A Madeira e o Contrabando

July 3, 2017 | Autor: Alberto Vieira | Categoria: Islands, Islands and Archipelagos
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Anuário N.º 4 •2012

A Madeira e o Contrabando no Espaço Atlântico Alberto Vieira

Bay and Town of Funchal, Madeira, The Illustrated London News, Nov 15, 1879,

Anuário 2012 Centro de Estudos de História do Atlântico ISSN: 1647-3949, Funchal, Madeira (2012)

Região Autónoma da Madeira Centro de Estudos de História do Atlântico

pp. 9 - 65

ALBERTO VIEIRA CEHA-Madeira

ALBERTO VIEIRA. n. 1956. S. Vicente Madeira. Títulos Académicos e Situação Profissional: 2008- Presidente do CEHA, 1999 - Investigador Coordenador do CEHA, 1991- Doutor em História (área de História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa), na Universidade dos Açores. PUBLICAÇÕES (apenas os livros): O Deve e o Haver das Finanças da Madeira. Finanças públicas e fiscalidade na Madeira nos séculos XV a XXI. Funchal, CEHA. ISBN:978-9728263-75-1, vols:2 [em Formato digital com folheto]. Debit and Credit in Madeira Finance. Public Finance and fiscality in Madeira from the 15th to 21st centuries. Funchal, CEHA. ISBN:978972-8263-76-8 vols:2 [Formato digital com folheto] Entender o Deve e o Haver das Finanças da Madeira. Funchal, CEHA. ISBN: 978-972-8263-77-5, vols: 1 [Formato papel]. Understanding Debit and Credit in Madeira Finance. Funchal, CEHA. ISBN: 978-972-8263-78-2, vols: 1 [Formato papel]. (Coordenação): Debates Parlamentares. 1821-2010. Funchal, CEHA. ISBN:978-972-8263-81-2, vols:1 [Formato digital com folheto]. Livro Das Citações do Deve & Haver das Finanças da Madeira. Funchal, CEHA. ISBN: 978-972-8263-82-9, vols:1 [Formato digital com folheto]. Dicionário de Impostos. Contribuições, Direitos, impostos, rendas e Tributos. Funchal, CEHA. ISBN: 978-972-8263-83-6, vols:1 [Formato digital com folheto]. Dicionário de Finanças Públicas. Conceitos, Instituições, Funcionários. Funchal, CEHA. ISBN: 978-972-8263-84-3, vols: 1, [Formato digital com folheto]. Cronologia. A História das Instituições, Finanças e Impostos. Funchal, CEHA. ISBN: 978-972-8263-850, vols:1 [Formato digital com folheto]. (organização): Memória Digital. Deve e Haver das Finanças da Madeira. Funchal, CEHA. 2. ISBN: 978-972-8263-86-7, vols:13 [Formato digital com folheto]. (organização): Digital Memory The Debit and Credit in Madeira Finance. Funchal, CEHA. ISBN: vols:3 [Formato digital com folheto]. O Bordado da Madeira, Funchal, Bordal (com edição em inglês), 2005A freguesia de S. Martinho, 213pp, 2005-JOÃO HIGINO FERRAZ. Copiadores de Cartas (1898-1937), de colaboração com Filipe dos Santos, 418pp, 2005- Açúcar, Melaço, Álcool e Aguardente. Notas e Experiências de João Higino Ferraz (18841946), de colaboração com Filipe dos Santos, 636pp, 2005-A Vinha e o Vinho na História da Madeira. Séculos XV-XX, Funchal, CEHA,585pp, 2001: História da Madeira [coordenação de manual de apoio ao ensino], 399pp. 2001: Autonomia da Madeira. História e Documentos [cdrom], 2001:Associação dos Bombeiros Voluntários Madeirenses. Breves Apontamentos Históricos, ABVM. 131pp, 2001:A Nau Sem Rumo, NSR. 87pp, 1999: Do Éden à Arca de Noé - o Madeirense e o quadro natural, Funchal, 330pp, 1999: As Luzes da Festa, SIRAM, 119pp, 1998: CDROM: Obras clássicas de Literatura del Vino, compilação de livros e introdução, Madrid, Fundación Historica Tavera, 1998: Las Islas Portuguesas, compilação de livros e introdução, Madrid, Fundación Historica Tavera, 1998: O Vinho da Madeira (com Constantino Palma), Lisboa, 143pp, 1998:O Açúcar, Expo 98. Pavilhão da Madeira, 64pp, 1998: O Vinho, Expo 98. Pavilhão da Madeira, 64pp, 1998: Publico e o Privado na História da Madeira. II. As cartas particulares de João de Saldanha, Funchal. CEHA,  224pp, 1997: Vicente Um Século de Vida Municipal (1868-1974), Funchal. 167pp, 1997: CDROM: Elucidário Madeirense de Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Menezes, coordenação da edição, Funchal, CEHA, 1997:Público e o Privado na História da Madeira. I. As cartas particulares de Diogo Fernandes Branco, Funchal. CEHA, 273pp, 1996: A Rota do Açúcar na Madeira, de Colaboração com Francisco Clode, Funchal, 220pp, 1995: Guia para a História e Investigação das ilhas Atlânticas, Funchal, 414pp, 1993: História do Vinho de Madeira. Textos e documentos, Funchal, 431pp, 1992: Portugal y Las Islas del Atlântico, Madrid, 316pp, 1991: Os Escravos no Arquipélago da Madeira. Séculos XV-XVII, Funchal, 544pp, 19891990: Breviário da Vinha e do Vinho na Madeira, Ponta Delgada, 79pp +115pp, 1987: O Arquipélago da Madeira no século XV, Funchal (de colaboração com o Prof. Dr. Luís de Albuquerque). 73pp, 1987:O Comércio Inter-Insular (Madeira, Açores e Canárias). Séculos XV-XVII, Funchal, 228pp.

RESUMO: O Contrabando e descaminho de mercadorias dos circuitos legais tornou-se uma realidade omnipresente dos espaços insulares. As dificuldades no controlo dos circuitos de distribuição e o laxismo institucional contribuíram para esta situação, o que faz dos insulares campeões do contrabando. O furtarse ao pagamento dos pesados tributos através destas formas de atividade de troca ilícita pode também ser entendido como uma forma de reação a um sistema tributário excessivo e a medidas apertadas de controlo da atividade comercial, por força de monopólios ou estancos, assim como de políticas proibitivas. Na Madeira, a carga tributária sempre foi elevada, obrigando os madeirenses a socorrem-se deste meio para assegurar a sua mais-valia que o sistema usurpava. O contrabando é uma prática que envolve toda a população, mas, de forma especial, aqueles que se dedicam às atividades marítimas. Barqueiros e pescadores apostam nesta atividade alternativa, ignorando mesmo as medidas repressivas de perda do barco. É com a conivência destes que os estrangeiros fazem os desembarques ao longo da costa e mesmo na baía do Funchal. Ser contrabandista é uma opção das gentes ribeirinhas e de muitos pescadores. PALAVRAS-CHAVE: Contrabando, Comércio, Tributos, Atlântico, Alfândega, Pautas

Abstract: Smuggling and loss of merchandize became a frequent problem in the islands. Difficulties in controlling the distribution circuits and institutional neglecting have contributed to this situation and, in fact, islanders mastered this type of activity. Avoiding the paying of duties can also be understood as a form of protest against monopolies and trade policies. In Madeira tax rates were always high and thus Madeirans tried to find alternative ways of escaping the system. Smuggling was a common practice in which all population was involved in and in particular those who were connected to the maritime field. Boat owners and fishermen ignored the danger of loosing their ship and with the support of foreigners unloaded goods along the coastline and even sometimes in the bay of Funchal. In fact, being a smuggler was sometimes the only option left for those who lived by the seashore and for fishermen. Key-words: smuggling, trade, duties, Atlantic, Customs, Custom charts.

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Quando os direitos protectores degenerão pelo seu excesso em direitos prohibitivos, vexão inutilmente o consummo, sem conseguirem o seu fim. Nesta ilha, em que a industria manufacturaria é quasi nulla, os direitos excessivos só servem para incentivo do contrabando:figurão na pauta; porém não na receita da alfândega. (…) fez-se mal ao thesouro; porque muitos generos e mercadorias deixaram de passar pela alfândega, e são introduzidos por contrabando, que é inevitável todas as vezes que valle a pena afrontyar os seus perigos e inconvenientes.(Representação aos deputados de 1 de junho de 1850, publicada no Correio da Madeira, nº.70. Publicação: Vieira, Alberto, 1993, História do Vinho da Madeira, Funchal, CEHA, p.167 )

...a pauta[de 1850] favorece o contrabando; a pauta nada aproveita à indústria; a pauta é incompatível com o estado da Madeira porque é contrária e danosa à agricultura que é o primeiro dos interesses materiais, logo é urgente a redução da pauta e direitos moderados “ad valorem, a exemplo de Espanha, que tem nestes últimos tempos dados grandes passos em Economia Política (Correio da Madeira, nº 116, p. 1.)

As pautas aduaneiras, absurdas e inconsequentes como são, estimulara e dão azo ao contrabando que se assoberba de mais e mais em todas as ilhas, desfalcando os cofres publicos e dando logar a mil conflictos e delongas, que se cumplicam pelas susceptibilidades ridiculas de mil pessoal, As vezes desauctorisado, e que se não poupa, ainda assim, a discussões esteireis d’uma impertinencia irritante. (Martins, João Augusto, 1891, Madeira, Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 86)

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Gravura do século XIX. A Fortaleza do Ilhéu, conhecida pelos ingleses de Loo Rock ou Loo Fort, foi por muito tempo o ponto de controlo e vigilância do porto do Funchal, face ao contrabando.

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contrabando é um mal de todos os tempos e de todos os lugares, mas os ilhéus, da Madeira e dos Açores, sujeitos a elevada tributação e espetadores permanentes da circulação de produtos dos mercados do novo Mundo, cedo se afirmam como campeões deste tráfico ilícito. Para muitos será a compensação pela pesada tributação a que se sujeitam no trato legal. Esta foi uma prática generalizada, que cativou a população em geral, mas também o clero1 e até os funcionários da Fazenda Real2, mesmo aqueles que tinham a incumbência 1

AHU, Madeira, nº. 190, 21 de novembro de 1768: carta do governador João António de Sá Pereira sobre o guardião Fr. António de S. Guilherme, apanhado a contrabandear tabaco.

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Em 1820, o conde de Palmela, em carta ao governador, afirmava que os guardas que se poem a bordo dos navios, e os botes de registo da mesma alfândega, são os próprios que favorecem e conduzem os contrabandos. (AHU, Madeira e Porto Santo, nº.1262-1687,21 de fevereiro de 1820, carta do conde de Palmela ao governador). Desta postura se defende João Cardoso Betencourt, major de Ordenanças e escrivão da Mesa Grande da Alfândega, que denuncia o britânico John Wnwim de praticas ilícitas e de o tentar aliciar. Cf. RODRIGUES, Paulo Miguel, 2008, A Madeira entre 1820 e 1842. Relações de poder e influência britânica, Funchal, pp.400-402, 786.

de reprimir esta prática. O peso das elevadas taxas de importação e exportação justificava o risco. O contrabando é, para os insulares, a mais-valia do seu árduo trabalho que a Coroa e o Estado lhes sonegam com as variadas taxas, impostos, contribuições ou direitos. O insular é, por natureza, contrabandista. Sente-se no pensamento de todos os ilhéus esta vontade de se subtrair aos pesados encargos. As sociedades insulares, tal como as fronteiriças, vivem em constante sobressalto com o contrabando, porque à sua volta foi sendo criada esta sintomia. Assim, barqueiro, pescador, adelo, vendedor ambulante são sinónimos de contrabandista. Contratadores dos estancos e guardas da alfândega estigmatizaram as atividades de proximidade do calhau. O burburinho diário do calhau assenta nesta bipolaridade diurna: contrabandista ou anti-contrabandista. Qualquer movimento suspeito atiça os olhares, sempre atentos, da fiscalização. São muitos os olhos por todo o lado, mas há sempre uma oportunidade para tentar a sorte e conseguir um

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Pintura do século XVII. A baía do Funchal era um espaço aberto onde por entre os navios de passagem circulavam os barqueiros e mareantes.

tecido, tabaco ou sabonetes a preços mais adequados e livres das taxas vexatórias. Que dizer de momentos de crise em que a moeda escasseia e as necessidades são mais presentes? O estrangeiro, seja ele comerciante ou transportador, tem presa à mente a estratégia para uma atividade o mais rentável possível. Por hábito, conhece os usos e costumes dos portos onde ancora com frequência, tem os seus agentes e parceiros de confiança e não tem receio de se deter o tempo que for necessário para encontrar a oportunidade para passar a mercadoria que aguarda, a bordo, este momento. Os guardas da alfândega estão atentos, mas sempre escapa o momento para que, num ápice, tudo aconteça. Depois, a escuridão da noite tudo permite, perante a cegueira visual dos vigilantes. Os momentos de estância de uma embarcação, no porto, são de constante ansiedade para todos os que vivem à beira do calhau.

O Funchal foi um ancorador constante de visitantes de distintas origens e proveniências sociais. Cedo se firmou como um ancoradouro de passagem para mercadores, funcionários, soldados e aventureiros. A estância, por força das circunstâncias das condições oferecidas pela baia funchalense até ao século XIX, com a falta de porto e de cais, fazia demorar esta atividade, transformando o ato de embarque e desembarque numa verdadeira aventura. Como se isto não bastasse, era necessário conviver com as formalidades do despacho alfandegário. Os Guardas, cientes da sua missão de salvaguarda do património alfandegário, viviam na permanente obsessão de encontrar qualquer indício ou prova de contrabando. Perante isto, os atos de embarque faziam-se de forma demorada. Este serviço acarretava, por vezes, algum perigo devido ao agitado das ondas do mar em algumas épo-

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cas do ano3. Desde o século XIX que a afluência de forasteiros, na condição de turistas, fez aumentar o tráfico de passageiros, tornando ainda mais prolongadas as ações da alfândega. O risco de ser apelidado de contrabandista, por causa de algumas onças de tabaco, eram constantes. Daí as recomendações dos guias turísticos sobre as boas maneiras de passar incólume ao olhar dos guardas da alfândega. O tabaco era, sem dúvida, o produto mais apetecido e a origem da obsessão dos guardas. Daí os guias trazerem recomendações aos seus leitores de que não quisessem fazer deste momento uma aventura4. De entre estes visitantes, temos os doentes que procuravam o clima benfazejo da Madeira para a sua cura. As estâncias eram por vezes demoradas e, por isso mesmo, tinham permissão de trazer múltiplos pertences pessoais, desde mobília, a vestuário, utensílios de cozinha e até pianos, que estavam isentos de pagamento de qualquer tributo por um período de oito meses5. AS ORIGENS E RAZÕES DO CONTRABANDO. A prática do contrabando é, ao mesmo tempo, causa e consequência da apertada estrutura de controlo e da excessiva tributação dos produtos no mercado insular e atlântico. A excessiva regulamentação dos mecanismos do sistema de troca, exercida pela Alfândega e municípios, para além de entorpecer e retardar o comércio e circulação dos produtos, criava ou tornava necessário o recurso a circuitos paralelos. A este propósito, James Holman (1840) diz-nos que o contrabando é uma pratica tão corrente nesta ilha que não há nenhuma dificuldade em obter qualquer artigo proibido que se deseje. Já Paulo Perestrelo da Câ-

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ANTT, PJRFF, 980, fls.153vº-155, carta de ofício de20 de novembro de 1643.

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No es recomendable llevar más de una pequeña cantidad de tabaco y los visitantes no deben, bajo ninguna circunstancia, correr el riesgo de intentar pasar nada de contrabando.(i.e pueden passar-se sin pagar nada, 200 gramos, es decir, unas 6 onzas, de tabaco). … El tabaco no se debe enviar por correo ni importarse como mercancia em paquetes de menos de 40 kgs. No se pueden pasa rmás de dos paquetes de barajas (usadas) y no más de cerillas (Brown, A, 2000, Madeira, Islas Canarias y Azores, Las Palmas de Gran Canaria, p.331). Este Guia teve múltiplas edições entre 1895 e 1932, sendo uma referência para os visitantes do espaço insular.

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Cf. Taylor, Ellen, 1882, Madeira, London, p.13.

mara, em 18416, refere que as receitas da alfândega foram de 250 contos, apesar do imenso contrabando que se fazia. Por outro lado, considera que as pautas alfandegárias, além de vexatórias, estão na origem desta situação, pois nada mais tem feito, se não aperfeiçoar a ciência do contrabando, dando cabo de um comercio já tão enfraquecido. Em 1856, o governador António Couceiro dava conta que o contrabando na ilha da Madeira tinha chegado a um ponto tal que difficilmente poderão ser descriptos os inumeraveis abusos a que estava dando logar.7 No quadro jurídico, há uma distinção entre aquilo que é considerado como contrabando e descaminho mas, na prática, quase sempre as duas situações são vulgarmente designadas de contrabando. Desta forma, o comércio e trânsito de mercadorias sujeitas ao regime de monopólio ou estanco, como sabão, sal, tabaco, cartas de jogar8, aguardente, chocolate, cerveja, sorvetes, limonada, etc., enquadram-se no primeiro caso, ficando para o segundo as situações e atos de se furtar ao pagamento de direitos. Ainda poderemos considerar, neste último caso, o comércio feito por cidadãos de nações inimigas cuja iniciativa estava vedada como forma de represália9. Atente-se a que o contrabando de mercadorias proibidas e o descaminho dos direitos foram práticas muito comuns aos espaços insulares. A informação sobre estas atividades ilícitas vem do século XV e perdura no tempo. Esta seria uma forma muito comum dos insulares se furtarem aos excessivos direitos que penalizavam alguns produtos de importação e exportação. Era também um modo de combate ao regime de monopólio de produção e venda de alguns 6

Paulo Perestrelo da Câmara, 1841, Breve noticia da ilha da Madeira, p.95-96. Diz ele: Finalmente deve-se contemplar, na massa dos males, que,ultimamente mais tem pezado sobre a Madeira, a lei das Pautas, que com os seus efeitos prohibitivos, nada mais tem feito, se não aperfeiçoar a sciencia do contrabando, dando cabo de um commercio já tão enfraquecido. A mania de tudo mudar, levou esses novos legisladores á demencia de por a Madeira na mesma escala de produções e interesses que Portugal, com quem esta ilha não pode commerciar, pois abundando em vinhos excellentes, não os consome aquella, a quem também não pode fornecer os artefactos, de que carece. A Madeira só pode negociar com paizes não vinhateiros, e delles receber os artigos de que carece mas com direitos suaves.

7 1857, Relatório sobre o Estado da Administração Pública..., Lisboa, p.379. 8

ARM, CMF, registo geral, T.III, fls. 65-68, 2 de maio de 11608; ANTT, PJRFF, 966, fls.34-36, 16 de setembro de 1676.

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Atente-se às alterações na definição de contrabando e descaminho apresentados com a reforma das alfândegas: DL 31663 de 22 de novembro de 1641, DL 31664, 31730, de 15 de dezembro de 1842.

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produtos, como o sal, o tabaco, a urzela, a pólvora e o sabão. Estávamos perante um império permanentemente armadilhado de políticas monopolistas que dificultavam o livre comércio e faziam encarecer a venda a retalho dos produtos de consumo corrente. Mesmo assim, os ilhéus sempre souberam furtar-se a estas armadilhas e conseguir um comércio frequente de produtos proibidos. Atente-se ao tráfico que, no decurso dos séculos XVII e XVIII, se fazia no Funchal com mercadorias proibidas do Brasil e os constantes estratagemas usados por madeirenses e estrangeiros para se furtarem à condição de contrabandistas. A par disso, temos de considerar a importância do contrabando de guerra, com produtos que a alimentava ou resultantes de países inimigos. Mas certamente desta relação com a guerra, o contrabando mais significativo foi o que se fez em múltiplos momentos de guerras continentais ou mundiais que se refletiram no quotidiano madeirense, através da carência de alguns produtos básicos. Estas épocas são momentos claros para a especulação e contrabando. Atente-se, por exemplo, ao contrabando de sal feito, um pouco por toda a ilha, durante as guerras mundiais. Desta forma, o contrabando alarga-se a todos os produtos cuja carência é evidente, atingindo os bens de primeira necessidade como também as manufaturas e tecidos de importação. Não será difícil de avaliar a dimensão deste comércio ilícito. Assim, para alguns produtos com peso especial nas exportações, é possível estabelecer uma estimativa das situações de descaminho aos direitos, através de análises comparadas dos valores da produção e consumo, com os da exportação. Também uma comparação entre os valores de saída de um produto e os da correspondente chegada aos mercados de destino, podem ser um meio para aferir do volume desta atividade. Por fim, podemos seguir uma fórmula, testada em estudos especializados sobre estas ilhas. O contrabando é o resultado do valor médio da mercadoria a dividir pelo da taxa paga e a multiplicar por 100. Estamos perante uma economia e atividade financeira submersas, que fogem à realidade dos números oficiais e que assumem um peso significativo nestas sociedades portuárias insulares periféricas, como foi o caso da Madeira. O contrabando foi, historicamente, esta forma de combate aos elevados

encargos impositivos e de controlo da circulação de produtos10, a garantia de uma riqueza suplementar partilhada entre os insulares. Não temos como contabilizar de forma segura a dimensão do contrabando ao longo dos tempos Em muitos casos, poderá suplantar a realidade oficial dos números, mas nunca poderá ser contabilizada. Pensa-se que o seu peso andará, muitas vezes, pelos 25% do total das operações contabilizadas oficialmente, mas é apenas uma estimativa e pouco mais se poderá dizer. Mesmo assim, o confronto de dados disponíveis da produção e exportação dos principais produtos (cf. quadro em anexo), como a análise dos dados dos portos comerciais com quem a Madeira manteve relações assíduas, em torno do comércio do açúcar e do vinho, poderá trazer alguma luz. Em meados do século XIX, é voz comum entre os madeirenses que as pautas alfandegárias, feitas em Lisboa, com o desconhecimento da realidade comercial e portuária madeirense, são as principais responsáveis da crise do comércio e o principal incentivo ao consumo do contrabando. Em 1854, afirma-se que esta cidade esta atulhada de sedas, fitas, veludos, e outros géneros de luxo, e nada disto passa pela alfandega!11. O que acabava por conduzir a uma redução drástica dos direitos e rendimentos da alfândega, fazendo desta uma repartição inútil. As soluções para acatar o problema passavam por uma redução dos direitos: Não há fiscalização verdadeira senão na modicidade dos direitos. Fora daqui tudo é erro e desperdicio.”12 A situação persiste no ano seguinte e o 10 Em diversos debates parlamentare,s se aflora esta relação do contrabando com a excessiva carga tributária. Vejam-se intervenções de Lourenço Moniz a 24 de abril de 1839 e de Luis Vicente d’Affonseca em 20 de maio de 1843. Veja-se Vieira, Alberto, 2012, Debates Parlamentares. 1821-2012, Funchal, CEHA, pp. 387, 397-398, 409, 411. Em 185,7 o Governador Civil, António Gromicho Couceiro (1857, Relatório sobre o Estado da Administração Pública..., Lisboa, pp. 379-380) continua a insistir na ideia de que são os elevados tributos que alimentam o contrabando. A propósito refere a situação resultante das medidas liberadoras do comércio do chá, da carta de lei de 25 de agosto de 1852, cessou de existir o contrabando e descaminho dos díreitos do chá, logo que este genero deixou de ser onerado com um imposto quasi prohibitivo. Antes, em 184,3 em debate de 22 de maio de 1843 sobre as pautas, Lourenço Moniz referia o caso particular do chá, cuja tributação da pauta fazia a redução da sua entrada legal (Cf. O Defensor, nº.180, 10 de junho de 1843, p. 2). Também existe jurisprudência sobre esta situação, mas a maioria dos políticos e governantes parecem surdos e mudos a estes alertas. Cf. Mendonça, António, 1856, A questão financeira em 1856, Lisboa, p.31. 11 O Clamor Público, nº. 27, 20 de novembro de 1854, p.2. 12 A proposta é clara: Nada mais fácil do que estabelecer na Madeira os direitos de importação com relação às despesas do contrabando;

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porto do Funchal vai perdendo movimento e receita. O contrabando é uma prática generalizada e a resposta às taxas vexatórias das pautas13. O DOMÍNIO DOS MARES E A POLÍTICA ATLÂNTICA. O contrabando prende-se com outras realidades que marcaram a forma como os impérios europeus partilharam entre si o chamado Novo Mundo. O século XV marca o início da afirmação do Atlântico, o novo espaço oceânico revelado pelas gentes peninsulares. O mar, que até meados do século XIV se mantivera alheio à vida do mundo europeu, atraiu as atenções e, em pouco tempo, veio substituir o mercado e via mediterrânicos. A abertura foi, no início, geradora de conflitos com a disputa pela posse das Canárias, que se alargou, depois, ao próprio domínio do mar oceânico. Portugueses e castelhanos entraram em aceso confronto, servindo o papado de árbitro na partilha. Os franceses, ingleses e holandeses que, num primeiro momento, foram apenas espetadores atentos, entraram também na disputa a reivindicar um mare liberum (isto é, o mar livre, aberto) e o usufruto das novas rotas e mercados. O Atlântico não foi apenas o mercado e via comercial, por excelência, da Europa, mas também um dos palcos principais em que se desenrolaram os conflitos que definem as opções políticas das coroas euninguem ignora quaes ellas sejam; diminuir os direitos até egualalos com essas despesas, acrescentar-lhes depois mais dois ou três por cento, é matar o contrabando e augmentar necessariamente a receita da alfandega, porque pelo interesse de dois ou três por cento ninguém se arrisca a fazer o contrabando. Não é por luxo nem por hábito que o especulador faz contrabandos, é pelo interesse, é porque a lei o convida a fazel-os: dê-se-lhe na alfandega esse interesse aproximadamente, que à dilferença se sujeita elle de boa vontade pela compensação da segurança. 13 A propósito da situação, diz-se: As rendas publicas escaceam todos os dias: o dinheiro que existe mensalmente no Cofre Central do Districto mal dà para fazer face às despezas com os empregados tanto civis como militares. A Alfandega do Funchal outr’ora um dos maiores recursos do paiz soffre mensalmente uma grande diminuição em seus rendimentos, porque a exportação da nossa quasi unica acabou, e a importação de mercadorias tem passado a ser contrabando. (O Clamor Publico, nº452, de 5 de março de 1855, p.1). Recordamos aqui o texto que encima este ensaio: As pautas aduaneiras, absurdas e inconsequentes como são, estimulara e dão azo ao contrabando que se assoberba de mais e mais em todas as ilhas, desfalcando os cofres publicos e dando logar a mil conflictos e delongas, que se cumplicam pelas susceptibilidades ridiculas de mil pessoal, As vezes desanctorisado, e que se não poupa, ainda assim, a discussões esteireis d’uma impertinencia irritante. (Martins, João Augusto, 1891, Madeira, Cabo Verde e Guiné, Lisboa, p. 86).

ropeias, expressas por meio da guerra de corso. É esta contenda político-económica, que o oceano gerou, o tema que prenderá agora a nossa atenção. As ilhas foram os principais pilares da estratégia de domínio do oceano e, por isso mesmo, todas as iniciativas neste âmbito se repercutiram nelas, de modo evidente. Quando os portugueses se lançaram, no século XV, à exploração do oceano encontraram, à partida, um primeiro obstáculo. As Canárias, que tão necessárias se apresentavam para o controlo exclusivo do oceano, estavam já a ser conquistadas por Jean Betencourt, um navegador francês, financiado pelos mercadores de Sevilha. Esta foi a primeira dificuldade a causar inúmeros problemas à plena afirmação do mare clausum lusitano. Em face disso, só havia uma possibilidade: tomar posse de uma das ilhas por conquistar (La Gomera, por exemplo) e avançar com o povoamento da Madeira, que poderia funcionar como área suplementar no apoio ao avanço das viagens para o Sul. A procura de uma rota de regresso da costa africana além do Bojador preocupou os marinheiros e entravou a progresso das viagens para Sul. A volta pelo largo com a passagem pelos Açores foi a solução mais indicada, mas tardou em ser descoberta. Aos poucos, o “mare clausum” transformou-se no “mare liberum” partilhado por todos. Se é certo que a disputa peninsular pelo domínio dos mares ficou solucionada, o mesmo já não poderá ser dito quanto à cobiça e empenho de outras coroas europeias. De França, questionou-se mesmo a partilha peninsular, solicitando-se o texto do testamento de Adão onde isto estava estabelecido. Perante isto, restava aos que haviam ficado de fora da partilha o recurso à guerra de corso, o contrabando e o comércio ilegal. O corso foi a resposta dada pelos excluídos ao domínio ibérico dos mares. Tudo isto, porque aos demais povos europeus, habituados desde muito cedo às lides do mar, só lhes restava uma reduzida franja do Atlântico, a norte, e o Mediterrâneo. Mas tudo isto seria verdade se fosse atribuída força de lei internacional às bulas papais, o que, na realidade, não sucedia. O cisma do Ocidente, por um lado, e a desvinculação de algumas comunidades da alçada papal, por outro, retirou aos atos jurídicos a medieval plenitude “potestatis”. Deste

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modo, em oposição a tal doutrina definidora do mare clausum, antepõe-se a do mare liberum, que teve em Grócio o principal teorizador. A última visão da realidade oceânica norteou a intervenção de franceses, holandeses e ingleses neste espaço. Os ingleses iniciaram, em 1497, as incursões sucessivas no oceano, enquanto os huguenotes de La Rochelle se afirmaram como o terror dos mares, primeiro com o intento de assalto a Gran Canaria e Tenerife, em 1556, depois com o concretizado, em 1566, à cidade do Funchal. Os franceses estiveram ativos por toda a década de cinquenta e, depois de um período de curta acalmia (1559-69), os ataques voltaram a recrudescer a partir de 1579, atingindo o auge na década de oitenta. Na Madeira, contaram com a pronta resposta de Tristão Vaz da Veiga.14 O corso foi a principal arma de combate ao exclusivismo do atlântico peninsular que ganhou maior adesão dos estados europeus no século XVI. Daqui resultou que, a partir de princípios da centúria, o perigo principal para as caravelas não estava nas condições geo-climáticas, mas sim da presença de intrusos, sempre disponíveis para assaltá-las. Corsários franceses e ingleses disputavam, em posições estratégicas, o assalto aos navios peninsulares das carreiras oceânicas. Os mares dos Açores e da proximidade do Estreito de Gibraltar estavam povoados destes intrusos. A par disso, os corsários circulavam também na vizinhança das principais cidades portuárias das ilhas, aguardando a chegada das embarcações do novo mundo ou a saída das riquezas locais. A navegação tornou-se mais difícil e as rotas comerciais tiveram de ser adequadas a uma nova realidade: surgiu a necessidade de as artilhar e uma armada para as comboiar até porto seguro. Perante a situação de instabilidade nas ilhas, a coroa procurou estabelecer um conjunto de medidas de proteção das populações e rotas comerciais. No último caso, salienta-se a criação de armadas com a função de patrulhar e intervir quando fosse necessário contra os corsários que rondavam as áreas. Em 1565, assinalam-se 43 embarcações e 2825 homens envolvidos neste processo, distribuídos pelas armadas da costa do Algarve, da costa do reino, das ilhas, do Brasil, da Mina, da ilha da Madeira, do Norte de África e do Congo. 14 Cf. Saudades da Terra, caps. XXVII.

Nas Canárias, tivemos as armadas de D. Álvaro de Bazán (1555-56 e 1558). Esta foi a estratégia mais eficaz no combate ao corso. No século XVII, os mecanismos comerciais estavam em mudança, afirmando-se, cada vez mais, uma tendência para o protecionismo económico, definido pelas companhias comerciais e de legislação restritiva: os holandeses criaram, em 1629, a companhia das Índias Ocidentais, os portugueses, em 1649, a Companhia Geral do Comércio para o Brasil15 e os ingleses, em 1660, a Royal Adventuress in to Africa e, depois, em 1672, a Royal Campany of England. A política monopolista e protecionista dos ingleses iniciou-se, em 1651, com o Ato de Navegação e teve continuidade nos atos posteriores de 1661 a 1696. Em França, a política do cardeal Richelieu (1624-1642) havia dado o mote para a nova realidade político comercial. O mar que, séculos atrás, fora apenas um privilégio dos peninsulares era agora património dos diversos empórios marítimos europeus. A divisão política anterior deixou de ser uma realidade e deu lugar à era dos imperativos económicos. A conturbada conjuntura política, que se seguiu nos finais da centúria quinhentista e princípios da seguinte, teve o condão de conduzir à mudança do cenário. A crise dinástica e a consequente união das coroas peninsulares levaram a uma abertura da área ao comércio dos insulares, seus vizinhos e aos demais europeus, nomeadamente, os holandeses. Perante isto, Santiago deixou de ser o principal entreposto dos Rios de Guiné, sendo evidentes os reflexos da situação na economia da ilha. Se é certo que, num momento determinado, as ilhas se fecharam ao comércio com os inimigos políticos e religiosos, também não é menos verdade que a união não conseguiu garantir o exclusivo dos mercados detidos pelas monarquias ibéricas, agora unidas. Isto foi um passo para a partilha do oceano por todas as potências europeias, que não prescindiram da posição fundamental das ilhas. No caso dos arquipélagos da Madeira e Açores, não foi fácil ao novo monarca impor limitações à presença dos inimigos estrangeiros. Assim, não obstante a ordem de expulsão dos ingleses em 1589 e das posteriores medidas limitativas do tráfico comercial 15 Cf. Freitas, Gustavo de, 1951, A Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649-1720), Lisboa; Dias, Manuel Nunes, 1970, Companhia do Grão Pará e Maranhão, Lisboa; Costa, Leornor Freire, 2002, O Transporte no Atlântico e a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1580-1683), Lisboa.

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com a Europa do Norte não se poderá dizer que a ilha viveu um período de total rotura das tradicionais relações com a região16. Situação idêntica sucedeu com os franceses onde se assinala o facto de João de Caus, francês, residente no Funchal há dezanove anos, ter sido naturalizado português, em 159017. Na verdade, La Rochelle continuará a ser um porto de permanente contacto com os de Angra, Faial e Funchal18. Perante isto, poderá concluir-se que o mercado das ilhas não foi tão afetado pelas alterações políticas e consequentes represálias, como à primeira vista pode parecer. Na Madeira e nos Açores, continuou a afirmar-se a presença britânica que teve consumação plena na segunda metade do século XVII19. O mundo das ilhas manteve-se alheio ao jogo de interesses europeus. Apenas nos espaços continentais atlânticos (Africa e Brasil) e no Oriente se tornava evidente o assalto dos beligerantes às possessões portuguesas, acabando por fragilizar a hegemonia e o império que os portugueses haviam conseguido, em princípios do século XVI. As alterações mais significativas ocorreram nas ilhas de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, pelo simples facto de ambos os arquipélagos funcionarem como antecâmara dos centros abastecedores de escravos do litoral africano da Costa e Golfo da Guiné. Desde o início que a segurança das frotas foi uma das mais evidentes preocupações para a navegação atlântica, pelo que as coroas peninsulares delinearam, em separado, um plano de defesa e apoio. Em Portugal, tivemos, primeiro, o regimento para as naus da Índia nos Açores, promulgado em 1520, em que foram estabelecidas normas para impedir que as mercadorias caíssem nas mãos da cobiça do contrabando e do corso. A necessidade de garantir com eficácia tal apoio e defesa das armadas levou a coroa portuguesa a criar, em data anterior a 1527, a Provedoria das Arma16 Esta ideia foi já defendida por Joel Serrão, O contrabando Atlântico (1580-1590), in Estudos Históricos Madeirenses, Funchal, 1982, pp. 129-140. 17 ARM. CMF, registo geral, t. III, fl. 48. 18 Julião Soares de AZEVEDO, Sobre o Comércio de La Rochelle com os Açores no século XVII, in Revista Portuguesa de História, t. III; Nota e Documentos sobre o Comércio de La Rochelle com a ilha Terceira no século XVII, in Boletim Inst. Hist. I. Terceira, 1948, vol. VI. 19 Sobre os Açores, veja-se: Sousa, Nestor, 1988, Sinais da Presença Britânica na vida Açoriana (séculos XVII-XVIII), in Arquipélago, nº especial Relações Açores - Grã Bretanha, P. Delgada, pp. 25-100; J. G. Reis LEITE, s. d., Os Fisher. Esboço Histórico de uma Família Açoriana, Angra do Heroísmo.

das, com sede na cidade de Angra20. A nomeação, em 1527, de Pero Anes do Canto para provedor das armadas da Índia, Brasil e Guiné, marca o início da viragem. Ao provedor competia a superintendência de toda a defesa, abastecimento e apoio às embarcações em escala ou de passagem pelos mares açorianos. Além disso, estava sob as suas ordens a armada das ilhas, criada expressamente para comboiar, desde as Flores até Lisboa, todas aquelas provenientes do Brasil, Índia e Mina. No período de 1536 a 1556, há notícia do envio de, pelo menos, doze armadas com esta missão. Depois, procurou-se garantir nos portos costeiros do arquipélago um ancoradouro seguro, construindo-se as fortificações necessárias. Esta estrutura de apoio fazia falta aos castelhanos na área considerada crucial para a navegação atlântica e, por isso, por diversas vezes, solicitaram o apoio das autoridades açorianas. Mas a ineficácia ou a necessidade de uma guarda e defesa mais atuantes obrigou-os a reorganizar a carreira, criando o sistema de frotas. A partir de 1521, as frotas passaram a usufruir de uma nova estrutura organizativa e defensiva. No começo, foi o sistema de frotas anuais artilhadas ou escoltadas por uma armada. Em 1555, procedeu-se ao estabelecimento de duas frotas para o tráfico americano: Nueva Espana e Tierra Firme. O excessivo controlo e tributação do comércio no império português levaram a que se generalizassem o contrabando e o descaminho, como mecanismos de resposta. As situações de privilégios e exclusivos para a circulação e venda de alguns produtos provocam inevitavelmente estas formas de fuga, através do contrabando. Os espaços insulares, porque abertos à comunicação com o exterior e definidos por um extenso perímetro de costa, são muito propícios a esta atividade, dada a impossibilidade de controlo do litoral e ao facto de a atividade comercial estar condicionada por inúmeras limitações e tributos. Desde o século XV que a coroa portuguesa definiu restrições à livre circulação dos produtos, no mundo insular e nas possessões, o que gerou estas situações de contrabando exercido pelos próprios súbditos, alguns deles mesmo funcionários da Coroa, muitas vezes em ligação com estrangeiros. No século XIX, as pautas excessivamente 20 Confronte-se o nosso estudo sobre O Comércio interinsular nos séculos XV e XVI, Funchal, 1987, pp. 17-24.

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Gravura, segunda metade do século XIX: O chamado calhau do Funchal era um espaço quase sempre polvilhado de gente à espera de uma oportunidade de trabalho vindo do mar.

limitativas são consideradas como uma das principais origens do contrabando. Mesmo assim, havia espaço para o contrabando. O mar era imenso e esta prática contava com a conivência e interesses de muitos. A Madeira, porque desviada das rotas habituais das armadas de Portugal e Castela, vai apresentar condições especiais para os desvios das embarcações. O ouro e a prata das embarcações castelhanas chegam ao Funchal e alimentam um comércio de contrabando relevante21. Desde a década de quarenta do século XVI que se fazia sentir esta situação, mas foi nas últimas décadas da centúria e na seguinte, que a atividade atingiu o seu apogeu. Neste momento, a união das duas coroas permite ao monarca atuar, de forma enérgica, contra o contrabando de ouro, prata, pérolas, açúcar e couros das Índias que se fazia a partir da Madeira para Portugal continental22. Como contrabando era também entendido o comércio ou as facilidades concedidas a navios de nações inimigas. Para o período de 1580 e 1640, holan21 SERRÃO, Joel, 1950, Holandeses e Ingleses em portos de Portugal durante o domínio filipino, in Das Artes e da História da Madeira, n.º 3/9, Outubro de; SOUSA, João José de,1986, Galeões da Prata no Funchal (1542), in revista Atlântico nº5. 22 ARM, CMF, T.III, fl. 215 vº-216: 14 de janeiro de 1595; ARM, CMF, t.III, fl.23: 1598; ARM, CMF, t. VI, fls.22-23vº: 5 de maio de 1629.

deses, franceses e ingleses são os primeiros da lista mas nem por isso deixam de manter a sua atividade habitual no Funchal. Assim, em outubro de 1629,23 D. Francisco de Sousa, governador e capitão general, permitira que dois navios ingleses fizessem aguada e, mais do que isso, recebeu os comandantes em sua casa com grandes festas. Além disso, os ingleses venderam diversos cestos de meias que não passaram pela alfândega. Outras ações foram denunciadas, evidenciado uma total conivência com o contrabando. Atente-se ainda ao facto de a Madeira ter mantido permanente contacto com a costa africana e do litígio que se prolonga no tempo, através dos ataques dos chamados corsários argelinos. Estamos perante uma guerra comercial, religiosa e política. No entanto, há um comércio proibido que acontece com o açúcar marroquino e a venda de armas. A par disso, a proximidade da Madeira fará com que algumas embarcações façam escala no Funchal para se abastecer ou tentar entrar com a mercadoria de contrabando. Foi isso que aconteceu em 1548,24 com uma chalupa proveniente de Cabo Gué que tentou a sua sorte no Funchal e depois em Machico, onde acabou aprisionada. Gaspar Caldeira e Francisco Dias Mimoso, que inter23 ARM, CMF, tomo velho, fl.33, 16 de fevereiro de 1630. 24 ANTT, CC, parte I, maço 74, nº.145: 12 de maio de 1548; ANTT, CC, parte I, maço 80, nº.113: 16 de maio de 1548.

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vêm no assalto francês à cidade do Funchal em 1566, são dois destacados corsários e contrabandistas, com atuação nesta área. Até mesmo os cereais poderiam ser também motivo deste contrabando, pois estava-se a comerciar com inimigos. Mas as circunstâncias poderiam fazer mudar esta postura. Foi isso que salvou o mestre Peter Blake, da chalupa inglesa, que aportou ao Funchal com trigo de Marrocos: dada a carestia do mesmo na cidade, a Câmara intercedeu a seu favor para que o trigo fosse posto à venda25.

lheta, Porto Novo, Ponta Delgada e Porto Moniz29. O Funchal, porque estava sob a vigilância dos guardas da alfândega, era o sítio menos propício. Mas, mesmo assim, também se fazia estas operações, muitas vezes com a complacência e conluio destes guardas.

CONTRABANDISTAS E CONTRABANDOS. Várias são as situações que levaram distintos autores a considerarem a Madeira como um importante centro de contrabando do espaço atlântico. Em 165326 a coroa manda devassar os procedimentos do governador, Manuel Lobo da Silva e do Provedor, Francisco de Andrade, por descaminho de fazendas de duas naus inglesas. Um facto insólito sucedeu em 182527. Aquando da formatura da guarda do Governador, notou-se a ausência de quatro soldados e de um cabo. Ao indagar-se da situação, verificou-se que a ausência resultara da chegada de um navio ao porto e que estes haviam sido apanhados em flagrante pelo sargento, acabando presos.

Por outro lado, as ilhas Desertas foram consideradas como um espaço predileto para estas práticas. Aí existia em 165431 um serviço de vigia com um guarda em serviço por três meses. Desta forma, quando em 1823, um súbdito britânico manifesta interesse em arrendar estas ilhas, teve pronta resposta do Governador que alegou o temor de as Ilhas, povoadas por Inglezes, tornarem-se uma Colonia Britanica e um emporio de contrabandos, para o que esta Colonia offerece as maiores facilidades32. Esta fama perpetuou-se no tempo e galgou as nossas fronteiras33.

Para a Madeira, as cartas de doação das capitanias estabeleciam para os capitães o exclusivo de venda do sal e do sabão, produtos que acabaram por ser, durante muito tempo, alvo de contrabando. Insiste-se de forma frequente nesta situação de monopólio de venda destes produtos, mas todos são surdos a tão vexatória situação28. A par disso, teremos os produtos de produção local que, pelos elevados encargos tributários da produção e exportação, também estavam na lista dos produtos que se furtavam ao pagamento destes direitos.

Em algumas localidades da costa sul, ficou o registo desta situação. Assim, no Porto Novo, temos a Furna dos Lobos ou do Contrabando30. Foi para obstar essa prática que, em 1877, se estabeleceu uma linha telegráfica em Santa Cruz, que fez diminuir em muito a atividade de contrabando nesta baía.

Várias foram as tentativas no sentido de impedir estas práticas. Primeiro, Cristóvão Falcão e Sousa o Governador-geral do arquipélago madeirense, entre 1600 e 1603, determinou que uma fragata ficasse de serviço permanente de vigilância, na costa entre a Ponta de S. Lourenço e a Ponta do Pargo. Já em 1768, o Governador José António de Sá Pereira se tinha empenhado no projeto de ligação da Pontinha ao ilhéu, como forma de criar um espaço de amaragem das embarcações que obstasse ao contrabando. Para o Porto Santo, determinou-se, em 1816, que os barqueiros não podiam contactar os barcos que aí ancoravam.

Onde existia uma enseada e ancoradouro havia condições para as práticas de contrabando e de descaminho. Assim sucedia desde o Paul do Mar à Ca-

Em 1847, o Governador Civil José Silvestre Ribeiro solicitava o estacionamento de uma escuna de guerra no porto do Funchal, como mecanismo dissuasor do contrabando e da emigração clandestina. Esta

25 MINCHINTON, Walter, 1989, British residents and their problems in Madeira before 1815, II Colóquio Internacional de História da Madeira. Actas, Funchal, p. 485.

29 Ribeiro, João, 1996, O Trajo na Madeira, pp.44-45, 60, 73; Ribeiro, João, 1996, Porto Moniz, pp. 45, 60, 73, 148; Ribeiro, João, 1999, As Ilhas Desertas, p. XIII, XXVII-XXVIII; Ribeiro, João, 2001, Machico. Subsídios para a História do seu concelho, Machico, pp.122-123.

26 ANTT, PJRFF, 965A, fls.94vº-96vº, 97-97vº, 14 e 23 de dezembro.

30 Freitas, José, 2000, Gaula, Funchal, p.238

27 ARM, Governo Civil, nº.190, fls. 125V; Ribeiro, João, 1995, O Trajo na Madeira, Funchal, pp.44-45.

31 ANTT, PJRFF, 965A, fl.140vº, provimento de 22 de agosto. 32 Cf. Pereira, Eduardo, 1989, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, p.137.

28 AHM, vol. XV (1972), p.15. 3 de agosto de 1461; AHM, vol. XIX (1990), p.45.14 de julho de 1550: alvará sobre o fabrico do sabão.

33 Benjamin, S., 1878, the Atlantic Islands as resorts of heath and pleasure, N. York, p.96.

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Gravura século XIX. As embarcações costeiras intrometem-se no movimento do porto, oferecendo-se a qualquer atividade.

preocupação com o contrabando está presente quanto à abertura de postos alfandegários ao longo da costa. Assim, em 1853, o diretor da alfândega é contrário a esta pretensão para o ancoradouro do Porto Moniz, alegando que era oferecer aos contrabandistas uma paragem segura para ali virem os navios escudados com a lei, a título de refrescar, descarregar os contrabandos que introduzirião facilmente em terra, aquem e alem do desembarcadouro. Os direitos exclusivos de exploração e comércio de alguns produtos, como o sabão, o sal, a urzela, assim como a excessiva tributação na entrada e saída da alfândega, levaram a que madeirenses e forasteiros assumissem estas práticas como uma forma de oposição a tão apertado sistema de controlo comercial e opressivo sistema tributário. Recorde-se que a produção e comercialização do sabão eram, desde o início da ocupação, direito exclusivo do senhorio. Esta situação manteve-se até 1766, altura em que as saboarias madeirenses passaram para a administração da Fazenda Real, acabando depois extinto o monopólio, em 1867. Atente-se à severidade das penas para os infratores. Em 1825, Rufino Jacinto de Gouveia e João Rodrigues Pires pedem clemência ao Governador por estarem presos por crime de contrabando de sabão. Em 1849, uma mulher de Água de Pena é presa por apresentar 7 oitavas de sabão de contrabando.

O estanco do tabaco também veio a gerar idênticas situações de contrabando. Tenha-se em conta que este crime era punido de forma severa, acontecendo, em 1830, o caso do padre Manuel Joaquim de Oliveira e de Luiza Angelica, que foram enviados para Lisboa, pronunciados no crime de contrabando. Todavia, o contrabando de tabaco fazia-se em toda a ilha, sendo assinalado na Calheta, Porto Moniz, S. Vicente. No decurso do século XIX, muito deste contrabando tinha origem em Gibraltar. O monopólio ou estanco do tabaco estava sob a superintendência da Junta da Administração da Tabaco, extinta em 15 de janeiro de 1775, ficando a partir desta data a depender da Junta da Real Fazenda. Entretanto, por Alvará de 14 de julho de 1674, foi criada a Junta da Administração do Tabaco, mantendo-se a Lei de 28 de fevereiro de 1668 que regulamentava contrabando desse produto. De acordo com esta nova situação, todos os possuidores de tabaco foram obrigados a manifestá-lo para a cobrança dos direitos. Este manifesto nas ilhas era feito na provedoria da Fazenda34. A sua administração na Madeira estava en34 Gorjão, João D., 1833, O Contrato do tabaco, Lisboa; Serrão, Joel; Leal, Maria José da Silva; Pereira, Miriam Halpern,1984, Junta do Tabaco in Roteiro de Fontes da História Portuguesa Contemporânea: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Col. Ana Maria Cardoso de Matos; Maria de Lurdes Henriques. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, vol. 1. pp. 345-348; Portugal. Instituto dos

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tregue ao Provedor da Fazenda, a que se associam um meirinho do estanco, um escrivão das diligências, juiz conservador e administrador recebedor do Tabaco35. INSULARES/CONTRABANDISTAS. O posicionamento periférico do mundo insular condicionou a subjugação do comércio aos interesses hegemónicos do velho continente. Os europeus foram os cabouqueiros, responsáveis pela transmigração agrícola, mas também os primeiros a usufruir da qualidade dos produtos lançados à terra e a desfrutar dos elevados réditos que o comércio propiciou. Daí resultou a total dependência dos espaços insulares ao velho continente, sendo a vivência económica moldada de acordo com as necessidades, que, por vezes, se apresentavam estranhas. Por isso, é evidente a preferência pelo velho continente nos contactos com o exterior dos arquipélagos. Só depois surgiram as ilhas vizinhas e os continentes africano e americano. Do velho rincão de origem, vieram os produtos e instrumentos necessários para a abertura das arroteias, mas também as diretrizes institucionais e comerciais que os materializaram. O usufruto das possibilidades de um relacionamento com outras áreas continentais, no caso do Mediterrâneo Atlântico, foi consequência de um aproveitamento vantajoso da posição geográfica e, em alguns casos, uma tentativa de fuga à omnipresente rota euArquivos Nacionais/Torre do Tombo, 1998, Junta da Administração do Tabaco. in Guia de Fontes Portuguesas para a História da Ásia. Elaborado por Fernanda Olival; Isabel Castro Pina; Maria Cecília Henriques; Maria João Violante Branco. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações Portuguesas; Fundação Oriente; Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1º vol., pp. 57-60, Portugal. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Direcção de Serviços de Arquivística, 1999, Junta da Administração do Tabaco. in Guia Geral dos Fundos da Torre do Tombo: Instituições do Antigo Regime, Administração Central (2). Coord. Maria do Carmo Jasmins Dias Farinha; António Frazão; elab. Joana Braga; fot. José António Silva. Lisboa: IAN/TT, vol. 2. (Instrumentos de Descrição Documental), pp. 163-168; Portugal. Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, 2000, Junta da Administração do Tabaco . in Guia de Fontes Portuguesas para a História de África. Elaborado por Isabel Castro Pina; Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva Santos. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações Portuguesas; Fundação Oriente; Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 3º vol., pp. 36-38; Portugal. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, 2001, Junta da Administração do Tabaco. in Guia de Fontes Portuguesas para a História da América Latina. Elaborado por Isabel Castro Pina; Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva Santos; Paulo Leme. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações Portuguesas; Fundação Oriente; Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2º vol., pp. 164-167. 35 ARM, CMF, registo geral, t. VI, fls.71, 20 de junho de 1645; ANTT. PJRFF, nº.980, fls. 158Vº-159vº, 08 de agosto de 1646; nº.966, fls.384.

ropeia. O arquipélago canário, mercê da posição e condições específicas criadas após a conquista, foi dos três o que tirou maior partido do comércio com o Novo Mundo. A proximidade ao continente africano, bem como o posicionamento correto nas rotas atlânticas, permitiram-lhe a intervir no trato intercontinental. Para os Açores, o facto de as ilhas estarem situadas na reta final das grandes rotas oceânicas possibilitou-lhes algum proveito com a prestação de inúmeros serviços de apoio e eventual contrabando. Fora disso encontrava-se a Madeira, a partir de finais do século XV. Por muito tempo, o comércio foi apenas uma miragem e só se tornou realidade quando o vinho começou a ser o preferido dos que embarcaram na aventura americana ou índica. Perante isto, o vinho madeirense afirmou-se em pleno, a partir da segunda metade do século dezassete. Rumos diferentes tiveram os arquipélagos de S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde: a proximidade da costa africana e a permanente atividade comercial definiram a vinculação ao continente africano. Por muito tempo, os dois arquipélagos pouco mais foram que portos de ligação entre a América ou a Europa e as feitorias da costa africana. Uma das formas usadas pelos mercadores nórdicos para se furtarem à prisão pelas autoridades das Canárias estava no recurso ao pavilhão de um país amigo e ao disfarce do nome, aportuguesando-o. Isto ficou conhecido como comércio disfarçado36. Aliás, eles eram e continuaram a ser os campeões do contrabando que tinha por palco algumas ilhas, como era o caso da Madeira37. Um dos casos paradigmáticos que revela a desigual situação dos mercadores estrangeiros entre as ilhas dos Açores e Madeira e as Canárias, sucede com Bartolome Cuello, um mercador inglês preso em Tenerife a 17 de janeiro de 1592 e julgado em 159738. 36 Vieira, Alberto, O Comércio Disfarçado nas ilhas do Atlântico Oriental. O Processo de Bartolome Cuello na Inquisição de Las Palmas (1591-98), in Anita Novinski (ed.), 1992, Inquisição Ensaios sobre Mentalidade, Bruxarias e Arte, S. Paulo, pp.161-169. 37 Cf. Serrão, Joel, 1992, Temas Históricos Madeirenses, Funchal, pp.129140. 38 Cf. Birch, W. de Gray, Catalogue of the Collection of Original Manuscripts formerly belonging to the Holy Office of the Inquisition in the Canary Islands, vol. III, Londres, 1903, pp. 1026-1054; Alberti, L. e Chapman, A. B. Wallis, 1912, English Merchants and the Spanish Inquisition in the Canaries, Londres, pp. 127-152.

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Note-se que ele mesmo assim não conseguiu iludir a perseguição das autoridades inquisitoriais de Canárias. A confissão deste mercador perante o tribunal de Las Palmas é um retrato evidente da actividade comercial dos nórdicos no período de 1586 a 1591. Aí temos a definição do que se entendia como comércio disfarçado: ...y demais de los navios que... tiene declarado que an venido la dicha isla de San Miguel con nombre d escoceses co el mes engaño...los dichos escoceses traen pasaportes delRey d’Escosia.... los mercaderes que por las dichas vias tratan en España tienen dellos de Francia y d’Escocia y de Flandres para las mercadorias y las sellan con ellos....y en quanto a los flamencos de Olanda y Gelanda.... los susodichos tratan ordinariament en Ynglaterra como vassallos de la Reyna y que traen gran cantidad de ropa y de mercadorias lo quel todo llevan a España y a estas yslas y a las de San Miguel fingiendo ser alemanes de Amburch y de Dunquerque en Flandres.... Esta prática não foi só apanágio de Bartolome Cuello, pois que se documentam outros como Thomas Alder, Ht Web, Tomas Simon, Juan Jurdan e Paulo Bux. A união das coroas peninsulares é o princípio do fim da hegemonia ibérica no Atlântico mas não do protagonismo das ilhas que continuaram a ser espaços intervenientes nas novas realidades políticas e económicas que o final de século propiciou. As repartições régias surgem, muitas vezes, como mecanismos coativos, tendo como finalidade básica a defesa do património real. A sua ação tem como princípio impedir a vigência e generalização de práticas fraudulentas e lesivas desse património. O contrabando surge, neste circuito, ao mesmo tempo como causa e consequência deste apertado sistema de controlo de produtos no mercado insular, pois, como é bem sabido, a excessiva regulamentação dos mecanismos de troca, para além de a entorpecer e retardar, cria ou torna inevitável o aparecimento de circuitos paralelos. Ao mercador insular e europeu não satisfazem estas medidas intervencionistas da coroa e do município, pois limitam o seu restrito campo de manobra e oneram a sua ação: daí que ele atue, de modo a poder ter uma intervenção ativa na formulação da normas, ao mesmo tempo que se serve de subterfúgios para contrariar as leis e normas vigentes. Como atrás

enunciamos, este intervencionismo é geral, uma vez que atinge os vários sectores de atividade artesanal ou transformadora e comércio. De seguida, daremos conta dessa intervenção, de modo separado, de acordo com os referidos sectores de atividade e com os produtos, ou seja, com as componentes da economia insular. Uma outra realidade, muito comum nos espaços insulares, é o contrabando de mercadorias proibidas e o descaminho dos direitos. A informação sobre estas atividades ilícitas vem do século XV e perdura no tempo. Para alguns produtos com peso especial nas exportações, é possível estabelecer uma estimativa das situações de descaminho aos direitos, através de análises comparadas com os valores da produção e consumo, com os da exportação. Assim, para as ilhas, algumas mercadorias, como o sal, o sabão e a urzela que estavam sujeitos ao regime de monopólio de produção e de comércio foram alvo de múltiplas situações de contrabando. Há uma economia e atividade financeira submersas que fogem à realidade dos números oficiais e que assume um peso significativo nestas sociedades portuárias insulares periféricas, como foi o caso da Madeira. O contrabando foi, historicamente, esta forma de combate aos elevados encargos impositivos e de controlo da circulação de produtos, a garantia de uma riqueza suplementar partilhada entre os insulares. Em muitos casos, poderá suplantar a realidade oficial dos números, mas nunca poderá ser contabilizada. Mesmo assim, o confronto de dados disponíveis para a Madeira e os portos comerciais com quem a Madeira manteve relações assíduas, em torno do comércio do açúcar e do vinho, poderá trazer alguma luz. A Madeira, que até à primeira metade do século dezasseis havia sido um dos principais mercados do açúcar do Atlântico, cedeu o lugar a outros mercados (Canárias, S. Tomé, Brasil e Antilhas). As rotas desviam-se para novos mercados, colocando a ilha numa posição difícil. Os canaviais foram abandonados na quase totalidade, fazendo perigar a manutenção da importante indústria de novos mercados, colocando a ilha numa posição difícil e fazendo perigar a manutenção da importante indústria de conservas e doces. O porto funchalense perdeu a animação de outras épocas.

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A solução possível para debelar a crise da indústria açucareira madeirense, desde a segunda metade do século dezasseis, foi o recurso ao açúcar brasileiro, usado no consumo interno ou como animador das relações com o mercado europeu. Os contactos com os portos brasileiros adquiriram importância, pois como o refere José Gonçalves Salvador,39 as ilhas funcionaram, no período de 1609 a 1621, como o “trampolim para o Brasil e Rio da Prata”. O mesmo esclarece que o relacionamento poderia ocorrer diretamente entre os portos insulares e os Brasileiros, ou de forma indireta através de Angola, S. Tomé, Cabo Verde ou Costa da Guiné, definindo-se um circuito de triangulação. São exemplo as atividades comerciais de Diogo Fernandes Branco, no período entre 1649 e 1652. Desde finais do século dezasseis que estava documentado o comércio do açúcar brasileiro nas ilhas, servindo os portos do Funchal e Angra como entrepostos para a saída legal ou de contrabando para a Europa. O comércio do açúcar do Brasil, por imperativos da própria coroa e solicitação dos madeirenses, foi alvo de frequentes limitações. Em 1591, ficou proibida a descarga do açúcar brasileiro no porto do Funchal. Acontece que a medida não produziu qualquer efeito, pois, em vereação de 17 de outubro de 1596, foi decidido reclamar junto da coroa a aplicação plena da proibição, pois as autoridades locais apostavam na defesa do açúcar de produção local, que então se promovia. Para assegurar o controlo, os escravos e barqueiros foram avisados que, sob pena de 50 cruzados ou dois anos de degredo para África, não poderiam proceder ao embarque de açúcar sem autorização da Câmara. Em janeiro, os vereadores proibiram António Mendes de descarregar o açúcar de Baltazar Dias40. Passados três anos, o mesmo surge com outra carga de açúcar da Baía, sendo obrigado a seguir o porto de destino, sem proceder a qualquer descarga. O não acatamento das ordens do município implicava a pena de 200 cruzados e um ano de degredo. As ordens da coroa em 1598 eram concordantes com as intenções das autoridades municipais, ficando proibi39 1978, Cristãos-novos e o Comércio no Atlântico Meridional, S. Paulo, p.247. 40 Esta proibição mereceu uma postura especial aprovada em 1598, onde se estabeleciam regras sobre a forma de abordagem dos navios do comércio com o Brasil. Cf. “titulo dos navios que vão pera o Brasil”, in AHM, I, p.76

da a descarga de qualquer açúcar na ilha41. A situação repetiu-se com outros navios, nos anos subsequentes: Brás Fernandes Silveira, em 1597, António Lopes, Pedro Fernandes o grande e Manuel Pires, em 1603, Pero Fernandes e Manuel Fernandes, em 1606 e Manuel Rodrigues, em 161142 . A pressão dos homens de negócio do Funchal envolvidos no comércio obrigou a que se estabelecesse uma solução de consenso. Em 1611, ficou estipulado que a venda de açúcar brasileiro só seria possível após o esgotamento do da terra43. Depois estabeleceu-se um contrato entre os mercadores e o município, em que os primeiros se comprometiam a vender um terço do açúcar de terra44. Alguns navios, fora do número estabelecido para a ilha, declaram serem vítimas de um naufrágio ou de ameaças de corsários, o que não os impede de descarregarem sempre algumas caixas de açúcar. Todavia, os infratores sujeitavam-se a prisão e a pesadas penas, como sucedeu em 1664,45 com Manuel Ferreira do Porto, em 166546 com Luís Ferreira o moço, e em 166947 com o Mestre Manuel Nogueira Botelho. O açúcar brasileiro foi, na segunda metade do século dezassete, uma mercadoria importante do comércio na ilha e das principais fontes de receitas para o erário régio. Aliás, a Madeira era um dos pilares fundamentais do comércio com o Brasil, vivendo na sua quase total dependência, como se pode corroborar pelo alvará régio de 164948, onde se afirma que a maior parte do comercio da companhia era nessa ilha da Madeira donde suas armadas hiam de carregar vinhos… Parece que todos estavam interessados neste 41 ARM, RGCMF, t. III, fls. 12vº-13vº. 42 ARM, RGCMF, t.III, fl. 44vº; Idem, Doc. Avulsos, caixa IV, nº. 504; fls 12vº-13vº, refere-se as medidas proibitivas de 1591, 1597 e 1601; Ibidem, nº.1314, fls.40vº-41vº; Idem, Câmara Municipal do Funchal, nº.1312, fls.7-8vº, nº.1313, fls.20-23, nº.1313, fls. 6, 49vº, 51, 52-52vº, 59, nº.1316,fls. 24-25, 33-33vº nº.1318,fls.37vº-38. 43 AHM, vol. XIX (1990), pp.139-141. 44 ARM, RGCMF, t. III, fl.103: 29 de março de 1612. Em 1657 a proporção de cada açúcar transacionado no porto do Funchal deveria ser de metade [Ibidem, RGCMF, tomo II fl.44Vº; t. III, fl. 103; idem, Doc. Avulsos, caixa II, nº.250; Idem, CMF, nº.1315, fl.61;nº.1316, fls.39-39vº; nº.1322, fls.56-56vº; nº.1333,fls.5vº-6vº]. 45 ANTT, PJRFF, nº.296, fls.41-41vº: 4 de novembro. 46 ANTT, PJRFF, nº.296, fls.42: 15 de setembro. 47 ANTT, PJRFF, nº.296, fls.52vº, 75vº-76. 48 ARM, RGCMF, t. VI, fls. 99-99vº, 20 de agosto.

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rendoso trato. Até mesmo os próprios Governadores da ilha não se coibiam a procurar este meio de rendimento para acatar as suas despesas49. João de Saldanha de Albuquerque, nomeado governador e capitão general da Madeira em 1672, é um deles, servindo-se, certamente do seu estatuto institucional, para entabular relações com os Governadores do Maranhão e Recife, no sentido da troca de bacalhau, vinho e aguardente da ilha por açúcar, cacau, cravo, anil e tabaco. A compensação para estes favores são alguns presentes de quartos e quartolas de vinho50. Recorde-se que esta postura dos governadores parece ter-se generalizado no século XVIII51. Ao açúcar brasileiro, dos séculos XVI e XVII, juntam-se outros produtos sujeitos ao monopólio nas relações entre Portugal e Espanha e as suas colónias americanas. As regulamentações deste trato e rotas sucedem-se com frequência desde princípios do século XVI, a atestar à evidência o papel do comércio ilegal e o corso. Os ilhéus, dos Açores, Madeira e Canárias, servem-se de todos os estratagemas para furar o monopólio e buscar algum lucro com o contrabando. As aberturas da coroa são apenas a forma de camuflar tudo o mais que saia ao controlo das alfândegas e autoridades. O processo prolonga-se, até que aconteça a abertura das rotas comerciais e dos mercados coloniais. Na primeira metade do século XVIII, a atenção dos insulares parece estar virada para o ouro e prata, o que motiva insistentes reclamações da coroa contra as atividades dos madeirenses com o comercio nos portos brasileiros, assim como no retorno de embarcações desgarradas que aportam ao Funchal.52 SEFARDITA E CONTRABANDISTA. No Portugal 49 A primeira indicação nesse sentido surge com Duarte Sodré Pereira. Vide: Silva, Maria Júlia de Oliveira, 1992, Fidalgos-mercadores no século XVIII. Duarte Sodré Pereira, Lisboa. 50 “Coisas de Ontem e de todos os Tempos. Duas Cartas do Governador João de Saldanha”, in AHM, VII, pp. 26-28. 51 Em 1754 (AHU, Madeira e Porto Santo, nº. 46, 30 de setembro; publ sumário em AHM, VIII, p.228), o Governador Manuel de Saldanha de Albuquerque, em carta para Sebastião José de Carvalho e Melo, queixava-se do elevado custo de vida do Funchal, por força do monopólio britânico, e que os seus antecessores precisaram de socorrer-se da atividade comercial para equilibrar as suas finanças. 52 Depois a lei de 30 de março de 1733 (ANTT, PJRFF, lº. 970, fls.90vº94vº) e de 30 de agosto de 1735 (ANTT, PJRFF, lº. 971, fls. 11-15vº) referem o comércio ilegal do ouro e diamantes do Brasil, ordenando devassas às embarcações intrometidas neste comércio.

dos séculos XV e XVI evidencia-se a presença de comunidade sefardita que assumiu um papel destacado na economia e finanças. Judeu era sinónimo de negociante53. O despoletar do processo dos descobrimentos atlânticos e os consequentes mercados e rotas comerciais fez com que a sua atenção estivesse para aí virada, detendo idêntico protagonismo54. A Madeira, porque assumiu um papel evidente em todo o processo, foi o primeiro polo de atração desta comunidade. As perspetivas eram promissoras, pois o lançamento, em meados do século XV, da cultura açucareira transformou a Madeira num dos principais mercados atlânticos. A atração principal foi o açúcar com mercado assegurado no Mediterrâneo e norte da Europa. Por causa dele, a Madeira acolheu, primeiro judeus, genoveses e venezianos e, depois, flamengos e franceses. Foi o açúcar que deu à Madeira os ingredientes necessários para atrair os agiotas da finança e do comércio internacional. Um dos factos probatórios do interesse da comunidade sefardita pelo açúcar surge em meados do século XVI, quando a crise da produção madeirense fez alargar a diáspora a novos mercados mais promissores, como Pernambuco no Brasil. Para a comunidade judaica, a Madeira foi o primeiro alvo da expansão europeia donde irradiaram para os quatro cantos do Novo Mundo, perseguindo o rasto do açúcar e do tráfico dos escravos no espaço atlântico. Perante isto, importa conhecer qual o papel que estes assumiram neste primeiro poiso da diáspora atlântica. Até ao estabelecimento do tribunal de inquisição em Portugal (1536), não é fácil identificar a comunidade judaica na documentação, não obstante a sua presença fazer-se sentir em múltiplos domínios da sociedade e economia portuguesa. Apenas com a instituição do tribunal do santo ofício foi possível estabelecer o rasto do grupo convertido ou não ao Cristianismo. Certamente que procuravam iludir as suas crenças religiosas, apagando todo o rasto possível. A Madeira não foge à regra e a xenofobia foi uma das armas usadas para travar a concorrência das sociedades mercantis estrangeiras. Na década de sessenta, os judeus genoveses, porque monopolizavam o comércio do açúcar, foram 53 Cf. José G. Salvador, 1978, Os Cristãos-novos e o comércio no Atlântico meridional, S. Paulo, 149; António José Saraiva, 1994, Inquisição e Cristãos Novos, Lisboa, 134-135. 54 cf. Maria José Ferro Tavares, 1995, Os judeus na época dos descobrimentos, Lisboa.

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o principal alvo dos madeirenses. Em 1461, os funchalenses solicitaram ao infante D. Fernando que proibisse a sua atividade como compradores de açúcar ou arrendatários dos direitos na ilha. Esta estreita ligação aos genoveses é constante no controle do comércio nos novos espaços atlânticos, surgindo nas ilhas desde os inícios da ocupação. Difícil é encontrar o rasto da sua presença, pois tal como nos diz José Gonçalves Salvador,55 muitos vão para as ilhas e se acobertam sob a capa de cristãos. Apenas a comparação antroponímica permite algumas descobertas. Os judeus estão envolvidos em todas as atividades, mas, como nos refere Maria José Ferro Tavares, a actividade mercantil e a ocupação principal. E dentro destas parece que tiveram uma predileção especial pelos negócios baseados no açúcar, como se confirma nas palavras de José Gonçalves Salvador56, que é perentório em afirmar que os hebreus sefarditas aparecem identificados com as actividades ligadas ao açúcar primeiro nas ilhas adjacentes a Portugal e depois nas demais possessões. A estratégia dos judeus para o domínio do mercado açucareiro do espaço atlântico passa por uma estreita aliança com os mercadores flamengos e italianos, nomeadamente os genoveses. Esta aliança fora já denunciada nas Cortes de 1471, mas continuará a progredir nos decénios seguintes. No caso do comércio do açúcar da Madeira, é comum encontrar-se esta forma de atuação. Assim, quando o comércio do açúcar estava sujeito a um monopólio da Coroa, mandado a sociedades estes surgem aliados aos Lema, Lomellini e Marchione. No caso do monopólio do comércio do açúcar com a Flandres, é uma sociedade entre os Leme e Abravanel que controla o processo. Já para as cidades italianas, são Moisés Latam e Guedelha Palaçam que se associam a B. Marchione. Nas ilhas, foi evidente a conivência das autoridades com a presença da comunidade judaica, o que resultou em facilidades à sua fixação quando perseguidos no reino. Em finais do século dezasseis, foram arrolados 94 cristãos novos mas, em 1618, o seu número não passou de 5, quando sabemos que, em 1620, eram 58 os judeus que pagavam a taxa. A presença da comunidade judaica era evidente. Os 55 1978, Os cristãos novos e o comércio Atlântico Meridional, S. Paulo, p. 246. 56 1981, Os magnatas do Tráfico Negreiro, S. P., p. 87.

judeus, maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância. A criação do tribunal do Santo Ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no Atlântico: primeiro, nas ilhas e, depois, no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os vetores da economia atlântica, pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi, sem dúvida, um dos principais móbeis da sua atividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. O relacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeros cuidados, por parte do clero e do Santo Ofício. A incidência do comércio da Madeira no açúcar, pastel e vinho conduziu ao estabelecimento de contactos assíduos com os portos da Flandres e Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Isto deverá ter favorecido a presença de uma importante comunidade, o que veio a avolumar as preocupações dos inquisidores. As perseguições movidas pelo Santo Ofício conduziram a que muitos destes judeus se refugiassem nas ilhas Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e, finalmente, Brasil. A juntar a isto está a crise da produção açucareira madeirense, em contraste com a promissora cultura nas terras brasileiras que conduziu a que a diáspora se alargasse até aqui. E, de novo, os judeus estarão ligados à produção açucareira. No século XVI, os judeus do Funchal estabeleceram vínculos muito fortes com o tráfico açucareiro entre Pernambuco, Funchal, Viana do Castelo e Amesterdão57. Em 1633, o padre João de Távora, visitador das naus pelo tribunal do Santo Ofício denuncia o contrabando destes, do seguinte modo: ...esta gente do contrabando, que segundo é pública voz e fama, toda é de nação...58 DIOGO FERNANDES BRANCO: UM CASO EXEMPLAR. No circuito de escoamento e comércio do açúcar brasileiro, é evidente a intervenção de madeirenses e açorianos. A oferta de vinho ou vinagre era 57 SALOMON, H. P., 1983, Os Primeiros Portugueses de Amesterdão. Documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 1595-1606, Braga. 58 ANTI, Inquisição de Lisboa , L. 154, fls. 75 a 84. Cit. AN’IT, Inquisição de Lisboa,

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rápido escoamento. Os principais portos de destino situavam-se no norte da Europa: Londres, St Malo, Amburgo, Rochela, Bordéus. Diogo Fernandes é o interlocutor direto dos mercadores das praças de Lisboa (no caso Manuel Martins Medina), Londres, Rochela ou Bordéus, satisfazendo a solicitação de vinho e derivados do açúcar a troco de manufaturas, uma vez que o dinheiro e as letras de câmbio, raramente encontravam destinatário na ilha. A par disso, manteve a rede de negócios, apoiado em alguns mercadores de Lisboa e principais cidades brasileiras. São múltiplas as operações comerciais registadas na documentação epistolar59. À primeira vista parece-nos que o mesmo se especializou em duas atividades paralelas: o comércio de vinho para Angola e Brasil e o de açúcar e derivados para adocicar os manjares dos repastos da mesa europeia.

John Hancock (1737-1793) mercador de Boston, acusado de contrabandear de forma patriótica o vinho Madeira.

compensada com o acesso ao rendoso comércio do açúcar, tabaco e pau-brasil. Mas o trajeto das rotas comerciais ampliava-se até ao tráfico negreiro, cobrindo um circuito de triangulação. Para isso, os madeirenses criaram a própria rede de negócios, com compatrícios fixos em Angola e no Brasil. Releva-se a figura de Diogo Fernandes Branco. A atividade incidia, preferencialmente, na exportação de vinho para Angola, onde trocava por escravos que, depois, ia vender ao Brasil, por açúcar. O circuito de triangulação fechava-se com a chegada à ilha das naus, vergadas sob o peso das caixas de açúcar ou rolos de tabaco. A partir daqui, iniciava-se o processo de transformação do produto em casca ou conservas. Era uma tarefa caseira que ocupava muitas mulheres na cidade e arredores. Os mercadores, como Diogo Fernandes Branco, coordenavam o processo, uma vez que o produto, depois de laborado, deveria ter

A situação das atividades comerciais de Diogo Fernandes Branco não é de modo algum episódica, no contexto da estrutura comercial madeirense da segunda metade do século dezassete, pois comprova uma das dominantes do processo em que a ilha atua como intermediária entre os interesses da burguesia comercial do Novo e Velho Mundo. Um dos componentes base do puzzle é constituído pelo porto do Funchal e toda uma chusma de pequenos burgueses que aguardam a oportunidade de singrar em tais negócios. Angola, e Brasil são os outros dois vértices do triângulo. Episodicamente, surge-nos Barbados, que só singrou a partir de então, com a afirmação hegemónica da burguesia comercial britânica no mundo atlântico. A incidência do comércio da Madeira no açúcar, pastel e vinho favoreceu os contactos assíduos com os portos da Flandres e Inglaterra e favoreceu a presença de uma importante comunidade, o que veio a avolumar as preocupações dos inquisidores. As perseguições movidas pelo Santo Ofício levaram muitos dos judeus a refugiarem-se nas ilhas Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e, finalmente, o Brasil. Esta migração foi ainda acelerada pela crise da produção açucareira madeirense. Uma vez mais, os judeus estão ligados à produção açucareira60. 59 Vieira, Alberto, 1996, O Público e o Privado na História da Madeira, Funchal. 60 MELLO, José António Gonsalves de, 1989, Gente da nação: cristãosnovos e judeus em Pernambuco, Recife; Ribemboim, José Alexandre,

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O CONTRABANDO E O VINHO- AS ILHAS DO FALSO MADEIRA. Por outro lado, na segunda metade do século XVIII, a situação preferencial do vinho Madeira no mercado atlântico, nomeadamente nos Estados Unidos da América61 e nas colónias britânicas, fez com que os espaços produtores vizinhos procurassem todos os meios para poderem usufruir desses mercados, usando para tal, o nome do Madeira, daí a designação de falso Madeira. Várias são as situações, com expressão na documentação madeirense, que retratam esta realidade do falso Madeira exportado para os mercados americanos, de forma velada, através da baldeação feita com vinhos dos Açores e Canárias, no mar alto ou em pleno porto do Funchal. A baldeação externa com o vinho dos Açores e das Canárias adquiriu importância no debate, entre 1783 e 1810. A situação parece ter sido prática corrente nos momentos de maior procura de vinho. A Junta havia permitido a entrada de vinho do reino e ilhas para o consumo das tabernas, o que foi aproveitado pelas praças estrangeiras para a falsificação do vinho. Neste sentido, temos o facto de alguns negociantes terem decidido tirar certidões autênticas, de forma a desvanecer a desconfiança sobre a qualidade do vinho exportado e impedir que qualquer boato pudesse perigar o negócio. Em 1783,62 o vinho recuperava o mercado americano e, por isso, a introdução, baldeação e franquia deste género (vinho das Canárias), não só seria temível exemplo para o futuro, mas ainda poderia atrair uma bem fundada suspeita de que este vinho seria d’aqui exportado a título de vinho da Madeira, mas que resultaria um considerável prejuízo há estabelecida reputação do comércio exportativo que faz florescer este estado. Daí a interdição da entrada de 100 pipas de vinho, que então se pretendia, não sendo permitido o despacho nem por baldeação, nem por franquia63. Esta prática era comum aos diversos agentes de 1995, Senhores de Engenho Judeus em Pernambuco colonial 15421654, Recife; Salvador, José Gonçalves, 1976, Os Cristãos-Novos. Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro (1530-1680), S. Paulo. 61 Atente-se à importância destas ilhas no comércio britânico da segunda Cf. Dunn, Walter S., 2001, The New Imperial Economy. The British Army and the American Frontier. 1764-1768, London, p. 146.

exportação de vinho dos três arquipélagos64. Por parte dos Açores e das Canárias, era a possibilidade de uma saída eficaz para os seus vinhos; para muitos dos madeirenses, era também a possibilidade de aumentar os seus negócios e corresponder à insistente demanda de vinho que, por diversas vezes, suplantava as reais capacidades de produção do arquipélago. Recorde-se que, nesta época, todo o vinho bom e mau produzido na ilha tinha saída e, raras vezes, dava para as necessidades da demanda externa, esgotando-se anualmente todos os stocks da produção. Várias situações aconteceram na praça madeirense, obrigando a diversas intervenções e apelos das autoridades. Em 1791,65 Carlos Maurray, Cônsul geral inglês, em representação dirigida a Luís Pinto de Sousa, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, manifestou-se contra a fraude praticada por alguns comerciantes que exportavam vinhos da Madeira para as Canárias, onde os lotavam com os aí produzidos, mais baratos e de inferior qualidade. Dos navios que desviaram a rota para às Canárias entre 1784/7, temos o Duque de Bragança, Invencível, Santíssimo Sacramento, Cara Assada, Trindade66. O vinho dos Açores surge em 1800,67 num pedido de Domingos Oliveira Júnior, em que era solicitado o desembarque de 80 pipas de vinho do Faial, transportadas no bergantim Bom Nome, apresentando como justificação as descargas permitidas em 1796 aos vinhos das Canárias e de Clarete. O Senado68, nobreza, povo e comerciantes nacionais e estrangeiros69, a Junta da Fazenda e o Governador70 levantaram-se em uníssono, argumentando que a importação dos vinhos de inferior qualidade para depois serem reexportados como procedentes da Madeira, arruinaria o comércio dos vinhos da ilha71. A documentação diz-nos que os vinhos, quer das Canárias e Açores, quer de Málaga e Catalunha, foram admitidos, atingindo-se as 200 pi64 Esta prática era um dado adquirido e conhecido de ingleses e americanos. Cf. Pratt, Luther, the Island of Madeira, in The American Masonic Register, and Ladies and Gentlemen´s Magazine, vol. I, Nova Iorque, pp.101. 65 AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1253. 66 Idem, nº 1254. 67 Idem, nº 1221 e 1255. 68 Idem, nº 1204, 1219, 1220, 1259. 69 Idem, nº 1203; ARM, RGCMF, T. 13, fol.. 107vº/111.

62 ANTT, PJRFF, nº 942, p. 120.

70 Idem, nº 1218.

63 ANTT, AF, nº 237, fol. 210vº.

71 Idem, nº 1260.

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Gravura do século XIX. As pipas boiam no mar, sob o olhar vigilante dos guardas da alfândega, à espera de destino seguro a bordo.

pas72. Para obviar a situação, decidiu-se, em 22 de dezembro de 1800,73 colocar marcas nas pipas e mais vasilhas em que se exportavam os vinhos da Madeira e dos Açores, ao mesmo tempo que, em 1817, se proibia a saída de vasilhas vazias para fora da ilha74. Segundo o cônsul e homens de negócios, as providências sobre as marcas do vasilhame para exportação do vinho não evitavam as fraudes, antes as facilitavam, pelo que clamavam por uma melhor regulamentação75. Marcelino Gomes, Guarda de número da Alfândega76, apresentara um plano para melhorar a arrecadação dos direitos reais77 e medidas conducentes a impedir a en72 Idem, nº 1263/1272.

trada de todo e qualquer vinho, a baldeação interna e externa. O plano consistia num regimento do ofício de tanoeiros da cidade do Funchal78 e no regimento dos oficiais da Mesa da Inspeção dos vinhos da ilha da Madeira79. Não houve consenso, manifestando-se contra o Juiz da Alfândega, Manuel Caetano César de Freitas80 e, a favor, o Corregedor, Manuel Caetano d’Almeida e Albuquerque, que as achavam razoáveis e úteis81. Outra medida, mais eficaz, foi a de tornar obrigatório o uso de manifestos singulares e outros documentos autênticos que, depois, seriam examinados nos países de destino82. Em 1810,83 desembarcaram no calhau, por contrabando, algumas pipas de vinho da ilha Terceira. O

73 Idem, nº 1252, 1222; em 1817 proibiu-se a saída de vasilhame vazio, ARM, RGCMF, T. 1, fols. 147vº/148.

78 Idem, nº 4524.

74 Idem, nº 4531/4532; ARM, RGCMF, T. 14, fols. 147vº/148.

80 Idem, nº 4530.

75 Idem, nº 1251; ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.

81 Idem, nº 4529.

76 Idem, nº 4511.

82 ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.

77 Idem, nº 4527.

83 Idem, T. 13, fols. 204/205.

79 Idem, nº 4526.

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Senado da Câmara, colocado perante a situação, insiste no comprimento da lei para que se fique entendendo que de nenhuma maneira se tolera a introdução de vinhos estrangeiros para que se não animem os contrabandistas a repetir a especulação na certeza do castigo que os espera e se evitem a equivocação na qualidade e quebra no preço dos vinhos da Madeira, único ramo de comércio deste e se evite em uma palavra a ruína total de todas as classes de seus habitantes e dos direitos de sua Alteza Real. Por tudo isto, segundo informação à margem do citado documento, se derramou o referido vinho em 9 de março de 1810, na praça do Pelourinho. As dificuldades do mercado, na segunda década do século XIX, provocaram reclamações contra a introdução de vinho de fora, em que se incluía o proveniente do reino. A situação repetiu-se na década de trinta e nos anos sessenta84. Por ordens de 181285 e de 1814,86 proibiu-se a entrada de qualquer vinho e a baldeação ou franquia, de modo a evitar qualquer subterfúgio que venha a diminuir a estima dos vinhos da Madeira87. Em 1819, aludia-se à baldeação externa, como prática que estava na origem do estado em que a ilha se encontrava: Outras muitas providências são precisas para derevidar (sic) nas praças estrangeiras o crédito do nosso vinho também manchado pela mistura que alguns negociantes dele fazem em vinho estufado de Canárias e Faial, ganhando com prejuízo mais de cento por cento. Selando-se os vasos de embarque com marca distintiva, fazendo-se manifestos para aparecer em todos, também com fiscalização por via dos cônsules portugueses para verificar a identidade do vinho Madeira, assim como pratica a companhia do Porto, que faz os seus embarques debaixo de chancela do seu conservador com manifestos volantes por todas as praças a anunciar que só é vinho de feitoria, o que leva aquele selo de autenticidade, mas é melhor corrigir, primeiro os males do interior reintegrando o vinho à sua generosidade natural e imediatamente quando já nos não poderem encrepar com retracção de inferior infâmia, fazer-se uso desta 84 Vieira, Alberto, 1993, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, , pp. 49-52, 49-61, 63-64, 67, 73-79, 182, 185, 189, 212. 85 ANTT, AF, nº 238, fols. 196. 86 ANTT, PJRFF, nº 404, p. 463. Veja-se ainda Vieira, Alberto, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 59-6787 ANTT, AF, nº 238, fols. 196.

medida...88. Para o período de 1817 a 1822, temos a decisão da Junta em comprar os melhores vinhos da ilha, como forma de restaurar a fama e qualidade no mercado externo, relegando para segundo plano o comércio dos vinhos ordinários ou baldeados. Com isto, pretendia-se escoar grandes quantidades em stock. A Junta considerava ainda a necessidade de impedir os efeitos perniciosos do monopólio inglês do comércio: Esta medida produziu logo o melhor efeito, baixando o cambio das letras a 20 por cento, como ela possa ainda produzir maiores utilidades, não só no aumento da cultura e crédito dos vinhos, diminuindo pelo embarque deles o adulterado, mas também evitará o monopólio do comércio dos vinhos desta ilha, comprados e exportados por um pequeno número de casas estrangeiras, que unidas podem estabelecer a seu modo o preço de compra deles e mesmo os da venda nas praças onde o conduzem como se vê da mesma resposta89. AS AGUARDENTES DE CONTRABANDO. Para trás ficou o mercado do açúcar e as esperanças de um comércio rendoso para a Madeira. Aos poucos, o vinho foi adquirindo um lugar dominante nas trocas e atividade dos madeirenses. Mas, chegados ao século XIX, as múltiplas dificuldades da sua comercialização obrigaram ao estabelecimento de medidas protecionistas que passavam por criar condições que favorecessem o consumo dos vinhos armazenados, assim como o seu escoamento para os principais mercados consumidores. Uma das questões que dominava o debate das políticas protecionistas do vinho Madeira prende-se com a concorrência das aguardentes e demais bebidas estrangeiras, como, por exemplo o Claret90. Os comerciantes que teimavam no negócio rendoso das aguardentes restavam apenas o afrontamento às medidas interditivas com o recurso ao contrabando. A costa entre Machico e a Calheta oferecia enseadas desprotegidas e não vigiadas pelas forças militares, o que facilitava o contrabando91. 88 ARM, RGCMF, T. 14, fols. 202/203vº. in Vieira, Alberto, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 86-87. 89 ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 66/66vº, vide nº 405/407. 90 Lyall, Alfred, 1826, Rambles in Madeira, p.311. 91 Vide o Defensor da Liberdade, nº 25, p. 2; nº 28, p. 1; nº 36, p. 1; O

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Gravura do Século XIX. A baía do Funchal. De dia tudo corre às claras, de noite outra animação acontece.

A primeira referência surge em 1823, com a apreensão pelo juiz da Ribeira Brava, no lugar de Baixo, do termo da Vila da Ponta do Sol, e do juiz da Alfândega, na baía do Funchal, de 7 pipas, da chalupa inglesa George the Fourth92. Em 1825,93 a Junta denunciou o contrabando de aguardente praticado pelos navios franceses Le Renard e L’Americaine, sob a complacência de quatro guardas de número da Alfândega: não pode a Junta deixar de estranhar que haja pessoas tão pouco zelosas do seu crédito e de sua mesma pátria que, por tão ridículo interesse, sacrifiquem o maior bem dela com desprezo da mais sábia e providente lei constituindo-se os autores de semelhante falta pouco dignos da estimação pública e de qualquer carácter de representação que os distinga, ou classe de comércio a que pertençam94. Para o ano de 1827,95 ficou reservado o maior escândalo de contrabando até então praticado no Funchal. A apreensão de certa quantidade de aguardente a Francis Gordon foi o mote. A Câmara e a opinião pública em geral96 manifestaram-se contra o sucedido, apontando a necessidade de medidas severas, como o derramamento no calhau. No entanto, inadvertidamente, a Junta, a 7 de outubro, admitiu a aguardente e solicitou à Câmara a permissão para o livre consumo. Em 1839,97 foi encontrada a boiar no mar uma Funchalense Liberal, nº 1, pp. 2/3; nº 6, pp. 1/3; Correio da Madeira, nº 113, pp. 1/2, nº 115, pp. 5/6, nº 119, p. 3, nº 120, p. 3; Ruppert Crooft Coock, ibidem, pp. 87/88. 92 ANTT, AF, nº 240, fols. 73vº, 89vº. 93 Idem, nº 240, fol. 72vº. 94 ANTT, PJRFF, nº 406, fol. 173.

pipa de aguardente, perdida do contrabando, arrematada em hasta pública. Ainda, segundo Ruppert-Coock98, um navio alemão teria desembarcado, na baía de Câmara de Lobos, 300 caixas de gin que escondeu na furna dos lobos, tendo sido, depois, encontradas por um par de namorados. Perante a inépcia da vigilância da costa e a continuidade da ação fraudulenta na baía do Funchal, através da manifesta corrupção de grande número de guardas da Alfândega, perguntava-se o articulista do Funchalense Liberal: De que serve então dizer - fica proibida a importação das aguardentes estrangeiras na ilha da Madeira - se se desprezam os meios de tornar efetiva essa proibição? O Correio da Madeira, em 1851, lamentava a triste sorte da ilha com o aparecimento tardio dos alambiques: Se nas grandes e felizes épocas desta ilha houvesse alambiques, não teriam exportado para os mercados estrangeiros vinho de má qualidade que muito desacreditou o nosso comércio, e este erro manifesto nos teria reduzido há extrema indigência, não vir a providente, a mil vezes bem calculada e restauradora medida consignada na carta de lei de 2 de Agosto de 182299. Mais afirmava que a defesa do vinho, em face da concorrência do Porto e Xerez, deveria ser afrontada com medidas de defesa da reputação e qualidade. Minorando os gravames do nosso vinho, facilitando-lhes e promovendo-lhe o consumo e guerreando o contrabando da aguardente - que é uma traiçoada investida, um hostil assalto ao nosso produto já tão sobrecarregado e vítima do flagelo da

95 Idem; veja-se O Funchalense Liberal, nº 6, pp. 2/3, nº 7, pp. 2/3. 96 ARM, RGCMF, T. 16, fols 67vº/69vº.

98

97 O Defensor da Liberdade, nº 28, p. 1, nº 35, p. 1.

99 Idem, nº 407, fol. 189vº.

ANTT, PJRFF, nº 467, fol. 75vº.

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pauta - que embaraça a nossa agricultura, dificulta o nosso comércio, rouba-nos o pão de nossas famílias, o interesse de nosso trabalho e ate cedo nos esbulhará de nosso tecto protector. A importação das aguardentes é apontada como uma das origens da crise. Até 1821, argumentava-se a favor da de França, como meio único e necessário para o trato dos vinhos. Mas, a partir de então, tivemos medidas proibitivas, justificadas pela produção e boa qualidade da aguardente da terra e dos novos alambiques de destilação contínua em funcionamento. O ano de 1821 marca a viragem do domínio do grande comércio das aguardentes de França, sob a alçada dos ingleses, para o dos proprietários de fábricas de destilação contínua, interessadas no comércio dos vinhos do Norte por meio da destilação, no que, certamente, se nota um predomínio dos proprietários do Norte em relação aos do Sul. A partir daqui processou-se uma momentânea alteração das rotas da aguardente, via Gibraltar ou Inglaterra, lesando de modo direto os ingleses, a parte mais interessada no negócio. Sucederam-se reclamações, mas iam longe os tempos áureos de 1640 e 1810. A única possibilidade de furar o embargo estava no contrabando. Foi necessário reconverter os velhos circuitos do negócio. Mas, enquanto isto sucedia, a crise dos anos 50 e 70 fê-los arrumar as malas e partir. OS PALCOS DO CONTRABANDO: DA BAIA do FUNCHAL ÀS DESERTAS E AO PORTO SANTO. O movimento ilícito de mercadorias é uma realidade de todos os tempos, desde que foram estabelecidas medidas de controlo das mesmas e mecanismos institucionais que obrigavam e controlavam a cobrança de direitos e impostos, como as alfândegas e postos alfandegários. Também o fenómeno do contrabando, embora tenha a baía do Funchal e as Desertas como palcos prediletos acontece um pouco por todo o lado. Assim, temos denúncias desta atividade ilícita à volta de toda a ilha e mesmo no Porto Santo. Populações ribeirinhas, nomeadamente os pescadores e barqueiros, são protagonistas ativos desta atividade ao serviço de outrem. São assíduos infratores das regras de circulação de pessoas e produtos ao longo da costa, mesmo em tempos defesos por causa de qualquer

doença, como sucedia em 1819100. Em terra ou no mar, o ato ilícito estava presente em todas as atividades que estavam sujeitas a tão elevadas taxas cobradas pelo senhorio e, depois, pela coroa. A definição destes direitos é considerado um direito inalienável do senhorio e da coroa, que não merece qualquer tipo de alteração. A insistente reclamação dos moradores perante tão pesados direitos e o uso de diversos estratagemas para se furtarem ao seu pagamento conduziram a que se estabelecesse um sistema institucional de tributação e um conjunto de regras muito apertadas, no sentido de garantir a cobrança adequada. Para o século XV e primeiras décadas do seguinte, o produto gerador desta riqueza é o açúcar e, por isso mesmo, estará sujeito a este apertado sistema de vigilância de modo a impedir qualquer fuga ao pagamento dos direitos, que se afirmavam como um pesado encargo aos lavradores. As alfândegas foram criadas, na Madeira, por ordem de D. Beatriz, em 1477101, como forma de combater a fuga aos direitos por parte dos madeirenses. A informação, assinada pela Infanta D. Beatriz, é clara quanto à finalidade que presidiu à montagem desta estrutura, na ilha. As perdas nas rendas e direitos era elevada pelos conluios dos navios na baía do Funchal, pelo que se furta muito aos dereytos, no ato da descarga. Para o efeito, criou-se uma, em cada capitania, mas foi a do Funchal que assumiu a função de primaz, a partir de 1509, passando a controlar todo o movimento de entradas e saídas. Como é óbvio, esta medida mereceu a reprovação dos madeirenses que se sentiram atingidos nos seus privilégios e liberdades e, através de procuradores enviados ao reino, manifestaram o seu descontentamento. A resposta do Senhor é clara: Eu me espanto muito de tal requerimento me fazerem nem haverem por agravo o fazimento das ditas alfândegas pois sabem que é uma coisa tão geral e tão costumada que se não achará de que nenhuma terra em que navios carreguem e descarreguem sem alfândegas se governem e não tão-somente ainda na dos Cristãos que são obrigados a pagar dizimas e que mais razão em todas as coisas se governam mais ainda nos lugares dos mouros em que mercadorias se tratam a casas apropriadas para a carga e descarga das mercadorias e que portanto a eles não é nenhum 100 AHU, Madeira e Porto Santo, nº.4778-4780, 15 de dezembro de 1819. 101 AHM, vol. XV (1972), pp.79-88, 15 de março de 1477.

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agravo.102

dega que estava próxima.

O resultado desta reclamação dos madeirenses será expresso apenas em facilidades para o movimento de mercadorias, no calhau do Funchal e a criação de postos alfandegários, nos lugares de baixo, para facilitar o comércio do açúcar destas áreas. Em 1508,103 a coroa facilitou o movimento de carga e descarga no Funchal, como da possibilidade de o mesmo ser feito na Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta, áreas de importante produção de açúcar. Mas, entretanto, com as situações de fuga ao pagamento dos direitos que gerou, obrigou a determinar a centralização dos serviços, no Funchal, em 1512104. Esta medida é justificada pelo facto de nos recebermos muyta perda e se furtam e sonegam nosos dereytos. Por outro lado, apertara-se o controlo ao movimento da baía do Funchal, sendo determinado apenas o Cabo do Calhau para despacho das mercadorias, até que, em 1518, todo esta ação passou para o espaço em frente da nova alfândega105.

O processo de embarque e desembarque passa a estar sob um controlo apertado. Assim, antes do embarque, os oficiais da alfândega deveriam anotar o que iria ser carregado para, depois, conferirem, no final, com a lista do mestre do navio. O mesmo sucede com as mercadorias chegadas que, antes, deveriam ser examinadas pelos oficiais da Alfândega. Quando a carga se destinava a outras localidades da capitania, a Alfândega nomeava um homem para acompanhar e fiscalizar o referido processo de descarga. O despacho do navio deveria ser feito após o pagamento dos direitos respetivos, vindo o mestre à alfândega para conferir os registos e receber despacho de saída. Também se estabelecem normas quanto à permanência de navios, no porto - três dias. Findo este prazo, era obrigado a descarregar toda a mercadoria, de forma a evitar que se furtassem ao pagamento dos direitos.

Ainda sobravam alternativas para que os diversos intervenientes no processo de carga e descarga de mercadorias se furtassem ao controlo e registo dos oficiais da alfândega. As poucas facilidades oferecidas pelo Funchal neste movimento de carga e descarga obrigávamos os navios a algumas estâncias prolongadas, aproveitadas muitas vezes para atividades de contrabando. Desta forma, em 1485, 106 ficou estabelecido que os mesmos teriam apenas cinco dias para descarregar a mercadoria, findos os quais estariam sujeitos à perda da mercadoria existente a bordo. Até 1518, a Alfândega do Funchal terá funcionado numa casa alugada, ao largo do Pelourinho, passando, a partir desta data, para novo edifício, cuja construção foi determinada por D. Manuel. A primeira regulamentação veio com o documento de criação onde se faz referência aos procedimentos quanto ao despacho das mercadorias e navios no calhau, para as mercadorias de menor importância e haveres pessoais, enquanto as demais deveriam ir à Casa da Alfân102 AHM, vol. XV (1972), pp.123-124, novembro de 1483. 103 AHM, vol. XVII (1974), pp.503-504. 7 de setembro de 1508; idem, pp.506-508, 17 de agosto de 1508. 104 AHM, vol. XVI (1973),p p.543. 15 de janeiro de 1512. 105 AHM, vol. XVII (1974), pp. 538-542. 10 de janeiro de 1512. 106 AHM, vol. XV (1972), pp. 147-156. 22 de março de 1485. Esta situação foi alterada em 7 de setembro de 1508 (AHM, vol. XVII (1974), pp. 503-504).

A montante desta animação ribeirinha, estava todo o processo de laboração dos engenhos que conduzia ao aparecimento do tão cobiçado e valorizado açúcar, sujeito de igual forma a pesada tributação. Com a criação do Almoxarifado dos Quartos, o controlo é apertado a todo o processo de produção de açúcar107. Antes da colheita, fazia-se a estimativa da produção que, depois, deveria coincidir com os resultados apurados pelo purgador do engenho, nos registos que entregaria, no final da safra, à alfândega108. Mesmo assim, parece que muitos se furtavam ao pagamento dos direitos, a fazer fé numa lamentação da Coroa de 1550 que reclama maior cuidado na sua arrecadação109. Perante esta situação de manifesta usurpação de direito110, da riqueza gerada pelos madeirenses, é claro que a alternativa para os que teimavam em permanecer na Ilha estava em contestar, de forma 107 AHM, vol. XV (1972), pp. 28-29, 29 de abril de 1466.. 108 AHM, vol. XVII (1974), pp. 495-497, 8 de setembro de 1507, regimento sobre a arrecadação dos quintos. 109 AHM, vol. XIX (1990), p.119, 12 de junho de 1550. 110 A este propósito, refira-se os argumentos senhoriais desta cobrança: hos senñores alguua remda ham de teer de suas terras e esta levaram meus antecessores asy como se agora leva. (AHM, vol. XVI (1973), p.271. 13 de janeiro de 1493.) Atente-se aos argumentos do senhorio contrários às retenções dos moradores quanto à isenção total da dizima de exportação, que apenas estava permitida nas embarcações que iam para o reino, em resposta a duas reclamações dos madeirenses a esta isenção da dizima de saída das mercadorias. Cf.: AHM, vol. XV (1972), ~pp.123-124. novembro de 1483; AHM, vol. XVI (1973), pp.276-282, 13 de janeiro de 1493.

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silenciosa, esta carga tributária, buscando meios de se subtrair ao pagamento de tão elevado tributo. Em distintos momentos, a coroa faz eco da sonegação dos tributos, recomendando aos seus funcionários um mais apertado sistema de controlo e vigilância, ou então determinando regimentos que, por vezes, se tornam mais um entrave para a circulação dos produtos. Foi o que sucedeu em 12 de junho de 1550111, com nova provisão e regimento sobre a arrecadação dos direitos dos açúcares. O Rei acusa os lavradores não declarem devidamente a produção de açúcar, contando com a conivência dos purgadores, a quem compete fazer o assento devido dos açucares lavrados nos engenhos. Uma das questões mais importantes da época prendia-se com a confusão existente quanto ao trânsito de mercadorias no calhau da vila do Funchal, que obriga o senhorio à criação da alfândega, como espaço físico capaz de estabelecer o seu completo controlo e de acabar com as formas dos seus agentes se furtarem ao pagamento dos direitos estabelecidos. Um dos estratagemas usados prendia-se com a baldeação direta das mercadorias vindas das diversas localidades, sem a intervenção da alfândega, ou então a estância da embarcação na baía do Funchal, sem indicação qualquer de desembarque de mercadorias, aguardando os momentos certos para o fazer em recato e fora dos olhares dos funcionários do senhorio. Desta forma, esta situação é proibida, obrigando-se os navios que o fizeram a, no prazo de três dias, procederem às devidas diligências de despacho das mercadorias. Em 1840, a Galera dinamarquesa Johanne Marie, que se encontrava ancorada no porto, não declarou todas as mercadorias que tinha a bordo, preparando-se para o fazer de contrabando, acabando estas confiscadas pela alfândega. Recorde-se que, a partir da segunda metade do século XVII, quando os ingleses fizeram da ilha um dos principais centros de apoio às suas frotas no Atlântico, abriu-se o caminho para a afirmação plena do contra-

111 AHM, XIX (1990), pp.119-124: ...que os lavradores e pessoas que fazem açucares na Ilha da Madeira não pagam os direitos deles inteiramente como são obrigados e os sonegam e assim os purgadores que os purgam não respondem verdadeiramente ao povo com o rendimento que a cada um pertence das canas que faz no que encarregam suas consciências e isto por não ser provido como hão-de receber e entregar os ditos açucares...

bando, no porto do Funchal112. À chegada ao porto, a maioria das embarcações inglesas declaravam apenas que pretendiam fazer refresco, isto é, abastecer-se de água e víveres frescos, ficando libertos de qualquer fiscalização dos guardas de saúde da câmara ou dos respetivos da alfândega, assim como do pagamento de direitos. Depois, pela calada da noite, procedia-se ao desembarque das mercadorias. Isto não quer dizer que, até então, não era cobrada a dízima de entrada e saída, pois o documento alude a esta medida como forma de disciplinar o trânsito de mercadorias, dando conta de algumas estratégias usadas pelos diversos agentes para se furtarem a este controlo. Os ingleses gozavam de grande impunidade nas suas ações no porto do Funchal, desrespeitando todas as regras estabelecidas e lesando, de forma clara, a Fazenda Régia. Assim, ancoravam de noite, contra o estabelecido e, por diversas formas, se furtavam ao pagamento dos direitos113. Para obstar a esta situação, foi determinado que os ditos deveriam fazer declaração da mercadoria no consulado, em consonância com convénio de 1812, e apresentar o referido manifesto à chegada ao Funchal114. Acontece que muita abordagem destas embarcações ao porto do Funchal era apenas para refresco e com o fito do contrabando. Entretanto, em 1823, o Governador, contrariando as orientações do alvará de 20 de maio de 1820, admite navios sem os necessários documentos, como forma de salvaguarda do comércio115. Na verdade, este regimento sobre as rendas e direitos do senhorio surge como resposta ao descaminho que havia em relação a estas, sendo uma forma de disciplinar a sua arrecadação e acabar com os múltiplos extravios. Os serviços da alfândega já existiam, sendo realizados no calhau ou a bordo; aquilo que se estabelece, a partir de então, é um espaço físico em terra seca, com peso e mesa, para melhor controlo 112 Na História do Contrabando, os ingleses assumem um papel destacado, como o evidencia diversa bibliografia: Graham, Frank, 1964, Smuggling in Cornwal, Newcastle; Rattenbury, John, 1964, Memoirs of a Smuggler, Newcastle; Graham, Frank, 1968, Smuggling in Devon, Newcastle; Karras, Alan. 2010, Smuggling: Contraband and Corruption in World History, Lanham; Platt, Richard, 2011, Smuggling in the Bristish Islands. A History, Warwick. 113 AHU, Madeira e Porto Santo, nº.74890-4893, 22 de fevereiro de 1815. 114 AHU, Madeira e Porto Santo, nº.1262-1687, 8 de fevereiro de 1820, carta do cônsul em Bristol. 115 AHU, Madeira e Porto Santo, nº.7062-7070, 15 de setembro de 1823.

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deste trânsito de mercadorias. Os mecanismos de controlo eram muito incipientes e a ampla costa servida de distintas enseadas de abordagem permitiam qualquer oportunidade para se furtar ao controlo dos serviços alfandegários. Isto era tão certo para o século XV, como para as centúrias seguintes. Sempre foi difícil controlar o trânsito de mercadorias na ilha. O contrabando acontecerá em todos os tempos, mesmo sob o olhar dos guardas da alfândega, incapazes de o impedir por falta de meios, ou porque o mesmo acontecia ao largo ou fora do perímetro da área das alfândegas e dos postos alfandegários à sua guarda. Para os madeirenses, a criação da alfândega era considerada uma afronta aos privilégios que haviam adquirido, mas o senhorio foi incisivo na resposta: pois sabem que he huma cousa tam geral e tam custumada que se nam achara que nhuma terra em que navjos carreguem e descarreguem sem alfandegasse governem e nam tam soomente aimda na dos Christãos que sam obrigados a pagar dizimas e que mais rezam em todas cousas se governam mais ainda nos lugares dos mouros em que mercadorias se tratam há casas apropriadas pera a carrega e descarrega das mercadorias e portanto a elles nam he nenhum aggravo. Por outro lado, os madeirenses queixam-se da obrigatoriedade do pagamento da dízima, mas não merecem qualquer aprovação do Duque, em 1483, na sua reclamação. Em 1485, voltam a insistir nas mesmas reclamações, mas D. Manuel é perentório em manter as determinações anteriores. No sentido de evitar a fuga ao pagamento de direitos de exportação, é dada especial atenção ao trânsito do açúcar entre os engenhos e os diversos ancoradouros e o Funchal. São estabelecidas pesadas penas aos infratores e formas distintas de controlo da circulação do açúcar. Ora, isto indicia que, muitas vezes, se usavam estes circuitos para furtar algum açúcar ao pagamento dos direitos de saída, existindo meios de colocar a bordo das embarcações que o conduziam aos portos estrangeiros. A partir de finais do século XVI, parece que o Funchal se transformou num centro importante para o contrabando de mercadorias do Brasil. No século XVII, o contrabando parece ter sido um problema para a cidade do Funchal. Em 1602, foi

criado o ofício de patrão mor de fragata que tinha a missão de vigiar o porto como forma de evitar o contrabando. Depois, em 1628, temos referência a uma comissão das casas do contrabando, a cargo de Luís Fernandes de Oliveira, vedor e contador da gente de guerra da ilha. Entretanto, nesta mesma data, o Bispo D. Jerónimo Fernandes, assume a superintendência das fazendas de contrabando. Já em 1635, temos referência à ação de um juiz de contrabando que tinha a missão de reprimir esta atividade e que atua contra a nau S. Pedro que estaria a carregar vinho, de forma ilegal, para o Brasil. O Brasil sempre foi um mercado privilegiado para a Madeira onde o contrabando assume uma dimensão desusada116. O açúcar assume uma especial situação neste contexto, tendo o Funchal como um dos entrepostos para a sua ação, por força da permissão de envio direto de navios para o trato com esta província. Desde a década de noventa do século XVI, que este comércio do açúcar brasileiro se fazia com frequência na praça funchalense, mantendo-se por todo o século seguinte. Entre as autorizações e permissões dadas aos madeirenses, havia sempre lugar para a atividade de contrabando. A par disso, muitas embarcações da Madeira que seguiam para este destino tinham o retorno pelas Canárias, para onde canalizavam as mercadorias, como açúcar e tabaco, no regresso. Recorde-se que Diogo Fernandes Branco, um destacado mercador madeirense do século XVII, com envolvimento no comércio do Brasil, foi alvo de uma sindicância por questões de contrabando. O tabaco, por ser um produto sujeito a contrato exclusivo de venda, acabava por ser muito cobiçado e apetecido em termos do contrabando. Neste processo, até o clero intervinha, pois para 1768, há referência a uma iniciativa nesse sentido, por parte de Fr. António de S. Guilherme. 116 Sobre este comércio confronte-se: Silbert, Albert,1983, Uma Encruzilhada do Atlântico-Madeira (1640-1820), Funchal, pp-20-27; Mauro, Frédéric, Portugal, O Brasil e o Atlântico.1570-1670, Lisboa, 1983, pp.265-273, 412-421; Sousa, J. J. Abreu de, 1990, A Madeira no período dos Habsburgos. Alguns Aspectos, in Islenha, VIII, Funchal, pp. 5-8; Sousa, Francisco Vasconcelos e, 1990, A Companhia Geral do Comércio do Brasil e a ilha da Madeira, in Islenha, VI, Funchal, pp. 9-10; Silva, J. M. Azevedo e, 1993, A Navegação e o Comércio vistos do Funchal nos finais do século XVIII, in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, pp.353-382; Vieira, Alberto, 1993, O Açúcar na Madeira. Séculos XVII-XVIII, in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, pp. 325344.

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No século XIX, muito deste contrabando de tabaco era feito por ingleses, nomeadamente a partir da possessão inglesa de Gibraltar. A 1 de fevereiro de 1876, regressava ao Funchal Leland Cossart, deixando o despacho das suas malas a cargo de um seu criado, como era costume. Pelo facto de se ter encontrado tabaco na bagagem, foi o empregado preso. Por força disto, movimentou-se o cônsul britânico em diligências, no continente e junto de autoridades britânicas, conseguindo-se a entrega das malas e depois a soltura do prisioneiro. Um dos aspetos de particular significado prende-se com o contrabando de aguardente e vinho. Até 1821, a aguardente estrangeira teve livre-trânsito no Porto do Funchal, justificado pela ação benéfica no trato e pela falta de aguardente local de qualidade. A partir de então, tudo mudou com a introdução dos alambiques de destilação contínua. Os proprietários locais, aproveitando o momento de crise que se vivia, solicitaram a sua proibição, o que veio acontecer por lei de 31 de julho de 1822. A importação das aguardentes é apontada como uma das origens da crise. Eram os ingleses que traziam grandes quantidades de aguardente de França, Itália e Espanha e as adulteravam na viagem, daí ter-se interditado a sua introdução, conforme lei de 1710. Entretanto, em 1770, sucedeu algo estranho no Funchal. Manuel João da Silva, mestre tanoeiro e juiz do povo, ao passar pela casa do cônsul inglês, Thomas Cheap, na Rua da Queimada de Cima, deparou-se com várias barricas que se dizia ser de pescado seco, mas que eram de aguardente importada que, de imediato, mandou apreender. Entretanto, foi enxovalhado pelo próprio cônsul e depois preso, por injúrias, à ordem do Provedor da Fazenda. A 14 de março, decidiu escrever, da prisão, uma carta ao rei de que fez registar cópia no tombo da câmara. Nesta exposição, o próprio refere a forma despótica como atuavam os ingleses, onde se tratam mais como senhores della do que como negociantes. Na extensa missiva, faz 21 denúncias de práticas fraudulentas e de contrabando destes ingleses, que contam com a conivência dos feitores e demais oficiais da alfândega e da Fazenda Real. Refere-se, por exemplo, à entrada de aguardente e demais bebidas alcoólicas, tabaco, roupas e alfaias. Esta situação espelha o à-vontade com que os ingleses atuavam no porto do Funchal, escudando-se

nos diversos tratados existentes117. Nesta época, o contrabando tinha a marca destes mercadores e contratadores ingleses, que se assumem, como vimos, como os principais promotores. Em muitas situações, é evidente a conivência das autoridades, como o Governador e os funcionários da alfândega, conseguida à custa de presentes e dinheiro. As próprias autoridades do reino tinham consciência desta realidade. Em 1823, o Ministro da Fazenda recomenda especial vigilância sobre o contrabando, nomeadamente de tabaco e sabão, considerados excessivos na ilha. A partir de então, temos medidas proibitivas, justificadas pela produção e boa qualidade da aguardente da terra e dos novos alambiques de destilação contínua, em funcionamento. Este ano marca a viragem do domínio do grande comércio das aguardentes de França, sob a alçada dos ingleses, para o dos proprietários de fábricas de destilação contínua, interessadas no comércio dos vinhos do Norte por meio da destilação, no que certamente se nota um predomínio dos proprietários do Norte, em relação aos do Sul. A partir daqui, processou-se uma momentânea alteração das rotas da aguardente, via Gibraltar ou Inglaterra, lesando, de modo direto, os ingleses, a parte mais interessada no negócio. Sucederam-se reclamações mas iam longe os tempos áureos de 1640 e 1810. A única possibilidade de furar o embargo estava no contrabando. Os comerciantes teimavam no negócio rendoso das aguardentes. Restava o afrontamento às medidas interditivas, com o recurso ao contrabando. A costa entre Machico e a Calheta oferecia enseadas desprotegidas e não vigiadas pelas forças militares, o que facilitava o contrabando. A primeira referência surge em 1823, com a apreensão pelo juiz da Ribeira Brava, no lugar de Baixo, do termo da Vila da Ponta do Sol, e do juiz da Alfandega, na baia do Funchal, de 7 pipas, da chalupa inglesa George the Fourth. Em 1825, a Junta denunciou o contrabando de aguardente praticado pelos navios franceses Le Renard e L’Americaine, sob a complacência de quatro guardas de número da Alfândega: nao pode a Junta deixar de estranhar que haja pessoas tao pouco zelosas do seu 117 SOUSA, Álvaro Manso de, 1951, Curiosidades históricas: um juiz do povo em bolandas, In: Arquivo Histórico da Madeira. - Funchal. Vol. IX, nº 3 (1951). - pp. 151-161; IDEM, 1939, Acto de prepotência contra um magistrado popular, in AHM, vol. 6, Funchal, pp. 59 -61.

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Bomboteiros credito e de sua mesma pátria que por tao ridículo interesse sacrifiquem o maior bem dela com desprezo da mais sabia e providente lei constituindo-se os autores de semelhante falta pouco dignos da estimação publica e de qualquer carácter de representação que os distinga, ou classe de comercio a que pertençam.

Câmara de Lobos, 300 caixas de gin que escondeu na furna dos lobos, tendo sido, depois encontradas, por um par de namorados. A Junta e a Câmara exerciam um controlo rigoroso sobre a entrada de bebidas estrangeiras mas os comerciantes serviam-se de todos os subterfúgios possíveis.

Para o ano de 1827, ficou reservado o maior escândalo de contrabando até então praticado no Funchal. A apreensão de certa quantidade de aguardente a Francis Gordon foi o mote. A Câmara e a opinião pública em geral, manifestaram-se contra o sucedido, apontando a necessidade de medidas severas, como o derramamento no calhau. No entanto, inadvertidamente, a Junta em 7 de outubro admitiu-a à aguardente e solicitou à Câmara a permissão para o seu livre consumo.

O contrabando acontecia às vezes, debaixo do olhar dos guardas de número ou das forças militares destacadas nos vários portos e desembarcadouros. Além disso, insistiam em requerimentos e petições da câmara sobre a situação difícil que as medidas traziam à ilha, como sucedeu com o alvará com força de lei de 25 de abril de 1818. Em 1810, desembarcaram no calhau, por contrabando, algumas pipas de vinho da ilha Terceira. O Senado da Câmara, colocado perante a situação, insiste no cumprimento da lei para que se fique entendendo que de nenhuma maneira se tolera a introdução de vinhos estrangeiros para que se não animem os contrabandistas a repetir a especulação na certeza do castigo que os espera e se evitem a equivocação na qualidade e quebra no preço dos vi-

Em 1839, foi encontrada a boiar no mar uma pipa de aguardente, perdida do contrabando, arrematada em hasta pública. Ainda, segundo Ruppert-Coock, um navio alemão teria desembarcado, na baía de

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Gravura do século XIX. Varadouro dos barcos e portão dos varadouros. Uma cortina de muralha protegeu a cidade do calhau, sendo o acesso feito apenas por estes portões.

nhos da Madeira, único ramo de comercio deste e se evite em uma palavra a ruína total de todas as classes de seus habitantes e dos direitos de sua Alteza Real. Por tudo isto, segundo informação à margem do citado documento, se derramou o referido vinho, em 9 de março de 1810, na praça do Pelourinho. O contrabando do tabaco perdura no século XX, sendo uma das atividades ilícitas mais assinaladas e

regulamentadas. A par disso, deveremos salientar o período das duas Guerras Mundiais onde foi assinalável o comércio de abastecimento dos barcos e submarinos alemães, quer na Madeira, quer nas Canárias. As Desertas, ontem como hoje, foram um dos espaços prediletos para esta atividade, sendo referida, por vezes, na documentação como as ilhas do contrabando. Em todos os centros piscatórios, a maioria das tripulações dividiam-se entre a atividade pouco remunerada

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da pesca e a lucrativa atividade de contrabando. A este propósito, afirmava Carlos Martins: Os barcos de pesca regressavam a todos os portos do arquipélago com achados no mar: caixas com chá, pipas cheias de banha, outras com sebo, sacam atafulhadas de sumaúma… Fardos de borracha, era o que quisessem. (...) Principiava contrabando em grande escala. Uns foram descobertos, presos e ficaram desgraçados. Outros, com mais sorte, conseguiram enganar a guarda-fiscal e enriqueceram. Rareava o peixe para o consumo da população; o que aparecia na praça era caríssimo (espada a 4, 5, 6 e 7 escudos cada uma!) Os barcos de pesca andavam todos à procura de borracha e ao contrabando.118 O contrabando foi, assim, uma atividade comum em todo o arquipélago, ao longo destes mais de cinco séculos de História. Os insulares dividiam-se entre a atividade legal feita à luz do dia e estas atividades feitas pelo silêncio e escuridão da noite. O porto e a baía do Funchal e muitas das demais baías e enseadas por toda a ilha eram palco desta atividade noturna, que fazia movimentar muitas gentes e riqueza. Esta será uma das respostas ao excessivo controlo e limitações impostos pelas autoridades à circulação de mercadorias. Desta forma, em 1737, o cônsul inglês refere a Madeira e, de forma especial, o Funchal, como um importante centro de contrabando. No século XIX, teme-se que a venda das ilhas Desertas a um súbdito britânico seja o estratagema para criar aí um importante centro de contrabando119. E isto não será de estranhar, tendo em conta as situações já reportadas, como ao facto de esta atividade estar muito ativa nesta centúria. Em 1856, o governador Civil do Funchal queixa-se de que o contrabando na ilha da Madeira tinha chegado a um ponto tal que dificilmente poderão ser descriptos os innumeráveis abusos que estavam dando lugar. O bombote era uma atividade onde se misturava o pequeno comércio e o contrabando, sendo feita por pequenos barcos usados para a condução dos passageiros a bordo dos navios ancorados na baia do Funchal. Vendiam-se bordados, móveis de vimes, frutas, vegetais e diversos souvenirs, como testemunha 118 MARTINS, 1972, Madeira, Mar de Nuvens, p. 208. 119 Cf. Pereira, Eduardo, 1989, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, p.137.

Maria Lamas: Uma modalidade de venda ambulante de bordados e objectos regionais muito curiosa e típica é a bombota. Os bomboteiros levam a mercadoria em botes até junto dos vapores fundeados. Alguns vão mesmo a bordo, onde fazem a exposição dos seus artigos; outros ficam nas pequenas embarcações e dali procuram convencer os passageiros, oferecendo-lhes o que têm para vender, num palavreado confuso, em que há frases ou termos ingleses à mistura com uma espécie de dialecto, de pronúncia incompreensível para os próprios madeirenses que não estejam habituados ao seu acento. Mas a principal e mais expressiva linguagem é a mímica... O que é certo é que o número de bomboteiros é muito elevado. E lá vão fazendo o seu negócio... Para eles, o mau tempo, que tira aos viajantes o ânimo para desembarcar, é a boa sorte...120 A atividade dos bomboteiros era muito antiga no porto do Funchal, pois no século XVIII, o vice-cônsul inglês, Roberto Cock, queixava-se da exploração de que eram vítimas os marinheiros britânicos. Por outro lado, parece que a insistência destes comerciantes era considerada inoportuna, sendo corridos, por vezes, com baldes de água quente e tiros121. Idêntica ação existia no porto de Las Palmas, sendo conhecida como cambullón Segundo os estudiosos do arquipélago vizinho, a origem etimológica da palavra é portuguesa e terá chegado aí a partir da Madeira122. Em 1929, o governo regulamentou, pelo decreto nº.17790, o exercício da atividade de venda destes diversos objetos a bordo. A alfândega do Funchal dispõe, para o período de 1956 a 1980, do livro de registo de licenças. De acordo com os dados disponíveis, podemos assinalar os seguintes produtos de venda: artefatos regionais, artigos de ourivesaria, artigos e fruta, rendas e 120 Maria Lamas, 1956, Arquipélago da Madeira. Maravilha Atlântica, Funchal, 357. 121 João J. Abreu de Sousa, ob. cit., pp. 24-25. A informação mais antiga na literatura de viagens reporta-se apenas a final do século XIX: Dennis Embleton, 1882, A Visit to Madeira in the Winter 18801881, Londres p.7; A. Marsh, 1892, Holiday Wanderings in Madeira, Londres, p.13; J. Metcalf,1926, Wandering among Forgotten Isles, N. York, p.171. Hugo Rocha (em Cabral do Nascimento, 1949, Lugares Selectos de Autores Portugueses que escreveram sobre o Arquipélago da Madeira, Lisboa, p.240) descreve ainda em 1939 esta atividade: A bordo vai a azáfama de todas as horas do desembarque (…).Mais homens que se acercam, em barcos, na mira de vender a mercadoria clássica deste porto de encantamento. O convés está cheio de móveis de verga. Os mostruários aliciam os olhos dos viajantes. As compras, porém, são poucas, quase nenhumas. 122 Juan Medina Sanabria, 1996, Isleta Puerto de La Luz, Raíces, Las Palmas de Gran Canaria.

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Reduto da Alfândega. Construção do século XVII que surgiu para controlar o acesso ao calhau a partir da alfândega.

bordados, câmbios, flores, jornais, metais preciosos, postais ilustrados da Madeira, propaganda de vinhos madeirenses. O período posterior à Segunda Guerra Mundial foi florescente nesta atividade que começou a perder importância a partir da década de 70123. POLITICAS E MECANISMOS ANTI-CONTRABANDO. O contrabando foi, desde muito cedo, uma pre123 Iolanda Silva, 1985, A Madeira e o Turismo. Pequeno Esboço Histórico, Funchal, p.54

ocupação das autoridades. A alfândega é uma estrutura que tem a seu cargo, para além da cobrança dos direitos de entrada e saída, o controlo desta situação. A 15 de março de 1477, surgiu a alfândega madeirense como resposta a diversas ações de contrabando, pois o senhorio refere que eu tenho informaçam certa que nos tempos que os navyos nessa ylha carregam se fazem muytos e grandes comluyos. Mais adianta que por a terra ser devassa descarregam algŭuas mercadorias de noyte e as furtam e nam paguam dellas ao sennor Duque seu dereyto. A partir de então, toda a

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circulação de mercadorias estará sujeita aos regulamentos específicos, no sentido de impedir qualquer tipo de descaminho124. De acordo com documento de 1477,125 a Madeira seguia o foral da Alfândega de Lisboa, aprovado por alvará de 20 de junho de 1463. Os navios ancoravam na baía e na época invernal junto ao Ilhéu. Os dois ilhéus eram a referência para o movimento do porto. Da fortaleza do Ilhéu avistavam-se os navios e controlava-se o movimento, afugentando os indesejados piratas ou corsários. Já na Pontinha entrava-se no espaço da Alfândega propriamente dito. Assim, todo o navio que aí chegasse deveria informar o oficial de registo, de forma a serem cumpridas todas as formalidades de amarração com as visitas da saúde, governo e alfândega. O contacto com terra e com as embarcações e agentes que polvilhava, de dia e noite a baía, só após estas formalidades126. Desta forma, o processo de descarga e carga só acontecia após a autorização destas três autoridades funchalenses. Situação, que com o tempo será simplicada e centralizada nos serviços alfandegários, certamente para acabar com o conflito de interesses que esta situação tripartida do processo gerava. A azáfama a bordo para o desembarque só começava após a visita conjunta do guarda-mor da saúde, do guarda-mor e do escrivão da descarga da alfândega. Para solucionar qualquer dificuldade de comunicação com os comandantes, tripulantes e pas124 Atente-se aos seguintes documentos: apontamentos da Infanta D. Beatriz de 15 de março de 1477 (AHM, vol. XV, pp. 79-88); carta sobre os despachos do açúcar na alfândega de 23 de julho de 1481 (AHM, vol. XV, p.116); resposta do Duque a apontamentos sobre os direitos de 12 de novembro de 1483 (AHM, vol. XV, pp. 147-156); ao foral e regimento do almoxarifado do Funchal de 4 de julho de 1499 (Dias, Urbano de Mendonça, 1964, A vida de Nossos Avós, vol. II, Vila Franca do Campo, pp.11-32; 1885, Archivo dos Açores, vol. VI, Ponta Delgada, p. 271.); apontamentos de D. Manuel de 22 de março de 1485 (AHM, vol. XV, pp.147-156); regimento sobre a arrecadação dos quintos de 8 de setembro de 1507 (AHM, vol. XV,III pp. 495-497); regimento do guarda-mor do mar de 10 de janeiro de 1512 (AHM, vol. XVIII, p.542); foral novo de 6 de agosto de 1515 (Dias, Urbano de Mendonça, 1964, A vida de Nossos Avós, vol. II, Vila Franca do Campo, pp. 32-44); regimento do juiz do mar de 22 de abril de 1520 (Dias, Urbano de Mendonça, 1964, A vida de Nossos Avós, vol. II, Vila Franca do Campo, pp. 72-83) projeto de regimento da alfândega do Funchal, elaborado por António Marcelino Gomes, escrivão da descarga da alfândega do Funchal, de 1824 (AHU, Madeira e Porto Santo, nº.7622). 125 AHM, vol. XV, pp.79-88, apontamentos da infanta D. Beatriz de 15 de março. 126 Um edital de 12.VIII.1744, a juntar a muitos outros regimentos e documentos determina que o contacto com a ilha só acontece após licença do Provedor e da alfândega. Cf. Sousa, J. J. Abreu e, 1989, O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura da Madeira de 1727 a 1810, Alguns aspectos, Funchal, p. 18.

sageiros existia o língua e intérprete. Nesta operação, procedia-se à abertura das arcas dos mareantes e mercadores para ver se havia alguma mercadoria que fosse taxada. Neste caso apenas vinha à alfândega a mercadoria e não a caixa. O mesmo sucedia com as cargas dos tripulantes. Durante o período em que o navio permanecia fundeado no porto, era alvo de vigilância apertada. A bordo permaneciam alguns homens, os chamados guardas de número, de guarda às mercadorias para impedir o contrabando. Por outro lado, as embarcações locais estavam impedidas de se aproximar dos barcos visitantes, ou de lá conduzir mercadorias sem licença da alfândega. A presença destes guardas a bordo não deveria exceder os 10 dias, tempo considerado suficiente para a descarga127. Em 1644128, o Conselho da Fazenda determinou a conclusão do reduto na área do pátio da alfândega. Com esta medida, pretendia-se dar resposta aos problemas relacionados com o contrabando na baía. Assim, a partir da construção da fortaleza, toda a mercadoria deveria dar entrada e saída pela porta que, a partir desta, ligava a alfândega ao calhau. De acordo com a descrição de Bartolomeu João, este reduto foi feito para defeza e guarda da fazenda Real da Alfândega que se demandava por várias partes129 . No processo de descarga das mercadorias, os marinheiros deveriam ser diligentes, tendo estas que decorrer durante o dia. Em 1477, recomendava-se que o prazo não poderia ultrapassar os três dias, alargando-se em 1485 para cinco dias, excluídos os domingos, dias festivos e de tempestade; em 1499, era apenas pelo período entre duas marés, caso contrário sujeitavam-se os mestres do navio a pagar os encargos com os batéis da descarga, da responsabilidade da alfândega e a cargo do alcaide do mar, desde essa data, e em 1700130 a cargo do patrão-mor do Calhau, que tinha ao seu serviço 10 barcos grandes e cinco médios, com oitenta homens e dois arrais matriculados na alfândega para este serviço. O cargo de patrão-mor da ribeira e capitão da fragata era de provimen-

127 ANTT, PJRFF, 965A, fl.435, mandado de 29 de janeiro de 1665. 128 ANTT, PJRFF, 969, fls.36vº-37, provisão de 11 de agosto. 129 Cf. Rui Carita, 1984, O Regimento de Fortificação de D. Sebastião (1572) e a Carta da Madeira de Bartolomeu João (1654), Funchal, pp.105-111. 130 Edital de 18 de Junho, ARM, Índice Geral do Registo da Antiga Provedoria da Real Fazenda, livro IX, fl. 61vº.

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to régio. De acordo com a provisão dada em 1644131 a Gonçalo de Freitas Correia, o patrão-mor da ribeira deveria ter sempre prestes a chalupa da alfândega para apoiar o feitor na vigia e despacho dos navios. Este patrão da ribeira ou alcaide-mor, auxiliado dos guardas de número, tinha o olho sobre as pequenas embarcações que polvilhavam a baía do Funchal, consideradas agentes especializados do contrabando. No calhau, os homens do almoxarifado ocupavam-se na vigilância ao trânsito das mercadorias. Depois, o momento da descarga na ribeira era supervisionado por dois guardas da alfândega, que eram conhecidos desde 1477 como os guardas da ribeira e tinham a missão de impedir a subtração ilegal de qualquer mercadoria. O mesmo sucedia no período noturno em que havia quatro batéis de ronda. A isto acresce a proibição de qualquer abordagem com os navios antes da presença dos oficiais da alfândega e, em 1722,132 qualquer ida a bordo só poderia ocorrer mediante licença do Provedor da Fazenda. Daqui a mercadoria era conduzida à alfândega pelo destinatário. Em 1682,133 os quatro guardas da alfândega de Santa Cruz, por esta estar desativada, juntam-se à da cidade. Esta deslocação acontece a pedido do Provedor que havia referido virem a esse porto muitos navios com fazendas, e alguns das partes do Brazil, e ser necessário guardar a sua assistencia, o que não se tornava possível apenas com os oito guardas disponíveis. A entrada na ilha passou a ser feita desde 1644 por uma porta do reduto da Alfândega. Toda a mercadoria, depois de dizimada, deveria ser imediatamente retirada da alfândega para os armazéns dos mercadores. Caso o proprietário da mercadoria não estivesse presente, o juiz ordenava o seu envio, cobrando o carreto no ato de dizimar a mercadoria, na mesa do almoxarife na sua presença. Entretanto, no processo de embarque, os mestres dos navios deveriam apresentar os róis das mer131 ANTT, PJRFF, 965A, fls.37-38vº, carta de 4 de março: tera sempre a chalupa dalfandega para o feitor dar, buscar e vigiar, e despachar os navios.... Esta função fora atribuída em 1602 (ARM, CMF, registo geral t.III, fls16-16vº, carta de ofício de 2 de agosto) a Simão Roiz, mareante, seu pai. Todavia em 1611 (ARM, CMF, registo geral t.III, fls.86-86vº, precatorio de 16 de novembro.) este serviço era considerado desnecessário.

cadorias na alfândega para serem despachadas pelos escrivães. No caso do açúcar proveniente dos chamados “lugares de Baixo”, o embarque deveria ser feito obrigatoriamente na Calheta, Madalena, Ponta de Sol, Tabua, Ribeira Brava e Câmara de Lobos, onde existem escrivães do almoxarifado. Os barqueiros deveriam conduzir o produto ao Funchal e antes de proceder ao transbordo para os navios deveriam dar conhecimento à alfândega para se proceder ao despacho. A vistoria do açúcar era feita dentro das barcas e só depois de dizimadas as caixas seguiam para os navios134. Nas centúrias seguintes, o movimento do porto obedece aos mesmos regulamentos, como se pode constatar pelo testemunho de diversos estrangeiros que fizeram escala no Funchal. Os guias de apoio ao visitante estrangeiro dedicam especial atenção às normas e regulamentos para o embarque e desembarque135. A primeira notícia era de que não se precisava de passaporte para desembarcar, devendo apenas apresentar-se na polícia nas 48 horas seguintes para receber a permissão de estadia. No caso dos turistas consignados aos diversos hotéis, esta solicitação ficava a cargo do diretor do hotel de estadia. Os marinheiros e militares em escala só poderiam desembarcar mediante uma autorização escrita do comandante, a apresentar na Alfândega. Por outro lado, o embarque de passageiros da ilha só poderia ser franqueado mediante a apresentação do respetivo passaporte. O transporte das bagagens e mercadorias era realizado por um conjunto de corsas que estavam disponíveis para isso na Rua da Praia, ou entre o cais e a Alfândega, sendo em 1910 o custo de 150 a 500 réis, de acordo com o volume da carga e a distância a percorrer136. As formalidades para as embarcações mantinham-se de acordo com os regulamentos acima referenciados. Assim, o navio entrado no porto não podia estabelecer contacto com outros navios ou com terra antes da visita do oficial de saúde, do governo e da al134 Foral Novo, idem, ibidem, pp.32-44. Sobre as formalidades da alfândega veja-se Alberto Vieira,1987, O Comércio Inter-insular nos séculos XV a XVI, Funchal, pp. 46; Susana Munch Miranda, 1994, A Fazenda Real na Ilha da Madeira. Segunda Metade do Século XVI, Funchal, pp. 35, 48, 58, 98.

132 Lei de 16 de agosto, ARM, Índice geral do Registo da Antiga Provedoria da Real Fazenda, livro XV, fl. 61vº.

135 1819, An Historical Account of the Island of Madeira, Londres, pp. 67-72; 1821, History of Madeira, Londres, pp. 61-64 (repete os do texto de 1819); William White Cooper, 1840, The Invalid’s Guide To Madeira, Londres, pp.15-16.

133 AN/TT, PJRFF, nº 966, fls. 223 vº-224.

136 Trigo, Adriano, 1910, Roteiro e Guia do Funchal, Funchal, p.17.

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fândega. Idênticas restrições eram consideradas após ser dada ordem de saída pelas autoridades. Para isso, o cônsul ou consignatário avisava o Governo para que fosse alguém a bordo proceder às formalidades do despacho de partida. A mercadoria a bordo merecia especial atenção. O capitão era obrigado a apresentar o manifesto da carga ao guarda de saúde, para se saber da sua origem, de forma a comprovar se havia escalado porto com qualquer epidemia. Por outro lado, a carga dos passageiros era vistoriada e alguns dos produtos pessoais poderiam ser taxados. No caso de trazer plantas, deveriam munir-se de um certificado do jardineiro, provando que não estavam infestadas da filoxera ou de outras doenças, tendo este certificado a confirmação do cônsul português137 . Ora, tão apertado controlo e excessiva regulamentação das atividades em torno do movimento da Alfândega, só se justificam pela dimensão que assumia o contrabando. Mesmo assim, havia sempre forma de se coibir as autoridades. A Alfândega do Funchal, que funcionava como uma dependência da Junta da Fazenda da ilha até 1834, controlava o movimento do porto do Funchal e a arrecadação dos direitos de entrada e saída138. O Juiz mais velho controlava toda a ação e superintendia a Mesa Grande da Alfândega, onde se concediam as fianças para o embarque das mercadorias, entradas ou saídas139. Os guardas do número da Alfândega140 zelavam pela regularidade do serviço, impedindo roubos, contrabando141 e atos fraudulentos142. O feitor da descarga assinalava as entradas143 das mercadorias, apondo em cada a respetiva marca144, o selador colocava o selo, que autenticava o ato e o documento145 e o fiel dos armazéns manifestava a carga em arma137 E.M. Taylor,1882, Madeira its Scenery and how to see it, Londres, p. 14

zém das bebidas alcoólicas, por exemplo146. O feitor do embarque ordenava a saída das mercadorias após a escrituração e lançamento do respetivo direito147. Todas as atividades 148 e a arrecadação dos direitos de entrada e de saída estavam regulamentadas por regimentos, alvarás e as pautas gerais da Alfândega149. Depois, o movimento das embarcações de transbordo era controlado pelo barco de registo. Em 1912, foi apreendida por este uma canoa que pretendia furtivamente descarregar 165 Kgs de açúcar refinado na praia do Forte de Santiago150. A cobrança dos direitos de exportação estava regulamentada por duas pautas: a geral e a inglesa. A última, feita de acordo com o tratado de comércio com a Inglaterra (1810), determinava privilégios especiais para os ingleses. Sucede que, em 1834, o diretor da Alfândega decidiu juntar as duas pautas numa só, no que mereceu a contestação da classe mercantil, que se manifestou através da sua novel Associação Comercial em 1834, solicitando a situação anterior das duas pautas. A partir de 4 de julho de 1835, o governo nomeou uma comissão para rever as referidas pautas e estabelecer uma nova, aprovada pelo decreto de 10 de janeiro de 1837, com aplicação no prazo de três meses, em todo o território nacional. A repressão do contrabando não podia resumir-se apenas a estes formalismos que marcavam o processo de circulação das mercadorias no porto, devendo também alargar-se a outras medidas capazes de coibir todo e qualquer situação de fuga ao pagamento dos direitos. Neste contexto, assumia particular importância a vigilância da área costeira, com particular destaque para as enseadas e ancoradouros e comunidades onde existiam núcleos de pesqueiros, 146 Idem, nº 80-84. 147 Idem, nº 245-255. 148 Idem, nº 240, fls. 129vº-130.

144 Idem, nº 117-145.

149 Destas últimas, temos conhecimento das de 1782 [AN, Alfândega do Funchal, nº 242B.], de 12 de outubro de 1831 [vide Correio da Madeira, nº 115, pp. 1-5.], 1811 [AN, Alfândega do Funchal, nº 242A], 1834 [AN, Alfândega do Funchal, nº 242C], 1836 [AN, Alfândega do Funchal, nº 242B], de 10 de janeiro de 1837 [vide Gazeta da Madeira, nº 60, p. 1.], de 11 de março de 1840 [idem.], de 23 de maio de 1843 [Correio da Madeira, nº 115, p. 1/5.], de 5 de agosto de 1850. [idem, nº 103-107, 109-110] e a carta de lei de 12 de dezembro de 1844 e 20 de abril de 1845 [vide Gazeta da Madeira, nº 60, p. 1; J. Silvestre Ribeiro, Apontamentos sobre a cultura do vinho na Madeira, in Correio da Madeira, nº 113, pp. 2-4.], pauta de 1885 [1885, Pauta Geral das Alfândegas do Continente de Portugal e Ilhas Adjacentes, Lisboa].

145 Idem, nº 85-90.

150 Diário de Notícias, Funchal, 10 de outubro de 1912.

138 Sobre a construção deste edifício veja-se; Costa, José Pereira da, 1978, A Construção da alfândega nova do Funchal, Coimbra; Aragão, António, 1979, Para a História da Cidade do Funchal, Funchal, pp. 103-112. 139 AN/TT, PJRFF, nº 100-114. 140 Idem, nº 12-17 (distribuição dos guardas de número). 141 Idem, nº 237, fls. 201-202vº. 142 Idem, nº 237, fls. 187-191vº (1782.Outubro.5 - regimento dos guardas de número). 143 Idem, nº 39-72.

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que muitas vezes se colocavam ao serviço deste tráfico ilegal. Desta forma, para além de um serviço de vigilância eficaz do porto durante a noite e o dia, era também necessário dispor de meios para vigilância da costa. Atente-se que, entre 1828 e 1830, tivemos uma força voluntária, os chamados Realistas Urbanos para vigilância da costa e dos caminhos, no sentido de impedir a intrusão de pessoas indevidas, como a fraude e corrupção151. Em 1846152, o governador civil, José Silvestre Ribeiro, solicita uma escuna de guerra para o porto do Funchal, com o fim de cumprir esta missão de repressão do contrabando, mas também de combate à emigração clandestina que, nesta época, era um flagelo. A partir do último quartel do século XIX, a Guarda-fiscal passa a cumprir um papel especial na fiscalização destas atividades. Esta era um corpo especial de tropas criado para o controlo do trânsito fronteiriço e marítimo de pessoas e bens. A sua intervenção restringia-se ao âmbito fiscal e aduaneiro, através da prevenção de atos ilícitos e a repressão de infrações e fraudes. Este serviço começou por ser prestado pelos guardas da Alfândega e, em finais do século XIX, era prestado em Lisboa pelo Corpo dos Guarda-Barreiras da Guarda Real de Polícia, que havia surgido em 1836, donde surgiu, em 17 de setembro de 1885, a Guarda Fiscal153, na dependência do Ministério das Finanças, que se manteve até 1993, altura em que foi extinta e integrada na Guarda Nacional Republicana como Brigada Fiscal. Este corpo era constituído por quatro batalhões (Lisboa, Coimbra, Porto e Évora) e uma companhia em cada arquipélago. Entretanto, foram estabelecidas em 1887, quatro zonas marítimas (Porto, Lisboa, Faro, Açores) onde os chefes de departamentos marítimos e capitães dos portos tinham responsabilidade de fiscalização. Assinale-se ainda a atenção dada, através de estruturas institucionais adequadas, ao combate do contrabando. O período da ocupação espanhola foi decerto marcado por muito contrabando, obrigando as autoridades a tomarem medidas severas da sua re151 ARM, CMF, registo geral, t. XVII, 8.11.1831. 152 MENEZES, Servulo, 1849, Uma Época Administrativa da Madeira, Funchal, pp.8-9, carta de 8 de outubro ao Ministério do Reino. 153 Santos, Pedro Ribeiro dos,1985, 1999, Génese e Estrutura da Guarda Fiscal (Ensaio Histórico), Lisboa, Imprensa Nacional da Casa da Moeda.

pressão. Em 1602, surgiu o ofício de patrão mor da fragata, com a finalidade de fiscalizar a costa e portos entre a Ponta de S. Lourenço e a Ponta do Pargo154. Inclusos no Funchal existiam as casas do contrabando, supervisionadas por Luís Fernandes de Oliveira, vedor e contador do presídio155. Este mesmo surge em 1628156 como encarregado pela Comissão do contrabando, cuja superintendência estava a cargo do Bispo-governador157. Com o Marquês de Pombal, para além da reforma das instituições da Fazenda, é notória uma atenção especial ao contrabando. Assim, um decreto de 10 de março de 1755 reclama uma vigilância apertada às mercadorias do Brasil e da Índia, enquanto no alvará, com força de lei de 14 de novembro de 1757, que alterava os estatutos da Junta do Comercio releva que o delicto de contrabando hum dos mais perniciosos entre os que infestão os Estados; e dos que se fazem na sociedade civil mais odiosos158. Neste contexto, temos a Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação [1755/1834] criada, pelo decreto de 30 de setembro de 1755, com a missão de fiscalizar o comércio de retalho, contrabando, indústria, os faróis e de função consultiva quanto a temas de agricultura e minas, foi extinta por decreto de 18 de setembro de 1834. Ainda em 1766159 um alvará régio determina que as Saboarias de Portugal e ultramar passassem para a administração da Real Fazenda, como forma de se evitar os frequentes e repetidos contrabandos. Em 1771, surge o cargo de Superintendente dos contrabandos que, em 1775, deu lugar à Superintendência-Geral dos Contrabandos e Descaminhos dos Reais direitos nestes Reinos e seus Domínios. Registe-se ainda que Pina Manique fora nomeado em 30 de março de 1781 para o cargo de Administrador-Geral das Alfândegas e Superintendente-Geral dos Contrabandos e Descaminhos. Mesmo assim nem tudo 154 Sarmento, A. A., Ensaios Historicos da Minha Terra, vol. I, Funchal, p.186; Idem, 1908, Alicerces para a História Militar da Madeira, Funchal, p.99. 155 ARM, RGCMF, vol. V, fls.27vº-29vº, provisão. 156 ARM, RGCMF, vol. V, fls.57-58vº, provisão de 29 de setembro. 157 ARM, RGCMF, vol. V, fls. 62-63, provisão de 28 de setembro. Sarmento, A. A., Idem, 1908, Alicerces para a História Militar da Madeira, Funchal, p.104. 158 Serrão, Joaquim V., 1986, História de Portugal, VI, p.223. 159 ARM. RGCMF, t. II, fl.76, alvará de 2 de agosto.

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corria como o desejado, pois que, em 1782, o Superintendente-Geral dos Contrabandos é acusado desta prática cuja função deveria combater.160 Por outro lado, os administradores dos contratos das mercadorias de monopólio, como o tabaco, sabão, urzela e pólvora, deveriam ser eficazes na cobrança e no impedimento do contrabando. Eles estavam autorizados a ir fazer buscas aos barcos surtos na baía e a determinar as respectivas devassas161. A quebra nos rendimentos do contrato era entendida como um aumento do contrabando, obrigando-os a buscar estratagemas capazes de o inibir. Uma dessas estratégias passava pelo pagamento de prémios aos denunciantes. Desta forma, em 1843,162 os contratadores oferecem 12$000 rs de prémio a qualquer destes, afora o que tinham já direito pela Tabela do Regulamento de fiscalização. O código administrativo163 reestabelecia também como tarefa do Administrador do concelho a repressão do contrabando, nomeadamente de pólvora estrangeira, o tabaco e sabão, cooperando com os agentes dos contratos. Na verdade, são múltiplas e insistentes as recomendações na vigilância dos circuitos comerciais e de combate ao contrabando. Por outro lado, as autoridades locais, seja administrador do concelho, regedores de paróquias e demais autoridades administrativas estavam obrigadas a atuar, sob pena de serem considerados cúmplices nas situações de contrabando que acontecessem164. Em 1849, o Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, fazia um apelo a estes administradores, no sentido de terem em atenção os atos de contrabando que lesavam a Fazenda Real, com os contratos do tabaco, sabão e pólvora165. Em 1854,166 o Governo Civil, em nova circular a estes administradores, recordava e ordenava o fiel e exac160 ARM, Governo Civil, nº.533, fls.41vº-43, 31 de julho. 161 ANTT, PJRFF, 968, fls.64vº, provisão de 28 de novembro de 1689. 162 O Defensor, nº.173, 22 de abril de 1843, p.1. A mesma situação acontece em 1844 pelo contratador do tabaco, oferecendo-se 10$000 rs (O Defensor, nº.244, 31 de agosto de 1844, p.1, nº.245, 7 de setembro de 1744, p.1, nº.246, 14 de setembro de 1744, p.1). 163 Freitas, Justino António de, 1861, Instituições de direito administrativo Português, Lisboa, pp.199-201. 164 Esta medida aparece nas condições do contrato do tabaco, de que se dá publicidade em O Defensor da Liberdade, nº348 de 29 de agosto de 1846, pp.3-4.

to cumprimento de todas as medidas, e providencias consignadas me lei para obstar ao illicito trafico de contrabando de mercadorias; notando a escandalosa facilidade com que,se introdus n’esta ilha o contrabando, e se consente nas lojas, e por todas as partes o fradulento commercio das fazendas desencaminhadas aos direitos fiscaes. As medidas punitivas são severas, tanto para os funcionários coniventes, como para os contrabandistas. Em 1748,167 José Carvalho é penalizado com uma coima no valor de 120% do valor do tecido contrabandeado; mais tarde, por decreto de 1864, o contrabando era punido com perda de mercadoria e multa168. Noutras situações, o contrabando de tabaco levava à pena de degredo por cinco anos às galés169. Recorde-se ainda que, em 1841, foi apreendido em Machico o patacho Bernarda, de Gibraltar, sendo arrematado em hasta pública, passando a navegar com o Nome de Zargo170. Por outro lado, ainda de acordo com alvará da mesma época, os despachantes deveriam ser pessoas íntegras e alheias a este mundo, pois o seu exercício dependia de nunca terem sido punidos por contrabando ou descaminho de mercadorias171. *** O contrabando foi sempre uma atividade muito acarinhada pelos insulares. A sociedade insular vivia quase só à sombra do contrabando, que alimenta grandes e pequenos comerciantes, anima o quotidiano do porto e área costeira desde a Calheta ao Porto Moniz, dá um suplemento importante a um grupo numeroso de barqueiros, pescadores, adelos e adelas172. Todos ou quase todos beneficiam desta ativi167 Eduarda Petit, 2009, A Madeira na Primeira Metade de Setecentos, Funchal. 168 Decreto de 7 de dezembro publicado, publicado em 1865, Relatório e Documentos apresentados às Cortes pelo Ministro e Secretário d’ Estado dos Negócios da Fazenda na sessão de 23 de janeiro de 1865, Lisboa, pp. 122-123. 169 Foi o que sucedeu em 1842 com Viturino Francisco (O Defensor, nº.159, 14 de janeiro de 1843, p.2. 170 Cf., Ribeiro, João, 2001, Machico. Subsídios para a História do seu concelho, Machico, pp.122-123. O Defensor (nº.125, de 21 de maio de 1845, p.1) anuncia que a 23 de maio era posto à venda o barco em que se fez o contrabando da Bernarda.

165 , Menezes, Sérvulo, 1850, Uma época administrativa da Madeira e Porto Santo, Funchal, vol. II, pp.579-585: circular de 28 de setembro.

171 Decreto de 7 de dezembro. Dele faz referência o diretor da alfândega em aviso sobre o provimento dos mesmos, publicado no Diário de Noticias, Funchal, 26.05.1895.

166 O Clamor Publico, nº23, 23 de outubro de 1854, p.1; Semanário Official, nº115, de 14 de outubro de 1854, p.1.

172 Os adelos e adelas eram motivo de atenção por parte das autoridades da Fazenda Régia e municipal. ARM, Câmara Municipal de Santa

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dade ilícita. Ser contrabandista, que é o mesmo que dizer combater as limitações e excessivas tributações da atividade económica, é um desejo de todos insulares e cativa os principais intervenientes no processo de circulação dos produtos, como mercadores e barqueiros, assim como o clero regular, os soldados de guarda e demais população que anseia pelo acesso, em melhores condições de preço, aos produtos sob o olho e controlo das autoridades fiscais173. Atente-se que destas práticas não eram alheios os funcionários e guardas que fiscalizava os contratos174. Combate-se os estancos/monopólios, os impostos e demais medidas proibitivas , com o recurso ao contrabando e práticas afins. Um pouco por toda a ilha, os barqueiros e pescadores estavam na mira dos oficiais do contrabando, pois que eram os interlocutores diretos e ativos deste processo. Desde o Caniçal ao Paúl do Mar que as comunidades piscatórias faziam desta sua participação uma compensação lucrativa à sua ação. Na primeira metade do século XIX, era evidente este coluio dos pescadores de Câmara de Lobos com esta atividade, fazendo da baía do lugar um destacado centro de contrabando. Deste modo, em 1838,175 o Diretor da Alfândega apelou ao governador civil, no sentido de se estabelecer uma vigilância permanente nesta baía com 8 praças. Na verdade, os terços auxiliares e as tropas regulares de artilharia, cumpriam também esta função de vigilância auxiliar à Alfândega. No porto do Funchal, os barqueiros estavam sob o olhar permanente dos guardas e autoridades alfandegárias. Vários decretos estabeleciam mecanismos de atuação dos barcos de transbordo no porto, o que nunca era cumprido. Por vezes, as autoridades alfandegárias exorbitavam as suas funções e conduziam a Cruz, nº. 327, fls.324-325, 1775; ARM, CMF, Lº 1360, Vereações 17731779, fl. 53. 1778. Cf. “Vendedores ambulantes em 1778”, in AHM, I, pp.143-144. Em 1834 (Anais do Porto Santo. Adelos e Sapateiros. Extravio de Água, AHM, V, p.167) estava proibida a entrada destes na ilha do Porto Santo. 173 Em 1765 (ANTT, PJRFF, nº.1182, fls.6vº.), um alvará determinava que fossem queimados todos os “catraios”, isto é as pequenas embarcações, que eram usadas no contrabando “por morgados, eclesiásticos e plebeus”. 174 Em 11 de agosto o guarda do contrato, Francisco Linhares, morador ao sítio da Forca, foi entregue à autoridade com a sua criada Luíza por ter sido encontrada com um pau de sabão fabricado clandestinamente. Cf. Semanário Oficial, nº.156, 29 de agosto de 1857, p.2. 175 Cf. Ribeiro, João, 1994, A Actividade Económica de Câmara de Lobos nos Primórdios da sua Fundação, in Girão, nº.12, pp. 38-39.

situações lesivas da atividade destes barqueiros, condenando-os sem justa causa. Um caso aconteceu em 1840 com o barco de frete de Francisco Paula, apreendido pelo Diretor da Alfândega, por se ter aproximado da galera americana Mexican, antes das formalidades alfandegárias. Depois, por detença, deu-se-lhe razão e o barco foi restituído ao legítimo proprietário em 1842176. Estas formas ilícitas de intervenção das populações insulares no setor económico são resultado das excessivas limitações impostas ao mercado, como dos pesados tributos que oneram esta atividade e fazem diminuir o rendimento dos interlocutores do processo. Já Adam Smith (1723/1790), na Riqueza das Nações, publicada em 1776, afirmara, de forma clara, o seu combate ao mercantilismo, um dos eternos responsáveis da afirmação do contrabando dos mares, e testemunhara que As altas taxas, por vezes diminuindo o consumo das mercadorias taxadas, por vezes encorajando o contrabando, frequentemente proporcionam uma menor receita ao governo do que a que poderia ser obtida de taxas mais moderadas. (...) Quando a diminuição da receita é o efeito do encorajamento dado ao contrabando, talvez isso se possa remediar de depois todos: diminuindo a tentação do contrabando ou aumentando a dificuldade para tal ação. A tentação de contrabandear pode ser diminuída só pela redução da taxa e a dificuldade de contrabandear pode ser aumentada só estabelecendo aquele sistema de administração que é mais adequado para preveni-lo.177 Por outro lado, os ingleses assumem-se na ilha como os campeões do contrabando, servindo-se de todos os meios e estratagemas para se furtarem ao pagamento de quaisquer direitos e assim conseguirem uma elevada mais-valia nos seus negócios178. Foram múltiplos os casos de contrabando associados aos agentes desta nação, sintoma de que esta era uma prática corrente dos mesmos. Aliás, em 1823, 176 O Defensor (nº.134, de 22 de Julho de 1842), faz um suplemento de 3 páginas com a transcrição dos documentos deste auto. 177 Smith, Adam, 2008, Riqueza das Nações, Brasil, Hemos, p. 390. 178 Loja, António, 2008, Crónica de uma Revolução. A Madeira na Revolução Liberal, Funchal, pp. 29-31, 69, 369; Rodrigues, Paulo, 2008, A Madeira entre 1820 e 1842. Relações de Poder e influência britânica, Funchal, pp.168-172; PETIT, Eduarda, 2009, A Madeira na Primeira Metade de Setecentos, Funchal, CEHA. Eduarda Petit (2009, p. 232) afirma: A ilha era o observatório, por parte dos franceses e espanhóis, dos movimentos bélicos e de contrabando do império britânico no seu comércio transoceânico.

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são manifestos os receios das autoridades madeirenses, quando se soube do interesse de um cidadão inglês pela compra das Desertas, que mais não era uma intenção velada de fazer destas pequenas ilhas um empório do contrabando. As Desertas, porque próximas da Madeira, foram, por muito tempo, um espaço adequado ao contrabando. Esta situação está relacionada com o aforamento feito por D. Luís Gonçalves da Câmara ao súbdito inglês, William Thompson. Perante isso, o governador enviou para a ilha um destacamento de cadetes que, depois, se revoltaram179 . A história testemunha vários episódios de contrabando com os ingleses no porto do Funchal, alguns deles espelhando a forma prepotente como respondem às ações das autoridades. Em 24 de novembro de 1884, o comandante da barca Tyburnia comunicou às autoridades a paragem no porto do Funchal, apenas para refresco e conhecimento da ilha pelos passageiros. Este era o estratagema para se furtar ao manifesto das mercadorias e ao pagamento dos direitos. Mas esta estância causou suspeitas, tendo em conta o facto de ter a bordo uma significativa carga, que aguardava a oportunidade para o desembarque, que não aconteceu, fugindo a embarcação, a 2 de dezembro, sob ameaça do fogo do Forte do Ilhéu180. Convém referir, a propósito deste protagonismo inglês no contrabando do mundo atlântico, que as suas ações com produtos da Madeira se estendem até às colónias. Vários testemunhos apontam para um contrabando continuado nas Antilhas181 e América do Norte. Neste último caso, não podemos esquecer em Boston o chamado Madeira Party (1768), que antecede o Tea Party (1773)182 e é apontado como uma 179 AHU, Madeira e Porto Santo, nº. 6997-6999, de 12 de julho de 1823;idem, nº.7059-7061, 14 de setembro de 1823; idem; nº 7289/7294, 10 de dezembro de 1823; idem nº.7300-7305, 11 de dezembro de 1823.

primeira manifestação de prenúncio da independência norte-americana. Desta forma, o primeiro incidente contra a elevada tributação dos produtos na costa americana aconteceu em 1868 com um carregamento de vinho Madeira a cargo de John Hancock183. Mais tarde, com a chamada lei seca, que vigorou entre 16 de janeiro de 1919 e 5 de dezembro de 1933184, o vinho Madeira voltou de novo a estar envolto em ações de contrabando, por força do elevado número de apreciadores que continuavam a persistir. O combate e resposta a este fundamentalismo foram os Madeira Party, isto é, clubes onde os associados se reuniam, em segredo, para beber o vinho Madeira. Ficou célebre em Savanah o Madeira Club que, ainda hoje, levantada a lei seca, se reúne ritualmente no onze de Novembro para saudar a ilha com um cálice de Madeira185. Os mercados produtores europeus temeram a possibilidade de semelhantes medidas se estenderem a outros países, pelo que se fundou em Paris a Liga Internacional dos Adversários das Proibições. A Associação Comercial do Funchal, através do sector & Patriots. Boston Merchants and the Adventure of the American Revolution, Michigan ;Lepore, Jill, 2010, The Whites of Their Eyes: The Tea Party’s Revolution and the Battle over American History, Princeton, New Jersey; Draper, Allison Stark, 2011, The Boston Tea Party: Angry Colonists Dump British Tea, New York. 183 Cf. Hiller B. Zobel, 1978, The Boston Massacre, N. York, p.73; John W. Tyler, 1986, Smugglers & Patriots. Boston Merchants and the Advent of the American Revolution, Boston, p.115; 1992, Documentary History of the First Federal Congress of the United States of America, March 4, 1789-March 3, 1791: Debates in the House of Representatives: First Session, April-May 1789 , Johns Hopkins University Press , p.291; Wright, Conrad Edick, 1997, Entrepreneurs: the Boston business community, 1700-1850, Massachusetts Historical Society, p.92. . Sobre o comércio do vinho com este mercado cf.: Cynthia A. Kierner, Traders and Gentlefolk. The Livingston of New York, Ithaca, 1992, p.72; Robert A. East, Business Enterprise in the American Revolutionary Era, London, 1938, p.244; Bernard Bailyn, The New England Merchants in the Seventeenth Century, Mass, 1955, pp.78; Jorge Martins Ribeiro, Alguns Aspectos do Comércio da Madeira com a América do Norte na Segunda Metade do Século XVIII, in III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1993, pp. 389-402.

181 Apenas uma situação das muitas que ocuparam as autoridades destes territórios. Em 14 de abril de 1796 dá-se conta do desembarque pela calada da noite na ilha de Jamaica de vinho Madeira. Cf. 1796, Report from the committee appointed to Inquire into the best rode of Providing sufficient Accommodation for the incresaed Trade and Shipping of the Port of London, Londres; Jonhston, Alexander, 1913, American political history, 1763-1876, Volume 1, California, p.362; Simon, André L. 1946, Wine and Food, Published for the Wine and Food Society , p.28.

184 Dickerson, O M, 1946, John Hancock,. Notorious smuggler, in the Mississip Velay historical Review, 32, nº.4, pp.517-40; Waters, Harold, 1971, Smugglers of Spirits: Prohibition and the Coast Guard Patrol. New York: Hastings House; Tyler, John W., 1986, Smugglers & Patriots. Boston Merchantys and the Advent of the American Revolution, Boston; Rumbarger; John J., 1989, Profits, Power, and Prohibition: Alcohol Reform and the Industrializing of America, 1800– 1930, New York; Behr, Edward,1996, Prohibition: Thirteen Years That Changed America. New York: Arcade Publishing; Murdoch, Catherine Gilbert, 1998, Domesticating Drink: Women, Men, and Alcohol in America, 1870-1940. Baltimore: Johns Hopkins University Press; Burns, Eric, 2003, The Spirits of America: A Social History of Alcohol. Philadelphia: Temple University Press; Tracy, Sarah W. and Caroline Jean Acker, 2004, Altering American Consciousness: The History of Alcohol and Drug Use in the United States, 1800–2000, University of Massachusetts Press.

182 Sobre este movimento anti fiscal cf. Tyler, John, 1986, Smugglers

185 Cossart, Noel, 1984, Madeira the Island Vineyard, London, pp.64-65.

180 Assinale-se que sobre este acontecimento, O Académico de 1 de janeiro de 1885 ( nº. 3, pp. 21-22) fez uma paródia sobre este acontecimento, destacando a falta de meios por parte do porto, com uma quadra a propósito: Lá vae a barca Tiburnia/Que tem tanto que contar/-”e balas ser de papel/ Ouve-se ao longe no mar.

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de vinhos entrou na campanha em favor do consumo do vinho, entregando verbas para o efeito à liga de Paris186. Foram múltiplos os interesses e os agentes que, ao longo dos últimos séculos, alimentaram o contrabando no arquipélago. O contrabando fez parte do quotidiano dos madeirenses, alimentando uma economia paralela que, por vezes, suplanta a legal e que permitiu alimentar parte significativa da população como interveniente ou beneficiada187. A liberdade de ação e a justiça tributária fizeram com que o insular/ madeirense se confundisse quase sempre com o contrabandista. Não se pense que os séculos XX e XXI trouxeram consigo o fim do contrabando de mercadorias nos espaços insulares. Aliás, para estas centúrias o contrabando parece que adquiriu novas formas de expressão188. As políticas protecionistas e quase monopolistas, bem como as regras e tributação que onerava a circulação com o continente foram propícios a esta atividade, no período do Estado Novo. A par disso, nas décadas de 50 e 60, o movimento de encomendas por correio, nomeadamente dos Estados Unidos da América é apontado como uma via para o contrabando, o que obriga a Associação Comercial do Funchal a reclamar medidas por parte do Governo e uma ação enérgica da Guarda Fiscal189. Também que 186 Mello, Luís de Sousa e Rui Carita, 2001, Associação Comercial e Industrial do Funchal, Esboço Histórico (1836-1933), Funchal, pp.137-140. 187 São múltiplos os testemunhos e documentos que atestam esta importância do contrabando na sociedade madeirense. Recorde-se que, em 1737, o cônsul francês apresentava o Funchal, como uma cidade com muito contrabando. (Eduarda Petit, 2009, p. 122). Depois disso, vários textos de estrangeiros sobre a cidade funchalense atestam este contrabando de produtos, cuja venda acontecia à vista de todos nas lojas do Funchal. Cf. S.A, 1819, An Historical Sketch of the Island of Madeira Containing an account of its original discovery and first colonization; present produce, state of society and commerce, London, F.S. Hopkins; HOLMAN, James Sanders, 1840, Travels in Madeira, Sierra Leone, Teneriffe, St Jago, Cape Coast, Fernando Po, Princess Island , London; S.A., 1850, A Winter in Madeira and a Summer in Spain and Florence, New York; HARCOUT, Edward William, 1851, A Sketch of Madeira containing information for the traveller or invalid visitor, London, John Murray. 188 Cf. Philipson, Davigs, 1973, Smuggling. An History, 1700-1970, Michigan; Kyle, David, 2001, Global Guman Smugglin. Comparative perspectives, Baltimore; Zhang, Sheldon, 2001, Smuggling and traffichking in human Beings: All roads Lead to America, Westport; Tachuk, Kimberley, 2007, Transnational Threat: Smuggling and Trafficking in arms, drugs, and human Life, Westport; Mount, Alison, 2010, Seeking Asylum: Human Smuggling and Bureaucracy at the Border, Mineapolis. 189 CARITA, Rui, 2003, Associação Comercial e Industrial do Funchal. Esboço Histórico. 1933-1936, Funchal, pp. 130-131.

dizer das limitações e dificuldades que surpreendiam os madeirenses na sua chegada a Lisboa, ao verem o tabaco, aguardente, manteiga e diversas peças de bordado serem apreendidos como contrabando?190 Já na década de setenta e oitenta do século XX, quem não se recorda dos preços distintos do tabaco, bacalhau e whisky, que inverteu o percurso de circulação de mercadorias entre a Madeira e o continente? As duas Guerras Mundiais (1914-18, 1939-45) foram também momentos propícios ao contrabando de dentro para fora da ilha, como o abastecimento dissimulado de navios e submarinos, como de fora para dentro, com os produtos de primeira necessidade, como o sal, cujo racionamento e problemas no abastecimento criavam condições a esta forma de troca191. Há uma tradição popular que afirma esta realidade mas da documentação oficial nada transparece, o que poderá ser indício de conivência ou de ineficácia das estruturas fiscalizadoras e alfandegárias. Para a História do passado, como do presente, assinala-se a persistência do contrabando de bebidas alcoólicas e de tabaco, uma aventura considerada compensatória face às elevadas taxas a que os mesmos estão sujeitos. Por fim, o mal dos tempos, os diversos tipos de drogas proibidas, que continuam a transitar pelo mundo inteiro, por corredores aéreos e marítimos que, às vezes, passam pelas ilhas. Mas o mar continua a ser a via privilegiada do contrabando e certamente o meio mais seguro para os seus agentes se furtarem ao controlo e vigilância das autoridades. Foi no mar que este mais se desenvolveu, encontrando, por vezes, entre os espaços insulares e os ilhéus, aliados seguros para a sua afirmação. Desta forma, as ilhas afirmam a sua opção de terras francas como forma de encontrar a riqueza, que o limitado espaço e recursos não permitem, como meio de oposição e combate aos quase permanentes entraves e pesados tributos com que as metrópoles os pretendem castigar por semelhante desaforo. Legislação: Regimento da Alfândega de 15 de março de 1477; foral e regimento do almoxarifado do Funchal 190 COSTA, José Pereira da, 2004, Álbum Fotográfico. Porto Santo e Madeira(anos 60), Funchal, testemunho do texto de introdução. 191 MARTINS, 1972, Madeira, Mar de Nuvens, Funchal, p. 208; Pita, Gabriel, 2003, A freguesia dos Canhas. Um contributo para a sua História, Canhas, p.58.

49

de 4 de julho de 1499; regimento sobre a arrecadação dos quintos de 8 de setembro de 1507; regimento do guarda-mor do mar de 10 de janeiro de 1512; foral novo de 6 de agosto de 1515; regimento do juiz do mar de 22 de abril de 1520; Lei de 28 de fevereiro de 1668; decreto de 26 de fevereiro de 1810; provisão de 24 de maio de 1842; decreto de 22 de julho de 1842; provisão de 12 de janeiro de 1843; provisão de 15 de dezembro de 1843; de 2 de julho de 1844; carta de 4 de julho de 1846; provisão de 4, 9, 10 de junho e 24 de julho de 1846; decreto-lei de 7 de dezembro de 1864, Decreto de 17 de março de 1886, de criação da guarda-fiscal; DL. N.º 31 664 e DL. N.º 31 730, de 15 de dezembro, que aprovou o Regulamento das Alfândegas; Decreto, DG (Diário do Governo) 286/12 Série I de 1912-12-06; Decreto n.º 2567, DG 163/16 Série I de 1916-08-14; Lei n.º 610, DG 121/16 Série I de 1916-06-17; Decreto n.º 3062C., DG 49/17 SÉRIE I, Suplemento de 1917-03-30; Decreto n.º 6135, DG 197/19 Série I de 1919-09-27; Retificação, DG 101/20 SÉRIE I de 1920-05-15; Portaria n.º 2277, DG 98/20 Série I de 1920-05-12; Decreto n.º 8733, DG 61/23 Série I de 1923-03-23; Decreto n.º 12321, DG 206/26 Série I de 1926-09-16; Decreto n.º 14663, DG 268/27 Série I de 192712-05; Decreto n.º 15875, DG 191/28 Série I de 1928-0821; Decreto-Lei n.º 42923, DG 87/60 Série I de 1960-04-14; Decreto-Lei n.º 187/83, DR [Diário da República] 110/83 Série I de 1983-05-13; Acórdão n.º 158/88, DR 174/88 Série I de 1988-07-29; Acórdão n.º 177/88, DR 174/88 Série I de 1988-07-29; Decreto-Lei n.º 424/86, DR 297/86 Série I de 1986-12-27; Declaração, DR 99/87 SÉRIE I 4º Suplemento de 1987-04-30; Decreto-Lei n.º 376-A/89; DR 246/89 Série I 1º Suplemento de 1989-10-25; Lei n.º 7/89, DR 93/89 Série I de 1989-04- 21; Decreto-Lei n.º 221/94, DR 194/94 Série I-A de 1994-08-23; Lei n.º 15/2001, DR 130 SÉRIE I-A de 2001-06-05; Lei n.º 5/2002, DR 9 Série I-A de 2002-01-11.

1967, Delitos fiscais: contrabando, isqueiros, tabaco, cartas de jogar, estupefacientes, etc.: disposições legais / ed. J. Alcino Cordeiro. 2a ed. Régua: J.A. Cordeiro; SERRÃO, Joel, 1982, O contrabando Atlântico (1580-1590), in Estudos históricos Madeirenses, Funchal, CEHA, pp. 129-140; RAMOS, DEMÉTRIO, 1990, Madeira, como centro del espionaje español sobre las actividades britânicas, en el siglo XVIII, In Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. - p. 191-1994. 2. MADEIRA. GREGORY, Desmond, 1988: The Beneficent Usurpers, A History of the British in Madeira, Cranbury, NJ; MAURO, F., 1988-89: Portugal, o Brasil e o Atlântico 1570-1670, 2 vols., Lisboa; MENEZES, Avelino de Freitas, 1987: Os Açores e o Domínio Filipino (1580-1590), 2 vols, Angra do Heroísmo; PETIT, Eduarda, 2009, A Madeira na Primeira Metade de Setecentos, Funchal, CEHA; RUMEU DE ARMAS, A., 1945-1950: Ataques Navales y Piraterías contra las Islas Canarias, Madrid, 5 vols; SOUSA, J. J. A., 1989: O movimento do Porto do Funchal e a conjuntura da Madeira de 1727 a 1810. Alguns aspectos, Funchal; VIEIRA, Alberto, 1987, O comércio Inter-Insular nos séculos XV e XVI. Madeira, Açores e Canárias, IDEM, 1992: Portugal y las Islas del Atlántico, Madrid; IDEM, 1996, O Publico e O Privado na História da Madeira, vol. I, Funchal, CEHA; IDEM, 2005, A Vinha e o Vinho na História da Madeira. Séculos XV-XX, Funchal, CEHA; IDEM, 2005, Canaviais, Açúcar e Aguardente na Madeira. Séculos XV a XX, Funchal, CEHA.

BIBLIOGRAFIA.: 1. Especifica sobre o Contrabando. 1757 [Alvará sobre o paragrafo quarto do capitulo dezassete e dos estatutos da Junta do Commercio destes Reinos, e seus Domínios, sobre as fazendas de contrabando,...]. Belém: Secretaria de Estado dos Negócios do Reino; Freitas, Justino António de, 1854, Manual do Rendeiro ou o Processo do contrabando, descaminho e denuncias. Obra útil aos contratadores das Rendas Públicas aos advogados e escrivães, augmentada comas as ultimas leis do Real Dágua, 2º edição, Coimbra Imprensa da universidade; SOUSA, Álvaro Manso de, 1951, Curiosidades históricas: um juiz do povo em bolandas, In: Arquivo Histórico da Madeira. - Funchal. - Vol. IX, nº 3 (1951). - pp. 151-161; IDEM, 1939, Acto de prepotência contra um magistrado popular, in AHM, vol. 6, Funchal, pp. 59 -61; VILA VILAR, Enriqueta, 1973, Los asientos portugueses y el contrabando de negros, Sevilla: Escuela de Estudios Hispano-Americanos; PINHO, José Cândido de, 1984, Contrabando e descaminho: D.L. no. 187/83, de 13/5, anotado: legislação complementar, Regulamento das alfândegas (actualizado), formulário, Livraria Almedina;

50

Produção/Exportação: Açúcar e Vinho 1449 - 2000

Moeda da época: reais/reis

DATA

Vinho (pipas) Produção

Exportação

Açúcar (kgs) Produção

Exportação

1449 1454

88.128

1455

36.309

1472

220.500

1473

293.760

1474

440.640

1488

525

1492

443

1493

1.176.000

1494

1.478.290

1495

254

1497

568

1.517.187

1498

1.468.191

1499

1.764.000

1501

1.687.236

1504

1.665.774

1505

3.077.627

1.584.000

51

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

1506

3.384.175

1507

2.601.679

1508

2.544.452

1509

2.152.080

1510

2.117.755

1512

1.794.899

1513

1.367.173

1516

1.794.899

1517

1.367.173

1518

1.695.527

1520

1.291.659

1521

1.571.238

1522

1.393.618

1523

1.465.090

1524

1.194.477

1525

957.396

1526

848.836

1527

1.020.106

1528

1.242.591

1529

1.050.447

1530

823.023

1550

440.640

1560

Exportação

2600

1567 1581

539.049

52

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

1582

544.620

1583

517.469

1584

632.555

1585

475.427

1586

464.490

1590

Exportação

2.000

1593 1596

718

1597

677

1600

53699

1607 1614

821

1616

690

1618

644

1619 1620-24

791i

1621

677

1622

761

1623

761

1624

666

1625

685

1626

760

1627

682

1628

682

354

2.630

53

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

1630

823

1631

797

1632

805

1633

850

1634

847

1635

892

1636

1.068

1637

871

1638

677

1640

682

1645

718

4.419

1646

718

18.500

1650 1651 1652-54

Exportação

54.768 796 54.748 2.324

2.606 813 18.248

1035ii

1655

661

1656-58

1035

1.453

1659

10.000iii

6.810

2.720

1660

10.000

6.331

17.208

1661

10.000

6.400

17.208

1662

10.000

6.250

17.208

1663

10.000

6.000

1664

10.000

6.300

1665

10.000

5.069

54

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

1666

10.000

5.750

1667

10.000

5.650

1668

Exportação

1.291

1670

53.303

1671

6.768

1672

7.520

1676

31.399

2.500

1677

8.590

1678

8.590

1679

8.590

1682

4.548

1687

5.074

1689

23.923

8.000

6.688

2.526

1691

3.760

1692

5.170

1693

2.526

1694

26.072

1.763

1695

2.879

1696

25.000

1697

20.000

1698

23.923

10.000

1699

15.000

7.500

1700

23.923

10.000

1701 1703 1704

58.800

470 25.675

14.012 13.249

55

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

Exportação

1705

75.908

1706

35.369

1721

29.904

25.000

1730

16.917

7.056

1733

301

1734

1.601

1736

1.351

1738

20.335

1739

1.322

1740

492

1741

470

1742

140

1743

44

1745

7.000

1750

6.983

1756

25.000

1765

30.000

7.942

1768

35.000

1772

35.177

1774

7.073

29

56

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

1776

11.287

1777

10.755

8.195

1778

5.663

9.560

1779

3.673

9.284

1780

1.024

11.067

1781

11.091

8.086

1782

12.408

11.046

1783

9.756

1784

12.312

8.361

1785

13.522

6.538

1786

13.017

12.000

1787

18.836

10.831

1788

9.328

10.819

1789

15.841

11.762

1790

21.407

13.812

1791

16.444

13.510

1792

16.839

15.000

1793

15.659

10.697

1794

22.122

15.485

1795

20.656

14.717

1796

13.577

15.327

1797

23.923

14.672

1798

33.498

15.429

1799

35.885

14.666

1800

36.950

16.508

1801

41.866

16.366

1802

32.297

16.150

1803

28.708

13.993

1804

27.512

11.041

1805

28.708

13.994

1806

33.492

14.014

Exportação

57

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

1807

32.296

16.700

1808

32.296

11.153

1809

13.866

15.362

1810

20.500

11.272

1811

38.794

9.574

1812

37.161

1813

23.736

22.000

1814

14.000

14.000

1815

5.000

15.000

1816

12.000

12.000

1817

14.000

8.000

1818

18.000

18.000

1819

18.382

5.763

1820

17.000

13.558

1821

15.000

9.976

1822

10.500

10.558

1823

9.000

8.083

1824

10.000

10.978

1825

12.862

14.431

1826

11.500

9.390

1827

11.000

8.423

1828

8.896

9.623

1829

7.492

8.104

1830

5.083

5.499

1831

5.115

5.533

1832

6.619

7.163

1833

8.027

8.683

1834

8.531

8.875

1835

4.992

7.730

1836

7.315

7.913

1837

7.509

8.123

1838

9.085

9.832

Exportação

58

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

1839

9.556

9.044

1840

7.371

7.976

1841

6.616

7.157

1842

5.796

6.270

1843

6.828

7.380

1844

6.520

7.054

1845

6.636

7.179

1846

7.570

8.190

1847

5.137

5.577

1848

5.388

5.829

1849

6.821

7.379

1850

6.586

7.301

1851

9.221

6.690

1852

2.125

4.204

1853

829

2.227

1854

148

1.776

1855

36

1.891

1856

87

1.798

1857

101

1.281

1858

184

1.328

1859

15

1.327

1860

600

1.013

1861

Exportação

2.287.406

1.291

275.802

1862

383

981

18.388.392

1863

386

723

998.960

1864

1.794

840

1865

1.794

535

1866

2.631

822

88.128

848

604.587

1867

14.382.519

1868

3.900

873

164.682

1869

4.473

1.058

162.023

1870

11.961

1.109

800.000

14.644

59

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

Exportação

1871

5.711

1.510

149.318

1872

5.888

1.653

199.404

1873

3.041

2.154

1874

9.569

2.060

1875

9.569

2.322

1876

4.953

2.568

77.112

1877

4.785

2.476

130.620

1878

8.373

2.125

198.288

1879

8.373

2.923

450.026

1880

8.573

3.691

339.528

3.447

332.052

1881

900.000

77.112

1882

5.383

3.361

309.799

1883

2.301

2.759

284.125

1884

1.622

3.210

149.964

1885

3.590

3.701

77.876

1886

5.981

5.227

1887

5.269

4.247

1888

5.981

5.415

1889

4.785

5.195

1890

5.239

5.592

1891

3.896

6.346

1892

9.569

5.077

1893

5.531.941

5.168

1894

9.431

5.289

5.531.501

1895

9.569

5.997

3.163.795

1896

5.917

1897

5.981

5.783

1898

10.766

5.814

648.500

1899

10.766

6.006

442.000

1900

11.005

6.268

503.000

1901

8.798

5.920

1902

8.893

6.214

60

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

Exportação

1903

9.154

6.290

1904

14.354

5.766

1905

9.569

6.287

800.000

883.234

1906

11.962

5.062

1.053.000

877.358

1907

11.364

5.802

1908

10.000

5.560

1909

11.663

5.706

1910

11.961

7.087

2.973.550

1.007.597

1911

15.000

7.631

3.204.000

1.202.448

1912

16.000

6.393

4.161.550

1.276.872

1913

16.239

8.203

4.260.928

1.263.168

1914

14.565

7.787

4.796.725

1.305.484

1915

15.740

6.293

4.917.113

1.305.484

1916

13.140

4.198

4.943.675

1.621.849

1917

5.646

3.035

3.758.000

1.349.093

3.077

3.527.000

1.860.470

1918 1919

9.569

5.806

1921

3.850

1922

8.743

1923

11.232

1924

10.179

1925

9.883

1926

8.439

1927

7.097

1928

9.579

1929

10.378

1930

10.569 30.533

983.112 1.828.000

1.076.131 1.111.382

20.003

1920

1931

670.742

3.149.000

10.185

1932

7.144

1933

6.950

1934

8.388

61

DATA 1935-39

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

18.146

1935

8.114

1936

8.760

1937

9.488

1938

10.705

1939

10.239

1940

2.339

1941

1.074

1942

2.215

1943

18.898

5.477

1945

4.990

1946

7.403

1947

7.625 7.645

4.334.000

5.267

1944

1948

Exportação

5.542

1949

6.555

1950

5.874

3.500.000 4.533.333

1951

17.137

8.247

1952

19.266

6.993

1953

28.520

7.475

1954

29.505

8.174

1955

28.129

7.175

1956

22.094

7.524

1957

22.485

6.880

1958

23.730

7.777

1959

24.495

7.420

1960

28.210

8.480

3.603.666

1961

30.369

10.561

4.065.533

1962

25.455

9.837

2.395.200

1963

24.382

9.880

3.356.400

1964

49.633

10.573

3.089.266

1965

37.713

11.204

3.381.066

3.333.333

62

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

1966

23.760

11.149

3.330.787

1967

14.736

10.953

3.555.400

1968

43.575

11.347

3.085.800

1969

24.936

11.097

3.268.425

1970

34.258

10.986

3.482.458

1971

20.775

11.618

3.068.400

1972

27.129

12.471

3.166.866

1973

24.313

11.158

2.035.133

1974

4.149

9.773

2.821.000

1975

18.116

10.629

2.022.266

1976

18.531

10.057

1.893.800

1977

6.567

10.926

2.553.933

1978

23.140

10.464

1.889.666

1979

27.932

12.106

3.303.000

1980

9.020

7.705

1.452.866

1981

20.601

9.083

2.128.776

1982

17.487

7.511

1.462.925

1983

16.003

7.996

8.787.331

1984

13.653

8.464

6.316.809

1985

13.833

8.009

5.146.675

1986

32.971

9.257

4.555.234

1987

28.221

8.483

4.406.400

1988

24.712

9.684

4.073.467

1989

25.309

9.179

3.825.725

1990

18.451

8.808

1991

23.940

9.078

3.906.024

1992

22.084

8.541

4.086.202

1993

14.140

8.477

4.094.030

1994

10.573

8.306

3.121.685

1995

14.472

8.977

3.714.096

1996

14.383

8.726

3.599.529

1997

14.031

8.875

3.845.318

Exportação

63

DATA

Vinho (pipas) Produção

Açúcar (kgs)

Exportação

Produção

1998

10.744

9.270

3.427.195

1999

15.794

8.677

3.113.856

9.611

2.991.446

2000 2001

2.971.867

2002

2.808.346

2003

3.521.198

2004

4.210.550

i

Exportação

Com 9 Almudes e 3 Canadas

ii Com 21 Almudes e 11 Canadas iii Com 21 Almudes e 11 Canadas

FONTE: DOCUMENTAÇÃO: AN/TT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, Dízimas – Contas Correntes do Rendimento de Pescado e Cabritos da Capitania do Funchal (Direitos), lv.º 742;AN/TT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal,Dízimos – Contas Correntes – Rendas Grandes – Machico (Direitos), lv.º 745;AN/TT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal,Dízimos – Contas Correntes – Rendas Grandes – Machico (Direitos), lv.º 746;AN/TT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, Dízimos – Contas Correntes – Rendas Grandes – e Miunças (Direitos), lv.º 747; AN/TT. Provedoria e Junta da Fazenda, nº965-980; ARM, CMF, registo geral, t.I-VII. RELATORIOS E PARECERES: Relatório apresentado na Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza em 23 de Janeiro de 1835 (conta de 1833-34 e orçamento de 1835-36), Relatório da Sessão Ordinaria de 1850 que teve principio em 28 de Fevereiro de 1850, Relatório da Sessão Ordinaria de 1851 que teve principio em 7 de Janeiro de 1851, Relatório apresentado às cortes na sessão ordinária do ano de 1852, Documentos do Relatório do Ministro e Secretario d´Estado dos Negócios da Fazenda apresentado às cortes na sessão legislativa de 1853, Documentos do Relatório do Ministro e Secretario d´Estado dos Negócios da Fazenda apresentado às cortes na sessão legislativa de 1854, Documentos do Relatório do Ministro e Secretario d´Estado dos Negócios da Fazenda apresentado às cortes na sessão legislativa de 1855, Documentos do Relatório do Ministro e Secretario d´Estado dos Negócios da Fazenda apresentado às cortes na sessão legislativa de 1856, Documentos do Relatório apresentado às cortes na sessão legislativa de 1857, Relatório da Sessão Ordinaria de 1858-1859 que teve principio em 4 de Novembro de 1858, Relatório e documentos da sessão ordinária que teve principio em 26 de Janeiro de 1860,Relatório da Sessão Ordinaria de 1861-1862 que teve principio em 4 de Novembro de 1861,Relatório da sessão ordinária de 1862-63 que teve principio em 4 de Novembro de 1862,Relatorio e documentos apresentados ás cortes pelo ministro e secretario d’estado dos negocios da fazenda na sessãoordinária de 1862-1863,Relatório apresentado às cortes na sessão ordinária de 1864, Relatório apresentado às cortes na sessão ordinária de 25 de Janeiro de 1865, Relatorio e documentos apresentados ás cortes pelo ministro e secretario d’estado dos negocios da fazenda na sessão legislativa de 1866,Documentos do Relatório do Ministro e Secretario d´Estado dos Negócios da Fazenda apresentado às cortes na sessão legislativa de 1866, Relatório e Documentos dos actos do Ministério dos Negócios da Fazenda durante o ano de 1867, Relatório da sessão de 28 de Abril de 1868, Relatório da sessão de 23 de Maio de 1868, Relatório e Documentos dos actos do Ministério dos Negócios da Fazenda durante o ano de 1868, Relatório e Propostas de Lei apresentados à Camara dos Senhores Deputados na sessão de 5 de Maio de 1869, Relatório e Propostas de Lei apresentados à Camara dos Senhores Deputados na sessão de 18 de Maio de 1869, Relatório e Documentos dos actos do Ministério dos Negócios da Fazenda durante o ano de 1869, Relatório e Documentos dos actos do Ministério dos Negócios da Fazenda durante o ano de 1870, Relatório e Propostas de Lei e Documentos apresentados à Camara dos Senhores Deputados na sessão de 31 de Março de 1870, Relatório e Documentos dos Actos do Ministério dos Negócios da Fazenda durante o anno de 1871, Relatório e Documentos dos Actos do Ministério dos Negócios da Fazenda durante o anno de 1872, Relatório e declaração geral do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado do ano económico de 1972, Relatório e Documentos dos actos do Ministério dos Negócios da Fazenda durante o ano de 1873, Relatório e Documentos dos Actos do Ministério dos Negócios da Fazenda

64

durante o anno de 1874, Relatório e Propostas de Lei apresentados à Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza na sessão de 7 de Janeiro de 1874, Relatório e Documentos dos Actos do Ministério dos Negócios da Fazenda durante o anno de 1875. Conta da Receita e Despeza do Thesouro Público: Conta da Receita e Despeza do thesouro Público no anno economico de 1858-1859, Lisboa, Imp. Nacional, 1860, Conta da Receita e Despeza do thesouro Público no anno economico de 1860-1861, Lisboa, Imp. Nacional, 1861, Conta da Receita e Despeza do Thesouro Público no anno economico de 1870-1871, Lisboa, I. Nacional, 1871;Conta da Receita e Despeza do Thesouro Público no anno economico de 1871-1872, Lisboa. Imp. Nacional, 1872,Conta da Receita e Despeza do Thesouro Público no anno economico de 1872-1873, Lisboa. Imp. Nacional, 1873, Conta da Receita e Despeza do Thesouro Público no anno economico de 1873-1874, Lisboa. Imp. Nacional, 1875, Conta da Receita e Despeza do Thesouro Público no anno economico de 1874-1875, Lisboa, I.Nacional, 1875. Ministerio dos Negocios da Fazenda: Contas da das Despezas. Gerência do anno economico de 1863-64 e do exercício de 1862-1863, Lisboa. Imp. Nacional, 1865,Contas da das Despezas. Gerência do anno economico de 1865-1866 e do exercício de 1864-1865, Lisboa. Imp. Nacional, 1867. CONTAS: Conta da Receita e Despeza do Thesouro Público, 1833 – 1883; Resumo da conta da receita e despeza do Thesouro Publico no anno de 1827, Portugal. Tribunal do Tesouro Público, Victorino da Silva Moraes, Apolinario José de Faria, s.n., 1827; Relatorio.... José da Silva Carvalho, conta 1833-34, orçamento: 183536. ORÇAMENTO: Orçamento apresentado às Cortes, 1836 – 1862; Orçamento Geral e proposta de lei da receita e da despesa do Estado na Metrópole, 1863 – 1882. BIBLIOGRAFIA: PEREIRA, Fernando Jasmins, 1990, Documentos sobre a Madeira no Século XVI Existentes no Corpo Cronológico, Lisboa, vol.I; idem, 1991, Estudos sobre História da Madeira, Funchal, 234-342; NOTICIAS de cousas da Ilha da Madeira desde o seu segundo descobrimento pelo Zargo. In Heraldo da Madeira, Nº361-410, 1905, Novembro 1906, Janeiro 4. Anno 11; 348. MEMÓRIAS sobre a creação e augmento do estado ecclesiastico na Ilha da Madeira. in Heraldo da Madeira. Funchal. N.º 564-648, Anno II, 1906, Julho 18.1906, Outubro 19; DIOCESE DO FUNCHAL. In Heraldo da Madeira. Funchal, N.º 526-561, 1906, Maio 29 - 1906, Julho 14, Anno II; NETTO, António Gomes, Manuscripto do Padre António Gomes Netto, in Heraldo da Madeira, nº. 82-967, Funchal, 1907, VIEIRA, ALberto. 2003, A Vinha e o Vinho na História da Madeira. Séculos XV-XX, Funchal, CEHA.

65

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