A Manjedoura e a Hospedaria: O Contexto Cultural de Lucas 2:7

May 26, 2017 | Autor: Tercio Alves | Categoria: Christmas, Estudos do Novo Testamento, Cristology
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A Manjedoura e a Hospedaria: O Contexto Cultural de Lucas 2:7 Kenneth E. Bailey [Dr. Kenneth E. Bailey foi Professor de Novo Testamento; Diretor do Instituto para Estudos de Novo Testamento do Oriente Médio, Escola de Teologia do Oriente Próximo, Beirute - Líbano.] Por que José na cidade de origem da sua família, sendo ele da “da linhagem de Davi”, teve que procurar abrigo em uma hospedaria e ser mandado para um estábulo? Recentemente essa questão foi feita a mim em Beirute. Esse artigo apresenta uma resposta. Nesse breve estudo, eu tentarei demonstrar que Jesus nasceu em uma casa particular, e que a “hospedaria” de Lucas 2:7 é melhor compreendida como um quarto de hóspedes da família em cuja casa o nascimento ocorreu. Recentes estudos tem focado primariamente os interesses teológicos de Lucas.1 Nosso interesse aqui é o contexto cultural dos versos 6-7, os quais nós entendemos ser um material tradicional. De fato, uma análise mais precisa do contexto é exigente tanto para um claro entendimento da tradição original, como para qualquer interpretação de seu uso dentro da estrutura lucana. O contexto palestino do texto completo (vs. 1-7), é claro e forte. Cinco notáveis detalhes do Oriente Médio marcam a passagem. Primeiro, o autor reflete um preciso conhecimento da geografia palestina quando ele mostra a família sagrada “subindo” de Nazaré para Belém. Segundo, o costume de “enfaixar” crianças é um costume popular palestino o qual é observado primeiramente em Ezequiel 16:4 e ainda é praticado hoje. Terceiro, a extensa família de Davi é referida na forma oriental como “casa”. Isso é então explicado para o leitor não originário do Oriente Médio com a frase completa, “casa e linhagem de Davi”. Quarto, a Cristologia Davídica denuncia o texto. Finalmente, Belém recebe dois nomes, “cidade de Davi” (o qual pressupõe algum conhecimento da história do Antigo Testamento), e “Belém”. Dada a natureza palestina do material, tentaremos examinar o contexto cultural da história com cuidado. As premissas culturais desse texto são particularmente críticas pelo fato de que a história vem até nós através de uma longa tradição da Igreja. Muitas 1M.

Baily, "The Crib and Exegesis of Luke 2, 1–20," Irish Ecclesiastical Record, 100 (1963), 358–376; R. E. Brown. "VI. The Birth and Naming of Jesus," in The Birth of the Messiah (London: Geoffrey Chapman. 1977), pp. 393-434; J.D.M. Derrett, "The Manger: Ritual Law and Soteriology," Theology, 74 (1971), 566–571, e "The Manger at Bethlehem: Light on St. Luke’s Technique from Contemporary Jewish Religious Law," in Studia Evangelica, VI, editado por L. A. Livingston (Berlin: Akademia-Verlag, 1973), pp. 86, 94; C.H. Giblin, "Reflections on the Sign of the Manger," Catholic Biblical Quarterly, 29 (1957), 87, 101; M. D. Goulder and M. L. Sanderson, "St. Luke’s Genesis." Journal of Theological Studies, 8 (1957). 12–30; H.L. MacNeill, "The Sitz im Leben of Luke 1:5–2:20, " Journal of Biblical Literature. 65, (1946), 123–130; R.M. Wilson, "Some Recent Studies in the Lucan Infancy Narrative," Studia Evangelica, I (Berlin: Akademia, 1959), 235–253: P. Winter, "Some Observations on the Language in the Birth and Infancy Stories of the Third Gospel," New Testament Studies, 1 (1954–55), 111–121.

versões modernas desse relato estão como a seguir: a Sagrada Família chega à noite. A hospedaria local está “sem vagas” como é claramente demonstrado. O casal cansado, busca alternativas e não encontra nenhuma. Como não há opção, fatigados de sua jornada, desesperados por algum abrigo à causa do iminente parto, eles passam a noite em um estábulo onde a criança nasce. Mas o pilar dessa história popular está categoricamente negado no texto de Lucas. Tradições populares afirmam que a criança nasceu na noite que a família chegou. Mas em 2:4 nos diz que Maria e José “subiram” para Belém. O verso assume sua chegada. Então o verso 6 nos diz, “e enquanto eles estavam ali, os dias foram cumpridos para ela dar à luz.” Dessa maneira o texto supõe um lapso de tempo entre a chegada em Belém e o nascimento de Jesus. Maria “cumpriu seus dias” em Belém.2 Nós podemos facilmente supor algumas semanas, talvez até um mês ou mais. Assim o nascimento aconteceu em um abrigo encontrado por José durante essas semanas. José era tão incompetente a tal ponto de não poder proporcionar um abrigo adequado após buscar por um número significativo de dias? Belém era tão dura de coração que, depois de dias e dias de intensa negociação, um homem com uma esposa grávida seria recusado por todos? Seguramente não. Como então o texto pode ser compreendido? Duas questões emergem: Onde ficava a manjedoura? E, o que era a hospedaria? Essas questões serão discutidas a seguir. Por séculos grande parte da Igreja tem assumido que a manjedoura estava em um estábulo de animais. Três questões aqui sobressaem, e por necessidade, devem ser discutidas juntas. Essas questões são: 1. O lugar era uma caverna? 2. Era um estábulo ou uma casa privada? 3. Estava dentro ou fora da vila? Tratarei de demonstrar que o lugar era provavelmente uma casa particular na vila e que esse lugar poderia ter sido uma caverna. No segundo século Justino nos fala que Jesus nasceu em uma caverna fora da cidade de Belém. O problema não é a caverna como tal, senão que Justino está colocando ela “fora da vila.” Muitas lares de aldeões palestinos são construídos dentro de cavernas.3 Todavia a declaração total de Justino parece menos confiável. Devido a influência que esse texto tem tido, necessitará um estudo. A declaração diz: “Mas quando a criança nasceu em Belém, uma vez que José não pôde encontrar um alojamento na vila, ele ocupou um alojamento em uma certa 2Um

único texto grego do sexto século (Bezae) nos dá uma interessante variante para 6a. Ele diz, “Como eles chegaram os dias foram completados”, em lugar de “e aconteceu que enquanto eles estavam ali os dias se completaram”. O texto Bezae não tem apoio de nenhum texto grego antigo. Isso parece mostrar que Bezae se acomodou ao mito da chegada tardia na noite do nascimento. Os transcritores do texto Bezae foram mais coerentes do que nós. Nosso texto nega a chegada tarde da noite e no entanto nós engenhosamente a mantemos. 3Dalmann tem justamente um diagrama de uma casa de um vilarejo próximo a Jerusalém. Nesse exemplo particular a casa completa está em uma caverna. Cf. Gustaf Dalmann, Arbeit und Sitte in Palästina, Vol. VII (Gütersloh: Hermann Werner, 1940), lamina n.40.

caverna perto da vila; e enquanto eles estavam ali Maria deu à luz Cristo e o colocou em uma manjedoura, e aqui os magos vieram da Arábia e o encontraram. Repito a vocês... que Isaías predisse acerca do sinal que prenunciaria a caverna.”4 A passagem de Isaías alude a Is 33:16 a qual na versão da Septuaginta diz, “Ele habitará em uma cova alta de rochas fortes.” Somos obrigados a suspeitar que Plummer está correto quando ele acusa Justino de ser tendencioso em “converter profecia em história”.5 De fato, através de todo seu diálogo, Justino tenta convencer fortemente o seu antagonista de que Jesus é o Messias citando textos-prova do Antigo Testamento. A passagem citada acima não é exceção. Nós vemos a mesma metodologia em seu trato com Gênesis 49:11 o qual fala do amarrar de um jumentinho à uma vide. Em seu comentário sobre o relato de Lucas acerca da paixão em 19:30 de repente a videira aparece. Justino escreve, “Para a cria de um asno que estava em pé atado à videira na entrada da vila.”6 Mas em outro lugar Justino usa o mesmo verso do Antigo Testamento mas aplica sua alegoria de uma maneira diferente e a videira desaparece.7 Dessa maneira pareceria que a tradição é criada ou pelo menos modelada para ajustar a “profecia”. No lado positivo nós notamos que o relato da chegada tardia à noite não está presente em nenhuma parte. Justino toma seriamente o fato de que o texto claramente afirma uma presença prolongada no povoado antes do nascimento. Mas o leitor fica com dois problemas. Primeiro, a frase “enquanto eles estavam ali” é aplicado à cova fora do povoado em lugar da própria vila (como em Lucas 2:4). Segundo, nós somos cientes de que Belém os lançou fora e dessa maneira eles se dirigiram à cova fora do povoado. O último é o mais problemático dos dois. Isabel uma parente de Maria a quem ela havia visitado recentemente (Lucas 1:39), vivia próximo na “região montanhosa da Judéia”. Se José foi rejeitado em Belém, e se ele não possuía família na região, ele podia recorrer a família dela e facilmente encontrar abrigo. Então em segundo lugar, Lucas nos fala que os pastores visitaram o bebê e ficaram absolutamente alegres com o que eles haviam escutado e visto (Lucas 2:20). Como camponeses do Oriente Médio eles seguramente teriam notícias da acomodação oferecida à Santa Família. Se elas houvesses sido inadequadas, como bons habitantes, eles imediatamente haveriam ajudado a família providenciando outras acomodações. O texto não dá a entender que alguém estava insatisfeito. Dessa maneira a exegese de Justino e sua violação direta e indireta das claras declarações de

4Justin Martyr, Dialogue with Trypho, LXXIX. Cf. The Writings of Justin Martyr and Athenagoras, trad. por M. Dodds, G. Reith and B. P. Pratten (Edinburgh: T. and T. Clark, 1868). pp. 195-196. 5A. Plummer, The Gospel According to S. Luke (Edinburgh: T. and T. Clark, 1922), p, 54 6Justin Martyr, The First Apology of Justin 1:32; cf. Op. cit., p. 34. 7Justin Martyr, Dialogue with Trypho, LIII; cf. Op. cit.. p. 155.

Lucas nos leva a ter graves suspeitas com respeito à precisão de seu relato do nascimento fora da vila apesar de sua antiguidade. Ao mesmo tempo, a tradição da cova em si mesma pode ser histórica. Como indicamos, muitos lares camponeses na Palestina no passado eram ou começaram como covas. Por tanto a “cova” de Justino e a “casa” de Mateus (Mat 2:11) poderiam ser o mesmo lugar. A manjedoura não é um problema conforme veremos. A mesma tradição da “cova” (novamente fora do povoado) é repetida no Protoevangelho de Tiago junto com a adição do mito da chegada tardia à noite. No Protoevangelho os “dias foram cumpridos” não na cova, mas ao longo do caminho. José e Maria tinham que parar porque, como disse Maria, “a criança me pressiona por dentro para sair.” Eles estavam no deserto e José encontrou uma cova (17:3–18:1) onde a criança nasceu e uma quantidade de maravilhas ginecológicas aconteceu.8 Aqui nós temos claramente um movimento de uma tipologia para um mito exagerado. Entre outras coisas, a região montanhosa da Judeia é apenas um deserto. (A pressão em ambos textos para que o nascimento tenha acontecido fora de Belém pode ser teológica como veremos). Dessa maneira, tendo considerado o tradição fora-da-vila como imprecisa e historicamente de pouca confiança, e não havendo encontrado objeções para a cova, voltaremos a um exame da evidencia interna do próprio texto. Toda a evidência cultural interna da história aponta para o nascimento em uma casa privada ou própria. Essa informação está de duas maneiras: o primeiro é a composição da extensão da família no Oriente Médio, e segundo, a estrutura física do lar camponês palestino. Em Lucas 2 nós sabemos que José está retornando ao povoado de Belém do qual sua família era originária. O habitante dessas regiões é profundamente apegado ao povoado de origem de sua família. De fato, sua terra natal é parte integrante de sua identidade.9 Um homem não necessita haver nascido em sua terra de origem. Até se ele nunca esteve ali, de repente no lar de um primo distante, recita sua genealogia e então ele está entre amigos. José necessitou somente dizer, “eu sou José, filho de Jacó, filho de Matã, filho de Eleazar, o filho de Eliú” e imediatamente a resposta pode ter sido, “você é bem-vindo. Que podemos fazer por você?” Se Jose tinha algum membro de sua extensa família no povoado ele estava honradamente seguro de encontra-los. Por outro lado, se ele não tinha parentes ou amigos no povoado, de todos os modos, como um membro da famosa casa de Davi, pelo “bem de Davi”, ele seria bem-vindo em praticamente qualquer lar do povoado. No entanto, se rejeitamos ambas as alternativas e assumimos que José não possuía família ou amigos, que ele não 8O. Cullmann, "Infancy Gospels: the protevangelium of James," in New Testament Apocrypha, Vol. I, ed. por E. Hennecke e W. Schneemelcher (Philadelphia: Westminster, 1963). pp. 383-388. 9Nabote e sua famosa vinha (I Reis 21:1–14) é um clássico exemplo do apego camponês à herança de seus pais. Tal apego é porque os refugiados palestinos no Oriente Médio comum não podiam simplesmente se mover a outro lugar.

apelou para o nome de Davi, inclusive se ele fosse um total estrangeiro aparecendo em uma vila desconhecida – ainda assim seria capaz de encontrar um local seguro para o nascimento de uma criança. De fato, o nascimento de uma criança é uma ocasião especial em qualquer cultura, em qualquer lugar do mundo. A ideia de uma mulher prestes a dar à luz quee não encontra um lugar e assistência das mulheres do povoado no Oriente Médio, inclusive se ela é uma total estrangeira, assombra a imaginação. Somos obrigados a afirmar sobre a base de tudo que conhecemos sobre o cotidiano do Oriente Médio, que é mais provável que José buscou um abrigo adequado em Belém. Esse abrigo, assumimos, foi um lar “ocupado” posto que possuía um quarto de hóspedes que estava cheio (como descobriremos). O que dizer então da manjedoura? O texto nos fala, “ela deu à luz a seu primeiro filho, o envolveu em panos e o colocou em uma manjedoura.” A tradicional compreensão desse verso no mundo Oriental se move ao longo do seguinte trajeto. Jesus estava descansando em uma manjedoura. Manjedouras são naturalmente encontradas em estábulos de animais. Logo, Jesus nasceu em um estábulo. No entanto, em um lar camponês da Palestina e Líbano, a manjedoura está construída no solo da casa. O modelo clássico de um lar do povoado está como a seguir:

A. Área de estar para a família (Arabic-maṣtaba); B. Manjedouras construídas no solo para alimentar os animais (principalmente à noite); C. Pequena área com aproximadamente quatro pés abaixo da área de estar superior sobre a qual a vaca ou o jumento da família era trazido à noite (Arabic-ka’al-bayt). O texto do Novo Testamento por si mesmo supõe um quarto caseiro em Mateus 5:15 onde sabemos que uma lâmpada é colocada sobre um velador para que “ilumine a todos que estão na casa.” Obviamente, a casa pode ter sido um quarto se uma lâmpada brilha sobre todos que estão nela. Ademais, o quarto caseiro com um nível inferior para os animais é pressuposto em Lucas 13:10-17. O boi e/ou jumento da família é trazido para dentro da casa à noite e levado para fora cada manhã. Portanto qualquer um sabia que cada família com algum animal realizava esta simples tarefa no começo de cada novo dia. Deixar os animais na casa durante o dia é social e culturalmente impensável. Tudo isso é pressuposto pelo texto. Jesus sabia que o chefe da sinagoga havia desamarrado seus animais muitas manhãs e os conduzido pra fora da casa. Com absoluta certeza Jesus pôde anunciar diante da sua face que ele fez de fato, levando seus animais para fora muitas manhãs, confidência que aqui ele não replicou.

Estavam os animais em um estabulo separado e o chefe da sinagoga poderia ter se safado por asseverar firmemente, “eu nunca toco os animais no sábado.” Mas se ele tratasse de sustentar que ele deixava os animais na casa todo o dia as pessoas da sinagoga reagiriam com grandes risadas! Logo, ninguém acreditaria nele. Assim o debate simplesmente terminaria, “como ele disse isso, todos seus adversários foram envergonhados” (v.17). Por tanto, no caso de Lucas 2:7, algum palestino lendo a frase, “ela o colocou em uma manjedoura”, imediatamente assumiria que o nascimento aconteceu em uma casa própria, porque ele sabia que manjedouras são construídas no solo do terraço de um lar camponês. Essa proposição é uma parte importante do relato. Os pastores são cientes que a presença de um bebê em uma manjedoura é um sinal para eles. Pastores estavam próximos da parte mais inferior da escada social e de fato, sua profissão era considerada impura por alguns de seus rabis.10 Muitos lugares não os queriam receber. Em muitos lares eles sentiriam sua pobreza e seriam envergonhados por seu baixo status. Mas não – eles não enfrentariam humilhação quando visitassem essa criança porque ele estava posto em uma manjedoura. Isto é, ele nasceu um simples lar rustico com as manjedouras no quarto da família. Ele é um deles. Com certeza eles foram apressadamente. A realidade de um quarto rustico camponês com uma manjedoura no chão, não tem passado inadvertidamente. William Thomson, missionário presbiteriano por um longo período no Líbano, Síria e Palestina, escreveu em 1857, É minha impressão que o nascimento aconteceu em uma casa comum de algum camponês comum, e que o bebê foi posto em uma das manjedouras, assim como são encontradas nas residências de fazendeiros nessa região.11 As duas principais autoridades do século XX sobre a vida palestina e Novo Testamento são Gustaf Dalmann e E.F.F. Bishop. Bishop comenta sobre v. 7 e comenta: Talvez…tenha recorrido a uma das casas de Belém com andar inferior providenciada para os animais, com manjedouras “escavadas em pedras”, os dias providenciados para a família. Com a manjedoura sendo imóvel, cheia de palha triturada, serviria como berço. Um bebê poderia até ser deixado em segurança, especialmente se envolto em panos, quando a mãe estivesse ausente por ocupação temporária.12 10K.

E. Bailey, Poet and Peasant (Grand Rapids: Wm. Eerdmans, 1976), 147. Thomson, The Land and the Book, Vol. II (New York: Harper and Brothers, c. 1858, 1871), p. 503. 12E. F. F. Bishop, Jesus of Palestine (London: Lutterworth Press, 1955). p. 42. Com relação à passagem aqui citada, em seu volume Bishop oferece outra alternativa, a de um berço conectado a uma casa própria camponesa. Isso ignora o fato de que manjedouras estão em lares e o fato que a Santa Família está em Belém por algum tempo. Em um discurso público em 11William

Dalmann, em seu estudo do mesmo verso, registra: No Oriente hoje o local de morada do homem e animal é às vezes em um e no mesmo quarto. É algo completamente normal entre os camponeses e para a família, viver, comer e dormir sobre um tipo de terraço erigido (Arab. mastaba) no mesmo quarto da casa, enquanto o gado, particularmente os jumentos e bois, terem seu lugar abaixo do piso atual (ka’ al-bet) próximo à porta... Sobre este piso as manjedouras são fixadas ou no solo, na parede, até a parede ou em na margem do terraço.13 O próprio Dalmann tem aproximadamente umas cem páginas de fotografias e desenhos em escala de uma grande variedade de tais lares camponeses, as quais correspondem aos seus dois níveis de descrição dados acima.14 Por tanto um lar camponês é o lugar natural para que a Santa Família tenha encontrado guarida e o lugar esperado para encontrar uma manjedoura. No caso de Lucas 2:7 o lar o qual recebeu a Santa Família presumivelmente não estava esperando um bebe e não tinha um berço, mas com uma manjedoura construída no solo, havia pouca necessidade de uma.15 Dessa forma, por que essa alternativa obvia permaneceu obscura? Em alguns casos, demonstra que as pressuposições culturais dos exegetas tem sido postas de lado. Apesar de toda a declaração acima, Dalmann defende o tradicional “nascimento solitário em um estábulo” por razões culturais reveladas. Dalmann crê que José poderia ter tido espaço em uma hospedaria, mas que “nenhum lugar para eles” significa “nenhuma lugar apropriado para o nascimento”(itálico meu).16 Dalmann defende que nem “pousada” ou “alojamento de hóspede” ou “casa própria” proporcionaria a privacidade necessária e portanto José pode ter buscado fora e encontrado um estabulo vazio. Em defesa de seu ponto de vista Dalmann escreve: Qualquer pessoa que se hospeda com um camponês palestino sabe que não obstante sua hospitalidade carência de privacidade é indizivelmente dolorosa. Alguém não pode ter um quarto para si mesmo, e essa pessoa nunca está sozinha ou de dia ou de noite. Eu mesmo às vezes escapava para um lugar aberto simplesmente para pensar.17 A parte surpreendente da notável discussão de Dalmann é a pressuposição de que a Santa Família queria estar só. Ao contrário, é o professor alemão que declara a falta de privacidade “indizivelmente dolorosa,” não o camponês palestino. Para o camponês médio oriental a verdade é exatamente Jerusalém em 1958 Bishop reafirmou sua antiga visão de que o nascimento foi em uma casa própria. 13Gustaf Dalmann, Sacred Sites and Ways, trad, do alemão por by Paul P. Levertoff (London: SPCK, 1935), p. 41. 14G. Dalmann. Arbeit und Sitte in Palästina. plates 1–91. 15Qualquer um dorme sobre o colchão sobre a terra batida no pátio superior no lar camponês tanto que colocar um bebê ali é perfeitamente natural. 16G. Dalmann, Sacred Sites and Ways. p. 41. 17Ibid.

oposta. Estar sozinho é indizivelmente doloroso. Ele faz seu pensamento em uma multidão. Naturalmente, no caso de um nascimento, o homem sentará com seus vizinhos. Mas o quarto estará cheio de mulheres assistindo a parteira.18 Uma casa própria teria camas, água morna com facilidade e todo o necessário para um nascimento campestre. O senso ocidental de Dalmann para a necessidade de privacidade o tem levado a mal interpretar sua própria informação meticulosamente reunida. Sua conclusão de que o sentido de necessidade de privacidade teria forçado Maria e José a rejeitar a opção de uma hospedaria ou um lar e preferir um estabulo vazio é verdadeiramente incrível quando observada do ponto de vista do Oriente Médio. Brown observa que em hospedarias as pessoas dormiam em pátios elevados com os animais no mesmo espaço. Ele comenta: “As hospedarias públicas do tempo não seriam retratadas como cômodas ou confortáveis de acordo aos padrões modernos ou medievais.”19 Isso reconhecemos. Mas nosso ponto é que um dormitório repleto de pessoas dormindo juntamente com os animais sobre um nível térreo no mesmo espaço é cômodo e confortável aos olhos do camponês médio oriental tradicional e sociável, inclusive em tempos modernos. Essas dúvidas podem ser postas de lado e podemos dizer em resumo que todos os aspectos da narrativa, desde as precisas demandas do texto, para a estrutura de um lar campestre, para as dinâmicas de uma extensa família, para a sociologia de um vilarejo camponês apontam para o nascimento em uma casa própria. Isso nos traz para a segunda parte de nossa investigação. O que era então a hospedaria”? A compreensão tradicional de Lucas 2:7b, “porque não havia lugar para eles na kataluma” (hospedaria?), é que José foi para o lugar comercial da hospedaria e foi deslocado para fora e então encontrou abrigo em um estábulo, talvez o estábulo da própria hospedaria. Essa compreensão é vista como inadequada, de ambos pontos de vista cultural e linguístico. Nessa seção tentaremos demonstrar que a pressuposta kataluma foi provavelmente o “quarto de hóspedes” do lar no qual a Santa Família encontrou alojamento. Essa palavra chave kataluma, o qual no Ocidente é tradicionalmente traduzida como “hospedaria,” tem pelo menos 5 significados. Três deles são de valor em vista da conexão com Lucas 2:7. São estas: 18Miller

sugere que o nascimento “foi provavelmente sem acompanhamento” porque Maria envolveu com panos seu próprio filho Cf. D.G. Miller, Saint Luke (London: SCM, 1959), p. 35. A suposição da observação de Miller é que a mãe em sua suposta condição debilitada após o parto não escolheria vestir sua própria criança se houvesse tido assistência. A dificuldade com essa suposição é que a mulher camponesa palestina não fica fisicamente incapacitada pelo parto. O presente escritor ouviu de primeira mão, relatos de mulheres palestinas camponesas cujas dores de parto sobrevieram a elas no campo; ali mesmo elas deram à luz, então apanharam o seu bebê e retornaram ao vilarejo sem nenhum esforço sobre-humano requerido. A palestina camponesa é fisicamente capaz de envolver seu próprio filho depois do nascimento e é somente natural que Maria escolheria faze-lo também. Depois de tudo, se ela estivesse sozinha, José não poderia fazer isso para ela? Em síntese, quando Maria envolve a Jesus ela mesma, não significa que ela estava sozinha. 19 19. R. E. Brown, p. 400.

1. hospedaria 2. casa 3. quarto de hóspedes Cada opção dessa pode ser examinada à seguir. Primeiro é a tradicional “hospedaria.” Uma hospedaria por definição é um estabelecimento comercial para estrangeiros e viajantes. Brown considera que algum tipo hospedaria comercial é provável por que: Nos tempos do NT a opinião religiosa sobre hospitalidade para com estrangeiros (típico de cultura tribais e nômades) havia deteriorado, tanto que se um viajante não tivesse amigos ou parentes na região, ele teria que buscar o abrigo mais impessoal.20 Sua única evidencia para essa notável declaração é o fato que os romanos construíram lugares de parada para comerciantes e que sinagogas às vezes proporcionavam hospitalidade. No entanto, os trinta anos de experiência do presente autor com aldeões no Oriente Médio é que a intensidade da honra mostrada para com os convidados de passagem ainda é muito forte, especialmente quando este está retornando e é um filho da vila que está buscando abrigo. Temos observado casos onde uma vila inteira tem saído em uma grande celebração para receber um jovem que havia chegado de repente na vila a qual seu avô havia deixado anos antes. Naturalmente diferenças de linguagem, costume e política obrigaram os romanos imperialistas a fazerem seus próprios arranjos. Reconhecemos que ocasionalmente judeus em grandes quantidades poderiam dormir na sinagoga. Mas isso não tira o valor da hospitalidade especial que o aldeão do Oriente Médio no passado e presente estende aos hospedes em geral e a um dos seus em particular. Dessa forma podemos afirmar que a presença das mansões romanas e a abertura das sinagogas para os hospedes judeus de nenhuma maneira demonstram um declínio significante da tradicional hospitalidade médio oriental, especialmente se o hospede afirmar ser a vila, o lar de seus ancestrais. No entanto, mais que isso, a mesma ideia da hospedaria é problemática em muitos fundamentos. Primeiro, Lucas usa pandokheion para uma hospedaria comercial (cf. Lucas 10:34). Essa palavra comum para uma hospedaria não é encontrada em nosso texto. Segundo, o único outro uso do substantivo kataluma nos evangelhos está em Lucas 22:11 (e sua passagem paralela em Marcos 14:14) onde claramente não significa uma hospedaria. Em terceiro lugar então, como temos observado, um homem retornando ao seu vilarejo de origem insulta sua família indo para uma hospedaria. Quarto, permanece completamente incerto se Belém teria ou não uma hospedaria comercial. Jeremias fala de uma companhia de pessoas que ficou em “Gerute-Quimã perto de Belém” (Jer 41:17). A palavra “Gerute” bem pode significar um lugar de alojamento. Mas ainda assim, isso apenas demonstra que tal lugar estava em ocupação e em Belém 500 anos mais tarde após a região haver sido destruída pelos babilônios, gregos, ptolomeus, selêucidas e romanos. 20 Ibid.

Não somos conscientes de alguma evidencia para uma hospedaria comercial próxima ou na vila depois do exilio. Hospedarias, como agora então, são encontradas sobre os caminhos principais. Nenhuma estrada romana principal passava através de Belém. Pequenas vilas sobre estradas menores não tinham hospedarias. A frase de Brown, “a bem conhecida hospedaria do viajante em ou próxima de Belém” é dificilmente justificada.21 Quinto, algum tipo de hospedaria é culturalmente inaceitável como o lugar de nascimento de uma criança. Não é uma questão de privacidade (contra Dalmann), senão o profundo sentido que um nascimento ocorra em uma casa. O texto não diz que a kataluma não estava conveniente, senão que estava cheia. Dessa maneira a kataluma foi um lugar onde o nascimento poderia apropriadamente ter acontecido, e uma hospedaria não é tal lugar. Finalmente, as versões arábicas e siríacas por 1900 anos nunca tem traduzido kataluma com a palavra hospedaria. Essa tradução é nossa herança ocidental. Por tanto, dos muitos pontos de vista, “hospedaria” é uma tradução inadequada de kataluma. O que então de “casa”? A New English Bible traduz kataluma como casa. Essa compreensão é um movimento encorajador na direção correta. Com isso a tradução culturalmente inaceitável de “hospedaria” é abandonada e a Santa Família assume estar sob a proteção e abrigo de uma casa própria. No entanto a tradução “casa” cria dois problemas gigantescos. Primeiro, se a manjedoura está na casa por que é dito que ela é direcionada para fora do lugar onde as manjedouras são situadas e então é dito que ela colocou seu filho em uma manjedoura? E segundo, se eles são bem vindos no lar, o senhor da casa nunca deslocaria uma futura mãe para fora em um estábulo. Essas considerações efetivamente eliminam essa opção. O que dizer então de nossa terceira alternativa? Em Lucas 2;7 kataluma é melhor compreendido como um “quarto de hospedes.” Isso é claramente o que a palavra significa em Lucas 22:11 e Marcos 14:14. Com a evidencia linguística externa incerta, pareceria apropriado dar um grande peso à evidencia interna. Brisho escreve: “Se kataluma significa um quarto de hóspedes em Marcos e Lucas ao final da vida do Senhor por que não no começo em Belém?22 Essa posição tem sido recentemente defendida por Miguens.23 Brown rejeita a proposta de Miguens e deixa o problema sem resolver. Brown argumenta primeiro contra kataluma como sendo uma “casa própria” de algum parente por causa da ausência de “alguma explicação para a falta de hospitalidade para um parente político levando uma criança.”24 Ele rejeita um “quarto na casa” porque o argumento tem sido atacado por alguns especialistas por um argumento inconvincente adicional acerca do berço perdurado no teto e porque a kataluma tem um artigo definido. Com respeito ao 21Ibid. 22E.

F. F. Bishop, p. 42. Miguens, "’In una mangatoia, perche non c’era posto...,’"Bibbia e Oriente, Vol. 2 (1960). 193–198. Esse trabalho não disponível para mim, é citado por R. Brown, p. 400. 24R. E. Brown, p. 400. 23M.

raciocínio de Brown, podemos replicar que o lar próprio que ele sugere pode ou não pode ser relativo. Nem falta de amabilidade ou ausência de hospitalidade está implicada quando a Santa Família toma o quarto próprio da família do lar o qual eles são recebidos. O aposento está cheio. Não se espera que o anfitrião peça aos hospedes prioritários (ou um filho de recém casados) para irem embora. Tal atitude seria impensável e, em algum caso, desnecessária. Garantimos que a sugestão de um berço pendurado no teto é linguisticamente e culturalmente inconvincente, mas a opção de um “quarto de hospedes” para kataluma estará separada dele em algum caso. Em consideração ao artigo definido, o “quarto de hospedes” de Lucas 22:11 também tem o artigo definido e ali o sentido de “quarto de hospedes” é inconfundível. Nos oporíamos a que a presença do artigo definido reforça nosso argumento. Não é “um quarto” mas é “o quarto de hospedes”. De quê? Do lar, naturalmente. Essa opção cumpre admiravelmente ambos os requisitos linguísticos do texto e os requisitos do cenário do povoado. Essa tradução nos permite compreender o seguinte: José e Maria chegaram em Belém; José encontra abrigo com uma família; a família tem um quarto de hospedes separado mas está cheio. O casal é acomodado entre a família em um estilo aldeão aceitável. O nascimento acontece ali no terraço inferior da casa da família e o bebe e posto em uma manjedoura. O texto é enigmático e esperamos alguma informação adicional. No entanto, se adotamos um leitor palestino, a presente forma faz bastante sentido. Isso pode ser visto como a seguir: O autor registra, “E ela deu à luz ao seu filho primogênito e o envolveu com panos, e o colocou em uma manjedoura.” O leitor institivamente pensa, “Manjedoura — oh — eles estavam no quarto próprio da família. Por que não no quarto de hospedes?” O autor institivamente responde, “Porque não havia lugar para eles no quarto de hospedes.” O leitor conclui, “Ah, sim — bem, o dormitório da família é mais apropriado de todos os modos.” Dessa maneira, com a tradução “quarto de hospedes”, todas as peças culturais, linguísticas e histórica caem em seu lugar. Isso nos leva a uma questão a mais. A saber, teriam as casas um quarto simplesmente ou quartos de hospedes? A objeção poderia ser levantada já que uma casa com um quarto certamente é muito simples para ter um quarto de hóspedes. A pressuposição por trás dessa questão é que, claro, ninguém quer os animais na casa, e alguém que pôde construir um quarto de hospedes seguramente construiria primeiro um estábulo e colocaria os animais fora da casa. Mas tal não é o caso. O tradicional agricultor médio oriental vive perto da natureza e de fato quer os animais em sua casa por pelo menos duas razões

que pode verbalizar. Primeiro, os animais ajudam a aquecer a casa no inverno.25 Segundo, quando eles estão no mesmo quarto o camponês dorme seguro que eles não serão furtados. Seguramente o chefe da sinagoga em Lucas 13:15 poderia ser classificado socialmente como pequeno sobre o fazendeiro comum. Por tanto como observamos, o texto admite que ele tinha animais na casa. Somos nós no Ocidente que temos decidido que a vida com estes dóceis animais é culturalmente inaceitável. O terraço superior sobre o qual a família come, dorme e vive é não é sujado pelos animais. Esses animais são levados para fora cada dia e o nível inferior é limpado. Sua presença não é uma forma de ofensa. Ademais, Dalmann dá um número de desenhos detalhados de lares camponeses os quais precisamente detalham nosso ponto. Na lamina n.31 o quarto da família é um grande quarto comprido necessitando três pilares postos para suportar o teto. Todavia, a casa é um quarto com a terraço de estar da família (Wohnterrasse) e um nível inferior (Hausboden) com manjedouras (Futtertroger) construídas no solo do nível anterior. Essa mesma casa tem um quarto de hospedes especial contiguo (Gastehaus). Uma casa tal encaixa precisamente os requisitos de Lucas 2:7.26 Isso nos leva a perguntar se ou não, essa opção tem sido considerada por modernos especialistas de outra maneira que Bishop, Dalmann, Thompson e Miguens. Eruditos por um longo período tem apontado “quarto de hóspedes” como um significado primário para kataluma. Moulton e Millingan sugerem “lugar de alojamento” para Lucas 2:7 e olham, “Elsewhere in Biblical Greek, por exemplo 1 Reis 1:13 (sic. 1:18), tem mais bem o sentido de ‘quarto de hóspedes.’27 Plummer tempos atrás questionou a tradução “pousada” para kataluma. Ele escreve, “É possível que José tivesse contado com a hospitalidade de alguns amigos em Belém, de quem ‘o quarto de hóspedes’ no entanto estava totalmente cheio quando ele e Maria chegaram. Veja em xxii. 11.”28 Leaney traduz como “casa de hospedes” mas não discute a questão.29 Marshal e Danker rejeitam “hospedaria” em preferência de um “quarto na casa,” mas então afirma o lugar

25Essa

é uma possível solução parcial para a crise energética no mundo oriental que talvez poderia ser dada alguma consideração. 26Dalmann, Arbeit und Sitte, plate n. 31. Em sua lâmina n. 60 está um segundo exemplo do tipo de arranjo idêntico, somente nesse caso o quarto da família e o quarto de hóspedes são idênticos em tamanhos, indicando a importância do hóspede na mentalidade campesina. Certamente cada lar camponês não tinha um quarto de hóspedes. O lar onde a Santa Família ficou o possuía, mas ele estava cheio. 27J. H. Moulton and George Milligan, The Vocabulary of the Greek Testament (Grand Rapids: Wm. Eerdmans. c. 1930. 1963). p. 329. 28Alfred Plummer, p. 54. 29A.R.C. Leaney, A Commentary on the Gospel According to St. Luke in Black’s New Testament Commentaries (Second Edition; London: Adam and Charles Black, 1966), p. 93.

de nascimento ser um lugar para alguns animais.30 Brown deixa a questão por resolver e traduz “alojamento” para kataluma.31 Em resumo, o significado próprio de Lucas para “quarto de hospedes” tem sido reconhecido por longo tempo mas não usado em traduções devido a uma compreensão inadequada do contexto cultural completo do lar camponês palestino com suas manjedouras no quarto da família. Isso nos traz a uma questão final importante a qual é, como tem sido o texto entendido no Oriente Médio por si mesmo? Presumivelmente a cultura em torno do texto seria entendida aqui no Oriente Médio e refletida na tradução e comentário. O que encontramos então? Temos observado que Justino admite tempo gasto na vila e então insiste que José nada encontrou e recorreu a uma caverna fora da vila. A tradição da caverna temos aceitado. Mas por que a insistência por Justino e o Protoevangelho de Tiago que o nascimento aconteceu fora da vila no lugar do que Lucas simplesmente declara? Depois, lendo um número de Pais, Árabes e Siríacos sobre a questão, um tem a distinta sensação de que há uma pressão subjetiva oculta para compreender o nascimento como tendo acontecido em um lugar sem testemunhas, por causa da sagrada natureza da “mãe de Deus” dando à luz ao “filho de Deus.” Assim como os sacramentos são consagrados em absoluto isolamento detrás da proteção do altar, e inclusive os olhos do crente não podem olhar o santo acontecimento, também assim a Cristologia Medio Oriental, Mariologia e piedade parecem combinar para insistir que o nascimento aconteceu onde nenhum olho contemplou o divino mistério. Por isso para ser possível que o relato possa acontecer fora do povoado em algum ponto isolado. Não é possível assumir que o relato fora-da-vila de Justino vem desse tipo de pressão teológica? Nós podemos adicionar a isso a primitiva alegorização do texto do Novo Testamento, onde a atenção é focada sobre o significado místico e alegórico por trás das palavras e o exegeta não está interessado na humanidade da encarnação em seu entorno palestino. Uma nova versão reveladora do relato de Justino, combinada com uma elaborada alegoria, pode ser vista no grande comentador do duodécimo século da igreja síria, ibn Ṣalībī. Ele interpreta Lucas 2:7b dizendo: Espiritualmente interpretado, envolver com panos e roupas significa que Cristo levou nossos pecados e que Ele foi pregado na Cruz para limpar o velho homem por Seu sangue. Também as roupas e envolturas são sinais de pobreza e liberdade desse mundo por sua bondade. Ele se entregou para ser posto em uma manjedoura para que ele pudesse ser levantado em favor da raça humana a qual é como bestas e animais e nisso cometeu o crime de vil rebelião. Dessa maneira Cristo

30Frederick

W. Danker, Jesus and the New Age (St. Louis: Clayton Publishing House, 1972), p. 25:1. H. Marshall, The Gospel of Luke (Exter: Paternoster. 1978), p. 107. 31R. E. Brown, P. 400.

suportou para nos retornar a Si mesmo e nos dar o poder da vida e beber do vinho do regozijo. Se diz que a manjedoura refere-se ao sepulcro porque o mestre morreu e esteve sepultado em um sepulcro que parece uma manjedoura. Lucas explica o colocar Cristo em uma manjedoura dizendo que não havia lugar para Maria e José em nenhum alojamento ou casas por causa dos muitos viajantes da casa de Davi vindo para o recenseamento. Assim que dois deles foram obrigados a ir para uma cova próxima de Belém a qual era um abrigo para animais32 (minha tradução). Aqui nós entramos em um mundo exegético totalmente diferente. Esse venerável relato da patrística é rico em espiritualidade de seu tempo e sua tradição é de grande valor para o leitor. É de pouca ajuda, no entanto, em nossa tentativa de recuperar a intenção palestina original do material. As versões sírias e árabes, como Brown, tem optado por palavras neutras, tais como “alojamentos,” como suas tradições focam as alegorias do período medieval. Então o que tudo isso significa para o crente quando estamos diante da lembrança do milagre da encarnação? Estamos diante do enorme peso da tradição da igreja a qual nos envolve com o mito “não havia lugar na hospedaria.” Se nossas conclusões são válidas, milhares de bons sermões natalinos, dramas, tiras de filmes, filmes, poemas, músicas e livros deverão ser descartados. Mas é o tradicional mito do nascimento solitário em um estábulo uma ajuda ou obstáculo para a realidade que o texto proclama? Seguramente uma compreensão cultural mais autentica realça o significado da história em lugar de diminui-la. Jesus é rejeitado em seu nascimento por Herodes. Mas os pastores de Belém o receberam com grande jubilo, assim como o povo comum em anos mais tarde. A cidade de Davi foi sincera para reconhece-lo, e a comunidade do povo o acolheu. Ele nasceu entre eles, no ambiente natural de nascimento de qualquer garoto camponês, rodeado de mãos ajudadoras e vozes femininas encorajadoras. Por séculos camponeses palestinos tem nascido sobre o os terraços elevados do quarto de uma casa da família. O nascimento de Jesus não foi diferente. Sua encarnação foi autentica. Seu nascimento aconteceu mais provavelmente no lugar onde cada camponês nasce – em um lar campestre. Poderemos e teologizaremos sobre o glorioso Cristo ressurreto quando nos encontremos na Eucaristia. Mas uma apropriada compreensão do relato do seu nascimento nos força a não perder a visão de Um que “tomou sobre si mesmo a forma de servo e foi encontrado na forma de homem.” E, depois de tudo, é possível ainda para nós cantarmos: Boi e asnos se prostram diante dele, Por que ele está na manjedoura agora; Cristo nasce para salvar, 32Dīyunīsiyūs

Ya’qūb ibn al-Salībī. Kitāb al Durr al-Farīd fī Tafsīr al-’Ahd al-Jadīd (Cairo: n.p., 1914), Vol. II. p. 44.

Cristo nasce para salvar.1

1Associates

for Biblical Research, Bible and Spade (1981) Volume 10 (Associates for Biblical Research, 1981; 2005), vnp.10.2.74-85.

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