A marinha de guerra de Luís XIV

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Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Ano Lectivo: 2015/2016 - 2º Semestre Curso: História Cadeira: História Moderna (Economia e Sociedade) Docente: Prof.ª Maria Leonor García da Cruz

A marinha de guerra de Luís XIV

Aluno: Irene Tavares Nº: 52197

Lisboa, Maio de 2016

Índice Conteúdo

Página

Introdução ......................................................................................................................... 3 1.

Contexto da situação política e económica do início da Europa Moderna ............... 4

2.

França antes de Luís XIV .......................................................................................... 6

3.

Medidas mercantilistas de Colbert – França de Luís XIV ........................................ 8

4.

Evolução e desenvolvimento de uma marinha de guerra ........................................ 10

5.

4.1.

Primeiras medidas de Colbert para a marinha ................................................. 12

4.2.

A marinha e as províncias ................................................................................ 13

4.3.

As frotas e navios da marinha .......................................................................... 14

4.4.

Administração da marinha real francesa .......................................................... 15

Consequências do desenvolvimento da marinha de guerra ..................................... 18

Conclusão ....................................................................................................................... 21 Bibliografia ..................................................................................................................... 22 OBRAS GERAIS OU DE REFERÊNCIA: ........................................................................ 22 OBRAS ESPECÍFICAS : ................................................................................................ 22 FONTES PRIMÁRIAS : ................................................................................................. 23 FONTES SECUNDÁRIAS : ............................................................................................. 24

2

Introdução Este trabalho trata de explicar a evolução e a importância que teve a marinha de guerra francesa desde Richelieu a Luís XIV; e será feito a partir de obras bibliográficas e duas fontes principais: A primeira fonte analisada faz parte das Lettres et instructions et mémoires de Colbert, e trata essencialmente daquilo que é a sua política económica. Esta carta faz parte de uma coletânea feita por Pierre Clément, um historiador do século XIX. Esta coletânea é, de longe, a mais importante das fontes de informação impressa. As introduções e o apêndice contêm uma boa seleção de éditos e escrituras, ilustrando a política económica de Colbert. Em 1836, ele foi enviado a Paris para recolher e publicar todos os documentos deixados por Jean-Baptiste Colbert, o que o ocupou a maior parte da sua vida. A sua principal obra é história da vida e administração de Colbert publicado em 1846 e reeditado em dois volumes em 1874 sob o título História de Colbert e sua administração. Estes trabalhos contribuíram bastante para o estudo da sociedade moderna do século XVII e XVIII e para a história da economia mundial. Resumidamente, neste texto Colbert refere a importância de exportar cada vez mais produtos estrangeiros e importar cada vez menos produtos do estrangeiro. Também destaca a importância do investimento na indústria para aumentar a produção e criar excedentes para depois os vender ao estrangeiro. Já a segunda fonte analisada trata da legislação e da disciplina interna em relação à marinha de guerra francesa e às colónias. Faz parte do decreto de 15 de Abril de 1689 a respeito da ordenança das forças e arsenais navais (L'ordonnance de 1689 concerne les armées navales et les arsenaux de marine). A fonte analisada é uma síntese de todos os éditos, ordenanças, regulamentos e decisões tomadas em relação à marinha, e é constituída por 23 livros compostos, com os títulos subdivididos em artigos. Nesta fonte, especificamente, trata-se do Livro VIII - Alistamento, sensibilização, distribuição, pagamento e recompensas de suboficiais, marinheiros e outros agentes da marinha que prestam serviço a bordo de navios de Sua Majestade (De l'enrôlement, levée, distribution, payement et récompense des officiers mariniers, matelots et autres gens servant sur les vaisseaux de Sa Majesté).

3

1. Contexto da situação política e económica do início da Europa Moderna É preciso fazer uma contextualização deste período para se perceber a necessidade do aperfeiçoamento da marinha de guerra francesa. Há a necessidade de fazer uma divisão na Europa da Idade Moderna: o Renascimento (séc. XV-XVII) e a Era das monarquias centralizadas ou “Absolutas” (séc. XVII-séc. XIX). Em termos políticos, na Europa do século XVII encontramos Estados centralizados como o de Louis XIV (que governou a França de 1643 a 1715), Pedro, o Grande (governou a Rússia de 1682 a 1725), Maria Teresa (terras dos Habsburgos, governou de 1740 a 1780) e Frederico, o grande (Prússia, de 1740 a 1786). Estes monarcas e governadores produziram poderosos Estados centralizados, com exércitos fortes e burocracias poderosas, tudo sob o controle deles mesmos1. A Guerra dos Trinta Anos foi travada entre 1618 e 1648, entre a Alemanha e os territórios vizinhos, e envolveu a maior parte das grandes potências europeias, exceto a Inglaterra e a Rússia. Esta guerra começou primeiramente como um conflito religioso entre protestantes e católicos em Boémia, mas depois desenvolveu-se rapidamente numa guerra geral. O maior impacto da guerra foi a devastação de regiões inteiras eliminadas pelos exércitos de forrageamento2, o que originou episódios de fome generalizada e de doenças, que devastaram a população dos Estados Alemães, dos Países Baixos, Boémia e Itália, resultando também no enfraquecimento de muitos poderes regionais destas zonas. Entre um quarto e um terço da população alemã morreu por causas militares diretas ou de doença e fome. A guerra durou trinta anos, mas os conflitos que a desencadearam continuaram sem solução por um tempo muito mais longo3. Em termos religiosos, as reformas religiosas protestantes tiveram efeitos profundos sobre a unidade da Europa. Não só passaram a existir nações divididas por

1

BELOFF, Max, The age of absolutism, 1660–1815, Harper Torchbooks1966, Nova Yorque, Págs. 28-46

2

Exércitos que buscam recursos naturais como alimentos e pilham o que existir no local.

3

KAMEN, Henry, "The Economic and Social Consequences of the Thirty Years' War," Past and Present

(1968), págs. 44 – 61

4

orientação religiosa, mas alguns estados foram atingidos internamente por conflitos religiosos, promovidos pelos seus inimigos externos. A França sofreu este destino no século XVI nas conhecidas Guerras Francesas da Religião (1559-1598)4, que terminaram com o triunfo da dinastia de Bourbon5. A Inglaterra, evitando este mesmo destino, estabeleceu com a rainha Elizabeth um anglicanismo moderado. Neste período, grande parte da Alemanha era composta de vários pequenos Estados soberanos no âmbito do quadro teórico do Sacro Império Romano-Germânico, que foi dividido em linhas sectárias6. A Comunidade Polaco-Lituana é notável neste tempo pela sua indiferença religiosa e uma imunidade geral para com os horrores do conflito religioso europeu. Em termos económicos, durante todo o início deste período, o capitalismo (através do mercantilismo) foi substituindo o feudalismo como a principal forma de organização económica, pelo menos no ocidente europeu. Os descobrimentos e a expansão europeia levaram a uma espécie de “Revolução Comercial” com novos produtos e matérias-primas trazidas da Ásia, da África e da América e comercializados na Europa. O período também é conhecido pelo surgimento da ciência moderna e da aplicação das suas conclusões em melhorias tecnológicas, o que iria mais tarde, depois de 1750, originar a Revolução Industrial7. Luís XIV inicia o seu reinado em 1661 após a morte do seu ministro-chefe, o cardeal italiano Mazarino. Este rei era um adepto do conceito do direito divino dos reis, ou seja, defende a origem divina do regime monárquico. Então Luís continuou a obra dos seus antecessores na centralização do Estado, governando a partir da capital. Ele procurou eliminar o feudalismo que persistia em algumas partes da França, então tentou convencer muitos nobres e senhores a habitar o seu palácio; daí a necessidade de se construir

4

Período de guerras civis e operações militares, travadas principalmente entre franceses católicos e

protestantes (huguenotes e calvinistas). O conflito envolveu disputas entre fações e entre as casas aristocráticas da França, como a Casa de Bourbon e a Casa de Guise (Lorena), e ambos os lados receberam assistência de fações estrangeiras. 5

CARTER, Lindberg, The European Reformations, Oxford: Blackwell, p. 292

6

CONTAMINE, Philippe, War and Competition Between States, Oxford University Press, 2000, Oxford,

pág. 104 7

DE PRADA, Valentin Vásquez, História Económica Mundial (I – Das origens à revolução industrial),

Companhia Editora do Minho, 1994, Barcelos, pág. 225

5

Versailles (antigo edifício de caça, pertencente ao pai de Luís XIV), constituindo-se assim a corte real do rei. Então houve esta tentativa de se pacificar a aristocracia (muitos tinham participado na rebelião de Fronda). Durante o seu reinado, a França tornou-se na principal potência europeia e travaram-se três guerras principais: a Guerra Franco-Holandesa8, a Guerra da Liga de Augsburg9, e a Guerra da Sucessão Espanhola10. Também houve dois conflitos menores: a Guerra de Devolução11 e da Guerra das reuniões. Luís também deveu o seu sucesso a grandes trabalhos de homens como Mazarino, Colbert, Luís o Grande Condé, Turenne e Vauban, bem como Molière, Racine, Boileau, La Fontaine, Lully, Marais, Le Brun, Rigaud Bossuet, Le Vau, Mansart, Charles e Claude Perrault, e Le Nôtre12.

2. França antes de Luís XIV A França, na primeira metade do século XVII, esteve sob um estado de transição; poucos ou ninguém sabia que caminho a França iria seguir. Sob Richelieu e Mazarino a paz era desconhecida: rebelião e guerra sem fim resumem a história política do período. O nascimento da França moderna foi um tempo de agonia. Richelieu encontrou a França

8

Tratou-se de um conflito militar entre o Reino da França, o Bispado de Münster, o Eleitorado de Colónia

e o Reino da Inglaterra contra as Províncias Unidas. Os Holandeses, mais tarde, receberam o apoio do Sacro Império Romano-Germânico, de Brandeburgo e da Espanha, formando a Quádrupla Aliança. O conflito terminou com o Tratado de Nimega em 1678, que garantiu o controlo do Franco- Condado. 9

Também conhecida como guerra dos nove anos, foi um conflito travado entre a Europa e as colónias

americanas, entre 1688 e 1697. Este conflito colocou a França contra a Liga de Augsburgo, e ficou conhecida em 1689, com a entrada da Inglaterra, com o nome de Grande Aliança. O conflito terminou com a assinatura do Tratado de Ryswick. 10

Foi um conflito disputado entre 1702 e 1714, pelo direito da sucessão À coroa espanhola, depois da morte

do último monarca da Casa de Habsburgo, Carlos II de Espanha, sem deixar herdeiros à rainha Maria Luísa d'Orleães, a qual pertencia à família real francesa. A morte precoce de José Fernando da Baviera, Príncipe das Astúrias, levou Filipe V de Espanha (neto de Luís XIV) ao trono espanhol, que ganhará o trono por testamento de Carlos II (1700); isto deu início à dinastia de Bourbon na Espanha. 11

Conflito bélico entre a Espanha e a França. Começou com a invasão de Luís XIV aos Países Baixos

Espanhóis, sobre o pretexto de que o dote da sua esposa Maria Teresa de Áustria não tinha sido pago. Foi resolvido com o Tratado de Aquisgrán em 1668 e com a vitória da França. 12

DUNLOP Ian, Louis XIV, St. Martin's Press, 1ª edição, 2001, pág. 12

6

como uma das mais poderosas nações europeias; a sua política, completada pela diplomacia subtil de Mazarino, tornou-o dos ministros mais conhecidos da história francesa. A paz de Vestefália13 e a paz dos Pirenéus14 são a prova da mudança no equilíbrio do poder15. Interiormente a paz tinha sido alcançada; a força e a diplomacia tinham esmagado a independência dos huguenotes e dos nobres. Após o fim da revolta da Fronda, os nobres tornam-se meros fantoches para a coroa. Nas províncias, os parlamentos locais tinham sido suprimidos e tinham perdido a sua independência de ação. A sua única função era obedecer às ordens do rei. A França foi unida, com fronteiras bem definidas e um povo homogêneo. No entanto, os mais pobres do povo foram arruinados pela extração de impostos. As galés e as prisões estavam cheias, não com criminosos, mas com inadimplentes contribuintes e colecionadores. Os nobres e o clero reivindicaram o privilégio de isenção; e até mesmo os membros mais ricos do terceiro estado ganharam imunidade por suborno e meios indiretos16. A combinação favorável de circunstâncias veio em auxílio da França no momento crítico. Paz, no interior e no exterior, tinha sido assegurada; a morte de Mazarino e a desgraça de Fouquet removeu dois dos principais obstáculos à reforma. Mas deve-se admitir que, sem medidas violentas e exercício arbitrário da autoridade real, nenhuma melhoria era possível. É fácil de desenhar um quadro sombrio da destruição da independência local, o ataque de esmagamento em toda a liberdade civil e religiosa; mas pode ser apontado, em resposta, que independência local era, na época, simplesmente equivalente a tirania local, a opressão do fraco pelo forte, e que a liberdade era apenas anarquia disfarçada17. A cura para a anarquia é o despotismo. A grande necessidade da França na época era a unidade, condição essencial para uma futura existência nacional. Esta unidade só foi possível através da consolidação do poder real. Os únicos meios para

13

Uma série de tratados que encerraram a Guerra dos Trinta Anos e também reconheceram oficialmente as

Províncias Unidas e a Confederação Suíça. 14

Acordo de paz assinado em 1659 entre a França e a Espanha no âmbito da guerra dos trinta anos. O

tratado reconhecia Filipe IV de Espanha como rei de Portugal e da Catalunha. 15

SARGENT, Arthur John, The Economic Policy of Colbert, Batoche Books, Kitchener, 2004, pág. 8

16

CONTAMINE, Philippe, op cit, pág. 112

17

SARGENT, Arthur John, op cit, pag. 9

7

a sua realização foi a repressão violenta dos elementos dissonantes no Estado. A força foi igualmente necessária para corrigir a corrupção do sistema financeiro18.

3. Medidas mercantilistas de Colbert – França de Luís XIV Em 1640, Jean Baptiste Colbert tinha entrado no escritório do Secretário de Guerra, Le Tellier. Em 1649 ele tinha avançado ao ponto de ser nomeado Conselheiro de Estado, e sobre o mesmo período, ele tornou-se o agente de comunicação entre Le Tellier e Mazarino, durante a ausência deste último. A partir deste momento, a carreira de Colbert foi um progresso constante que se deve inteiramente ao seu próprio esforço. Ele insistiu em funcionários que cumpriam a função para o qual foram nomeados. Como administrador, Colbert queria reduzir o número de funcionários para o mínimo necessário, para a devida execução dos negócios públicos, obrigando-os a desempenhar completamente as suas funções. Habile homme d'affaires é talvez o epíteto mais verdadeiro que foi aplicado a Colbert, uma alcunha suficientemente clara no seu significado e nas implicações19. Colbert foi recomendado ao rei Louis XIV por Mazarino enquanto este estava no exílio, sendo convidado em 1652 para gerir os negócios quanto o cardeal estava fora. Esta nova responsabilidade iria separar Colbert da sua outra função como comissário de guerra. Colbert, no início, defendeu todos os interesses do cardeal, embora isso mais tarde mudasse. A primeira tentativa de Colbert para instaurar uma reforma nos impostos veio como uma forma de memória a Mazarino, mostrando que no total de todos os impostos pagos pelo povo, nem metade iria chegar ao rei. Esta medida também iria atacar o anterior ministro das finanças, Nicolas Fouquet20. Em 1661 morre Mazarino, e Colbert tornou-se em 1664 o superintendente das construções; em 1665 torna-se o controlador geral das finanças, e em 1669 torna-se o secretário da marinha, ganhando também compromissos como ministro do comércio, das

18

SARGENT, Arthur John, op cit, pag. 9

19

SARGENT, Arthur John, op cit, pág. 10

20

Foi um nobre e ministro das Finanças durante o reinado de Luís XIV, antes de Colbert ocupar o cargo.

Devido ao seu extravagante estilo de vida ostensivo, Fouquet foi aprisionado pelo próprio rei em 1661, permanecendo encarcerado até à sua morte.

8

colónias e do palácio. Em suma, Colbert ganhou poder em todos os departamentos exceto no da guerra21. Tendo assim introduzido uma medida de ordem económica para o funcionamento do governo, agora Colbert queria o enriquecimento do país pelo comércio. O Estado, por meio de políticas dirigistas de Colbert, promoveu empresas de manufatura numa vasta variedade de campos. A autoridade foi estabelecida por novas indústrias, inventores protegidos, trabalhadores de países estrangeiros, e a interdição de trabalhadores franceses de emigrar22. Para manter os bens franceses no mercado estrangeiro, a qualidade e a medida de cada item foi fixada por lei, e houve punições para as infrações. Também foi proibida a produção de produtos que serviriam a muitos propósitos de consumo, e a sua supervisão tornou-se necessária23. Para a firme manutenção dos sistemas corporativos, cada indústria permaneceu nas mãos de certos membros da burguesia privilegiada, enquanto que as classes mais baixas tiveram fechadas as suas oportunidades de avanço. No entanto, Colbert sempre consultou os interesses do comércio interno24. Não conseguindo eliminar os direitos sobre a passagem de mercadorias de uma província para outra, ele fez o que pôde para iguala-las. As taxas de câmbio ainda permaneceram entre essas províncias, apesar de uma das políticas incidir sobre a unificação do comércio francês. O seu regime melhorou estradas e canais para fomentar o comércio interno25. Pierre Paul Riquet (1604-1680) planeou e construiu o Canal du Midi sob o patrocínio de Colbert. Para incentivar o comércio externo com o Levante, Senegal, Guiné e em outros lugares, Colbert concedeu privilégios a empresas como a Companhia das Índias Orientais francesa, mas este tema irá ser tratado mais adiante 26.

21

METHIVIER, Hubert, Que sais-je? Le siecle de Louis XIV, Presses Universitaires de France, 1995, pág.

49 22

MEYER, Jean e ACERRA, Martine, História da Marinha Francesa: as origens aos dias de hoje, Rennes,

Edições Ouest-France, 1994, págs. 36-52 23

MEYER, Jean e ACERRA, Martine, op cit, pág. 38

24

METHIVIER, Hubert, op cit, págs. 99-100

25

DE PRADA, Valentin Vásquez, op cit, pág. 239-240

26

DE PRADA, Valentin Vásquez, idem ibidem, pág. 273

9

Conseguimos perceber muitas das medidas económicas de Colbert pelas suas cartas como Mémoire em que específica o protecionismo em relação aos produtos franceses e à sua indústria: “É necessário observar cuidadosamente, nas compras a fazer, que ainda há a preocupação de comprar na França, em detrimento dos países estrangeiros, mesmo quando os mesmos bens seriam menos bons e um pouco mais caros, porque o dinheiro que sai do reino, é uma dupla vantagem para o estado, na medida em que não continua empobrecido e permitirá que sua majestade ganhe a vida e estimule a sua indústria” – COLBERT, Memóire, Junho de 1666 Colbert também esclarece que é necessário “sempre comprar bens e estabelecer fábricas na França, não dando preferência a estrangeiras; no entanto ainda existem distinções do reino, em que as pessoas mais pobres pagam impostos e outros encargos, de modo que o pagamento disponível para o rei deve ser mais caro e mais significativo” – COLBERT, Memóire Junho de 1666 Em suma, grande parte das políticas económicas de Colbert incidiram sobre o comércio, tanto no interior como no exterior (colonial), no desenvolvimento das indústrias manufatureiras com o aumento da mão-de-obra a partir de subsídios a famílias numerosas, no monopólio dos tecidos de seda, e na construção de grandes portos como o de Brest, Havre e de Marselha. Com isto o objetivo era obter uma balança comercial positiva.

4. Evolução e desenvolvimento de uma marinha de guerra É preciso ter em conta, primeiramente, que até ao século XVIII não existe uma marinha militar propriamente dita; o papel desta é exercido pelos navios mercantes, que costumavam navegar armados para combater ameaças de piratas ou de navios de outras nações. Os franceses não são exceção: começaram primeiramente com uma marinha mercante e só depois é que uma grande parte dos navios começa a estar preparado só para funções militares, passando a haver uma separação entre a marinha mercante e marinha de guerra. Os franceses, já desde 1540, tal como outros países europeus, começaram a ocupação de territórios ultramarinos, mas a criação de companhias estatais privilegiadas, ao estilo das inglesas e holandesas, só veio mais tarde com Colbert. Embora Richelieu 10

tenha começado a construir uma marinha francesa de 1626 em diante, esta tinha sido negligenciada e caiu no final de 1640 ou 1650, para depois se erguer novamente. A primeira marinha real apresenta um certo equilíbrio, conseguindo sempre cumprir os seus compromissos mesmo quando Mazarino foi forçado a reduzir um pouco o esforço naval. Contudo, ele teve de colocar todo esse esforço num contexto nacional e europeu mais amplo. Para a monarquia francesa, o mar sempre foi secundário e as operações terrestres eram prioritárias, daí a terem recebido a maior parte dos orçamentos. Uma das preocupações dos reis de França era reduzir o domínio dos Habsburgo na Espanha e na Áustria; mas estas políticas para diminuir o seu poder sempre foram concebidas num contexto terrestre e não num contexto naval. Esta situação torna importante o esforço de Richelieu, pois os franceses são também limitados às operações costeiras e do Mediterrâneo, enquanto que os espanhóis nesta altura já gerenciavam a conquista das Américas. No final da década de 1640, Mazarino, ultrapassado por problemas internos e pelo peso da guerra continental foi forçado a cortar o orçamento da marinha para o mínimo e fazer uma curta aliança inglesa para finalizar o conflito; contudo, ele conseguiu manter uma pequena frota. Na altura da sua morte a marinha tem cerca de vinte navios e alguns galeões, com um núcleo de oficiais competentes, e há até um pequeno esforço de construção em 1657-1658. No entanto, a costa francesa estava quase abandonada e muitos marinheiros iam servir em frotas estrangeiras. Resolver este problema será o trabalho de Colbert com o apoio de Luís XIV. Foi Jean-Baptiste Colbert que, livre da interferência de qualquer superior, tonou a marinha francesa como uma das melhores do mundo, competindo ao lado da marinha Holandesa. Ele começou o seu trabalho com o título de intendente da marinha. Colbert teve uma visão do que o poder sobre o mar podia significar para a França. Além disto, a marinha iria proteger o comércio e as colónias e fazer uso de uma reserva de tripulações de comerciantes. O Atlântico francês e costas mediterrânicas deram acesso imediato aos grandes mares e portos de negociação, principalmente na costa do Canal do Mar do Norte27.

27

DE PRADA, Valentin Vásquez, idem ibidem, pág. 273

11

4.1.

Primeiras medidas de Colbert para a marinha

Além das políticas económicas, Colbert também insistiu na formação de uma boa marinha mercante com dupla função: fomentar o comércio com as colónias e derrotar os inimigos e rivais comerciais como a Holanda, a Espanha e a Grã-Bretanha. Uma grande marinha é inconcebível sem estaleiros, uma rede de abastecimento de madeira, fundições para canhões, cordas, telas, e o nervo da guerra, ou seja, um grande amontoado de dinheiro28. Luís XIV e Colbert também tiveram de lidar com uma opinião pública indiferente sobre os assuntos navais, e até mesmo hostil a uma grande parte da nobreza e elites comerciais, para quem o investimento era mais seguro na terra e não no grande comércio colonial. O rei da França também teve de viver sob o peso de uma poderosa fação que acredita que o exército e a diplomacia na Europa são mais importantes que a aventura naval29. Colbert retomou a política de Richelieu, lançando uma série de pesquisas e auditorias reais na França. Em 1664 é enviado um grande inquérito aos administradores provinciais, para assim haver um conhecimento estatístico sobre o país. Graças a isto sabemos o completo número de navios mercantes e militares, o tipo de tráfego transportado, o nome dos proprietários, armadores, comandantes, o número de homens a bordo, a origem geográfica, a tonelagem, etc. A França tem dois focos igualmente importantes: a terra e o mar. As relações internacionais, alianças familiares, rivalidades entre Habsburgo e Bourbon explicam a escolha da política francesa de se preocupar com possíveis invasões nas suas franjas do Oriente, para tentar a conquista dos mares. A infraestrutura naval de Colbert estava a durar mais do que o próprio tinha em mente e sobreviveu graças ao financiamento e aos caprichos reais. Após a sua morte, Colbert deixou um grande legado à marinha, com navios menores e maiores e uma linha de galeões, todos construídos na França e tripulados por franceses, com uma administração com base em Paris30. Colbert conseguiu criar um sistema para resolver o problema do recrutamento, conseguindo suficientes marinheiros treinados e conseguindo elaborar um registo de cada um deles (“A inscrição

28

CONTAMINE, Philippe, idem ibidem, págs. 63-64

29

MEYER, Jean e ACERRA, Martine, op cit, pág. 94

30

MEYER, Jean e ACERRA, Martine, op cit, pág. 94

12

de mestres, pilotos, supervisores, artilheiros, carpinteiros, suboficiais, marinheiros e outras gentes do mar tinha de ser feita nas províncias marítimas do Reino, realizada e executada31”).

4.2.

A marinha e as províncias

Ao nível dos portos, a administração de Colbert permitirá que a marinha opere, mesmo em caso de escassez financeira durante longos períodos de guerra. Para isso, os administradores entrarão em contacto com empréstimos de armadores ricos e com a ajuda de trabalhadores arsenais e as suas famílias, quando os pagamentos se atrasam. Contudo, a marinha vai durar bastante tempo, mas vão surgir outros gastos e preocupações: mais empréstimos, gastos excessivos, novos materiais, entre outros. Uma grande administrativa foi criada em 1668-73, e comissários eram enviados para os distritos costeiros para dar funções aos outros membros da marinha lá estabelecidos (“As províncias serão divididas em vários departamentos, em cada um dos quais haverá um comissário que assumirá o papel de agentes dos marinheiros e de outras pessoas do mar na forma prescrita pelas instruções dadas a eles para esse efeito32”). Os marinheiros foram divididos em classes, cada uma era obrigada a servir mais de um ano em navios de guerra, depois em Janeiro do ano seguinte o sistema rodava e vinham outros comissários e marinheiros (“Os oficiais e marinheiros serão divididos por classes nas províncias de Guyenne, Bretanha, Normandia, Picardia, países conquistados e reconquistados em quatro classes; e aqueles de Poitou, Xaintongue, país de Aunix, ilhas e l’olleron, Reviére de Charente, Languedoc e Provence em três classes 33”). O sistema funcionou razoavelmente bem e deu provisões suplementares. Todas estas medidas foram compiladas numa legislação para a disciplina interna e vigilância das províncias ultramarinas, Ordonnance de 1689 relatives aux armés navales et arsenaux de la marine. Colbert deu um grande impulso à expansão colonial, mediante a criação de companhias privilegiadas. Em 1664 fundaram-se as companhias das Índias Orientais e Ocidentais, radicadas em La Rochelle e no Havre respetivamente, e as companhias de

31

Ordonnance de 1689 relatives aux armés navales et arsenaux de la marine – Article I.

32

Ordonnance de 1689 relatives aux armés navales et arsenaux de la marine – Article II.

33

Ordonnance de 1689 relatives aux armés navales et arsenaux de la marine – Article III.

13

África, Levante e China. No entanto estas foram um fracasso porque perderam mais de um terço do capital inicial e tiveram que recorrer à ajuda do Estado, logo tiveram que ser liquidadas em 1674, e também face à hostilidade holandesa34. Em 1681 Colbert viu-se obrigado a suprimir a sua política de monopólio e autorizou o livre comércio com a Índia sob determinadas condições, como as do uso dos navios da companhia e a sujeição à sua fiscalização. Só o comércio das ilhas da América (Haiti, Martinica, Guadalupe) se desenvolveu rapidamente na segunda metade do século XVII. Em troca dos vinhos e aguardente, carne salgada, bacalhau e arenques, ferro, tecidos, telas e miudezas, exportaram para a França açúcar, café, tabaco e algodão. O ramo mais lucrativo era o tráfico de negros e o contrabando com a América espanhola35.

4.3.

As frotas e navios da marinha

Colbert tem um orçamento naval relativamente impressionante. A despesa aumentou de 3 milhões em 1662 para 4,5 milhões em 1664 para 10,5 milhões em 1666 e 13 milhões em 1673 para permanecer em 10 milhões até 1678. Este orçamento representa 4,6% das despesas do rei em 1662, 12,8% em 1665 e 15,5% em 167036. Estas despesas vão permitir que a frota cresça por etapas até 1667, só crescendo de forma exponencial até 1672. Em 1661 a marinha tem apenas 31 navios, aos quais devem ser adicionados mais 8 navios estrangeiros. Entre 1661 e 1671, 106 navios foram construídos permitindo que a frota quadruplique a sua força de trabalho. Em 1671, Luís XIV tem 123 navios e fragatas37. O notável resultado deve-se ao progresso constante dos arsenais franceses. Alguns construtores navais são ex-alunos do tempo de Richelieu, mas isto não foi suficiente, então foram contratados técnicos holandeses e até mesmo houve a necessidade de se comprar navios na Dinamarca e na Holanda. Mas a partir de 1666, a França consegue tomar conta da sua própria marinha sem recorrer ao auxílio estrangeiro, no entanto só permitia a navegação no Mediterrâneo até 1669; depois disto as navegações no Atlântico

34

DE PRADA, Valentin Vásquez, idem ibidem, pág. 273

35

DE PRADA, Valentin Vásquez, idem ibidem, págs. 273-274

36

VILLIERS, Patrick, DUTEIL, Jean-Pierre e MUCHEMBLED, Robert (dir.), A Europa, o mar e as

colónias século XVII  -  XVIII, Paris, 1997, pág. 255 37

MEYER, Jean e ACERRA, Martine, op cit, pág. 427

14

e Mar do Norte começaram a ser mais frequentes38. Em relação ao armamento, a média em 1661 era de 40-42 armas, mas dez anos depois subiu para 56-58 armas. Em 1670, a França adotou o sistema Inglês da divisão entre navios, de acordo com a importância da sua artilharia39. Figuras expressam e explicam muito sobre as relações de poder, enquanto que o número de navios de guerra são muitas vezes utilizados para ilustrar o tamanho do poder naval de um Estado. A partir do século XVI, os galeões e batalhas no mediterrâneo já não eram a imagem de marca das batalhas navais europeias 40; eram necessários melhores e maiores navios para as grandes batalhas navais da época moderna em alto mar. Estas guerras foram os resultados dos atritos internos europeus, bem como da expansão europeia, como já explicado. Os navios de guerra ainda mantiveram a sua anterior finalidade de transporte das tropas e derrota dos navios hostis. O poder naval de um Estado expressava-se a partir do número de navios de guerra à vela que tinham à disposição41.

4.4.

Administração da marinha real francesa

Henrique IV tinha, em 1605, 70 comissários da marinha. Eles eram 50 em 1749 sob Luís XV. Então, num intervalo de cento e cinquenta anos, esta constância relativa pode indicar que a partir do início do século XVII, a Marinha dos Bourbons já encontrou uma organização estável42. Na verdade, antes de Colbert o edifício administrativo da marinha real era lento, complexo e turbulento. Certamente é possível ver uma tendência a longo prazo que, nas palavras de Michel Vergé-Franceschi, corresponde à centralização real da instituição, que entra em contacto com a “afirmação de um estado absoluto”. Assim, temos a existência de comissários já muito antes de Colbert, mas eram necessários administradores da marinha, inexistentes no início do século XVII. Os administradores são uma peça essencial e central do sistema administrativo da 38

MEYER, Jean e ACERRA, Martine, op cit, pág. 40-52.

39

MEYER, Jean e ACERRA, Martine, op cit, pág. 76-77

40

CONTAMINE, Philippe, idem ibidem, Pág. 69

41

CONTAMINE, Philippe, idem ibidem, Pág.70

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CAVANHAQUE, Bernard, op cit, pág. 385

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marinha, eram os intermediários vitais entre Versailles e os grandes portos de guerra, e só surgem de forma oficial a partir do reinado de Luís XIV43. No reinado de Henrique II eles aparecem de forma muito embrionária (capitão da justiça e superintendente das finanças), contudo, a função sofre um longo processo de transformação ao surgir, em 1690, um formulário preenchido pelos superintendentes. Durante este desenvolvimento há um passo fundamental no reinado de Luís XIII que se chama “sistema de dupla comissão”44. De seguida, dois tipos de administradores emergem: os da província (nas colónias) e os responsáveis por ajudar os líderes militares na justiça e na logística (foram inseridos num corpo real como o primeiro exército marítimo, como os intendentes da marinha)45. Devemos, portanto, considerar a introdução de intendentes na marinha como uma das muitas consequências da “afirmação do estado moderno”, a fim de acabar com o carácter feudal da França no início do século XVII. Esta ligação entre a marinha e a coroa começa com o cardeal Richelieu, mas permanece inacabada e em ruínas, mesmo após a queda acentuada da autoridade monárquica durante a Fronda 46. Colbert concentrou-se na marinha para a tentar restaurar e dar-lhe uma gestão mais moderna e centralizada. Uma das características desta marinha real é a existência de um corpo civil conhecido como “oficiais de pena”. Este corpo trata-se de uma camada de escritores comuns para os administradores da marinha, permitindo uma burocracia mais rápida e eficaz. Com o apoio do rei, Colbert empreendeu muitas reformas baseadas em Richelieu, que tinha criado para transformar o sentido da racionalização das estruturas da marinha e dos recursos. Colbert também soube tratar da modernização do governo central (aparecimento de gabinetes e ministérios) e recrutar marinheiros (sistema de classes). Além dos intendentes da marinha, alguns administradores especiais são criados para recursos estratégicos: em 1683, o superintendente geral de classes (para o recrutamento de marinheiros a bordo dos navios reais), que em 1692 tornou-se intendente de classes; em 1687, intendentes e fuzileiros para construção naval; em 43

CAVANHAQUE, Bernard, op cit, pág. 385

44

CAVANHAQUE, Bernard, op cit, pág. 386

45

CAVANHAQUE, Bernard, op cit, pág. 388

46

CAVANHAQUE, Bernard, op cit, pág. 389

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1687, o intendente para a munição para a artilharia, removido em 170747. Todos estes cargos reúnem pessoal de administração, priorizados pelos comissários e escritores. As suas responsabilidades são amplas: construção e manutenção de navios, frotas e armas, gestão financeira e contratos. A verdadeira novidade no trabalho realizado por Colbert reside na instituição de escritórios centrais em Versailles. Confrontado com a crescente complexidade dos negócios e da vontade do ministro para gerenciar estas, direta ou indiretamente para o meio marítimo, o comércio e as colónias, a secretaria de Estado está rodeado por escritórios dos ministros, cada um tendo uma especialidade e dirigido por um chefe48. O sistema de classes é a grande novidade no campo de administração marítima. Os navios à vela precisam de um grande número de marinheiros para içar ou baixar as velas. Quando a marinha real se desenvolve, ela comanda a força dos marinheiros. Para evitar isso, é concebido um sistema de classes cujo desenvolvimento foi confiado a Francisco de Usson Bonrepaus49. Este é um tipo de serviço militar no mar necessário para as populações costeiras. Todos os homens são chamados a servir em papéis que estavam contra o pagamento de um saldo (metade é pago antes da partida e a outra para voltar). Para obter o apoio do povo (que preferem navegar pelo comércio em vez da guerra), a monarquia concede privilégios aos marinheiros. Estes passam a ter uma legislação oficial e recebem vários direitos: pensão se estiverem ferido no mar, se morrem e se ficarem viúvos50.

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RODGER, Nicolas VERGÉ-FRANCESCHI, Michel (dir.), Dicionário da História Marítima, Éditions

Robert Laffont Paris, 2002, pág. 214 48

VERGÉ-FRANCESCHI, Michel, oficiais-generais da Marinha Real (1715-1774), vol. 1: Origem,

condições, serviços, Library of India, 1990, pág. 383 49

VERGÉ-FRANCESCHI, Michel, Crónica marítima do antigo regime na França (1492-1792),

Paris,1998, pág. 424 50

VERGÉ-FRANCESCHI, Michel, Crónica marítima do antigo regime na França (1492-1792),

Paris,1998, pág. 455

17

O conjunto de reformas desde a década de 1660 são codificadas a partir dos anos depois de 1680. Uma ordem da marinha mercante é promulgada (Agosto de 1681) e outra ordem para a marinha de guerra, criada em abril de 168951.

5. Consequências do desenvolvimento da marinha de guerra Quanto às consequências do aparecimento desta marinha bélica, a guerra holandesa foi o primeiro grande desafio desta mesma. As causas que levaram a este conflito ainda são discutidas por historiadores, mas a primeira causa é óbvia: a rivalidade económica. Por volta de 1660, as Províncias Unidas são a primeira potência naval e industrial da Europa e uma terra de prosperidade sem procedentes. A sua gigantesca frota comercial dá-lhes o controlo do tráfego mundial; e o porto de Amesterdão reúne milhares de frotas com cargas vindas de mares distantes e prontas a serem distribuídas por toda a Europa. Esta cidade era o maior ponto financeiro e o maior armazém da Europa e o seu inventário de produtos incluía trigo polaco ou Báltico, pinturas da Alemanha, lã da Inglaterra e linho, sedas e especiarias da Índia, o açúcar a partir das Índias Ocidentais, vinho do Reno, madeira e alcatrão escandinavo, malte de cevada a partir de Norfolk, cobre sueco, carvão de Newcastle e mármore italiano52. Quase todo o comércio externo francês via o mar estar entre as mãos dos holandeses. A fim de quebrar esta dominação sobre o comércio, Colbert começou a praticar uma “guerra de taxas”; uma série de impostos cada vez mais altos cai sobre as importações holandesas: arenque no Mar do Norte, peixe seco, especiarias Oriental, fabrica, veludo de Utrecht, pinturas de Haarlem, folhas de Leiden, faiança de Delft, pedras preciosas e diamantes lapidados de Amesterdão. Colbert multiplica as fábricas e cria mais empresas de navegação, aumentando as exportações francesas: vinho, bebidas espirituosas, lençóis, tecidos, bens de luxo, entre outros53.

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Ordonnance de 1689 relatives aux armés navales et arsenaux de la marine

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PETITFILS, Jean-Christian, Louis XIV, edições Perrin, 1995, Paris, págs. 363-404

53

RODGER, Nicolas VERGÉ-FRANCESCHI, Michel (dir.), Dicionário da História Marítima, Éditions

Robert Laffont, 2002, Paris, págs. 746-749

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Em 1667, os holandeses viram o seu comércio ameaçado, principalmente com as tarifas impostas por França. Em 1669 já se encontra um enfraquecimento do comércio holandês: falta de carga, embarcações forçadas a permanecer nos portos, ente outras consequências. Uma guerra comercial é lançada por Colbert. No entanto, o se sucesso inicial é frágil. As fábricas e empresas comerciais francesas ainda pesam muito pouco no panorama económico europeu (e francês) para 167054. Elas exigem o constante apoio do Estado e ainda precisam de muitos anos para se fortalecer. Na verdade, Colbert precisa de paz para se tornar economicamente estável. O seu projeto de orçamento para 1670 é de um ano de paz, mas quando soube, em 1669, da guerra proposta contra a Holanda, mostra-se surpreso e extremamente relutante, mas não se atreve a opor-se ao rei e, eventualmente, junta-se ao grupo de guerra55. Na verdade, as causas da guerra são fundamentalmente políticas e referem-se à deterioração das relações entre os dois aliados com o fim da guerra contra os Habsburgos da Áustria e Espanha. Em 1648, a Holanda teve de enfrentar a assinatura de uma paz separada em Münster, deixando a França sozinha contra a Espanha, no entanto, em 1662, por iniciativa dos Países Baixos, a aliança foi renovada por 25 anos, desde que em caso de agressão contra um dos dois membros, um deve trazer alívio imediato56. Do lado holandês teme-se uma nova guerra contra Inglaterra, com a qual havia disputas comerciais na Índia e na África, que são muito mais graves do que as disputas com a França, que fez os seus primeiros passos ultramarinos. Já do lado francês, a renovação desta aliança era vista como um meio para preparar a divisão dos Países Baixos espanhóis57 com a morte esperada de Filipe IV58. Quando, em 1665, a guerra eclodiu com a Inglaterra, Haia lembra os compromissos com o rei de França e solicita apoio, mas Luís XIV não o dá. Uma das razões para isto é que Carlos II iria estabelecer o absolutismo no seu reino e estava

54

PETITFILS, Jean-Christian, op cit, págs. 355-362

55

PETITFILS, Jean-Christian, op cit, págs. 363-404

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PETITFILS, Jean-Christian, op cit, págs. 355-362

57

Territórios do noroeste europeu que permaneceram sob o domínio do ramo espanhol da casa de

Habsburgo no período entre a tomada de Antuérpia por Alexandre Farnésio, duque de Parma, e o Tratado de Utrecht em 1713, através do qual aqueles territórios passaram para a soberania dos Habsburgos austríacos. 58

PETITFILS, Jean-Christian, op cit, págs. 355-362

19

disposto a dar dinheiro à França em troca de ajuda contra o parlamento, que se opunha à sua autoridade59. Contudo, Louis XIV enviou um pequeno exército para resgatar os holandeses ameaçados na sua fronteira por uma tropa de mercenários alemães, e depois resolve honrar o seu compromisso e declarar guerra à Inglaterra a 26 de janeiro de 1666. Enquanto a frota inglesa e holandesa estavam envolvidas em duras batalhas com centenas de navios, um punhado de navios franceses são destacados para operações de terceira ordem na costa inglesa e nas Índias Ocidentais, onde os tomam a ilha de St. Kitts. Também houve a tentativa britânica de atracar em Saintes (agosto 1666), mas foi em vão. Os holandeses acusam os franceses de quererem salvar o seu poder naval jovem e em agosto de 1666, Michiel de Ruyter 60 lutou na batalha de North Foreland, entre a frota das Províncias Unidas comandada e a frota inglesa, comandada pelo príncipe Rupert do Reno. A guerra terminou em junho 1667 com a vitória holandesa às portas de Londres, devastada pela peste e por um terrível incêndio, sem que a frota francesa tenha algum papel. A paz foi assinada a 31 de julho de 1667 em Breda. A França recupera Acadie e São Cristovão, que Cromwell tinha retirado. Mas a principal preocupação de Louis XIV traçou o destino dos Países Baixos espanhóis pois ele afirma que o nome da sua esposa61 é espanhol, porque o dote foi prometido pelo Tratado dos Pirinéus (1659)62 e não foi pago. Sob o não pagamento Louis XIV exigiu, além da Holanda, Franche-Comté e outros territórios espanhóis na Europa e no exterior. Madrid obstinadamente recusa-se, tornando inevitável um conflito63. Em 21 de Maio 1667, mesmo antes do fim da guerra AngloHolandesa, as tropas francesas invadem a Holanda. Os locais espanhóis caem um após o outro. Este sucesso relâmpago foi causado pela grande preocupação em Haia, mas também em Londres. A 23 de janeiro de 1668, a Inglaterra e Holanda juntam-se à Suécia, assinando em Haia uma tríplice aliança que surge como mediador do conflito francoespanhol, mas cujo verdadeiro objetivo é impedir o avanço da Luís XIV 64. A paz foi 59

Contudo, inicialmente Luís XIV tinha-se mantido neutro, deixando para o seu país uma mão livre para a

Holanda espanhola. 60

Almirante mais famoso da história da Marinha Real Holandesa.

61

Maria Teresa de Áustria.

62

Marca a fronteira entre os dois reinos nos Pirinéus Atlânticos.

63

MEYER, Jean e ACERRA, Martine, op cit, págs. 53-57

64

PETITFILS, Jean-Christian, op cit, págs. 365

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assinada em 2 de maio de 1668 em Aachen. A França mantém doze locais e também Lille65. Mas Louis XIV sentiu-se ameaçado por ter encontrado os holandeses na estrada de Flandres, e por isso eles deixam de ser aliados para se tornar inimigos.

Conclusão Podemos concluir com este comentário que as fontes analisadas são de extrema importância para o estudo e compreensão da organização e dos objetivos de Colbert e da marinha de guerra no período de Luís XIV. A primeira fonte, a carta das Mémoires de Colbert permite uma observação acerca das políticas económicas que levaram a França a ascender economicamente e a se tornar uma das maiores potências terrestres e marítimas da Europa. Para complementar este mesmo sucesso era necessária a criação de companhias marítimas e uma frota de guerra não só para combater os rivais comerciais em termos de exportações como também combater rivalidades políticas existentes, como aconteceu na Guerra Franco-Holandesa. Outro aspeto positivo desta fonte é o facto de ter sido escrita pelo próprio Colbert, logo não há aspetos a criticar nem espaço para duvidar o que o próprio autor escreveu sobre as suas medidas económicas. Quanto à segunda fonte analisada, esta já é de cariz legislativa e contribuiu bastante para mostrar que depois da Guerra Franco-Espanhola houve uma certa divisão dentro da marinha francesa, surgindo a marinha bélica e a marinha marcante, e é desta última que a fonte trata. Especifica as divisões dentro da matinha mercante e a sua organização mediante das províncias mantidas ou ganhas pela França depois do conflito bélico; e mostra também os diferentes graus dentro da administração da marinha: suboficiais, marinheiros, comissários, oficiais, entre outros.

65

Comuna francesa.

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