e da geografia açucareira dos séculos XV a XVII. O açúcar da Madeira ganhou fama ao nível do mercado europeu. A sua qualidade diferenciava-o dos demais e fê-lo manter-se como o preferido de muitos consumidores europeus. Deste modo, o aparecimento de açúcar de outras ilhas ou do Novo Mundo veio a gerar uma concorrência desenfreada ganha por aquele que estivesse em condições de ser oferecido ao melhor preço. Francisco Pyrard de Laval testemunha-o: “ Não se fale em França senão no açúcar da Madeira e da ilha de S. Tomé, mas este é uma bagatela em comparação do Brasil, porque na ilha da Madeira não há mais de sete ou oito engenhos a fazer açúcar e quatro ou cinco na de S. Tomé ”44. E refere que, no Brasil, laboravam 400 engenhos que rendiam mais de cem mil arrobas que, segundo o mesmo, eram vendidas como sendo da Madeira. O madeirense está indissociavelmente ligado ao novo mercado produtor de açúcar. Na verdade, a Madeira foi o ponto de partida do açúcar para o Novo Mundo. O solo madeirense confirmou as possibilidades de rentabilização da cultura, através de uma exploração intensiva e de abertura de novo mercado para o açúcar. É a partir da Madeira que se produz açúcar em larga escala, o que veio a condicionar os preços de venda, de forma evidente nos finais do século XV. Também o íncola foi capaz de agarrar esta opção, tornando-se no obreiro da sua difusão no mundo Atlântico. De acordo, com a A tradição, terá sido a partir da Madeira que o açúcar chegou aos mais diversos recantos do espaço atlântico e os técnicos madeirenses terão sido responsáveis pela sua implantação. O primeiro exemplo está documentado com Rui Gonçalves da Câmara quando, em 1472, comprou a capitania da ilha de S. Miguel. Na expedição de tomada posse da capitania, fezse acompanhar de socas de cana da Lombada que, entretanto, vendera a João Esmeraldo, e dos operários para a tornar produtiva. A estes seguiram-se outros que corporizaram diversas tentativas frustradas para fazer vingar a cana-de-açúcar nas ilhas de S. Miguel, Santa Maria e Terceira45. Em sentido contrário, avançou o açúcar, em 1483, quando o Governador D. Pedro de Vera quis tornar produtiva a terra conquistada nas Canárias. De novo, é a Madeira que disponibiliza as socas de cana para que aí surjam os canaviais. Todavia, o mais significativo é a forte presença portuguesa, no processo de conquista e adequação do novo espaço à economia de mercado. Os portugueses, em especial o povo Madeirense, aparecem, com frequência nestas ilhas, ligandose ao processo de arroteamento das terras, como colonos que as recebem na condição de trabalhadores especializados a soldada, ou de operários especializados que constroem os engenhos e os colocam em movimento. No caso de La Palma, 44

Viagem de Francisco Pyrard de Laval, Vol. I, Porto, 1944, p. 228.

45

Gaspar FRUTUOSO, Livro Quarto das Saudades da Terra, Vol. II, pp. 59, 209-212; V. M. GODINHO, ob. cit., Vol. IV, F. Carreiro da COSTA, “A cultura da cana-de-açúcar nos Açores. Algumas notas para a sua História” in Boletim da Comissão Reguladora do Comércio de cereais dos Açores, nº 10, 1949, 15-31.

38

refere-se um Leonel Rodrigues, mestre de engenho que ganhou esse estatuto em 12 anos de trabalho na Madeira46. É de referir também idêntico papel para as ilhas Canárias, na projeção da cultura às colónias castelhanas do novo mundo. Assim, em 1519, Carlos V recomendou ao Governador Lope de Sousa que facilitasse a ida de mestres e oficiais de engenho para as Índias47. O avanço do açúcar para sul, ao encontro do habitat que veio gerar o boom da produção, deu-se nos anos imediatos ao descobrimento das ilhas de Cabo Verde e S. Tomé. Todavia, só na última, pela disponibilidade de água e madeiras, os canaviais encontraram condições para a sua expansão. Deste modo, em 1485, a coroa recomendava a João de Paiva que procedesse à plantação de cana do açúcar. Para o fabrico do açúcar, refere-se a presença de “muitos mestres da ilha da Madeira”48. É, aliás, aqui, que se pode definir o prelúdio da estrutura açucareira que terá expressão do outro lado do Atlântico. A partir do século XVI, a concorrência das Canárias e S. Tomé aperta o cerco do açúcar madeirense, o que provocou a natural reação dos agricultores madeirenses. Deste modo, sucedem-se as queixas junto da coroa, de que ficou testemunho em 152749. Em vereação, reuniram-se os lavradores de cana para reclamar, junto da coroa, contra o prejuízo que lhes causava o progressivo desenvolvimento desta cultura em S. Tomé. A resposta do rei, no ano seguinte50, remete para uma análise dos interesses em jogo e só depois, no prazo de um ano, seria tomada uma decisão, que parece nunca ter vindo. A exploração fazia-se diretamente pela coroa e, só a partir de 1529, surgem os particulares interessados nisso. Enquanto isto se passava, do outro lado do Atlântico, davam-se os primeiros passos no arroteamento das terras brasileiras. E, mais uma vez, é notada a presença dos canaviais e dos madeirenses, como os seus obreiros. A coroa insistiu junto destes, no sentido de criarem as infra estruturas necessárias ao incremento da cultura. Aliás, o primeiro engenho aí erguido por iniciativa da coroa, contou com a participação dos madeirenses. Em 1515, a coroa solicitava os bons ofícios de alguém que pudesse erguer no Brasil o primeiro engenho, enquanto, em 1555 foi construído por João Velosa, apontado por muitos como madeirense, um engenho a expensas da fazenda real51. Esta aposta da coroa na rentabilização do solo brasileiro através dos canaviais levou-a a condicionar a força de mão-de-obra especializada, que então se fazia na Madeira. Assim, em 1537, os carpinteiros de engenho da ilha estão proibidos de ir à terra dos mouros52. 46

Conquista de la Isla de Gran Canaria, La Laguna, 1933, p. 40;José PÉREZ VIDAL, Los Portugueses en Canarias. Portuguesismos, Las Palmas, 1991; Felipe FERNANDEZ-ARMESTO, ob. cit., 14-19;Pedro MARTINEZ GALINDO, Protocolos de Rodrigo Fernandez (1520-1526). Primera parte, La Laguna, 1982, pp. 67, 84-90; Guilhermo CAMACHO Y PÉREZ GALDOS, “El cultivo de la cana de azúcar y la industria azucarera en Gran Canaria (1510-1535) in AEA, nº 7, 1961, 35-38; Maria LUISA FABRELLAS, “La producción de azúcar en Tenerife” in Revista de História, nº 100, 1952, 454/475Gloria DIAZ PADILLA, e José Miguel RODRIGUEZ YANES, El Señorio en Las Canarias Occidentales..., Santa Cruz de Tenerife, 1990, p. 316.

47

CF. José PEREZ VIDAL, “Canárias, el azúcar, los dulces y las conservas”, in II Jornadas de Estudios CanariosAmerica, Santa Cruz de Tenerife, 1981, p. 176-179.

48

Isabel Castro Henriques, O Ciclo do açúcar em S. Tomé nos séculos XV e XVI, in Albuquerque, Luís de (dir.), Portugal no Mundo, Lisboa, sd, vol. I, pp.264-28o

49

ARM, CMF, Vereações 1527, fl. 23vº, 26 de Março.

50

ARM, D. A., nº 66: 8 de Fevereiro 1528.

51

Cf. Basílio de Magalhães, O Açúcar nos Primórdios do Brasil Colonial, Rio de Janeiro, 1953; David Ferreira de Gouveia, A Manufactura Açucareira Madeirense(1420-1550). Influência Madeirense na Expansão e Transmissão da Tecnologia Açucareira, in Atlântico, Funchal, 1987, nº.10; Maria Licínia Fernandes dos Santos, Os Madeirenses na Colonização do Brasil, Funchal, 1999, pp.46-60.

52

Alberto LAMEGO, “onde foi iniciado no Brasil a lavoura canavieira, onde foi levantado o primeiro engenho de

39

Este movimento de migração de mão-de-obra especializada do engenho acentuou-se, na segunda metade do século XVI, por força das dificuldades da cultura em solo madeirense. O Brasil, nomeadamente Pernambuco, continuará a ser a terra de promissão para muitos. Em 157953 refere-se que Manuel Luís, mestre de açúcar, que exercera o ofício na ilha, estava agora em Pernambuco. Muitos destes - é caso de Francisco Álvares e João Roiz54 - mantêm contactos com a ilha, nomeadamente quanto ao comércio de açúcar. Acontece que este movimento de operários especializados era controlado pelas autoridades, no sentido de evitar a concorrência de outras áreas como o Brasil. Sucede que, em 1647,55 Richarte Piqueforte vendera um escravo, “oficial de asucares”, a um mercador francês que o pretendia conduzir a S. Cristóvão. A coroa entendia que a saída não deveria ser autorizada e que o escravo deveria ser adquirido e embarcado para o Rio de Janeiro, às ordens do Provedor da Fazenda, para aí ser vendido. Com tais condicionantes e, colocados perante o paulatino decréscimo da produção açucareira na ilha, muitos madeirenses foram forçados a seguir ao encontro dos canaviais brasileiros. Deste modo, em Pernambuco e na Baia, entre os oficiais e proprietários de engenho, pressente-se a presença madeirense. É de salientar que alguns destes madeirenses se tornaram importantes proprietários de engenho, como foi o caso de Mem de Sá, João Fernandes Vieira, o libertador de Pernambuco. É a partir daqui que se estabelece um vínculo com a Madeira, continuado através do trato ilegal de açúcar para o Funchal ou então para o mercado europeu, com a designação da Madeira. Este movimento seguia as ancestrais ligações entre os que do outro lado do Atlântico viam florescer a cultura e aqueles que, na ilha, ficavam sem os seus benefícios. Veja-se, por exemplo, o caso de Cristóvão Roiz de Câmara de Lobos que, em 1599, declara ter crédito em três mestres de açúcar de Pernambuco em cerca de cem mil réis de uma companhia que tivera com Francisco Roiz e Francisco Gonçalves56. Os dados, embora avulsos, evidenciam a presença dos madeirenses em todas as capitanias aonde chegou o açúcar. São eles, purgadores, carpinteiros, mestres, mas também senhores de engenhos57. Muitos arrastaram consigo a família, de modo que algumas se notabilizaram. É o caso dos LEME, flamengos que fizeram da Madeira trampolim para a sua afirmação no Brasil58. Assim, vamos encontrar madeirenses como proprietários de engenho, mestres de açúcar e carpinteiros de engenho em Pernambuco, Paraíba do Sul, Baia, Paraiba, Itamaracá, S. Vicente (Baía de Santos). Perante esta situação do mercado açucareiro atlântico e a melhor capacidade concorrencial doutras áreas, o açúcar insular estava irremediavelmente perdido. açúcar” in B. Açúcar, nº 32, 1948, pp. 165-168; Arquivo Geral da Alfândega de Lisboa, livro 54, fl. 41; Documentos para a História do Açúcar, ed. I, A. A. Vol I, Rio de Janeiro, 1954, pp. 121-123, 5 de Outubro 1555; ARM, RGCMF, T. I, fl. 372vº. 53

ARM, Misericórdia do Funchal, nº.711, fls.114-115: 7 de Março.

54

ARM, JRC, fls. 391-396: 11 de Setembro de 1599.

55

ANTT. PJRFF, nº.980, fls. 182-183: 3 de Setembro.

56

Em 1579 (ARM, Misericórdia do Funchal, nº 711, fls. 114-115) Gonçalo Ribeiro refere ser devedor a Manuel Luís mestre de açúcar, “que agora está em Pernambuco”. José António Gonsalves de MELLO, João Fernandes Vieira. Mestre de Campo do terço da infantaria de Pernambuco, Vol. II, Recife, 1956, pp. 201-267. ARM, J.R.C., fls. 391-396: Testamento de 11 de Setembro de 1599.

57

Cf. David Ferreira de Gouveia, ibidem, p.127.

58

Cf. John G. Everaert, Les Lem, Alias Leme Une Dynastie Marchande d’ origine Flamande au Service de l´Éxpansion Portugaise, in Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1992, pp.817-838.

40

Os canaviais foram desaparecendo paulatinamente das terras, dando lugar aos vinhedos. Apenas a conjuntura da segunda metade do século dezanove permitiu o seu retorno. Mas foram efémeras as tentativas para a produção de açúcar e, mesmo assim, só possível mediante uma política protecionista. Os canaviais perderam a sua função de produtores do açúcar, o ouro branco dos insulares mas, em contrapartida, favoreceram uma produção alternativa de mel e aguardente. Hoje, já não se fala do ouro branco das ilhas, mas sim do rum ou aguardente e mel, os herdeiros da cultura na Madeira e nas Canárias. O processo de expansão europeia não se ficou apenas pelo processo de descobrimento de novos mundos, da abertura de novos mercados e do encontro de novas gentes e produtos. A história Tecnológica evidencia que a expansão europeia condicionou também a divulgação de técnicas e permitiu a invenção de outras que revolucionaram a economia mundial. Os homens que circulam no espaço atlântico e, de forma especial os colonos, são portadores de uma cultura tecnológica que divulgam nos quatro cantos e procuram adaptar às condições de cada espaço de povoamento agrícola. À agricultura prende-se um indispensável suporte tecnológico que auxilia o homem no processo. Assumem particular significado as culturas do vinho e da cana sacarina. Ambas acompanham o processo de expansão atlântica e impõem-se no mercado europeu. A dominância e a sua incessante procura condicionaram, ao longo dos séculos, o progresso tecnológico, mais evidente quanto ao fabrico do açúcar. A moenda e o consequente processo de transformação da guarapa em açúcar, mel, álcool ou aguardente projetaram as áreas produtoras de canaviais para a linha da frente das inovações técnicas, no sentido de corresponderem às cada vez maiores exigências. A madeira e o metal foram a matéria-prima que deram forma à capacidade inventiva dos senhores de canaviais e engenhos. Na moenda da cana, utilizaram-se vários meios técnicos comuns ao mundo mediterrânico. A disponibilidade de recursos hídricos conduziu à generalização do engenho de água. Na Madeira, o primeiro engenho particular de que temos conhecimento foi o de Diogo de Teive, em 1452. E terá sido o primeiro engenho a juntarse ao lagar do infante. O infante, donatário da ilha, detinha o exclusivo destas infraestruturas e quem quisesse segui-lo deveria ter autorização sua. A estrutura resultou apenas nas áreas onde era possível dispor da força motriz da água; nos outros casos, fez-se uso da força animal ou humana. Os últimos eram conhecidos como trapiches ou almanjaras. O infante D. Fernando, em 1468, refere-se a estas estruturas, diferenciando os engenhos de água, alçapremas e trapiches de besta. Até à generalização dos engenhos de cilindros horizontais, no século XVII, a infraestrutura para espremer as canas era composta do engenho ou trapiche e da alçaprema. Não conhecemos qualquer dado que permita esclarecer os aspetos técnicos de engenho59. Apenas se sabe, segundo Giulio Landi, que, na década de trinta do século XVI, funcionava um com o sistema semelhante ao usado no fabrico de azeite: “Os lugares onde com enorme actividade e habilidade se fabrica o açúcar estão em grandes herdades, e o processo é o seguinte: primeiramente, depois que as canas cortadas foram levadas para os lugares acima referidos, põem-nos 59

Sobre a história dp engenho e a discussão das inovações tecnológicas o estudo mais importante foi publicado por John e Cristian DANIELS, The origin of rhe sugar cane roller mill , Technology and Culture, vol. 29, nº. 3, 1988, pp.493_535.

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debaixo de uma mó movida a água, a qual triturando e esmagando a cana, extrailhes todo o suco”60. Na ilha de São Miguel, a cultura da cana está inegavelmente ligada aos madeirenses. A eles se deveu o transplante das socas e da tecnologia61. Gaspar Frutuoso conta que, em Ponta Delgada, Bastião Pires contratou o madeirense Fernão Vaz, “o qual deu ordem como se fez um engenho de besta, como de pastel, mas o assento da mó diferente, porque era de uma pedra grande e mui cavada, a maneira de gamela e furada pelo fundo, por onde o sumo das canas, que dentro nela se moiam, ia por debaixo do chão, por uma calle ou bica, sair fora do andaimo da besta que moia, e assim fez fazer também um fuso e caixa para espremer o bagaço, e uma fornalha com uma caldeira em cima, a maior que então se achou, onde cozia aquela calda, e cozida a deitava em uma tacha e ao outro dia fazia o mesmo, até que fez cópia de melado para se poder fazer assúqre. (...) com sua pouca ciência e menos experiência, saiu aquele assuqre assim tão bom e tão fino.”62

A TECNOLOGIA DOS ENGENHOS: A CONTROVÉRSIA DO SISTEMA DE CILINDROS. Uma das questões que mais tem gerado polémica prende-se com a evolução da tecnologia usada para espremer a cana. O aparecimento e generalização dos cilindros horizontais e, depois, verticais são um processo controverso que tem ocupado os especialistas nos últimos anos, sem se conseguir alcançar qualquer consenso. O primitivo trapettum era já usado na Roma antiga, para triturar azeitonas e sumagre, sendo, segundo Plínio, inventado por Aristreu, Deus dos Pastores63. Mas 1tornou-se um meio pouco eficaz com a generalização da produção e do comércio, no decurso do século XVI, sendo substituído pelo engenho de cilindros. São várias as hipóteses para a origem do sistema, sendo a mais antiga a que aponta a sua evolução como uma descoberta mediterrânica. Dois textos clássicos para o estudo do açúcar - F. O. Von Lippmann64 e Noel Derr65- deram o mote, atribuindo a descoberta a Pietro Speciale, prefeito da Sicília, um importante proprietário siciliano que fez testamento em 147466. Esta tese foi rebatida por Moacyr Soares Pereira(1955) e Gil Methodio de Maranhão(1953) que demonstram a falta de fundamento da tese siciliana. Alguma Historiografia castelhana atribui esta invenção a Gonzalo de Veloza, vizinho da ilha de La Palma, casado com a jovem madeirense, Luísa Bettencourt que, em 1518, é referido como “haber

60

António ARAGÃO, A Madeira vista por estrangeiros, Funchal, 1981, p.87.

61

Gaspar Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.209-212

62

Gaspar Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.211.

63

São vários os estudos sobre o tema. Veja_se:Frederick C. GJESSING, The tower windmill for guindering sugar cane, Virgin Islands, 1977; MORENO FRAGINALS, El ingenio, La Habana, 1978; Marie Clarie AMOURE, Jean Vienne BEREN(eds), La Production du vin et de l huile en Mediterranée, Paris, 1993, pp.477/481 e 540 e segs.

64

The History of Sugar, 2 vols. Londres, 1940_50.

65

The History of Sugar, 2 vols. Londres, 1940_50.

66

Cf. Carmelo Trasselli, Storia dello zuchero siciliano, Caltamissetta-roma, 1982. A tese foi defendida com base nos textos Pietro Panzano(opusculum de autore, primordiis et progressu felicis urbis Panonri , 1471) e Gaspar Vaccaro Panebianco(Sul richiamo della canna zucherina in sicilia e sulle ragioni che lo exigono, Lipomi, 1826), que conforme a publicação por Moacyr Soares Pereira(1955) dos textos é evidente a falta de fundamento.

42

inventado un ingenio para azúcar”67, na ilha de S. Domingos68. Todavia, nos últimos anos, os estudos sobre a História do Açúcar no oriente, nomeadamente na Índia e China, reforçaram a ideia de que o sistema de moagem da cana por cilindros tem aqui a sua origem69. Por outro lado, os estudos sobre a História da Ciência revelam que o sistema de cilindros era conhecido na Europa sendo usado em diversas atividades industriais70. David Ferreira Gouveia71 apresenta esta evolução como resultado do invento do madeirense Diogo de Teive, patenteado em 1452. Outros apontam para a origem chinesa. O engenho de três eixos surge mais tarde no Brasil, sendo considerado também uma invenção portuguesa, inegavelmente ligada aos madeirenses aí radicados. A primeira referência aos eixos para o engenho 67

RIO MORENO, Justo L. del, Los inicios de la agricultura europea en el Nuevo Mundo, (1492-1542), Sevilla, 1991, p.306

68

Fernando ORTIZ, Los Primitivos Técnicos Azucareros de America, La Habana, 1955, pp. 13_18. Confronte-se Moacir Soares PEREIRA, A origem dos cilindros na moagem da cana (investigação em Palermo), Rio de Janeiro, 1955.

69

Cf. Estudos de J. Daniels e S. Mazumbar que seguem Moacyr Soares Pereira e Gil Methodio de Maranhão.

70

Cf. DANIELS, John e Christian Daniels, the origin of the sugar cane Roller mill, Tecnology and Culture; 1988, 29.3, pp. 493-535, SABBAN, François, l’industrie sucriPre, le moulin a sucre et les relations Sino-Portugaises aux XVIe-XVIIIe siPcles, Annales, 49.4 (1994), 817-861, Idem, Continuité et rupture Histoire des Techniques sucriPres en Chine Ancienne, Actas del Tercer Seminario Internacional. Producción y Comercio del Azúcar de caZa en Época Preindustrial, Granada, 1993, 247-265, J. H. Galloway, The Technological Revolution in the Sugar Cane Industry During the Seventeenth century, ibidem, pp.211-228.

71

GOUVEIA, David Ferreira, O Açúcar da Madeira. A manufactura açucareira madeirense (1420-1550), in Atlântico, IV, 1985, 260-272

43

data já do último quartel do século XV. Entretanto, em 1477, Álvaro Lopes tem autorização do capitão do Funchal para que “faça hum enjenho de fazer açúcar que seja de moo ou d’alçapremas, ou doutra arte...o qual enjenho será d’augoa com sua casa e casa de caldeiras...”72. Depois, em 1485, D. Manuel isentava da dizima “quaesquer teyxos que forem necesarios para eyxos esteos cassas latadas dos enjenhos e tapumes...”73. Em 1505, Valentim Fernandes refere que o pau branco era usado no fabrico de “eixos e parafusos pera os enjenhos de açúcar”74. A isto associa-se o inventário do engenho de António Teixeira, no Porto da Cruz em que são referidos como aprestos: rodas eixos, prensas, fornalhas espeques (...)75. Também noutro documento de 1546, refere-se a existência deste tipo de engenho nas fazendas de Manuel damil em Câmara de Lobos, foreiras ao convento de Santa Clara, pois o mesmo declara que “aquelle anno mandou fazer a roda nova por ser velha a que estava e não aproveitar para servir e os eixos servirem hum anno...”76 Por fim, tenha-se em conta que os primeiros engenhos construídos no Brasil, mais propriamente em S. Vicente, são de eixos e que estes foram feitos por destros carpinteiros madeirenses que acompanharam o governador Mem de Sá77. A tudo isto deverá juntar-se o facto de que foi a partir da Madeira que se generalizou o consumo do açúcar, sendo necessário para isso uma produção em larga escala. A pressão do mercado europeu conduziu a uma rápida afirmação da cultura, na segunda metade do século XVI, situação que só seria possível de alimentar com o recurso a inovações tecnológicas capazes de atenderem a tais solicitações. Note-se que a evolução para o sistema de cilindros não reverte no melhor aproveitamento do suco da cana, mas sim em vantagens acrescentadas para a rapidez no processo de esmagamento. A situação que se vive na Madeira, a partir de meados do século XV, é de incremento da cultura que se alia a inovações tecnológicas, de que o engenho de Diogo de Teive foi, certamente, o primeiro exemplo. Se as referências forem indício dos engenhos de cilindros, isto quer dizer que foi na Madeira que encontrámos a mais antiga referência desta tecnologia no espaço atlântico e será a partir da Madeira que a mesma se difundiu. Os madeirenses estiveram ligados à promoção da cultura e construção dos primeiros engenhos açucareiros nas ilhas Canárias, no arquipélago dos Açores, em S. Tomé, e no Brasil, chegando mesmo ao norte de África, situação que foi interditada pela coroa, em 153778. Por outro lado, a sua origem não poderá associar-se a uma influência direta da Índia ou da China, onde estiveram muitos madeirenses, uma vez que as primeiras referências são anteriores à primeira viagem de Vasco da Gama. A conjuntura em que surge e se afirma a cultura dos canaviais e o comércio do açúcar no espaço atlântico são marcadas por significativas mudanças na economia açucareira, resultado também de idênticas alterações nos conhecimentos e tecnologias que servem de suporte à produção açucareira. A luz dos conhecimentos 72 ANTT, Convento de Santa Clara, maço 13, nº 1, 4 Julho 1477. 73

AHM, Vol. XV, p. 150, Apontamentos de D. Manuel de 22 de Fevereiro

74

António BAIÃO, O manuscrito de Valentim Fernandes, Lisboa, 1940, p. 112.

75

A. ARTUR, “Apontamentos históricos de Machico”, in DAHM, nº 1, pp. 8_9. A dúvida está na data a atribuir ao inventário, que está anexo ao seu testamento de 7 de Setembro de 1535, ou de 13 de Setembro de 1495, data do testamento de Isabel de Vasconcelos sua esposa.

76

ANTT, convento de Santa Clara, nº.12, 21 de Janeiro de 1546.

77

Eddi Stols,1968, um dos primeiros documentos sobre o engenho Shetz, em São Vicente, Revista de História

78 ARM., RGCMF, t. I, fl. 372v, publ. in Arquivo Histórico da Madeira, vol. XIX(1990)pp.79-80.

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científicos, não seria possível avançar com uma produção em larga escala, como sucedeu a partir da década de oitenta, na Madeira, se não tivéssemos encontrado soluções que permitissem acelerar e melhorar o tempo do processo produtivo. Sabemos que os canaviais têm um tempo útil de vida, em que o grau de sacarose atinge o valor mais elevado, momento a partir do qual a cana-de açúcar está apta a ser cortada para se retirar maior rentabilidade. Ainda sabemos que esta, 48 horas após o corte, entra em fermentação, deixando de ser útil para a produção de açúcar. Ora, este lapso de tempo obrigava a que se encontrassem soluções tecnológicas que permitissem acelerar o processo de apanha e moenda, o que só seria possivel com tecnologias diferentes das então usadas no mediterrâneo que apostavam nos engenhos de mó, uma tecnologia comum ao fabrico de azeite. A solução foi encontrada, a partir da década de oitenta, com os primeiros engenhos de cilindros, cuja presença começa a ser visível na Madeira, nesta época, e capaz de assegurar o crescimento exponencial da produção de açúcar. É este novo mecanismo que chega às demais ilhas, por mãos de madeirenses e depois se expande ao demais espaço atlântico. Passando ao segundo momento da transformação do caldo de cana em açúcar, veremos, de novo, o contributo madeirense nas transformações tecnológicas do último quartel do século XV e princípios do seguinte, com o aparecimento do sistema de caldeiras acopladas a um só fornalha, que é considerado uma invenção jamaicana mas que, antes da chegada dos europeus a esse novo espaço, já era conhecida na Madeira e aperfeiçoada nas Canárias79. A Madeira tinha ido buscar o nome ao denso arvoredo que a cobria, à chegada dos primeiros europeus. Cem anos mais tarde, a situação da vertente Sul era distinta. O processo agrícola em torno da cana sacarina fizera abater as árvores de grande porte, para abrir caminho aos canaviais. A laboração dos engenhos obrigara ao desbaste de madeiras e lenhas para alimentar os engenhos80. Em pouco tempo, as encostas sobranceiras ao Funchal ficaram escalvadas. Os reflexos da situação fizeram-se sentir muito cedo, obrigando as autoridades a intervir, no sentido de limitar o avanço das áreas de cultivo e de controlar o abate de madeiras e lenhas. Em 1466, os moradores do Funchal contestavam o regime de concessão de terras de arvoredos e do modo de as esmoutar, pelos efeitos nefastos que isso causava à safra açucareira. Perante tal reclamação, o senhorio ordenou aos capitães e almoxarifes que cumprissem os prazos estabelecidos e que fosse interdito o uso do fogo. No entanto, em 1483, o Capitão de Machico continuava a distribuir, como sesmarias, os montes próximos do Funchal, com excessivo prejuízo para os lavradores do açúcar e, por isso, D. Manuel repreende-o, solicitando que tais concessões deveriam ser feitas, na presença do Provedor. E, finalmente, em 1485, o monarca proibiu a distribuição de terras de sesmaria nos 79

Cf. Aqui há cinco vasos postos por ordem, para cada um dos quais o suco saído das canas passa um certo tempo em ebulição, depois, passando para os outros vasos, com fogo brando, dão-lhe com habilidade a cozedura, de modo que chegue a espessura tal que, posto depois em formas de barro, possa endurecer. (Giulio Landi,”Descrição da ilha da Madeira”, publ. António Aragão, 1981, A Madeira vista por estrangeiros, Funchal,. O processo desenvolve-se e aparece descrito no século XVIII: Consta um terno ou ordem de cobres (além do parol do caldo e do parol da guinda que ficam na casa da moenda) de duas caldeiras, a saber, da do meio e da outra de melar, de um parol da escuma, de um parol grandes que chamam parol do melado, e de outro menor, que se chama parol de coar; de um terno de tachas, que são quatro, a saber, a de receber, a da porta, a de cozer e a de bater e, finalmente, de uma bacia que serve para repartir o açúcar nas formas e, de outros tantos cobres de igual ou pouco menor grandeza, consta outro andar semelhante (...). (Antonil, 1711, Cultura e opulência do Brasil.)

80

Para o Brasil no século XVIII cada quilo de açúcar equivale a 15 kg de lenha queimada, dando média anual de 210.000 toneladas.

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montes e arvoredos do Norte da ilha para, em princípios do século XVI (1501 e 1508), acabar definitivamente com a concessão de terras por este regime, com a única ressalva para as terras suscetíveis de ser aproveitadas para canaviais e vinhedos. O litígio entre as capitanias do Funchal e Machico quanto ao usufruto da floresta foi uma constante no século XVI. Acontece que a capitania do Funchal dispunha da maior área de produção de açúcar da ilha, superior a dois terços, mas era na de Machico que se encontrava o mais importante manto florestal necessário para alimentar os engenhos. Deste modo, o Vedor da Fazenda Real determinava, em 1581, que a fruição das madeiras destinadas ao fabrico do açúcar fossem de fruição comum. A situação manteve-se, nos anos imediatos, sendo necessária a intervenção da coroa. No sentido de controlar o consumo de lenhas pelos engenhos, a câmara nomeava um estimador de lenhas, que através de uma bitola ”de sinco palmos e meio de largo e de altura dous e meio”. Nas ilhas onde o espaço florestal é limitado, o equilíbrio entre estes recursos e a agro-industria de exportação é sempre precário. A história do açúcar revela-nos que o período médio de afirmação da cultura não chegava a um século. Sucedeu assim na Madeira, como em algumas ilhas das Canárias e nas Antilhas, como foi o caso de Jamaica. Muitas inovações no domínio da indústria açucareira surgem por necessidade de poupar energia. A partir do século XVII, a generalização do chamado trem jamaicano pode ser considerado um contributo significativo. A solução estava em apenas uma fornalha alimentar as três caldeiras. Assim, o fabrico de um quilo de açúcar deixa de necessitar de 15 quilogramas de lenha, sendo necessário apenas um terço deste combustível. No século XIX, generalizouse a máquina a vapor, que veio dar descanso à floresta, uma vez que os engenhos passaram a ser alimentados por carvão mineral. No século XV, a aposta na cultura dos canaviais e fabrico do açúcar conduziram inexoravelmente à destruição da parca floresta da ilha. Rentabilizar a produção de açúcar e encontrar respostas para as cada vez mais crescentes dificuldade para a disponibilidade de combustível para o fabrico do açúcar levaram a este genial invento de junção das caldeiras que define iguais fases por que passa o caldo, até atingir o ponto do açúcar. Uma vez mais, a Madeira está na origem destas transformações, permitindo uma economia de escala na produção de açúcar e de melhor aproveitamento dos recursos energéticos.

AS LEVADAS. ENTRE O REGADIO, OS MOINHOS E ENGENHOS. A tradição de traçar levadas fez com que os madeirenses se tivessem transformado em exímios construtores, levando a tecnologia para todo o lado onde se fixaram. Primeiro, foi as Canárias81 e, depois, na América. A perícia e engenho do madeirense estão evidenciados na reclamação de Afonso de Albuquerque para que o rei lhe mandasse madeirenses “que cortavam as serras pera fazerem levadas, com que se regam as cannas de açúcar”, para desviar o curso do rio Nilo82 . Por outro lado, desde muito cedo, estes canais despertaram a atenção dos visitantes, que não se 81

Filipe FERNANDES-ARMESTO, 1982, The Canary Islands after the conquest, Oxford; Leoncio ALFONSO PEREZ1984,, Miscelanea de temas canarios, Santa Cruz de Tenerife, pp. 223-268.

82

1973, Comentários de Afonso de Albuquerque, vol. II, Lisboa, parte IV, cap. VII, p.39

46

cansam em louvar o trabalho hercúleo do madeirense na construção83. As levadas são ainda hoje uma constante na paisagem madeirense, transformando-se em locais aprazíveis para os passeios a pé84 . Ao longo da História da Madeira, as levadas assumiram um papel fundamental na vida das populações. Foi em torno do seu percurso por entre as montanhas e áreas de cultura que a ilha assentou o seu quotidiano. As levadas são vias de condução da água, mas também caminhos de acesso a espaços agrícolas e habitação e, por consequência, vias privilegiadas de circulação dos produtos da terra. Tendo em conta a importância que a água assume para a cultura do açúcar, é necessário não esquecer a forma da distribuição e posse. Para regular, de forma eficaz, a distribuição surgiram os relógios, propriedade dos heréus, de que existe apenas um, em pleno funcionamento, na levada do Poiso nos Canhas85. Ao longo dos séculos, foram traçadas milhares de levadas por toda a ilha, na sua maioria de inciativa privada86. Ao contrário do que é habitualmente referido, o sistema de regadio madeirenses não tem origem nos árabes, que foram apenas os divulgadores do sistema por elevação. O que ficou definido na Madeira, foi o sistema de condução da água por força da gravidade que já existia no Norte de Portugal, região que não mereceu a influência moura. Note-se que, ainda hoje, na Serra da Estrela, o sistema de distribuição de água faz-se por levadas, sendo as atividades e nomenclatura 83

Tenha-se em atenção os seguintes testemunhos: Isabella de FRANÇA, 1970, Jornal de uma visita à Madeira e a Portugal 1853-1854, Funchal, pp.107-108; José Maria Ferreira de CASTRO, Eternidade, Lisboa, s.d., cap. XI.

84

Confronte-se Raimundo QUINTAL, “Veredas e Levadas”, in Diário de Notícias, Funchal, 5, 19 de Março, 14 e 28 de Maio, 23de Julho, 1 e 29 de Outubro, 12 de Novembro, 24 de Dezembro de 1989, 4 de Fevereiro, 18 de Março e 10 de Junho de 1990. FERNANDES, Filipa, 2010, «A cultura da água: da patrimonialização das levadas da Madeira à oferta turística», PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 8(4):529-538.

85

PITA, Gabriel de Jesus, 2003, A Freguesia dos Canhas. Um contributo para a sua História, Canhas, p.179.

86

Lista das levadas veja-se: LEME, D. João da Câmara, 1879, Apontamentos para o estudo da crise agrícola do distrito do Funchal, Funchal,78-88;

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em tudo semelhante à madeirense. Desta forma, poderemos afirmar que a aportação das técnicas de regadio na Madeira surge por duas vias: através dos colonos do norte de Portugal que trouxeram parte significativa dessas técnicas e do Mediterrâneo, Sicília e Valência, donde vieram, conjuntamente com o açúcar, os sistemas de regadio dos canaviais e de utilização da força motriz da água. O contributo madeirense está no seu esforço hercúleo para tornar acessível o uso da água e a sua disponibilidade para o regadio dos canaviais. A afirmação da cultura da cana sacarina, nos primórdios da ocupação da ilha, obrigou à definição de um sistema de canalização da água, no sentido da sua utilização para o regadio e aproveitamento da sua força motriz nos engenhos. Deste modo, o primeiro e mais importante investimento dos madeirenses foi na construção de levadas. A água assumiu, assim, um papel fundamental na economia e sociedade de então. Todas as terras de canaviais estavam servidas de levadas, dispondo de horas de água suficientes para o seu regadio. Nos contratos de arrendamento e de meias, a água está presente, sendo também propriedade inalienável do proprietário da terra. Em finais do século XVI, as terras dos Lomelino em Santa Cruz incluíam canaviais com 10 covados, dispondo de 30 horas de água87. Ainda podemos afirmar que a água apresentava um valor elevado, na vertente sul88. Ao homem, estava atribuída a dura tarefa de desviar a água do curso das ribeiras ,fazendo com que movesse engenhos, moinhos e irrigasse os canaviais e demais culturas. Uma das tarefas que ocuparam os primeiros colonos foi a tiragem das levadas. Por isso, elas são os imemoriais testemunhos do labor do homem insular, que ficam na ilha, a exemplo dos imponentes aquedutos peninsulares. Para isso, traçaram km de canais para a condução, que ficaram conhecidos, na ilha, como levadas89 . O sistema permitiu um maior aproveitamento dos socalcos e o alívio ao homem de algumas tarefas, como sejam, o moer do grão e da cana, o serrar das madeiras. Moinhos, engenhos e serras convivem pacificamente, usufruindo da água que corre na mesma levada. A orografia da ilha, ao mesmo tempo que dificultava a condução da água, favorecia o aproveitamento, pela força motriz atribuída pelos declives acentuados. Foi um trabalho hercúleo, referido muitas vezes pelos visitantes e recordado, com apreço, pelos especialistas, como o Eng.º. Amaro da Costa: “... a levada, de limitadas proporções no início; mas já a denotar arrojo para mais largos voos indo sempre mais longe e mais acima até aos recônditos das serranias; furou as montanhas; riscou as muralhas rochosas talhadas a pique em centenas de metros de altura; debruçou-se nos abismos; venceu as cristas; saltou nos despenhadeiros; dobrou-se nos refegos das ravinas; amansou-se nas chãs; e, por fim, exausta, entregou-se a todos, através de uma rede vascular tão densa, que torna maravilhosa a chegada ao termo. Mas a mingua no fim da caminhada é por vezes tamanha, que dolorosamente contrasta com tanta luta.”90 87

GUERRA, Jorge Valdemar, 1997, O Convento de Nossa Senhora da Piedade de Santa Cruz. Subsídios para a sua História, Islenha ,20, Funchal, p.135.

88

Em 7 de maio de 1537(ANTT, Corpo Cronológico, M.211, doc. 46) refere-se a execução de uma dívida de arrendamento das miunças do Caniço num dia de água no valor de 75$000.

89

Há quem aponte serem uma adaptação das técnicas valencianas. Veja-se Felipe FERNÁNDEZ-ARMESTO ,1982, The Canary islands after the conquest , Oxford, nota 27, p. 99.

90

1951, “O aproveitamento da água na Madeira”, in Das Artes e Da História da Madeira, nº.5, p.14.

48

As cartas régias de 7/8 de maio de 1493,91 que serviram de base a toda a fundamentação jurídica do regime da água até 1867, determinam, de forma evidente a importância assumida pelas levadas, no sistema de distribuição de águas. As levadas podem ser públicas ou privadas. As últimas eram de iniciativa particular, precisando de uma autorização. Em 1495, foi dada licença a Pero Fernando para tirar água da Ribeira de Água d’Alto (Ponta Sol)92, ficando obrigado a fazê-lo no prazo de cinco anos. A contrapartida era a possibilidade de vender, arrematar ou trocar a mesma água. Esta era uma garantia assegurada a todos os que tinham condições para fazer este investimento93. Em 149694 parece que, ao menos no Funchal, estava delineado o sistema de regadio, pelo que na Ribeira de Santa Luzia não se permitiu mais a abertura de novas levadas ou a tiragem da água, acima das já existentes. Isto foi resultado da pretensão de alguns heréus em quererem tirar outras mais acima das já existentes, no sentido de aproveitar as terras acabadas de arrotear. A coroa insiste na proibição de abrir nova levada em cota superior, punindo os infratores com pesadas penas95 . Na verdade, segundo nos conta Gaspar Frutuoso96, a Ribeira de Santa Luzia servia várias levadas, sendo uma delas para os cinco moinhos do capitão e para um engenho. O Funchal ficou servido, ainda, por outras como a dos Piornais, do Pico do Cardo e Castelejo. Outro problema, não menos importante, foi o da partição da água. O senhorio e a coroa não intervinham na abertura de levadas, mas estavam presentes para sanear litígios derivados da distribuição da água97. Desde o início que a coroa recomendara todo o cuidado nisso, ficando com tal encargo o almoxarife, auxiliado por dois homens eleitos para este fim. A distribuição da água era feita para toda a semana, exceto o domingo que ficava comum a todos pois, tal como refere a coroa em 1493, era “comtra comçiencia”. Atente-se a que o Provedor da Fazenda era o juiz das águas e levadas, competindo-lhe a função de confirmar os levadeiros escolhidos pelos heréus das levadas, e não o ouvidor do capitão, como pretendia fazê-lo para a levada do Estreito de Câmara de Lobos98. Multiplas questões chegaram até ao reino sobre a distribuição das águas das levadas e o abuso de alguns regantes. Em 1502,99 denuncia-se o abuso de escravos e homens de soldada que, em vez de regarem os canaviais dos seus senhores, as entregam a outros. A questão da divisão da água gerou, ao longo dos tempos, diversas disputas, obrigando, desde o início da ocupação da ilha, a que as autoridades tivessem de intervir como intermediários nesses conflitos ou de regular a forma da sua distribuição entre os heréus. São as autoridades que definem o uso a dar, de 91

Publicada por MARQUES, J.M., Os Descobrimentos Portugueses, III, nº.260, pp.392-394. Vem reproduzida em certidão de 12 de março de 1812, como noutros documentos. cf.AHU, Madeira e Porto Santo, nº.441-42, 3045, 3281.

92

ANTT[Arquivos Nacionais/Torre do Tombo], Livro das Ilhas, fls. 51-51vº.

93

Cf. AHU, Madeira e Porto Santo, nº.444. 19 de outubro de 1562

94

29 de Setembro de 1496, AHM, XVII, pp. 348-349. O mesmo já havia sido estatuído a 22 de Março de 1485, AHM, XV, 151-154.

95

Alvará de 22 de Fevereiro de 1515, AHM, Vol. XVIII, 560-561.

96

1979, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, p. 110.

97

Esta jurisdição em 1562 pertencia aos governadores. Cf. AHU, Madeira e Porto Santo, nº.3281, 5 de novembro de 1813.

98

ANTT, PJRFF, 969, fls.342-343vº, 2 de agosto de 1684.

99

ARM, CMF, registo geral, t.I, fls. 98-98vº, in Arquivo Histórico da Madeira, XVII, 1973, nº.258, pp.429-431.

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forma preferencial, às aguas100, como quem intervém a determinar a forma da sua distribuição entre os heréus. Sabemos, que no início, a repartição era feita no mês de maio, sob a supervisão das autoridades, estando presentes os oficiais da câmara, o locotenente do capitão e o almoxarife101. Cabia, ainda, à câmara fiscalizar a ação dos levadeiros na repartição das águas102. Entretanto, os juizes da levada ou levadeiros eram colocados pelos governadores mas, depois de 1869, passam a ser eleitos entre os heréus da levada e apenas confirmados pelo governador103. A partir desta segunda metade do século XIX, processa-se esta mudança na administração das levadas, ficando o delegado do Tesouro com a administração das do Estado, que são, nesta época, as do Rabaçal,(Calheta), Fajã dos Vinháticos (Santana), Juncal e furado (Santa Cruz e Machico). Nestas levadas, existia um diretor, dois levadeiros para cada uma, além dos olheiros. A manutenção das levadas foi outra preocupação do capitão, conforme ordem de D. Catarina de 1562104. Mais se recomendava que aqueles que não tivessem necessidade das águas que dispunham não as podiam arrendar a ninguém, a não ser para se regar os canaviais. Apenas os que haviam tirado levadas próprias podiam dar ou vender as águas105. A coroa apoiou a reparação das levadas da Ribeira dos Socorridos, dos Piornais e Castelejo, com o intuito de incrementar, de novo, a cultura dos canaviais, que tinham preferência na nova redistribuição das águas106 . Fora do Funchal, Gaspar Frutuoso107 refere a levada mandada construir por Rafael Catanho que servia Machico e Caniçal, na qual gastou cem mil cruzados. Também na Ribeira dos Socorridos temos outras levadas de iniciativa particular: a do engenho de Luís de Noronha, que lhe custou 20 000 cruzados108 e a de António Correia, para as terras da Torrinha109. Nos diversos contratos de meias, arrendamento e de colonia, em que os canaviais jogam um papel fundamental, a água está sempre presente. Nas referentes ao Convento de Santa Clara, a instituição 100 Em 1485 (MARQUES, J. M., Os Descobrimentos Portugueses, III, nº190, pp.284-285) a água da ribeira de Santa Luzia deveria ser usada de forma preferencial nos engenhos e moinhos, preservando-se um direito e usufruto dos capitães do Funchal. Em 1562 (AHU, Madeira e Porto Santo, nº446) determinava-se a preferência nos arrendamentos da água às terras de canaviais. 101

Cf. registos da repartição da água; ANTT, PJRFF, 968, fls. 65vº-66vº, 18 de Maio de 1623; AHU, Madeira e Porto Santo, 6964-6994, 10 de agosto de 1823, relatorio do inspector geral de Agricultura.

102

Para os séculos XVIII e XIX temos listas da repartição da água feitas em Santa Cruz, Ponta de Sol e Porto Santo. Cf. ARM, C.M. Santa Cruz, nº.135, livro de registo de águas, 1789-1821; ARM, C. M. Ponta Sol, nº.181, registo de águas, 1856; ARM, C. M. do Porto Santo, nº.46, caderno das escalas de água de rega, 1838-842.

103

LEME, D. João da Câmara, 1879, Apontamentos para o estudo da crise agrícola do distrito do Funchal, Funchal, p.75

104

Cf. docs. em AHU, Madeira e Porto Santo, nº.444.

105

Em 1674 (ARM, C.M. Machico, nº.85, 28 de abril, fls.312vº-326) o escrivão da câmara de Machicooi autorizado a tirar a levada, ficando proprietário de toda a aágua, que poderia vender.

106

Veja-se lista de heréus feitas em 28 de Abril de 1674 (C.M. Machico nº 85, fl. 312vº-316), e 11 de Julho 1677 (Ibidem, fls. 337vº-341);13 de Janeiro de 1493, AHM, XVI, nº 266, p. 277; 19 de Outubro, ARM, RGCMF, T. II, fls. 76-77vº .180. Está testemunhada a existência de alguns poços no recinto da cidade. Veja-se Gaspar FRUTUOSO, ob. cit., pp. 112, 117, 396. A casa de João Esmeraldo tinha também o seu poço; veja-se Escavações nas Casas de João EsmeraldoCristóvão Colombo. Catálogo, Funchal, 1989. Também são de referir as Fontes de João Dinis, junto da Fortaleza de S. Lourenço (Alberto Artur SARMENTO, Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal, 1951, pp.107-123).

107

Ibidem, p. 78.

108

Em 12 de Junho de 1515 é referenciada a levada de Manuel de Noronha na Ribeira dos Socorridos, ARM, RGCMF, t.I, fl.348-349, in AHM, vol. XIX, p. 20.

109

13 de Janeiro de 1493, AHM, XVI, n1 266, p. 277. ANTT, Livro das Ilhas, fls. 51-51vº;29 de Setembro de 1496, AHM, XVII, pp. 348-349. O mesmo já havia sido estatuído a 22 de Março de 1485, AHM, XV, 151-154; Alvará de 22 de Fevereiro de 1515, AHM, Vol. XVIII, 560-561; Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p. 110, 78. Em 12 de Junho de 1515 é referenciada a levada de Manuel de Noronha na Ribeira dos Socorridos, ARM, RGCMF, t.I, fl.348-349, in AHM, vol. XIX, p. 20. Vide 13 de Janeiro de 1493, AHM, XVI, nº 266, p. 277.

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assume o compromisso de atribuir água necessária110. É, ainda, Gaspar Frutuoso quem nos descreve uma das levadas: “Perto da Fonte, onde nasce a agoa desta ribeira dos Acorridos, se tirou a levada della para moer o engenho de Luiz de Noronha; e dizem que do logar donde a começaram a tirar até donde se começão a regar os canaviaes ha bem quatro legoas por se tirar de tão grande fundura da ribeira em voltas que para chegar acima à superfície da terra e começar a caminhar atravessando lombos, fazendas e grandes rochedos por cima pela serra por onde vai esta levada, tem de alto mais de seicentas braças; da qual altura, que he muito íngreme,se tira a agoa em calle de páo em voltas até se pôr na terra feita, e sem falta custou chegar pola em tal logar passante de vinte mil cruzados, fora o muito mais que fez de custo levala dali quatro legoas, alem de muitas mortes de homens que trabalhavam nella em cestos amarrados com cordas penduradas pela rocha, como quem apanha urzela; porque he tão alcantilada e íngreme a rocha em muitas partes que não se faziam nem se podiam fazer d’outra maneira estancias para assentar as calles sem passar por estes perigos. Tem duzentos e oitenta lanços por onde vai esta agoa que postos enfiados hum diante do outro terão hum quarto de legoa de comprido; são de taboado de til, pella mayor parte tem cada taboa vinte palmos de comprido e dous de largo; e depois de assentadas estas calles na rocha, fazem o caminho por dentro dellas os levadeiros que continuamente tem cuidado de as remendar e concertar, alimpadas também da sugidade e pedras que acontece cahir nellas, e fazer outras cousas necessarias a levada, pelo que tem grossos soldos, por terem officio de tão grandetrabalho e tanto perigo. Nesta rocha está huma furna grande que serve de casa para os levadeiros, e para guardar nela munições necessárias de enchadas, alviões, barras, picões, marrões e outras ferramentas; e nella se metem cada anno dez e doze pipas de vinho para os que trabalhão na levada e outras pessoas que a vão ajudar a reformar, quando quebrão alguns lanços de calles;e he cousa monstruosa a quem vê isto com seus olhos a estranha e aventureira invenção que se teve para se tirar dali esta agua”111 . A dimensão económica ou a importância social de algumas destas famílias, devedoras da riqueza gerada na Ilha, é expressa, desta forma, através da exibição junto do papa, de oferecimentos para serviços de defesa e proteção, de investimentos em infraestruturas tão importantes ao processo produtivo, como as levadas, por exemplo. As verbas em causa, nesta última situação, representam investimentos avultados, pois a receita da Ilha, entre 1588 a 1618, situava-se, maioritariamente, em metade deste valor investido por particulares em infraestruturas necessárias para gerar a riqueza que, depois, ficaria à mercê da Coroa. A pressão cada vez mais presente dos mercados mediterrânicos e da Europa do Norte fez com que se apostasse numa produção em larga escala. Isto acarretou múltiplas transformações no sistema produtivo que estão na origem das inovações ou adaptações da tecnologia a estas novas necessidades e que tem uma matriz de origem bastante diferenciada na Madeira. A grande e primeira revolução na economia açucareira aconteceu a partir da segunda metade do século XV, 110

Cf. João José Abreu de SOUSA,1991, O Convento de Santa Clara do Funchal, Funchal, pp.101-112; IDEM, 1994, História rural da Madeira. A colonia, Funchal.

111

Ob. cit., pp.120-121.

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na Madeira e tem origem no engenho e arte dos madeirenses que depois a transmitiram a novos espaços, a aperfeiçoaram nas Canárias e a adaptaram ao Novo Mundo, desde La Hispaniola, Cuba e Brasil. Uma etapa fundamental da História do Açúcar no mundo europeu aconteceu a partir do século XV, na Madeira, gerando múltiplas transformações com marca dos madeirenses. O processo de afirmação do açúcar na economia consolidase e provoca o maior fenómeno migratório que foi a escravatura de milhões de africanos, com repercussões evidentes na literatura, música e atividades lúdicas; a transformação tecnológica permanente pela pressão e concorrência dos mercados, foram conduzindo inexoravelmente a uma mudança da estrutura mercantil e dos hábitos de consumo que fazem com que o açúcar vá saindo das prateleiras da farmácia para as do supermercado. O selo e o motor de tudo isto é, sem dúvida, madeirense.

AS ROTAS DE MIGRAÇÃO DE HOMENS, PLANTAS E MERCADORIAS. A valorização do Atlântico, nos séculos XV e XVI, conduziu ao traçado de rotas de navegação e comércio que ligavam o Velho Continente ao litoral atlântico. A multiplicidade de rotas resultou das complementaridades económicas e formas de exploração adotadas. Se é certo que estes vectores geraram as referidas rotas, não é menos certo que as condições mesológicas do oceano, dominadas pelas correntes, ventos e tempestades, delinearam-lhe o rumo. A Madeira surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo isto foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O arquipélago foi, assim, o centro de irradiação dos sustentáculos da nova sociedade e economia do mundo atlântico: primeiro, os Açores, depois, os demais arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram. Daqui resultou para a Madeira o papel fundamental de difusão das culturas existentes na Europa e que tinham valor para assegurar a subsistência ou a exportação. Depois, com a revelação de novos espaços do Atlântico e Índico, tivemos o retorno de novas culturas e produtos que vieram enriquecer o cardápio europeu. E, uma vez mais, as ilhas da Madeira e Cabo Verde voltaram a assumir um papel disseminador112. A Europa contribuiu com os cereais (centeio, cevada e trigo), as videiras e as socas de cana, enquanto da América e da Índia aportaram ao velho continente o milho, a batata, o inhame, o arroz e uma variada gama de árvores de fruto. As ilhas atlânticas, pela posição charneira no relacionamento entre estes mundos, foram viveiros da aclimatação dos produtos às novas condições endafoclimáticas que os acolhem. No século XV, a Madeira funcionou como viveiro experimental das culturas que a Europa pretendia implantar no Novo Mundo, isto é, os cereais, o pastel, a vinha e a cana-de-açúcar. As ilhas são espaços limitados e, por isso, condicionam e são influenciados, de forma evidente, pela presença humana. Quando o processo económico assume uma posição de sucesso, mercê da inserção no mercado mundial é responsável 112

Cf, G. Lapus, Les Produits Coloniaux d’Origine Végétale, Paris, 1930; J. E. Mendes Ferrão, Transplantação de Plantas ee Continentes para Continentes no Século XVI, Lisboa, 1986; IDEM, A Difusão das Plantas no Mundo através dos Descobrimentos, in Mare Liberum, nº. 1, 1990, 131-142; IDEM, A Aventura das Plantas, Lisboa, 1992.

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por uma exploração intensiva que acaba inevitavelmente por provocar desequilíbrios entre aquilo que possibilita o quadro natural e o que o Homem exige dele. A exploração económica fez-se de forma intensiva e de acordo com as solicitações do mercado exterior, agravando o afrontamento com o quadro natural e arrastando-o para uma situação de total degradação. O desenvolvimento da agricultura é considerado como um dos factores fundamentais de intervenção do Homem na natureza. O processo de sedentarização humana e a consequente domesticação de animais e plantas são a expressão mais evidente da mudança ocorrida113. A aclimatação das plantas com valor económico, medicinal ou ornamental adquiriu cada vez mais importância. Aliás, foi fundamentalmente o interesse medicinal que provocou, a partir do XVII, o enorme empenho no seu estudo114. Assim, em 1757, o inglês Ricardo Carlos Smith fundou, no Funchal, um jardim onde reuniu várias espécies com valor comercial. Já em 1797, Domingos Vandelli (1735-1816) e João Francisco de Oliveira, no estudo sobre a flora, apresentaram, no ano imediato, um projeto para um viveiro de plantas, que foi criado no Monte e que se manteve até 1828. O naturalista francês, Jean Joseph d’Orquigny que, em 1789, se fixou no Funchal, foi o mentor da criação da Sociedade Patriótica, Económica, de Comércio, Agricultura Ciências e Artes. Também na ilha de Tenerife, em Puerto de La Cruz, Alonso de Nava y Grimón criou, em 1791, um jardim de Aclimatação de Plantas. Na Madeira, José Silvestre Ribeiro, governador civil, avançou, em 1850, com um plano de criação do Gabinete de História Natural, a partir da exposição inaugurada a 4 de abril no Palácio de S. Lourenço. Mas foi tudo em vão porque, à sua partida, em 1852, tudo se desfez. A 23 de setembro, surge a proposta de Frederico Welwistsch115 para a criação de um jardim de aclimatação no Funchal e em Luanda116. A Madeira cumpriria o papel de ligação das colónias aos jardins de Lisboa, Coimbra e Porto. Este botânico alemão, que fez alguns estudos em Portugal, passou, em 1853, pelo Funchal, com destino a Angola. Já a presença de outro alemão, o Padre Ernesto João Schmitz, como professor do seminário 113

GOUDIE, Andrew, The Human Impact on the Natural Environment, Cambridge, MA: MIT Press, 1994, p. 20: “Both the domestication of animals and cultivation of plants have been among the most significant causes of human impact”. Cf. UCKO, Peter J. e G. W. Dimbleby (ed.), The Domestication and Exploitation of Plants and Animals, London, Duckworth, 1969.

114

K. Thomas, Man and the Natural World. Changing attitudes in England. 1500-1800, Oxford, 1983, p. 27, 65-67.

115

Cf. Eberhard Axel Wilhelm, “Visitantes de língua Alemã na Madeira(1815-1915)”, in Islenha, 6, 1990, pp.48-67.

116

“Um Jardim de Aclimatação na ilha da Madeira”, in Das Artes e da História da Madeira, nº. 2, 1950, pp.15-16

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diocesano, levou à criação, em 1882, de um Museu de História Natural, que hoje se encontra integrado no atual Jardim Botânico. Só passado um século, a temática voltou a merecer a atenção dos especialistas e várias vozes se ergueram em favor da criação de um jardim botânico na Madeira. Em 1936, refere-se uma tentativa frustrada de criação de um Jardim Zoológico e de Aclimatação, nas Quintas Bianchi, Pavão e Vigia, que contava com o apoio do Zoo de Hamburgo117. A criação do Jardim Botânico, por deliberação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, a 30 de abril de 1960, foi o corolário da defesa secular das condições da ilha para a criação e a demonstração da importância científica reveladas por destacados investigadores botânicos que procederam a estudos118. Em qualquer dos momentos assinalados, as ilhas cumpriram o papel de ponte e adaptação da flora colonial. Os jardins de aclimatação foram a moda que, na Madeira e nos Açores, tiveram por palco as amplas e paradisíacas quintas. O Marquez de Jácome Correia119 identifica para a Madeira as quintas do Palheiro Ferreiro e Magnólia como jardins botânicos. Estas são viveiros de plantas, hospital para acolher os doentes da tísica pulmonar e outros visitantes. O deslumbramento acompanhou o interesse científico e os dois conviveram lado a lado nas inúmeras publicações que o testemunham no século XIX. No traçado das rotas oceânicas, situava-se o Mediterrâneo Atlântico com um papel primordial na manutenção e apoio à navegação atlântica. As ilhas da Madeira e Canárias surgem nos séculos XV e XVI como entrepostos do comércio no litoral africano, americano e asiático. Os portos principais da Madeira, Gran Canaria, La Gomera, Hierro, Tenerife e Lanzarote animaram-se de forma diversa com o apoio à navegação e comércio nas rotas da ida, enquanto nos Açores, com as ilhas de Flores, Corvo, Terceira, e S. Miguel, foram a escala necessária e fundamental da rota de retorno. A disputa pela riqueza em movimento no oceano fazia-se na área definida por elas e atraiu piratas e corsários ingleses, franceses e holandeses, ávidos das riquezas em circulação. Uma das maiores preocupações das coroas peninsulares foi a defesa das embarcações das investidas dos corsários europeus. A área definida pela Península Ibérica, Canárias e Açores foi o principal foco de intervenção do corso europeu sobre os navios que transportavam açúcar ou pastel ao velho continente. O protagonismo das ilhas não se fica só pelos séculos XV e XVI, pois as navegações e explorações oceânicas nos séculos XVIII e XIX levaram-nas a assumir uma nova função para os europeus. De primeiras terras descobertas, passaram a campos de experimentação e escalas retemperadoras da navegação, na rota de ida e regresso. Finalmente, no século XVIII, desvendou-se uma nova vocação: as ilhas como campo de ensaio das técnicas de experimentação e observação direta da natureza. A afirmação da Ciência na Europa fez delas escala para as constantes expedições científicas dos europeus. O enciclopedismo e as classificações de Linneo (1735) tiveram, nos territórios insulares, um bom campo de experimentação. Tenhase em conta as campanhas da Linnean Society e o facto de o próprio presidente 117

César A. Pestana, A Madeira Cultura e Paisagem, Funchal, 1985, p.65

118

Cf Boletim da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, Abril de 1960; Rui Vieira, “Sobre o ‘Jardim Botânico’ da Madeira “, in Atlântico, 2, 1985, pp.101-109.

119

A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927, p.173, 178

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da sociedade, Charles Lyall, se ter deslocado, de propósito, às Canárias, em 1838. O homem do século XVIII perdeu o medo ao meio circundante e passou a olhálo com maior curiosidade e, como dono da criação, estava-lhe atribuída a missão de perscrutar os segredos ocultos. É este impulso que justifica todo o afã científico que explode nesta centúria. A ciência é, então, baseada na observação direta e experimentação. As expedições científicas aliam-se e imbricam-se, de forma direta, no traçado das rotas coloniais. As missões científicas atribuem uma maisvalia ao conhecimento que, por sua vez, contribui para a afirmação colonial, para o progresso da navegação e para o comércio e prestígio da própria coroa. A expedição do Cap. Cook conta com instruções expressas da coroa120. Esta expedição pode ser considerada como um laboratório ambulante, dado o aparato científico que a envolveu121. As instituições de França e Inglaterra são fruto de uma intervenção régia, como se pode verificar pelo seu nome122. Neste contexto, poderá, ainda, considerar-se os arquipélagos da Madeira e Canárias, bem posicionados nas rotas que ligavam as instituições científicas europeias aos espaços de investigação, em África, no Índico e na América Central e do Sul, atuando como laboratórios de experimentação das técnicas de estudo e recolha. A insaciável procura e descoberta da natureza circundante cativou toda a Europa, mas foram os ingleses que marcaram presença mais assídua nas ilhas, sendo menor a de franceses e alemães123. Aqui, são protagonistas as Canárias e a Madeira. Tudo isto é resultado da função de escala à navegação e comércio no Atlântico. Note-se que a Inglaterra apostava nas ilhas como pontos nevrálgicos da sua estratégia colonial, acabando por estabelecer, na Madeira, uma base para a guerra de corso no Atlântico. Se as embarcações de comércio, as expedições militares tinham cá escala obrigatória, mais razões assistiam às científicas para a paragem obrigatória. As ilhas, pelo endemismo que as caracteriza, assim como pela história geo-botânica, permitiram o primeiro ensaio das técnicas de pesquisa a seguir noutras longínquas paragens. Também elas foram um meio revelador da incessante busca do conhecimento da Geologia e Botânica. Instituições seculares, como o British Museum, Linean Society, e Kew Gardens, enviaram especialistas às ilhas para proceder à recolha das espécies, enriquecendo os seus herbários. Os estudos no domínio da Geologia, botânica e flora são resultado da presença fortuita ou intencional dos cientistas europeus. Esta moda do século XVIII levou a que as instituições científicas europeias ficassem depositárias de algumas das coleções mais importantes de fauna e flora das ilhas: o Museu Britânico, Linnean Society, Kew Gardens, a Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de História Natural de Paris. Sabemos, ainda, que por cá passaram destacados especialistas da época, sendo de realçar John Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. Darwin esteve nas Canárias e nos Açores (1836) e mandou um discípulo à Madeira. Mas no arquipélago açoriano, o cientista mais ilustre terá sido o Príncipe Alberto I do Mónaco que aí aportou, em 1885. James Cook escalou a Madeira por duas vezes, em 1768 e 1772, numa réplica 120

J. C. Beagle, The Journals of Captain Cook on this Voyage of Discovery, t.I, Cambridge, 1955.

121

H. C. Cameron, Sir Joseph Banks, Londrres, 1966.

122 Cf. T. Thomson, The History of The Royal Society, Londres, 1822; M. Penver, The Royal Society, Concept and Creation, Cambridge, Mass., 1967. 123

Cf. “Algumas das Figuras Ilustres Estrangeiras que Visitaram a Madeira”, in Revista Portuguesa, 72, 1953; A. Lopes de Oliveira, Arquipélago da Madeira. Epopeia Humana, Braga, 1969, pp. 132-134.

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da viagem de circum-navegação, apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam embrenharam-se no interior da ilha, à busca das raridades botânicas para a classificação e, depois, revelação à comunidade científica. Em 1775, o navegador estava no Faial e, no ano seguinte, em Tenerife. Nas Canárias, a primeira e mais antiga referência sobre a presença de naturalistas ingleses é de 1697, ano em que James Cuningham esteve em La Palma. Os Séculos XVIII anuncia-se como de forte presença, nomeadamente dos franceses. Neste contexto, é de referir os estudos pioneiros do canariano José Vieira y Clavijo (1731-1781) e a publicação da Histoire Naturelle des Iles Canaries (1835-50) de P. Barker Webb e S. Berthelot. O contacto do cientista com o arquipélago açoriano fazia-se quase sempre na rota de regresso de África ou América. Foi isto que sucedeu com Andre Bure (1703), Adamson (1753), Cook (1775), Tarns (1841), Darwin (1836) e J. C. Albers (1851). Para os americanos, as ilhas eram a primeira escala de descoberta do velho mundo. Foi isso que sucedeu a Sam C. Reid, Joseph e Henry Bullar (1838-39), J. W. Webster (1821), Alice Baker (1882). Por outro lado, os Açores despertaram a curiosidade das instituições e cientistas europeus. Os aspectos geológicos, nomeadamente os fenómenos vulcânicos, foram o principal alvo da sua atenção. Assim, o Kew Garden interessou-se, desde finais do século XVII, pelo estudo da Botânica do arquipélago, tendo enviado cientistas a proceder a recolhas: Geo Forster (1787) e W. Aiton (1789). Mesmo assim, o volume de estudos não atingiu a dimensão dos referentes à Madeira e Canárias, pelo que Maurício Senbert, em 1838, foi levado a afirmar que a “flora destas ilhas [fora] por tanto tempo despresada”, o que o levou a dedicar-se ao seu estudo124. O interesse dos naturais das ilhas pelo conhecimento do meio natural que os envolvia, influenciado ou não por esta assídua presença de cientistas europeus, desde o século XVIII, é notório na centúria oitocentista. As ilhas recriavam os mitos antigos e reservavam ao visitante um ambiente paradisíaco e calmo para o descanso, ou, como sucedeu no século dezoito, o laboratório ideal para os estudos científicos. O endemismo insular propiciava a última situação. As ilhas forram o principal alvo de atenção de botânicos, ictiólogos, geólogos. A situação é descrita por Alfredo Herrera Piqué, quando as considera “a escala científica do Atlântico”125. Os ingleses foram os primeiros a descobrir as qualidades do clima e da paisagem e a divulgá-las junto dos seus compatriotas. É esta quase esquecida dimensão enquanto motivo despertador da ciência e cultura europeia, desde o século XVIII, que importa realçar . Na Madeira, aquilo que mais emocionou os navegadores do século XV foi o arvoredo, já para os cientistas, escritores e demais visitantes, a partir do século XVIII, aquilo que chama à atenção é, sem dúvida, o aspecto exótico dos jardins e quintas que povoam a cidade. Nas Canárias, a atenção está virada para os milenares dragoeiros de Tenerife. O Funchal transformou-se num verdadeiro jardim botânico e segue uma tradição secular europeia. Começaram a surgir na Europa, desde o século XVI: em 1545, em Pádua, seguindo-se o de Oxford, em 1621. Em 1635, o de Paris preludia a arte de Versailles, em 1662. Em todos, é patente a intenção de

124

“Flora Azorica”, in Archivo dos Açores, XIV (1983), pp.326-339.

125

Las islas Canarias, Escala Científica en el Atlántico Viajeros y Naturalistas en el siglo XVIII, Madrid, 1987.

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fazer recuar ao paraíso126. As ilhas não tinham necessidade disso. Elas já eram o paraíso. Diferente foi a atitude do homem do século XVIII. Aliás, desde a segunda metade do século XVII que o seu relacionamento com as plantas mudou. Em 1669, Robert Morison publicou Praeludia Botanica, considerada como o princípio do sistema de classificação das plantas, que tem em Carl Von Linné (Linnaeus) (17071778), o protagonista. A partir daqui, a visão do mundo das plantas nunca mais foi a mesma. Contemporâneo dele é o Comte de Buffon que publicou, entre 1749 e 1804, a “Histoire Naturelle, Générale et Particuliére” em 44 volumes. Perante isto, os jardins botânicos do século XVIII deixaram de ser uma recriação do paraíso e passaram a desempenhar o papel de espaços de classificação botânica. O Kew Gardens, em 1759, é a verdadeira expressão disso. Note-se que Hans Sloane (1660-1753), presidente do Royal College of Physicians, da Royal Society of London e fundador do British Museum, esteve na Madeira , no decurso das expedições que o levaram às Antilhas inglesas127. Os jardins, através da harmonia arvoredo e das garridas cores das flores, tiveram, nos séculos XVII e XVIII, um avanço evidente e adquiriram a dimensão de paraíso bíblico e, como tal, de espaço espiritual e são a expressão do domínio humano sobre a Natureza128. A Inglaterra do século XIX popularizou os jardins e as flores129. A ambiência chegou às ilhas, através dos mesmos súbditos de Sua Majestade. As ilhas exerceram um fascínio especial em todos os visitantes e parece que nunca perderam a imortal característica de jardins à beira do oceano e de espaços exóticos, onde as espécies indígenas convivem com as europeias e as oriundas do Novo Mundo130. Tenha-se ainda em conta idêntico papel das ilhas de Cabo Verde para as espécies de ambos os lados do Atlântico. Deste modo, poderemos afirmar que as ilhas foram jardins e que os jardins continuam a ser o encanto dos que as procuram, sejam turistas ou cientistas. As ilhas, e de forma especial a Madeira, voltaram a estar no centro de atenção dos europeus por outras razões e conduziram a transformações evidentes no quadro do conhecimento e da Ciência. Foram portos de destino ou escala de muitas expedições cientificas, permitindo ao mundo conhecer melhor o meio envolvente, através de estudos aprofundados sobre a flora e fauna. Mas este interesse pelo quadro natural, associado a outras necessidades da aristocracia europeia levaram a que na ilha da Madeira fossem dados os primeiros passos para a consolidação de um novo motivo de atenção e de valorização da saúde e do lazer, com o turismo, que ganha expressão, primeiro como terapêutico e só depois de lazer.

126 Richard Grove, Ecology, climate and Empire. Studies in colonial environmental. History 1400-1940, Cambridge, 1997, p. 46; J. Prest, The Garden of Eden: The Botanic Garden and the Re-creation of Paradise, New Haven, 1981. 127

Raymond R. Stearns, Science in the British Colonies of America, Urban, 1970

128

Peter J. Bowler, Fontana History of environmental Sciences. N. Y., 1993.,p.111.

129

Cf. K. Thomas, ibidem, pp.207-209, 210-260

130 Rui Vieira, Album Floristico da Madeira, Funchal, 1974; Miguel José Afonso, Funchal- Flora e Arte nos Espaços Verdes, Funchal, 1993.

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OS CAMINHOS DO TURISMO ATLÂNTICO E UNIVERSAL. Na segunda metade do século XVIII, a Madeira e as Canárias assumiram um novo papel. Alguém terá dito que os iniciais promotores do turismo insular foram os gregos, mas os primeiros turistas foram, sem dúvida, ingleses. Os gregos celebraram, na criação literária prolixa, as delícias das ilhas situadas além das colunas de Hércules. Os arquipélagos da Madeira e Canárias são mitologicamente considerados a mansão dos deuses, o jardim das delícias, lugares onde convivem os heróis da mitologia. Foram os ingleses, ainda que muito mais tarde, os primeiros a desfrutar da ambiência paradisíaca, reservada aos deuses e heróis. A Europa oferecia ao aristocrata britânico demasiados motivos para o “grand tour” cultural, mas as belezas e o clima ameno das ilhas pareciam suplantar isso. A verdadeira descoberta das ilhas foi obra de ingleses, alemães e franceses. O turismo caminhou, em ambos os arquipélagos, a par da busca de soluções para a cura da tísica pulmonar e dos estudos e trabalhos de recolha das espécies vivas indígenas do quadro natural, de acordo com as exigências da Ciência e das Instituições europeias. Perante nós, está um campo de grande interesse para a História insular, ainda por desbravar. O avanço neste campo só será possível mediante uma recolha sistemática de informação bibliográfica científica especializada e ao recurso às fontes literárias e iconográficas. A criação de uma base de dados com toda esta informação e a sua disponibilização ao público interessado via Internet é o objetivo desejável. Neste como noutros domínios, é necessário considerar a problemática numa perspetiva global das ilhas Atlânticas, pois foi assim que as mesmas funcionaram na época. Esquecer esta unidade e deixar-se comover pelos apelos bairristas é ludibriar as potencialidades deste novo domínio. Se, ao longo dos últimos cinco séculos, estas foram teimosamente entendidas como um conjunto, por que razão agora as consideramos como mundos separados? O mundo rural perdeu importância, em favor da área em torno do Funchal, que se transforma num hospital para a cura da tísica pulmonar ou de quarentena, na passagem do calor tórrido das colónias para os dias frios e nebulosos da vetusta cidade de Londres. Esta função catapultou a ilha da Madeira para uma clara afirmação. O debate das potencialidades terapêuticas da climatologia propiciou um grupo numeroso de estudos e gerou uma escala frequente de estudiosos131. 131

James Clark, The Sanative Influence of Climate, Londres, 1840; W. Huggard, A Handbook of Climatic Treatment, Londres, 1906; Nicolás González Lemus, Las Islas de la Ilusión. Británicos en Tenerife 1850-1900, Las Palmas, 1995; Zerolo, Tomás, Climatoterapia de la Tuberculosis Pulmonar en la Península Española, Islas Baleares Y Canarias, Santa Cruz de Tenerife, 1889. O debate sobre o tema provocou a publicação de inúmeros estudos a favor e contra. Cf.

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As estâncias de cura surgiram, primeiro, na bacia mediterrânica europeia e, depois, expandiram-se no século XVIII até à Madeira e, só na centúria seguinte, chegaram às Canárias132. A interminável fila de aristocratas, escritores, cientistas que desembarcavam no calhau e iam encosta fora à procura do ar benfazejo das ilhas foi um retrato comum da Madeira e Canárias do século XIX. Dos visitantes das ilhas merecem especial atenção três grupos distintos: invalids (=doentes), viajantes, turistas e cientistas. Enquanto os primeiros fugiam ao Inverno europeu e encontravam, na temperatura amena das ilhas, o alívio das maleitas, os demais vinham atraídos pelo gosto de aventura, de novas emoções, da procura do pitoresco e do conhecimento e descobrimento dos infindáveis segredos do mundo natural. O viajante diferencia-se do turista pelo aparato e intenções que o perseguem. Ele é um andarilho que percorre todos os recantos das ilhas, na ânsia de descobrir os seus aspectos mais pitorescos. Da bagagem, constava sempre um caderno de notas e um lápis. Através da escrita e do desenho, ele regista as impressões do que vê. Daqui resultou uma prolixa literatura de viagens, que se tornou numa fonte fundamental para o conhecimento da sociedade oitocentista das ilhas. Ao historiador, está atribuída a tarefa de interpretar estas impressões133. Aqui são merecedoras de destaque duas mulheres: Isabella de França, 134 para a Madeira e Olívia Stone, 135 para as Canárias. O turista, ao invés, é pouco andarilho, preferindo a bonomia das quintas, e é mais egoísta, guardando para si todas as impressões da viagem. Deste modo, o testemunho da sua presença é documentado apenas pelos registos de entrada dos vapores na alfândega, pelas notícias dos jornais diários e pelos “títulos de residência”136, pois o mais transformou-se em pó. A presença de viajantes e “invalids” nas ilhas conduziu obrigatoriamente à criação de infra-estruturas de apoio. Se, num primeiro momento, se socorriam da hospitalidade dos insulares, num segundo, a cada vez mais maior afluência de forasteiros obrigou à montagem de uma estrutura hoteleira de apoio. Aos primeiros, as portas eram franqueadas por carta de recomendação. A isto, juntouse a publicidade, através da literatura de viagens e guias. Os guias forneciam as informações indispensáveis para a instalação no Funchal e para viagens no interior da ilha, acompanhados de breves apontamentos sobre a História, os costumes, a fauna e a flora. Para a Madeira, um dos mais antigos guias que se conhece é anónimo137, seguindo-se os de Robert White138, E. V. Harcourt139, J. Y. Johnson140 e E. M. Taylor141. O primeiro guia de conjunto dos arquipélagos é de William W. Bibliografia textos de S. Benjamin (1870), John Driver (1850), W. Gourlay (1811), M. Grabham (1870), R. White (1825). 132

M. J. Báguerra Cervellera, La Tuberculosis y su História, Barcelona, 1992.

133 António Ribeiro Marques da Silva. Apontamentos sobre o Quotidiano Madeirense (1750-1900), Lisboa, 1994, N. González Lemus, Viajeros Victorianos en Canarias, Las Palmas, 1998. 134

Journal of a visit to Madeira and Portugal (1853-1954), Funchal, 1970. Todavia, a primeira viajante na ilha foi Maria Riddel que em 1788 visitou a ilha durante 11 dias: A Voyage to The Madeira..., Edinburgh, 1792.

135

Teneriffe and its six Satellites(1887)

136

Na Madeira as autorizações de residência estão registadas para os anos de 1869 a 1879 e 1922 a 1937.

137

A Guide to Madeira Containing a Short Account of Funchal, Londres, 1801.

138

Madeira its Climate and Scenery containing Medical and General Information for Invalids and Visitors; a tour of the Island, Londres, 1825.

139

A Sketch of Madeira Containing Information for the Traveller or Invalid Visitor, Londres, 1851.

140

Madeira its Climate and Scenery. A Handbook for Invalids and other Visitors, Edinburg, 2ªed., 1857, 3ªed., 1860.

141

Madeira its Scenery and How to See it with Letters of a Year’s Residence and Lists of the Trees, Flowers, Ferns, and

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Cooper142 e A Samler Brown143. Este último tornou-se num best-seller, pois atingiu 14 edições. Tenha-se em conta a nomenclatura atribuída aos visitantes a quem se destinavam estes guias. Assim, em 1851, James Yate Johnson e Robert White144 fazem apelo aos “invalid and other visitors”, enquanto, em 1887, Harold Lee145 dirige-se aos “tourists” e, em 1914, temos o primeiro guia turístico de C. A. Power146. Este deverá marcar, nas ilhas, o fim do chamado turismo terapêutico e o início do atual tipo de turismo. A estes dois grupos junta-se um terceiro que também merece atenção destes guias, isto é, o naturalista ou cientista147. A Madeira firmou-se, partir da segunda metade do século dezoito, como estância para o turismo terapêutico, mercê das então consideradas qualidades profiláticas do clima, na cura da tuberculose, o que cativou a atenção de novos forasteiros148. Aliás, a ilha foi considerada por alguns, como a primeira e principal estância de cura e convalescença da Europa149. Note-se que, no período de 1834 a 1852, a média anual de Invalid’s oscilava entre os 300 e 400, na sua maioria ingleses. Em 1859, construiu-se o primeiro sanatório. O último investimento neste campo foi dos alemães que, em 1903, através do príncipe Frederik Charles de Hohenlohe Oehringen, constituiu a Companhia dos Sanatórios da Madeira. Da sua polémica iniciativa, resultou apenas o imóvel do atual Hospital dos Marmeleiros150. Não temos dados seguros quanto ao desenvolvimento da hotelaria nas ilhas, pois a informação é avulsa151. Os Hotéis são referenciados em meados do século XIX mas, desde os inícios do século XV, que estas cidades portuárias de ativo movimento de forasteiros deveriam possuir estalagens. A documentação oficial faz eco desta realidade, como se poderá provar pelas posturas e atas da vereação dos municípios servidos de portos. No caso da Madeira, assinala-se, em 1850, a existência de dois hotéis (the London Hotel e Yate’s Hotel Family), a que se juntaram outros dez, em 1889152. Em princípios do século XX, a capacidade hoteleira havia aumentado, sendo doze os hotéis em funcionamento que poderiam hospedar cerca de oitocentos hóspedes153. A preocupação destes visitantes em conhecer o interior da ilha, nomeadamente a encosta norte, levou ao lançamento de uma rede de estalagens que tem a sua expressão visível em S. Vicente, Rabaçal, Boaventura, Seaweeds, Londres, 1ªed., 1882, 2ª ed., 1889. 142

The Invalid’s Guide To Madeira With a Description of Tenerife..., Londres, 1840.

143

Madeira and the Canary Islands.

144

Madeira Its Climate and Scenery. A Handbook for Invalid and Other Visitors, Edimburgo, 1851.

145

Madeira and the Canary islands. A Handbook for Tourists, Liverpool, 1887.

146

Tourist´s Guide to the Island of Madeira, Londres, 1914.

147

C. A. Gordon, The Island of Madeira for the Invalid and Naturalis- “the Flower of the Ocean. The Island of Madeira: A Resort for the Invalid; a Field for the Naturalist, Londres, 1896.

148 As mais antigas referências a esta situação surgem em 1751 em texto de Thomas Heberden em Philosophal Transactions, sendo corroborado pelo Dr. Fothergill em On Consuption Medical Observation (1775). Veja-se ainda J. Adams, Guide to Madeira with an Account of the Climate, Londres, 1801; W. Gourlay, Observations on the Natural History, Climate and Desease of Madeira During of Period os Sixteen Years, Londres, 1811. 149

Hugo C. de Lacerda Castelo Branco, Le Climat de Madère. Ébauche d’une étude Comparative:Le Meilleur Climat du Monde: Station Fixe et la Plus Belle d’Hiver, Funchal, 1936.

150 Nelson Veríssimo, A questão dos Sanatórios da Madeira, in Islenha, 6, 1990, 124-144; Desmond Gregory, The Beneficient Usurpers: A History of the British in Madeira, Londres, 1988, pp.112-124; F. A. Silva, Sanatórios da Madeira, in Elucidário Madeirense, 1ª ed. 1921-22. 151 Apenas a partir de 1891 temos o Registo de Licenças de Botequins, tabernas, Hoteis, Estalagens, Clubes e Lotaria(1891-1901). Cf. Fátima Freitas Gomes, Hóteis e Hospedarias (1891-1901), in Atlântico, nº.19, 1989, 170-177. 152 Isto de acordo com as informações de J. Driver (Guide to Visitors, Londres, 1850) e C. A. Mourão Pita (Madère, Station Mèdicale Fixe, Paris, 1889). 153

Marquês de Jácome Correia, A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927, p.232

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Seixal, Santana e Santa Cruz154. A ilha dispõe, ainda hoje, de uma unidade hoteleira de luxo que remonta a esta época. O Reid’s Hotel foi construído em 1891, pela família Reid e teve o nome de New Reid’s Hotel, para se diferenciar dos outros (The Royal Edimburgh Hotel, Hotel Santa Clara, Miles Hotel, Hotel Monte e German Hotel) que os donos já exploravam. William Reid fixou-se no Funchal, em 1844, dedicando-se, de parceria com W. Wilkinson, a montar um serviço de apoio aos inúmeros visitantes que chegavam à ilha para um período de repouso ou na busca desesperada das qualidades terapêuticas que o clima da cidade propiciava. Os seus filhos, William e Alfred, deram continuidade à obra. Tenha-se ainda em conta um conjunto de melhoramentos que tiveram lugar no Funchal, para usufruto dos forasteiros. Assim, desde 1848, com José Silvestre Ribeiro, temos o delinear de um moderno sistema viário, a que se juntaram novos meios de locomoção: em 1891, o Comboio do Monte, em 1896, o Carro Americano e, finalmente, o automóvel, em 1904. A partir de finais do século XIX, o turismo, tal como hoje o entendemos, dava os primeiros passos. E foi como corolário disso que se estabeleceram as primeiras infraestruturas hoteleiras e que esta passou a ser uma atividade organizada e com uma função relevante na economia. É neste quadro que deveremos entender a afirmação do turismo madeirense e o papel mais uma vez de relevo do nosso arquipélago para a afirmação de uma industria que hoje assume um papel dominante na nossa sociedade.

154

Para S. Vicente veja-se nossos estudos sobre “Retratos de Viajantes e Escritores”, Boletim Municipal. São Vicente, nº.3, 1995,pp.3-7; “O Norte na História da Madeira”, in Boletim Municipal. São Vicente, nº.8, 1996,pp.7-15

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3. O QUE FOMOS E O QUE DEMOS AO MUNDO. PAPEIS E FUNÇÕES DO MADEIRENSE NO MUNDO. A presença dos madeirenses faz-se, quase sempre notar pela dádiva que aportaram aos novos espaços onde chegaram, fruto da sua contribuição em termos de conhecimento e técnica para a construção de novas sociedades e economias. O pioneirismo da experiência madeirense de povoamento e ocupação e valorização efetiva do solo levaram a que, aos madeirenses, fossem atribuídos estes papéis de carpinteiros e mestres de engenhos, de hábeis modeladores da paisagem às exigências de uma agricultura com a construção de poios e levadas. Das ilhas aos espaços continentais, alvos de uma colonização europeia a partir do século XV, a Madeira e os madeirenses estão quase sempre presentes, por obrigação imposta pela coroa ou mesmo por iniciativa própria, correspondendo ao apelo e às solicitações destes novos destinos. Por vezes, nesta sua missão divulgadora de técnicas e culturas, acabam por criar espaços concorrentes à sua ilha, acarretando algumas consequências desastrosas para a economia e sociedade. O processo de ocupação e definição das estruturas administrativas nas ilhas atlânticas, no decurso do século XV, não obstante a diversa subordinação a Portugal ou Castela, apresenta inúmeras semelhanças. Os privilégios e isenções fiscais funcionam claramente como incentivos à fixação dos colonos. E, no caso da Madeira e das Canárias, tendo em conta a constante mobilidade populacional, o maior ou menor peso da carga fiscal deverá ter sido

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um factor importante no incentivo à presença madeirense no arquipélago vizinho. As Canárias são apontadas como uma das áreas concorrentes da Madeira, sendo o facto mais significativo o terem sido os próprios madeirenses a promovê-la, estando a afirmação inegavelmente ligada à sua presença. Os incentivos à produção de canaviais nas ilhas de Gran Canaria e Tenerife permitiram que muitos madeirenses abandonassem a Madeira e aqui se fixassem. Foi no momento de crise do açúcar na Madeira que mais se notou aí a presença de madeirenses, o que prova a emigração orientada dos técnicos ligados à cultura. As socas de cana chegaram às ilhas de Gran Canaria, Tenerife, La Palma e La Gomera, não alcançando as ilhas de Lanzarote, Fuerteventura e Hierro, devido à esterilidade e, fundamentalmente à falta de água. A Madeira apresenta-se apenas com 738 Km2 de superfície, enquanto as quatro das Canárias surgem com 4672 Km2. Assim, nas Canárias, a área disponível para a cultura subdivide-se em, pelo menos quatro ilhas, podendo jogar aqui a seu favor a lógica da complementaridade económica, que permite um avanço confortável da cultura, sem qualquer dificuldade de orientação de política económica de subsistência. Perante isto, a cultura terá maiores condições para se desenvolver. E se lhe juntarmos as isenções fiscais estabelecidas, teremos uma situação marcadamente desigual que penalizará a Madeira a partir do momento em que estas ilhas atingem a sua plenitude, isto é, no segundo decénio do século XVI. A pressão fiscal sobre produtos de alta rentabilidade poderá, muitas vezes, em situação de livre concorrência com outros mercados produtos, desencadear efeitos negativos. Foi o que aconteceu com a concorrência dos açúcares dos mercados da Madeira e Canárias, em princípios do século XVI, tendo-se revertido, de forma desfavorável, para a Madeira. Uma análise sumária da carga fiscal madeirense, nos primeiros anos da ocupação, evidencia o excessivo peso sobre produtos como o açúcar. O açúcar madeirense era onerado na produção em 25%(quarto) ou 20%(quinto), a que se somavam mais 10%, referentes à dizima de exportação. Já no caso de Canárias, a situação é distinta, consoante estamos nas ilhas de senhorio ou sob administração da coroa. Assim, enquanto nas primeiras, o açúcar era sobrecarregado com o diezmo na produção e na exportação - o quinto, o que corresponde a 30% de encargos, nas de realengo, a diezmo juntavase o almojarifazgo, que correspondia a apenas 15%. Se tivermos em conta que a produção de açúcar incidiu nas ilhas de realengo (Gran Canária, Tenerife, La Palma), teremos uma posição vantajosa para proprietários e mercados, quanto ao açúcar, no mercado partilhado por ambos os arquipélagos. Em Gran Canária, os impostos resumiam-se a 2,5% do diezmo, mais 3% ad valorem na alfândega, que foi subindo até se situar em 6% no ano de 1528. No caso das ilhas de La Palma e Tenerife, manteve-se o regime de isenção fiscal aduaneira até 1522. Esta diferença de 20% no lucro da produção açucareira foi o aliciante para que muitos madeirenses emigrassem para o arquipélago vizinho e se empenhassem na promoção dos canaviais com maior rentabilidade, situação que se repercutiu na quebra sentida na produção madeirense. Esta situação desigual em termos de direitos para dois territórios vizinhos e concorrentes no mercado atlântico, mantém-se, mesmo em relação aos demais produtos como os cereais e o vinho. Isto demonstra a voracidade do sistema tributário português que se reverte, de forma negativa, no usufruto e lucro por parte dos madeirenses para o seu trabalho e investimento e que os obriga, muitas vezes, a sair para Canárias e para outros

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espaços onde pudessem usufruir maior rendimento do seu trabalho. A desigual situação dos encargos fiscais e, subsequentemente dos lucros da exploração agrícola, refletiu-se de igual modo, na evolução do sistema de exploração económico da cultura, colocando a Madeira numa posição desigual face da concorrência de mercado. A evolução da economia açucareira dos dois de ambos os arquipélagos, na primeira metade do século XVI, é devedora desta realidade. A partir dos anos trinta, a cultura açucareira na Madeira tem dificuldade em resistir à concorrência de novos espaços com rentabilidade mais elevada, provocando, para aí, uma deslocação da mão-de-obra especializada. Esta pressão fiscal é muitas vezes responsável pela emigração dos madeirenses e porto-santenses para outras paragens. Para o período da primeira metade do século XVII, Frédéric Mauro aponta o descontentamento dos madeirenses relativamente aos elevados tributos a que estariam sujeitos, manifestado em reclamações junto da coroa e à silenciosa oposição, através da emigração para o Brasil e outras partes. Em 1610, assinala-se, mesmo, uma fuga maciça dos porto-santenses para o Brasil155. Para muitos madeirenses, a forma de fugir a esta situação opressiva dos tributos que deixava pouca margem para a sua renda, era a emigração para estas ilhas das Canárias, ou então Cabo Verde, S. Tomé e Brasil, chegando mesmo até Cuba e Santo Domingo, onde foram capazes de fazer desenvolver a cultura e encontrar o rendimento adequado ao seu trabalho. A alternativa para os que teimavam em permanecer na ilha estava em contestar, de forma silenciosa, esta carga tributária, buscando meios de se subtrair ao pagamento de tão elevado tributo. Em distintos momentos, a coroa faz eco desta sonegação dos tributos, recomendando aos seus funcionários um mais apertado sistema de controlo e vigilância ou, então, determina regimentos que, por vezes, se tornam mais um entrave para a circulação dos produtos. É o caso do que sucedeu em 12 de junho de 1550, com nova provisão e regimento sobre a arrecadação dos direitos dos açucares156. Para o justificar, o Rei aponta o facto de que “os lavradores e pessoas que fazem açucares na ilha da Madeira não pagam os direitos deles inteiramente como são obrigados e os sonegam e assim os purgadores que os purgam não respondem verdadeiramente ao povo com o rendimento que a cada um pertence das canas que faz no que encarregam suas consciências e isto por não ser provido como hão-de receber e entregar os ditos açucares.” Recorde-se que foi no Brasil, por iniciativa da coroa, que mais se fez sentir o impacto madeirense. Os primórdios da colonização do Brasil estão ligados à Madeira, tendo-se estabelecido uma ponte entre a ilha e as colónias do Brasil. Os primeiros engenhos açucareiros foram construídos por mestres madeirenses. Em S. Vicente (Santos), foram feitas escavações no engenho do senhor governador, o primeiro que terá sido construído no Brasil por carpinteiros madeirenses. António e Pedro Leme terão sido os primeiros a chegar ali com as primeiras socas de cana. A cultura expandiu-se entretanto para norte. Na Baia e Pernambuco e Paraíba, encontramos, uma vez mais, muitos madeirenses ligados à safra açucareira, como técnicos ou donos de engenho. Aos agricultores e técnicos de engenho seguiram-se os aventureiros, os perseguidos da religião (= os judeus) e alguns foragidos da justiça. Deste modo, 155 1989, Portugal, o Brasil e o Atlântico. 1570-1670, Lisboa, vol. II, p.235, 236 156

AHM, XIX (1990), pp. 119-124.

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a presença de madeirenses, ainda que mais evidente nas terras de canaviais de Pernambuco, espalhou-se a todo o espaço, com focos de maior influência em S. Vicente, Baía, Caraíbas e Ilhéus. A situação tem eco na Historiografia brasileira. Afrânio Peixoto afirmava, em 1936, que a Madeira foi entreposto, estancia de passagem para o Brasil, enquanto Gilberto Freire, em 1952, define, de forma clara, esse relacionamento: A irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se extremou em termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus homens... concorreram para transformar rápida e solidamente com nova Lusitânia. A coroa insistiu junto dos madeirenses, no sentido de criarem as infraestruturas necessárias ao incremento da cultura. Aliás, o primeiro engenho aí erguido por iniciativa da coroa, contou com a participação dos madeirenses. Em 1515, a coroa solicitava os bons ofícios de alguém que pudesse erguer no Brasil o primeiro engenho. No entanto, em 1555, foi construído um por João Velosa, apontado por muitos como madeirense, um engenho a expensas da fazenda real157. Esta aposta da coroa na rentabilização do solo brasileiro, através dos canaviais, levou-a a condicionar a força de mão-de-obra especializada que então se fazia na Madeira. Assim, em 1537, os carpinteiros de engenho da ilha estão proibidos de ir à terra dos mouros158. 157 Cf. Basílio de Magalhães, O Açúcar nos Primórdios do Brasil Colonial, Rio de Janeiro, 1953; David Ferreira de Gouveia, A Manufactura Açucareira Madeirense(1420-1550). Influência Madeirense na Expansão e Transmissão da Tecnologia Açucareira, in Atlântico, Funchal, 1987, nº.10; Maria Licínia Fernandes dos Santos, Os Madeirenses na Colonização do Brasil, Funchal, 1999, pp.46-60. 158 Alberto LAMEGO, "onde foi iniciado no Brasil a lavoura canavieira, onde foi levantado o primeiro engenho de açúcar" in B. Açúcar, nº 32, 1948, pp. 165-168; Arquivo Geral da Alfândega de Lisboa, livro 54, fl. 41; Documentos

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Este movimento de migração de mão-de-obra especializada do engenho acentuou-se na segunda metade do século XVI, dadas as dificuldades da cultura em solo madeirense. O Brasil, nomeadamente Pernambuco, continuará a ser a terra de promissão para muitos. O açúcar é o produto que estabelece maior número de vínculos com a Madeira e que nos fará regressar da ilha para reencontrar os engenhos de madeira, movidos a água ou a animais, que ainda persistem lá, um pouco por todo o lado, convivendo e desafiando a modernidade da tecnologia. São laços tecnológicos que amarram inolvidavelmente ambos os espaços. Das estruturas e ofícios que, na época quatrocentista, fizeram os engenhos e canaviais na ilha, não temos qualquer vestígio, mas o Brasil soube salvaguardar e preservar estas marcas tecnológicas da madeirensidade, embora estas aportações tecnológicas sejam apresentadas com outra origem, sob a falsa expressão de açorianidade. Desde a Paraíba, passando por Recife, Baía, Rio de Janeiro, S. Paulo e terminando o périplo a Sul, em Santa Catarina, existem as marcas de uma primitiva tecnologia açucareira, transformada e melhorada na ilha, por força de um incremento dos canaviais; são evidentes os saberes tecnológicos levados pela memória e construidos pelas mãos de carpinteiros da ilha. A tradição assim o refere. Mas a jornada desta descoberta do Brasil tecnológico com laços ao arquipélago estava reservado para os primeiros anos do século XXI quando, a partir de abril de 2000, partimos à descoberta sistemática deste Brasil tecnológico, no sentido de encontrar as marcas da ilha e o engenho e arte brasileiro, adaptando rapidamente estas tecnologias às condições do novo espaço, transmitindo-se e perpetuando-se pela mão de portugueses e até mesmo italianos, alemães e outros emigrantes que se foram sucedendo no Brasil. Nos princípios do século XIX, a ida da coroa portuguesa para o Rio de Janeiro favoreceu novas correntes migratórias, mas foi, sem dúvida, no período conturbado da Revolução Liberal, que o Brasil se transformou no principal refúgio dos perseguidos da política. As alçadas de 1823 e 1828159 forçaram o exílio de muitos madeirenses empenhados na atividade política do momento. Muitos deles são figuras destacadas, com formação jurídica e o gosto pela escrita. Para ano de 1828, podemos referir o caso de Alexandre Luiz da Cunha (-/1852), António Gil Gomes (1803-1868), Rafael Coelho Machado (1814/-), Padre Caetano Alberto Soares (1790/1867), José Vicente Barbosa du Bocage (1823/19079), Padre João Manuel de Freitas Branco (1773/1821), Francisco João Moniz. Hoje, são ainda evidentes os vestígios da secular ligação dos ilhéus ao Brasil. Os Madeirenses mantêm a tradição do bordado, nomeadamente em S. Paulo. A Sul, no Estado de Santa Catarina (em Blumenau, Camboriú, Florianópolis...), é manifesta a influência das tradições culturais açorianas, com as festas do Espírito Santo. Por outro lado, as ilhas não ficaram imunes às influências brasileiras. Estas evidenciam-se tanto na arquitetura, com as chácaras, como nas artes decorativas, com o recurso às madeiras brasileiras (jacarandá, sicupiru) para a construção de mobiliário. A última situação encontra vestígios, nomeadamente nos Açores, para a História do Açúcar, ed. I, A. A. Vol I, Rio de Janeiro, 1954, pp. 121-123, 5 de Outubro 1555; ARM, RGCMF, T. I, fl. 372vº. 159

F. A. Silva, Elucidário Madeirense, vol. I, Funchal, 1965, pp.29-32

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no mobiliário religioso. Também as madeiras das caixas que transportaram o açúcar tiveram uma reutilização, quer na Madeira, quer nos Açores. Tenha-se em consideração que o retorno tem a ver com a existência de uma rota comercial entre as ilhas e o Brasil e, no caso dos Açores, o papel assumido no traçado das rotas oceânicas. É por tudo isto que podemos afirmar que a Madeira foi ao nível social, político e económico, o ponto de partida para o “mundo que o português criou...”, nos trópicos. A primeira fronteira entre o Velho e o Novo Mundo. Daqui resulta também a importância que assume para o estudo e conhecimento da História do Atlântico a valorização da pesquisa histórica sobre os arquipélagos (4). O mito do colonizador açoriano do século XVIII, alimentado de ambos os lados do Atlântico, a partir da década de quarenta do século XX, levou a que se desvalorizasse o contributo de gentes oriundas de outras regiões, como foi o caso da Madeira160. As festas do Divino são o caso mais evidente do sofisma. Os estudos 160

A Bibliografia açoriana dos últimos tempos, por força de intercâmbios institucionais, tem dedicado especial atenção ao tema, contribuindo para reforçar o “mito açoriano”. Cf. Barroso, Vera Lúcia Maciel (org.), Presença Açoriana em Santo António da Patrulha e no Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Ed. Est. 1997. Belo, Raimundo, A Emigração Açoriana para o Brasil, BIHIT, Vol. V, AH, 1947, 165-176. Boiteux, Lucas Alexandre, Açorianos e Madeirenses em Santa Catarina, Revista do I. Hist. e Geog. Brasileiro, Vol. 219, Rio de Janeiro, 1953. Cabral, Osvaldo Rodrigues, Os Açorianos, Florianópolis, Imprensa Oficial do Estado, 1950. Cabral, Oswaldo R., Os Açorianos, in Anais do Primeiro Congresso de História Catarinense, Florianópolis, 1950, Vol. II, 503-608.IDEM, Raízes Seculares de Santa Catarina, BIHIT, AH, 1959, XI (II), 1-142. Diégues Júnior, Manuel, Contribuição de Casais Ilhéus à Fixação do “Uti

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mais recentes revelam a marca portuguesa e não apenas açoriana das festividades e é por demais evidente que os madeirenses, como outros colonos continentais, foram igualmente portadores do culto161.

Possidetis”, Anais do Primeiro Congresso de História Catarinense, Florianópolis, 1950, II. Enes, Maria Fernandes D. Teixeira, A Diáspora Açoriana e o Destino Brasileiro, in Actas da III Semana de Estudos de Cultura Açoriana e Catarinense, Ponta Delgada, 1993, 37-46. Farias, Vilson, Santa Catarina e o rio Grande do Sul. A alma Açoriana no sul do Brasil, in Atlantis, nº.3, Lisboa, 2003, pp.34-40; Fontes, Gen. João Borges, Os Casais Açorianos. Presença Lusa na Formação Sul-riograndense, Porto Alegro, 1978. Furlan, Osvaldo António, Influência Açoriana no Português do Brasil em Santa Catarina, Florianópolis, Ed. de UFSC., 1989. Ghisleni, Maria Helena Pena (transcrição), Africanos no Rio Grande do Sul. Documentos Interessantes e Documentação do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (17551788), Porto Alegro, 1991. Macedo, F. Riopardense de, Açorianos para o Sul do Brasil, in o Papel das Ilhas do Atlântico na Criação do Contemporâneo, V Colóquio Internacional de História das Ilhas Atlânticas, A.H., 2000, 731759. Madeira, Artur Boavida, Açorianos nas Fronteiras do Brasil na Segunda Metade do Século XVIII, in As Ilhas e o Brasil, Funchal, 2000, 349-364. Martins, Francisco Ernesto de Oliveira, Arquitectura Popular Açoriano/Brasileira. Subsídios para o seu Estudo, AH, 1996.Mendonça, Luís e José Ávila, Emigração Açoriana (sécs. XVIII a XX), Lisboa, 2002. Meneses, Avelino de Freitas de, Os Açores e o Brasil: As Analogias Humanas e Económicas no Século XVIII, Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, Curitiba, 1995, 10, 23-42.Meneses, Manuel de Sousa, Os Casais Açorianos no Povoamento de Santa Catarina, BIHIT, AH, 1952, X, 40-104. Merelim, Pedro de, Emigração Açoriana para o Brasil, Atlântida, AH, 1966-67, 10-11 (4-5 e 1-3), 242-252, 315-320, 86-104. Pereira, Nereu do Vale, As Ilhas Açorianas e o Brasil Meridional, V Colóquio Internacional de História das Ilhas Atlânticas, A.H., 2000, 491-515. Piazza, Walter F. e Farias, Wilson Francisco de, O Contributo Açoriano ao Povoamento do Brasil, Actas da III Semana de Estudo de Cultura Açoriana e Catarinense, Ponta Delgada, 1993, 191-220. Piazza, Walter F., A Epopeia Açorico-Madeirense (1746-1756), Florianópolis, VFS c/ Sunardelli, 1992. Piazza, Walter F., A Ilha de Santa Catarina e o seu Continente (…) in As Ilhas e o Brasil, Funchal, 2000, 311-335. Piazza, Walter, A Grande Migração Açoriana de 1748-56, in Memorial de Luís da Silva Ribeiro, SREC., AH, 1982. Santos, Eugénio dos, Os Açorianos no Povoamento e Defesa do Extremo Meridional do Brasil. O Caso do Rio Grande do Sul, in O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XXI, Horta, 1995, 373-385. Rodrigues, José Damião, entre Duas Margens. A Circulação Atlântica dos Açorianos nos Séculos XVII e XVIII, in Arquipélago-História, 2º série, vol. VI, Ponta Delgada, 2002, pp.225-245. Sousa, Sara Regina Silveira E., Presenças Açorianas na Arquitectura de Santa Catarina, Florianópolis, 1981. Wiedersphan, Henrique Oscar, A Colonização Açoriana no Rio Grande do Sul, Porto Alegro, 1979. 161

Cf. Martha Abreu, O Império do Divino, Rio de Janeiro, 1999,

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4. DA AÇÃO E RIQUEZA DOS MADEIRENSES . ...he huma das principaes e proveitozas couzas que noz, e real coroa de nosso reynos temos para ajudar, e soportamento de estado real, e encargos de nossos reynos. 1497: Carta régia de 27 de Abril, El-Rei D. Manuel revertendo para a Coroa a posse da ilha da Madeira, in 1973, Arquivo Histórico da Madeira, vol.XVII, p.363. Ajunta o homem sem acabar, nem deixar de ajuntar, e não sabe para quem; adquire o avaro para desperdiçar o pródigo; ganham fiel para roubar e desbaratar o ladrão; edifica o benfeitor para derrubar o preguiçoso; planta curioso para dissipar e cortar o desfadado e desasado; inventa o ardiloso para contrariar o traidor; ajunta o ganhador para espalhar e deitar a perder o perdido. Espelho não obscuro, exemplo é este mui claro, para que, vendo-se nele, só procurem os homens ajuntar boas obras e virtudes, que não se perdem, e entesourar somente no Céu seu tesouro, onde a ferrugem o não gasta, a traça não come, e o ladrão o não furta, e todo descanso e bemaventurança se possui, sem nenhum sobressalto de a perder jamais em algum tempo, nem momento.

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1590(?): Doutor Gaspar Frutuoso, 1979, p.327-328, 387-388. Uma provincia, que como esta rende para se sustentar a si, he uma grande provincia, pois esta não só rende para se sustentar a si, mas até carregou com a divida que no Rio se contraíu com a Inglaterra, parece que deve ser muito attendida. 1823. Deputado Manuel Caetano Pimenta de Aguiar, Diário nº 33, 13 de Fevereiro, p. 805-806. A Madeira nada tem custado ao Thesouro da Metropoli, nem mesmo nas mais extraordinarias occasioens de calamidades, como em 1803, em que uma espantosa alluvião engolio grande numero de seus habitantes, e grande parte do Funchal, e destruio as obras de encanamento das agoas, com as pontes, estradas e outras de utilidade publica, cuja reedificação hade vir a montar a alguns milhões. Pelo contrario ella acudio apromptamente aos emigrados de Portugal por occasião de iniqua invasão franceza e retirada do senhor D. João VI para o Brazil.Alguns annos depois contribuio com mesadas de treze contos trezentos e tantos mil reis á conta do Emprestimo de Libras 600$000, contrahido pelo Governo em Londres, vindo assim a contribuir annualmente com 160 contos, alem de outros saques, e remessas consideraveis, feitas em differentes, e não poucas occasiões a favôr do Erario de Lisboa. Ella paga a todos os seus Empregados Publicos; tem sustentado mais Tropa, do que he preciso para a sua defensa, e Policia interna. Está frequentemente prestando soccorros aos Navios da Corôa, e agora mesmo tem de supportar um saque de duzentos noventa e seis contos quinhentos e tantos mil reis; até algumas vezes tem soccorrido as outras Ilhas, sem destas receber retorno algum deste beneficio. Nas vicissitudes de 1820 até 1826 seguio sempre a sorte da Mãi Patria, e bem cara lhe custou esta sua adhesão. Apenas a Lei, e a voz do Senhor D. Pedro IV a chamou á participação do incomparavel beneficio com que aquelle Magnanimo Soberano quiz felicitar os Portuguezes, não hesitou um momento, mas voou prompta a tributar-lhe as mais decididas homenagens de obediencia, lealdade, e gratidão. Sua feliz posição Geografica a respeito das outras partes do Mundo a tem feito objecto de inveja de outras Nações, e objecto de muita importancia para a nossa antiga Alliada, que por duas vezes na ultima guerra se apresentou a defende-la por Mar e Terra; seu terreno offerece producções das quatro Partes do Mundo. Ella paga a todos os seus enpregados publicos; tem sustentado mais tropa da que é precisa para a sua defesa, e policia

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interna. Está frequentemente prestando socorro aos navios da coroa: até algumas vezes tem socorrido as outras ilhas, sem destas receber retorno algum deste beneficio. 1827: Lourenço José de Moniz, Câmara dos Deputados, Discurso na sessão de 5 de Março, pub. In Funchalense Liberal, no.9. A Madeira é uma terra que vive essencialmente do turismo, ...É o turismo que sustenta uma grande parte do seu comércio, que assegura movimento de muitas actividades e de muitissimos braços, que enche por esta época os hoteis, que anima a vidada cidade, que enfim bem impressa nas varias manifestações da actividade madeirense a passagem da sua prosperidade e do seu oiro. (…)1922, ARAUJO, Juvenal, 1928, Trabalhos Parlamentares, Funchal, pp.31-34. Sem querer apurar qualquer resultado do saldo das relações financeiras entre o Estado e a Região, bem como dos seus mecanismos de funcionamento, importa realçar algumas stuações bastante esclarecedoras em que a Coro e o Estado fizeram do arquipélago um dos seus principais tesouros, tendo vindo aqui buscar os meios financeiros para o pagamento de algumas despesas ou compromissos. Esta saída de recursos financeiros não foi apenas para a metrópole, vulgo Terreiro do Paço, mas também para satisfazer as cláusulas de tratados, o resgate do território brasileiro, ou a manutenção das legações diplomáticas e mesmo a possibilidade de garantia de hipotecas. Desta forma, a Madeira e os madeirenses atuam como pagadores de promessas e dívidas, e são fiadores e garantia de negócios diplomáticos internacionais. Por diversas vezes, os madeirenses foram chamados a contribuir para o pagamento das dívidas da coroa e do Estado. Atente-se a que a coroa tinha ainda a faculdade de lançar fintas ou empréstimos, com objetivos determinados de defesa e de pedidos para cobrir despesas extraordinárias, como as do casamento dos infantes e infantas. A política de pedido de empréstimos foi uma constante e mais um pesado tributo a onerar os madeirenses. E quando estes acabavam, a população sentia-se aliviada. Recorde-se que, em 5 de agosto de 1497, a vereação do Funchal mandou dizer uma missa a Santo António ( ignora-se a razão da escolha deste santo), por terem recebido os conhecimentos e quitações de um empréstimo de duas mil arrobas de açúcar162. O primeiro pedido que teve aplicação na Madeira data de 1478, cabendo aos madeirenses o valor de 1.200$00 reais, que recusaram. De novo, em 1498163, foi solicitado à Madeira que contribuísse para as despesas com a guerra no Norte de África, através do lançamento de couraças ou gibanetes, em que coube à Madeira 420$000 reais. Ainda no mesmo ano e, depois, em 1515 e 1517164 , os madeirenses foram, uma vez mais, chamados a contribuir para as despesas com a guerra ao infiel, através da bula da Santa Cruzada. O tributo de manutenção das praças africanas levou ainda a nova finta, em 1668, que contou com o contributo de 5580 cruzados, por parte dos madeirenses, para um valor de 5000.000 cruzados. Já em 162

Referenciado por COSTA, José Pereira da, 1995,Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, Funchal, p. XVII

163

AHM, XVIII, pp.368, 369, 380, 381.

164

AHM, XVII, pp.370, 384; XVIII, pp.570, 588.

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1502165, os madeirenses são chamados a contribuir com 100 arrobas de açúcar para as despesas com os festejos do nascimento do príncipe D. João. Em 1661, foi o casamento da Infanta D. Catarina, que obrigou os madeirenses ao contributo de 20.000 cruzados, para o dote de dois milhões de cruzados166. Temos ainda conhecimento de outras fintas gerais em 1570, 1605, 1617, 1630. As duas últimas tiveram a finalidade da restauração de Pernambuco da ocupação holandesa, contribuindo a Madeira com 103.000 cruzados, de uma verba total quatro milhões de cruzados, o equivalente, em moeda de hoje, a 650 milhões de dólares167. Noutras situações, a Madeira continuará a funcionar como meio de recurso de financiamento a diferentes projetos e despesas. Os conflitos dos reinos peninsulares pela hegemonia imperial levaram ao estabelecimento de vários tratados e ao estabelecimento de várias contrapartidas negociadas. O Tratado dos Molucas (1529) e os pagamentos pela Madeira. Em 1498, Vasco da Gama traçara o caminho marítimo para a India e Colombo continuava sem o encontrar pela via do Ocidente. Todavia, a partir de 1510, com as pretensões castelhanas de penetração do Índico veio, de novo, à baila, a questão do Tratado de Tordesilhas. A viagem de Fernão Magalhães (1522) e a consequente questão das Molucas colocaram, outra vez, na ordem do dia, este tratado. A 28 de novembro de 1523, Portugal conseguiu de Castela a capitulação que abriu a porta para novas negociações que tiveram lugar em Badajoz168. Estas prolongaram-se por vários anos, dividindo-se as opiniões sobre a verdadeira localização das Molucas169 Em 1529, com o Tratado de Saragoça, foi encontrada uma solução provisória e que, a curto prazo, parece agradar a ambas as partes170. D. João III viu-se forçado a pagar 350.000 ducados para assegurar a posse das Molucas que, afinal, se encontravam dentro da área de influência de Portugal.    Mais uma vez, é possível assinalar uma ligação à Madeira, pois terá sido, segundo alguns, o madeirense Anónio de Abreu171 o seu primeiro explorador172.  Por outro lado, os madeirenses contribuíram com avultada quantia de empréstimo para o pagamento do referido 165

AHM, XVII, pp.458-459.

166

Para isso, estabeleceu-se uma nova maquia nas moendas e uma imposição de 4 réis, por canada na venda do vinho atavernado, 400 réis por pipa de vinho, 800 réis por pipa de aguardente, 300 réis por pipa de vinagre e 2000 réis por cada dúzia de tabuado.

167 Esta negociação da libertação de Nordeste demorou de 1654 a 1669, tendo Portugal pago em 1654 4 milhões de cruzados. Cf. MELLO, Evaldo Cabral de, 1998, O Negócio do Brasil Portugal, os Países Baixos e o Nordeste 16411669. Rio de Janeiro:TopBooks. 168

A. Cortesão, 1934, Cartografia e cartógrafos portugueses dos séculos XV e XVI, Vol. II, Lisboa; A viagem de Fernão Magalhães e a questão das Molucas, Lisboa, 1975 (Colóquio realizado em Valladolid). Vejam-se as comunicações de Ramón Ezquerda Abadia, A.T. Mota,  L. F. Thomaz.

169

O texto de Gaspar Frutuoso é esclarecedor: "Mas como são cousas de compridos caminhos e de longes terras e espaços mares, e nno se saber a altura de leste a oeste, nno se pode bem cercear e averiguar a conta e medida deles, pelo que destas demarcações dantre Portugal e Castela, dos termos que a cada um destes reinos cabem no que é descoberto e está por descobrir, ainda que algumas pessoas disseram e escreveram, uns em favor de um reino e outros do outro, não se pode bem determinar nada do que eles tratam em suas alturas, senão remeter se à razão e ao que se nisso achar na verdade, porque, ainda que se demarcasse a linha onde começa a repartição destas conquistas, não está bem acabado de averiguar por onde se há-de lamçar a outra linha ou meridiano em oposição da primeira, que precisamente parta o Mundo e a conquista dele pelo meio." Ob.cit., pp.213-214

170 Diferente foi a atitude de alguns portugueses que foram contr_rios a esta decisão da coroa. Veja-se, de novo, o testemunho de Gaspar Frutuoso, ob.cit., pp. 215-216. 171 Não existe consenso sobre a verdadeira origem e identidade deste António Abreu, uma vez que na época são referenciados alguns homónimos, mesmo no Funchal. Confronte-se: Cabral do Nascimento, "António de Abreu, descobridor das ilhas de Maluco, não é António Abreu, natural da Madeira e capitão duma nau das Índias em 1523", in AHM, I, 1931, 21-28 (reeditado no vol. IV, 117-121) 172 A dúvida todavia subiste em face de vários homónimos contemporâneos. E deste modo a opinino mais abalizada anota que esse António de Abreu que abordou as Molucas e terá estado na Austrália não é o madeirense, filho de João Fernandes do Arco, mas sim o do fidalgo Garcia de Abreu, de Avis.

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contrato. Manuel de Noronha ficou com o encargo de arrecadar a contribuição madeirense. João Rodrigues Castelhano é referenciado também como recebedor do referido empéstimo, tendo desembolsado da sua fazenda 300.000 réis173. A este juntam-se Fernão Teixeira,174 com 150.000 réis e Gonçalo Fernandez,175 com 200.000 réis. O pagamento fez-se nos anos de 1530-1533176, à custa dos dinheiros resultantes dos direitos da coroa sobre o açúcar. PEDIDOS E MAIS PEDIDOS. As necessidades de assegurar a defesa do Funchal implicaram um elevado investimento que requereu a participação dos madeirenses, sendo o primeiro, em 1557, no valor de 7000 cruzados. Depois, após o assalto francês de 1566, a coroa sobrecarrega a Ilha com novas fintas em 1567177, 1576178 (de 100000 cruzados), 1617179 e 1700. Nas duas primeiras situações, temos uma finta de 7000 cruzados para acudir às despesas de fortificação. A de 1617 foi no valor de nove mil cruzados, sendo a distribuição feita com base na produção do vinho. Assinalamse, ainda, diversos pedidos de empréstimo com a mesma finalidade. O primeiro aconteceu em 1573, sendo pago em 1588180 , a partir dos lucros do açúcar. Depois, nas décadas seguintes, o aumento da despesa com a manutenção das forças do presídio castelhano obrigou a novos empréstimos em 1589, 1593, 1599, 1629181. Dos pedidos da coroa com esta finalidade, de que ficou registo documental, sabemos que a Madeira contribuiu em 1566182 , 1681183 e 1693184 . Os tributos extraordinários de guerra assumem uma importância especial na carga tributária e nas receitas da Coroa. A Fazenda Real socorria-se desta fonte de receita, para financiar diversas frentes de batalha. Neste caso, as guerras para além de gerarem situações de forte 173 Veja-se José Pereira da Costa, "A família Mondragão na Sociedade Madeirense do S_culo XVI", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira(1986), vol. II, Funchal, 1990, 1143-1149. 174 ANTT, CC, II, 158, nº.102 e 106, mandado de 22 de Setembro de 1529 para o pagamento do referido valor. 175

J. Pereira da Costa, ibidem, pp.1148-1149.

176

PEREIRA, 1990, I, docs. Nº.1340, 1368, 1369, 1505, 1533, 1569, pp.264, 268, 269, 293.

177

ARM, CMF, registo geral, t. III, fl.132vº, 3 de dezembro de 1567

178

ARM, CMF, registo geral, t. II, fls-150v-151, 19 de janeiro de 1576.

179

ARM, CMF, registo geral, T.III, fls.117-117vº, 2 de dezembro de 1617.

180

ARM, CMF, registo geral, t. III, fl.177, 22 de janeiro de 1588.

181 Cf. VIEIRA, Alberto e Vítor Rodrigues, Avelino F. Menezes, 1990, O Município do Funchal (1550-1650). Administração, Economia e a Sociedade. Alguns Elementos para o seu estudo, I CIHM, Funchal, pp. 1014, 1132. 182

ARM, CMF, registo geral, t. III, fls. 94-94vº, 3 de janeiro de 1566.

183

AN/TT, PJRFF, nº.966, fls. 209-209vº, 8 de agosto de 1681.

184

ARM, CMF, registo geral, T.VII, fls.197-198, 14 de maio de 1693, 15 de junho de 1694.

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instabilidade política e social, eram responsáveis por entraves significativos ao sector produtivo e comercial. Mas como se isto não bastasse, traziam quase sempre associadas a sobrecarga da tributação extraordinária para o seu financiamento. O período que se segue à segunda metade do século XVI foi marcado por esta situação, com reflexos evidentes na economia e nas finanças do arquipélago. Primeiro, para fazer face à situação de falta de segurança da cidade do Funchal que o assalto francês de 1566 havia demonstrado, a coroa fez, em 1573, um empréstimo de 9000 cruzados, aos madeirenses, por seis anos, para acudir à despesas da fortificação. E, em 1588, num momento ainda mais difícil, os madeirenses são chamados a pagar o referido empréstimo, o que não sabemos se na realidade sucedeu. O RESGATE DO BRASIL AOS HOLANDESES. Em 1637, com a ocupação holandesa do Pernambuco, os madeirenses foram convidados a participar com uma finta de 13.000 cruzados, sendo 10.000 pela capitania do Funchal e apenas 3.000 pela de Machico, para as despesas com a restauração do Brasil185, valor cobrado a partir do real de água e do cabeção das sisas186. Os madeirenses reclamaram, dizendo que o dinheiro fazia falta na Ilha para a fortificação e preparação da defesa contra os corsários, apontando o caso de 1566. A propósito, referem o gasto de oitocentos cruzados da renda da imposição do vinho com este fim, ao mesmo tempo que manifestam o seu desagravo pela despesa e o mal-estar criado com as três alçadas de 1615. Consideram, ainda, que este encargo sobre o preço do vinho podia afugentar os mercadores do porto. Já a vereação de Machico, em maio, apontava a pobreza da Ilha e as dificuldades que o mesmo finto iria causar aos madeirenses187. AS GUERRAS DE FRONTEIRA. As necessidades com a guerra de fronteiras orçavam em 2.400.000 de cruzados, sendo necessário conseguir 1.800.000 cruzados, para preencher este orçamento, pelo que a Ilha ficaria com o encargo de 20.000 cruzados, um esforço correspondente às suas capacidades financeiras188. Junta-se, ainda, a mobilização de homens para aí combaterem189. Temos notícia de duas companhias de infantaria mobilizadas na Ilha sob o comando de Manuel Lobo Silva190. Em 1644191, o Governador fez um apelo aos madeirenses, no sentido desta ajuda tão necessária para combater o inimigo e recomenda que a forma de lançamento dos 10.000 cruzados seja fosse feita pelo modo mais suave. Sabemos que, em 1647192, a principal incidência deste donativo estava no vinho, a cultura mais importante do momento, pagando cada pipa de vinho 400 réis, distribuídos a meias entre o comprador e o vendedor. No caso de exportação pelo próprio 185

ARM, CMF, registo geral, T.VI, fls.19-19vº, 26-31vº, 08 de janeiro, 11 e 16 de março, 7 de maio de 1637; ARM, CMM, nº.85, fls.6-15vº, 8, 26 de janeiro, 2 de abril de 1637.

186

ARM, CMF,t. I, fls. 6-10vº.

187

A finta em questão passou a incidir sobre a venda e exportação do vinho, a venda da carne e azeite. Assim, os taverneiros pagavam meia canada de vinho pela venda de duas e a pipa de vinho de saída estava sujeita a um aumento de dois tostões. De cada almude de azeite de 13 canadas, um era desta finta e de cada arrátel de carne de 6 onças, tirava-se uma para este finto.

188

ARM, CMM, nº.85, fls.95vº-100, 9 de julho de 1643; ARM, CMF, registo geral, t. VI, fls. 79-79Vº.

189

Cf. NASCIMENTO, João Cabral do, 1942, ·Gente das ilhas nas guerras da Restauração, Anais da Academia Portuguesa de História, II série, VII 427-458; GONÇALVES, Ernesto, 1967, Os madeirenses na Restauração de Portugal, Das Artes e da História da Madeira, VIII 37.VIEIRA, Alberto, 1992: A Restauração nas ilhas, in Werner THOMAS e Bart de Grrof, eds., Rebelión y Resistência en el Mundo hispânico del siglo XVII, Lovaina, pp. 108-121.

190

ARM, CMM, nº.85, fls.136vº-139vº, 17 e 19 de março, 3 de outubro de 1650.

191

ARM, CMM, nº.85, fls.94-95, 1 de janeiro.

192

ARM. CMF, registo geral, t. VI, fl.80vº-81, 5 de fevereiro de 1647.

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proprietário, o tributo era de apenas 100 réis. Entretanto, por carta régia de 10 dezembro de 1656193, determina-se o seu lançamento como uma contribuição anual no valor de 20.000 cruzados, “de forma a que se não molestem meus vassalos e festivamente e com prontidão se acuda aquela quantia, para a defesa do Reino”194. A contribuição dos porto-santenses, visto não terem vinho nem moinhos, era feita em dinheiro195. Tal como se afirmava em 1676, este era um imposto que incidia sobre todos, não podendo ficar ninguém isento, nem mesmo os donatários, Condes de Vimioso e da Calheta, as freiras do convento de Santa Clara e todo o clero que, desde 1688, contribuíram para este esforço nacional. Foram várias as resistências dos madeirenses e as dificuldades com a arrecadação deste donativo. Desta forma, dizia, em 1653, o superintendente deste tributo, o capitão António Maciel de Fonseca que Sua Alteza “não quer se de moléstia aos povos”, quando eles contribuam voluntariamente para a defesa do reino. Certamente que se tinha em conta a dívida acumulada dos anos de 1649-50 e as queixas de que os ricos eram favorecidos, em detrimento dos pobres, o que conduz a uma decisão da coroa, de isentar os mendicantes e aqueles que não tinham posses196. Os madeirenses não foram muito favoráveis à cobrança deste donativo. Concluídas as pazes em 1668, não terminou esta solicitação do esforço nacional para a guerra, uma vez que se tornava necessário reparar as fortalezas e cobrir as despesas em atraso, no valor de 100.000 cruzados. Assim, para um esforço nacional de 500.000 cruzados, pelo período de três anos, a Madeira contribuiu com 3.232$500 réis197. Mas os madeirenses persistiram na sua resistência a esta tributação, de forma que, em 1711, o governador Duarte Sodré Pereira se queixava da falta de cobrança e de um motim que se levantara por esse motivo198. Todas as circunstâncias e situações eram oportunidades para a Fazenda Real ou o Estado solcitarem a contribuição de todos os madeirenses. A ideia, bem patente do arquipélago como um paraíso associava-se a de um tesouro inesgotável, donde se podia retirar todos os recursos financeiros para pagar qualquer dívida em Portugal ou no estrangeiro, continuando a ignorar-se das reais possibilidades da ilha e dos madeirenses o poderem satisfazer.

193

ARM. CMF, registo geral, t. VI, fl.122-122vº, 123-124, 14 de maio de 1657; 14 de outubro de 1656.

194 A sua distribuição incidia sobre a produção, venda e exportação do vinho: 4 réis por canada do vinho de venda ao público, 200 réis por pipa por conta do dono do vinho; na saída temos: vinagre ou beberage, 300 réis por pipa; aguardente, 2 cruzados por pipa, vinho: 400 réis em pipa), o fabrico de farinha (uma maquia de alqueire de trigo a moer nos moinhos) e a exportação de alguns produtos (100 reis por cada couro, 200 reis por dúzia de tábuas, 100 réis por moio de trigo, 400 reis por quintal de ferro, meio tostão por arroba de sumagre). 195

ARM. CMF, registo geral, t. VI, fl.128vº, 5 de agosto de 1658.

196

ARM, CMM, nº.85, fls.161-164,173vº-176vº, 27 de fevereiro de 1653, 15 de abril de 1654.

197

ARM, CMM, nº.85, fls.288vº-289v, 291vº-294, 8 de maio e 6 de setembro de 1668.

198

SILVA, Maria Júlia de Oliveira e, 1992, Fidalgos-mercadores no século XVIII. Duarte Sodré Pereira, Lisboa, p.48.

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5. OS MUNDOS DO MADEIRENSE. O SANGUE DA ILHA DERRAMADO PELO MUNDO De largada desta terra Leste, Sul, Oeste e Norte, Uns partiram para a guerra Outros em busca da sorte. (...) Se o mar é apelo ingente Por ser pequeno o país, Não pode negar a gente Que é d’ água a sua raiz. Seja a guerra seja a sorte Há sempre uma condição: É entre a sorte e a morte Que se sente o coração. Irene Lucília, poema

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Os descobrimentos europeus, a partir do século XV, não podem ser vistos apenas na perspetiva do encontro de novas terras, novas gentes e culturas, pois a isto deverá associar-se a migração de homens, plantas, utensílios, conhecimentos e doenças em vários sentidos. O movimento do Homem arrastou consigo o universo envolvente da fauna, flora, tecnologia, usos e tradições que tiveram um impacto evidente nos novos e velhos espaços. Este processo de que os portugueses foram pioneiros, no século XV, é aquilo que Pierre Chaunu199 define como o desencravamento planetário que abriu as portas para o abraço entre todos os continentes, ou a chamada economia-mundo de F. Braudel200, ou ainda o processo de descompartimentação do mundo que nos refere Pierre Léon201. Em termos atuais, foi o começo do processo de globalização. Neste quadro, o Atlântico define-se, a partir do século XV, como um novo espaço para a afirmação dos impérios europeus, onde as ilhas assumem a função de ponte no cruzamento de rotas, circulação de pessoas e produtos. A construção da sociedade atlântica, a partir do século XV, resultou do movimento de populações provocado pela expansão europeia. As ilhas que, num primeiro momento, haviam sido as principais recetoras, assumem, de imediato, a função de centros difusores de mão-de -obra especializada para a expansão da cultura e tecnologia dos novos produtos da economia agrícola atlântica. Elas foram espaços de permanente movimento de populações, situação que funcionou como válvula de escape para as limitadas possibilidades do espaço, face ao crescendo da população. A situação charneira do arquipélago madeirense no traçado das rotas oceânicas dos portugueses de ida para a costa africana e o facto de ter sido o primeiro espaço de ocupação e valorização económica portuguesa condicionou a primeira leva de europeus e fez com que os madeirenses estivessem presentes em todos os espaços onde os portugueses chegaram, por força da exploração agrícola, atividade comercial e das armas para defesa e manutenção dos espaços. A juntar a tudo isso, tivemos o rápido progresso social, resultado do porvir económico, que condicionou o aparecimento de uma aristocracia terra tenente. Esta, imbuída do ideal cavalheiresco e do espírito de aventura, embrenhou- se na defesa das praças marroquinas, na disputa pela posse das Canárias e nas viagens de exploração e comércio ao longo da costa africana e, até mesmo, para Ocidente. A Madeira evidencia-se também no século quinze, como um centro de divergência de gentes à procura do novo mundo. Os monarcas a definiram políticas de restrição no movimento migratório, em favor da fixação do colono à terra, como forma de evitar o despovoamento das áreas já ocupadas. Para o homem do século XV, o apelo das riquezas de fácil resgate africano ou da agricultura americana eram mais convincentes, tendo a favor a disponibilidade dos veleiros que escalavam, frequentemente, os portos insulares. A emigração era inevitável. Perante a pressão, dos presos e vadios, a sociedade actuava no sentido de encontrar fora do espaço da ilha uma válvula de escapa, através das múltiplas levas de colonos e soldados para o Brasil ou Angola. A partir do século XVII a coroa intervém, de forma clara, no sentido de orientar a mobilidade dos madeirenses, obrigando-os a servir como soldados na Flandres, no Brasil, ou em guerra de fronteiras do 199

CHAUNU, Pierre, 1976, A história como ciência social, Rio de Janeiro: Zahar Editores

200

BRAUDEL, Fernand, 1989, Gramáticas das Civilizações, Lisboa, Teorema. LÉON, Pierre (dir.) (1984), História Económica e Social do Mundo, vol.I, Lisboa, Sá da Costa.

201

De acordo com RUSSELL- WOOD, A. J. R., 1998, Um Mundo em Movimento. Os Portugueses na África, Ásia e América (1415-1808) , Lisboa, Difel, p.11). «Para além de diferentes níveis de expecta tiva, de aspirações, de relutância ou de rejeição, estes contactos inauguraram inexoravelmente uma nova era de globalização transcontinental, transoceânica e transnacional, caracterizada pela interdependência, pela acção recíproca e pelo intercâmbio entre os povos» Cf. José Manuel Azevedo e Silva, 1997, A Importância dos Espaços Insulares no Contexto do mundo Atlântico, in História das Ilhas Atlânticas, vol. I, Funchal, pp.125-161. GRUZINSKI, Serge (2004), Les Quatre Parties du Monde. Histoire d’une Mondialisation, Paris, Editions de La Martinière. OSTERHAMMEL, Jürgen, PETERSSON, Niels P. (2005), Globalization – A Short History, Oxford/Princeton, Princeton University Press; Rodrigues, Jorge Nascimento, Tessaleno Devezas, Pioneers of Globalization: Why the Portuguese surprised the World, Lisboa, 2007 [informação on - line em http://www.centroatl.pt/globalization/news.html] George Modelski, the Evolutionary World Politics Homepage, on line https://faculty.washington.edu/modelski/, Washington, University of Washington, 19972007)

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continente português, Angola e Goa. Todo o movimento de migrações é resultado de um conjunto variado de fatores que, em diversos momentos, condicionaram a maior ou menor disponibilidade para as chegadas ou partidas. Nem sempre é o mesmo princípio que reúne todos aqueles que se aproximam do cais da partida. Há os que são obrigados a partir, por força da violência, expressa na intolerância política, religiosa e no desrespeito pela condição humana. São os que partem de forma forçada, na condição de escravo, ou de quase escravo, como foi o caso da emigração oitocentista conhecida como escravatura branca, porque foram obrigados a entregar o seu destino nas mãos de outros. A estes, juntam-se os perseguidos pelas suas opções religiosas e políticas. Por esse motivo, a diáspora judaica marcou, de forma clara, o processo dos descobrimentos portugueses, nos séculos XVI e XVII e tivemos a situação particular, na década de quarenta do século XIX, de perseguição, na Madeira, aos seguidores do pastor protestante, Robert Kalley. Mas, depois, com o advento da Revolução Francesa, surgiram novos mecanismos de afrontamento marcados pela vida política. À força das convicções políticas, junta-se a violência da palavra e a intolerância do convívio entre adversários. Esta última manifesta-se através da prepotência dos regimes políticos que procura apagar toda e qualquer reação ou obstáculo, através da perseguição e deportação dos adversários políticos. Há os que partem de livre vontade, movidos pelo espírito de aventura, a possibilidade de encontrar novas e melhores condições de vida. O sonho que comanda a partida muitas vezes se desfaz, mesmo aí, à saída do cais, com um naufrágio, um ataque de piratas ou qualquer outro acidente e nem todos chegam ao destino e conseguem lograr todas as suas expetativas. Todos eles partiram cheios de esperanças, mas nem todos chegaram a bom porto e, para muitos, a terra de destino foi tão madrasta como aquela que os vira nascer. Outros entregaram a sua vida pela possibilidade de títulos e honras, partindo ao encontro do inimigo na frente de batalha, no Norte de África ou no Índico. Não podemos esquecer as propostas aliciadoras dos locais de destino ou resultantes da política régia de ocupação e povoamento dos novos espaços. A própria coroa promoveu este movimento. Primeiro, foram os técnicos experimentados na cultura dos canaviais e fabrico do açúcar que partiram da Madeira ao encontro de novos canaviais e engenhos nas ilhas e no litoral brasileiro. Depois, a necessidade de firmar de facto a soberania, através de uma ocupação do território incentivou a saída de casais, que viriam a ser a nossa garantia de posse das terras brasileiras ou angolanas. Por força da intervenção da coroa, houve também o movimento de funcionários régios, governadores, religiosos e militares. Tudo isto gerava um rodopio permanente de homens ou de famílias. A todos estes aventureiros, perseguidos, deportados e deslocados, junta -se um grupo em permanente mudança, agentes e fatores do próprio movimento entre os locais de partida e de destino: são marinheiros que têm o mar por casa e que , por isso, se encontram onde haja o um porto; são mercadores e seus agentes que sustentam este movimento, através da circulação de mercadorias e fazem disso a sua principal motivação, para aguardar no cais ou para partir em busca de destinos mais prósperos. Um cais ou um porto insular é sempre um local de partidas e chegadas. Este movimento é de todos os tempos. Os que partem poderão cruzar-se com os que chegam, cruzando-se, também os motivos que os levam ou que os trazem. Quase sempre, porém, os dois movimentos acontecem em momentos distintos pois, quando há partidas significa que as perspectivas são pouco animadoras para propiciar as chegadas. A conjuntura que alimenta as chegadas é distinta, alenta o ânimo e as esperanças para todos. Por vezes, estes imigrantes cruzam-se no mesmo cais de chegada com os que retornam, de forma definitiva ou temporária. Aqui, as posturas são, muitas vezes, semelhantes, uma vez que nem todos os que regressam assumem uma posição de afirmação social manifesta do sucesso. Poderão, uma vez mais, ser confundidos com imigrantes sofrendo as mesmas humilhações e dificuldades de integração num meio que continua a rejeitá-los. São estas

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vivências complexas que dominam o movimento das migrações e que, na sociedade do século XXI, que se quer intercultural nos devem levar a refletir sobre a postura de cada um de nós relativamente a estes protagonistas das chegadas e partidas. O movimento das populações no espaço atlântico insular, a partir do século XV, apresenta múltiplas motivações. O quadro a seguir apresentado resume, de forma sucinta, essas redes. MOTIVAÇÕES

IMIGRAÇÃO

EMIGRAÇÃO

DEGREDO: justiça

Ilhas (Madeira, Açores), Norte de África Portugal Continental, (praças marroquinas), Cabo Verde, São Ilhas (Madeira, Açores) Tomé, Brasil, Índia

RELIGIÃO: perseguição para ju- Ilhas (Madeira , Açores, S. deus e protestantes Tomé, Canárias), Brasil

Portugal Continental, Ilhas (Madeira, Açores)

ECONÓMICA: ambição e busca Ilhas (Madeira, Açores, Cabo de melhores condições de vida Verde, S. Tomé), Angola, N. - Movimento de troca e circula- África, Brasil, Índia ção de mercadorias

EUROPA, Portugal Continental, Ilhas (Madeira, Açores)

ADMINISTRAÇÃO:funcionários Ilhas (Madeira, Açores, Cabo régios Verde, S. Tomé), Angola, N. África, Brasil, Índia

Portugal Continental

MILITAR: militares para defesa Ilhas (Madeira, Açores), de possessões Brasil, Angola, Norte de Africa, Índia

Portugal Continental, Ilhas (Madeira, Açores)

POLÍTICA: deportação

Portugal Continental, Ilhas (Madeira, Açores)

Ilhas (Madeira, Açores, Cabo Verde, S. Tomé), Angola, Brasil

“...porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de são Miguel, e meu tio a de são Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que vê...”.João de Melo da Câmara, 1532, História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. III, p.90; cf. Vera Jane GILBERT,1978, “Os Primeiros Engenhos de Açúcar” in Sacharum, nº.3, São Paulo, pp. 5-12 Zargo povoa a Madeira, um filho S. Miguel, um neto S. Tomé e um bisneto, embora sem êxito, tenta o mesmo com o Brasil. Uma dinastia de colonizadores com raízes e tirocínio inicial madeirense. David F. Gouveia [1987, A manufactura açucareira madeirense (1420-1550, Atlantico, 10, p.127] O fenómeno da emigração madeirense pode ser definido em dois momentos distintos: primeiro, a sua intervenção dos madeirenses no processo de descobrimento, conquista e ocupação de espaços no Atlântico e Índico; depois, as condições que todos estes espaços proporcionaram, associadas às dificuldades da vida na ilha, a motivar a saída de muitos madeirenses. A Madeira desfrutava, no século XV, a exemplo das Canárias, de uma posição privilegiada perante a costa e ilhas africanas. Deste modo, afirmou-se, por muito tempo, como um importante centro emigratório para os arquipélagos vizinhos ou para os longínquos continentes. Para isso, contribuiu o facto de estar associada ao madeirense uma cultura que foi a principal aposta das arroteias do Atlântico, isto é, a cana sacarina.

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Os madeirenses aparecem nas Canárias, Açores, S. Tomé e Brasil, a dar o seu contributo para que, no solo virgem, brotem os canaviais, apareçam os canais de rega ou de serviço aos engenhos, onde também foram obreiros nos avanços tecnológicos. A crise da produção açucareira madeirense, gerada pela concorrência do açúcar das áreas que os seus habitantes contribuíram para criar, empurrou-nos para destinos distantes. Nesta diáspora atlântica, iniciada na Madeira, é de referenciar o caso da emigração inter-insular dos arquipélagos do Mediterrâneo Atlântico. As ilhas, pela proximidade e forma similar de vida, aliadas às necessidades crescentes de contactos comerciais, exerceram também uma forte atração entre si. Madeirenses, açorianos e canários não ignoravam a sua condição de insulares, pelo que sentiram necessidade do estreitamento destes contactos. A Madeira, mais uma vez, pela sua posição charneira entre os Açores e as Canárias e pela anterioridade no povoamento, foi, desde meados do século XV, um importante viveiro fornecedor de colonos para estes arquipélagos e um elo entre eles. A ilha funcionou mais como polo de emigração para as ilhas do que como área recetora de imigrantes. Se excetuarmos o caso dos escravos guanches e a inicial vinda de alguns dos conquistadores de Lanzarote, podemos afirmar que o fenómeno é quase nulo, não obstante, no século dezasseis, os açorianos surgirem com alguma evidência no Funchal. Note-se, ainda, a presença de uma comunidade de açorianos nas ilhas Canárias, principalmente nas ilhas de Gran Canaria, Tenerife e Lanzarote, dedicados à cultura dos cereais, vinha, cana sacarina e pastel. Mas açorianos e canarianos, bem posicionados no traçado das rotas oceânicas, voltaram a sua atenção para o promissor novo mundo.

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A MADEIRA E AS CANÁRIAS. Um dos aspetos reveladores das conexões madeirenses e açorianas foi o relacionamento com as Canárias. Para Perez Vidal,202 a presença portuguesa no arquipélago resultou da sua intervenção em dois momentos decisivos: um primeiro, demarcado pelas ações da coroa e do infante D. Henrique, nos séculos XIV e XV que terá o seu epílogo em 1497, com o tratado de Alcáçovas; o segundo, de iniciativa particular, abrangendo os séculos XVI e XVIII, em que os impulsos individuais se sobrepõem à iniciativa oficial. Este último foi o momento de expressão plena da presença lusíada e do seu paulatino definhar em face da Restauração da monarquia portuguesa e da guerra de fronteiras mantida até 1665. A questão ou disputa pela posse das ilhas Canárias foi o prelúdio de novos confrontos com o objetivo de monopólio das navegações atlânticas. O inicial afrontamento foi entre Portugal e Castela, tendo como palco as ilhas Canárias. Esta disputa começou em meados do século catorze mas, só na centúria seguinte, por iniciativa do infante D. Henrique, teve a sua maior expressão. A expedição de Jean de Betencourt, em 1402, marca o início da conquista das Canárias, enquanto a sua subordinação à soberania da coroa castelhana e o reconhecimento da nova situação, em 1421, pelo papado fez reacender a polémica do século XIV. Ao infante português restavam apenas duas possibilidades: a solução diplomática, fazendo valer os seus direitos junto do papado e o recurso a uma intervenção bélica, legitimada pelo espírito de cruzada que a ela se pretendia associar. Desta última situação, resultaram as expedições de D. Fernando de Castro (1424 e 1440) e de António Gonçalves da Câmara (1427). Mas, em todas as frentes, as conquistas foram efémeras e de pouco valeu, por exemplo, em 1446, a compra da ilha de Lanzarote a Maciot de Bettencourt, por 20.000 reais brancos ao ano e regalias na ilha da Madeira. Disso apenas resultou a ramificação desta importante família à Madeira e, depois, aos Açores. O litígio encerra-se em 1480, com a assinatura de um tratado em Toledo. Desde então, a coroa portuguesa abandona a sua reivindicação pela posse dessas ilhas com garantias de que a burguesia andaluza não se intrometerá no trato da Guiné. A conjuntura destas ilhas e do relacionamento das coroas peninsulares acompanhou, desde o início, as conexões canário -madeirenses. No século XV, a vinculação da Madeira a Lanzarote filia-se na célebre na disputa das coroas peninsulares pela posse das Canárias. Em finais do século seguinte, a sua reafirmação e alargamento a todo o arquipélago canário foram resultado da ocupação da ilha, em 1582, por D. Agustin Herrera, ato que materializou na Madeira a união das duas coroas peninsulares203. Entretanto, nos Açores, tivemos, desde 1582, a presença de importantes contingentes militares espanhóis, não obstante ser reduzida a presença de canários. Todavia, o efeito social dos dois fenómenos, em ambos os arquipélagos, foi diverso. O primeiro permitiu a afirmação madeirense em Lanzarote, enquanto o segundo, para além do natural reforço da realidade condicionou a presença canária no Funchal, que nunca foi muito significativa. Talvez o momento de maior intervenção seja o do século XV, com a presença dos aborígenes canários, como escravos, ao serviço da pastorícia e safra do açúcar204. Se à componente política se deverá conceder o mérito de abertura e incentivo das conexões humanas, ao económico, ficou a missão de reforçar e sedimentar este relacionamento. Desta forma, os contactos comerciais surgem em simultâneo como consequência e causa das migrações humanas. Todavia, tal intercâmbio só adquiriu a plenitude, no século XVI, incidindo preferencialmente no comércio de cereais dos mercados de Tenerife, Fuerteventura e Lanzarote. A proximidade da Madeira ao arquipélago canário e 202 "Aportación portuguesa a la población de canarias. Datos", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº 14, 1968. Este e outros estudos foram reunidos em Los portugueses en Canarias. portuguesismos, Las Palmas, 1991. 203

SIEMENS HERNANDEZ, Lothar (1979), "La expedición de la Madera del Conde de Lanzarote desde la perspectiva de las fuentes madeirenses", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.25, Las Palmas; RUMEU DE ARMAS (1984), A., "El conde de Lanzarote, capitán general de la Madera", in ibidem, nº.30

204

SIEMENS HERNANDEZ, Lothar e Liliana BARRETO (1974), "Los esclavos aborigenes canarios en la is la de la Madera (1455-1505)", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.20, 111 -143.

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o rápido surto do povoamento e valorização sócio-económica do solo orientou as atenções do madeirense para esta promissora terra. Assim, decorridos apenas vinte e seis anos após a ocupação do solo madeirense, embrenharam-se na controversa disputa pela posse das Canárias ao serviço do infante, em 1446 e 1451. A presença madeirense na empresa canária conduziu a uma maior aproximação dos dois arquipélagos, ao mesmo tempo que influenciou o traçado de vias de contacto e comércio entre os dois arquipélagos. Pela Madeira, tivemos, primeiro, o saque fácil de mãode-obra escrava para a safra do açúcar e, depois, o recurso ao cereal e à carne, necessários à dieta alimentar do madeirense. Pelas Canárias, foi o recurso à Madeira como porto de abrigo das gentes molestadas com a conturbada situação que aí se viveu no século XV. O descerco em 1640 trouxe consigo consequências funestas para tal relacionamento. Assim, os madeirenses residentes em Lanzarote foram alvo de represálias, sendo de referir o confisco dos bens do filho varão de Simão Acciaioli que casara com a filha do Conde de Lanzarote. O impacto da presença lusíada nas Canárias notou -se muito cedo, tendo a Madeira como um dos principais eixos do movimento. A presença alargou-se às ilhas de La Palma, Lanzarote, Tenerife e Gran Canaria. Os portugueses assumiram um lugar de relevo, situando-se entre os principais obreiros da valorização económica das ilhas. Eles foram exímios agricultores, pescadores, pedreiros, sapateiros, mareantes, deixando marcas indeléveis da portugalidade na sociedade canária205. A tradição bélica e aventureira de alguns madeirenses levou-os a participar ativamente nas campanhas de conquista de Tenerife, recebendo por isso, como recompensa, inúmeras dadas de terra. Daí resultou a forte presença lusíada nesta ilha onde, em algumas localidades, como Icode e Daute, surgem como o grupo maioritário. O mesmo se poderá dizer para a ilha de La Palma, onde os portugueses marcaram bem forte a sua presença, tendo a testemunhálo a existência de alguns registos paroquiais feitos em português. Entretanto, em Lanzarote, o forte impacto madeirense está comprovado pelas inúmeras referências da documentação e pelo testemunho de Vieira y Clavijo de que a Madeira era familiar para os lanzarotenhos que era, aí, conhecida como a “ilha”. A acentuada participação lusíada no arquipélago foi resultado das possibilidades económicas que o mesmo oferecia e as necessidades em mão-de -obra, assim como da possibilidade de penetração no comércio com a costa africana e, mais tarde, com o novo continente americano. Assim, num primeiro momento, fomos confrontados com um numeroso grupo de aventureiros dos quais se recrutaram os oficiais mecânicos e agricultores e só depois surgiram os agentes de comércio e transporte, todos eles com uma ação decisiva na economia do arquipélago, nos séculos XV e XVII. É fácil testemunhar a assiduidade dos contactos mas difícil se torna avaliar a dimensão assumida pela presença portuguesa neste arquipélago, quanto à sua origem geográfica. Nos diversos atos notariais que compulsámos, ignora-se, muitas vezes, a origem geográfica dos intervenientes portugueses. O facto de muitos surgirem em diversos atos relacionados com outros da Madeira ou outorgando poderes para a cobrança de dívidas e administração das heranças leva-nos a suspeitar a sua origem madeirense. Uma vez que os contactos entre a Madeira e as Canárias foram mais frequentes, é natural a presença de uma importante comunidade madeirense nesse arquipélago, com principal relevo para as ilhas de Lanzarote, Tenerife e Gran Canária. Aí foram agentes destacados do comércio e transporte entre os dois arquipélagos ou artífices, nomeadamente sapateiros. Os açorianos, maioritariamente das ilhas Terceira e S. Miguel, surgem em menor número e preferentemente ligados à faina agrícola. A classe mercantil de origem madeirense, nas Canárias, segue um rumo peculiar. Ao contrário dos flamengos e italianos, estes não se avizinham de imediato, mantendo o estatuto de estantes. A necessidade de fixação é quase sempre o corolário do progresso das suas operações comerciais e dos investimentos 205

Cf Perez Vidal, J., 1991, Los portugueses en Canarias. portuguesismos, Las Palmas

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fundiários. As mudanças operadas na conjuntura política, a partir dos acontecimentos do ano de 1640, condicionaram a presença do madeirense. Ele, que até então usufruía de um estatuto preferencial na sociedade e economia lanzarotenha, por exemplo, desaparece paulatinamente do palco de ação. E, facto insólito, os poucos que conseguimos rastrear na documentação procuram ignorar ou apagar a sua origem, surgindo apenas como vizinhos, sem outra referência. Esta situação coincide com o fim do relacionamento comercial, incidindo sobre os cereais de Canárias pois, a partir de 1641, este deixou de aparecer no Funchal, sendo substituído pelo açoriano ou por novos mercados como a Berberia e América do Norte. Será ela resultado da crise da cultura cerealífera canária ou fruto da ambiência de mútua represália peninsular ? Note-se ainda que, a partir de então, surgiram novos e mais promissores destinos para a emigração, como o Brasil, que terão motivado a mudança. MADEIRA E AÇORES. O movimento emigratório entre a Madeira e os Açores é posterior e teve início em 1474, com Rui Gonçalves da Câmara que, a partir desta data, foi capitão da ilha de S. Miguel. Não obstante estar referenciada, em época anterior, a estância de Diogo de Teive206 na ilha Terceira como companheiro de Jácome de Bruges que, em 206

AGOSTINHO, José (1943), "Diogo de Teive povoador da ilha Terceira, descobridor das ilhas das Flores e do Corvo, explorador dos mares do ocidente, não foi o responsável pelo desaparecimento de Jácome de Bruges", in Boletim do Instituto Histórico da ilha Terceira, nº.1, Angra do Heroísmo; GONÇALVES, Ernesto (1992), "Diogo de Teive", in

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1452, teria descoberto as ilhas das Flores e Corvo, o certo é que, só a partir da década de setenta, se generaliza esse movimento, que conduziu às ilhas de S. Miguel, Terceira Santa Maria e Pico muitos filhos segundos da aristocracia madeirense. Aliás, a carta da infanta D. Beatriz, autorizando a venda da capitania refere que “a dita ilha desde o começo da sua povoação até o prezente he muy mall aproveitada e pouco povoada”207. Na Madeira, havia-se esgotado a possibilidade de livre aquisição de terras, coisa que, nos Açores, era facilitado. Note-se, ainda, que o incentivo de culturas, como a cana sacarina e a vinha, estão também ligados os madeirenses. Daqui resulta uma forte presença madeirense, nas ilhas de Santa Maria, São Miguel, Terceira, S. Jorge, Graciosa, Faial e Flores208. O movimento inverso foi pouco frequente e só teve lugar, a partir de princípios do século XVI. Para isso, deverá ter contribuído a assiduidade dos contactos entre os dois arquipélagos provocada pelo comércio de cereais e, ainda, o temor das crises sísmicas que assolaram as ilhas açorianas, com especial relevo para as de 1522 e 1563209 AS ILHAS DA GUINÉ. As ligações dos arquipélagos da Madeira e Açores com os dois da costa e golfo da Guiné não foram frequentes, sendo a primeira motivação a busca de escravos negros. Neste contexto, a abordagem feita pelas gentes insulares é quase sempre sazonal, o tempo suficiente para as operações comerciais. Todavia, encontramos em S. Tomé e Santiago referências à presença de madeirenses e açorianos avizinhados. Esta presença é resultado da ida de técnicos ligados à cultura do açúcar e, depois, de comerciantes interessados no comércio de escravos para a Madeira ou para as Antilhas, como sucedeu no século XVII. Um caso exemplificativo disso é Francisco Dias 88210. Ele fixou -se na Ribeira Grande, donde coordenava uma rede de negócios que ligava os Rios da Guiné aos Açores, Madeira e Antilhas de Castela. DAS ILHAS AO LITORAL. Os fenómenos emigratórios insulares ultrapassaram as barreiras do seu mundo e projetaram-se além fronteiras, no Brasil e no Oriente. Num e noutro espaço, os insulares foram importantes como povoadores, guerreiros e descobridores. Esta era única alternativa para muitos filhos -segundos possibilitando-lhes o acesso a comendas, títulos e cargos. No caso madeirense, existiu uma relação permanente, desde o século quinze, com as praças marroquinas, sendo eles que acudiam com o cereal e mais mantimentos para as guarnições das praças, os homens para as defender, o dinheiro e materiais de construção para as fortalezas. Muitos aí morreram, na defesa das possessões e outros aí adquiriram títulos e honras. As praças eram um local de “diversão” para a cavalaria madeirense, nomeadamente para os filhos-segundos, sedentos de aventura e benefícios.211 OS INSULARES E O BRASIL. Ao longo da História, o Brasil exerceu um certo fascínio sobre os insulares, encontrando-se ligados ao processo da sua construção desde o início. A História dos arquipélagos da Madeira, Açores, Cabo Verde e Canárias têm relevado, nos últimos anos, a presença dos insulares como lavradores, mercadores, funcionários e militares. Para os séculos XVI e XVII, valorizou-se a presença de madeirenses, de Norte a Sul, como lavradores e mestres de engenho, pioneiros na definição da agricultura de exportação baseada na cana-de-açúcar, funcionários que consolidaram as instituições locais e régias, ou Portugal e a ilha, Funchal, pp. 85-110; IDEM (1992), "Para o conhecimento dum percursor de Colombo", ibidem , pp.111-118. 207

ARRUDA, Manuel Monteiro Velho, 1977, Colecção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores, Ponta Delgada, p.CXLV. 86.

208

Esta situação é evidenciada por Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, livros terceiro, quarto e sexto.

209

Confronte-se MELO, Luís de Sousa (1991), "Contribuição açoriana na formação da população madeirense no s éculo XVI", in Girão, nº.7, pp.328-331

210

Arquivo Regional da Madeira, Misericórdia do Funchal, nº.684, fls.785- 790vº.

211

SOUSA, João José de (1985), "Emigração madeirense nos séculos XV a XVII", in Atlântico, nº.1, pp.46- 52

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militares que se bateram, em diversos momentos, pela soberania portuguesa. O forte impacto madeirense, nos primórdios da sociedade brasileira, levou Evaldo Cabral de Mello a definir a capitania de S. Vicente como a Nova Madeira.212 O princípio da colonização do Brasil está ligados à Madeira, tendo-se estabelecido uma ponte entre a ilha e as colónias do Brasil. Por outro lado, os ilhéus evidenciaram-se na defesa do território brasileiro. A libertação do Maranhão, em 1642, foi obra de António Teixeira Mello, enquanto em Pernambuco a resistência ao holandês foi organizada, desde 1645, por João Fernandes Vieira. A defesa da soberania lusíada foi conseguida também com o envio de companhias de soldados desde a ilha. Assim, temos: em 1631, a de João de Freitas da Silva, 1632, de Francisco de Bettencourt e Sá e, em 1646, de Francisco Figueiroa. Esta situação continuou no último quartel do século XVII, com o envio de soldados para o Maranhão e Rio de Janeiro e Santa Catarina. O processo ganha uma nova vertente no século XVIII, com a emigração de casais. Esta foi a solução para resolver os problemas sociais das ilhas e garantir a soberania das terras do Sul brasileiro. Em 1746, temos o envio de casais açorianos e madeirenses para o sul, como garantia de defesa das fronteiras do Tratado de Madrid. A fundação da cidade de Portalegre é feita por um madeirense, sendo aqui a presença de colonos, fundamentalmente, açoriana. Nos séculos XIX e XX, o Brasil continuou a ser um destino cobiçado dos insulares. A História e o quotidiano registam, com clareza, esse movimento. Este protagonismo das ilhas nas ligações com o Brasil é um marco importante que importa realçar no momento em que se evoca o descobrimento do Brasil. Nos séculos XVIII e XIX, as ligações comerciais das ilhas suportadas pela oferta de vinho e de vinagre, mantendo-se o retorno de açúcar e aguardente. A relação alargou-se à forte emigração da segunda metade do século XIX. No século XX, o Brasil continuou a ser ainda o El Dourado para os insulares, nomeadamente os madeirenses, que encontram no Rio e Santos, a fuga às dificuldades da guerra ou às difíceis condições de sobrevivência. A EMIGRAÇÃO nos Séculos XIX e XX. A emigração do século dezanove assume características diferentes das situações anteriores. Até agora, estávamos perante uma saída de acordo com as solicitações externas, em que se aliava o desejo de aventura aos interesses económicos e políticos. O movimento de gentes era particular ou da iniciativa da coroa e tinha por objetivo a ocupação dos espaços não habitados como forma de consolidação da soberania. A partir do século XIX, os movimentos migratórios passaram a estar dominados por fatores internos da própria ilha. A terra, que os recebera há quatrocentos anos atrás, apresentava-se agora madrasta e incapaz de satisfazer as suas necessidades vitais e, por isso mesmo, impelia-os para fora, rumo às terras americanas, na esperança de uma mudança 212

Conferência, in As Ilhas e o Brasil, Funchal, CEHA, 2000, p.13. Evaldo Cabral de Mello Neto, como José António Gonsalves de Mello, são raros exemplos na historiografia brasileira de valorização da presença madeirense . Cf. Costa, José Pereira da (2000) [O Brasil,…, in As Ilhas E o Brasil, Funchal, pp.22-23] refere que a Historiografia brasileira dedica pouca atenção às ilhas.

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das condições de vida. A emigração foi uma constante da sociedade madeirense, na segunda metade do século XIX, sendo alimentada pelas incessantes solicitações do mercado internacional da mão-de-obra, assim como pelas difíceis condições de vida dos madeirenses provocadas pela crise económica, ou pela forma opressiva como se definiu o sistema de propriedade da terra, através do contrato de colonia. A emigração era, assim, considerada a única fuga possível à fome e a esta servidão. No século XIX, as condições não foram favoráveis ao madeirense. A crise do comércio e produção do vinho pautou a conjuntura económica, provocando crises de fome. Destas ficou conhecida a de 1847, quando era governador civil, José Silvestre Ribeiro. Do outro lado do Atlântico, estávamos perante um momento de euforia económica, com a mineração ou safra agroindustrial, que não se compadecia com as medidas de abolição da escravatura. Perante isto, o ilhéu, desapossado da terra pelo regime sucessório e de mando económico, abandonou o próprio meio e saiu rumo a estes destinos, aliciado pelas propostas dos engajadores ao serviço dos ingleses que os procuravam para substituir a mão-de-obra escrava. Por esta razão, muitos políticos da época consideravam esta forma de recrutamento como uma nova escravidão, ou seja, uma “escravatura branca”. Nos anos de 1844 - 46, o proselitismo religioso, protagonizado por R. Kalley, veio a forçar a saída de muitos madeirenses que haviam aderido ao protestantismo, quando o Estado decidiu persegui -los. A segunda fase da diáspora, mais importante do que a primeira, atingiu o apogeu a partir de 1847, sendo resultado da crise económica, agravada, depois, pela situação da viticultura. As doenças que atacaram a cultura da vinha (o oídio, em 1852 e a filoxera, em 1872) deitaram por terra a única esperança económica dos madeirenses, obrigando -os a sair, rumo às ilhas de Havai. A partir de agora, os destinos da emigração madeirense diversificam-se e articulam-se, de forma direta, com as alterações da conjuntura do mercado de mão- de -obra. O continente americano foi o principal porto de destino da emigração madeirense,

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no século XIX, recebendo 98% dos emigrantes saídos da Madeira. São três as principais áreas de destino: Antilhas inglesas, América do Norte e Brasil. As Antilhas inglesas foram o principal mercado recetor da mão-de-obra madeirense, com 86% dos saídos legalmente, que se distribuíram, de forma irregular, por St. Kitts, Suriname, Jamaica e Demerara, áreas conhecidas do madeirense e ligadas à ilha, através do comércio do vinho. Demerara pode ser considerado o principal destino dos emigrantes, tendo recebido 70%. Apenas entre 1841 e 1889, recebeu 36724 madeirenses. Os dados disponíveis dão conta de dois momentos da emigração: a década de quarenta e as de setenta e oitenta. O último coincide com o aparecimento de um novo destino, o Havai. Demerara foi, nas décadas de quarenta e cinquenta, o Eldorado do madeirense, disputando esta posição, nas décadas de setenta e oitenta, com o recém-descoberto paraíso havaiano. No período de 1853 a 1881, entraram nas Antilhas inglesas mais de quarenta mil madeirenses, maioritariamente para a ilha de Demerara. A emigração para as ilhas Canecas (Sandwich, Havai) surge a partir de 1878, mercê da ação da agência de W. H. Hillebrand, residente à data no Funchal que, a solicitação do governo de Honolulu, lançou um novo destino e uma nova rota para a emigração madeirense. O primeiro grupo de casais seguiu no navio “Priscilla” e demorou cento e vinte dias a alcançar o arquipélago. A duração e dureza do cruzeiro, entre o Funchal a e este recôndito arquipélago no Pacífico, não foi óbice à sua abertura, pois as promessas aliciadoras das autoridades compensavam o risco da demorada viagem. A chegada a Honolulu, a 30 de setembro de 1878, do navio “Priscilla”, com o primeiro grupo de madeirenses foi saudada pela imprensa da comunidade havaiana. Das vinte e sete embarcações que aportaram ao referido arquipélago, dez eram provenientes da Madeira, nove dos Açores e oito tiveram escalas diversas na Madeira, Açores e Continente. Os navios transportaram das ilhas 18.285 (78%) insulares, sendo 4.352 (18%) da Madeira e 6.533 (27%) dos Açores. A viagem para estas ilhas do Pacífico foi, para muitos, uma aventura sem retorno. As condições de vida a bordo em tão longa travessia não eram as melhores, como testemunham alguns dos sobreviventes. É o caso do diário da viagem de João Baptista de Oliveira e Vicente Ornelas. Estes saíram do Funchal a 8 de novembro de 1887, no navio “Thomas Bell”, e só atingiram o seu destino a 14 de abril de 1888, após 156 dias de viagem. Com a assinatura, em 1882, do tratado de emigração entre Portugal e o Havai ficaram estabelecidas as regras do movimento emigratório das ilhas e continente para este arquipélago, ao mesmo tempo que foram criadas as condições para que aumentassem as saídas de portugueses. Foi neste momento que se atingiu o maior volume da emigração madeirense. A emigração para estas paragens tinha um tratamento privilegiado, existindo, no governo civil, um livro para o registo dos passageiros que embarcaram para lá. A partir dele, sabe-se da saída, em 1883, de 2293 madeirenses nos navios Hancow, City of Paris e Bourdeaux. Esta forma de emigração contribuiu para o rápido enraizamento do madeirense na sociedade dos locais de destino. A escalada da emigração continuou, na última década do século dezanove e princípios do XX, mantendo-se os países de destino, com especial destaque o Brasil e Estados Unidos. A grande depressão dos anos trinta levou ao encerramento das portas de alguns, enquanto se abriram outros novos, como a África do Sul, e reabriu-se, em 1939, o Brasil. As duas guerras mundiais (1914-18, 1939-45) provocaram nova leva de emigrantes. O Brasil continuou a ser um dos destinos preferenciais da maioria dos madeirenses, mas as possibilidades de opção alargaram - se a outros mercados recetivos de mão-de-obra. Entre 1936 e 1948, tivemos a emigração orientada pela companhia Shell para o Curaçau que permitiu a saída de muitos madeirenses213. De acordo com José Fernandes Moreira da Cunha, a Madeira teria enviado

213

Um dos testemunhos destes emigrantes foi recolhido por António Ribeiro Marques da,1989, Manuel Falarás as Trovas da Emigração, Islenha, 4 (Jan - Jun), 89 - 92. Aí se dá conta da experiência de Manuel da Silva que em 19 de Fevereiro de 1944 partiu com outros madeirenses no navio Cuba para o Curaçau.

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para aí 7734 emigrantes, entre 1937 e 1940214. Muitos destes deram o salto para a Venezuela que, conjuntamente com o Canadá, Austrália, América do Sul e as colónias portuguesas de Angola e Moçambique, foram os novos destinos. As sequelas económicas da segunda guerra mundial fizeram-se sentir em toda a ilha, mas de modo especial no norte. Deste modo, quando se abriram as portas da emigração na América, nomeadamente no Brasil, Venezuela e África do Sul, a saída foi geral. O recrutamento de emigrantes contou com o apoio do Governo Civil e dos consulados no Funchal, que atuavam como angariadores de potenciais emigrantes. A Venezuela manteve, desde princípios do século XX até 1958, uma política de portas abertas, o que permitiu a emigração de muitos europeus e, no caso português, de um grupo importante de madeirenses. Em 1960, a população portuguesa na Venezuela era superior a 40.000, sendo constituída na sua maioria por madeirenses. Nos anos cinquenta, este foi o principal destino da emigração madeirense, tendo acolhido 14.424 emigrantes da ilha215. A presença madeirense alargou-se também a outros quadrantes, sendo de salientar a África do Sul e Austrália. No primeiro, a vinculação portuguesa é muito antiga, remontando à viagem de Vasco da Gama, mas foi a partir do século XVIII que tivemos notícia dos primeiros portugueses no Cabo (Capetown ). No século XIX, a rota regular dos vapores do cabo que escalavam o Funchal permitiu a definição de um novo rumo para a emigração madeirense. Esta presença torna-se mais notada, a partir de 1904, no sector da pesca, mas foi nos anos cinquenta que este destino ganhou dimensão, tendo saído da ilha 5118 madeirenses. As décadas de cinquenta e sessenta foram momentos de forte imigração, tendo como principais destinos a Venezuela, Brasil, África do Sul, Estados Unidos, Canadá e Austrália. A crise que envolveu a ilha lançando a mão-de -obra para o desemprego, as dificuldades de recrutamento de imigrantes no velho continente, onde eram necessários na frente de batalha, conduziram a que a Madeira se apresentasse como um centro importante de recrutamento de homens para as atividades da Shell no Curaçau ou para o incremento da indústria brasileira, venezuelana e sul africana. Os dados oficiais disponíveis atestam da evolução destes rumos da emigração madeirense, após a segunda guerra mundial e evidenciam que os destinos da emigração madeirense se diversificaram, de acordo com a demanda de mão-de-obra e as oportunidades oferecidas pelos principais mercados de trabalho. Um fenómeno particular ocorreu a partir de 1952, com a emigração sazonal para Inglaterra, principalmente para as Ilhas do Canal. Estes madeirenses, ocupados na hotelaria, deslocavam -se na época de Verão, rumo a este destino, para trabalhar no mesmo sector, regressando à ilha para a época invernal. Hoje mantém-se esta tradição mas ligada ao sector agrícola, uma vez que o turismo madeirense perdeu a sazonalidade que então mantinha216. A viragem no processo da emigração madeirense aconteceu na década de setenta. As mudanças políticas resultantes da Revolução do 25 de Abril de 1974 conduziram à valorização do espaço sócio-económico da ilha, condicionando a emigração. As mudanças políticas ao nível mundial, a situação dos habituais mercados recetores de mão -de-obra madeirense, em contraste com a melhoria das condições de vida na ilha, fizeram com que o madeirense buscasse o Eldorado na sua própria terra e que muitos regres saissem. Primeiro, foram os chamados “retornados” das ex colónias e, depois, os da Venezuela e África do Sul. 214

Viagem à Venezuela, Caracas, 1998, p.141. Cf. Xavier, António de Abreu (2007), Com Portugal en la Maleta, Caracas, E ditorial Alfa.

215

Sobre a História da Emigração na Venezuela veja- se: Saignes, Miguel Acosta (1997), Los Portugueses en Venezuela, Caracas; Freitas, Anitza e Irene Lasique (1989), Los Portugueses en Venezuela, Caracas; Perazza, Nicolás, Acerca da emigração Portuguesa na Venezuela, Caracas; Romero, Dália (1992), Los Portugueses en Venezuela, Caracas; Eugénia Zaldivar, Maria (1986), Un Estudio de Inmigración Reciente a Venezuela. El caso português, Caracas; Cunha, José Fernando Moreira da (1998), Viagem a Venezuela, Caracas; Xavier, Antonio de Abreu. (2007), Con Portugal en la Maleta, Caracas, Editorial Alfa; GAMA, Manuel da Encarnação Nóbrega da, 2001, Os Padrões de Fé na Venezuela, Funchal.

216

Cardoso, Agostinho(1968), O Fenómeno Económico-Social da Emigração Madeirense, Coimbra, p.16.

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Hoje, a emigração madeirense adquiriu outros contornos. Assim, a saída definitiva deu lugar à temporária para a Europa, nomeadamente a Suíça e Ilhas do Canal. Esta realidade refletiuse no movimento da população que contraria a situação das décadas de 60 e 70. A emigração passou já a sua fase negra e difícil. Durante muito tempo, ela foi apenas encarada pela vertente negativa, mas hoje passaram -se esses tempos e o tema está presente, de forma distinta, no nosso quotidiano. A emigração definitiva deixou de ser uma constante da nossa sociedade e o século XXI propicia mecanismos de aproximação mais fáceis entre os que partiram e os que ficaram. Assim sendo, sair da sua terra já não é uma aventura quase sempre para o desconhecido, como o era até então. Por outro lado, hoje em dia, o tema torna-se presente noutro sentido, pelo retorno de muitos que haviam partido e que as condições dos destinos de origem os obrigaram a voltar a casa. Nos últimos anos, o regresso acentuado de muitos emigrantes madeirenses na Venezuela e África do Sul obrigou a um reajustamento da política governamental, assumindo o centro do emigrante um papel fundamental de apoio ao regresso. Por outro lado, surgiram associações para apoiar e defender os interesses destes imigrantes, destancando-se o Clube Social das Comunidades Madeirenses, criado em 30 de maio de 2000217. Entretanto, nos meses de verão, sucedem-se encontros e semanas culturais que têm como tema o emigrante218 Por 217 De acordo com os estatutos a sua missão é: “ARTIGO SEGUNDO – A Associação tem por objecto promover as relações de carácter cultural, recreativo, desportivo e social; fomentar a solidariedade e fraternidade entre todos os emigrantes madeirenses espalhados elo mundo.” 218 No ano de 2008 o Clube Social das Comunidades Madeirenses dedicou a VI Semana Cultural ao “Emigrante no Arraial Madeirense”, A Associação Desportiva do Campanário dedicou um dia aos “Encontros de Cá e Lá- Madeira e Venezuela” e a Casa do Povo da Freguesia da Ilha (Santana) com o “dia do Emigrante”.

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fim, não podemos esquecer as grandes transformações ocorridas nas últimas décadas que conduziram a profundas alterações nos fluxos migratórios. O transporte melhorou de forma apreciável, passando-se a usufruir de melhores condições para a viagem por via aérea que, em alguns casos, como sucedeu com a Inglaterra e Venezuela, se faz através de ligação direta. Acresce ainda que as comunicações, com especial destaque para a Internet e a Televisão via satélite, permitiram esbater muitas fronteiras e manter relações de proximidade entre os que partiram e os que ficaram. Parece que tudo mudou, mas para quem transita pelos circuitos das migrações, a realidade é distinta, pois, em pleno século XXI, continuam a manter-se os circuitos da emigração clandestina, marcados por uma exploração dos que se sujeitam a tal condição, por comportamentos racistas e xenófobos das sociedades de acolhimento, muitas delas também com história marcada pela emigração. A condição do emigrante ou imigrante, dependendo da perspetiva como se veja este homem que parte ou que chega em busca de melhores condições de vida, ainda apresenta situações pouco claras e merecedoras da recriminação de todos. Como espaço aberto ao mundo, a ilha é um permanente cais de chegadas e partidas. Hoje, mais do que nunca, as condições do transporte favorecem a mobilidade em todos os sentidos. Os ritmos históricos internos e do entorno definiram diversas formas e ciclos da mobilidade dos madeirenses e da atração da ilha para outras gentes. De entre estes últimos, a História assinalou primeiro os colonos povoadores, os escravos, os mercadores, aventureiros, depois, o protagonismo do arquipélago no espaço atlântico definiu outra forma de atração e novas formas de imigração com os cientistas, turistas, foragidos e perseguidos pela política, deportados. No passado, os momentos de partida distanciavamse dos de chegada, mas, hoje, as condições e a conjuntura são diferentes e, no mesmo cais, podemos nos encontrar com os que partem e chegam, num permanente rodopio de gentes, produtos, usos e costumes. Hoje, uma ilha de emigrantes pode muito bem acolher imigrantes, pois as expetativas de uns e outros são distintas. A ilha permanecerá sempre como um espaço aberto e acolhedor.

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SOLDADOS E HERÓIS À FORÇA. “Ah! A grande alma dócil, generosa deste povo tão desprezado, tão criminosamente ignorado na metrópole, de quantos prodígios seria capaz de uns braços confiantes se estendessem para eles, se uma piedosa mão os guiasse. Mas, agora, como então, nenhuns braços se estendem, nenhuma piedosa mão os protege. E no entanto, os tributos são pagos regularmente sem uma revolta e o sangue de soldados madeirenses é vertido em terras de França e África por amor dessa pátria que lhes deixa morrer de fome.” 1918, Virgínia de Castro Almeida, A fome na Madeira I, in Diário da Madeira , nº. 2144, 3 de Maio. A ilha é um espaço aberto ao mundo, um lugar em que os naturais têm quase sempre as portas franqueadas. Logo nos inícios da ocupação do arquipélago madeirense, na primeira metade do século XV, os madeirenses intervêm, de forma ativa, em múltiplas expedições, apoiando o infante D. Henrique e depois a coroa, primeiro, na tentativa de conquista das Canárias e, depois, nas viagens de reconhecimento da costa africana e na defesa e manutenção das suas praças. As praças africanas, pela proximidade ao arquipélago madeirense serão mesmo uma obrigação assumida pelas gentes da ilha, que acorrem, logo, à notícia de assaltos mouros, abastecendo-as qdo necessário e financiando a construção e reforço da sua defesa e fortificação. Há sempre gente disponível para abraçar a aventura dos mares, nas armadas de descobrimento de novas rotas e mercados, para fazer a vigilância das rotas oceânicas ou

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afugentar piratas e corsários. Mas nem sempre esta disponibilidade é total e, por vezes, há necessidade de socorrer-se a meios forçados de recrutamento. A ideia de que a ilha era um espaço superpovoado onde a população tem de sair para encontrar meios de sobrevivência fará com que a coroa encare a Madeira e os madeirenses como a reserva necessária para suprir as deficiências de soldados em Angola ou no Brasil, como de colonos para iniciativas de povoamento também em Angola e Brasil, com o intuito de defender e assegurar a soberania. Parece que esta é uma obrigação dos insulares e, de forma especial, dos madeirenses. Depois da época áurea dos descobrimentos dos séculos XV e XVI, os madeirenses, na condição de soldados ou colonos, são de novo chamados a todo o lado para firmar a presença e soberania portuguesa. Muitos assumiram a sua costela de aventureiros e embarcaram por iniciativa própria mas outros sabem ao que vão - deserdados de um torrão de terra na ilha, procuram meios de vida e fortuna fora, pois muitos destes serviços prestados à coroa poderão trazer-lhe mercês, títulos e tenças. O período de união das coroas peninsulares podia ser entendido como o momento em que a partilha deu lugar a um só mundo. Mas é precisamente ao contrário. Neste preciso momento, a união peninsular acelera a cobiça dos postergados da partilha. O Assalto de holandeses e ingleses sucede-se nos quatro cantos do mundo. A partilha faz-se, agora, à força dos assaltos e invasões violentas, que se sucedem, em catadupa, no Atlântico e Indico. É também neste momento que ganha forma a teoria do mare liberum. Teólogos e doutores dividem-se no debate sobre a razoabilidade da partilha do mundo. A partir de agora, esta é uma questão que só tem aceitação entre os pares que, desde o século XV, estabeleceram esta divisão do mundo nunca consumada e que não teve aceitação da comunidade internacional. Nesta altura, ingleses e holandeses procuram novas formas de partilha, através da política de monopólio estabelecida com as companhias. Desde finais do século XVII, os problemas com a demarcação do meridiano de Tordesilhas passam para o Atlântico. Em jogo, estão as fronteiras do Brasil. Se, de ambos os lados, as fronteiras haviam sido alargadas para além das 370 léguas estabelecidas, bandeirantes e jesuítas estão no inicio da discórdia que se prolongará até 1777. A cartografia jogou aqui um papel relevante219. O principal motivo de conflito prende-se com a criação da colónia do Sacramento (1679) na foz do Rio da Prata220. A indefinição da linha divisória de Tordesilhas levou a que se mantivesse aceso o conflito. Foi a partir do século XVII, com a aposta portuguesa na ocupação do solo brasileiro que se colocou, de novo, a necessidade de rever o tratado quatrocentista. Aqui reconhece-se inviabilidade da opção de Tordesilhas, resultante da dificuldade de traçar no terreno a linha divisória, tal como se afirma no Tratado de Madrid de 13 de janeiro de 1750. Este e o de 1777 são o corolário de aceso debate221. Assim, concluiu-se com os conflitos de fronteiras gerados pela divisão do mundo e delimitação das fronteiras. A solução para o traçado da linha de fronteira não é definida pelas negociações dos emissários régios, mas sim pelas condições orográficas e a ocupação efetiva. Foi, aliás, de acordo com esta condição, que os portugueses se viram na necessidade de penetrar no sertão e de criar assentamentos. É de acordo com isto que se deverá entender o grande movimento imigratório para o Brasil, a partir de meados do século XVIII. Neste caso, é de destacar a presença de madeirenses e açorianos, desde 1745, em Santa Catarina e no 219

Sobre estas questões veja-se: 1991, Estudios (nuevos y viejos) sobre la frontera, Madrid; Max Justo Guedes, 1989, "Os limites territoriais do Brasil a noroeste e a norte" in Portugal no Mundo, V, 202-228. A. Pinheiro Marques "O papel dos bandeirantes na consolidação da área de ocupação portuguesa do Brasil" in Ibidem, 158-170; Idem, "O papel dos cartógrafos e dos engenheiros militares na fixação dos limites do Brasil" Ibidem, 180-190. 

220 Luís F. de Almeida, "O Problema de fronteiras no Sul do Brasil: o caso de Colónia do Sacramento", Portugal no Mundo, 5, 191-201. 221

Demetrio Ramos Perez, 1974, Los criterios contrarios al Tratado de Tordesilhas en el siglo XVIII, determinante de la necessidad de su anulacion, Coimbra.

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Rio Grande do Sul222. A coroa promoveu a ida de casais insulares para estas terras do sul, afim de conseguir-se uma ocupação de facto desta regino, o que, depois, seria um fator de ponderação nas negociações das fronteiras que levaram à assinatura dos tratados de 1750 e 1777. Acresce, ainda, o facto de este afrontamento ter, de novo, repercussões com o corso na Madeira. Esta segunda metade do século dezoito é um momento importante dessa atividade, com particular incidência na Madeira e Açores223. De uma vez por todas, encerrava-se o ciclo de conflitos gerados pela partilha do Mundo entre Portugal e Castela. Uma divisão a dois que nunca foi conseguida e que acabou por ser partilhada por outros interessados. E, deste modo, fazia-se jus ao rei de França quando pediu que lhe fosse dado conhecimento da parte do testamento de Adão onde se teria o fundamento para esta partilha a dois. SOLDADOS À FORÇA. O cumprimento do serviço militar em todos os tempos foi quase sempre um estigma que os mancebos tiveram de carregar. Nem todos estão disponíveis 222

V. Rau e outros, 1965, "Dados sobre a emigração madeirense para o Brasil no Séc. XVIII", in Colóquio Internacional de Estudos Luso Brasileiros, Vol. V, Coimbra, 495-505; Maria Lourdes de F. Ferraz, 1986,"Emigração madeirense para o Brasil no séc. XVIII", Islenha, nº 2, 88-101; W. Piazza, 1990, "Madeirenses no povoamento de Santa Catarina (Brasil) século XVIII", in Actas do I C.I.H.M., Vol. II, 1268-1286.

223

Tenha-se em conta o que já dissemos em 1994, "Funchal no contexto das mudanças político-ideológicas do século XVIII. O corso e a guerra de represália como arma", in As Sociedades Insulares no contexto das interinfluências culturais do século XVIII, Funchal, pp.93-113.

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para esta missão, acabando por furtar-se a isso. Deste modo, a coroa e o Estado são obrigados a formas de recrutamento invulgares quando necessitam destas forças, para servir em guerras fora da ilha ou para compor as forças de defesa das possessões brasileiras ou angolanas. Há a ideia de que a ilha é excedentária de mancebos e que, por isso mesmo, estão disponíveis para cumprir estas missões. Aliás, a coroa determinou o serviço obrigatório dos madeirenses na defesa de Angola e do Brasil, tendo procedido também a ocasionais recrutamentos para as guerras da Flandres e para a defesa das fronteiras de Portugal continental. Aqueles que, no século XVIII, aceitavam ser recrutados para a colonização de Santa Catarina no sul do Brasil ficavam isentos desta obrigação militar224 porque, afinal ser colono em Santa Catarina ou em Moçâmedes era também uma missão de defesa. A Madeira oferecia melhores condições para este tipo de recrutamento, sendo os fundos, a cargo da receita da Fazenda Real no arquipélago. Recorde-se que, em 2 de agosto de 1648, o Conselho Ultramarino determinou “que se tirem da Ilha da Madeira, os soldados, pela necessidade de que há deles no Rio de Janeiro, como porque da Ilha serão mais certos e menos custosos e mais fáceis de conduzir que deste Reino, em que as levas das fronteiras são tão contínuas e dificultosas e os efeitos, de que a despesa se pode fazer, parece, devem ser de algumas cobranças que na Ilha se fizeram e de outros efeitos da Fazenda Real que não estiverem aplicados a consignações”225 Parece existir, por parte da coroa e das autoridades da ilha, uma intenção clara de libertar a sociedade madeirense dos grupos sociais indesejáveis, reunindo-os para esta forma de emigração, na condição de soldados ou colonos. Em 1676, Aires de Saldanha de Menezes de Sousa, terminado o seu mandato como Governador da Madeira é provido em idênticas funções para Angola. Acompanham-no uma companhia de socorro de mais de quinhentos homens, sendo duzentos oriundos da Madeira. No seu recrutamento, insiste-se na ideia de reunir os mais prejudiciais e de menos obrigações226, ou então, como em 1732, recomenda-se toda a deligência para que estes homens sejam os mais desobrigados que pode haver e a leva se faça com a suavidade possível, continuando a insistir-se na ideia de alguns culpados ou estravagantes, que deveriam ser reunidos com o maior recato na fortaleza. Mesmo assim, muitos fugiam para as montanhas ou para o Porto Santo e, em 1732, o Governador faz publicar um bando, para que ninguém dê guarida ou esconderijo a estes227. A 11 de maio de 1732, o sargento-mor da capitania do Funchal desloca-se aos sítios das duas capitanias a para recrutar 3 homens de cada um, de entre aqueles que com os seus maus costumes são prejudiciais à terra e quando faltasse prendesse os filhos dos agricultores, excepto filhos únicos de lavradores ou viúvas, além daqueles que sustentassem irmãos por morte dos pais. Desta forma, são claras as formas de recrutamento destes soldados das levas para Angola, funcionando, assim, como uma forma de solução para a vadiagem e as prisões cheias228. Não obstante esta primeira leva do século XVII ter sucedido mal, pois morreram muitos dos madeirenses, insistiu-se na 224

Atente-se ao edital de 1747 sobre o recrutamento de colonos para Santa Catarina: Os homens que passarem por conta de sua magestade ficarão isentos de o servir nas tropas pagas no caso de se estabelecerem no termo de dois anos nos sitios que se lhes destinarem, … GOUVEIA, Horácio Bento de Gouveia, "Aspectos da Emigração Madeirense para o Brasil nos reinados de D. João V e D. José", Das Artes e da História da Madeira, 1948-49, p.18.

225

Arq. Hist. Ult. Consultas mixtas, fl. 167, SARMENTO, Alberto Artur, 1947, Ensaios Históricos da Minha Terra (Ilha da Madeira), Funchal, Junta Geral do Distrito Autónomo do Distrito do Funchal, vol. II, p. 33

226

AHU, Ilha da Madeira, cx.1, doc. 29.

227

Já em 1709 idêntica recomendação era dada aos comandantes dos navios, que fossem complacentes com esta postura rebelde dos mancebos. cf. Henrique Teles, o judeu “malgré lui”, Arquivo Histórico da Madeira, VI, pp.5-10.

228

Estas formas de recrutamento são insistentemente repetidas nas ordens que as antecedem. Em 1748 volta a insistir-se na forma de reunirem estes soldados como solução para os problemas sociais: desterrando-se deste modo os vadios mal procedidos e inquietadores do socego e havia muito tempo se não praticavam semelhantes remessas, por cuja causa crecia o povo cada vez mais; e além da sua inclinação natural a necessidade tinha feito muitos destemdos e insolentes que quotidianamente estavam cometendo furtos e outros crimes. Esta opção persistia ainda em 1789 uma vez que se insiste ainda nesta forma de recrutamento: escolhidos quanto for possível entre criminosos e vadios, os que tiverem melhor saúde e forem os mais capazes de resistir à viagem, porque aliaz ficarão sendo desnecessarias as despezas que se fazem com estes transportes e por consequencia ficarão as tropas com a mesma necessidade, como algumas vezes tem acontecido

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ideia da Madeira como base de recrutamento de soldados para Angola229. Quem parte parece não deixar saudades, pois que a maioria destes homens são os “sem responsabilidades”, “prejudiciais”, “culpados”, “extravagantes”, mais desobrigados” que compõem as levas de soldados que se enviam ao Brasil ou a Angola230. E poucos são os que aceitam esta missão, tornando-se necessário, como vimos, diversas providências, no sentido de acautelar qualquer fuga. Certamente que o espetro da morte, as más experiências de algumas levas contribuiram para esta opinião e atitude, por parte de muitos dos recrutados. A primeira chamada de soldados da ilha acontece na Europa para a Guerra de Flandres. Nesta época, o grande recrutamento de soldados madeirenses fazia-se para combater na Baía, Maranhão e fundamentalmente Recife os holandeses e devolver a soberania do Nordeste brasileiro à coroa. A primeira leva de que temos noticia aconteceu em 1631, com o recrutamento de 100 soldados por João de Freitas da Silva231. Também Francisco de Betencourt e Sá, antes de, em 1638, ter conduzido soldados da ilha a Flandres, esteve em 1631232 em Pernambuco, com 229

Uma informação do Conselho Ultramarino de 1683 informa que: Conselho Ultramarino, que informou "... que a gente da Ilha provara muito mal em Angola como se experimentara na que fora em sua companhia e na de Pedro César; que morrera a maior parte, mas poderia não suceder assim sempre"

230

Para Angola cf. RIBEIRO, Adriano, 1990,"As levas de soldados da Madeira para o reino de Angola nos séculos XVII e XVIII", Islenha, N.º 6, pp.82-86.

231

Cf. SARMENTO, Alberto Artur, 1911, Ascendência, Naturalidade & mudança de nome de João Fernandes Vieira, Funchal, p.23

232

Cf. SARMENTO, Alberto Artur, 1911, Ascendência, Naturalidade & mudança de nome de João Fernandes Vieira, Funchal, p.24

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idêntica função de soldados madeirenses, donde foi chamado para esta missão233. A situação continuou no último quartel do século XVII, com o envio de soldados para o Maranhão e Rio de Janeiro e Santa Catarina. Os ilhéus evidenciaram-se na defesa do território brasileiro. A libertação do Maranhão, em 1642, foi obra de António Teixeira Mello, enquanto em Pernambuco a resistência ao holandês foi organizada, desde 1645, por João Fernandes Vieira234. Francisco Barreto de Menezes bateu-se em Recife, com 700 homens, enquanto Francisco de Figueiroa apresentou-se, em 1646,235 com um terço de 500 homens, que muito contribuíram para as vitórias de Guararapes, em 19 de abril de 1649 e 19 de fevereiro de 1649236. Francisco de Figueiroa está, desde 1628 ligado a diversas campanhas em Pernambuco, mas, em 1646, encontrava-se na Madeira quando recebeu do rei a carta de patente de mestre de campo para chefiar um terço de infantaria das ilhas com 500 homens, sendo metade da Madeira e a outra metade das ilhas de Pico, S. Miguel, Faial e Graciosa20237. O terço é constituído por 4 companhias, sendo uma delas comandada pelo capitão Manoel de Azevedo, que havia servido já no Rio de Janeiro, Baia e Pernambuco238 Manoel Homem d’El-rei era o capelão, nomeado pelo próprio mestre de campo239, enquanto António Faria era o ajudante240. A despesa deste serviço é coberta pela Provedoria da Fazenda no Funchal, com o dinheiro reservado para a fortificação da ilha241. A coroa havia recomendado às autoridades da ilha a maior celeridade e todo o apoio na preparação da viagem. A entrega das três pagas do terço, a disponibilização de armas e embarcações, mantimentos para dois meses242. Não foi fácil o recrutamento pois, em outubro, ainda faltavam metade dos homens necessários para constituir o terço, ordenando-se o envio dos que já estavam disponíveis, para evitar maior despesa243. As terras brasileiras, desde Santa Catarina, a Maranhão, passando por Rio de Janeiro e Recife continuaram a ser destino de diversas levas de militares. As mais significativas aconteceram em Recife, para combate e expulsão do invasor holandês, em que os madeirenses tiveram um papel importante. As guerras da Restauração continuam no 233

Cf. VAZ, Cónego Fernando de Menezes, 1964, Famílias da Madeira e Porto Santo, Funchal, nota. 17, p.226

234 Cf. MELLO, José António Gonçalves de, João Fernandes Vieira. Mestre de Campo do Terço de Infantaria de Pernambuco, Funchal, CEHA; SILVA, Leonardo Dantas, 2004, João Fernandes Vieira e a Guerra da Liberdade Divina, in A Madeira e o Brasil. Colectânea de Estudos, Funchal, CEHA, pp. 171-235; NASCIMENTO, João Cabral do, 1932, Carta de João Fernandes Vieira, mestre de campo nos Estados do Brasil: 1672, In: Arquivo Histórico da Madeira. - Funchal. - Vol. II, nº 3. - p. 165-167; NASCIMENTO, João Cabral do, 1949, A colaboração de Vieira na Restauração do Brasil, In: Arquivo Histórico da Madeira. - Funchal. - Vol. VII, nº 3. - p. 156-162 .. 235 MELLO, José António Gonsalves de , 1954, Francisco de Figueiroa. Mestre de Campo do Terço das Ilhas em Pernambuco, Recife. 236

Cf. MELLO, José António G. de, 1954, Francisco de Figueiroa Mestre de Campo do Terço das ilhas a Pernambuco, Recife; IDEM, 1979, A Rendição dos holandeses no Recife (1654), Recife; GUEDES, Max justo, 1990, As Ilhas Atlânticas e sua contribuição à Restauração do nordeste Brasileiro, in Actas do II colóquio Internacional de História da Madeira, Lisboa, CNCDP; PEREIRA, Nereu do Vale, 2000, Notas sobre a Participação de Madeirenses na Colonização da Ilha de Santa Catarina, in As Ilhas e o Brasil, Funchal, CEHA, pp. 337-348; PIAZZA, Walter F., 1990, Madeirenses no Povoamento de Santa Catarina (Brasil) século XVIII, in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, vol. II, Funchal, Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração –DRAC, pp. 1268-1286; PIAZZA, Walter F., 1993, Raízes madeirenses em Santa Catarina, Brasil, in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, s.l., Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1990, pp. 355-364; RAU, Virgínia, et alii, 1963, Dados sobre a emigração madeirense para o Brasil no século XVIII, in Actas do Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, 5, Coimbra, Coimbra, 1965, pp. 495-505.

237

ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, n°.980, fl.l03-105, 17 de Fevereiro, ibidem, n°.965", fls. 14v 0 -l5, 22, 27 de Abril e 11 de Maio de 1646; ARM, RGCMF, T. VI, fls. 66, 77v-78, 27 de Abril e 8 de Maio.

238

ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, n°.980, fls.l05v -106, 17 de Fevereiro de 1646.

239

ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, no. 980, fl.l 07v , 15 de Junho de 1646; ibidem, no 980, f1s.148148v, carta de patente de capelão de 26 de Setembro de 1646.

240

ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, n°.980, fls.l 06v, 26 de Junho de 1646.

241

ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, n°.965, fls. 14-14v , 11 de Maio de 1646.

242 ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, n°.980, fls. 136-136v, 138v -]39, 143, 146-146v, 15 e 26 de Outubro de 1646. 243

ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, n°.980, fls. 136-136v , 143v, 144V-l45v, 15 de Outubro de 1646, 19 de Fevereiro de 1647.

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continente português, nas fronteiras contra os espanhóis, sendo, de novo, recrutados soldados da ilha para o efeito. Em 1658, foi mobilizado para o efeito um terço de até 800 homens244. Concluídas as campanhas de expulsão dos holandeses, voltamos a ter novas levas de soldados para o Brasil. Em 1698, foram recrutados 200 soldados para o Maranhão245. A este propósito, o governador da Madeira, Pantaleão de Sá e Melo afirmava: “...e foy tam sucedida, supposto que com grande trabalho, a minha deligencia, que pude conseguir o effeito do ditto delle ainda antes do dia, que emtendi poderia bastar, para se não deter o navio, por causa desta gente, que havia de levar. (…) A gente, que mandei asentar praça, fardei e remeti, foy toda de idade, que consta, do pé da lista incluza, sem cauza que os pudece justamente e sem achaque algum, que lhe pudece ser de empedimento para servir. Levarão todos espadas, que com adevertencias sobre a minha deligencia, descubri, para que não fossem sem elas; e na proporção dos corpos, puderão ter prestimo de soldados, se os fizer a disciplina militar e o poderião ser nessa Corte se fossem para ella.” Depois, no século seguinte, a partir de 1747, temos o alistamento de soldados e colonos para as guarnições do sul do Brasil, nomeadamente de Santa Catarina, de que apenas sabemos de uma lista de 300 homens recrutados em 1749 e 1753246. De forma isolada, surge uma leva para Santos, em 1734,247 e outra de 200 homens, para a guarnição do Rio de Janeiro, em 1774248. A ida de levas de soldados para Angola terá começado em 1676, com a ida de Aires de Saldanha de Menezes de Sousa, na qualidade de Governador. Depois, no século XVIII, tornou-se quase uma obrigação este provimento de soldados madeirenses a acompanhar as forças de defesa que seguiam com os novos governadores nomeados. Em 1683, com a instabilidade causada pela insurreição de alguns sobas angolanos, o madeirense, tenentecoronel Inácio da Câmara Leme conduziu às suas custas companhia para Angola, o que não veio a suceder249. Outra iniciativa particular aconteceu com o morgado Pedro de Betencourt Henriques, que se propôs levantar uma companhia de 100 homens da ilha à sua custa250. Desta forma, entre 1676 e 1797, temos 2.246 soldados madeirenses nas várias levas251. A par disso, temos ainda noticia de outras levas de soldados para a Índia, em 1703 e em 1774, com a indicação de 100 homens. Ainda nesta centúria, refere-se a ida de 155 soldados, em 1797 para a guarnição militar do reino. No século XX, os soldados madeirenses estão 244

Cf. Nascimento, João Cabral, 1942, A Gente das ilhas nas Guerras da Restauração, Lisboa, APH, Sep. Dos Anais, VII.

245

ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, n°.965", fls. 267v-268v, 278-278v, 4 e 9 de Dezembro de 1658 e 1 de Agosto de 1664; ibidem, n°396, fls.23v -24, 6 de Abril de 1659; NASCIMENTO, João Cabral do,1949, “Carta do Governador da Madeira, Pantaleão de Sá e Melo”, Arquivo Histórico Colonial, Madeira e Porto Santo, 1698, in Arquivo Histórico da Madeira, Funchal, Câmara Municipal do Funchal, vol. VII, pp. 236-237; Santos, Maria Licínia Fernandes dos, 1999, Os Madeirenses na Colonização do Brasil, Funchal, pp.76-77

246 Assinalam-se as datas de 1747, 1753, 1754, 1755. Cf. PIAZZA, Walter F., 1999, A Epopeia Açórico-Madeirense (1746-1756), Funchal, CEHA; SANTOS, Maria Licínia dos, 1999, Os Madeirenses na Colonização do Brasil, Funchal, CEHA; COUTO, Adelaide B. e outros, 1993, O Povoamento da ilha de Santa Catarina e a vinda dos casais ilhéus, AAVV, Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, CNCDP, pp. 247-263; FERRAZ, Maria de Lourdes de Freitas, 1998, «Emigração madeirense para o Brasil no século XVIII. Seus condicionalismos», in Islenha, n.º 2, pp. 88-101 247

ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, n°. 398, fls. 2-5v, 3 de Dezembro de 1734 e 16 de Janeiro de 1735.

248

ANTT, PJRFF, Registo Geral da Fazenda e Contos, n°.976, fls. 266v 0 -267, 20 de Junho de 1774.

249

O mesmo oferecia “ para ajuda de se levantar a companhia oferecia seiscentos mil réis em dinheiro, quinze moios de trigo, quinze pipas de vinho e quinze vacas para mantimentos. E tudo entregará logo ao Almoxarife da Alfândega da dita Ilha, mandando V. Alteza fazer as mais despesas necessárias por conta das rendas dela". Em contrapartida pedia ao Rei “ mercê do foro de fidalgo do seu bisavô André de Aguiar da Câmara, do posto de tenente de mestre de campo general da dita Ilha por sua morte, para um dos seus filhos, ou para a pessoa que casar com sua filha e de um alvará para a primeira conezia que vagar na Sé do Funchal para o seu filho o Dr. António da Câmara Leme"

250

Com isto esperava receber em troca “alvará de moço fidalgo com a moradia que seus avós tiveram para ele e para os seus descendentes no dito foro. E assim mais lhe faça V. Alteza mercê do hábito de Cristo para um dos seus filhos, com uma comenda de lote de cem mil réis e enquanto não entra nela, uma tença da dita quantia, assentada no almoxarifado da dita Ilha”.

251

Cf. RIBEIRO, 1990: 85. foram realizadas as seguintes levas, conhecidas: 1676, 1703, 1709, 1725, 1728, 1732, 1748, 1758, 1764, 1771, 1774, 1779, 1784, 1789 e 1797.

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de retorno à Índia e à Europa. Em 2 de setembro de 1954, uma companhia independente do Batalhão de Infantaria 19 embarcou para a Índia onde esteve até 19 de junho de 1957. Já na Europa, a primeira guerra mundial mobilizou os soldados madeirenses para o campo de batalha em França. Aí faleceram 35 madeirenses, de que se destacou o alferes Veiga Pestana. Em sua homenagem, a câmara do Funchal atribui-lhe o nome de uma rua. A memória a estes e outros soldados desconhecidos caídos em combate ficou imortalizada, em 1921, num monumento. O ano de 1961 é assinalado nos anais de História Colonial como um ano negro. Perderam-se as possessões de Goa, Damão e Diu e iniciou -se a guerra provocada pelos movimentos de libertação de Angola, seguindo-se a Guiné, em 1963 e Moçambique, em 1964. Esta situação obrigou à mobilização de tropas, correspondendo ao apelo de Salazar: “Para a Angola, rapidamente e em força”. A primeira questão aconteceu na Índia. A partir de 1947, com a retirada inglesa e a fundação da União Indiana, abriu-se a porta para a integração de Goa, Damão e Diu. Os problemas surgiram a partir de 1954 e levam o governo a mobilizar tropas, seguindo, do Funchal, uma companhia de caçadores para Diu. Mas, em 1961, a União Indiana invadiu as possessões portuguesas, anexando-as definitivamente no ao seu território. Entretanto, em África, o movimento pró-independência atingiu as colónias portuguesas, surgindo movimentos de libertação em Angola, Moçambique e Guiné -Bissau. O assalto à cadeia de Luanda, a 4 de fevereiro de 1961, motivou a pronta resposta do regime, com o envio de forças militares. Na Madeira, foram recrutados muitos jovens em 5 batalhões e 64 companhias, constituídas no Batalhão de Infantaria Independente n.º 19 e no grupo de Artilharia e Guarnição n.º 2. Embora os dados disponíveis não sejam muito fiáveis, aqui os deixamos para que se possa fazer uma ideia. Durante os treze anos de guerra, foram mobilizados 820 000 militares de que resultaram 8 831 mortos e 32 195 feridos. De entre estes os mortos, contam-se pelo menos 169 madeirenses. Perante este conjunto de situações, tivemos a saída de muitos madeirenses que fugiam ainda jovens ao recrutamento militar e à mobilização para a guerra colonial, a que se juntaram opositores ao regime político, perseguidos pela polícia política ou conduzidos à prisão ou degredo, como sucedeu em 1949252. O momento da partida e chegada destes forças madeirenses para o ultramar era sempre motivo de desfile com muita gente e de afirmação da portugalidade. Por outro lado, o 10 de junho, Dia de Portugal, nas décadas de sessenta e setenta, era sempre o momento de evocação daqueles soldados madeirenses que estavam em África ou que aí haviam perdido a vida253. Esta presença de madeirenses na guerra do ultramar deixa marcas evidentes na sociedade e História madeirens que, nos últimos anos têm sido resgatadas, através de alguns livros de memórias254 e projetos cientificos255. COLONOS E POVOADORES À FORÇA. No século XVIII, a colonização entra na ordem do dia das políticas coloniais com o Brasil. Para isso, recrutam-se colonos onde seja possível para ocupar os espaços de ninguém, no Brasil. As ilhas oferecem essa capacidade excendentária de gentes para tais missões. Por outro lado, esta politica de colonização de novos espaços, como sucedia com o recrutamento de soldados, era também uma forma da sociedade se libertar de grupos indesejáveis256 ou de fazer face ao elevado surto demográfico desta época. 252

Nepomuceno, Rui (2006), História da Madeira. Uma Visão Actual, Porto, Companhia das Letras, p.418

253 Cf. Boletim da Junta Geral do Funchal, 12 (1966), 06 (1971), 06 (1971). 254 Tenha-se em conta as seguintes publicações: ARAÚJO, Lídio, 2003, Os Bravos da Picada. “Iremos até onde a Pátria for”. Diário de Guerra da 2ªcompanhia do Batalhão expedicionário 5014. Zohuè-Moçambique. Novembro de 1973-Dezembro de 1974, Madeira, ed. Autor; GANANÇA; Guilherme Costa, 2012, O Corredor de Lamel-68 Guiné 69.Romance Histórico, Lisboa, Chiado Editora;LOJA, Amtónio, 2013, As Ausências de Deus. No Labirinto da Guerra Colonial, Lisboa, âncora Editora. 255

Com o projecto Memórias do CEHA [disponível através da web em http://memoriadasgentes.blogspot.com/]temos dedicado especial atenção a Histórias de vida de alguns soldados madeirenses e estamos recolhendo a correspondência destes com as madrinhas de guerra.

256 Em Carta do Governador João Antônio de Sã Pereira ao Ministro dos Negócios do Reino, de 26 de abril de 1768

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Recorde-se que, em 1748, o bispo do Funchal afirmava que “os habitadores desta ilha tem multiplicado por forma, que se escuza muita parte da gente della sem detrimento do bem publico, antes com evidente proveito delle na certeza de ser muito difficultoza a sustentação de povo tão numeroso, pois não bastãoos fructos da terrra, para se manterem na 3ª parte do anno por falta dos de fora acontece muitas vezes padecerem grande necessidades”257. Mas esta iniciativa colonizadora tinha sido já sugerida pelo madeirense João Fernandes Vieira, em carta de 1675, ao príncipe regente: “ Uma provisão de V. A. manda fortificar todas as capitanias ao norte de Pernambuco, ir tratando de saber a importância delas, e posto que a fortificação das fortalezas era o mais importante, também necessitavam muita gente, por serem muito abertas pela costa do mar. Se fossem casais com suas famílias, as povoariam com mais facilidade. Das ilhas dos Açores, poderia ir quantidade de gente ou da Ilha da Madeira, sem .ali fazer falta... “ E acrescenta “quando a fazenda de V. A. não pudesse mandar fazer este gasto, se oferecia à sua custa, mandar comboiar 300 a 400 casais, mandando V. A. passar as ordens respectivas para que os navios que ali mandasse, os fossem buscar e não só faria este gasto e mais ainda lhe daria terras suas, em que pudessem fazer suas lavouras; e depois de conduzir esta gente iria continuando para que fosse mais gente ... Pede a V. A. ser servido conceder-lhe que neste Reino pudesse pôr editais, por seus procuradores, em todas as praças públicas, para que todos os oficiais de pedreiro, carpinteiro, ferreiro, caldeireiro, valadeiro, marreteiro de fazer sal e almocreves que quizessem ir para aquelas afirmava-se:Tambem me he preciso dizer a V. Ex.' que nesta Ilha se acha muita gente vadia, e sem prestimo nella e não podendo já caber nas cadeias de toda ella os criminosos e dissolutos se deixam às vezes alguns menos em esta demonstração de castigo, pelo que à V. Ex.' parece se Limpee de tam inuteis habitadores, e que daqui se transportem ao Pará, ou Angola alguns casaes pois há de ambos sexos mandarei cuidar em os segurar pa q. qdo. S. Mag.de seja servido mandallos por aqui buscar os tenha promptos. 257 Cf. SANTOS, Maria Licínia Fernandes dos, 1999, CEHA, p.109.

Os Madeirenses na colonização do Brasil, Funchal,

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conquistas de Pernambuco, lhes mandaria dar passagem, e matalotagem, para que eles lá lha pagassem com o trabalho de seus ofícios, porque aquelas conquistas estavam muito faltas de toda esta gente ...Estando as Capitanias bem fortificadas e povoadas, tinha V. A. nelas, um grande império” 258. O Brasil foi, no decurso do século XVIII, um dos principais espaços de destino dos colonos insulares, por incentivo da coroa. A todos os interessados assegurava-se a viagem até ao destino e ofereciam-se condições vantajosas para a sua instalação259. Este 258

Arq. Hist. Ult. Madeira, Trans. in SARMENTO, ob. cit. págs. 98 e 99.

259

De acordo com edital de 1747: ...fazer mercê aos casais das ditas ilhas que se quiserem ir estabelecer no Brasil de lhes facilitar o transporte e estabelecimento, mandando-os transportar à custa de sua Real Fazenda não só por mar, mas também por terra até os sítios que se lhes destinarem para as suas habitações, não sendo os homens de mais de 40 anos de idade e não sendo as mulheres de mais de 30: e logo que chegarem a desembarcar no Brasil a cada mulher que para ele for das ilhas de mais de doze anos e de menos de 25, casada ou solteira se lhe darão dois mil e 400 reis de ajuda de custo, e aos casais que levarem filhos, se lhes dará para ajuda de os vestir mil reis por cada filho. Logo que chegarem aos sítios que hão-de habitar se dará a cada casal uma espingarda, duas enxadas, um machado, uma enxó, um martelo, um facão e duas facas, duas tesoiras, uma serra com sua lima e travadoura, dois alqueires de sementes, duas vacas e uma égua e no primeiro ano se lhes dará a farinha que se entende basta para o seu sustento, que são três quartos de alqueire da terra por mês, para cada pessoa, assim dos homens como das mulheres, mas não ás crianças que não tiverem sete anos e aos que os tiverem até aos catorze e se lhes dará quarta e meia para cada mês. Os homens que passarem por conta de sua magestade ficarão isentos de o servir nas tropas pagas no caso de se estabelecerem no termo de dois anos nos sitios que se lhes destinarem, onde se dará a cada casal um quarto de légua em quadra para principiar a sua cultura sem que se lhes levem direitos nem salário algum por esta sesmaria e quando pelo tempo em diante tenham família com que possam cultivar mais terra, pedir ao governador do Distrito que lha concederá na forma

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recrutamento de casais fazia-se entre as famílias mais necessitadas. Todavia, em 16 de novembro de 1746, Henrique César Berenguer de Bettencourt, filho de gente nobre mas endividado, requereu ao Rei autorização para também a sua família ser contemplada com o apoio financeiro para embarcar a Santa Catarina.Também outros nobres, como Manuel de Betencourt Vasconcelos Perestrello, fizeram idêntica petição, em 1753. Da lista dos elementos da familia dos primeiros peticionários, faziam parte 30 elementos, sendo 8 filhos, 1 primo e outros 19 que estavam ao serviço da casa, entre criados, criadas e amas260. Este, a exemplo de Rui Gonçalves da Câmara que, no século XVI, se autopropusera a uma tarefa colonizadora do Brasil, faz apelo à sua varonia e família, para evidenciar a possibilidade de poder realizar um trabalho compensador à coroa. Assim, afirmava que “o suplicante alem da sua nobreza conhecida naquela ilha, poes na sua varonia se concervou sempre o foco de fidalgo da Caza, the seu terceyroavou, serve actualmente a Vossa Magestade naquela ilha em o tempo presente no posto de capitam da salla do general”. Entre 1746 e 1756, tivemos uma década marcada pelo recrutamento de casais da Madeira e Açores para o povoamento das terras do Sul do Brasil. Foi durante o mandato do Governador José da Silva Paes (1739-1743), que se procurou dar um forte incentivo ao povoamento destas terras, com o envio de colonos de S. Paulo e Rio de Janeiro, em que se incluem alguns madeirenses. Aliás, o próprio governador sugere à coroa, em 1642, o envio de colonos das ilhas. Todavia, só em 31 de agosto de 1746 [alargada a 22 de dezembro, à Madeira], D. João V determinou o envio de casais com esse intuito. Estes casais das ilhas das ordens que tem nesta matéria. E os casais naturais das ilhas que quiserem ir deste reino por se acharem nele, se lhes farão as mesmas conveniências como também aos casais dos estrangeiros que não forem vassalos de soberanos que tenham domínios na América a que possam passar-se. e aos que forem artífices se lhes dará uma ajuda de custa conforme os requisitos que tiverem" 260 Sarmento, Alberto Artur, s.d., Um fidalgo empobrecido pede transporte para o Brasil, sl[folha solta]. Cf. AHU, Madeira e Porto Santo, s/n, datado de 1748.3

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deveriam ser instalados entre S. Francisco do Sul e o morro de S. Miguel. Para o efeito, foi celebrado, a 7 de agosto de 1747261, um contrato com Feliciano Velho Oldenberg para o transporte destes casais. Não obstante a existência de um regulamento para o transporte, que acautelava uma série de medidas, a viagem nunca foi fácil e, para muitos, nunca se consumou a chegada ao destino. A mortandade neste percurso, em 1748, foi elevada, Para compensar isso, a coroa, por provisão de 20 de novembro, determinou a mesma oferta de terras, instrumentos e a isenção por cinco anos da dizima aos filhos destes casais que ,no prazo de um ano, casassem. A isto acresce, no caso madeirense, o naufrágio a 20 de setembro no rio Joanes (Baia) do navio Nossa Senhora da Conceição e Porto Seguro, propriedade de Feliciano Velho oldemberg & Cº, que saira do Funchal a 26 de abril com oitenta e cinco casais, correspondendo a 535 pessoas. Apenas se salvaram 11 mulheres, que foram recolhidas entre os salvados pelo Governo da Baía, e alguns homens que, por terem fugido, não se sabe o número262. Através de um livro de registo destes casais que se prestaram ao embarque, para o período de 1747 a 1751, sabemos do registo de 1367 individuos, a que deveremos somar mais 360 soldados do recrutamentos de 1749 e 1754263. Mas certamente que muitos mais terão sido aliciados por esta proposta tentadora oferecida pela coroa no sentido da colonização de Santa Catarina. Para uma ilha como a Madeira, em que muita da população rural estava a braços com 261

O Regulamento dos transportes foi publicado por CABRAL, Oswaldo R., 1999, Os Açorianos, Florianópolis, pp.95-96.

262

Cf. PIAZZA, Walter, 1999, A Emigração açórico-madeirense (1746-1756), Funchal, CEHA, pp.292-295.

263

No caso dos Açores aponta-se o alistamento de cerca de 7969 pessoas. Cf. PIAZZA, Walter, 1999, p.373.

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extremas dificuldades de sobrevivência e naioritariamente sujeita ao contrato de colonia, a proposta de custeio da viagem, com a possibilidade de serem proprietários da terra e dos lucros que viriam a cultivar, associada às ajudas em ferramentas, sementes e ajuda de custos era aliciante. A uma condição desfavorável de contrato de colonia, estes agricultores encontravam a disponibilidade de um quarto ou meia de legua “em quadro a cada um dos cabeças do cazal”. À sua chegada à ilha de Santa Catarina, esperava-os uma ajuda de custo diária por um ano, casas de taipa cobertas de palha, que entretanto outros colonos já haviam ajudado a construir, durante um ano tinhão tinham direito à necessária ração diária de farinha e peixe, quatro touros e dois cavalos,recebiam, ainda, espingardas, foice rossadora e ainda outras feramentas como facões, facas, tesoiras, “berrumas”, travadeiras, limas, “cerras”, enxós, enxadas, martelos, “alveoens”, machados, “foices roçadoiras”, fechaduras “mouriscas”. 264 As autoridades de Santa Catarina denunciam à chegada situações de extrema pobreza entre os colonos e a necessidade de acudir os mesmos com curativos no Hospital e roupas para seu agasalho, não obstante, nos contratos com os navios, estarem autorizados os maiores de 14 anos de idade a levar uma cama, arca, como todo o refresco, sementes e plantas. A bordo, a ementa, de acordo com os contratos de transporte era também considerada, para muitos destes madeirenses, um luxo, face àquilo a que estariam habituados no dia à dia. Assim “ao jantar legumes em cada dia diversos, como feijoens fradinhos, ou branco, ervilhas, favas, etc.. a rezao de hum alqueirepor cada quarenta pessoas = as ceyas dos Domingos, terças e quintas feiras para cada pessoa tres quartas de carne, a saber meyo arratel de vaca, e huma quarta de toucinho, e poderá esse toucinho cozerce com os legumes do jantar dando para a ceya o azeite e vinagre, que havia servir com legumes para com elles se temperarem o salgado da vaca = as ceyas das segundas, sestas feiras meyo arratel de arroz por pessoa = as ceyas das quartas feiras, e Sabbados meyo arratel de bacalhao a cada pessoa = para tempero do legume, bacalhao, e arroz, pimenta, ou alhos, ou cebollas, e huma canada de azeite para cada sessenta pessoas, e de vinagre o que baste conforme a sua força: hum arratel de bom biscoito novo, e sem corrupção alguma para cada pessoa por dia; e agoa a tinello, ou ao menos huma canada por dia a cada pessoa somente para beber, além da que for necessaria para cozer a comida.”265 Enquanto no Brasil os conflitos na definição das fronteiras e na consolidação da soberania no território obrigaram à emigração massiça de Madeireneses, na década de cinquenta do século XVIII, já em África, a consolidação da soberania portugesa, após a conferência de Berlim (1884-85)266 passa a contar com casais madeirenses, primeiro para o planalto de Huíla e, depois, para as colónias angolana e moçambicana em geral. A nova iniciativa de colonização acontecerá apenas no século XIX, com a ida de casais para colonização do planalto de Huíla em Mossamedes, hoje Namibe267, determinado por 264

Cf. PIAZZA, 1999: 98-110, 335-345

265

Cf. PIAZZA, 1999; 229-230.

266

Sobre a política colonial do momento cf. MADUREIRA, Arnaldo, 1988, A Colonização Portuguesa em África. 18901910, Liboa, Livros horizonte.

267 Cf. DIAS, G. de S., 1923. No Planalto da Huíla. Porto; FELNER, A. de A. , 1940, Angola: apontamentos sobre a colonização dos planaltos e litoral do sul de Angola. Lisboa: Agência Geral das Colónias; MACHADO, C. R. Colonização do Planalto de Huíla e Moçâmedes. Boletim da Soc. Geog. Lisboa, v. 36, n. 10-12, p. 267-309, [s.d.]; NASCIMENTO, J. P. do, 1891. Questões médico-coloniais relativas à colonização europêa no planalto de Mossamedes. Huíla: Typ. da Missão Catholica do Real Padroado Portuguez, NASCIMENTO, J. P. do, 1892. O Distrito de Moçâmedes. Lisboa; MENDONÇA, Leandro de, 1951, Colonização Madeirense no sul de Angola, Das Artes e da História da Madeira, vol.1, n.5; MEDEIROS, Carlos Alberto, 1976, Colonização das Terras Altas da Huíla(Angola). Estudo de Geografia Humana, Lisboa; ARRIMAR, Jorge de Abreu, 1997, Os Bettencourt da ilha da Madeira ao Planalto da Huíla, Funchal; RODRIGUES, M. J. , 2000, A colonização madeirense nas Terras Altas da Huíla. In: A ÁFRICA e a instalação do sistema colonial (c. 1885-c. 1930): Actas da III Renuião Internacional de História de África. Lisboa: Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga, Instituto de Investigação Científica Tropical; SILVA, R. J. C. da S. 1971, Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: capítulo I. Studia, n. 32, p. 371-378; SILVA, R. J. C.1971, da S. Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: capítulo II. Studia, n. 33, p. 341-372; SILVA, R. J. C. da S.1972, Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: continuação. Studia, n. 34, p. 481-534;

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decreto de 16 agosto de 1881, também à custa do Estado e depois de casais para o Brasil, mediante programas de apoio promovido pelo próprio governo Brasileiro e as associações de lavradores do Rio de Janeiro ou São Paulo268. Ainda rumo ao continente africano, para Angola ou Moçambique, tivemos o envio entre 1889 e 1890, de 1338 madeirenses. Para Mossamedes, houve a saida de duas levas de colonos madeirenses. A primeira aconteceu em 1884, saindo do Funchal a 19 de novembro, a bordo do navio India, 222 colonos. Depois, SILVA, R. J. C. da S. , 1972, Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: capítulo III. Studia, n. 35, p. 421-439; SILVA, R. J. C. da S., 1973, Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: conclusão: capítulo IV. Studia, n. 36, p. 293-390; TORRES, M. J. de M. , 1950, O distrito de Moçâmedes nas fases de origem e de primeira organização (1485-1859). Lisboa; VICENTE, Pe. J., 1969, Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, fundador de Moçâmedes. Lisboa: Agência Geral do Ultramar; BASTOS, Cristiana . 2008. Migrants, Settlers And Colonists: The Biopolitics of Displaced Bodies. International Migration 46(5): 27- 54; BASTOS, Cristiana. 2009. Maria Índia, ou a fronteira da colonização: trabalho migração e política no planalto sul de Angola. Horizontes Antropológicos XV (31): 51-74; BASTOS, Cristiana, 2011, «Trânsitos Atlânticos, Pacíficos e Terrestres—a pequena grande história de Maria Índia», in AREND, Silvia Favero, Carmen Silvia RIAL e Joana Maria PEDRO, orgs., 2011, Diásporas, Mobilidades e Migrações. Ilha de Santa Catarina, Editora Mulheres. BASTOS, Cristiana, 2009, “Maria Índia, ou a fronteira da colonização: trabalho migração e política no planalto sul de Ango­la”. Horizontes Antropológicos XV (31): 51-74; JARDIM, Maria N., 2011, Famílias antigas de Mossâmedes (Moçâmedes-Namibe): Familias Abreu e Jesus. Manuel de Abreu, «O mata-Porcos», Disponivel na Internet em URL: http://princesa-do-namibe.blogspot.pt/2011/08/familias-antigas-de-mossamedes.html. Consulta em 24.06.2013. Temos ainda um romance Histórico de António Trabulo, Os colonos, publicado em 2013 pela Editora Leya. 268 Cf. FREITAS, Nelly, 2014, Des vignes aux caféiers: Étude socio-économique et statistique sur l’émigration de l’archipel de Madère vers São Paulo à la fin du XIX e siècle, Paris, Université de Sorbonne, [tese de doutoramento]

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a 8 de junho, a bordo do navio África, tivemos outro contingente de 206 colonos (com 428 pessoas). Depois, entre 1889 e 1890, tivemos mais 704 emigrantes, perfazendo um total de 1.281 madeirenses nesta colónia angolana. O Brasil continuou a ser historicamente um destino preferido dos portugueses. Para a Madeira, este vinculo manteve-se ainda, de forma muito estreita,até aos dias de hoje. Fomos dos primeiros colonos desta terra abençoada, nos alvores do século XVI, como colonos e soldados a assegurar a soberania do território, de Norte e a Sul. Com a abolição da escravatura, estivemos, de novo, ligados ao processo de mutação da atividade laboral que acompanhou, por exemplo, a afirmação das plantações cafeeiras e canaviais no planalto paulista. Vários grupos de madeirenses foram contratados para servir no Brasil, com particular destaque para o Rio de Janeiro e Santos, as duas principais portas de entrada, destes na segunda metade do século XIX. Para o planalto paulista, os dados apontam no sentido de um grupo de cerca de colonos, mas outros mais se espalharam no país. Idênticas facilidades concedidas pelo governo brasileiro durante a segunda Guerra Mundial permitiram também que muitos mais madeirenses acorressem a Santos e ao Rio de Janeiro, em busca de trabalho e meios de sobrevivência, levando, na arca, alguns bordados e, nas mãos, a sabedoria desta arte269. Graças ao incentivo do consul brasileiro, o Dr. Perilo Gomes, e à politica de portas abertas decretada pelo governo brasileiro, a Madeira contribuiu com 5797 de um total de 9111 emigrantes madeirenses que sairam da ilha entre 1939 e 1945. 269 Cf. JANES, Emanuel, 2004, A Emigração Madeirense para o Brasil Durante da Segunda Guerra Mundial (19391945), A Madeira e o Brasil. Colectânea de Estudos, Funchal, CEHA, pp.139-149. Sobre as bordadeiras madeirenses de Santos e do Rio de Janeiro Cf. NASCIMENTO, F.R., org., 1992, Bordados da Madeira nos morros de Santos, Santos, SP, Editora D.O. Urgente; CORTE, Andreia Telo, 2002, A Imigração Madeirense em Niteroi. 1930-1990. Um Estudo de Caso, Niterói, ICHD/UFF [Tese de mestrado];MATOS, Maria Izilda Santos de. 2002, Cotidiano e Cultura: História, Cidade e Trabalho. Bauru, SP: EDUSC; Kodja, Gisela, 2004 Bordadeiras do Morro São Bento. Memória Trabalho e Identidade. tese em Gerontologia (estudo da velhice) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Disponivel na internet em url: http://pt.scribd.com/doc/85605197/Gisela-Kodja-Bordadeiras-Sao-Bento . Consulta em 24.06.2013.

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5. A IMAGEM DA ILHA E HISTÓRIA NO OLHAR DO OUTRO.

A ilha da Madeira, (...) que Deus pôs no mar oceano ocidental (...) por ser tal e parecer nele um único horto terreal tão deleitoso, em tão bom clima situada ou criada, disse um estrangeiro que parecia que, quando Deus descera do Céu, a primeira terra em que pusera seus santos pés fora ela. 1590(?), Doutor Gaspar Frutuoso, 1979, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, pp. 99-100. Canto do Paraíso, obra de Deus que os homens, com seu engenho, sua bondade, seu amor à terra, vêm aperfeiçoando dia a dia para que nada falte aos que a visitam. MONTÊS, António, 1938, Terras de Portugal, 1ª série, Lisboa, p. 186 O Paraíso que a Bíblia citava devia ter sido assim. MARTINS, Carlos, 1972, Madeira, Mar de Nuvens , 2ª edição, Minerva, p. 81.

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Vista de dentro, a ilha releva este protagonismo e ação do espaço e das suas gentes que acabamos de enunciar, de forma sucinta. Mas, de fora, a visão do outro é totalmente distinta. A Ilha é um episódio do processo da Expansão europeia, que cumpre as funções que o Centro determina, é o paraíso para usufruto de outros, como uma terra de ninguém, uma terra de fronteira onde tudo, ou quase tudo, está a saque. As ideias de paraíso e riqueza estão associadas às Ilhas Atlânticas, desde a Antiguidade Clássica. Não sabemos quando os povos da bacia mediterrânica se confrontaram com este mundo insular mas, a partir do século VI, a. C., diversos testemunhos evidenciam a presença de cartagineses e árabes que, certamente antes dos portugueses, tiveram oportunidade de descobrir estas riquezas e este paraíso. Esta ideia das ilhas atlânticas como paraíso e mansão dos deuses estava ainda presente na memória dos portugueses que se tinham lançado, em princípio do século XV, à descoberta do Atlântico. E continuaria, por muito tempo, na memória coletiva de muitos. Desta forma, não será difícil entender a razão desses entusiasmos que acompanharam o encontro da Madeira e de outras ilhas atlânticas. Mas, de todas as ilhas que os portugueses encontraram, a que mais extasiou os descobridores foi, sem dúvida, a Madeira. Ao receio inicial do que lhes reservava o espesso negrume que se avistava desde o Porto Santo, sucedeu algo de “encher o olho” aos navegadores. Os cronistas, como Francisco Alcoforado, que presenciaram esta situação, não se cansaram de insistir nessa alegria e nesse entusiasmo relativos ao encontro deste ubérrimo espaço. Não se contiveram de contentamento, quando constataram a "fertilidade, frescura e bondade"270 da nova terra que acabavam de pisar. A par disso, o aspeto sadio dos seus ares, a abundância de água fizeram dela a primeira, ficando como "a princesa de todas as ilhas"271. O deslumbramento foi total. A fertilidade do solo excedia os padrões europeus, deixando todos boquiabertos. Um dos mais significativos testemunhos é o do Cónego Jerónimo Dias Leite que escreveu, na década de setenta do século XVI, tendo por base testemunhos escritos e orais. Segundo ele: “ (...) tudo frutificava grandemente, em tanto que de cada alqueire de trigo que semeavam, colhiam pelo menos sessenta alqueires: e as rezes e o gado ainda mamavam e já pariam e tudo se dava em abundância, e não semeavam coisa que não multiplicasse em tresdobro com muita fertilidade, e grossura, e viço da terra.”272. Parte significativa do Livro Segundo das Saudades da Terra, que Gaspar Frutuoso dedicou à Madeira, é um panegírico às riquezas e belezas da Ilha. Assim, na memória descritiva dos lugares, a ideia de formosura e solo úbere são uma constante. Gaspar Frutuoso, conhecedor que era dos textos clássicos, continua preso à ideia destas ilhas como lugares da perfeição273. A visão idílica, paradisíaca e de riqueza está presente em quase todos os textos de viajantes que as presenciaram e de cronistas que souberam dela, através de testemunhos e da tradição oral. Esta realidade não ficava só pelo espaço lusíada, refletindo-se na Europa ocidental. Pelo menos é o que nos dá a entender, em 18 de outubro de 1469, com o texto da bula "fidei tuae probata", o Papa Paulo II: "...Os produtos da referida ilha, nomeadamente o açúcar, o trigo e outras coisas, tinham 270

Livro segundo das Saudades da Terra, P. Delgada, p. 49.

271

Ibidem, p.52.

272

LEITE, Jerónimo Dias, 1947, Descobrimento da ilha da Madeira (...), Coimbra, p.19.

273

Veja-se MARTINEZ, Marcos, 1992, Canarias en la Mitologia, Santa Cruz de Tenerife.

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aumentado e de dia para dia continuavam a aumentar em tal abundância que já não só bastava à referida ordem mas traziam até grandes cómodos a Portugal e outros reinos de Espanha e a seus naturais moradores..."274. Idêntico sentimento está expresso na decisão de D. Manuel, em 1496, ao tornar realenga a ilha da Madeira: " ... a nossa ilha da Madeira de uma das principais e proveitosas que nós e a real Coroa de nossos reinos temos para ajuda e suportamento do estado real e encargos de nossos reinos.."275. Estava conquistado o mercado para o açúcar madeirense que muita riqueza iria trazer a algumas das principais famílias madeirenses mas, de forma especial, ao Senhor e, depois, à Coroa. As ilhas são, assim, espaços de apropriação da riqueza para fruição no Reino, sendo para este uma solução mais eficaz e rentável, tal como expressa o cronista João de Barros (1496/1570),276 quando se refere à Costa da Guiné: "...eu não sei neste Reino jugada, portagem dízima, sisa ou algum outro direito real e mais certo em que regularmente cada ano assim responda sem rendeiros alegarem esterilidade ou perda, do que é o rendimento do comércio de Guiné. E tal que se o soubermos agricultar e granjear com pouca semente nos responderá com mais novidade que os reguengos do Reino e lezírias do campo de Santarém". Recorde-se, ainda que, na descrição que faz dos Açores, Gaspar Frutuoso (1522/c.1591) dá conta de uma profecia do Infante D. Henrique, que dizia o seguinte: "...que os primeiros povoadores destas ilhas dos Açores roçariam e trabalhariam, e seus filhos semeariam e comeriam, e os netos venderiam, e os mais prósperos e descendentes, fugiriam ,...". Assim se cumpriu pois, no seu entender, as "nossas heranças estão convertidas aos alheios e estrangeiros, que as possuem e logram, pelas comprarem e tirarem das mãos dos naturais que dantes as possuíam"277. No vaticínio do Infante, estava traçado aquilo que viria a ser o rumo das ilhas no século XVI e, certamente, nos seguintes. Atualmente, podemos questionar-nos acerca da razão pela qual isto terá sucedido. Na verdade, ao contrário dos povos da Antiguidade Clássica, aquilo que motivava os peninsulares não era o encontro ou a descoberta do Paraíso, onde pudessem instalar-se e usufruir das suas delícias e riquezas. Estavam, antes, empenhados em descobrir e retirar essa riqueza para usufruto na Península Ibérica e foi isso que fez perder o encanto a todo o processo e levou a que, ao longo do tempo, a riqueza se esgotasse e, do paraíso insular, tivesse resultado um espaço idêntico ao europeu, mas espoliado da sua singela beleza e riqueza. As ideias de paraíso e riqueza continuam constantemente a ser veiculadas em muitos dos textos da época. Estas, tanto podem ser a expressão de uma realidade vivenciada, como a continuidade de uma realidade anterior que persiste e serve de garantia a que a postura da coroa em relação à ilha não seja retributiva, quando necessário. Afinal, alguém terá necessidade de dar o que quer que seja ao dito “paraíso” ou à terra de grandes riquezas? A imagem da Ilha não poderá estar permanentemente presa a este quadro maravilhoso dos momentos de fulgor e de entrada de elevados rendimentos nos cofres da coroa, porque não foram sempre assim os rumos do devir e do quotidiano dos madeirenses. Tudo isto acontece, porque a Coroa continua a olhar para a Ilha e para os madeirenses apenas como um espaço e como agentes geradores de uma 274

MARQUES, J. M. Silva, 1971, Descobrimentos Portugueses, Vol. III, Lisboa, p. 73.

275

Carta de 27 de Abril de 1497, publ. in Arquivo Histórico da Madeira, vol. XVII, p.363.

276 1932, Ásia - primeira década, Lisboa, p. 119. 277 1978, Livro sexto das Saudades da Terra, Ponta Delgada, p.8.

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inesgotável riqueza. Esta imagem de “paraíso” e de fonte geradora de permanente riqueza, tendo em conta aquilo que a mesma fora capaz de produzir e gerar ao senhorio e coroa, nos primeiros 100 anos de ocupação portuguesa, perdurou e tardou muito a entender-se a possibilidade de situações e conjunturas económicas distintas, que implicavam o esperado retorno financeiro que nunca aconteceu. De forma intencional, continuará a divulgar-se a ideia de ilha-paraíso, para sonegar e não legitimar qualquer intenção ou pedido de apoio e retorno. A opção da coroa em saquear permanentemente estes espaços levou a alguns mal-entendidos e à dificuldade de conviver com as situações em que eles não se assumem, na condição de geradores de riqueza. Esta situação acontece por diversas vezes, sendo a primeira assinalada, em finais do século XV, com a perda de valor da mercadoria e, por consequência, do rendimento régio, nos mercados. Nestes e noutros momentos, insiste-se na ideia de que a Ilha deve continuar a propiciar as rendas de outros tempos, fundamentais para novos empreendimentos de expansão colonial, assim como para suprir as elevadas despesas da Casa Real. A Madeira parece querer aqui assumir-se, no imaginário da Fazenda Real, como uma “Ilha do tesouro”, inesgotável e sempre disponível para um saque fácil. Por isso mesmo, convive-se mal com as conjunturas de crise, ignora-se os quase permanentes protestos dos madeirenses. Ninguém olha para a Ilha como um espaço que precisa de apoios e recursos necessários para poder abalançar-se a uma maior afirmação socioeconómica. A Madeira continuará, até ao presente, a ser vista apenas pela exaltação da riqueza fácil, extorsão e fruição. Atente-se que a coroa enaltece o crescimento do lugar e, com esta atitude, espera, ainda, granjear mais rendas. Tudo isto acontece, porque o período que decorre de finais do século XV até à década de setenta do século XVIII é, sem sombra de dúvida, o mais fulgurante da economia madeirense. Aqui juntam-se, em épocas distintas, dois produtos, o açúcar e o vinho, que assumiram um papel destacado e foram capazes de gerar uma inusitada riqueza que se refletiu na receita da Coroa e no bem-estar das populações em geral. Inúmeras vezes nos temos perguntado se esta insistente exaltação das riquezas da ilha não poderá ser uma forma indireta de responder aos apelos dos madeirenses e de negar os apoios que solicitam. Sim, porque, na verdade, quem convive com tamanha riqueza não precisa de ajuda, de intervenção, nem de apoios de fora. Antes pode e deve partilhar o que tem e ser magnânimo perante a pressão fiscal do Estado. A ilha aparece nos escritos literários e de viagem quase sempre identificada como o paraíso na terra, o espaço de deleite dos deuses, de descanso e usufruto para os heróis. Se, na Antiguidade, esta opção/visão da ilha aparece de forma não intencional, atitude que se repetirá, em certa medida, no século XV, com os descobrimentos atlânticos, já para épocas posteriores, poderá ser um fator a ter em conta, na análise e relação da ilha com o continente próximo, que a domina e subjuga. A ideia de Paraíso conduz-nos à visão de um espaço onde tudo existe e tudo é perfeito, não sendo necessária a intervenção do Homem. Também essa exaltação da riqueza poderá ser uma forma de dizer que a mesma não precisa de ajuda, de intervenção exterior, por força dos elevados excedentes, e que, por isso mesmo, pode partilhar, através da sempre presente pressão fiscal do Estado continental. Ambas as situações, que muitas vezes definem, no discurso literário, a imagem da

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ilha, atuam sobre ela, de forma desfavorável. Terá sido de forma inocente que, durante muito tempo, se manteve o discurso e a visão histórica da Madeira, em torno desta exaltação paradisíaca e das riquezas geradas pelo vinho e pelo açúcar? Pensamos que isso, embora por vezes possa parecer uma postura inconsciente e não intencional, esconde a ideia de não retorno, de ilusão de uma realidade distinta e de carências. Dir-se-á que quem gera riqueza não necessita de apoios. Um poço que está cheio não necessita que se canalize para ele a açudada da levada, mas antes precisa de uma porta/comporta para o seu vazamento. Por outro lado, esta imagem de uma ilha rica, tão propalada na literatura em momentos específicos, identifica picos de prosperidade da mesma, o gerar de riqueza que estará na mira do executor fiscal e das múltiplas formas de tributação. Esta imagem cobre as falhas documentais, a ausência de dados contabilísticos. É por isso mesmo que fizemos apelo a estes textos e que lhes atribuímos importância. Serão mais um testemunho maioritariamente insuspeito e definidor da importância económica e fiscal do espaço da ilha, no momento em apreço. Se estamos perante uma produção e exportação elevada de um determinado produto, mesmo que faltem dados contabilísticos, ninguém duvidará que a maquia do Estado foi vantajosa. Há ainda que ter em conta a ideia da ilha como terra de fronteira, um espaço

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definido como terra de ninguém, de forma que a apropriação do que existe e aparece é pilhado por quem primeiro chega. Este conceito, que surgiu no século XIX, é hoje o ponto de partida para inúmeros estudos que abrangem diversos campos do conhecimento. Podemos trazê-lo também para o debate dos espaços insulares e, naquilo que no presente nos ocupa, para as questões financeiras. Esta ideia de terras de fronteira está, muitas vezes, presente nas instituições continentais. Embora próximas do continente, as ilhas não são vistas como uma extensão do território, mas quase só nesta singular condição. O retorno não existe e, quando acontece, vai no sentido de reforçar esta forma de pilhagem efetiva e o rendimento raramente surge em benefício do próprio espaço e dos seus agentes. Esta relação do deve e haver pesa, assim, nas relações históricas destes espaços e vai ser revelador dos mecanismos de dependência que foram criados e mantidos entre eles. Porque, na verdade, nunca houve um investimento proporcional à receita, às necessidades da região e às solicitações dos madeirenses. As decisões em torno da aplicação da receita ou das transferências financeiras foram sempre dominadas por questões políticas e nunca técnicas. É esta diferença que está subjacente a estas duas formas de decisão que o presente estudo pretende revelar. A ilha afirma-se como um espaço onde os limites e a fronteira são bem definidos pela Geografia278. Mas, o mar que a delimita, atua, em simultâneo, como porta e caminho para o próximo ou o distante mundo. Já Aristóteles havia afirmado que “A fronteira é limite e também é principio, uma vez que o principio é um tipo de limite.” 279Desta forma, podemos fazer aqui apelo aos Deuses, Jano e Hermes. O primeiro, como deus das portas que se abrem e fecham, que tanto caraterizam, de forma permanente, as fronteiras. Já o segundo é o seu deus, polissémico, como ela280. Só que a fronteira da ilha é distinta da traçada no espaço continental,  e que divide dois Estados ou regiões. Para o continental, a fronteira significa a existência do outro, da sua proximidade, ora pacífica, ora violenta. Aqui, para os insulares, ela quase sempre enuncia a distância, o isolamento, a preservação clara da sua identidade, alheia a qualquer intervenção do Homem. O outro aparece quase sempre sob a forma fugaz do pirata ou corsário.  Apenas quando interesses e disputas de impérios ou estados fazem a sua divisão, os problemas da fronteira continental transferem-se para os espaços insulares, como acontecem com as ilhas de Bornéu, Chipre, Hispaniola, Irlanda, Ilha Grande da Terra do Fogo, Kataja, Mercado, Nova Guiné, Sebalik, Timor, Zhongshandao. As ilhas atuaram, muitas vezes, como território fronteira do mundo ocidental, 278 Atente-se no seguinte: «Tout Etat aimerait être une île. Qu’est-ce qu’une frontière; sinon l’effort pathétique d’un pays continental pour se doter d’un rivage imaginaire qui le sépare distinctement du voisin? Par convention, la main du diplomate qui trace sur la carte une ligne de pointillés impose à la géographie des littoraux en pleine terre, des plages pavées ou s’arrête le pouvoir et où commence l’ailleurs. Trouve-t-on dans les parages un fleuve, une rivière, un ruisseau ? Son cours est immédiatement choisi comme substitut au grand océan. L’eau qui va, qui emporte, qui tue; fait depuis toujours le meilleur des douaniers.», Bruno, 2004, Mon royaume pour une île: principautés pirates ou clandestines, Îles funestes, îles bienheureuses, , Transboréal, Chemin d'étoiles,p.197. 279

Limite significa a parte mais remota de cada coisa, o primeiro ponto fora do qual não pode ser encontrada nenhuma parte de uma coisa, e o primeiro ponto dentro do qual estão contidas todas as partes…o fim (extremo) de cada coisa (sendo este fim aquele para o qual convergem o movimento e a ação, e não o fim de que procedem, embora por vezes sejam ambos – tanto o fim do qual procedem quanto aquele para o qual convergem, ou seja, a causa final.” Aristóteles, Metafisica. IV:17.

280 “O deus que protege as fronteiras, Hermes, apresenta características bem particulares. Deus móvel, múltiplo, rompemuralhas, guardião das portas, bi ou quadricéfalas quando ele é representado nas encruzilhadas; deus dos gonzos das portas, mestre das entradas e guia dos viajantes, testemunha dos acordos, dos contratos, das trevas e dos juramentos. Hermes é também um embrulhador de pistas e o condutor das almas aos Infernos. Hermes é o deus das passagens, da ultrapassagem dos limites mesmo quando simboliza a permanência delas.” (Jacques Leenhardt, fronteiras, fronteiras culturais e globalização, Martins, Maria Helena, 2002, Fronteiras culturais: Brasil - Uruguai – Argentina, Atelie Editorial, 29-30).

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de forma especial da cristandade e do mundo do outro desconhecido. Desta forma, foram os espaços limites do conhecido e das possibilidades da realização humana, para além das quais se situavam muitas vezes, o paraíso ou o inferno civilizacional, o desejo e a frustração das ambições e realizações humanas. Esta dicotomia acompanha, até hoje, as ilhas e tem-se sentido um fermento ativo da valorização dos espaços insulares, no pensamento humano e no devir histórico. Por outro lado, há uma herança cultural e identitária, de uma cultura de fronteira, que parece acompanhar os portugueses, nesta marcha de conquista do mundo e de definição de novas fronteiras em África, na América e na Ásia281. A prática centenária de convívio com a fronteira terrestre parece ter gerado uma identidade própria da cultura, como de fronteira portuguesa. Afinal, a metrópole constrói-se a partir de uma incessante mobilidade da fronteira e parte significativa do território pertenceu a esta condição de espaço de fronteira. O século quinze marcou o início da afirmação do Atlântico, como novo espaço oceânico revelado pelas gentes peninsulares. O mar, que até meados do século catorze se mantivera alheio à vida do mundo europeu, atraiu as suas atenções e, em pouco tempo, veio substituir o mercado e via mediterrâneos.  Em 1434, ultrapassado o Bojador, o principal problema não estava no avanço das viagens, mas sim na forma de assegurar a exclusividade a partir daí, já que, na área aquém deste limite ,isso não fora conseguido. Havia que estabelecer fronteiras. Primeiro, foi a concessão, em 1443, ao infante D. Henrique do controlo exclusivo das navegações e o direito de fazer guerra a sul do mesmo cabo. Depois, a procura do beneplácito papal, na qualidade de autoridade suprema estabelecida pela "res publica christiana" para tais situações282. A definição das fronteiras do mar e dos impérios não foi fácil. Um litígio de fronteiras acompanhou, desde o século XIV, os reinos e impérios peninsulares, persistindo ainda, nos dias de hoje, com a questão de Olivença. Já no século XIV, começaram a construir-se as fronteiras das ilhas, que se tornam uma realidade nos séculos seguintes283. Primeiro, as ilhas foram a fronteira do mundo conhecido. Depois, a fronteira entre o Velho e o Novo Mundo, missão que cumpriram incessantemente até ao advento da descolonização e ao aparecimento dos novos Estados, que se prolongou do século XVIII até ao XX. AS ILHAS COMO FRONTEIRA DO ATLÂNTICO. São várias as situações que fazem das ilhas atlânticas, nomeadamente os arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias, fronteiras do Atlântico, em ambos os sentidos. A sua História é prova disso, fazendo dos ilhéus os fronteiriços do oceano, que tanto olham no sentido do ocidente, da riqueza ou da esperança, como se procuram salvaguardar-se, na retaguarda dos olhares da cobiça e da espoliação. Talvez  não seja por acaso que a historiografia francesa, nas décadas de sessenta e setenta, tenha definido este conjunto de arquipélagos como de Mediterrâneo-Atlântico, isto é a fronteira

281

Cf. , Júnia Ferreira, 1999, Homens de negócio. A interiorização da metrópole e do comércio nas minas setecentistas, ão Paulo, Ed. Hucitec, pp. 16, 25.

282

As bulas de Eugénio IV (1445), Nicolau V (1450 e 1452) preludiaram o que veio a ser definido pela célebre bula "Romanus Pontifex" de 8 de Janeiro de 1454 e "inter coetera" de 13 de Março de 1456. Nela se legitimava a posse exclusiva aos portugueses dos mares além do Bojador pelo que a sua ultrapassagem para nacionais e estrangeiros só seria possível com a anuência do infante D.Henrique.

283

Cf. RILEY, Carlos Guilherme, 1995, As ilhas e a abertura da fronteira oceânica, Arquipélago. História. ISSN 08717664. 2ª série, vol. 1, nº 2: 17-31. Disponivel em: repositorio.uac.pt/handle/10400.3/486.

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entre o mundo antigo e o mundo moderno, entre o Mediterrâneo e o Atlântico284. Mas, ao longo da História de mais de quinhentos anos, parece que as ilhas foram fadadas para ser a fronteira do mar, que separa ou une, de forma especial, os continente europeu  do americano. Estas cumplicidades fronteiriças de insulares e continentais ganharam diferentes formas de expressão no tempo, sem nunca retirarem ao insular esta imobilidade dos limites que o mar construiu. Os insulares atuam tanto como defensores da fronteira como agentes de alargamento ou de construção de novas fronteiras. O mar alarga o horizonte da sua ambição e impele-o para o desconhecido que está para além da linha do horizonte ou da sua imaginação. A subordinação deste mundo insular aos impérios europeus implicou a criação de várias fronteiras e dependências internas que obrigaram a uma ancoragem da economia e riqueza à metrópole. Geram-se dependências reais ou forçadas por decretos e medidas limitativas das relações com outros mercados, doutros impérios ou estados. Impôs uma fronteira para a atividade comercial que passava pela imposição e regularidade das relações com  a metrópole, associada aos monopólios de fornecimento de alguns produtos, como o tabaco, o sabão e o sal. São as fronteiras da dependência que geravam esta acentuada subordinação, para além de um trato comercial desvantajoso, por falta de contrapartidas285. As 284

Cf. BRAUDEL, F, 1984; O Mediterrâneo e o Mundo Maditerrânico na época de Filipe III, 2 vols., Lisboa; Chaunu, Pierre, 1983, Sevilla y América. siglos XVI y XVII, Sevilha; . M, : Le Portugal etl’Atlantique au XVIIe siècle, 15701670, París; Charles V, : The Beginnings of Modern Colonization, Ithaca/Londres.

285

A este propósito, afirmava o Governador, D. Diogo Pereira Coutinho em carta de 12.XII.1781 (Livro 3, fls. 12Vª): ...não tem não pode ter, o maior dos males, comercio com a sua capital, por falta de cousas permutáveis e que por

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ilhas foram sempre tratadas assim  e a sua realidade particular descurada na hora de tomar decisões com implicação sobre elas. Todos estamos de acordo que toda a riqueza gerada numa região, sob a forma de produtos de troca de grande rentabilidade, de tributos e imposto deverá reverter em seu benefício próprio.  A justificação primeira que preside ao lançamento de impostos e tributos prende-se com esta necessidade da Coroa ou Estado em assegurarem os meios financeiros adequados para cobrir as despesas da administração e acudirem às obras e apoios necessários para a valorização do espaço. Quando estas situações se invertem e a riqueza gerada é espoliada e controlada de fora estamos, então, sob um regime de caráter colonial relativamente a estes espaços, em que o único interesse é usurpar o máximo da riqueza gerada, sem qualquer retorno.  A fronteira entre o conhecido e o desconhecido gera visões que fazem dos espaços insulares o palco de paraísos perdidos e desejados. Não sabemos se no paraíso bíblico existiam fronteiras, mas neste das ilhas foram muito evidentes os limites entre o labor daqueles que contribuíram para gerar toda a riqueza, que fazia jus a este atributo e aqueles que usufruíam dela. Das fronteiras do imaginário, partimos às fronteiras do quotidiano institucional e político. Aqui, ao mesmo tempo que se abrem também se fecham várias fronteiras. Aquilo que, no século XV, apelava à afirmação destes espaços como terra de fronteira é, nos alvores do século XIX, o motivo para se decretar o fim desta situação amorfa das ilhas que balizam a metrópole, das colónias. E apenas por decreto se afirmou que os arquipélagos da Madeira e Açores estariam adjacentes à metrópole, prolongando-se, desta forma, a fronteira do litoral peninsular. A ideia de adjacência não  cai bem aos insulares e parece ter uma carga pejorativa. Daí a preferência, entre os pares insulares, pela expressão das ilhas da Madeira e Açores286. A ideia de adjacência implica uma situação de continuidade geográfica e política. Quiseram apagar a fronteira marítima, como se isso fosse possível. Esta situação foi, assim, estabelecida na Constituição de 1822, para designar a situação isso só vem com das suas florestas, fabricas sem ellas se poder prover. 286

Tão pouco aos pares do reino estas poderão ser consideradas como colónias, pois, segundo o deputado Sá Nogueira, desejo que se tenha em vista que a Madeira e os Açores devem sempre ser consideradas como fazendo parte integrante de Portugal, e apesar de separadas do resto do Reino, quando se fala de Ultramar, nunca se comprehendem a Madeira nem os Açores. É preciso haver cautella nisto, porque com difficuldade poderemos tomar medidas legislativas a respeito do Ultramar, quando a administração das ilhas Adjacentes é em tudo a mesma ou similhante á de Portugal. Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 11 de março de 1837, publicado em Aditamento ao Diário do Governo no.63, nº.p.11. Sucede que, em 1841, quando se discutia a situação da aprovação dos orçamentos das câmaras municipais, em que ficou consignado que na Madeira e Açores, seria aprovado pelas comissões distritais, um deputado do reino, reconhece esta diferença afirmando que Não é um privilegio que se dá á Madeira; não é principio excepcional, que se pertende introduzir na Lei, é o reconhecimento de um facto geográphico, que ninguem pode desconhecer, é um facto que todas as leis reconhecem..., Diário da Câmara dos Deputados, sessão nº.23, de 30 de julho de 1841, p.364. O mesmo volta a afirmar noutro momento que...a Madeira e Açores formam parte do Reino de Portugal, e o ultramar é differente, porque só forma parte da Monarchia Portugueza....Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 14 de julho de 1840, p.209. Em contradição com este discurso, temos o de Luís da Silva Mouzinho de Albuuerque que é perentório:…chegou ao ponto de se estabelecer em lei, que fossem consideradas Provincias do  Reino, e não partes ultramarinas delle, tanto as ilhas dos Açores como as da Madeira; como se homens e as suas leis podessem eliminar a parte do Oceano, com que a Natureza separou de Portugal aquelles archipelagos.(...) Podem dar-se comunicações promptas entre as Provincias continentaes do Reino, onde as noticias e as providencias podem até correr telegraphicamente; mas quanto á ilha da Madeira é isso rigorosamente impossivel;não podendo ella estar por consequência debaixo das vistas hodiernas e da immediata solicitude do poder Executivo central, isto é, do Ministério. Por estas considerações é para mim evidente a necessidade de que na ilha da Madeira exista um modo de Governo e Administração adaptada a estas circunstâncias. É indispensável existir alli uma Auctoridade Executiva, que satisfaça de prompto ás necessidades urgentes da Provincia, sem hesitações nem amiudadas e longas referências ao Ministerio no Continente. (...) que se forme, em uma palavra, um systema de Governo e Administração adequado aquella Provincia, embora diverso daquelle, que se acha adoptado ao Continente do Reino. Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 13 de janeiro de 1843, p.62.

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dos arquipélagos da Madeira e Açores, de forma a diferenciá-los das colónias287. A designação persistiu até à Constituição de 1976, altura em que passaram a designar-se Regiões Autónomas, voltando as fronteiras da política-institucional a coincidir com a marítima A designação de ilhas adjacentes existe na Carta Constitucional de 1826 e nas  Constituições de 1838, 1911, 1933. Também os documentos de caráter administrativo e que determinam a reforma da administração assim o referem: lei 1967 de 30 de abril de 1930, designada de lei de bases da administração do território e ilhas adjacentes; decreto-lei nº.37501, de 31 de dezembro de 1940, que estabelece a autonomia dos distritos das ilhas adjacentes. Esta ideia está perfeitamente definida pelo Governo e reforçada no parecer da câmara corporativa, no decreto-lei de 1938, que altera o regime de autonomia dos distritos insulares. Aí refere-se: Na verdade, se por um lado, como no relatório se diz, parece desnecessário insistir na conveniência de um regime administrativo insular diverso do adotado para o continente, visto estarem (os dois Arquipélagos dos Açores e da Madeira separados de Portugal continental pelo oceano, longe, portanto,das vistas diretas dos governantes e ligados a Lisboa por comunicações marítimas muito espaçadas (sobretudo com os Açores) e constituírem um grande número de pequenas ilhas que não mantêm entre si laços de tam estreita cooperação como por vezes se pensa, mas que são solidárias pela posição geográfica, pelo estado social e pelas necessidades dos seus habitantes, cuja índole e modo de viver diferem bastante dos do maior número das populações continentais, por outro lado – e convém nunca o esquecer - formam as ilhas adjacentes um todo com o continente, é o mesmo o seu sistema de administração e governo, como o mesmo é o grau de civilização dos habitantes e de progresso social. Por isso, o caminho a seguir deve ser o da proposta: aplicar às ilhas adjacentes o regime do Código Administrativo, com as alterações que as suas condições peculiares imponham. Esta tem sido, de resto, a orientação tradicional288. O único facto que conta nesta adjacência é o geográfico que, ao homem, se torna impossível nestas circunstâncias ultrapassar. A ponte que se estabelece é apenas jurídica e não real. Daí ser reconhecido, desde 1895, que ...a distância a que ficam do continente e, portanto, do Poder Central, e a pouca frequência das comunicações, são, com efeito, circunstâncias especiais e poderosas que explicam e legitimam esta aspiração autonómica, ou seja este reconhecimento real de efetivar a adjacência. Desta forma, a descentralização e a desconcentração de funções, que definem este regime administrativo insular é considerado ajustado às politicas centralizadoras que, segundo a mesma Câmara, não se deixam vislumbrar pelos ideais centralizadores, tendo em conta ...a unidade de pensamento e de ritmo que deve caracterizar hoje as relações entre a administração central e a administração local, entre a administração geral e a administração particular. E conclui-se pela  defesa e fundamentação do estado centralizador e autocrático:..a vida moderna, os progressos técnicos modernos e a moderna facilidade de comunicações revelamse incompatíveis com uma descentralização demasiado larga, mormente num país como o nosso que, ostentando com orgulho o titulo de Nação primogénita da Europa, sem dúvida é também, senão a mais, pelo menos uma das mais unificadas 287 Todavia, temos indicações do uso da designação em datas anteriores, como se poderá ver do documento sobre o contrato do tabaco de 1752: Condições do Contracto do tabaco destes Reinos e ilhas adjacentes,... Lisboa. 288

LEITE, J. G. Reis, 1987, A Autonomia dos Açores na Legislação Portuguesa, Horta, p.242.

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nações do mundo289. Qual então o segredo escondido na intenção do legislador quando afirma a adjacência dos distritos insulares? O próprio articulado da lei de 30 de abril de 1938 revela-o do seguinte modo: Formam as ilhas adjacentes um todo com o continente, é o mesmo o seu sistema de administração e governo, como o mesmo é o grau de civilização dos habitantes e de progresso social: seria, pois, contrário ao bem comum consagrar uma forma egoísta de plena autonomia financeira que parecesse realizar a desintegração do Estado de uma parte do seu território metropolitano290. É patente a reivindicação, por parte da Madeira, de leis de exceção porque considera ser uma região diferente que se sente lesada com a legislação geral. Ora, isto só acontece em situações de descentralização política, coisa que tardará a ser materializada. Entretanto, por lei de 1761, a Madeira uniformiza o seu sistema tributário  com o do continente,  deixando de existir situações específicas em termos tributários. Isto gera problemas devido às diferentes realidades do continente  e ilhas e que, no caso das pautas aduaneiras, têm expressão mais real dos problemas de uma lei cega, definida com desconhecimento da realidade das distintas e diferenciadas regiões. A ideia de associar as ilhas e arquipélagos à metrópole, através da designação  de  adjacentes,  foi uma medida fatal, com consequências inevitáveis na economia e sistema tributário. A possibilidade de intervenção dos insulares na câmara dos Deputados, através de deputados eleitos, foi uma oportunidade de afirmação desta diferença e identidade, mas não um reconhecimento de facto da diferença, que a lei procurava a todo o custo combater. Em 1895, surgiu a autonomia, primeiro para alguns distritos dos Açores, sob a forma de restauração das antigas juntas  gerais,  com intervenção específica em termos administrativos e financeiros. Depois, em 1901, a Madeira acompanhou o processo. Os ilhéus, são por natureza um povo fronteiriço/raiano, que usufrui das liberdades desta terra franca, mas que também sofre as consequências pelo facto de os europeus/continentais os considerarem para certas situações habitantes de “terra de ninguém”.

289

LEITE, 1987, p.247.

290

LEITE, 1987, p. 229.

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7. O MUNDO E O MAR DAS ILHAS A PARTIR DA MADEIRA Depois da Segunda Guerra Mundial, a emergência dos Estados insulares no concerto das nações, a Convenção sobre os Direitos do Mar, a definição da Zona Económica Exclusiva (ZEE) e o incremento do turismo provocaram mudanças de tal ordem na percepção da insularidade que, em certos meios leigos e eruditos passou-se a falar dos “mares das ilhas”, do “milénio dos ilhéus” e mesmo da Nissologia ou “ciência do mundo insular”. TOLENTINO, André Corsino, 2006, Universidade e Transformação dos Pequenos Estados em Desenvolvimento. O Caso de Cabo Verde, Lisboa, Universidade de Lisboa/FPCE, p.58 As ilhas estão assim no centro do nascimento da Europa e dos seus valores. Elas são um elemento essencial para que esta bizarra e peculiar ideia de que o indivíduo é o centro do mundo, portador de direitos que só se podem desenvolver num ambiente democrático, tenha nascido e criado um nicho de aplicação. TELO. António, 2011, A Europa e as ilhas - uma dinâmica milenar. In AAVV, As Ilhas e a Europa. A Europa das Ilhas, Funchal, CEHA, p.12 A história evidencia, desde a Antiguidade Clássica, o papel fulcral dos espaços insulares na construção e afirmação das civilizações e impérios. Como todos os continentes, a Europa encontra-se envolvida num manto de ilhas fluviais ou marítimas de que não prescinde. São espaços reduzidos, por vezes insignificantes

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em termos geográficos, um penhasco ou uma ilhota, mas que podem assumir um papel importante, em termos geo-políticos e que, por isso mesmo, podem estar na origem de conflitos, como foi o caso das Malvinas ou Falkland, em 1982, e do penhasco Perijil, disputado por espanhóis e marroquinos. Não tenhamos ilusões quanto ao relevante papel que as ilhas cumpriram na História e ainda assumiram, por força da valorização dos recursos marinhos, na economia e vida do Homem, que cada vez mais estão na ordem do dia. A História apresenta-nos os espaços insulares como a imagem idílicas do Paraíso, mas também como a visão aterradora do Inferno. Será na primeira que as mesmas verão valorizada a sua importância e o apelo dos continentes para a fixação e valorização económica. Por causa disto, ganham importância nos mercados locais e internacionais, através de experiências bem sucedidas com algumas culturas que apresentam valor económico e grande demanda. As ilhas são, assim, os viveiros de aclimatação das culturas que circulam entre os espaços continentais. As ilhas assumiram, então (e, em muitos casos, continuam a afirmar) esse papel estratégico e geo-estratégico. As ilhas atlânticas foram importantes polos de convergência dos interesses europeus como meios privilegiados de aproximação entre mundos e espaços. A partir das ilhas, estabeleceram--se pontes com o litoral dos continentes, permitindo traçar rotas oceânicas de divulgação de culturas, de técnicas e de saberes em torno delas e da descoberta do mundo natural. Neste contexto, surgiram as rotas comerciais, a pirataria e corso, o contrabando. Aos agricultores, piratas, corsários e mercadores, juntaram-se depois os cientistas, os turistas. Olhando retrospetivamente ao protagonismo das ilhas, no mundo imperial português poderemos dizer que os portugueses criaram um império anfíbio. Esta ideia foi lançada por Luís de Albuquerque e vai ao encontro de uma política de expansão e domínio assente nos espaços insulares e no litoral dos continentes, com a construção de feitorias ou fortalezas. Aqui as ilhas foram o principal pilar e o mar o traço de união. A Madeira, os Açores e Cabo Verde serviram de porta tampão ao mundo Atlântico. Faltava apenas as Canárias, uma aposta perdida em 1478-79 com o tratado de Alcáçovas/Toledo. No século XV e nos seguintes, a Europa entendeu bem a importância dos espaços insulares para o domínio do Atlântico. Fala-se até da intenção do infante D. Henrique de criar um reino insular que saiu gorada com a perda das Canárias291. A par disso, a omnipresença do mar para o português está foi bem entendida pelos chineses e está patente num provérbio: os portugueses são como peixes, que morrem quando se lhes tira a água. Não tenhamos dúvidas de que, na História do Atlântico, o mundo insular é uma realidade sempre presente. A Antiguidade Clássica faz apelo às ilhas míticas, fantásticas e imaginárias, cuja localização acontece sempre no Atlântico292. O fascínio do mundo insular manteve-se durante e após a fase de expansão europeia quatrocentista. Desta forma, será legitimo afirmar que as ilhas foram uma das 291 Verlinden, Charles, 1989: Henri le navigateur songea-t-il a créer un “etat” insulaire?, in Revista Portuguesa de História, XII, Coimbra, pp. 281-292. Cf ainda do mesmo autor: 1965, La découverte Portugaise et la Découverte portugaise des Canaries, Revue Belge de Philolologie et d’Histoire, nos. 41-42(jan-Dez), 388-407; 1987: Henri le Navigateur et les Iles Canaries, Vice-Almirante A.Teixeira da Mota. In memoriam, Lisboa, T. I, pp. 43-56. 292

Babcock, W.H.,1922, Legendary Islands of the Atlantic, N.York, Martinez, Marcos, 1992, Canárias en la Mitologia, Santa Cruz de Tenerife, IDEM,1996, Las Islas Canárias de la Antiguedad al Renacimiento. Nuevos Aspectos, Santa Cruz de Tenerife.

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dominantes da cultura Ocidental e Oriental, ganhando papel de relevo na mitologia clássica e na construção de novos mitos293, como de pontes entre ambos os lados do oceano como pilhares assentes nas ilhas. As rotas do Atlântico, Índico e Pacífico afirmaram-se por força das ilhas. Daqui resultou certamente a moda de divulgação dos isolarios, em que se destaca o de Beneditto Bordone, de 1528294. D. Manuel, monarca português, ciente da importância do mundo insular, mandou estabelecer o Livro das Ilhas para tombar toda a documentação mais significativa que a elas se referia295. Já alguém imaginou os oceanos sem ilhas? Que seria da civilização Clássica no berço mediterrânico sem ilhas? E o Atlântico, quão imensas seriam as dificuldades para os navegadores peninsulares para o descobrirem e sulcarem? Qual seria o encanto do pacífico sem as ilhas?. Recordemo-nos das peripécias dos primeiros navegadores portugueses que aportaram a Madeira , ou de aqueles que os antecederam, no encontro do Porto Santo e que, segundo a lenda, mereceu o nome por tê-los salvo do desconhecido oceano. As ilhas, para muitos dos autores dos séculos XV e XVI, parece que se anicharam, de forma ordenada, nas massas oceânicas para servirem de apoio, conforto e salvação, nesta longa jornada de revelação de mundos e terras. Mas esta ânsia do homem em vencer cada vez mais as distâncias levou-o a desbravar os céus e a encontrar meios de transporte mais evoluídos. Nesta conquista dos ares para a circulação de homens e produtos, as ilhas desempenharam um papel destacado, enquanto espaços de apoio. No mesmo quadro, teremos a evolução das telecomunicações, em que as ilhas voltaram a ser o cais que abraça os continentais e o pilar atlântico desta ponte inter-continental traçada pelos cabos submarinos ou pela TSF. No caso específico destas ilhas do Atlântico oriental, foi evidente o envolvimento com os espaços continentais vizinhos, sem perder de vista o laço umbilical que as prendia, desde o século XIV, à Europa. A Europa está omnipresente e é ela que beneficia com as ilhas. Em síntese, podemos afirmar que o facto de estarem disseminadas por espaços oceânicos, que a História, a seu tempo, atribuiu protagonismo, fez que os espaços insulares fossem importantes, na descoberta de novos mundos e na construção dos impérios marítimos e continentais. O império português foi fundamentalmente um império insular e litoral. Ainda sobra a riqueza dos seus frutos, resultantes das sementes e culturas lançadas à terra. Junta-se a Providência divina com o prémio ou recompensa dos seus frutos e riquezas296. Foi este desígnio que trouxe os portugueses ao encontro destas ilhas, como terá sido Deus a entender da forma da sua disposição oceânica para serviço do Homem. Zurara297 é perentório em afirmar: E como Deus queria encaminhar tanto bem para este Reino, e ainda para muitas outras partes, guiouos assim que com o tempo contrário chegou à Ilha que se chama agora do Porto 293

Diegues, Antonio Carlos, 1998, Ilhas e Mares. Simbolismo e Imaginário, S. Paulo, Editora Hucitec, pp.80, 129-193

294 Guerreiro, Inácio, 2001, Tradição e Modernidade nos Isolarios ou “livros das Ilhas”, dos Séculos XV e XVI, in Oceanos, nº. 46, pp.28-40. 295

Cf. Costa, José Pereira da, 1987, O Livro das Ilhas, Lisboa.

296 Este binómio é uma constante em muitos textos e insiste-se em Gaspar Frutuoso: (…) não os desviou de sua boa fortuna, descobrindo a ilha que agora chamamos do Porto Santo. (…) ilha que deparava Deus para sua salvação, mas ainda para bem e proveito destes regnos, vendo a disposição e sítio dela, e mais de não ser povoada de tão fera gente como, naquele tempo, eram as Canárias. “(…) era Deus servido dele.” (Frutuoso, 1979: 18) 297

AAVV, 1982, Aquele espesso negrume (variações sobre um mesmo tema: Machico e Machim na Alvorada da ilha), Machico.

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Santo,... Ainda a propósito desta mesma ilha, diz-nos João de Barros298: E bem lhe pareceu que terra em parte não esperada, mas somente lha deparava Deus para sua salvação, mas ainda para bem e proveito destes reinos, vendo a disposição e feitio dela... 299 Entender este entramado de relações que a História atribuiu ao espaço madeirense sob a depen-dência e na periferia da Europa foi a razão da presente reflexão. Quisemos, num momento de plena afirmação do processo de globalização, iniciado há cinco séculos, nestas ilhas, saber do seu papel e importância, no quadro de referência da União Europeia e do Mundo. Das diversas expressões do debate expresso pela voz de historiadores, economistas, politólogos, parece não existirem dúvidas sobre a grande importância das ilhas na construção da Europa e do Mundo e também a pouca ou nenhuma atenção que os areópagos políticos europeus lhes concedem. Com esta reflexão, quisemos reparar esta injustiça e reclamar aquilo a que temos direito, nesta construção europeia e do mundo, assim como na atual sociedade global. Por outro lado, o presente milénio é considerado por alguns estudiosos como sendo o do Pacífico e das ilhas300. Esta ideia de G. McCall revela a importância que os espaços insulares assumem na comunidade científica atual. A valorização que as ilhas mereceram no post-segunda guerra mundial está na origem da afirmação dos estudos sobre o mundo e a realidade insular301. São múltiplos os motivos que conduzem a esta situação e que fazem com que o mundo das ilhas adquira cada vez mais importância nos areópagos científicos internacionais, com particular incidência para países como a França, Canada e Austrália. A História tem demonstrado que as ilhas valem, não só pelo valor económico intrínseco à possibilidade de exploração agrícola, à disponibilidade de recursos com valor económico, como também pelas condições favoráveis resultantes da geografia, tais como as possibilidades de acesso e a disponibilidade de água. É o mar que nos une mas também, quem ontem como hoje releva o papel e a importância dos insulares. No passado, o recurso a ele como via de comunicação, hoje como recurso económico e estratégico. Hoje, parece que as ilhas retomaram o deslumbramento do passado. Esgotados os recursos económicos, resta-lhes apenas aquilo que as diferencia dos espaços continentais e que está na origem do nome dado na Antiguidade Clássica. As Afortunadas continuam ainda como o paraíso atlântico que continua a atrair o europeu. E no milénio que agora começou não está provado que percam o protagonismo que as marcou no passado. O europeu continuará a depender 298

Barros, João, 1998, Ásia – Primeira Década, Imprensa Nacional, p. 16.

299

Idêntica postura encontramos em finais do século XVI em Gaspar Frutuoso: E, assim, permitiu Deus este novo descobrimento (pela majestade dele) passasse pela lei que têm as grandes coisas, as quais têm princípios trabalhosos e casos não cuidados e tanto perigo como passaram estes dois nobres cavaleiros, que o Infante mandou descobrir, depois de partidos em sua barca (…)” ( Frutuoso, Gaspar, 1979, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada,17.)

300

.McCall, G., 1996. “Clearing confusion in a disembedded world: the case for nissology”. Geographische Zeitschrift, n°2, p. 74-85; McCall, G., 1996, Nissology; A Debate and Discourse from Below, www.southpacific.arts.unsw.edu.au/ resourcenissology.htm, consulta em 14.11.2010: Hay, P.,2006, A phenomenology of islands, Island Studies Journal, 1(1), pp. 19–42.

301 “Ao longo da História, as ilhas foram menosprezadas e cobiçadas. Depois da Segunda Guerra Mundial, aemergência dos Estados insulares no concerto das nações, a Convenção sobre os Direitos do Mar, a definição da Zona Económica Exclusiva (ZEE) e o incremento do turismo provocaram mudanças de tal ordem na percepção da insularidade que, em certos meios leigos e eruditos passou-se a falar dos “mares das ilhas”, do “milénio dos ilhéus” e mesmo da Nissologia “ciência do mundo insular”. (Tolentino, André Corsino, 2006, universidade e transformação social nos pequenos estados en desenvolvimento: o caso de Cabo Verde, universidade de Lisboa Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Doutoramento em Ciências da Educação, Educação Comparada,)

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destes pilares erguidos no atlântico para sedimentar protagonismos. Ontem como hoje, as ilhas não se fizeram rogadas aos desafios do devir histórico. Nos últimos cinco séculos, às ilhas foram atribuídos diversos papéis. De espaços económicos rapidamente avançaram para faróis do Atlântico, companheiras e guias das inúmeras embarcações que sulcaram o vasto oceano atlântico. Assim, as ilhas foram escalas imprescindíveis para abastecimento de víveres frescos, água e carvão, mas paulatinamente se foram transformando em espaços aprazíveis, primeiro para a cura da tísica pulmonar e depois repouso e deleite de aristocratas e aventureiros. O turismo é, hoje, a última evidência desta realidade. Quão difícil seria a descoberta e travessia oceânica sem a presença destas ilhas! Daí alguns autores quinhentistas as entenderem como fruto da providência divina. A vocação e integração Atlântica do espaço insular fez com que ele se envolvesse com os espaços continentais vizinhos, sem perder sempre de vista o laço umbilical que o prendia à Europa, desde o século XIV. Por diversas vezes, a historiografia faz apelo a esta vocação americana de algumas ilhas mas acima de tudo aquilo que prevaleceu foi a sua vocação atlântica e europeia. Em momento algum, a Europa prescindiu das ilhas e também estas nunca conseguiram cortar as amarras que as prendem ao velho continente. Daqui resulta que será difícil entender-se parte da História e da imagem da Europa sem as ilhas. A Ultraperiferia foi e continuará a ser essa mais valia indispensável à consolidação e afirmação da Europa302. Hoje, as ilhas não valem apenas pela sua posição geo-estratégica, mas também pela sua zona económica exclusiva303, pelos recursos, muitos ainda desconhecidos que encerra304. Ora, tudo isto porque , afinal, o mar foi e será sempre o nosso espaço de ação e recurso, uma vez esgotados todos os recursos da terra que sustentam a raça humana. A economia do mar torna-se cada vez mais premente na nossa sociedade e domina a agenda politica e a Comunidade Europeia e Portugal, graças aos arquipélagos da Madeira e dos Açores, têm a sua guarda um vasto espaço 302

Cf. Èlisa Paulin e Marie-Josèphe Rigobert, 1993, «Les Régions Ultrapériphériques et la CEE,» Revue du Marché Comum et de L’Union Européenne, n.º 368, Paris; Fortuna, Mário, 2002, «A problemática das regiões ultra-periféricas,» in Compêndio de Economia Regional, Coimbra, APDR; Jean-Didier Hache, 2000, «Quel Statut pour les Îles d’Europe?», in Quel Statut pour les Îles d’Europe?/What Status for Europe’s Islands?, Paris, L’Harmattan; Valente, Isabel Maria Freitas, 2010, “Regiões ultraperiféricas portuguesas: territórios estratégicos?” in 2009 (Re)Pensar a Europa, coord. de Maria Manuela Tavares Ribeiro, n.º 9, Coimbra, Almedina/CEIS20, pp.47 a 68; Valente, Isabel Maria Freitas, 2009, As Regiões Ultraperiféricas Portuguesas – Uma perspectiva histórica, Região Autónoma da Madeira, Funchal, CEHA; Valente, Isabel Maria Freitas, 2009, “As regiões ultraperiféricas portuguesas: discurso político e imprensa regional” in Mneme – Revista de Humanidades – Publicação do Curso de História da Universidade do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó, Caicó, vol.10, nº. 26, (www.cerescaico.ufrn.br/mneme); Valente, Isabel Maria Freitas, 2011, Conceito de Ultraperiferia – Génese e evolução in Cadernos do CEIS20, dir. João Rui Pita, n.º 19, Coimbra, CEIS20.

303

Cf. RIBEIRO, Manuel de Almeida, 1992, A Zona Económica Exclusiva, Lisboa, ISCSP.

304 O Mar esteve sempre no centro do exercício do Poder à escala mundial, nomeadamente desde aquela que é, por muitos, considerada a primeira onda de Globalização – a Era Gâmica – na qual e para a qual Portugal terá ocupado uma posição central. Muitos serão, certamente, os pontos de discórdia relativamente a detalhes destes relatos da diacronia histórica mas parece subsistir um facto relativamente ao qual quer as opiniões desprovidas de cientificidade quer, sobretudo, as análises de cariz científico tendem a convergir: é em torno do Mar e do acesso a ele que, directa ou indirectamente, os grandes conflitos tiveram, têm e provavelmente continuarão a ter lugar. ... a geopolítica do mar e a globalização têm que ser equacionadas e consideradas a par das fronteiras tradicionais, físicas, num tempo em que tudo é cada vez e sucessivamente mais fugaz, interdependente, globalizado e particularmente frágil no que se refere aos recursos naturais – fonte natural de sobrevivência mas, também, de riqueza. Sandra BALÃO. 2011, Globalização, Geopolítica da UE e as Regiões Ultraperiféricas: poder, segurança e “global commons”, AS ILHAS E A EUROPA, A EUROPA DAS ILHAS, Centro de Estudos de História do Atlântico, ISBN: 978-972-8263-73-7, Funchal, Madeira, p. 264. Cf. ainda da BALÃO, Sandra Maria Rodrigues, 2003, Portugal, Geopolítica do Mar, Globalização e Fronteiras Flexíveis, VIII Simpósio de História Marítima, Lisboa, Academia de Marinha; BALÃO, Sandra Maria Rodrigues, 2007, «Comunicação e Globalização: Portugal e o Mar na definição da Política Global», in MARTINS, M. M. (Coord.), Comunicação e Marketing Político. Contributos Pedagógicos 2, 1ª Edição, Lisboa, ISCSP-UTL, pp. 137-172. BALÃO, Sandra Maria Rodrigues, 2008, Globalização e Anti-Globalização no Mundo Contemporâneo. Uma Visão Analítica, Lisboa, Edição do Autor [Tese de Doutoramento].

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de zona económica exclusiva305. E a ilha, a Madeira, atribui a si própria esta maisvalia, como a Portugal e à Europa. É por isso que o presente milénio é o das ilhas. Aguardam-se por cenas dos próximos capítulos.

Conclusão As ilhas sempre estiveram e continuarão a estar na ordem do dia. Aliás, o presente milénio é considerado o milénio das ilhas. O mar das ilhas continuará a ser uma inesgotável riqueza, permanentemente cobiçada pelos espaços continentais, dos velhos aos novos impérios. Também daqui, deste cais insular dos madeirenses, partiram as caravelas à descoberta ou defesa das novas terras. Foi daqui que Colombo vislumbrou as terras ocidentais e daqui partiu ao encontro de novas terras e conhecimento do mar Atlântico. Outros aventureiros saíram daqui, à procura de novas ilhas e espaços, porque só aqui conseguiram meios e fortuna, que lhes permitiram financiar estas suas campanhas e mesmo as da Coroa. Tudo isto, porque o mundo dos descobridores é também de insulares, embora estes últimos sejam quase sempre esquecidos pela historiografia europeia. Descobertas as novas terras e consolidados os impérios, construiu-se uma teia de relações e subordinações ao centro europeu, firmou-se a dependência desta periferia insular à Europa, por meio de economias de dependência ao mercado europeu, ou de pontes de apoio à expansão colonial. É, Foi por isso que fomos a fronteira do Ocidente europeu no Atlântico e que o projetamos aos Novos Mundos. Daí a ideia de Mediterrâneo Atlântico, tão definida e esclarecida pela historiografia europeia em F. Braudel, Pierre Chaunu, F. Mauro e outros. Pela mesma razão, também, fomos o caminho e o apoio do enlace entre continentes que gerou os impérios ocidentais, a partir do século XV. A ilha é pequena, mas foi cobiçada por castelhanos, franceses e ingleses. As suas riquezas deslumbraram colonos, marinheiros e mercadores, mas apenas foram desfrutadas por alguns. O senhorio, a coroa, o Estado levaram a melhor fatia. Dos cofres da ilha, pagaram-se resgates e contratos internacionais que consolidaram o império, se fiançaram ou pagaram empréstimos internacionais. A ilha de espaço acanhado viu florescer a sua importância económica mas sentiu-se sempre incapaz de assegurar a sobrevivência da sua crescente população. Deram-nos, por isso, o mundo inteiro para morrer, sujeitando-nos à a uma permanente partida, como aventureiros, mas acima de tudo, como soldados e colonos. Nesta condição, cumprimos o papel de assegurar a territorialidade do império, no norte de África, em Angola, Moçambique, Guiné, Índia e Brasil, como em Portugal continental e mesmo na Flandres. Quantos soldados madeirenses morreram nos campos de batalha na Europa, no ultramar, nas praças africanas, em Angola, Moçambique, Guiné, Índia, Brasil, para que se firmasse e perpetuasse a grandeza de um império? 305

Cf. Mário PONTES. 2011, Escolha pública, geoeconomia da UE e as Regiões Ultraperiféricas: o hypercluster do mar. AS ILHAS E A EUROPA, A EUROPA DAS ILHAS, Centro de Estudos de História do Atlântico ISBN: 978972-8263-73-7, Funchal, Madeira, pp. 372-389. Aí se afirma que : O fundo do mar português poderá alargar-se em 1,3 milhões de quilómetros quadrados, representando cerca de 15 vezes a área de Portugal continental, ou 240 mil quilómetros quadrados correspondentes a duas vezes e meia a área continental. (p.386)

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Quantos colonos partiram para a ilha de Santa Catarina, no Brasil, ou Huíla, em Angola, para defesa da territorialidade de um império, que depois nos fugiu? Quantos outros foram ao Brasil, Antilhas e Havai, contratados para substituir os escravos e dar cumprimento às leis abolicionistas desta vil condição de subordinação de um Homem em relação ao outro seu semelhante? Não o sabemos. Temos alguns números e alguns nomes, que se apresentam significativos, no quadro da mobilidade e diáspora madeirense. Não se trata apenas de condenados ou prisioneiros, os indesejáveis da sociedade, trata-se, sobretudo, de gente do povo e até alguns nobres em desespero que buscam fortuna e meios de sobrevivência noutras paragens. Saíram aos milhares; regressaram às centenas. Muitos nem atingiram o destino, atraiçoados pela morte na travessia, como sucedeu a 20 de setembro de 1748, no rio Joanes (Baia), com o naufrágio do navio Nossa Senhora da Conceição e Porto Seguro, que seguia rumo a Santa Catarina com 538 madeirenses. Desta forma, derramamos o nosso sangue no mar e na terra e fizemos com que a ilha, este berço estreito, se fosse ampliando, através destas pontes que estabelecemos com os quatro continentes. A ação  e a presença dos madeirenses é universal. A História da Expansão Europeia, dos Impérios europeus, das grandes transformações económicas e técnicas ligadas à atividade agro-eonómica nos séculos XV a XVI, do processo de globalização, não pode ser contada sem esta referência obrigatória à Madeira. Mas, para que isso aconteça, temos de ser nós os primeiros a reconhecer e valorizar este protagonismo. Ficaram aqui os registo, os homens, as iniciativas e os feitos mais relevantes, mas muito mais fica para contar desta ilha, berço da mundialização e das grandes transformações tecnológicas da economia mundial e atlântica. O mundo da ilha e dos madeirenses ganha nova dimensão, porque, afinal, apenas o berço onde nascemos foi estreito, mas Deus compensou-nos com o mundo inteiro para morrer. É por que posso afirmar, sem pudor e sem qualquer preconceito, que me orgulho de ser ilhéu e, acima de tudo, madeirense, que continuarei a orgulhar-me de o ser e de ter escolhido a ilha como espaço e morada para a minha realização pessoal, profissional e espiritual.

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7. ANEXO. PANTEÃO MADEIRENSE. Breve Dicionário biográfico de Madeirenses no mundo MEMORIAS E RECORDAÇÕES. Principais acontecimentos em destaque

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PANTEÃO MADEIRENSE Breve Dicionário biográfico e de Registo de Madeirenses no mundo A presente compilação serve de elemento de apoio ao texto sobre a diáspora e ação dos madeirense no Mundo. Alguns aspetos particulares, relacionados com os espaços e personalidades têm aqui um desenvolvimento separado, sem que isso implique a sua ausência no texto principal. A nossa intenção é relevar o mérito e ação destas personalidades que honram o nome da Madeira, dentro e fora dela. Este é um projeto em construção a que se juntarão, com o tempo, outros registos e informações. Para o presente momento, compilamos apenas aqueles que nos parecem mais significativos, no sentido de revelar a capacidade do madeirense em criar e intervir de viva voz no mundo. Recorde-se que no projeto em curso, MEMORIAS, queremos resgatar a memória/ história de todos os madeirenses que, de formas diversas, na condição de soldado ou emigrante [com múltiplas motivações para as partidas e regressos] encarnam esta diáspora e afirmação da História da Madeira e dos madeirenses no mundo. Mais informações em URL: http://memoriadasgentes.blogspot.com/.

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OS ESPAÇOS E CONTINENTES.

ÁFRICA. Foi manifesto o empenho das principais famílias madeirenses, nas diversas campanhas de defesa e apoio das praças marroquinas, com o fornecimento de materiais de construção para as fortalezas, custeando as despesas ou abastecendoas de cereal. João Gonçalves Zarco participou na trágica expedição de 1437 e o 2º capitão do Funchal, João Gonçalves da Câmara, com outros fidalgos estiveram na conquista de Tânger e Arzila em 1471.

Algumas destas praças, nomeadamente Mogador (hoje Essaouira) e Safim, estavam na dependência da Madeira, pelo que o capitão do Funchal foi dos poucos que defenderam o não abandono destas praças junto de D. João II. Azamor teve feitoria desde 1486, e foi alvo de diversos assaltos, pelo que a coroa enviou expedições a socorrê-la. Em 1513, na expedição comandada por D. Jaime, Duque de Bragança, integrou-se uma força da Madeira composta de 27 navios, armados à custa de Simão Gonçalves da Câmara, com 6000 homens a pé e 200 a cavalo. A esta juntaram-se muitos ilustres madeirenses como Pedro e Gonçalo Mealheiro, João Ornelas de Vasconcelos, Pedro Afonso de Aguiar. Novo socorro, em 1537, foi dado pela Madeira, o que levou ao abandono da praça em 1542. A fortaleza foi erguida, em 1508, por Diogo de Azambuja, com base nas receitas dos almoxarifes do Funchal. Já em 1510, foi alvo de obras devido a um assalto que teve lugar a que prontamente ocorreram as forças da Madeira, sob o comando de D. Manuel de Noronha. Nesta empresa, merecem referência: António Correia, António de Atouguia, D. João Henriques, Rui Mendes de Vasconcelos.



Outros madeirenses estiveram presentes, entre 1520 e 1530, nas praças marroquinas - António Manuel Mendes de Vasconcelos, D. João de Noronha, D. Afonso Henriques e D. João de Noronha filho. Em 1508, era comendador da praça, o madeirense António de Freitas.



A presença de madeirenses na defesa da fortaleza de Cabo Gué, erguida em 1505, por João Lopes Sequeira, é frequente. Em 1533, acudiram os madeirenses com homens e cal e tabuado para reconstrução das muralhas. Com a morte do governador da praça, ficou, em seu lugar, o madeirense Rui Dias de Aguiar. Os assaltos continuaram, ocorrendo com assiduidade os de Câmara de Lobos e Santa Cruz, tendo sido perdida, a 12 de março de 1541 e muitos madeirenses perderam a vida ou ficaram cativos.



Tânger era um ponto estratégico do Estreito e, por isso, tentou-se, por diversas vezes, a sua conquista. Em 1437, foi a pesada derrota e o cativeiro do Infante D. Fernando. Nesta expedição, participou João Gonçalves Zarco e, na sua conquista, em 1471, esteve João Gonçalves da Câmara e outros fidalgos da ilha que acompanharam D. Afonso V. Alguns madeirenses fixaram nela morada. Tristão Gomes de Castro foi capitão da cidade em 1610 e Fernão Lopes de Silva havia sido alcaide-mor.



No desfecho dramático da presença portuguesa nestas paragens, estiveram presentes madeirenses. Em 1578, acompanharam D. Sebastião na jornada de Alcácer Quibir muitos madeirenses, entre os quais se contam Rui Dias da Câmara, Luís e Agostinho de Goes, Jorge de Vasconcelos, D. Gaspar de Teive, Jorge Lomelino e F. Deodato de Mondragão.



São muitos os madeirenses que serviram em África, entre 1457 e 1578, e que se evidenciaram por atos de bravura: João Gonçalves Zarco, António Correia, Gonçalo

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Mealheiro, D. Diogo de Noronha, Rui Dias de Aguiar, Francisco Moniz, André e Manuel de França, Gaspar e Henrique Betencourt, Jordão Gonçalves, Fernão Favila, Rui Mendes Tacão, Francisco e João Álvares do Arco, Martim e Pedro Leme, Urbam omelino, António de Spínola, Brás Eanes, Jerónimo Gonçalves Andrade, Pedro Gonçalves Andrada, Simão de Miranda, Luis Dória, João Francisco de Abreu, Francisco Lomelino, Francisco Betencourt, Gomes Ferreira, Diogo Lopes, Francisco de Braga, João Gomes de Abreu, João de Betencourt, Jorge Cabral, simão de Bruges, André de Lucena, Mendo de Ornelas e Vasconcelos, Simão de Moura Rolim, Miguel de Almada, Constantino de Cairos, Rafael e Martim Catanho.

Angola esteve igualmente ligada aos madeirenses, no século XVII. João Fernandes Vieira foi governador de 1655 a 1661 e o próprio Tristão Teixeira havia aí estado em 1650, reclamando a sua posse, face às investidas holandesas. No decurso do século XVII, houve levantamento de soldados que acompanharam os novos governadores. A primeira ocorreu em 1676, com Aires de Saldanha Menezes de Sousa que, terminado o governo na Madeira, foi nomeado governador de Angola, tendo levado uma companhia de 500 homens, com duzentos da ilha. Já no século XIX, esta presença evidencia-se com o envio dos casais para povoar o planalto de Huíla, em Moçâmedes, hoje Namibe306.

BRASIL307. A Madeira também serviu de modelo, no processo de colonização do Brasil, 306 Cf. DIAS, G. de S., 1923. No Planalto da Huíla. Porto; FELNER, A. de A. , 1940, Angola: apontamentos sobre a colonização dos planaltos e litoral do sul de Angola. Lisboa: Agência Geral das Colónias; MACHADO, C. R. Colonização do Planalto de Huíla e Moçâmedes. Boletim da Soc. Geog. Lisboa, v. 36, n. 10-12, p. 267-309, [s.d.]; NASCIMENTO, J. P. do, 1891. Questões médico-coloniais relativas à colonização europêa no planalto de Mossamedes. Huíla: Typ. da Missão Catholica do Real Padroado Portuguez, NASCIMENTO, J. P. do, 1892. O Distrito de Moçâmedes. Lisboa; MENDONÇA, Leandro de, 1951, Colonização Madeirense no sul de Angola, Das Artes e da História da Madeira, vol.1, n.5; MEDEIROS, Carlos Alberto, 1976, Colonização das Terras Altas da Huíla (Angola). Estudo de Geografia Humana, Lisboa; ARRIMAR, Jorge de Abreu, 1997, Os Bettencourt da ilha da Madeira ao Planalto da Huíla, Funchal; RODRIGUES, M. J. , 2000, A colonização madeirense nas Terras Altas da Huíla. In: A ÁFRICA e a instalação do sistema colonial (c. 1885-c. 1930): Actas da III Renuião Internacional de História de África. Lisboa: Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga, Instituto de Investigação Científica Tropical; SILVA, R. J. C. da S. 1971, Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: capítulo I. Studia, n. 32, p. 371-378; SILVA, R. J. C.1971, da S. Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: capítulo II. Studia, n. 33, p. 341-372; SILVA, R. J. C. da S.1972, Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: continuação. Studia, n. 34, p. 481-534; SILVA, R. J. C. da S. , 1972, Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: capítulo III. Studia, n. 35, p. 421-439; SILVA, R. J. C. da S., 1973, Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes durante o século XIX: conclusão: capítulo IV. Studia, n. 36, p. 293-390; TORRES, M. J. de M. , 1950, O distrito de Moçâmedes nas fases de origem e de primeira organização (1485-1859). Lisboa; VICENTE, Pe. J., 1969, Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, fundador de Moçâmedes. Lisboa: Agência Geral do Ultramar; BASTOS, Cristiana . 2008. Migrants, Settlers And Colonists: The Biopolitics of Displaced Bodies. International Migration 46(5): 27- 54; BASTOS, Cristiana. 2009. Maria Índia, ou a fronteira da colonização: trabalho migração e política no planalto sul de Angola. Horizontes Antropológicos XV (31): 51-74; BASTOS, Cristiana, 2011, «Trânsitos Atlânticos, Pacíficos e Terrestres—a pequena grande história de Maria Índia», in AREND, Silvia Favero, Carmen Silvia RIAL e Joana Maria PEDRO, orgs., 2011, Diásporas, Mobilidades e Migrações. Ilha de Santa Catarina, Editora Mulheres. BASTOS, Cristiana, 2009, “Maria Índia, ou a fronteira da colonização: trabalho migração e política no planalto sul de Ango­la”. Horizontes Antropológicos XV (31): 51-74; JARDIM, Maria N., 2011, Famílias antigas de Mossâmedes (Moçâmedes-Namibe): Familias Abreu e Jesus. Manuel de Abreu, «O mata-Porcos», Disponivel na Internet em URL: http://princesa-do-namibe.blogspot.pt/2011/08/familias-antigas-de-mossamedes.html. Consulta em 24.06.2013; Paula, ana, Colonização das Terras Altas de Mossamedes: Huila. ODISSEIA DE UMA GENTE – 1884 -1ª Parte. Disponivel na Internet em url: http://mossamedes-do-antigamente.blogspot.pt/2010_11_18_archive.html. Consulta em 24.06.2013. 307

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nomeadamente no que respeita aos regimes de capitanias hereditárias e das sesmarias, e ainda no aparelho administrativo e religioso, pois o Funchal foi a sede de arcebispado, entre 1514 e 1533, com jurisdição sobre o Brasil.

O progresso económico do Brasil veio despertar a atenção da burguesia madeirense que emigrou para essa colónia à procura das suas riquezas, em particular o açúcar. Neste sentido, são várias as famílias brasileiras que tiveram origem madeirense.



É o caso da família pernambucana Cunha, que teve a sua origem no madeirense Pedro da Cunha Andrade, a família Regueiras, Saldanha e a Moniz Barreto. A família Furna também teve início no madeirense António Fernandes Furna, que foi CapitãoMor e Governador do Rio Grande. A família Freitas, da Madalena do Mar, é outra a salientar; a família Aguiar, onde figurava Francisco Aguiar donatário do Espírito Santo, a família Andrade, a Câmara, entre muitas outras.



Refira-se também a presença de diversos clérigos madeirenses no Brasil, nomeadamente, Agostinho César, Frei Gregório Baptista, Gonçalo de Gouveia Serpa e D. Pedro Fernandes Sardinha, o 1º Bispo nomeado para a diocese da Baía, a primeira do Brasil, em 1551.



Muitos destes homens tiveram grande importância económica, devido sobretudo à sua participação na economia do açúcar brasileiro. Efetivamente, a cana-de-açúcar introduzida no Brasil era proveniente da Madeira, vindo também com ela técnicos açucareiros entre outros especialistas que vieram também colonizar o Brasil. João Fernandes Vieira tinha dois madeirenses como seus homens de confiança, Amaro Lopes de Madeira e Diogo da Silva. Até André Vidal de Negreiros, um dos homens mais importantes na restauração de Pernambuco, era filho da porto-santense Catarina Ferreira308.



No século XVII, queremos destacar as figuras de António de Freitas da Silva, Francisco de Bettencourt e Sá, João Fernandes Vieira, Francisco de Figueiroa, como interventores diretos no processo de expulsão dos holandeses do Brasil, nomeadamente da Baía, Recife e Maranhão, cuja breve memória segue abaixo. Para o século XVIII e, ligado ao processo de ocupação do sul do Brasil, temos de destacar a figura de Jerónimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos, o madeirense que fundou a cidade de Porto Alegre, um bastião importante da consolidação das fronteiras do sul.

ÍNDIA. Os madeirenses não se furtaram a uma ativa participação na conquista e defesa das feitorias do Índico. Lopo Mendes de Vasconcelos, casado com Teresa da Gama, filha de Estêvão da Gama e, por isso mesmo, cunhado de Vasco da Gama, acompanha-o na segunda viagem, em 1502, como capitão de um navio. Manuel de Vasconcelos, filho de Lopo de Vasconcelos foi capitão de Cananor e Maluco. Era casado com Isabel da Veiga que ficou conhecida como a matrona de Diu pela sua ação, em 1538, no primeiro cerco de Diu. Regressado à ilha, foi apelidado como “o da Índia”. João Rodrigues de Noronha, casado com D. Isabel de Abreu, foi, em 1521, comandante de Ormuz, bem como capitão-mor do Mar da Índia. Jordão de Freitas foi senhor de Amboim, em 1531. Maria Licínia Fernandes dos, 1999, Os Madeirenses na Colonização do Brasil, Funchal, CEHA. JANES, Emanuel (2000), “Emigração Madeirense para o Brasil durante a 2.ª Guerra Mundial (1939-1945.” In As Ilhas e o Brasil, Funchal, Ceha, pp.481-508. 308

Veja-se, SANTOS, Maria Licínia F., 2004, “Os Madeirenses no Nordeste Brasileiro”, in A Madeira e o Brasil, Colectânea de Textos, pp. 263-277.

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Temos ainda António de Abreu de que, na ilha, são conhecidos dois homónimos. O mais conhecido dos dois era filho de Garcia Abreu, fidalgo de Avis, sendo madeirense, de acordo com o testemunho de João de Barros e Fernão Lopes de Castanheda. Embarcou para a Índia, em 1506, com Afonso de Albuquerque. Em 1507, acompanhou Afonso de Albuquerque na tomada de Ormuz, foi capitão de uma embarcação da armada que atacou Malaca, tendo sido atingido no queixo com um tiro, que lhe roubou parte dos dentes e da língua.



A sua destreza na arte de navegar abriu-lhe as portas para a posição de capitão-mor da armada que foi em demanda das Molucas, para transformar Malaca no principal centro de negócio. António de Abreu, de acordo com António Galvão, partiu em novembro de 1511, tendo alcançado as ilhas donde voltou com mercadoria grossa. Nesta incursão teria, segundo alguns autores, descoberto a Austrália. Morreu, em 1514, na viagem de regresso ao reino.



O outro António de Abreu, filho de João Fernandes do Arco e de Beatriz Abreu e casado com D. Branca de França navegou duas vezes para Índia, em 1523 e 1526, e foi provido capitão-mor de Malaca.



Alguns madeirenses serviram nas expedições e armadas que demandaram estas paragens. Assim, temos, em 1502: Lopo Mendes de Vasconcelos, capitão de uma nau da armada de Vasco da Gama; .1504: Pedro Afonso de Aguiar, capitão de uma nau da armada de Lopo Soares;1513: Manuel de Vasconcelos, capitão da nau S. Filipe; 1515: Duarte Mendes de Vasconcelos, capitão de uma nau; 1519: Rafael Catanho, capitão da nau Belém; 1567: António Spínola, capitão de uma nau; 1580: João de Betencourt de Vasconcelos, capitão da nau S. Gregório.



Ainda deveremos realçar a presença de madeirenses em algumas importantes e decisivas batalhas que se travaram para a expansão e manutenção do império oriental. Alguns saem vitoriosos e recebem títulos, mas outros acabam funestamente mortos no campo de batalha, como em 1613 a Manuel de Vasconcelos na Batalha de Ormuz.



O fascínio madeirense não se resumiu apenas ao Atlântico, pois que estes também acompanharem a gesta portuguesa até ao Índico. E, desde o início, é notório o seu comprometimento. É o caso de Lopo Mendes de Vasconcelos, que capitaneou um dos navios da segunda viagem de Vasco da Gama. A estes associam-se algumas das mais nobres famílias madeirenses: Freitas, Catanho, Moniz, Lomelino, Ornelas309. Gaspar Frutuoso faz eco de um outro herói madeirense das plagas índicas310 Tristão Vaz da Veiga. Todavia, este ficou mais conhecido pela sua traição na entrega da fortaleza de S. Julião da Barra, aquando da invasão castelhana, que lhe valeu a posse da capitania de Machico(1582) e o título de Governador Geral (1585).



Foram muitos os madeirenses que se destacaram nesta região, no século XVI, Das genealogias e nobiliarios, podemos resgatar os seguintes: Gaspar e Nuno Perestrêlo, Miguel de Carvalho Ferreira, Domingos Ferreira Escorcio, Jerónimo de Atouguia, Nuno de Atouguia da Costa, Gomes Eannes de Freitas, Manuel de Freitas Drumond, André Afonso Drumond, Rui de Melo da Câmara, Fernão Álvares Cabral, Álvaro de Ornelas de Moura, Fernão e António Rolin de Moura, Men e Diogo de Ornelas de Moura, Simão Moniz, Pedro César, Manuel Cabral

309

Confronte-se Henrique Henriques de NORONHA, 1996, Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Com,posição da História da Diocese do Funchal na ilha da Madeira, Funchal, Tít. XII, cap.IX- X

310

1979, Livro segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, caps. XXI-XXIX.

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de Aguiar, António Favila, Manuel de Andrade Correia, Luís de Mondragão, Fernão Rodrigues de Mondragão, Men Rodrigues de Vasconcelos, e Manuel de Vasconcelos, Lopo de Atouguia da Costa, António de Andrade do Couto, António de Spinola, Henrique de Betencourt, Gonçalo de Freitas, António de Teive, João de Betencourt de Vasconcelos. EUROPA. Parece que a História assinala a ideia de que os madeirenses estiveram de costas voltadas para a Europa. No caso português há registos desta ligação em termos comerciais, como da presença de madeirenses que ocupam papeis de relevo na sociedade, com professores, padres, escritores, politicos e ministros.

Por outro lado, as ligações europeias também foram definidas pela presença de soldados, primeiro na Flandres, em 1633, depois, a partir de 1649, nas guerras de fronteiras em Portugal e, depois, em 1914-19, em França.

HOMENS ABREU, António[????-????]. foi um aventureiro que se lançou nas conquistas e exploração do continente africano e deambulou pelas partes do Oceano Índico, chegando até à Austrália. Nasceu no Arco da Calheta, onde seu pai, João Fernandes de Andrade, mais conhecido por João Fernandes do Arco, tinha terras de sesmaria e foi o povoador desta freguesia.

António de Abreu era um aventureiro e, como tal, foi o primeiro madeirense a escrever o seu nome nas conquistas e descobertas portuguesas. Começou por distinguir-se em Marrocos, assinalando aqui a sua coragem e valentia. Passou depois à Índia onde, em 1511, acompanhou Afonso de Albuquerque, numa expedição ao Mar Vermelho, onde foi ferido, lutando bravamente mesmo incapacitado, não permitindo a sua substituição no posto que ocupava. Assistiu à tomada de Malaca, sendo encarregado por Afonso de Albuquerque de fazer o reconhecimento e a exploração das Molucas, onde foi bem acolhido pelos naturais. Regressou com um riquíssimo carregamento.



Major, no seu estudo Vida do Infante D. Henrique, afirma que António de Abreu chegou às costas da Austrália e que, antes de 1530, só ele podia fornecer informações sobre essas terras longínquas da Oceania. Voltando das Molucas, ficou António de Abreu como Capitão de Mar em Malaca, onde desempenhou um papel preponderante na defesa destas ilhas contra as reivindicações dos desapossados delas.



Regressou, por pouco tempo, ao Reino, donde partiu em 1526, com o cargo de Capitão-Mor de Malaca. A sua viagem para Malaca foi bastante atribulada, devido às tempestades. Teve que estar algum tempo em Moçambique, chegando, no ano seguinte, a Goa, onde se deparou com as desavenças entre Lopo Vaz de Sampaio e Pedro de Mascarenhas. Defendeu o primeiro, a quem ajudou com dinheiro do Estado, que trazia consigo. Distinguiu-se em Malaca, quando era Governador da Índia D. Estêvão da Gama.

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AFONSO DO ESTREITO, João311[????-????] era natural do Estreito da Calheta onde possuia importantes fazendas de açúcar. A 4 de agosto de 1486, recebeu do Monarca D. João II a posse das ilhas que se propunha descobrir a Ocidente, a partir dos Açores. ALENCASTRE, Bispo D. Estevão Pedro de, [1877-1940]Nasceu na Ilha do Porto Santo, em 1877. Era filho de Lúcio de Vasconcelos Alencastre e de Augusta Baião. Saiu da Madeira, rumo às Ilhas do Hawai, em abril de 1883, com apenas 6 anos de idade.

Depois de uma viagem bastante acidentada, chegados às ilhas do destino, os seus pais começaram a trabalhar nas plantações de Sandwich, sendo o pequeno Estêvão colocado à proteção dos jesuítas, tendo sido admitido e educado no Colégio dos Irmãos (Escola da Missão Católica de Honolulu). Aqui fez os primeiros estudos, entrando, com 12 anos, para o colégio de S. Luís. Aos 18, entrou no noviciado dos Padres do Sagrado Coração, em Louvaina, na Bélgica, onde fez profissão de fé, a 20 de abril de 1896. Foi ordenado sub-diácono a 6 de outubro de 1901, recebendo as sagradas ordens de presbítero, a 5 de abril de 1902, em Honolulu.



Durante 22 anos, exerceu as funções de pároco e missionário, sendo o primeiro português que entrou na Congregação dos Sagrados Corações. Foi nomeado, em 1924, bispo titular de Arabisso e coadjutor, com direito a sucessão, do vigário apostólico das Ilhas do Hawai, o que veio a efetivar-se em 1926. Visitou Roma e foi convidado por Pio XI para aceitar o bispado do Hawai312.



Foi um seguidor do Padre Matéo, na obra de devoção ao Sagrado Coração de Jesus, nos lares. Em 1930, tomou parte no Congresso Eucarístico de Cartago, foi membro da Cruzada Nacional Nun’Álvares Pereira e visitou Ourém, Fátima, Batalha, Aljubarrota, onde se realizou a festa da Pátria. Neste mesmo ano, a 18 de agosto, visitou a Madeira, a convite do bispo do Funchal, D. António Manuel Pereira

311

Gonçalves, Ernesto, 1953, João Afonso do Estreito, DAHM, 41, pp. 19-24.

312

Veja-se, Mota de VASCONCELOS, Epopeia do Emigrante Insular, pp. 8-11.

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Ribeiro. A 23 de agosto, visitou a sua terra natal, o Porto Santo, onde foi recebido com grande alvoroço pela população local. Numa sessão realizada nos Paços do Concelho, Manuel Gregório Pestana Júnior salientou o facto de seu pai ter sido o padrinho de batismo do Bispo. ÁLVARES, Joaquim António de Oliveira [1776-1835]. Oficial da armada, bacharel em Matemática e Filosofia pela Universidade de Coimbra. A partir de 1804, encontrase no Brasil, onde foi Ministro da Guerra. ÁLVARES, Padre Manuel [1526-1583], autor da Gramática Latina, com cerca de 800 edições. Foi reitor e professor do Colégio das Artes e dos colégios da Companhia de Jesus em Lisboa, Coimbra e Évora. ANDRADE, Francisco Justino Gonçalves de [1821-1902]. doutor em Direito pela universidade de S.Paulo no Brasil, foi diretor da Faculdade de Direito desta universidade e um dos elementos da comissão responsável da revisão do Código Civil do Brasil. Por ser amigo de D. Pedro II, acabou perseguido e demitido da Faculdade pelo governo da República. ASSUNÇÃO, Fr. Remígio [1573-1654]. De seu nome João de Freitas, era filho de Diogo de Freitas Correia, fidalgo da casa del-rei, e de D. Maria Favela de Carvalho, sua prima, doutor em Teologia pela universidade de Coimbra. Foi duas vezes geral dos Cistercienses, em Portugal, e deputado do Santo Oficio. ATOUGUIA, António Aluisio Jervis de [1797-1891]. visconde de Atouguia. Estudou em Londres e Coimbra. Foi Presidente da Câmara dos Deputados, em 1841: no ano seguinte, assumiu o Mnistério da Marinha e, entre 1851 e 1856, ocupou várias vezes ministro de estado. BAPTISTA, Fr. Gregório [-1640?], filho de Francisco de Medina e de Isabel Dias. Esteve em Espanha, Lisboa, Coimbra, Açores e no Brasil. Escreveu o "SERMÃO PREGADO NA SANTA CAZA DA MISERICÓRDIA NA 1.a 6.a FEYRA DA QUARESMA DO ANNO DE 1621", Coimbra, por Nicolau de Carvalho, 1621?. Publicou "ANNOTA TIONUM lN CAPUT DECIMUM TERTIUM SACROSANCTI IESU CHRISTI EVANGELLI SECUNDUM IOANNEMPRIMA PARS", Coimbra, 1621 (967), "ANNOTATIONES lN EVANGELIA TOTIUS ANNI TAM DOMINICAR UM, Q UAM FESTIVIVATUM', Barcelona, 1638; "COMPLETAS DA VIDA DE CHRISTO CANTADAS A HARPA DA CRUZ POR ELLE MESMO", Lisboa, 1623 "por Pedro Craesberck e à custa de Thome do Valle, mercador de livros"; e a "PRIMEIRA PARTE DOS SERMÕES DAS DOMINGAS DE TODO O ANO ( ... )", Lisboa, 1629. BARBOSA DU BUCAGE, José Vicente [1823-1907]. Bacharel em Medicina e Cirurgia, distinto zoólogo. Foi ministro da Marinha, em 1883 e dos Negócios Estrangeiros, no ano seuinte.

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BERENGUER, Henrique de Bettencourt [????-????], em 16 de novembro de 1746, filho de gente nobre mas endividada, requereu ao Rei autorização para também a sua família ser contemplada com o apoio financeiro para embarcar a Santa Catarina. Da sua lista, faziam parte 30 elementos, dos quais 8 filhos, 1 primo e outros 19 que estavam ao serviço da casa, entre criados, criadas e amas313. CÂMARA, Padre Luís Gonçalves da [1518-1575], irmão do capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara, filho de João Gonçalves da Câmara e de D. Leonor de Vilhena, filha do conde de Tarouca, foi mestre e confessor do monarca D. Sebastião, entre 1560 e 1566314. Estudou em Paris e, depois, veio para a universidade de Coimbra, a convite de João III. Professou na Companhia de Jesus, a 2 de abril de 1546, tendo sido nomeado, no ano seguinte, reitor do colégio da Companhia, em Coimbra. Foi ainda superior da casa dos Jesuítas em Roma e visitador da Província de Portugal. CÂMARA, Padre Martim Gonçalves da [ 1548- 1613], irmão do Padre Luís Gonçalves da Câmara, também jesuíta. Foi reitor da Universidade de Coimbra, presidente da Mesa da Consciência e do Desembargo do Paço, escrivão da puridade (1569-1576), deputado do conselho geral do Santo Oficio, presidente da Mesa da Consciência e do Desembargo do Paço, conselheiro de Estado e secretário de Estado. Com a aclamação de Filipe II de Castela, foi perseguido e deportado para Espanha. CÂMARA, Rui Gonçalves da [c.1430-1497] Filho de João Gonçalves Zarco, descobridor da Madeira, foi o terceiro capitão do donatário da ilha de São Miguel, por carta de 10 de março de1474. Não confundir, com Rui Gonçalves da Câmara, filho de João Rodrigues da Câmara e seu neto, que foi o quinto capitão do donatário da ilha de São Miguel ou ainda, Rui Gonçalves da Câmara, filho de Manuel da Câmara e seu neto também, foi o sétimo capitão do donatário da ilha de São Miguel, e o que recebeu o título de 1.º Conde de Vila Franca.

Casou com D. Maria de Betencourt, da família de Maciot de Betencourt, senhorio da ilha de Lanzarote. Em 21 de junho de 1473, recebeu do Monarca D. João II a posse das ilhas que se propunha descobrir a Ocidente, a partir dos Açores.



Era senhor de importantes sesmarias na Madeira, nomeadamente a chamada Lombada da Ponta de Sol, que ficou conhecida por Lombada de João Esmeraldo, pelo o facto de este mercador flamengo a ter adquirido a este, em 1473, de aforamento pela importância de 600.000 rs. e a renda vitalícia anual de 150.000 rs.

CAMARA LEME, D. Luís [1817-1904]. oficial do exército. Em 1870 foi Ministro da Marinha e das Obras Públicas. COLOMBO, Diogo [1480-1526]. De acordo com o testemunho do irmão, Fernando e de Frei Bartolomé de las Casas, nasceu no Porto Santo. Depois do casamento, em Lisboa, com Filipa de Moniz, filha do capitão donatário desta ilha, por volta de 1480, 313

SARMENTO, Alberto Artur, s.d., Um fidalgo empobrecido pede transporte para o Brasil, sl [folha solta].

314

Cf. Queiroz Velloso, 1948, D Sebastião (1554-1578), Lisboa; LOUREIRO, Francisco de Sales de Mascarenhas,1973, O P.e Luís Gonçalves da Câmara e D.Sebastião, Coimbra, Coimbra Editora.

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Colombo veio viver para o arquipélago, nascendo o seu primeiro filho, Diogo, na ilha do Porto Santo, em 1482. O testemunho de Bartolomé de las Casas sobre esta situação é claro: "asi que fuese a vivir Cristobál Colón a la dicha isla de Puerto Santo, donde engendró al dicho su primogénito heredero, D. Diego Colón,..”.

A Historiografia colombina assinala, quase sempre, esta passagem de Cristóvão Colombo pela Madeira e Porto Santo como um mero episódio, não lhe atribuindo o significado que merece, dentro da gesta colombina. Por outro lado, na Historiografia espanhola, a figura de Diogo Colombo (1479/80-1526), o 2º Vice-Rei, 2º Almirante e 3º Governador das Índias, o madeirense filho de Colombo e Filipa de Moniz, é quase sempre esquecido315.

CONSTANTINO, Manuel [????-????], escritor e professor da Universidade da Sapiência, em Roma. D'EÇA, D. Joana. [????-????], Filha de João Fogaça, vedor do rei D. João III e de D. Maria D'Eça, casou com Pedro Gonçalves da Camara, neto de João gonçalves Zarco. Depois de viúva, foi Camareira-mor da Rainha Dona Catharina da Áustria, mulher de D. João III. É fundadora do convento da Esperança, em Lisboa. FIGEIROA, Francisco de [????-????]Nasceu na Madeira, nos finais do século XVI. Em 1663, dizia ter mais de 60 anos. Foi o mais idoso dos participantes nas guerras de restauração, em Pernambuco. Começou a sua vida militar, em 1615, numa expedição , comandada por Manuel Dias de Andrade, com o intuito de expulsar os piratas argelinos que se haviam fixado aí.

Em 1624, tomou parte na expedição que correu a costa de Portugal, comandada por D. Manuel de Menezes. No mesmo ano, tomou parte na chamada “jornada dos vassalos”, comandada por D. Fradique do Toledo Osório, que recuperou a Baía do poder holandês.



Em 1626, fez parte da Armada que se destinava a proteger a frota da Índia nos mares próximos da Europa, onde costumava ser atacada por holandeses e ingleses. Esta expedição foi assolada por grandes temporais, fazendo muitos desaparecidos devido aos naufrágios. Figueiroa salvou-se a nado316.



Em 1628, embarcou na expedição, sob o comando de Rui Calaça Borges, com a missão de expulsar da Ilha de Fernando de Noronha os holandeses que ali se haviam fixado, comandados pelo famoso pirata “Pé de Pau”. A 10 de janeiro do ano seguinte, estava de volta a Pernambuco. Em fevereiro desse ano, Figueiroa estava, de novo, a enfrentar os holandeses, sob o comando do Capitão Pereira Temudo, a quem coube defender as praias do Rio Tapado e Pau Amarelo, onde haviam desembarcado holandeses. O Capitão Temudo morreu em combate com os holandeses e Francisco Figueiroa foi o escolhido para o substituir.



A 25 de fevereiro de 1629, foi mandado para o Forte de S. Jorge, para reforçar a guarnição do Capitão António de Lima, que acabaria derrotada pelos holandeses. Feitos prisioneiros, os portugueses foram obrigados a jurar não tomar arma de

315 Cf. ARRANZ MARQUEZ, Luis, 1982, Don Diego Colon, Almirante, Virrey y Gobernador De Las Indias.(T.1), Madrid, CSIC. 316

José António Gonçalves de MELLO, 2004, “Francisco de Figueiroa. Mestre de Campo do Terço das Ilhas Em Pernambuco”, in A Madeira e o Brasil, Colectânea de Estudos, p. 157.

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novo, o que Figueiroa, entre outros, se recusou fazer, ficando prisioneiro por algum tempo. Em março, já era referido noutros serviços como capitão.

A 10 de agosto, participou na defesa das obras da trincheira de defesa do vau do Rio Beberibe, no Buraco de Santiago, que os holandeses destruíram, a 23 de setembro. Tomou parte na refrega que se seguiu ao incêndio da casa de Francisco do Rego, nas Salinas, permanecendo aqui algum tempo, para defesa de várias casas que os holandeses incendiavam. A 10 de junho de 1631, Figueiroa distinguiu-se na defesa da Estância da Passagem dos Afogados. Em 1633, participou na defesa do Arraial do Bom Jesus, alvo de ataque pelos holandeses. No ano seguinte, participou na defesa do Cabo de Santo Agostinho e suas fortalezas, onde tinham desembarcado os holandeses.



Em 1639, dirige-se a Angola, sendo nomeado Almirante da expedição. A 20 de abril, a sua nau foi forçada a arribar à Ilha da Madeira, por não trazer a carga bem arrumada, chegando a Luanda, a 18 de outubro desse ano. Aqui, foi nomeado Ouvidor-Geral e Corregedor da Comarca, cargo que exerceu em boa administração da justiça da mesma forma que guerreava.



A 30 de maio de 1641, partiu do Recife uma expedição de 21 navios holandeses, com o objetivo de tomar Luanda e ocupar Angola, de forma a dominar o mercado de escravos da região, importante para o fornecimento de mão-de-obra para os engenhos de Pernambuco.



A 17 de maio de 1643, os holandeses atacaram, de surpresa, o Bengo, matando e aprisionando os seus moradores, entre os quais o Governador e o Ouvidor Francisco de Figueiroa. Do Bengo, os prisioneiros foram levados a Luanda e, daí, muitos embarcaram para o Recife, entre eles Figueiroa. Do Recife foi para a Baía e dali foi mandado para o Reino, no ano de 1644.



No princípio do ano de 1646, Figueiroa encontrava-se na Madeira, onde recebeu, em abril, uma carta de D. João IV, a nomeá-lo Mestre de Campo do Terço das Ilhas de Pernambuco, indicando-lhe o caminho do Brasil e rcomendando que se fizesse acompanhar do maior número de gente das ilhas que pudesse, para socorrer o Brasil de ataques dos holandeses317.Em 1647, chega à Baía e, em 1653, ao Recife, distinguindo-se em várias batalhas da guerra da Restauração.



Em reconhecimento pelos seus serviços, o Rei, em 1654, fez-lhe mercê de uma comenda da Ordem de Cristo, de Santo Ildefonso, do Bispado de Coimbra da mesma ordem e deu-lhe o Governo de Cabo Verde e ainda o de Paraíba, caso João Fernandes Vieira não o quisesse. Mais tarde e, perante recurso, o Conselho Ultramarino fez-lhe mercê do foro de fidalgo com moradia ordinária. O Rei, a 21 de abril de 1655, concedeu-lhe o foro e acrescentou a promessa do aumento da comenda de 120 para 150$.



Não se sabe quando veio Figueiroa para Portugal. Sabemos que já cá estava, em 1656. A 14 de março, é nomeado para o cargo de Governador e Capitão-General das Ilhas de Cabo Verde, que governou até 1662. Aqui foi objeto de uma devassa, foi preso em 1664, solto, no ano seguinte, e autorizado a regressar a Portugal.

FREITAS, José Vicente de [1892-1952]. Oficial do exército. Foi Vice-Presidente da câmara dos deputados (1918), presidente da câmara de Lisboa (1926-27, 1929-35) e 317

Idem, p. 159.

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presidente do conselho de Ministros (1927-1929), GASPAR, Alfredo Rodrigues [1865-1938]. Oficial da armada. Foi Ministro das Colónias[1913-15, 1919] e Vice-Presidente da câmara dos Deputados [1924]. HENRIQUES, Padre Leão [????-????], geral dos Jesuítas em Portugal, confessor e testamenteiro do cardeal-rei D. Henrique. LEME. Família de origem flamenga que se fixou na Madeira, no século XV e que se espalhou por diversos espaços do império português, nomeadamente no Brasil, onde foram destacados senhores e mestres de engenho. Pertencem a esta família destacadas personalidades como D. João da Câmara Leme (1829-1902), Conde e Visconde de Canavial; D. Luís da Câmara Leme (1817-1904), que foi Ministro da Marinha e das Obras Públicas, Governador Civil de Lisboa LEME, D. José Augusto da Câmara [1855-1943], condutor de obras públicas em Angola, até 1896, o fundador no Lubango, da "Colónia de Sá da Bandeira". Em algumas genealogias, aparece um militar como o mesmo nome que é apontado como tendo falecido em 1883, sendo filho de D. João Frederico da Câmara Leme. MACEDO, Agostinho de Sousa [1933-2009] Nasceu no sítio dos Moinhos, freguesia e concelho da Ribeira Brava, no dia 28 de fevereiro de 1933, filho de João José Macedo e de Maria Isabel Macedo. Casou com Olga Moncayo Macedo de quem teve quatro filhos.

Após os estudos primários, na Ribeira Brava, trabalhou como empregado de farmácia, na sua freguesia, até aos 15 anos de idade. Em 1948, emigrou para a Venezuela, fundando, em 1949, a “Central Madeirense”, um das maiores rede de supermercados da Venezuela e, em 1979, o Banco Plaza, em Caracas.



Foi o presidente coordenador das celebrações do Dia da Madeira em Caracas, coordenador delegado ao 1º e 2º Congressos das Comunidades Madeirenses e sócio do Centro Português de Caracas, envolveu-se no movimento de solidariedade com o grupo de prestamistas, de forma a conseguir verbas necessárias para a compra e construção da sede deste centro. Foi presidente da Assembleia-geral do Centro, entre 1978 e 1982, período em que decorreram as obras. Recebeu a comenda da Ordem de Cristo, a 9 de maio de 1989.

MENESES, João Catanho de [1854-1942]. Licenciou-se em Direito, na Faculdade de Coimbra, tendo-se dedicado à advocacia. Em 1914 foi Presidente da câmara de Lisboa, depois Ministro da Justiça (1915-16, 1922, 1924, 1925-26). MORAIS, Luís de [1545-1622]. irmão de D. Sebastião de Morais, também jesuíta e pregador renomado. Foi reitor do colégio do Porto e propósito de Vila Viçosa318. MORAIS, D. Sebastião de [1534-1588], confessor da princesa de Parma, de quem

318 Cf. CARVALHO, José Adriano de, Sebastião de Moraes, SJ, O Confessor da Princesa de Parma. Disponivel na Internet. URL: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo6311.pdf . Consulta em 27.06.2013.

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escreveu a sua biografia319, e primeiro bispo do Japão. OLAVO, Américo [1882-927]. Oficial do exército, foi Ministro da Guerra no governo de Pimenta de Castro. OLIVEIRA, João Gualberto de- Barão e conde do Tojal [1788-1952]. Foi Ministro da Fazenda várias vezes, Ministro da Marinha e Justiça e dos Negócios Estrangeiros [1949-51]. PEREIRA, Dr. António da Gama, jurisconsulto, desembargador do Paço e chanceler da Casa da Suplicação. PESTANA, José Pereira [1795-1855]. Professor de Matemática da universidade de Coimbra. Foi Ministro da Marinha (1841-1842) e, depois, dos Negócios Estangeiros, governador dos estados da India (1844-1851, 1864). PESTANA, Manuel Sousa [191-2005] Nasceu no sítio da Boa Morte, freguesia e concelho da Ribeira Brava, no dia 21 de dezembro de 1919. Emigrou para Joanesburgo na África do Sul, onde desenvolveu uma ação muito importante no campo industrial e comercial. Teve a medalha a medalha de Mérito Industrial, concedida pelo Governo Português. Aplicou na Madeira parte da fortuna acumulada, sendo a sua empresa, ligada ao turismo, uma das primeiras a nível mundial. Faleceu no dia do seu aniversário, a 21 de dezembro de 2005. RAMOS, Celestino [1896-1967]. Oficial da Marinha. Exerceu o cargo de Ministro da Marinha . RODRIGUES, Vasco da Gama[1888-1977]. Oficial do Exército, Foi Ministro da Guerra (1958). RODRIGUES, Leonel. Mestre de engenho na ilha de La Palma, natural da Madeira, onde havia adquirido este estatuto em 12 anos de trabalho na profissão. A sua presença deverá ser posterior a 1483, quando o Governador D. Pedro de Vera quis tornar produtiva a terra conquistada nas Canárias, chamando canaviais e técnicos da Madeira. SÉ, Manuel da Silva [1915-1995]. Manuel da Silva Sé nasceu no sítio da Vargem, freguesia e concelho da Calheta, aos cinco dias de setembro de 1915. Em 1939, com apenas 24 anos de idade e num período difícil para a Madeira e para o mundo, pois estávamos perante as agruras da 2ª Guerra Mundial, decide emigrar para o Brasil, aproveitando as facilidades concedidas pelo Governo português. Chegado a S. Paulo, integra-se no comércio paulista, com uma simples mercearia, acabando nos mais sofisticados supermercados e centros comerciais e empresariais. Casou com D. Maria dos Anjos da Silva, natural da Guarda, de quem teve oito filhos. Em S. Paulo, foi dos madeirenses mais conhecidos e bem sucedidos, pois partindo do nada 319

1578, Vida e Morte della Serenissima prencipessa di Parma, et Florenza, Bologna, Alesandro Benacci.

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constituiu um grande império comercial, que se compunham de Sé S.A. Comércio e Importação (os famosos supermercados SÉ de S. Paulo), Tivoli S.A. Administração de Bens e Participações e Sé Agropecuária e Florestal Lda.

Manuel Sé morreu em janeiro de 1995. Enquanto viveu, contribuiu para obras de solidariedade e beneficência, sendo inclusivamente o primeiro presidente da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência. Foi membro do Rotary Club de S. Paulo e agraciado com várias comendas concedidas pelo Governo Português e Brasileiro, como a da Ordem do Infante, a de Comendador de Soberana, da Ordem de Fraternidade Universal, da Ordem da Solidariedade e Cruz de Nóbrega (Padre Manuel da Nóbrega).

SILVA, António de Freitas da. foi capitão nas guerras de Pernambuco, General da Armada Real e Comendador da Ordem de Cristo e participou na Restauração do Brasil. Era descendente de João de Freitas da Silva que, em 1631, levantou, na Ilha da Madeira, a suas expensas, uma companhia de 100 homens, para servir em Pernambuco, logo após a tomada desta cidade pelos holandeses, perdendo aí a vida. SOUSA Daniel Rodrigues de [1867-1958] Oficial de Artilharia. Foi Ministro da Guerra e presidente da câmara de Lisboa (1934). SPÍNOLA, António Sebastião [1876-1956]. funcionário de finanças. Foi chefe de Gabinete de Oliveira Salazar, quando Ministro das Finanças, mantendo-se no cargo no Ministério de Costa Leite. TEIVE, Diogo de [????-????] As genealogias madeirenses identificam-nos dois: o tio e sobrinho. O primeiro esteve entre os primeiros povoadores da Madeira, sendo escudeiro da casa do infante. Em 5 de dezembro de 1452, um alvará concedeu-lhe autorização para construir um engenho de água para o fabrico de açúcar. Participou ativamente na vida local, como homem-bom do concelho, tendo sido eleito para diversos mandatos.

Bartolomé de Las Casas refere-o como o empreendedor, conjuntamente com Pedro Velasco, de uma viagem para Ocidente, que se teria realizado em 1452. Foi no regresso que o mesmo descobriu as ilhas foreiras (Flores e Corvo).

VASCONCELOS, Jeronimo de Ornelas Menezes [1690-1771]. Nasceu em Santa Cruz, por volta de 1690. Era filho de João Pestana de Veloso e de Antónia Moniz. Casou, em 1723, com Lucrécia Leme Barbosa, natural de Guaratinguetá, Brasil.

Atraído pelo comércio de gado e cavalos do Rio Grande para S. Paulo e Minas Gerais, Jerónimo de Ornelas aí se fixou em 1732, sendo-lhe concedidos os primeiros títulos de sesmarias. No ano seguinte, foi a Laguna buscar a família e, em 1739, já tinha as suas terras povoadas de gado bovino e cavalos. Nas suas terras férteis, nasceu a cidade de Porto Alegre.



Em 1732, Jerónimo de Ornelas residia nas margens do Rio Guaíba, onde construiu a sua residência e requereu sesmaria naquele local, que lhe foi concedida por carta régia de 5 de novembro de 1740. Esta era a sesmaria mais bem situada da região,

147

abrangendo o promontório onde hoje está situado o centro da cidade320.

Em 1762, Jerónimo de Ornelas mudou-se para Triunfo, vendendo a sesmaria do Morro de Santana a Inácio Francisco que lá esteve 10 anos, até 1772, quando foi desapropriado pelo Governador Coronel António da Veiga Andrade para aí serem colocados os primeiros casais açorianos.



Quando chegou a Triunfo, foi para uma sesmaria pertencente a seu genro, Manuel Gonçalves Meireles, fundando aí o povoado de Bom Jesus de Triunfo, onde foi sepultado na igreja que ajudou a construir. Aqui requereu terras, em recompensa pelos serviços prestados à coroa, e por ter sido desapropriado do que possuía, no Porto do Dornelas. No entanto, não chegou a recebê-las, sendo elas entregues aos seus descendentes, em 1816. Jerónimo de Ornelas faleceu no dia 25 de janeiro de 1771.

VAZ, Fernão, Carpinteiro em Ponta Delgada, constuiu um engenho para Bastião Pires. A este propósito, refere Gaspar Frutuoso: “o qual deu ordem como se fez um engenho de besta, como de pastel, mas o assento da mó diferente, porque era de uma pedra grande e mui cavada, a maneira de gamela e furada pelo fundo, por onde o sumo das canas, que dentro nela se moiam, ia por debaixo do chão, por uma calle ou bica, sair fora do andaimo da besta que moia, e assim fez fazer também um fuso e caixa para espremer o bagaço, e uma fornalha com uma caldeira em cima, a maior que então se achou, onde cozia aquela calda, e cozida a deitava em uma tacha e ao outro dia fazia o mesmo, até que fez cópia de melado para se poder fazer assúqre. (...) com sua pouca ciência e menos experiência, saiu aquele assuqre assim tão bom e tão fino.”321 VEIGA, ISABEL da, casada com Manuel de Vasconcelos, filho de Lopo Mendes de Vasconcelos, ficou conhecida como «A Matrona de Diu» pela forma como defendeu a praça, em 1538. VELOSA, João. É apontado como madeirense e como estando ligado à expansão da tecnologia açucareira no Brasil. Desde 1515 que a coroa solicitava os bons ofícios de técnicos para a construção de engenhos. Em 1555, foi construído por João Velosa, um engenho a expensas da fazenda real322. VIEIRA, João Fernandes [1610?-1681]. São várias as teses sobre a sua filiação, que levantaram dúvidas e controvérsia. Diz-se que nasceu por volta do ano de 1610, filho segundo de Francisco de Ornelas Muniz, do Porto da Cruz; que tinha o nome de Francisco de Ornelas e que fugiu sozinho e, por iniciativa própria, para o Brasil, com apenas 10 anos de idade e aí chegado, mudou o nome para João Fernandes Vieira. Em Pernambuco, cidade para onde se dirigiu e se fixou, serviu como assalariado e, depois, como auxiliar de marchante. 320

Walter PIAZZA, 2004, “Jerónimo de Ornellas, Um Madeirense no Brasil-Meridional” (1690-1771), Ibidem, p. 322.

321

Gaspar Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.211.

322 Cf. Basílio de Magalhães, O Açúcar nos Primórdios do Brasil Colonial, Rio de Janeiro, 1953; David Ferreira de Gouveia, A Manufactura Açucareira Madeirense(1420-1550). Influência Madeirense na Expansão e Transmissão da Tecnologia Açucareira, in Atlântico, Funchal, 1987, nº.10; Maria Licínia Fernandes dos Santos, Os Madeirenses na Colonização do Brasil, Funchal, 1999, pp.46-60.

148



No início das invasões holandesas ao Recife, apresentou-se como voluntário para o serviço da guerra e participou, em 1630, na defesa do Forte de S. Jorge, tendo aí ficado 3 dias e 3 noites de sentinela. Nesta altura, já gozava de uma situação económica desafogada, dispondo de dois criados ao seu serviço. Em 1635, caiu o Arraial na posse dos holandeses e a amizade que o ligava a Jacob Stachouwer conduziu-o a uma aproximação aos holandeses, com quem estabeleceu estreitas ligações. Iniciase, aqui, a sua ascensão social e económica na sociedade pernambucana do seu tempo.



Em 1638, Stachouwer regressa à Holanda e fez de Vieira o seu procurador, assumindo a administração dos três engenhos daquele (do Meio, Ilhetas e Santana).



Em 1639, Vieira era já uma figura de proa da comunidade portuguesa de Pernambuco, sendo o seu nome indicado, emjunho desse ano, para o cargo de Escabino de Olinda, não sendo, no entanto, o escolhido. A partir daqui, Vieira acomodou-se à governação holandesa, de forma a poder servir os seus interesses de senhor de engenho e de homem de negócios.



1640 é o ano em que Vieira se considerou plenamente vitorioso, na sua longa ascensão, de menino de açougue ,a senhor de engenho de amplos haveres.



Após a compra dos 3 engenhos, que adquiriu a crédito, adiantou dinheiro à Fazenda Real e serviu de intermediário na compra de açúcar para a Companhia das Índias Ocidentais. Contratou a captura de escravos pertencentes aos emigrados de Pernambuco, arrematou o contrato da “pensão” dos engenhos e, ao mesmo tempo, negociava no Recife com “logea”, de que também o encarregara Stachouwer, comprando grandes quantidades de fazendas, de roupas e de escravos. Arrematou a cobrança dos 3 principais contratos das rendas da colónia. Representou os moradores portugueses da várzea do Capibaribe na Assembleia que se reuniu, de 27 de agosto a 4 de setembro de 1640, para tratar de “cousas que são necessárias ao bem público e à direcção do Governo”323 . Nesta assembleia, estavam os mais importantes aristocratas de Pernambuco, como se pode verificar pela leitura das actas.



Em 1641, Vieira encarregou-se, por contrato com o Alto Conselho Holandês, de estabelecer dois trapiches nas margens dos rios Capibaribe e Beberibe, para recolher caixas de açúcar. Ainda neste ano, arrematou a cobrança de vários impostos, como os dízimos dos açúcares de Pernambuco, por 154.000 florins, os de Itamaracá, por 5.000 florins, as pensões dos engenhos de Pernambuco, por 29.000 florins e o dízimo das freguesias de Iguaraçu, S. Lorenço, Paratibe e Nª Sª da Luz por 5.000 florins. Em outubro de 1641, os holandeses Laureus Cornelissem de Jonge e Jan Sybrantsen Schoutsen trespassaram-lhe o contrato da balança. Ao mesmo tempo, contraiu dívidas enormes. Tomou, à sua conta, os engenhos comprados a crédito por Stachouwer e por este em sociedade com Nicolaes de Ridder, que eram os já referidos 3 engenhos, comprometendo-se a pagar por eles 119.000 florins. Além destes engenhos, adquiriu escravos e cobres. Além de engenhos, Vieira ainda possuía terras onde criava gado e cortava pau-brasil. Foi eleito escabino de Maurícia para os anos de 1641 a 1642, tendo sido reconduzido no cargo para o ano seguinte.



Para manter toda esta situação económica, alimentou uma estreita amizade com os holandeses, a quem serviu de conselheiro, obsequiando-os com lautos banquetes.

323

José António Gonçalves de MELLO, 2000, João Fernandes Vieira Mestre-de-campo do Terço de Infantaria de Pernambuco, p. 53.

149

Vieira era por eles considerado como “uma pessoa que tem prestado serviços notáveis ao progresso da Companhia, que em todas as oportunidades muito tem merecido dele” 324. Comportou-se sempre com dissimulação, pois ao mesmo tempo que colaborava com os holandeses não se afastou da fidelidade ao seu país nem de combater ao lado dos que lutavam contra essa usurpação. Em 1638, após a conjura contra os holandeses, interferiu em favor dos presos.

A partir de 1641 ou começos de 1642, Vieira fazia parte do principal núcleo de reação contra os holandeses que era o dos senhores de engenho e lavradores da Várzea do Capibaribe e do qual seu sogro era uma das figuras de proa. Todo o prestígio acumulado nestes anos iria fazer dele o chefe, do qual iria depender a vitória ou o fracasso da insurreição pernambucana. A partir de 1645, insatisfeito com o estado de coisas a que chegara a ocupação holandesa, João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros vão liderar a revolta dos naturais da terra pela restauração do território brasileiro, devolvendo-o à soberania portuguesa em 1654, num movimento a que chamaram de “Insurreição Pernambucana”, começado no engenho S. João da Várzea, a 15 de junho de 1645, onde um grupo de 300 homens derrotou 1200 holandeses. Assim começava a guerra de restauração, que terminou em janeiro de 1654, com a capitulação do Recife.



Na sociedade de então, o senhor de engenho era a figura de maior destaque, um verdadeiro senhor feudal, que possuía privilégios e integrava a chamada nobreza terratenente. João Fernandes Vieira rapidamente se tornou Feitor-Mor, fazendo crescer a sua riqueza graças aos seus esforços e doações recebidas do seu empregador, Afonso Rodrigues Serrão e de sua mulher, bem como da amizade com Jacob Stachouwer.



Quando morreu, em Olinda, a 10 de janeiro de 1681, era proprietário de 16 engenhos e muitas terras onde cultivava gado, no Rio Grande do Norte, chegando a promover uma leva migratória de casais madeirenses e açorianos para o Nordeste brasileiro.

324

Idem, p. 57.

150

SÉCULO XV DATA

ADMINISTRAÇÃO E POLÍTICA

1418 Dezembro

Primeira vigem de reconhecimento do Porto Santo segundo Francisco Alcoforado

1419 Julho-01

Descobrimento da ilha da Madeira segundo Gaspar Frutuoso

1420

Início do povoamento da Madeira

SOCIEDADE

ECONOMIA

RELIGIÃO CULTURA E ASSISTÊNCIA

A MADEIRA E O MUNDO EM MEMÓRIAS E RECORDAÇÕES. Principais acontecimentos em destaque

Introdução da cana de açúcar na ilha da Madeira

1425

Doação do Arquipélago da Madeira à Ordem de Cristo por D. Duarte

1433. Setembro-26

Nomeação de Frei Nuno Gonçalves como vigário do Funchal

Outubro-30 1440 Maio-8

Doação da capitania de Machico a Tristão Vaz

1445

Doação do Papa Eugénio IV ao Infante D.Henrique das terras descobertas

1446 Novembro-01

Doação da Capitania do Porto Santo a Bartolomeu Perestrelo

1450. março.02

carta de doação da capitania da ilha Terceira, a Jacome de Bruges, faz referencia às cartas da Madeira

1451

Doação da capitania do Funchal a João Gonçalves Zarco

1458 Maio-17

Venda da capitania de Porto Santo a Pedro Correia

151

DATA

ADMINISTRAÇÃO E POLÍTICA

1467

Morte no Funchal do primeiro capitão donatário, João Gonçalves Zarco

SOCIEDADE

1473

ECONOMIA

João Esmeraldo aforou a Lombada da Ponta do Sol A Rui Gonçalves da Câmara O papa Sixto IV concedeu o padroado sobre o Convento de Santa Clara aos capitães do Funchal

1476 Maio-04

1483

O Governador de Gran Canária, D. Pedro de Vera, manda buscar à Madeira cana de açúcar

1479 Setembro-04

Tratado de Alcáçovas que atribui a Portugal o senhorio do arquipélago da Mdeira

Principais acontecimentos em destaque

O papa Alexandre VI estabeleceu para o Convento de Santa Clara a regular observância e o início da clausura

1496

1498 Junho.10

A MADEIRA E O MUNDO EM MEMÓRIAS E RECORDAÇÕES.

Criação das Alfândegas do Funchal, Machico e Santa Cruz

1477 Março-15

1497 Abril-27

RELIGIÃO CULTURA E ASSISTÊNCIA

D.Manuel, faz reverter para a coroa o arquipélago da Madeira

Fundação do Convento de Santa Clara no Funchal Cristóvão Colombo é recebido triunfalmente no Funchal

152

A MADEIRA E O MUNDO EM MEMÓRIAS E RECORDAÇÕES.

SÉCULO XVI DATA

ADMINISTRAÇÃO E POLÍTICA

1504 fevereiro.16

Carta de doação dae ilha a Fernão de noronha no Brasil, que assumiu o seu nome, fazendo referencia às doações da Madeira

ECONOMIA

RELIGIÃO CULTURA E ASSISTÊNCIA

Ordem do rei D. Manuel I no sentido de se proceder à construção de um novo hospital da Misericórdia

1507 Maio-25 1508

SOCIEDADE

Elevação do Funchal à categoria de cidade

1514 Junho-12

Criação da Diocese do Funchal pela Bula Pro Excelenti e eleição de D. Diogo Pinheiro para seu Bispo Criação da Câmara Eclesiástica Construção da Casa do Cabido da Sé

1517 Outubro-18

Sagração da Sé Catedral do Funchal com a celebração de ordens e crismas pelo bispo D. João Lobo Surto de peste no Funchal

1521

S. Tiago Menor é festejado como patrono do Funchal pela primeira vez

Maio-01 1531

Socorro madeirense a Safim.

1526 julho.30

o contador das ilhas dos Açores rece­beu uma cópia do foral das alfândegas da Madeira de 4 de ou­tubro de 1499

1533 Janeiro-31

Principais acontecimentos em destaque

Elevação do Bispado Funchal a Arcebispado

do

153

DATA

ADMINISTRAÇÃO E POLÍTICA

SOCIEDADE

ECONOMIA

RELIGIÃO CULTURA E ASSISTÊNCIA

1524

Nomeação de D. Martinho de Portugal como arcebispo do Funchal. Foi o primeiro e único arcebispo do Funchal

1543

Edição do «Tesouro da Virtude» de Fr. Afonso da Ilha

1548

Visita do P. Luis Gonçalves da Câmara aos prisioneiros portugueses em Tetuão

1552 Julho-07

Ataque de corsários franceses ao Porto Santo

Criação da Santana

paróquia

Principais acontecimentos em destaque

de

1551

O direito de padroado na posse da Ordem de Cristo, regressa à Coroa

1559

Nomeação do P. Luís Gonçalves da Câmara para preceptor do príncipe D. João

1566

A MADEIRA E O MUNDO EM MEMÓRIAS E RECORDAÇÕES.

A cidade do Funchal é saqueada por corsários franceses, tendo desembarcado na praia Formosa

1569 Agosto.20

Carta régia de criação do Colégio dos Jesuítas do Funchal

1570 Maio-06

Os padres jesuítas fixam-se no Funchal Abertura do Colégio de São João Evangelista

154

DATA

ADMINISTRAÇÃO E POLÍTICA

SOCIEDADE

ECONOMIA

RELIGIÃO CULTURA E ASSISTÊNCIA

1572

É publicada a célebre «gramática» do P. Manuel Álvares que virá a conhecer quase mil edições

1575 março.15

Morte do P. Luís Gonçalves da Câmara

1578 Outubro-18

Promulgação das Constituições do bispado do Funchal pelo bispo D.Jerónimo Barreto

1581

João Leitão nomeado primeiro governadorgeral da Madeira,

1582 Fevereiro-25

Mercê da capitania de Machico a Tristão Vaz da Veiga

1584 Novembro.12 1590 Dezembro-30

Principais acontecimentos em destaque

Criação da paróquia do Porto da Cruz

Juramento de fidelidade da Câmara do Porto Santo a Filipe II de Espanha, I de Portugal Nomeação de António Pereira Barreto no cargo de governador geral da Madeira Fundação da capela de Nossa Senhora da Conceição do Caniço

1591 1595 março.30

A MADEIRA E O MUNDO EM MEMÓRIAS E RECORDAÇÕES.

Morte em Lisboa do Doutor António da Gama Pereira, jurisconsulto e desembargador do Paço

1597 Junho-29

Publicação das Constituições Extravagantes da Diocese do Funchal

1599

Edição em Roma da «
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