A meditação como recurso no trabalho com a dependência química: uma experiência no Instituto Psiquiátrico Philippe Pinel

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA











Fabiana Gaspar Gomes







A meditação como recurso no trabalho com a dependência química:
uma experiência no Instituto Psiquiátrico Philippe Pinel



Orientadora: Professora Denise Maurano







Niterói, 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA













Fabiana Gaspar Gomes







A meditação como recurso no trabalho com a dependência química:
uma experiência no Instituto Psiquiátrico Philippe Pinel





Monografia de final de curso apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Latu Senso em Antropologia e Desenvolvimento
Cognitivo (420 horas) da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção do Grau de
Especialização.



Niterói

2012


























Dedico este trabalho a meu pai, Benjamim Gaspar Gomes,
que me ensinou a amar a filosofia e a poesia, e a minha
mãe, Edmary Oliveira Valadares, que me inspirou a amar os
livros, os sábios e os "demasiadamente humanos". Ao meu
irmão e às minhas irmãs, parceiros de aprendizados
valiosos nessa existência.

A todos os mestres especiais e amigos que contribuíram
para a minha formação.











































AGRADECIMENTOS




Ao Dr. Marcos Micelli, por todo o apoio neste trabalho,
pela inspiração e pela amizade "filosófica".

Ao João Paulo Fernandes Nery Rafael, pela parceria na
caminhada espiritual e pelos insights que tornaram esta
pesquisa possível.

Á minha orientadora, Denise Maurano, por todo o apoio,
pela precisão, pela paciência generosa e pela confiança
nessa trajetória.

Ao Nestor Cortes, pela leitura atenta, pelo
acompanhamento e pelas orientações valiosas.

À Fundação Roberto Marinho, pela oportunidade de realizar
essa etapa acadêmica e por ser uma casa-escola, onde se
aprende e se ensina.






























RESUMO

A pesquisa pretendeu analisar a intervenção de um Programa de Redução de
Estresse com Base na Plena Atenção (Prepa), seguindo o método modelado por
[i]John Kabat-Zinn, que usa como recurso principal a meditação, em um grupo
de voluntários que convivem com a dependência química e que estão em
tratamento no Instituto Psiquiátrico Philippe Pinel, no Rio de Janeiro. O
programa é composto de encontros em formato de um curso que dura oito
semanas e que integra práticas de meditação, yoga, respiração e
mindfullness (atenção plena) nas sensações, percepções, ações e reações,
que visam mobilizar nos participantes a capacidade de estarem plenamente
atentos aos seus processos e fenômenos físicos e mentais, nas inter-
relações no cotidiano de suas vidas.



PALAVRAS-CHAVE

Estresse, meditação, yoga, dependência química, recuperação, psiquismo.






SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES









ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

PREPA Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção

MBSR Minfullness-Based Stress Reduction Program

MN Majjhima Nikaya (Conjunto de discursos médios de Sidarta
Gautama, o Buddha)



SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

a) Um percurso

b) Origem das Técnicas de Meditação e Yoga

CAPÍTULO 1 - JUSTIFICATIVA

1.a) A contemporaneidade e o consumo de drogas

2.b) Ocidente e Oriente: um diálogo a ser explorado no campo das ciências

2.c) Um programa de que nasce da interdisciplinaridade

CAPÍTULO 3 - PROPOSTA DE TRABALHO

CAPÍTULO 4 - OBJETIVOS

CAPÍTULO 5 - POPULAÇÃO ATENDIDA

CAPÍTULO 6 - METODOLOGIA

6.a) A escolha do método

CAPÍTULO 6 – METODOLOGIA DA PESQUISA

6.a) Um setting-base para um "olhar" atento

6.b) Experimentação e discussões em grupo

6.d) Mudanças de rota: onde começa a construção do conhecimento

6.e) Aplicação de questionários e atividades

6.f) Relatos escritos pelos participantes

6.g) Grupo focal

6.h) Confidencialidade

CAPÍTULO 7 – PLANO DE TRABALHO

7.a) A programação dos encontros

7.b) Materiais e atividades semanais

7.c) Minirretiro: prática intensiva de plena atenção

CAPÍTULO 8 - CRONOGRAMA

CAPÍTULO 9 - CORPO/RESULTADOS

9.a) Dados quantitativos

9.b) Demandas, expectativas e nível de bem-estar do grupo

CAPÍTULO 10 - CONEXÃO E TRANSFERÊNCIA

10.a) Algumas conexões

10.b) Percebendo a impermanência

10.c) Da fuga e do ataque para a aceitação

10.d) Atenção às sensações do corpo: estando presente no aqui, agora

10.e) Estado de abertura, curiosidade e maior subjetividade: percepção de
processos mentais

10.f) Plena atenção, abertura e associação livre: um estado de não julgar
nem constranger

10.g) Aceitar fragilidades e recuperar o "eu"

CAPÍTULO 11 - CONCLUSÕES

11.a) Em relação aos objetivos

11.b) Indo além: outras percepções e possibilidades

12 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

13 – ANEXOS

ANEXO 1 – CARTA CONVITE

ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO

ANEXO – 3 – QUESTIONÁRIO DE REAÇÃO

ANEXO 4 – RELATOS NA ÍNTEGRA





INTRODUÇÃO



a) Um percurso

Minhas reflexões sobre as possibilidades de compreensão do mundo a
partir de experiências transformativas, que possibilitassem a
sensibilização e a abertura para novos olhares sobre si mesmo e sobre o
outro tiveram início muito cedo na minha formação, em grande parte pela
influência de meus pais, que atuaram nas áreas de psicologia e psiquiatria,
além de terem estudado filosofia. Ambos me inspiraram desde cedo e
estimularam minha curiosidade no debate sobre a complexidade das relações
humanas, as origens do conflito, as blindagens cognitivas, a loucura e a
incapacidade de lidar com a realidade, a importância da socialização e do
cultivo das virtudes e o encantamento pelo desconhecido.

Pelas conversas na mesa de jantar sobre Fernando Pessoa, a tragédia de
Édipo Rei, as visitas ao hospital psiquiátrico onde meu pai trabalhava, as
poesias que tinham que ser decoradas e as frases em latim, que na época
eram pouco compreensíveis, fui sendo convidada a me questionar sobre o
sentido da dor, sobre o que faz do humano verdadeiramente humano, sobre a
perda da liberdade, a percepção da incompletude, da crueldade, do desejo e
da loucura e seus impactos na relação do sujeito, consigo e com o mundo.
Seguindo este rumo, escolhi estudar as relações humanas por meio da
comunicação social e, posteriormente, por outros olhares, como por meio da
mediação de conflito e das teorias de aprendizagem e desenvolvimento
cognitivo, com um interesse cada vez maior pela psicologia, neurociência,
antropologia e meditação.

Sob o encantamento de autores como Paulo Freire, Cesar Benjamim,
Gramsci e Brecht, fui apresentada, no fim da década de 90, na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ao movimento "Fome de Educação", que se
baseava em uma estrutura não hierárquica de intervenções, a partir de
performances poéticas e de manifesto em espaços públicos, com o objetivo de
chamar a atenção e estimular a reflexão do público em geral e da mídia.
Algo semelhante aos flashmobs, mobilizações que acontecem hoje em espaços
coletivos, marcadas, em geral, pelo uso das redes sociais, que naquela
época limitavam-se aos encontros presenciais e a ferramentas como
celulares, murais, fanzines e e-mails.

Nesta etapa, a aparentemente despretensiosa leitura de "Zen em
quadrinhos" surgiu como um divisor de águas que me arrebatou pelo humor,
profundidade, conteúdo e enigma das histórias Zen. Todas as escolhas que se
apresentavam na minha vida estavam ali. Incluindo a dor de ter familiares
vivendo, naquele momento, o processo de recuperação da dependência química.
Após o livro, a mesma colega com quem compartilhei a descoberta do Zen e a
participação em movimentos sociais levou-me à Sociedade Budista do Brasil,
entidade fundada em 1972, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, onde iniciei
meus estudos na filosofia budista. Lá, tive contato com leituras de textos
canônicos, obras de monges e autores leigos, psicólogos, psicanalistas e
filósofos que contribuíram para a aproximação de dois mundos que antes,
para mim, eram cindidos: o estudo dos processos da mente, dos conflitos e
da loucura pela psicologia ocidental e o olhar da psicologia budista.

Dos retiros de meditação, nasceu meu interesse pela prática do yoga,
que se aprofundou numa formação intensiva de instrutores de hatha yoga de
que participei em 2009 em um ashram, o Sivananda Yoga Vedanta Center
(centro de estudos e práticas religiosas ligadas ao Vedanta, ramo da
tradição hinduísta), no Canadá. Hoje, ensino yoga voluntariamente como uma
prática de plena atenção em movimento, conectada com exercícios de
respiração e meditação, na Sociedade Budista do Brasil, onde fui presidente
de 2006 a 2010.

Dando continuidade à busca de campos comuns entre a psicologia, a
educação e a meditação, em agosto de 2012 realizei um Curso Intensivo de
Introducción a Mindfulness para Profesionales de la Salud Mental, em Buenos
Aires, na Sociedade Mindfullness y Salud, com Maria Noél Anchorena,
psicoterapeuta e aluna-residente de Jon Kabat-Zinn, americano, criador do
Programa de Redução de Estresse com base na plena atenção no hospital de
Massachusetts. O curso abordou a teoria e a prática de Mindfullness, termo
usado em inglês para consciência plena, presença mental, mente plena ou
quaisquer um dos termos usados hoje para definir a "capacidade de prestar
atenção de forma intencional no momento presente, sem julgar" (KABAT-ZINN,
1990).

Pela forte ênfase na prática dos participantes e na integração deste
método na prática clínica, o curso me fez refletir sobre algumas
associações que me pareceram possíveis entre a psicanálise e a meditação
que antes, por experiência própria como analisanda, eu não era capaz de
enxergar. Percebi aí um cruzamento interdisciplinar interessante que, ao
meu ver, dialogava com o pensamento de Morin, Varela, Maturana, entre
outros autores inspiradores discutidos no curso de Antropologia que
fomentou essa pesquisa.

Neste momento, surgiu o convite de oferecer yoga e meditação no
hospital Philippe Pinel, no Rio de Janeiro, por intermédio do Dr. Marcos
Micelli, psiquiatra, especialista em dependência química, praticante de
artes marciais orientais, coordenador de atividades como Tai Chi Chuan e
cultivo de Bonsai (técnica oriental de cultivo de árvores em miniatura) no
hospital e interessado no tema. A proposta que ofereci foi a de implementar
uma edição do Programa de Redução de Estresse com Base na plena atenção, o
Prepa, que funcionasse como projeto-piloto para um possível desenvolvimento
do trabalho nesse hospital. O mesmo foi oferecido a um grupo de pacientes
relacionados ao tratamento da dependência química, tanto adictos quanto
familiares destes.




b) Origem das Técnicas de Meditação e Yoga



As técnicas de meditação, com base na plena atenção e concentração, e
a prática da yoga foram desenvolvidas e ensinadas há mais de 5 mil anos
pelas civilizações da Índia, particularmente no contexto de treinamento
espiritual do hinduísmo e do budismo. A partir de 1950, os métodos do
yoga[1] começaram a ser estudados mais profundamente por pesquisadores
ocidentais e, recentemente, passaram a integrar o tratamento terapêutico em
instituições de saúde e qualidade de vida em países da Europa e nas
Américas.

Em "Neurofisiologia da Meditação", Danucalov e Simões resumem as
diferentes vertentes da meditação e explicam que esta prática poderia ser
tomada como um sinônimo do termo Yoga, que significa em sânscrito "união",
e que pode ser interpretada como união entre mente e corpo, a união do ser
com o universal que quebra toda a visão de separatividade, como aborda a
filosofia da yoga, liberando-nos da ilusão de conceitos de tempo, espaço e
identidade separados. Podemos considerar a meditação uma prática intrínseca
à filosofia yóguica, mas que está presente em diversos outros sistemas
filosóficos e religiões, como o cristianismo, na forma da meditação
hesicasta. Para Mircea Eliade, além do significado de união, "o vocábulo
yoga serve em geral para designar toda a técnica de ascese e todo método de
meditação." (ELIADE, 1996, p.20)

"De todas as definições que revestem a palavra yoga na literatura
indiana, a mais precisa é a que se liga à 'filosofia' Yoga (yoga-
darsána) tal como é exposta, sobretudo no tratado de Patañjali, Yoga-
sutra, assim como seus comentários. Um darsána não é evidentemente um
sistema filosófico no sentido ocidental (darsána = vista,
compreensão, ponto de vista, doutrina etc., da raiz drs = ver,
contemplar, compreender etc.) Não obstante, não deixa de ser um
sistema de afirmações coerentes, ligado à experiência humana – que se
esforça por interpretar em seu conjunto -, tendo como objetivo
'libertar o homem da ignorância' (sejam quais forem as acepções do
termo ignorância)." (ELIADE, 1996, p.21)




Existem dezenas de linhas diferentes de yoga sendo praticadas
atualmente em todo o mundo, o que demonstra a possibilidade de diversos
caminhos para alcançar o que na yoga denomina-se Samadhi, Moksha ou
Iluminação da Consciência. As escolas mais antigas utilizam-se de métodos
estritamente técnicos, e as escolas mais modernas relacionam as posturas a
conceitos e conteúdos ligados ao espiritualismo, fruto da difusão da
filosofia do Vedanta na época medieval.


Não são conhecidos registros históricos exatos do surgimento da
filosofia da yoga, mas sabe-se que suas práticas têm origens há mais de 5
mil anos. Evidências arqueológicas mais antigas são esculturas em rocha de
posturas de yoga datadas de 3 mil a.C., encontradas na Índia. O termo yoga
foi citado pela primeira vez na vasta coleção dos Vedas (Veda, em
sânscrito, significa "conhecer"), que formam a base do extenso sistema de
escrituras sagradas do da filosofia hindu, datada de cerca de 1.500 a.C.,
escrita em sânscrito, e que representa a mais antiga obra literária de
língua indo-europeia. A menção mais clara das técnicas e conceitos
ensinados no yoga aparece por volta do século 6º a.C. em um dos dois poemas
épicos mais conhecidos da tradição hindu: o Ramayana e o Mahabharata, que
contém o Bhagavad Gita, talvez a mais conhecida das escrituras yóguicas.
Nela, Gita, deus, encarna no deus Krishna e ensina ao guerreiro Arjuna a
arte da yoga, especificamente como atingir a liberação através da
realização de seu dever ou missão no mundo (Dharma).

A partir da sistematização dos Sutras (sutras, discursos ou costura em
sânscrito) de Patanjali, houve uma disseminação crescente da yoga conforme
é praticada hoje. Na tradução de Carlos Eduardo Barbosa (BARBOSA,1999,
p.13), vemos que não há uma garantia sobre a data precisa, mas o estilo da
versão atual indica que ela deve ser um resumo de debates entre filósofos e
praticantes do yoga ocorridos durante alguns séculos e que foi editado
durante a dinastia Gupta, entre os séculos 3º e 5º d.C. Seu conteúdo,
porém, leva a crer que foi escrita no século 4º a.C., quando o Budismo
estava em seus primórdios. Seus ensinamentos básicos estão apoiados nos
Vedas e, por isso, a yoga é considerada um dos seis sistemas filosóficos
que compõem o que Barbosa considera "a ortodoxia filosófica da Índia"
(BARBOSA, 1999, p.14).

Mas a partir de 2500 a.C., com o advento dos ensinamentos de Sidarta
Gautama na região entre a Índia e o Tibete, uma outra abordagem para a
meditação foi desenvolvida e disseminada, rompendo com alguns princípios da
filosofia hinduísta, como a existência de um eu superior e a visão de uma
entidade divina universal. Foram definidos novos conceitos inspirados nos
ensinamentos hinduístas, mas diferentes em muitos aspectos e que passaram a
integrar o cânone páli, escrituras antigas nas quais se baseia o Budismo
Theravada e as quais muitas outras tradições do budismo respeitam e
valorizam.

Essas escrituras compõem os chamados Sutta Pitaka (Cesto de Discursos
atribuídos ao Buddha e aos seus principais discípulos), que fazem parte do
segundo dos três livros principais (pitakas, "cestos", na língua páli) que
são conhecidos como Tipitaka (Três cestos) ou Cânone Páli. Nessa grande
coleção escrituras budistas, o Sutta Pitaka (Cesto dos Discursos) se divide
em cinco nikayas (coleções) de suttas: Digha Nikaya (dīghanikāya), os
discursos longos; Majjhima Nikaya, os discursos de extensão média; Samyutta
Nikaya (saṃyutta-), os discursos conectados; Anguttara Nikaya (aṅguttara-),
os discursos numéricos, ou seja, aqueles que citam listas e agrupamentos
usando numerais, maneira tradicional de ensinamento oral do Buddha, e o
Khuddaka Nikaya, a "coleção menor".

Estas escrituras, consolidadas após cerca de 300 anos do falecimento do
Buddha, são datadas de cerca de 2200 a.C. e são a grande fonte documental
de pesquisas e estudos sobre a psicologia, a filosofia e a metafísica
budistas. Conceitos como impermanência, insatisfatoriedade, não eu,
desapego, desenvolvimento de virtudes, lei da causa-efeito e as Quatro
Nobres Verdades – que explicam a existência, as causas, a possibilidade de
extinção e o caminho para a extinção do sofrimento – são alguns dos
principais ensinamentos dessa filosofia ou psicologia, como muitos preferem
chamar. (BEISERT, 2012).

O Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção é
articulado a partir dos fundamentos da meditação budista, porém, não usa
qualquer referência a suttas, cânticos, imagens ou textos relacionados ao
budismo. Os conceitos e princípios trabalhados são completamente
interligados à psicologia budista no que tange à forma como se desenvolve e
conceitua aceitação, compaixão, compreensão dos processos e padrões
mentais, percepção dos padrões de fuga-ataque, e valoriza como recurso o
cultivo de mindfullness, termo usado por Jonh Kabat-Zinn para denominar
plena atenção, sati, em páli, seja com o corpo em movimento, a partir de
exercícios corporais de yoga, seja no escaneio corporal deitado com atenção
às sensações, seja na meditação sentado, de pé, andando, com foco na
respiração (método Samatha, ensinado pelo Buddha) ou na compreensão da
impermanência a partir da observação das sensações físicas surgindo e
mudando, momento a momento (método Vipassana).

Parece interessante incrementar tal recurso dentro do esquema de
tratamento da dependência química. A dependência química é um problema que
vem se manifestando vertiginosamente na contemporaneidade sem que nenhum
método proposto até agora tenha se colocado como decisivo no seu
tratamento, o que justifica o presente trabalho.

No capítulo a seguir, abordarei questões relacionadas a este contexto, o
cenário que envolve o fenômeno do consumo de drogas e dependência química e
o que motiva o interesse por esta pesquisa, além do processo de entrada no
campo, suas alteridades, conflitos e negociações.





CAPÍTULO 1 - JUSTIFICATIVA



1.a) A contemporaneidade e o consumo de drogas



"Negar o indivíduo como singularidade subjetivamente constituída é
ignorar a complexidade da subjetividade..." (REY, 2005, p.37)

A contemporaneidade nos revela a cada dia novos desafios para a
coexistência e a sustentabilidade num mundo cada vez mais fluido, incerto e
complexo. Nas palavras de Bauman, a metáfora da liquidez é utilizada para
explicar este sentido da pós-modernidade. Uma era de crise das ideologias
estáveis e sólidas, típicas da modernidade, e que produziu uma perspectiva
cultural de fluidez, de mundo líquido, caracterizando incerteza,
efemeridade e movimento.

Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com
facilidade [...] Enquanto os sólidos têm dimensões especiais
claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a
significação do tempo (resistem efetivamente ao seu fluxo ou
tornam irrelevante), os fluidos não se atém muito a qualquer forma
e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la. (BAUMAN,
2005a, p.8).



Na cultura elaborada na pós-modernidade, tudo flui, diferentemente do
período onde as ideologias, regras, relacionamentos e visões de mundo eram
feitas para durar. O que era certo pela manhã pode não ser ao cair da
tarde. E o advento das redes de informação tecnológica incrementa o
potencial da inovação, da mudança e da comunicação em meio a toda essa
efemeridade. Mas os aparatos tecnológicos, novos sistemas e arranjos não
nos protegem da passagem de uma vida segura para o paradigma da
precariedade.

"A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza
constante." (BAUMAN, 2005b, p.8). Se a modernidade oferecia um leque de
ideologias fortes, que produziam uma segurança existencial nas pessoas que
nelas confiavam, neste mundo líquido não é possível contar com tantas
certezas e sistemas de ideias duradouros e estáveis.

A precariedade torna-se não só dado cultural, mas, sobretudo, social, já
que não foram apenas ideologias que se dissolveram, mas formas de
relacionar-se, costumes, modas, rituais.

Nesse sentido, Campell aborda a força de um sistema chamado por Bauman de
parasitário, e a dificuldade que se coloca à humanidade de encontrar meios
de se relacionar com seu projeto de vida nesta nova realidade que se impõe
e que é construída pelas próprias sociedades:


O sistema vai conseguir achatá-lo, ou você conseguirá utilizar-
se dele para atingir seus propósitos humanos? Como se
relacionar com o sistema de modo a não o ficar servindo
compulsivamente? O que é preciso é aprender a viver no tempo
que nos coube viver, como verdadeiros seres humanos. (CAMPBELL,
2004, p. 17)


Para resgatar a ideia de conjunto, de um saber que dê conta deste universo
cada vez mais complexo e onde, apesar das conexões, a solidão e o desamparo
são marcas irrevogáveis, é preciso investir em meios de discutir, repensar
e propor novas soluções integradas para os problemas deste mundo.





Para Campbell (2004), a perda da possibilidade destas discussões,
devido ao pragmatismo da sociedade industrial e pós-industrial, gerou à
humanidade a perda efetiva de algo que não pôde ser substituído. Abordar
grandes temas de forma que possamos romper barreiras e não analisar
fenômenos em abordagens isoladas seria o caminho para desvendar
comportamentos e atitudes humanas, com o saber transdisciplinar da cultura,
da psicologia, da sociologia e da antropologia, que hoje ainda permanecem
desconectadas.


Neste contexto, nos voltamos para o que os organismos que têm como
missão pensar de forma conjunta e estabelecer estratégias no campo da
política internacional estão estabelecendo como prioridades e vemos a ONU,
em suas metas do milênio, criadas em 2000, colocar o desafio no combate a
epidemias e doenças, focando principalmente no HIV, que a cada dia infecta
6.800 pessoas, além da tuberculose, da malária, entre outras. E vemos a
preocupação crescente, em todo o mundo, com a progressão do uso de drogas e
a epidemia da dependência química, que é um dos fatores resultantes e
causadores de a economia das drogas ser uma das mais bem-sucedidas do mundo
(Relatório Mundial sobre Drogas, ONU, 212).


Em 2010, de 230 milhões de pessoas, uma em cada 20 pessoas havia consumido
alguma droga ilícita pelo menos uma vez. Cerca de 27 milhões, ou 0.6% da
população adulta mundial, ou uma em cada 200 pessoas, é usuária
problemática de drogas, em sua maioria dependentes de heroína e cocaína.

"O abuso de drogas e o tráfico de ilícitos continuam tendo um
impacto profundamente negativo para o desenvolvimento e a
estabilidade em todo o mundo. Os bilhões de dólares gerados pelas
drogas ilícitas alimentam atividades terroristas e estimulam outros
crimes, como o tráfico de seres humanos e o contrabando de armas e
pessoas. As drogas ilícitas e as redes criminosas relacionadas
enfraquecem o Estado de Direito", afirmou o Secretário-Geral da
ONU, Ban Ki-moon, em mensagem divulgada no lançamento do Relatório,
em 2012.



No Brasil, a problemática da dependência química ganha cada vez mais
destaque na mídia com o crescente uso do crack e seus derivados e os
impactos para todo o sistema social e econômico, além dos custos sociais
que essa epidemia gera. Aumento da violência, desemprego, demanda de mais
centros de recuperação, problemas de aprendizagem nas escolas, custos de
produção com faltas e desagregação familiar são alguns dos fatores
presentes na dinâmica do problema.


O fato de a aderência ao tratamento ser de cerca de 20% ou menos
complica ainda mais o cenário. Na discussão, hipóteses de soluções
integradas favorecendo o aumento e a melhoria do acesso à porta de entrada
no tratamento (clínicas com programa 12 passos) e continuidade (grupos de
ajuda nas comunidades e atendimento da assistência social) são alguns
deles.


Diversificar as opções de atendimento por meio da criação de
equipamentos intermediários ao ambulatório e à internação, tais como
moradias assistidas e hospitais-dia (e noite) e integrar melhor a rede
existente, os grupos de autoajuda e as comunidades terapêuticas são alguns
dos pontos da pauta de discussão.






Esse é um exemplo de um problema sistêmico, que nossa estrutura de
pensamento não consegue resolver com base em saberes fragmentados e ações
políticas isoladas. Como propõe Morin (1990, p. 147), é preciso usar o
pensamento complexo e transdisciplinar e agir em rede, uma vez que o
fenômeno precisa ser analisado na sua multiplicidade de interfaces.

A realidade social que nos circunda é algo complexo, e os princípios
cognitivos da teoria da complexidade possibilitam uma adequada percepção e
compreensão dessa realidade.


Assim como a realidade social, a realidade desta mente e corpo não
pode ser apreendida de forma isolacionista, segmentada. Para Kabat-Zinn,
com base na tradição oriental antiga, mente e corpo são um sistema que
funciona em interdependência, e qualquer olhar para ele demanda a obrigação
de partir desse pressuposto e ser coerente com ele.






















Para Zabat-Zinn[?] (1990), em tradução livre,


"Corpo e mente são uma unidade indissolúvel. Tudo o que acontece no
corpo afeta a mente e vice-versa. Na verdade, ambos funcionam em
uníssono. Tudo o que fazemos para manter a conscientização em nossa
saúde e aptidão física se reverte necessariamente em nosso
equilíbrio emocional e psicológico. A dissociação entre corpo e
mente, o arquétipo da era moderna, tem contribuído para que muitos
de nós vivamos como se nossos corpos fossem roupas penduradas em um
cabide, e como se nossa mente e emoções corressem em alta
velocidade, indo muito mais rápido do que nosso corpo."

(MEYRIALLE, Cristina. El Estrés, la Enfermedad del 2000. Em <
http://www.psitranspersonal.com.ar/estres.htm > Acesso em 20 de
novembro de 2012)





Percebemos assim o modelo cartesiano – baseado no racionalismo de René
Descartes, que defendia que a dúvida era o primeiro passo para se chegar ao
conhecimento – como um sistema simplificador ao extremo para uma leitura
mais profunda da realidade, pois, ao produzir um pensamento redutivo e
disjuntivo, não é capaz de contemplar a complexidade do real; o pensamento
complexo, por sua vez, pode produzir um conhecimento pertinente por
conseguir integrar, religar, fazer comunicar as instâncias e esferas
separadas do conhecimento (MARTINAZZO, 2010).


Morin, em sua construção sobre o pensamento complexo, nos questiona:


"sendo todas as coisas ajudadas e ajudantes, causadas e
causantes, estando tudo ligado por um laço natural e invisível,
considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo,
como também considero impossível conhecer o todo sem conhecer
particularmente as partes." (Morin, 1990 p.148)


Nesta perspectiva, investigaremos a experiência focando nos objetivos
propostos e usando alguns dos princípios da teoria da complexidade para a
construção de conhecimentos pertinentes a estes campos do conhecimento –
Psicologia, Psicanálise, Meditação, Budismo, Mindfulness e Antropologia.






2.b) Ocidente e Oriente: um diálogo a ser explorado no campo das ciências



No artigo "Lacan e a arte zen do psicanalista: uma leitura de
abertura e primeiro capítulo do Seminário I", André Camargo Costa faz um
belo trabalho em que aborda corajosamente psicanálise e budismo, explorando
as motivações e pontos de interesse de Lacan, que abre seu seminário com
uma história zen e navega por pontos importantes de conexão da psicanálise
com esta antiga tradição religiosa oriental, presenteando-nos com saborosas
surpresas. O encanto de Lacan com a enigmática técnica zen, que usa de
piadas e "gestos" que buscam romper padrões de pensamento que geram
insights e novas compreensões ao discípulo-interlocutor, e sua
identificação como psicanalista com o ofício do mestre zen é a hipótese
ricamente ilustrada por ele.

Este exercício de transdisciplinaridade, a partir do olhar
maduro e inovador do autor, foi capaz de tecer uma costura que revela
interpenetrações e olhares tanto opostos como convergentes, além de
conexões e complementariedades em temas como associação livre,
transferência, a noção do eu, o progresso da análise e a ética que lhe é
pertinente.

Entre estranhamentos e diferenças no olhar para o que vem do oriente,
Mircea Eliade faz importantes contribuições para uma reflexão mais profunda
sobre este debate no prefácio de Yoga, Imortalidade e Liberdade. Como um
apaixonado pela contínua descoberta e interpretação da Índia pela
consciência europeia, no que ele denomina de "indianismo europeu", ele
afirma que "a análise de uma cultura estrangeira revela, sobretudo, aquilo
que se busca ou que já se está preparado para descobrir". (ELIADE, 1996,
p.9). Para ele, a compreensão da filologia e a posse de dicionários e
instrumentos de trabalho ajudam, apesar de não esgotarem, o entendimento do
objeto de estudo, principalmente no que tange às filosofias orientais. Mas
para uma compreensão mais profunda da episteme oriental, é necessário bem
mais que recursos intelectuais e ferramentas de pesquisa.

"Quando abordamos uma espiritualidade exótica, compreendemos
sobretudo aquilo que estamos predispostos a compreender por
nossa própria vocação, por nossa própria orientação cultural e
por aquela do momento histórico ao qual pertencemos. Esse
truísmo tem uma aplicação generalizada: a imagem que se criou
das "sociedades inferiores" no século XIX derivou, em grande
parte, da atitude positivista, anti-religiosa e não metafísica
de alguns excelentes exploradores e etnólogos, que abordaram os
"selvagens" com a ideologia de um contemporâneo de Augusto
Comte, Darwin ou Herbert Spencer." (ELIADE, 1996, p.10)

A busca do pensamento europeu pelo entendimento de uma cultura
"estranha" a si mesmo, como a indiana, não esteve livre de
dificuldades que exigiram, além do desenvolvimento de instrumentos
específicos de estudo e trabalho, a seleção de alguns aspectos da
espiritualidade indiana que pudessem ser mais permeáveis à ideologia
europeia, porém, repetidamente vistos como um conjunto de crenças,
mitos e valores inferiores, exóticos, ingênuos e infantilizados.

"Assim, entre os 'primitivos', descobria-se de forma ingênua o
fetichismo e o infantilismo religioso porque não se era capaz de
ver ali outra coisa. Foram necessários o progresso do pensamento
metafísico europeu no começo deste século, o renascimento
religioso, as inúmeras conquistas da psicologia profunda, da
poesia, da microfísica, para se chegar a compreender o horizonte
espiritual dos 'primitivos', a estrutura de seus símbolos, a
função de seus mitos, a maturidade de sua mística." (ELIADE,
1996, p.10)

Assim, em meio a recortes, escolhas e interpretações baseadas na
mitologia naturalista e nos modismos culturais, foi-se desenvolvendo,
no início do século 20, a sociologia e a antropologia cultural,
respondendo, inicialmente, às problemáticas inerentes à própria
cultura europeia.



Esse olhar pode nos ajudar a refletir sobre como a psicanálise e a
psicologia ocidental podem interpretar ou dialogar com métodos e práticas
contemplativas baseadas na filosofia do Oriente, como a meditação e a yoga,
e em como o percurso de pensadores como Freud, Lacan, Jung e outros, que de
alguma forma se relacionaram com este pensamento, influenciam o interesse
aparentemente crescente da psicologia moderna nestes recursos e em
diferentes abordagens. Em seguida, abordarei o nascimento do Programa de
Redução de Estresse com Base na Plena Atenção e seus fundamentos e campos
do conhecimento que contacta.







2.c) Um programa de que nasce da interdisciplinaridade

Os programas de mindfulness nasceram a partir de encontros que se
deram com a criação do Mind and Life Institute. Desde a década de 1970,
quando os encontros passaram a ser oferecidos no Hospital de Massachussets,
não pararam de se expandir por todos os EUA e pelo mundo. Hoje, essas
práticas, já sedimentadas na Europa e Américas, começam a chegar ao
ambiente científico e terapêutico na América do Sul.

Os programas de MBSR nunca omitiram o fato de terem sua origem nas
tradições budistas, porém, sempre se preocuparam em não enfatizar essa
relação, que poderia ser potencialmente sectária ou sectarizante. Ao
contrário, inspirado pela visão de mundo do Dalai Lama, Jon Kabat-Zinn
preocupou-se em captar o aspecto universal dessa prática milenar e em
compartilhar o que poderia ser benéfico e útil para todo ser humano que
tivesse genuíno interesse em diminuir seu sofrimento e a aprender uma nova
maneira de gerenciar seu próprio estresse (físico e psicológico).

Nesse espírito nasceram os primeiros programas de mindfulness. Ao que
parece, eles continuam universais, e a escolha de torná-los separados de
visões de mundo necessariamente religiosas parece ser uma escolha benéfica
e que possibilita a maior inclusão.

O hospital Phillipe Pinel é reconhecido nacionalmente como instituição de
referência no sistema público de saúde no tratamento da dependência
química, dispondo de internação de emergência, ambulatório, hospital-dia e
atividades de terapia ocupacional diferenciadas, como a prática de
jardinagem e o cultivo de bonsai (técnica japonesa de jardinagem), artes
marciais orientais como Tai Chi Chuan e Liang Kong, além de atividades
lúdicas e integrativas, como a Rádio Pinel e o grupo de teatro, que
recentemente deixou de existir.

Recentemente, instituições psiquiátricas como o hospital vêm
experimentando soluções alternativas à internação, buscando a socialização
de pacientes, a sua recuperação e a criação de vínculos com a família e o
mundo do trabalho. O hospital procura ser um espaço onde práticas
alternativas e atividades coletivas como dança de salão, costura, arte e
pintura, cultivo de bonsai (técnica japonesa de jardinagem), tai chi chuan,
entre outras, convivem com o tratamento tradicional baseado em atendimentos
individuais, terapia de grupo para acompanhamento e prescrição de
medicação.

Portanto, práticas que trazem mindfulness como um dispositivo de saúde
são seguramente cada vez mais relevantes no cenário das chamadas práticas
integrativas, uma vez que o grande fluxo de estímulos sensoriais tem
afetado significativamente as populações urbanas em sua capacidade de
atenção.




No campo da psicologia, pesquisadores vêm se dedicando à investigação do
uso de mindfulness na área terapêutica e da arte. Nessa passagem, Kastrup
define bem o contexto, o método e o objetivo das práticas meditativas
budistas donde as práticas de mindfulness derivam: "A proposta das práticas
de meditação budistas não é afastar o sujeito do mundo, mas ao contrário,
capacitar a atenção e a consciência a estarem totalmente presentes na
experiência que não é recoberta pela história passada e que está associada
ao fato de ser destituída de um eu." (KASTRUP, 2004, p.9)

Freud, em sua genialidade, já previa, desde O Mal estar na civilização,
que as novas tecnologias, apesar de trazerem um domínio inédito sobre a
natureza, não trariam um aumento proporcional à satisfação existencial.

Existe ainda um fator adicional de desapontamento. Durante as
últimas gerações, a humanidade efetuou um progresso
extraordinário nas ciências naturais e em sua aplicação técnica,
estabelecendo seu controle sobre a natureza de uma maneira
jamais imaginada. As etapas isoladas desse progresso são do
conhecimento comum, sendo desnecessário enumerá-las. Os homens
se orgulham de suas realizações e têm todo o direito de se
orgulharem. Contudo, parecem ter observado que o poder
recentemente adquirido sobre o espaço e o tempo, a subjugação
das forças da natureza, consecução de um anseio que remonta a
milhares de anos, não aumentou a quantidade de satisfação
prazerosa... (FREUD, 1997, p. 94-95)



É interessante que o próprio Buddha, Sidarta Gautama, já compartilhava
com aqueles que estavam interessados em seus ensinamentos visões de mundo
semelhantes. Quase como se Buddha e Freud tivessem uma intersecção
considerável em sua weltanschauung[?].

Em tradução livre,

Responda se você vê que isso é adequado. Agora, o que você acha:
suponha que um chefe de família ou o filho de um chefe de família
tem uma casa com um telhado de duas águas, com reboco por dentro e
por fora, sem correntes de ar, com porta de fechar e janelas que
se fecham contra o vento. Dentro, ele tem um sofá tecido de crina
com uma colcha de fios longos, uma colcha de lã branca, uma colcha
bordada, um tapete do vale de veados de kadali, com um dossel
acima e almofadas vermelhas em cada lado. E há uma lâmpada que
ilumina, e suas quatro esposas, com seus muitos encantos, assistem
a ele. Será que ele dormirá em paz, ou não? Ou como isso lhe
afetaria? (BUDDHA, Anguttara Nikaya3, v.34)



Dentre as muitas interpretações possíveis para esse contundente
discurso, uma é a compreensão de que o Buddha desde aquela época
problematiza a insatisfação crônica da existência, uma vez que, mesmo
cercado de conforto, o "dono de casa" não experimentaria um sono pacífico.
Nesse exemplo, o sono seria uma alegoria para a paz mental e o grau de
satisfação, mais amplamente falando.

Obviamente, o Buda não testemunhou a revolução industrial e nem a toda
revolução tecnológica vista por Freud. No entanto, seu insight já o
permitia supor que a insatisfação é uma característica presente na condição
existencial humana. Por isso, "dukkha", insatisfatoriedade, é considerada
uma das três marcas intrínsecas da existência. Como meu desejo de pesquisar
esse tema e de aplicá-lo como um dispositivo de saúde vem da minha
experiência como praticante de meditação num contexto budista, gostaria de
ressaltar que, apesar de o Buda descrever detalhadamente a insatisfação
crônica da existência, essa abordagem ao mesmo tempo aponta para um caminho
de transcendência absoluta desse problema eminentemente humano.



Marlos Gonçalves Terêncio, em Um Percurso psicanalítico pela mística
de Freud e Lacan (2011), brinda-nos com mais um exemplo de ponte bem
construída, que aborda de forma ampla, densa, interessante e
surpreendentemente coerente o pensamento da mística em diversas tradições e
filosofias, e o olhar da psicanálise trabalhado com base em conceitos e
fundamentos teóricos que são chave para o entendimento de ambas as
abordagens. Um olhar respeitoso, antropologicamente falando, das culturas e
lugares de fala de cada uma dessas manifestações do pensamento humano.

Podemos relacionar esse senso de insatisfatoriedade, ou sofrimento, ou
impossibilidade de completude, denominado dukka, em páli, com a ideia de
"falta-em-gozar", descrito na psicanálise. No capítulo Mística e Gozo, em
que se dedica a delinear esse campo e seu diferentes mecanismos na
psicanálise, Terêncio explica o fato de o gozo ser falta e, por isso, "o
sujeito cria uma miragem de um deleite absoluto (o gozo do outro)"
(TERÊNCIO, 2011, p. 133). Em seguida, ele descreve o que seria o gozo no
campo místico:



(...) a falta em gozar é a própria pré-condição da escolha da
senda para o êxtase. Como qualquer ser humano, o místico é um
ser de linguagem inserido inevitavelmente no gozo fálico.
Conforme todo sujeito, o místico depara-se com o fato de que o
desejo, qualquer que seja, jamais se satisfaz senão
parcialmente, de que o gozo obtido nunca é o gozo esperado.
(TERÊNCIO, 2011, p.134)



Não é o escopo do presente trabalho desenvolver o tema do que seria o
êxtase, nibbana, ou o gozo pleno da libertação final sob o ponto de vista
budista. A ressalva foi feita apenas por que faz parte da minha experiência
subjetiva e por ser uma forma acurada de referir-se aos ensinamentos
antigos atribuídos ao próprio Buddha histórico. Na tradução livre do
inglês,

Além disso, há o caso de um monge que, com a completa superação da
base da percepção, nem da não percepção, entra e permanece na
cessação da percepção e sensação. E, tendo visto isso com
discernimento, suas fermentações (impurezas) mentais finalizam
completamente. Então, essa linha de raciocínio pode ser
compreendida agora como a "desvinculação é agradável" (ou a
renúncia é algo agradável). (BUDDHA, tradução de THANISSARO,
Bhikkhu, 1997-2012)


Apesar dessa distinção relevante, guardadas as devidas proporções, ainda
poderíamos traçar um paralelo entre Nibana e os conceitos de Freud de mente
oceânica e estados arcaicos. Em ambas as abordagens, o estado cognitivo de
absorção mental, que poderia ser descrito como uma concentração profunda e
silenciosa, ou "vazia", como explicam mestres zen-budistas e outros
autores, seria uma base de percepção da realidade na qual, na explicação do
Buddha, se poderia ir além da percepção e da não percepção. Esse seria um
dos estados mais profundos de concentração, que são detalhados de forma
gradual em diversos suttas (ensinamentos ou discursos) budistas feitos
originalmente na língua páli, oralmente, e depois registrados por seus
discípulos após seu falecimento. Estas bases cognitivas de percepção da
realidade são conhecidas como jhanas, ou estados de absorção mental.

O Programa de Redução de Estresse não se baseia na prática de estados
de concentração tão profundos, e sequer se dedica a explicá-los em
pormenores técnicos de nível avançado, como nos ensinamentos budistas. O
programa apresenta-se como uma experiência de campo com grupos que se
baseiam na meditação com um objetivo bem delimitado: a busca da
tranquilização da mente por meio da atenção na respiração (ou movimento)
para permitir a investigação do praticante de suas sensações, desejos e
emoções que surgem momento a momento. Para isso, usa-se a atenção plena no
que se denomina "presente", ou "aqui, agora". A ideia é deixar surgir o que
vier e cultivar a abertura de aceitar o que vier. Sem julgamento e
controle. O que se relaciona com o método da associação livre. Segundo
Freud

O cultivo de estados de plena atenção permite a emergência de muitas
percepções e novas compreensões sobre o funcionamento da mente, do desejo,
dos estados emocionais que surgem e passam, do senso de identidade e
percepções de manifestações do psiquismo antes não disponíveis para o
sujeito etc.



Alternativas de tratamento de apoio à recuperação como essa têm se
multiplicado com o desenvolvimento de estudos, principalmente da
neurociência, e nos mais diversos campos da psicologia. Iniciativas que
quantifiquem, explorem e analisem qualitativamente os objetos e resultados
de estudo podem contribuir para o campo das ciências do desenvolvimento
cognitivo de forma transdisciplinar, algo que é ainda tão pouco explorado
em nosso país.




CAPÍTULO 3 - PROPOSTA DE TRABALHO



O Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção –
conhecido como Prepa – foi proposto em seu modelo tradicional de oito
encontros nas instalações do próprio hospital. A primeira palestra é aberta
a todos os interessados que recebem uma carta de apresentação do programa e
são convidados a refletir se querem assumir o compromisso consigo mesmos
para dar início ao programa. Ao final de oito semanas, nas quais acontecem
oito encontros de duas horas, realiza-se a experiência de um retiro de seis
a oito horas, onde os participantes têm a oportunidade de realizar uma
prática mais intensiva, em que se dedica mais tempo em silêncio e em
sessões sequenciais de plena atenção.

Desde sua implementação, foram desenvolvidas centenas de pesquisas e
artigos científicos, livros e relatos de experiências sobre o uso da
técnica de mindfullness em todo o mundo, seja no contexto hospitalar,
escolar, clínico ou em empresas, e têm sido registrados resultados
surpreendentes, como maior capacidade de lidar com fatores estressores, de
superar situações de crise emocional, de lidar com perdas, morte, dor
física e mental e uma maior conexão consigo mesmo, com outros, e uma
percepção maior de sentido nas relações do sujeito com a própria vida, com
seus pensamentos, emoções e tomadas de decisão.

A palavra mindfullness, que pode ser definida como "prestar atenção de
forma intencional no momento presente, sem julgar" (KABAT-ZINN, 1990), foi
traduzida para o português de variadas formas: consciência plena, presença
mental e atenção plena, entre outras. Neste trabalho, usaremos o termo
atenção plena, e com ele queremos dar ênfase a esta habilidade de estar
conectado e consciente do que se passa, momento a momento.

Kabat-Zinn define que este tipo de atenção permite que aprendamos a nos
relacionar de forma direta com o que está acontecendo em nossas vidas, aqui
e agora, no momento presente. É uma forma de tomar consciência da nossa
realidade, dando a nós mesmos a oportunidade de trabalhar conscientemente
com nosso estresse, dor, doença, perdas ou com os desafios da nossa vida
(KABAT-ZINN, 1990).

Outro conceito chave citado no programa é o da autorregulação. Estudos da
neurociência e psicologia comportamental abordam essa capacidade de forma
ampla como

"(...) habilidade de modular a cognição, a emoção e o
comportamento, a fim de gerar uma melhor adaptação ao meio (LEWIS e
TODD, 2007). Embora na Psicologia ainda se discuta se a
autorregulação envolve apenas processos executivos e/ou processos
automáticos, há consenso de que a mesma abrange o controle de
respostas corticais e subcorticais. Por esta razão, é muitas vezes
dividida em regulação atencional e regulação emocional, embora se
argumente que a autorregulação é um processo único, envolvendo a
interdependência dos diferentes níveis da atividade cerebral (Lewis
& Todd, 2007). Conforme será apresentado a seguir, diferentes
medidas – neurofisiológica, imagem funcional e comportamental –
podem representar processos regulatórios (MENEZES, DELL'AGLIO e
BIZARRO, 2010).

Na visão de Bishop e colaboradores (2004), existem dois componentes para a
Atenção Plena: o primeiro seria adotar, na experiência, uma atitude
específica de curiosidade, abertura e aceitação a todos os conteúdos que
surgirem na consciência. O segundo ponto enfatizado é a Autorregulação da
Atenção, que busca desenvolver o reconhecimento dos eventos mentais daquele
momento. Ao desenvolver a habilidade de regular o foco da atenção, pode-se
observar a cada momento, em detalhes, as mudanças nos padrões de
pensamento, emoções e sensações. Isso pode proporcionar uma percepção de
estar mais presente e atento à experiência.

A autorregulação da atenção e a mudança do foco envolvem uma
experiência direta dos eventos da mente e do corpo, evitando,
porém, ruminações e elaborações sobre a natureza desses eventos.
(BISHOP, 2004, p.232)

Cada indivíduo experiencia a prática de meditação de uma maneira única
e especial, porém, as orientações oferecidas pelo instrutor durante as
práticas seguem uma sequência que estimula o estabelecimento e a
sustentação da atenção por um período prolongado de tempo, focada em um
objeto específico, como a respiração, uma parte do corpo ou o corpo como um
todo. Em seguida, orienta-se o grupo a perceber e a reconhecer estímulos
mentais e sensoriais, como ideias, pensamentos, sentimentos ou sensações
físicas. A orientação é perceber cada fenômeno como ele se manifesta, sem
se identificar com ele, no sentido de "meu, eu, mim" (como "minha dor,
minha perna, minha mente", por exemplo).






CAPÍTULO 4 – OBJETIVOS



A pesquisa A meditação como recurso no trabalho com a dependência
química; uma experiência no Instituto Psiquiátrico Philipe Pinel visa
aplicar o Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção
seguindo a metodologia proposta por John Kabat-Zinn, objetivando promover
na população atendida subsídios para identificar e analisar as percepções
sobre si e sobre o mundo, sensações, desejos e emoções antes, durante e
após o processo que experimentaram.

O estudo visa ainda a realização de círculos de troca e diálogos
orientados, buscando investigar a percepção do grupo sobre como a prática
de meditação, exercícios corporais com base na yoga e conversas mediadas
podem influenciar nas terapêuticas e desafios da recuperação.

Por fim, pretende-se ensaiar algumas relações entre o processo de
mindfullness (atenção plena), tal como proposta no programa acima
mencionado, e certos postulados teóricos da perspectiva psicanalítica e da
filosofia budista.



CAÍTULO 5 - POPULAÇÃO ATENDIDA




Por sugestão da equipe médica, o programa foi indicado para pacientes
atendidos no ambulatório, dependentes e familiares, e para alguns internos
em processo de desintoxicação e que tinham interesse em participar de
encontros de prática e palestras sobre meditação e yoga por oito semanas.
Foram tomados cuidados na explicação dos detalhes do programa ao grupo de
internos, em especial, tendo em vista que o tempo de internação nesses
casos, nesta instituição, pode varia de três e cinco semanas. Durante todo
o programa, contamos apenas com três participantes que estavam internados,
sendo que um deles prosseguiu até o final. Um deles veio em apenas três
ocasiões, o segundo veio de forma intermitente apenas enquanto estava
internado, e o terceiro veio em quase todos os encontros.

A sala do hospital usada para as práticas era um grande auditório com
cerca de 50 lugares, com cadeiras azuis acolchoadas e confortáveis, paredes
brancas, um quadro de uma paciente retratando um coelho saindo da cartola –
usado por mim como um exemplo de como o insight se manifesta –, janelas
grandes dando para o pátio interno do hospital ocupando uma parede inteira
e um quadro negro na parede principal, de frente para a porta. O auditório
contava ainda com uma mesa de apoio e cadeira para o palestrante, uma mesa
de apoio para computador, armário e uma mesa dobrável para alimentos e
bebidas que usamos algumas vezes para compartilhar um lanche colaborativo.

Uma primeira palestra de abertura foi agendada para esclarecer pontos
do programa e convidar os que quisessem aderir. Eu fui responsável pela
apresentação do programa, que contou com a entrega de uma carta-convite
explicativa (Anexo 1), e tive a colaboração do Dr. Marcos Micelli,
corresponsável pela implementação dos encontros, nas explicações técnicas
de como o estresse está relacionado com a ansiedade e de como técnicas de
meditação e yoga estão sendo usadas no contexto terapêutico de tratamento
da dependência química.

Com objetivo de mapear o perfil sociodemográfico (Anexo 2) e conhecer
melhor a realidade e contexto de vida dos participantes, foi aplicado um
questionário no segundo encontro, após a palestra inicial de abertura. A
palestra inicial de abertura contou com 26 participantes, familiares e
dependentes químicos, e o encontro seguinte com 24, sendo que, ao final do
programa, pudemos apurar que 12 participantes estiveram no último encontro
antes do minirretiro de encerramento, uma prática intensiva que busca
aprofundar a experiência do grupo a partir de uma dedicação, por metade de
um dia, a sessões de meditação andando, sentado, de pé, exercícios
corporais em plena atenção, palestras e círculo de trocas.

O questionário de perfil sociodemográfico foi preenchido e entregue apenas
por 14 pessoas. Muitos preferiram levar o questionário para casa e dois
deles demonstraram ter sentido certo desconforto em responder algumas
perguntas – possivelmente as relacionadas à renda da família, formação
educacional do participante e de seus pais, etc. Sendo assim, 10
participantes, além dos respondentes, continuaram no programa e não
entregaram o questionário. Com o objetivo de fortalecer o vínculo inicial
de receptividade e confiança, achei melhor não pressionar os integrantes e
cobrava o retorno dos questionários sem colocar condições que pudessem ser
interpretadas como "obrigatórias".

Na palestra inicial do Programa de Redução de Estresse, para minha
surpresa, já que não havia sido informada, descobri que além de dependentes
químicos foram inscritos, encaminhados pelo psiquiatra responsável em
acompanhar o programa, quatro parentes de dependentes que apresentavam
queixas como ansiedade, depressão, angústia, dificuldade para dormir, entre
outras. Delimitamos então um objetivo comum para o grupo de interessados de
buscarmos compreender como as técnicas de meditação e plena atenção podem
ser usadas em conjunto com outros tratamentos, já realizados por eles, para
apoiar a recuperação dos participantes de situações diversas de estresse.

A maioria dos participantes (57%) era composta por mulheres, (64%) de cor
branca, (50%) solteira ou (21%) separada, (64%) morando com a família, a
maioria com a mãe (36%) – sendo (29%) sozinho, (29%) com filhos ou (29%)
com companheiro(a).

A renda da casa é de responsabilidade, em sua maioria, (36%) do pai ou
(21%) marido. A maioria (43%) vive com mais de cinco salários mínimos,
seguida de um grupo menor (29%) de um a dois salários e de outro (21%) de
dois a cinco salários. A maioria (43%) divide a casa com mais duas pessoas.
Em relação à formação de pais, a maioria (42%) das mães de participantes
estudaram até o ensino fundamental e (36%) médio, sendo que uma pequena
minoria (7%) concluiu o nível superior. Já os pais, em sua maioria (35%),
concluíram o ensino fundamental e (29%) o médio, sendo que quase um quarto
(21%) cursou nível superior.

De todos os que preencheram, apenas três afirmaram receber benefício do
governo – dois aposentados por tempo de serviço e uma recebendo auxílio-
doença por diagnóstico de depressão maior. Do grupo, a grande maioria (57%)
reside em casa própria e quase todos afirmaram possuir bens como TV,
celular, geladeira, DVD, rádio, computador, telefone fixo e máquina de
lavar.

É importante notar que a maioria dos participantes parece conseguir manter
alguma atividade remunerada e vínculo com o mundo do trabalho. Dos 14 que
preencheram o formulário, criado por mim e aprovado pela equipe técnica na
reunião de planejamento inicial, 11 informaram suas profissões – arquiteto,
comerciante, figurinista, autônomo, costureira, gráfico, uma estudante de
direito, um militar reformado, dois aposentados, uma técnica em dependência
química – e três deixaram o campo em branco.

Em relação ao convívio e senso de camaradagem e informalidade no
grupo, durante os encontros percebi que a maioria dos pacientes
ambulatoriais se conhecia e frequentava também grupos de Alcoólicos
Anônimos ou Narcóticos Anônimos comuns. Brincadeiras, cumprimentos,
conversas e combinações de eventos fora do contexto do grupo eram comuns
entre eles. Mas os parentes de dependentes, quatro pessoas do grupo, se
integraram e foram recebidas sem diferenciação aparente pela maioria.



CAPÍTULO 6 - METODOLOGIA




6.a) A escolha do método

Sabemos que existem diversas abordagens, programas e propostas
bastante distintas para desenvolver a habilidade de prevenir ou superar o
estresse e a crise emocional. O principal motivo para a escolha do Programa
de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção (Prepa), criado por John
Kabat-Zinn, conforme foi implementado no hospital de Massachussets, deve-
se, inicialmente, ao fato de que era preciso definir uma "moldura" para
expor, de forma bastante sistemática e gradual, os participantes às
técnicas de meditação e plena atenção.

O uso de técnicas de meditação e yoga, em detrimento de muitas existentes
hoje com objetivos semelhantes – capacitar os praticantes a conhecerem
melhor seus processos mentais e físicos e fortalecer recursos que possam
ajudá-los na lida em relação ao estresse –, deve-se principalmente à
experiência que venho adquirindo ao longo da minha trajetória pessoal como
instrutora e praticante e de pesquisas sobre o tema. Ter percebido uma
melhora em minha própria capacidade de lidar com conflitos e com o estresse
cotidiano, além de dos benefícios que percebi em outras pessoas que usaram
esses métodos, motivou-me a experimentar esse caminho.

Outro ponto importante é algo que diferencia o programa de práticas
místicas e religiosas focadas em superação de estresse, crises e
autorregulação emocional: o fato de ser composto por técnicas formais e
informais, e não ter como objetivo "formar gurus", mas possibilitar a
aplicação de recursos aprendidos nas técnicas formais, nas situações de
estresse (KABAT-ZINN, 1982).

Isso permite que o programa seja experimentado por pessoas de diferentes
culturas, que seguem diferentes práticas religiosas, sem gerar
constrangimentos e obrigações como rituais, uso de mantras, roupas
específicas, locais sagrados e elementos simbólicos.

A metodologia do Prepa foi cada vez mais adaptada ao longo dos anos,
mantendo seus conceitos e fundamentos-chave – uso da plena atenção na
meditação e em movimento, a percepção dos estados mentais, o conhecimento
dos efeitos do estresse, a discussão do conceito saúde-doença, o
reconhecimento das reações do tipo "piloto automático", etc. – para o
tratamento complementar de compulsão alimentar, dependência química,
pacientes que sofrem de dor crônica, depressão, pacientes terminais,
familiares e profissionais que lidam com situações de estresse em seu dia a
dia, como médicos, terapeutas, policiais, professores, mediadores, etc.

A forma como a metodologia encara o estresse e seus fatores causadores
baseia-se na ideia de que este é um tipo de problema sistêmico e complexo e
que não admite soluções superficiais, exclusivas ou simplistas. O estresse
é visto como algo que constitui uma parte natural da vida e, assim como a
condição humana, dele também não conseguiremos escapar.

Estressores são todos os fatores que podem levar um indivíduo a um
estado de exaustão e adaptação- doença. E eles podem ser tanto
externos quanto internos. Desta forma, um pensamento ou emoção pode
ter efeitos desestabilizadores e agressivos em nosso corpo inteiro.
No entanto, uma experiência em si não é necessariamente a natureza
estressante, que é a maneira como nós vemos. Apreciar ou avaliar
uma situação é o que irá determinar como responder e quanto de
stress ela poderá nos causar. Há também inúmeros fatores
ambientais que podem se tornar fatores de estresse, tais como
alimentos pobres ou inadequados, hábitos como fumo, álcool ou
drogas, a poluição ambiental, a que se juntam os fatores sociais e
econômicos, entre outros. (KABAT- ZINN, 1990)

É importante ressaltar que o papel da meditação neste método,
portanto, não é retirar o sujeito da realidade, como um escape, ou
possibilitar um estado de transe, ou o desenvolvimento de poderes
psíquicos, o contato com um "vazio mental" e o controle de pensamento e
emoções aversivas, ou a conquista de um estado onde se "pare de pensar",
como se acredita em grande parte, no senso comum. O objetivo da meditação
nessa perspectiva é ser como uma "porta de entrada" para a compreensão e
proporcionar a tranquilização da mente por meio da atenção na respiração e
nos movimentos corporais (caminhada e yoga) e permitir a investigação do
praticante de suas sensações, desejos e emoções que surgem momento a
momento. Para isso, usa-se a atenção plena no que se denomina "presente",
ou "aqui, agora". 

A ideia é deixar surgir o que vier e cultivar a abertura de aceitar o
que vier. Sem julgamento e controle. Um processo que se assemelha ao da
associação livre e que permite a emergência de muitas percepções e novas
compreensões sobre o funcionamento da mente, do desejo, dos estados
emocionais que surgem e passam é o que investigaremos nos relatos e nas
trocas de experiência entre os participantes do programa, a partir do olhar
para as percepções, as reações, o senso de identidade, de liberdade, o
reconhecimento de padrões de pensamento e comportamento, as manifestações
do psiquismo, entre outros.



CAPÍTULO 6 – METODOLOGIA DA PESQUISA



6.a) Um setting-base para um "olhar" atento

A escolha de aplicar o Programa de Redução de Estresse com Base na Plena
Atenção (Prepa), seguindo a metodologia proposta por John Kabat-Zinn como
setting para a experiência do contato com a prática das técnicas de plena
atenção parado e em movimento, conforme explicado na introdução deste
trabalho. Relembrando, a escolha ocorreu pelo fato de a pesquisadora
possuir experiência no método, apesar de saber de outras abordagens ao
desafio de lidar com o estresse, e entender que, devido a sua
sistematização, abordagem prática, didática, simplificada e não religiosa,
o programa seria uma estratégia adequada para uma experiência curta, mas
que permitisse uma exposição do grupo à técnica de plena atenção de forma
minimamente significativa, para haver a possibilidade de avaliação de
benefícios ou dificuldades.

Na primeira reunião de alinhamento e planejamento do cronograma de
encontros, apresentei à equipe médica o programa e a pesquisa como dois
trabalhos distintos, porém, concomitantes e complementares. O grupo de
médicos e psicólogos da instituição já conhecia a técnica de mindfullness,
mas não havia tido uma experiência significativa devido à perspectiva
trazida por uma profissional que os havia procurado há algum tempo propondo
trabalhos neste sentido ter sido pouca aberta a uma visão de
complementariedade de tratamentos e parecer colocar a técnica como a única
solução para o problema da compulsão.

Foi combinado que os participantes se inscreveriam voluntariamente
após a indicação dos psiquiatras que os atendiam. Para a divulgação, foram
colocados cartazes nos murais internos do ambulatório que recebe
diariamente dezenas de pacientes em tratamento de dependência química para
consultas individuais e em grupo. A indicação do psiquiatra responsável foi
a condição básica para a inscrição dos participantes.

Na ligação telefônica ou contato presencial com a psicóloga
responsável pelas inscrições, já eram explicados os dados básicos sobre o
programa, buscando garantir que soubessem que a participação era gratuita,
totalmente voluntária, e que o não engajamento não impactaria no
cancelamento do atendimento ambulatorial prestado pela instituição. Além
disso, foi explicado que o programa teria duração de oito semanas, sendo
que os encontros teriam duração de duas horas e aconteceriam semanalmente,
às terças-feiras pela manhã, nos meses de maio a julho, com um breve
recesso de uma semana devido a compromissos da instrutora. Foi explicado
ainda que seria benéfico se todos os participantes que se inscrevessem
frequentassem os oito encontros com o intuito de vivenciar todo o programa
e poder contribuir para a pesquisa que seria aplicada ao final do processo.


Os participantes foram informados de que aprenderiam técnicas de como
lidar com o estresse e a ansiedade com base na prática da meditação e da
yoga, com o apoio de uma apostila gratuita para estudo e rodas de palestra
sobre os eixos temáticos da apostila – fundamentos de meditação e
exercícios corporais com base na yoga, fisiologia do estresse, formas de
comunicação assertiva, passiva e agressiva, padrões de reação automática –
e momentos de troca de experiências em grupo.



6.b) Experimentação e discussões em grupo




Na etapa de experimentação de técnicas de meditação e cultivo da
atenção, foi utilizado como base o Programa de Redução e Controle de
Estresse (MBSR – Mindfullness-based Stress Reduction), desenvolvido pelo
dr. Jonh Kabat-Zinn, do Centro Médico da Universidade de Massachusetts
(EUA).

Alguns ajustes precisaram ser feitos no planejamento dos encontros. O
método do programa precisou ser adaptado para a realidade local da
instituição e do tempo disponível da pesquisadora, reduzindo um pouco a
carga horária dos encontros semanais em relação ao proposto no método (de
duas horas e meia para duas horas), e aumentando a duração de 8 semanas
para 12 semanas devido a duas semanas intercaladas de intervalo devido a
compromissos já agendados da pesquisadora.

Os encontros são compostos de prática meditação, exercícios com base
na yoga, leitura de textos e discussão por meio de exercícios individuais e
em grupo que permitem a troca de experiências relacionadas a temas-chave e
aos desafios da recuperação.

O eixo condutor central das discussões temáticas envolve cinco
dimensões: as percepções sobre os estados mentais dos sujeitos
(pensamentos), as sensações no corpo (corporalidade), o contexto a nossa
volta (ambiente), os relacionamentos (emocional) e nossa identidade e
percepção sobre nós mesmos (consciência).

Esses cinco eixos compõem a base das dinâmicas de grupo, orientações,
reflexões e dos questionários e provocações que foram desenvolvidos com
base no método de aplicação do Prepa, contido nos cadernos de orientação do
Programa de Redução de Estresse.

As práticas foram conduzidas pela pesquisadora, que tem formação como
instrutora de meditação e professora de Hatha Yoga, com experiência na
condução de workshops e retiros, assim como a aplicação de questionários e
a condução do grupo focal.




6.d) Limitações do estudo

O fato de a própria pesquisadora ter conduzido as atividades ao longo
dos encontros possivelmente dificultou a coleta de dados de campo,
compostos de depoimentos obtidos em questionários e relatos escritos e
orais nos círculos de troca de experiências e grupo focal.

Isso foi perceptível por alguns fatos, como por exemplo (1), a preocupação
excessiva em focar na metodologia do Prepa, e mediar as discussões e
práticas não facilitou o registro de comportamentos, falas e interações do
grupo no momento em que aconteciam, o que ocasionou grande perda de dados
no diário de campo. A minha falta de planejamento para a gravação dos
encontros também foi uma falha que percebi durante o processo; (2) é
possível que o senso de gratidão do grupo pela doação de tempo e
oferecimento do programa gratuitamente pela pesquisadora, além dos fatores
discutidos no trabalho, como a transferência, possam ter gerado um senso de
obrigação em trazer percepções positivas e evitar críticas às experiências
vividas, e (3) o fato de não ter havido a aplicação de entrevistas
individuais, e sim de um grupo focal, pode ter inibido alguns participantes
pelo mesmo motivo e por influência do que Goffman chamaria de "mecanismos
da performance", já que alguns poderiam motivar-se ou não a dizer o que
sentiam com base nos depoimentos dos outros.

Acredito que poderia ter sido mais efetiva a condução do grupo focal por um
colega conhecedor do método, além da gravação em áudio, que deveria ter
sido feita ao longo de todos os encontros e não apenas no último.




6.d) Mudanças de rota: onde começa a construção do conhecimento




Durante o processo de construção do trabalho, muitas mudanças ocorreram
devido às trocas com os orientadores, especialmente com a orientadora
Denise Maurano, um mergulho "introdutório", porém impactante para mim na
psicanálise e na percepção desta sobre a mística.

Após esse contato e trocas em reuniões e e-mails, percebi que a
metodologia que me baseava anteriormente na ênfase em questionários de
levantamento de experiências, bem estar e qualidade de vida, inspirada na
visão da psicologia cognitivo-comportamental usava ferramentas que não
seriam suficientes para dar conta da profundidade e amplitude exigidas pelo
olhar que busca analisar percepções mais sutis, resistências, ambiguidades
que movem o meu interesse nessa experiência e em seus resultados.

Assim, optei pela mudança de método, buscando analisar fragmentos das
falas retiradas de depoimentos e os comportamentos do grupo, manifestos nos
encontros, esperando com eles apreender um pouco sobre suas percepções após
a participação no Programa de Redução de Estresse com Base na Plena
Atenção.

Ao longo da pesquisa, os objetivos do estudo foram ganhando novo corpo
em relação aos descritos anteriormente devido às descobertas e experiências
vividas ao longo do processo. O contato com alguns conceitos da psicanálise
e a orientação em dados quantitativos, juntos com a missão de abordar o
tema de maneira transdisciplinar, à convite da Antropologia, deixaram-me
mais à vontade para navegar pelas interpenetrações entre antropologia,
psicanálise, psicologia budista e filosofia, tomando os cuidados que o
limite do escopo e do tempo de produção e pesquisa impõem.

Os novos caminhos para a pesquisa eliminaram a necessidade de tabulação
de grande parte dos dados do questionário de expectativas (questionário
inicial) e da avaliação de reação final (último encontro), que focavam nas
percepções e condições experimentadas ao longo e após o programa, ligadas
ao bem-estar, à crença e à motivação para superar crises, etc.

Escolhemos, portanto, respeitar o princípio da fundamentação teórica
escolhida e explorar o campo da fala livre, dos discursos escrito e oral
construídos ao longo dos encontros, e não investir tempo numa abordagem
quantitativa, que muitas vezes pode ser adequada a diferentes interesses,
dependendo dos objetivos de quem os analisa.

Percebi ainda que as perguntas desenvolvidas no início do projeto
implicariam em estudos de pesquisas alheias a minha, o que inviabilizaria a
tentativa de aprofundamento devido ao tempo e ao escopo de um trabalho
final de pós-graduação. A escolha foi a de focar exclusivamente em como a
intervenção das práticas de meditação e yoga atuam na recuperação de
pacientes em tratamento de dependência química no hospital e evitar abrir
quaisquer outras variáveis e comparações. Ao longo da pesquisa, pude
perceber que o uso de indicadores quantitativos aliados a entrevistas é um
método trabalhado por diversos pesquisadores nessa área do conhecimento.



6.e) Aplicação de questionários e atividades

Dentro da metodologia do PRCE, é prevista a leitura de uma apostila e o
preenchimento de questionários, com o objetivo de dar espaço à exploração
de expectativas dos participantes e funcionar como um apoio no qual eles
possam mapear seus próprios estados mentais e emoções mais frequentes em
seu dia a dia. Mas esses questionários são apenas discutidos em duplas ou
em pequenos grupos em sala e não devem ser entregues ao instrutor, por ser
um registro pessoal e exclusivo de cada um.

Considero que esse tipo de aplicação ganha vida quando não nos
preocupamos apenas em medir os resultados de maneira quantitativa, mas
quando estamos receptivos à experiência subjetiva de cada sujeito do grupo
e dispostos a analisar seus relatos sistemática e intuitivamente.



6.f) Relatos escritos pelos participantes




A apostila do PRCE propõe exercícios de caracterização das sensações,
pensamentos e percepções que surgem na mente em detalhe – incluindo, por
exemplo, o registro de episódios de depressão, compulsão, raiva, culpa,
agitação, entre outros. A ideia é possibilitar a aproximação com conteúdos
antes não observados e revelar percepções sobre si e o outro, identificar
estigmas, ideias sobre a doença, dificuldades, ideias sobre a possibilidade
de recuperação, etc.

Em relação ao estigma, especificamente, estes podem ser entendidos como
violência (cognitiva) determinada pela família, pelos amigos, e até pela
mídia (quando reforça estereótipos e lugares de fala). O estudo avaliará
como o dependente químico incorpora esse estigma, observando sua fala nos
relatos e depoimentos sobre a experiência.

Referências à corporalidade, performance, o simbólico nas relações com
si, com o outro, a percepção sobre um poder superior, ou seja, a relação do
homem com o poder simbólico (sagrado), serão analisados na perspectiva da
antropologia e nas perspectivas freudiana e lacaniana, com o objetivo de
traçar paralelos entre essas visões de mundo.




6.g) Grupo Focal

Ao final dos oito encontros, foram realizados dois grupos focais com
participantes para a troca de percepções e experiências – um na oitava
reunião e outro em um encontro mais longo, chamado minirretiro, que marca o
final do programa. Este encontro é, em geral, composto de seis horas de
prática com palestras, prática do silêncio, meditação andando, sentado e de
pé, yoga, alimentação em plena atenção e, ao final, trocas em grupo sobre a
experiência.

A equipe médica foi ouvida na reunião de planejamento e na reunião de
avaliação pós-programa, com o objetivo de levantar expectativas e
percepções sobre as vivências mais significativas relacionadas aos temas
foco do projeto, sob a perspectiva da instituição.



6.h) Confidencialidade

Como todo trabalho de pesquisa que respeita a integridade e o
anonimato dos participantes, todos foram informados das condições
necessárias para a realização do projeto e da importância do levantamento
de dados.

Ao longo dos encontros, foram levantados dados que serão organizados em
forma de relatório e gravações, com a autorização da instituição e dos
pacientes e seguindo as condições estabelecidas pelos mesmos.

A análise das falas foi categorizada a partir de uma indexação,
classificando alguns temas mais frequentes e dialogando com autores e
conceitos da fundamentação teórica, buscando refletir sobre os objetivos
propostos.



CAPÍTULO 7 – PLANO DE TRABALHO



Após a aprovação da proposta de pesquisa pelos coordenadores do curso
de Pós-Graduação em Antropologia e Desenvolvimento Cognitivo da UFF, foi
realizada uma reunião para apresentação do projeto para a equipe médica do
hospital, além de um pedido de autorização da área de cursos e educação da
instituição para registro dos dados de campo. Esta primeira reunião de
planejamento envolvendo psiquiatras, psicólogas, estagiários e a assistente
social do ambulatório de dependência química aconteceu em abril de 2012 e
teve como objetivo apresentar e aprovar a ideia da realização do projeto,
ouvir as percepções e sugestões da equipe para a realização do mesmo e
acordar uma divisão de tarefas para as próximas ações de comunicação,
inscrição – para início em maio de 2012 –, compra e preparação de material,
reserva de sala e atividades de encerramento do programa.

Neste encontro, foi definido que o idealizador inicial do projeto, Dr.
Marcos Micelli, um dos psiquiatras responsáveis pela Unidade de Tratamento
de Dependência Química do hospital, amigo e inspirador da ideia de realizar
práticas de meditação e yoga no local, acompanharia o trabalho, fosse por
meio de visitas ou de reportes semanais comigo sobre os encontros. Ele
esteve presente nos primeiros encontros com os participantes, contribuindo
ativamente para os debates e trocas e, surpreendentemente, manteve
encontros em grupo semanais com foco na prática de meditação na instituição
por conta própria. Foi interessante perceber como sua presença influenciava
na dinâmica do grupo, que parecia sentir-se prestigiado com sua presença,
sabendo do pouco tempo disponível para outras atividades além do
atendimento no ambulatório, individual e de grupos. O médico, conhecido
pela grande maioria, ao meu ver, tinha a confiança, o prestígio e a
gratidão por parte do grupo. Seu temperamento bem-humorado, informal e
surpreendente, às vezes, visível nas falas, nas explicações e nos
cumprimentos a todos do grupo, parecia dar ao programa que ele apoiava a
credibilidade e o senso de integridade que mantiveram o interesse do grupo
em participar. É claro que, lembrando Goffman, o grupo não está livre, nem
nós mesmo, eu e o próprio médico, das influências da performance e da
preocupação com o olhar daquele que respeitamos e valorizamos como
referência. Sendo assim, acredito que muitas das reações ou ausência de
reações e comentários em alguns momentos, quando na presença do Dr. Marcos,
podem ter sido influência desse olhar e presença de alguém que pode ser tão
querido e admirado, mas, ao mesmo tempo, temido, tendo em vista o conjunto
de estigmas, estereótipos e representações que compõem a dinâmica das
relações nesse espaço de tratamento. Como diria Foucault, instituições de
saúde onde, impreterivelmente, estabelecem-se relações de afeto, de poder e
de controle (2000).

"A presença de sinais físicos visíveis, que diferenciam e, por isso,
depreciam o sujeito (estigma), implica a maior ocorrência de reações
de não aceitação ou rejeição por parte das outras pessoas." (GOFFMAN,
1988)




Para realizar a pesquisa, foi ainda necessário pedir permissão para
usar os dados da experiência como material de pesquisa, o que foi aprovado
pela equipe médica e administrativa da instituição. Esse objetivo foi
explicado a todos os participantes desde o primeiro encontro, e procurava
deixá-los à vontade para participar ou não das atividades propostas, mesmo
que o número de pessoas se tornasse muito reduzido.

Todo o trabalho foi conduzido por mim, pesquisadora, instrutora e
praticante de hatha yoga (estilo conhecido como "yoga integral") e
meditação, e contou com a presença de uma psicóloga do hospital, que apoiou
a logística das atividades, participando em alguns momentos das trocas
temáticas sobre temas como compulsão, fatores físico-químicos do estresse,
entre outros.

Os encontros aconteceram em um auditório com capacidade para 60 pessoas. Ao
chegar, às terças-feiras, às 8h30, arrumávamos a sala para a prática de
exercícios usando as esteiras e, em seguida, organizávamos as cadeiras em
círculo para as práticas na posição de pé e sentado e a discussão.

Em relação aos materiais usados, fiz a doação de 15 esteiras de yoga para
as práticas e contei com o apoio parcial da instituição para fazer as
cópias das apostilas, folhas de atividade, listas de presença e kits de
quatro CDs a serem oferecidos como material de estudo para cada
participante.



7.a) A Programação dos encontros




O programa é planejado de forma que cada encontro aprofunde um tema
específico, enfocado na apostila, mas que siga uma estrutura semelhante
para as atividades do dia:

Recepção dos participantes (10 min)

Exercícios corporais e/ou escaneio do corpo (40 min)

Meditação andando, sentado ou de pé (20 min)

Discussão temática e trocas em grupo com apoio da apostila (30 min)

Conversa sobre as tarefas da semana e orientação para as próximas (15
min)




As temáticas dos encontros tratam dos temas-chave do programa e
desenvolvem-se de forma gradual, buscando sempre a complementariedade da
teoria e da prática, cruzando os conteúdos discutidos e habilidades
trabalhadas, dando espaço para a expressão do grupo, possibilitando a
escuta e a troca entre todos e criando vínculos de confiança. Nesta
edição, foram feitos ajustes no modelo padrão do programa, buscando
adaptar-se à realidade de tempo do grupo (duas horas por semana). Foram
escolhidos os seguintes temas-chave:

Lidando com sensações agradáveis, desagradáveis e neutras

Usando a respiração, presença no aqui e agora e escaneio corporal.

Redução e recuperação de efeitos do stress e maneiras efetivas de
resposta: percebendo padrões reativos

Adaptando-se ao desafio do stress usando o RAIN – Reconhecer, Aceitar,
Investigar, Não se identificar

Plena atenção nos estados mentais em momentos de crise/stress

Compaixão e comunicação: desenvolvendo a empatia, presença e confiança
através da escuta



7.b) Materiais e atividades semanais

Como materiais de apoio, uma apostila era entregue no primeiro
encontro formal, após a palestra de abertura. Ao final de cada encontro, os
participantes recebiam uma folha com as orientações de prática de meditação
e exercícios corporais a serem trabalhados na semana, sugestões de leitura
e preenchimento da apostila (tabelas de observação das sensações e emoções
do dia, por exemplo) e eram convidados a marcar numa tabela que integra a
folha de atividades quantas vezes por dia e por quanto tempo desenvolveram
a plena atenção, fosse em movimento (exercícios e atividades diárias) ou na
meditação formal (sentado, de pé ou andando).

A folha de atividades traz ainda a sugestão de uso de um dos quatro CDs de
40 min. cada, que são entregues gradualmente, a cada fase do programa, com
orientações (guiadas) para quatro formas de prática de plena atenção: (1)
Orientações de Escaneio Corporal, (2) Orientações de exercícios corporais,
(3) Orientações de exercícios corporais de pé e (4) Orientações de
meditação.

Além das atividades, na primeira semana foi proposto aos integrantes
do grupo que escrevessem, individualmente, uma carta de intenções,
explicando o que buscavam no programa, quais eram suas expectativas sobre o
que pretendiam aprender e que compromissos pretendiam ter consigo mesmos
durante este período. A ideia era de que cada um trouxesse a sua carta no
encontro seguinte e, quem quisesse, compartilharia algum trecho. No final
do programa, solicitou-se que resgatassem a carta e a lessem novamente,
buscando relembrar sentimentos, emoções e ideias que surgiram nos dois
momentos.

Ao final do último encontro, todos foram convidados a relatar a experiência
de forma escrita e, em círculo, em forma de depoimentos.



7.c) Minirretiro: prática intensiva de plena atenção

Ao final dos oito encontros, um último encontro foi organizado na
forma de um minirretiro, que marcou o final do programa. Este encontro foi
composto de seis horas de prática com palestras, prática do silêncio,
meditação andando, sentado e de pé, yoga, alimentação em plena atenção e,
ao final, trocas em grupo sobre a experiência.

A ideia era proporcionar um momento de prática intensivo, no qual os
praticantes pudessem experimentar o silêncio, o cultivo da atenção e da
concentração ao longo de quase todo o dia, percebendo o que surgia com a
experiência e abrindo-se para as novas possibilidades que este contato
diferenciado com a técnica, consigo e com o grupo lhes proporcionava.





CAPÍTULO 8 - CRONOGRAMA



As datas da implementação e encerramento acompanharam o cronograma do
curso de pós-graduação em Antropologia e Desenvolvimento Cognitivo da
Universidade Federal Fluminense, no modelo semipresencial, para a turma da
Fundação Roberto Marinho, que aconteceu em 2011/2012.

Foi necessário acrescentar mais um encontro devido à dificuldade do
grupo em entregar os questionários e relatos sobre o programa. Aproveitamos
e celebramos neste dia o final do processo para quem não poderia estar com
o grupo no minirretiro de seis horas.



" "Maio "
" "1-14 "
"Encontro 1 – 10/07/2012 "21 pessoas "
"Encontro 2 – 14/07/2012 "19 pessoas "
"Encontro 3 – 17/07/2012 "17 pessoas "
"Encontro 4 – 19/07/2012 "24 pessoas "
"Encontro 5 - 24/08/2012 "11 pessoas "
"Encontro 6 – 28/08/2012 "13 pessoas "
"Encontro 7 – 07/08/2012 "14 pessoas "
"Encontro 8 – 14/08/2012 "11 pessoas "
"Intervalo de 21 a 28/08/2012 "
"Encontro 9 - extra (final) – "9 pessoas "
"04/09/2012 " "
"Encontro 10 - Minirretiro e "5 participantes "
"grupo focal final " "


Não foi possível aferir com exatidão os motivos que levaram à evasão
de participantes, porém, podemos traçar algumas causas possíveis. Houve
registros, por e-mail e por telefone, de pedidos de desculpas e expressão
do desejo de continuar, apesar de contratempos como problemas familiares,
questões emocionais (um caso de episódio de depressão e um caso de recaída,
porém, com retorno às práticas e ao tratamento) e alguns casos de falta por
não possuir recursos para o transporte, dois casos de falta por sobrecarga
de trabalho e pelo menos três casos de falta por indisposição física
(efeitos da medicação, como sonolência e torpor, ou problemas de saúde).

Considera-se que o índice de aderência ao tratamento de dependentes
químicos em recuperação em tratamento ambulatorial na instituição gira em
torno de 20%. Ou seja, 80% dos pacientes que são atendidos no hospital
tendem a evadir e a abandonar o tratamento. Esses números claramente não
servem como motivação para a equipe que se dedica diariamente a abordagens
iniciais, atendimentos individuais e condução de terapia em grupo.

Analisando estes dados e juntando a isso o fato de a presença nos
encontros ser voluntária e de as ausências e atrasos não impactarem na
continuidade do atendimento no ambulatório ou qualquer outra penalidade,
como desligamento do programa, os dados apresentados foram considerados
positivos pela equipe médica. Nas palavras usadas por eles, "acima das
expectativas".

Na reunião final, onde foram relatados pela equipe médica casos de
melhoria de pacientes participantes nos atendimentos médicos, individuais e
em grupo, a equipe celebrou os resultados do programa usando a expressão
"isso tem sido um oásis no deserto", e, em seguida, questionou se seria
possível manter a iniciativa e preparar mais multiplicadores. Essa fala me
faz pensar sobre os sentimentos de frustração e impotência da equipe diante
do "eterno retorno" desafiador da recaída e desistência do tratamento por
parte da maioria dos pacientes atendidos ali. São perceptíveis o desejo da
equipe de melhora e aderência dos grupos à recuperação e o esforço que
colocam em seu dia a dia, como também são os constantes conflitos e limites
que precisam ser impostos. Em uma ocasião, por exemplo, quando um paciente,
que parecia dopado e confuso, insistia em entrar na sala, durante uma
reunião da equipe, um dos médicos levantou-se algumas vezes e precisou
falar num tom bastante assertivo para que ele aguardasse do lado de fora.




9.b) Demandas, expectativas e nível de bem-estar do grupo




Com o objetivo de mapear as demandas principais e as expectativas do
grupo em relação ao programa, foi aplicado um questionário de bem-estar
(Anexo 3) na segunda semana de encontros.

O questionário foi elaborado sem a preocupação de uma coleta formal de
dados, que exigiria o uso de escalas de bem-estar legitimadas
cientificamente e um estudo estatístico mais aprofundado. A ideia foi
apenas levantar algumas opiniões e percepções do grupo antes do início das
práticas, com a ajuda de uma ferramenta que possibilitasse à instrutora o
conhecimento das principais demandas e ideias comuns que seriam
consideradas e avaliadas informalmente ao longo do processo, sem a
necessidade de comparação de dados ao final do percurso.

Foi interessante, porém, perceber que minha inexperiência na aplicação
de questionários deste tipo acabou gerando um aprendizado importante: não
se pode deixar para analisar os dados muito depois da sua coleta, pois fica
difícil esclarecer dúvidas e investigar possíveis entendimentos do grupo.
Ao analisar alguns dados, por exemplo, percebi que as respostas tendiam a
um grau de "positividade" nos níveis de bem-estar mais altos do que a minha
expectativa e do que eu ouvia em sala do próprio grupo. Isso me fez duvidar
do entendimento do grupo em relação à pergunta em si ou à forma de registro
da resposta, que foi descrita com o uso de escalas de 1 a 10. Não havia uma
contradição explícita na maioria dos questionários, mas ao comparar o que
lia nos dados com o que ouvia de demandas sobre bem-estar na sala, achava
que havia algo de incoerente nos registros dos questionários. Acredito que
a elaboração das perguntas poderia ter sido mais clara.

Mesmo assim, vale a pena observar que, dos estados mentais aversivos
listados numa das perguntas Ansiedade e a Dúvida/ Confusão mental foram os
itens marcados com maior frequência (60% do grupo os marcou na escala de 7
a 10), em detrimento de outros itens que se mantiveram bastante
equilibrados na escala – Desejo/ Compulsão, Raiva/ Má vontade/ Ódio,
Vergonha/ Culpa, Pânico, Tristeza/ Lamentação, Estados depressivos, Euforia
e Sonolência/ Torpor.


Em relação ao estado de bem-estar geral dos participantes, colocou-se a
questão "em geral, de 0 a 10, que nota você daria para cada um desses
aspectos relacionados à QUALIDADE DE VIDA no seu cotidiano hoje" e foram
elencados os itens a seguir:




Sono – capacidade de dormir e acordar tendo descansado o
suficiente.

Hábitos alimentares – capacidade escolher, comer e digerir bem
alimentos que satisfaçam suas necessidades.

Reequilíbrio pós-stress – capacidade de retornar a um estado
confortável após picos de raiva, irritação, ciúme, impaciência,
tristeza, etc.

Corpo – ausência de dores e tensões no corpo na maior parte do
tempo.

Capacidade de estar focado, consciente, concentrado, no momento
presente.

Capacidade de perceber estados mentais aversivos (desagradáveis)
– raiva, ressentimento, má vontade, compulsão, tristeza, etc. no
momento em que surgem.

Capacidade de empatia – capacidade de escuta e expressão do que
se sente em relação ao outro, incluindo os sentimentos e
percepções do outro, incluindo o outro como referência.

Capacidade de defesa do sistema imunitário – resistência às
doenças, gripes, mal-estar e recuperação do corpo após situações
de saúde.

Capacidade de criar, criatividade, habilidade para construir
soluções para problemas; visão do todo; capacidade de ver as
diferentes causas e efeitos de um problema.

Analisando as respostas, percebe-se que não houve demonstração de
grandes dificuldades e desconfortos em relação ao sono, hábitos
alimentares, corpo – ausência de tensões, capacidade de foco, de perceber
estados mentais, capacidade de empatia, capacidade de defesa imunitária,
criatividade. O único ponto convergente, em que a maioria marcou que de 0 a
4 na escala, foi o item reequilíbrio pós-estresse, o que nos leva à
principal demanda a ser trabalhada (ver Anexo 3).

Questiono-me, porém, se a baixa incidência de alta frequência de
"estados mentais aversivos" não se deve ao pouco contato e à baixa
percepção sobre os estados emocionais em geral, que surgem a cada momento;
uma característica comum, relatada por pessoas que sofrem de ansiedade,
agitação, e que vivem processos compulsivos.

Talvez seja interessante refazer o estudo usando escalas mais precisas
e entrevistas individuais para certificar o entendimento da pergunta e
realizar a coleta antes e depois da experiência no programa, explicitando,
numa pergunta específica, se o participante percebeu alguma mudança na sua
capacidade de "se dar conta" dos estados emocionais que surgem a cada
momento em sua mente e corpo, e pedir que marquem o quanto acreditam que
esta capacidade modificou-se numa escala.



9.c) Dados qualitativos

Obviamente que, em razão do escopo do trabalho, não poderemos nos
dedicar na discussão a problematizar todos os pontos relevantes da
experiência, bem como dos relatos (escritos e verbais).

Como foi dito, darei prioridade máxima a uma análise qualitativa dos dados
coletados. Inclusive, em razão disso, ocuparei-me principalmente em
analisar os relatos dos próprios sujeitos.

Todos os dados coletados, em forma de depoimentos de áudio e texto, foram
analisados buscando padrões e semelhanças nas falas, atitudes e percepções,
procurando investigar o que pudesse ser apreendido como um traço de
identidade do grupo e respeitando opiniões, posições, percepções e
experiências individuais que pudessem ser relevantes para as questões
levantadas e objetivos da pesquisa.

Os seis depoimentos escritos foram entregues em um nono encontro, numa
sessão extra, que foi agendada com o objetivo de conseguir a captação dos
depoimentos dando a oportunidade, aos que não iriam ao minirretiro, de
expressar suas percepções.

O pedido feito ao grupo era de expressar, da forma como quisessem, o que
levariam do programa, o que sentiam naquele último encontro, como
pretendiam prosseguir dali em diante e se tinham interesse em continuar no
programa, caso ele fosse reeditado. Os dois relatos, gravados em áudio,
foram coletados após o retiro de seis horas, no décimo encontro. Por
problemas na qualidade da gravação, não foi possível utilizar os outros
dois depoimentos registrados em áudio.

Em relação à quantidade de dados coletados, contou-se com uma amostra
reduzida em relação à expectativa, já que dos 26 participantes inscritos,
11 (42,3%) permaneceram até o último (oitavo) encontro formal no hospital e
apenas 5 foram ao minirretiro de seis horas fora do hospital, em um centro
de meditação próximo ao local (19,2% ).

Sendo assim, foi preciso extrair o máximo dos dados coletados, recorrer
as anotações sobre o andamento do grupo e perceber a riqueza de sutilezas e
possibilidades de leitura e cruzamentos possíveis com o material coletado.




9.d) Percepções da equipe médica

Na opinião da equipe técnica do hospital, o índice de evasão foi muito
abaixo do esperado, comparando a iniciativa com outros tratamentos
oferecidos no hospital (internação e ambulatório), que variam de 75 a 80%
de índice de evasão. No caso do programa de Redução de Estresse, 50% de
evasão, no total, foi percebido como uma boa surpresa para a equipe, ou,
como disse uma das psiquiatras no encontro de avaliação, "um oásis no meio
de tantas dificuldades" ocasionadas pelo alto índice de pacientes novos e
casos reincidentes, principalmente em dependência de crack, considerado uma
epidemia, no momento, na cidade do Rio de Janeiro.

Antes de entrar nos dados propriamente ditos, vou expor brevemente o
feedback da equipe do hospital, uma vez que pude perceber, nas suas falas e
relatos, a relevância do programa neste contexto, tão novo para mim, e que,
talvez por isso, eu considere tão significativo.

Segundo a equipe, foi possível perceber uma melhora consistente no estado
de bem-estar dos pacientes que participavam do programa. Isso foi percebido
pela equipe por meio de relatos em consulta e no próprio atendimento
ambulatorial. Relatos de melhoria de bem-estar em geral, listando itens
como melhoria da ansiedade, sono, agitação e capacidade de superar
conflitos foram citados e surpreenderam a equipe positivamente.

Como resultado disso, a equipe técnica fez um pedido formal a mim para
que o programa, realizado de forma voluntária, continuasse a ser oferecido
em outro ciclo de oito encontros, com um minirretiro ao final. A
possibilidade de continuidade existe e está sendo estudada, buscando
adequar o tempo disponível da instrutora voluntária e solucionar as
dificuldades relacionadas ao apoio e à estrutura oferecidos pela
instituição – incertezas quanto à disponibilidade de sala adequada para a
realização das atividades, investimento em material didático e possível
discussão sobre apoio para as passagens dos participantes.


Hoje, o psiquiatra corresponsável pela implantação do projeto está
mantendo os encontros semanais com novos grupos no hospital e conduzindo
meditações breves, com trocas de experiências.




9.e) Percepções dos participantes


As falas são o ponto mais vivo da coleta de dados, pois me ajudaram a
colocar-me diante dos sujeitos de pesquisa sem ignorar suas subjetividades
e suas complexidades. Desse modo, acredito que a hipótese investigada e a
práxis ocorreram de maneira a respeitar o fato de que aqueles sujeitos não
são "dados" ou "resultados" meramente esperando inevitável quantificação.
Essa reflexão fez-me relembrar Eclea Bosi, em seus brilhantes estudos
qualitativos sobre memória:


"Nesta pesquisa fomos ao mesmo tempo sujeito e objeto. Sujeito enquanto
indagávamos, procurávamos saber. Objeto quando ouvíamos, registrávamos,
sendo como que um instrumento de receber e transmitir..." (BOSI, pág.
38)

Com esse olhar, de sujeito e objeto que interage, se emociona e se
transforma no processo, analisei os dados coletados tendo o cuidado de
perceber o quanto o desejo de sucesso da empreitada não estaria impactando
os resultados finais, que certamente não trarão certezas, mas tendências e
possibilidades ainda a serem investigadas.

Em razão da importância que atribuo aos relatos, optei transcrevê-los,
agrupando-os, e os anexei, na íntegra, ao final da pesquisa. Não o fiz por
um preciosismo acadêmico, nem tampouco para obter o máximo de dados em um
nível quantitativo, mas para dar ao leitor a oportunidade de imersão na
experiência que tive no momento da coleta e na experiência dos próprios
participantes.

Na análise de resultados, estarei preocupada em continuar dando
prioridade máxima aos relatos pessoais deles, porém, escolherei os trechos
mais significativos e que expressam demandas, percepções e emoções mais
recorrentes, e que serão usados na discussão dos conceitos teóricos e
autores nos quais me baseio para análises, construções e reflexões sobre os
resultados e impactos da experiência.




CAPÍTULO 10 - CONEXÃO E TRANSFERÊNCIA

Seguem os relatos escritos pelos participantes no nono encontro (extra)
e gravados em áudio após a realização do minirretiro de seis horas de
prática:



10.a) Algumas conexões

Como M.D, alcoólica, relatou:

"A princípio tive um pouco de preconceito, pois sou cristã e achei
que por ser prática de yoga teria a ver com Budismo. Uma frase dita
pela Fabiana mudou algo em mim, não só a frase, mas o abraço
afetuoso e longo ao som de "vai passar". Foi um momento difícil, me
ajudou e estou passando adiante."

Segundo seu próprio relato, duas coisas ajudaram a dissolver o preconceito,
pouco a pouco: "mudaram algo em mim...". Primeiramente, a frase "vai
passar", pareada com um "abraço afetuoso".

Estudemos o que M.D. chamou de "abraço afetuoso", a partir do contexto de
mindfulness. As práticas de mindfulness são sempre oferecidas tendo o
autocuidado consigo e com os outros como moldura constante. Inclusive por
isso, as ideias e os conceitos do programa nunca devem ser impostos ou
mesmo ensinados, numa relação hierárquica "professor-aluno", "mestre-
discípulo".

Idealmente, o instrutor de mindfulness deveria ter a habilidade de
corporificar tal autocuidado e aceitação de modo a ser uma experiência
tangível dos conceitos que embasam o programa. Ciente das minhas próprias
limitações, sempre tentei compartilhar esse conhecimento, com base na minha
própria vivência, como é sempre recomendado aos instrutores de mindfulness,
e de maneira espontânea e sincera. Pela minha experiência significativa com
a prática de meditação e o sincero desejo de conexão com pessoas que vivem
o sofrimento da dependência química, pela minha própria história familiar,
que explicitei resumidamente ao grupo, tenho a sensação de que consegui
transmitir um sentimento de partilha e gerar um rapport e a confiança de
que esse tipo de conhecimento nunca é imposto, e que, de fato, é algo
precioso e genuíno.

Além disso, percebi que algo que permeia a maioria dos depoimentos é a
conexão e a gratidão comigo, pela atuação como instrutora, e com o
psiquiatra responsável pelo trabalho. Penso que essa conexão pode
relacionar-se ao surgimento da transferência, conceito psicanalítico que
pode ser visto como relativo à repetição de atitudes emocionais
inconscientes, amigáveis ou hostis, que o paciente estabelece em relação ao
analista, relacionadas a outras que o paciente estabeleceu com seus pais ou
pessoas mais próximas, que eram importantes para ele.

Seguem alguns outros exemplos de falas que expressam afeto, vínculo e
gratidão:

"(...) a nossa querida mestre Fabiana, que nos mostrou o caminho com
carinho" (M.R.)

"Hoje eu quero agradecer, pois acho que teve muito carinho, muita
atenção, muito aprendizado e muitas coisas boas. Foi fantástico". (R.)

"Sou muito grata e sempre serei a você e ao Dr. Micceli!" (F.F)

"O que você puder nos indicar de livros, de cursos e de coisas, vamos
nos manter unidos. Viu como ficou? Quem está é quem tem que estar." (R.
A)



É interessante analisar essas falas em conjunto com outros
comportamentos que pautaram os encontros, como demonstrações de afeto,
públicas e em particular, dos participantes em relação à instrutora, na
forma de abraços e palavras carinhosas ao final de cada reunião, como um
eufórico "eu te amo!" que era dito da porta, em voz alta, na despedida de
um dos participantes mais idosos ao final da reunião. Além dessas falas, o
envio de e-mails pessoais de alguns dos participantes agradecendo pelo
aprendizado, desejando um bom curso quando precisei afastar-me por uma
semana, entre outras manifestações, reforçam a crença de que uma conexão
especial e profunda aconteceu ali.

"O fenômeno da transferência é a chave da invenção desse novo modo
de tratamento" (MAURANO, 2011, pg. 15)

Refletindo sobre a "transferência" e endereçando esta relação que
transcende o ensino-aprendizagem e toca o solo da cura no trabalho
terapêutico, transcrevemos abaixo o que nos apresenta Denise Maurano sobre
a dinâmica da transferência:

A transferência ganha tal importância que será condição preliminar
para o estabelecimento do tratamento psicanalítico. Se por alguma
razão ela não se estabelece, se o paciente não é capaz de fazer um
investimento no analista, sustentado sobretudo em supor-lhe um saber e
viver os efeitos disso também em sua dimensão afetiva, a utilização
desse método fica inviabilizada" (MAURANO, 2006, p. 16)

Para Maurano, a relação de transferência é a chave para o processo da cura
na psicanálise, pois é por meio da relação de vínculo com o analista que
todo o processo de reviver conflitos e relações se estabelecerá, com base
no vínculo do afeto do paciente pelo analista e, na contratransferência, do
analista pelo paciente. Por isso, acredita-se na impossibilidade deste
caminho em casos onde o paciente não consiga estabelecer vínculos afetivos
baseados no desejo de saber mais sobre si e sobre sua condição. (MAURANO,
2006, P.26)

No processo de adicção, o campo das relações e do afeto são
profundamente revolvidos e muitos autores acreditam que o caminho da
recuperação envolve o reestabelecimento de novas formas de relações íntimas
diferentes das nutridas anteriormente, na vida "ativa" do dependente.
Muitos desses relacionamentos baseavam-se em conexões superficiais ou
intensas com pessoas, por vezes, pouco dignas de confiança, já que os
próprios adictos muitas vezes consideram-se assim. Nakken (1996, p.43)
afirma que a construção de novas relações muitas vezes se inicia partindo
de uma relação com uma ideia de poder superior, que atue de maneira
independente e não controlada pelo adicto, que está acima de si mesmo, e
que pode ser entendida como uma relação com uma força ou entidade
espiritual, ou com a força e integridade do grupo do qual ele participa, ou
a força que percebe na instituição onde se trata.

A transformação das relações é influenciada pelo partilhar com os
outros, em grupo, que permite ao dependente perceber uma dignidade
partilhada em falas, abraços, contatos. Nas palavras de Nakken, "começam a
pôr em questão a crença adictiva que diz, 'não se deve confiar nas pessoas
– você é muito diferente – não é como eles'. Os adictos em recuperação
descobrem que são como os outros" (NAKKEN, 1996, p.45). E quando
encontramos pessoas capazes de nos compreender, as relações íntimas e os
vínculos passam a fazer sentido e a ser desejáveis.

Neste espaço de convivência e trocas que foi criado, podemos
relacionar a emergência da relação e a transferência com os responsáveis
pela condução do programa, a relação de respeito e gratidão dos
participantes pela existência do Programa de Redução de Estresse, as
menções durante suas falas sobre a importância do grupo de mútua ajuda do
qual fazem parte e as próprias relações de camaradagem e parceria,
perceptíveis nas brincadeiras e conversas durante os encontros, com essa
"nova maneira de relacionar-se" e de sentir-se parte de uma rede de
vínculos baseada em confiança, segurança, solidariedade e afeto.

Com isso, podemos refletir sobre as ideias de civilização e ética
trazidas por Freud e pela psicanálise.

(...) A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma
comunidade constitui o passo decisivo da civilização. Sua essência
reside no fato de os membros da comunidade se restringirem em suas
possibilidades de satisfação, ao passo que o indivíduo desconhece
tais restrições. A primeira exigência da civilização, portanto, é
da justiça, ou seja, a garantia de uma lei, que uma vez criada, não
será violada em favor de um indivíduo. (FREUD, 1997, P.49)

Em sua abordagem, Freud pressupõe que uma ética definida pela vontade de
uma comunidade com a qual nos identificamos e da qual nos sentimos parte
permite que façamos os sacrifícios necessários de nossos instintos e
recebamos a possibilidade de uma liberdade individual, que nasce dessa
disciplina do grupo. Essa disciplina e proteção, todavia, será sempre um
campo de dualidade com a liberdade individual, já que será sempre
reivindicada em prol do "eu" nos momentos de conflito com o grupo.



10.b) Percebendo a impermanência

Analisando a outra parte deste depoimento, a expressão "vai passar"
poderia passar despercebida como mero senso comum. Não menosprezando o
senso comum como uma via legítima para o conhecimento, dedicaremos nessa
pesquisa um maior cuidado na análise desta frase, aparentemente aleatória e
despretensiosa, mas que tem como possibilidade ser resultado de um tipo de
comportamento estruturado por um tipo de condição cognitiva.

A ideia de que tudo passa fundamenta todo o panorama dos ensinamentos de
mindfulness. De fato, o conceito de impermanência é também primordial na
visão de mundo budista (anicca, em páli). Como é algo a ser explorado e
investigado por cada um, e não é um conceito apresentado como um dogma que
deve ser alvo da crença dos praticantes, esse tipo de ideia foi mantida nos
programas seculares de mindfulness.

Jonh Kabat-Zinn, na apostila do programa (Prepa), destaca no texto
"Por que meditar?" a relação entre a capacidade de indagação para aquilo
que está oculto, para a efemeridade dos fenômenos, por exemplo, como algo
que nos exige sair do nível dos conceitos para o nível da experiência
direta, para um verdadeiro conhecimento. Assim, a partir da meditação
focada na observação das sensações, percebemos a dinâmica fluida e de
constantes mudanças e nossas próprias sensações corporais, pensamentos e
emoções.

Esse processo pode nos levar a um insight, o que na tradição budista é
definido como compreensão por meio da experiência direta não conceitual
(insight). Acredita-se que, a partir de uma nova compreensão de si e da
realidade por meio da prática de meditação e do cultivo constante da plena
atenção na vida diária, a dinâmica das relações interpessoais e os
mecanismos de defesa e de orientações do sujeito para com essa realidade
com a qual ele interage serão profundamente impactados.

Kabat-Zinn descreve a compreensão deste processo ou característica
presente em todos os fenômenos da seguinte forma:

Em primeiro lugar, descobrimos que tudo muda, que tudo aquilo
que considerávamos sólido, imutável e permanente é sujeito na
realidade a um processo de fluxo contínuo. Há aqueles que, ao ouvir
isto, dizem: "já sei que tudo é impermanente, mas isso não tem nada
de surpreendente". Todavia, ainda que no plano intelectual saibamos
que tudo é impermanente, a maioria de nós possui apenas um
conhecimento superficial da impermanência. Ela não é conhecida por
nós de forma visceral e profunda, ou seja, a partir do interior. A
meditação, neste sentido, constitui um meio capaz de desvelar a sua
verdade em níveis mais profundos. Tudo, absolutamente tudo – seja
interna ou externamente – todas as sensações, os pensamentos, os
sentimentos, os sons e os sabores estão em contínua dissolução"
(KABAT-ZINN,2009, p.45)



Neste sentido, a frase "vai passar" é uma lembrança a tudo o que foi
experimentado e investigado ao longo do programa – sensações agradáveis,
desagradáveis e neutras, estados mentais e físicos etc. –, e o fato de a
paciente ter relatado essa vivência como algo especial, podem ser
interpretados como um aceite para o convite que foi feito durante as
práticas: o de explorar profundamente, na vida diária, essa característica
da existência.

Dessa forma, o programa orienta para a tentativa de prática da resiliência
na vida cotidiana e, principalmente, de cada um consigo. Esse é um desafio,
um convite à investigação e à percepção atenta de todos os fenômenos que
nos cercam e expressam a transitoriedade, a efemeridade e a impermanência,
de diferentes formas. Isso possibilita ao praticante uma oportunidade de
desenvolver maior capacidade de adaptação às mudanças que são simplesmente
inevitáveis e parte natural da vida.



10.c) Da fuga e do ataque para a aceitação




Na perspectiva de Minfullness, este olhar para a impermanência e o
entendimento da efemeridade dos fenômenos é percebida em outros depoimentos
e pode ser conectada a um novo comportamento que se estabelece com base no
entendimento dos padrões de reação de fuga e ataque constantes, disparados
pelo medo, ansiedade e desejo de proteção do Eu/ Ego nas situações de
estresse constantes na vida.

Podemos explorar uma relação entre o mecanismo de fuga e ataque e o
modelo cartesiano citado anteriormente, baseado no racionalismo, partindo
do princípio de que neste modelo costuma-se justificar reações como a fuga
e o embate a tudo aquilo que é para nós desagradável, aversivo ou que gera
medo (como a morte, a dor, a angústia e o desespero), como um mecanismo de
defesa sem o qual não poderíamos sobreviver. A crença de que esse padrão
cognitivo e comportamental é inerente à vida humana é discutido na
perspectiva de mindfullness, que convida à compreensão dos fenômenos a
partir da aceitação deles, e por meio de um olhar aberto, curioso, que
busca uma experiência de contato e entendimento direto a partir da
capacidade intuitiva de percepção, que poderia ser chamada de pré-
conceitual, ou seja, não exclusivamente baseada na razão e nos recursos da
lógica e do intelecto.

Nesta série de depoimentos, percebemos em comum a noção de que a aceitação
das condições presentes e expressas na mente, em conjunto com a observação
de nossa tendência a fugir do que é desagradável e a repetir o que é
agradável, pode ser uma forma de "escape", que Kabat-Zinn define como
"piloto-automático".



Se prestarmos atenção veremos que só nos estressamos porque não
sabemos lidar com acontecimentos, não prestamos plena atenção e
não aceitamos algo que nos desagrada ou é desconhecido. (C.D.)

Gostei muito dos exercícios. Algumas frases faladas durante os
exercícios me fortalecem e me sinto bem, como por exemplo: "você
é assim, desse jeito"."(M.D.)

Porque tem hora que eu tava aqui e eu tava com vontade de ir
embora sabe. Tem hora que eu tenho agonia e quero ir para casa
(gestos com as mãos de encaixe entre os dedos e olhos fechados).
Aí eu consigo colocar em prática alguma coisa e penso que isso
também vai passar. (J.B.)

Até no dentista tenho usado a respiração. Para voltar pro
centro, quando sinto que estou estourando, no trabalho, etc. O
STOP* é fantástico! Presente no decorrer do meu dia! Ele
complementa todo um trabalho de "só por hoje" de uma alcoólatra
reativa e impulsiva!" (*STOP – "Parar, Tomar Fôlego, Observar e
Proceder) (F.F)

"Um momento não é igual ao outro, e isso me ajuda nos momentos
difíceis". (M.D.)

A gente aprende não é? Olha aí ó! (aponta para o quadro onde há
uma equação que apresentar o sofrimento como algo proporcional à
"luta" contra ele) Sofrimento é igual a Dor vezes Resistência! É
matemático o negócio! Então vamos embora! (R.A)




Podemos observar nesta última fala o entendimento de que a resistência
e luta constantes contra as condições externas e internas do mundo que nos
cerca, e que muitas vezes são incontroláveis e diferentes do que desejamos
que fosse, gera ainda mais estresse, perda de energia e "ruminação" mental,
como Kabat-Zinn denomina o fluxo incessante de pensamentos relacionados a
preocupações e expectativas. Uma postura de abertura e aceitação dessas
condições e a lembrança de que são temporárias, parece trazer uma nova
possibilidade de se relacionar com elas.

Allan Wallace, físico e filósofo, doutor em estudos da religião, ex-
monge budista por quatorze anos, descreve em "Ciência Contemplativa" os
tipos de desequilíbrios mentais relacionados à conação, à atenção, à
cognição e ao afeto. Ele relaciona a prática da plena atenção à
possibilidade de superar desequilíbrios cognitivos relacionados a nossa
"incapacidade de perceber o que está presente nos cinco campos da
experiência sensorial e na mente".

Quando nos encontramos dissociados do que está ocorrendo tanto à
nossa volta como em nosso interior, estamos sofrendo do distúrbio de
deficiência cognitiva. A hiperatividade cognitiva entra em ação
quando confundimos nossas projeções conceituais com a verdadeira
percepção – quando não conseguimos distinguir as realidades
percebidas das suposições e fantasias sobrepostas. (WALLACE, 2009,
p.22)




Ele explica que as personalidades psicóticas fazem isso de formas
extremadas, mas pessoas normais também o fazem, de forma mais prudente, mas
apresentando também a característica da hiperatividade cognitiva, que gera
desgaste, conflitos e sofrimento mental desnecessário.

Wallace esclarece que um dos princípios dos quais a psicologia budista
parte é o de que este desequilíbrio cognitivo pode ser superado, e que um
dos principais mecanismos de "intervenção" é o cultivo do que ele denomina
"percepção atenta", a plena atenção ou mindfullness.



O primeiro desafio consiste em aprender a dar atenção apenas ao
que está sendo apresentado aos nossos sentidos e aos nossos
processos mentais internos. Para isso, o Buda propôs o seguinte
ideal: no que é visto, existe apenas o que é visto; no que é
ouvido, existe apenas o que é ouvido; no que é percebido, existe
apenas o que é percebido. (...) o budismo dá instruções detalhadas
sobre como aplicar a atenção a nossa presença física e mental no
mundo (...). (WALLACE, 2009, p.22)




É possível relacionar o conceito de fuga x ataque com a teoria das pulsões,
delineada por Freud, em diferentes períodos de sua obra, que aborda essa
dualidade psíquica inerente ao ser humano definida como um "conflito de
forças contraditórias motrizes do psiquismo", conforme aborda Maurano.



Mas é importante frisar que, para a psicanálise, o dinamismo psíquico
é tal que qualquer ideia de equilíbrio é um ideal que se distancia do real
da vida psíquica. Longe de ir na direção da promessa de plenitude,
equilíbrio e satisfação, a ética da psicanálise aponta a dimensão
irrefutável da precariedade humana e convoca a que possamos lidar com isso
da melhor forma possível. Trata-se de uma ética da precariedade (MAURANO,
1995).




Freud denominou como pulsão como drive (impulso) ou urge (ânsia), dois
termos usados com muita frequência na literatura sobre dependência
química e adicção. Ao longo de sua obra, Freud propõe estruturas de
pulsões de naturezas diferentes, passando primeiramente pela oposição
FOME x AMOR, "que se traduz na existência de PULSÕES DO EU (ou de
autoproteção) e PULSOES SEXUAIS (ou de preservação da espécie)",
conforme esclarece Maurano. Posteriormente, o conceito de narcisismo é
inserido neste contexto e passa a se referenciar às pulsões dirigidas
ao próprio eu. Nessa construção, a expressão deste dualismo foi
enunciada entre LIBIDO DO EU (investimento sexual dirigido ao próprio
eu) X LIBIDO OBJETAL (investimento sexual dirigido aos objetos). Em
"Além do Princípio do Prazer", Freud expõe esse dualismo de uma
terceira forma: PULSÕES DE VIDA X PULSÕES DE MORTE (MAURANO, 1995,
p.42).




Marlos Gonçalves Terêncio, autor de "Um Percurso Psicanalítico pela
mística, de Freud a Lacan", define a teoria das pulsões, que como Freud
descreveu é a própria mitologia da psicanálise, como forças que podem ser
representadas "como uma energia fundamental que anima todo sujeito humano,
promovendo uma tensão que demanda descarga" (TERENCIO, 2011, P.84).

Devido ao instinto, modelo usado para definir o que rege os impulsos
animais, cujas necessidades e objetos para a satisfação são biologicamente
determinados, não caber na definição do que rege o comportamento humano,
por sua qualidade de ser falante, entra em cena a noção de pulsão, que pode
ser definida também como uma pressão constante, de natureza múltipla, que
amplia a noção de sexualidade humana e transpassa os limites da
genitalidade e funções de reprodução.

De forma muito concisa, afirma-se que as pulsões têm características
variáveis e metas (alvos) provisórias, e que, por nunca permitirem uma
satisfação plena, a descarga acontece apenas em parte, nunca deixando de
atuar como uma pressão sobre o sujeito. Ela nuca atinge seu alvo e apenas
circunda-o para então iniciar um outro percurso, como por exemplo, no ato
de alimentar-se, onde o objeto não é o que satisfaz a pulsão, mas o prazer
que se têm no saboreá-lo, o deleite. (TERENCIO, p.86)

Isso nos traz novamente à questão do sofrimento que, para Freud, pode
surgir de três fontes distintas: o poder superior e incontrolável da
natureza, a fragilidade de nossos corpos, que envelhecem e adoecem, e a
inadequação das regras que regem os relacionamentos humanos nas esferas
familiar, estatal e social. Surpreendente é as regras criadas pela própria
civilização se mostrarem incapazes de proporcionar aos sujeitos o bem-estar
e segurança de que necessitam para alcançar a felicidade (MAURANO, 1995,
p.79).

Isso nos leva a pensar em como os sistemas por nós criados nos levam à
insatisfatoriedade, conforme o próprio Buddha coloca em seus ensinamentos
sobre a compreensão do padrão mental inerente ao que denomina mente (manas,
em páli) e formações mentais (sankaras, em páli), que é aprisionada pela
constante fuga dos perigos e do que desagrada e pela busca obsessiva pelo
que é agradável, prazeroso e seguro para o Eu.

Freud discute ainda qual seria a motivação de tantos que se rebelaram
contra a civilização, e chega à ideia de que seria pela natureza coercitiva
das vontades individuais, ou seja, que esta característica da base
civilizatória conteve em si mesma a semente de sua contestação (...).
Descobriu-se que uma pessoa torna-se neurótica porque não pode tolerar a
frustração que a sociedade lhe impõe, a serviço de seus ideais culturais,
inferindo-se disso que a abolição dessas exigências resultaria num retorno
a possibilidades de felicidade (FREUD, 2010, p. 49).


O fato de vivermos em uma sociedade cada vez mais estimulante do
consumo, da vaidade, do poder da imagem, da necessidade de prazer imediato
entre outros impulsos, leva-nos a refletir sobre como a insatisfação, com a
renúncia pela coerção, também são forças dicotômicas, que alimentam padrões
às quais essas pulsões dão vida.

10.d) Atenção às sensações do corpo: estando presente no aqui, agora

Foi possível perceber em algumas das falas a percepção de que o
estado de atenção nas sensações do corpo ajuda a estar mais presente e a
viver o momento, seja como ele for.



Desde o primeiro encontro entendi que todos nós precisamos estar
presentes (conscientes do que estamos fazendo) em todos os
momentos de nossa vida, prestar atenção plena no aqui e agora,
desenvolvendo maior interesse em todos os nossos atos. Não viver
automaticamente, como se cada segundo fosse igual ao outro. (C.,
esposa de alcoólico em recuperação)

A percepção das sensações no momento em que acontecem, desperta o foco
para o presente e reduz o movimento de "ruminação" de fatos do passado e a
ansiedade com as expectativas, que surgem do que está por vir. Esse estado
mais atento, aberto, que percebe que tudo muda e passa, como as sensações
do corpo, ajuda a manutenção de uma qualidade de presença (consciência) e
atenção maior, auxiliando o sujeito a dispor de mais recursos para superar
situações altamente estressantes.



Foi um ótimo curso, pois estou sabendo lidar com algumas
dificuldades e também poder usufruir do meu próprio corpo como
tomar um banho, sentir o cheiro do sabonete, saber apreciar uma
boa alimentação, degustar com mais calma, utilizar o CD número 1
para praticar o conteúdo do mesmo. Quando faço um bom alongamento
corporal e aceito as coisas que eu não posso alimentar nem tão
pouco modificar. (R., alcoólico em recuperação, membro do AA).




A redescoberta de alguns prazeres simples, que podem ser experimentados
com a atenção mais apurada a cada instante revela novas perspectivas e
reforça, para o sujeito, a crença de um saber do outro, o instrutor, que
ele ainda não dispõe, mas que, conforme a experiência demonstra, traz
benefícios e estimula uma postura de curiosidade, abertura, confiança e
destemor.




Eu não quis anotar nem gravar porque eu queria estar inteira no
momento, com o sentidos todos, ouvindo tudo o que eu ouvi e
vivenciando tudo que eu vivenciei (...). Ter a consciência dessa
ansiedade, dessa ambição, de você estar em um lugar e querer estar
em outro, e que você volta, vê que o corpo está aqui mas a mente
está lá não sei onde... Como é que pode se viver desse jeito? Essa
ligação, essa integração, eu acho que a gente fez isso aqui e vem
fazendo.

Essa coisa do corpo é muito importante, de sentir os pés, de se
sentir... Esse trabalho paralelo que eu faço com Gurdjeff está
complementando muito uma coisa com a outra...

(R., alcoólica em recuperação, membro do AA.)



Percebemos que a possibilidade de poder escolher estar presente,
completamente inteiro em uma experiência, e sair de uma espécie de
escravidão dos padrões mentais e emocionais de ansiedade, agitação,
confusão mental ou torpor é algo muito valorizado, principalmente para
aqueles que são membros de grupos de autoajuda, como Alcoólicos Anônimos,
Narcóticos Anônimos, Dasa (Dependências de Amor e Sexo) entre outros. A
abertura para o uso de técnicas complementares no suporte da recuperação
demonstra ser algo frequente nas falas, revelando o entendimento de que
ferramentas distintas podem ser empregadas de forma conjunta, sem
restrições.

Nesse sentido, como afirma Wallace, "existe um volume crescente de
pesquisas científicas explorando os efeitos terapêuticos dessa prática de
atenção, grande parte delas inspirada na obras de Jon Kabat-Zinn e seu
extremamente bem-sucedido programa de redução de stress com base nessa
prática" (Wallace, 2009).




10.e) Estado de abertura, curiosidade e maior subjetividade: percepção de
processos mentais



Vemos em outros depoimentos, como um estado de abertura, curiosidade e
atenção permite que processos mais sutis, antes imperceptíveis, possam ser
observados e sentidos pelos sujeitos. Processos ligados ao pensar, ao
sentir, às reações automáticas. A interdependência entre os diversos
fatores cognitivos, por exemplo, de um som que é ouvido até o sentimento de
medo do cão agressivo, conforme foi exemplificado por um dos praticantes do
programa, pode ser percebida momento a momento, em toda a sua velocidade,
dinâmica e gama de intensidades.

Essa percepção de estados emocionais e mentais transcende a prática
formal da plena atenção e meditação e proporciona, na vida cotidiana dos
praticantes, a maior percepção de padrões repetitivos ligados
principalmente a conflitos familiares e no trabalho, e que se manifestam
por meio da linguagem e de modos de fala e interação que não facilitam o
diálogo, a escuta empática e o cuidado no relacionar-se com as emoções,
desejos e necessidades, suas e do outro.



Agradeço (...) com sua delicadeza nos orientou e nos despertou
para enxergarmos o nosso interior e exterior e nos deu material
que servirá para cada vez mais entendermos nossa própria mente.
(C.D)

Essa experiência me ajudou muita na questão da disciplina com a
meditação e me fez conseguir aumentar minha prática, que tem me
beneficiado no meu dia a dia, voltando a atenção para minha
respiração e para a plena atenção entrando mais em contato comigo.
(M.R.)

Essa prática tenha me causado também um certo desconforto da alma
e do corpo, da mente e do coração, pois este contato comigo mesma
tem me trazido descobertas que me angustiam. Mas hoje consigo usar
as ferramentas necessárias para controlar a situação. (M.R)

Essa descoberta está me fazendo ver a vida com um novo olhar.
(S.V)

Outra coisa é que isso talvez seja uma coisa inédita: eu nunca
fiquei tanto tempo sem falar. Nunca, na minha vida inteira. E
fiquei tranquilo, não fiquei com vontade de falar. Fiquei ali na
minha sabe. (J.B.)



Ao longo dos encontros, o tema da "estilos de comunicação" é
trabalhado com foco em dinâmicas e experiências no grupo onde praticamos a
escuta ativa, um exercício no qual cada integrante, em duplas, conta algo
que lhe emocionou para o outro, buscando deixar claros os fatos, os
sentimentos e as necessidades envolvidos na história. O outro escuta e
reconta ao parceiro – sem emitir sua opinião, julgamento ou conselho – o
que foi entendido. Essa prática foi acrescentada por mim ao programa,
porém, é fruto de minha experiência em mediação de conflitos a partir da
abordagem de Marshal Rosemberg, estruturador da Comunicação Não Violenta
(CNV), método usando em mediações de conflito pela ONU e diversas
instituições reconhecidas mundialmente.



Com base nisso, trabalha-se com a conceituação de estilos de
comunicação agressiva, passiva e assertiva, e é sugerido que os
participantes busquem identificar os tipos de respostas mais frequentas que
costumam oferecer nas suas interações na vida diária. O exercício parece
ter permitido reflexões e compreensões de padrões, como vemos numa das
falas de uma esposa de dependente de álcool.




Pessoalmente estou tentando deixar de ser "passiva" para ser
"assertiva", pois aprendi também que devemos expor nossos
sentimentos e vontade com clareza e firmeza, sem machucar
ninguém, mas deixando que os outros saibam nossas opiniões e
desejos, e tenho conseguido. (C.D)



Uma das habilidades desenvolvidas no programa e muito valorizada por
Kabat-Zinn em suas obras é a autocompaixão, a capacidade de dedicar a si
mesmo sentimentos de amorosidade, perdão, reconhecimento de intenções e
ações saudáveis e hábeis e a possibilidade de reduzir julgamentos, críticas
e a rigidez que muitas vezes acompanham, neste caso, pacientes em
recuperação de drogadiccção, frequentemente cruzada com outras condições
emocionais-mentais.



As falas apontam para uma avaliação positiva da experiência pela maioria do
grupo, como vemos nos trechos a seguir. A demonstração da intenção de
continuidade, seja de praticar por si mesmo ou de se manter no grupo, além
de pedidos para que o grupo continue e de endereços e contatos de grupos de
yoga e meditação em outras regiões da cidade, foram eventos marcantes dos
últimos dias do programa.

Um episódio interessante ocorreu no último dia dos encontros formais,
quando o participante J.B, cujo perfil era mais reservado, altamente
impulsivo, expressou que, às vezes, sentia vontade de correr e gritar,
frequentemente incomodado com os ruídos e conversas na sala ou com o fato
de sua cadeira e espaço de prática estar ocupado por outro, roubou a cena
e, num clima de euforia e ebulição que tomava conta da sala, tomou a frente
do grupo e escreveu no quadro três locais de prática de meditação e yoga,
explicando a todos como chegar, o que levar e a dinâmica dos encontros. Foi
perceptível a surpresa e a alegria do grupo com a atitude do colega, que
recebeu agradecimentos de todos, e nos dois encontros seguintes mostrou-se
mais aberto ao contato verbal, visual e físico.

Outra relação interessante que pude estabelecer foi entre a
capacidade de superação, continuidade e gratidão dos participantes a si
mesmos, aos colegas e à equipe realizadora.

As referências a dificuldades de continuidade, obstáculos e frases como
"nem que precise me puxar" – relacionada à percepção de que muitas vezes é
necessário desenvolver certa disciplina para perceber estados mentais não
hábeis e não agir automaticamente, levados por certos padrões de
comportamento e estados mentais de preguiça, procrastinação, etc. – foram
vistas em alguns depoimentos. "Fazer algo por si mesmo" e "concluir a
tarefa" também foram termos frequentemente usados pelos praticantes.




Agradeço a mim também por ter persistido e me trazido com
determinação e agradeço a Deus que olha por mim. (M.R)

Estou muito satisfeita de ter concluído esse tempo juntos, de ter
vindo e de ter feito alguma coisa por mim. Me senti muito bem
também. Fiquei um muito feliz, pois hoje eu estou conseguindo
colocar essas coisas na minha vida, como prioridade, e não só ter
trabalho, trabalho, dinheiro, dinheiro, ganância essas coisas...
(R.A)

Então eu espero muito continuar com esse trabalho e ir aonde for
preciso, me puxar, me levar. (R.A)




Para os integrantes que mantinham atividades profissionais – um ponto
importante no processo de socialização e recuperação – o fato de os
encontros terem sido às terças de manhã muitas vezes tornou-se um
obstáculo. Outros apontaram a dificuldade com passagens e transporte como o
maior problema. Independente desses fatores, o material oferecido foi
apontado como "saída" para a manutenção da prática e continuidade das
mesmas, garantido uma certa autonomia aos participantes, aspecto que é
bastante reforçado no programa.




Nas duas ultimas semanas não consegui (por conta de um trabalho
muito puxado!), mas também tenho usado o cd de meditação /
consciência plena! São 40 minutos que paro. Que me dou, no meio do
dia, para voltar pro meu interior! Centrar!!! (F.F)

Gostaria que houvesse um local mais próximo de casa para que eu
pudesse participar. Não devo continuar a prática no hospital, pois
é dispendioso neste momento de minha vida. Praticarei em casa, com
o material que tenho. (...) Por favor, continuem. (M.D)

Sou grata por esses incinamentos (sic), por essa esperiência (sic)
por essa programação, pelo grupo e pelas descobertas. Gostaria de
poder me dedicar mais e me aprofundar mais, nesses incinamentos
(sic). Hoje eu tenho a serteza (sic) que a ioga irá fazer parte da
minha vida para sempre. (...) Eu pretendo continuar nesse programa.
(S.V)

Continuo meditando todo dia, pela manha. Trabalhei
enlouquecidamente esse dias. Dormi quatro horas por noite, mas não
abri mão de acordar 20 min antes para meditar! Já é incrível,
´notável', 'paupável' a diferença que já está fazendo no dia a dia.
Meu trabalho é muito louco e já colho frutos da prática! (F.F.)



Refletindo com Berger e Luckman, autores de "A Construção Social da
Realidade", é possível perceber que tudo que é criado pelo homem está
sujeito a tornar-se um hábito, e que este dá a direção e a especialização
da atividade humana. Esse processo de formação do hábito é anterior à
institucionalização que ocorre sempre que existe uma tipificação recíproca
de ações habituais entre tipos de atores. Podemos afirmar que uma
tipificação é uma instituição que também é considerada um fato social, ou
seja, algo que é de natureza coercitiva, coletiva e exterior ao sujeito.
Assim, quando se desvia da ordem da instituição, afasta-se da realidade
(BERGER E LUCKMAN, 1985, P.176).




Os padrões que passam a ser internalizados pelos sujeitos nas fases de
socialização secundária, como afirmam os autores, deram aspectos que
demostram a força do externo sobre o sujeito, seja na forma de lei, ética e
moral do grupo ou, como seria na visão de Freud, do superego.

Percebemos em alguns dos depoimentos traços de rigidez, muita
criticidade no autojulgamento, a tendência aos rituais, muito conectados à
personalidade adicta e o desejo, em alguns momentos excessivo, pelo
controle da situação e o desejo de perfeição.



A primeira coisa para mim, o que eu senti, é que eu me senti
muito bem porque eu consegui vir. Eu tenho uma experiência de
muitos anos em que eu faço muita coisa, muito tratamento, enfim.
Eu observo isso não só nesse campo do tratamento, mas em outros.
Você começa, sempre tem muita gente. Com o passar do tempo vai
esvaziando, né? Aqui também aconteceu isso. Pouca gente veio
nesse encontro. Eu, para mim, tenho muita dificuldade, muita
dificuldade. Então eu conseguir vir e ficar é uma vitória pra
mim. Porque tem hora que eu tava aqui e eu tava com vontade de
ir embora sabe. Tem hora que eu tenho agonia e quero ir para
casa. – disse ele, usando gestos com as mãos de encaixe entre os
dedos e olhos fechados.

Essa corporeidade, como linguagem não falada, é como o paciente
dá conta de representar sua forma de reagir e perceber o
momento, ou seja, é algo não traduzível na linguagem falada, mas
que, como gestualidade, remete-nos a uma tentativa de conectar
dois lados, de juntar uma cisão (com as mãos) que parece emergir
de forma incontrolável, que gera dúvida, conflito, e que permeia
os impulsos e rompimentos que as crises histéricas costumam
ocasionar em sua vida.

Se eu for embora sei que vai ser pior. Sempre que eu interrompo
uma coisa assim, depois, quando eu volto para casa ou para onde
queria ir, me dá uma sensação muito ruim porque eu não consegui
fazer aquilo. (J.B. – paciente que relata surtos, com alta
impulsividade, rigidez e necessidade de muitas vezes sair da
sala e voltar em seguida)




Entretanto, é visível nas falas o entusiasmo pelo reconhecimento da
capacidade em si mesmo de permanecer, persistir, enfrentar os desafios e
manter-se no programa de redução de estresse, assim como muitos se mantém
no programa de 12 passos dos Alcoólicos e Narcóticos Anônimos, e como isso
nutre uma autoaprovação, um senso de compaixão e amorosidade por si mesmo e
de "missão cumprida" por parte de muitos deles, ao final do programa.



"Essa questão também de não falar foi maravilhoso! Minha mãe
ligou só duas vezes e eu achei que teria 18 ligações. Eu só
peguei o telefone agora." (M.R.)

Foi maravilhoso, nem sei, não tem nem palavras. Tudo que eu ouvi
aqui hoje e o que eu experienciei me fortaleceu e me mostrou que
tem saída, que eu sou viável, que eu posso... Essa
impermanência, que eu posso mudar, que às vezes eu estou muito
angustiada, muito agoniada, muito mal e que passa. Então eu
tenho que saber lidar com isso, eu vou aprendendo essa
consciência de si, que é preciso ter essa consciência. (M.R.)



10.f) Plena atenção, abertura e associação livre: um estado de não julgar
nem constranger



Após a análise de todos esses fragmentos e tendo agora a dimensão do
que foi possivelmente experimentado e apreendido pelo grupo e sua avaliação
sobre as emoções, percepções e sensações com as quais entraram em contato,
gostaria de retomar o aspecto da plena atenção, mindfullness, e desenvolver
algumas relações que se tornaram, para mim, visíveis neste processo.

Seria esse estado um caminho hábil para o processo terapêutico com uso
da psicanálise? Seria esse estado capaz de permitir que conteúdos
inconscientes venham à tona no discurso, nas sensações e percepções dos
sujeitos falantes no processo psicanalítico?

Nessa reflexão, chegamos ao conceito de associação livre definido pela
psicanálise e descrito por Maurano:

O método propriamente psicanalítico da associação livre só se
estabelece quando Freud se propõe a renunciar, na medida em que lhe
é possível, à intervenção sugestiva sobre o paciente, confiante de
que os elementos inconscientes possam emergir através de uma fala
'livre' do paciente. É quando então propõe a regra fundamental para
a psicanálise: falar o que vier à cabeça sem se deixar deter por
julgamentos, seleções ou constrangimentos morais ou de qualquer
outra natureza. (MAURANO, 1999, p.32)



Na perspectiva do Programa de redução de estresse e da filosofia budista, o
estado de Minfullness mantido por determinados períodos possibilita a
emergência da concentração em diversos graus. Nos ensinamentos budistas
(suttas) são descritos quatro estágios de concentração ou absorção mental,
como a maioria dos autores prefere dirigir-se ao conceito, porém, não
entraremos nesses pormenores neste estudo por serem muito específicos para
uma prática mais profunda e de maior tempo de meditação.

Seria interessante que novos estudos pudessem ser feitos buscando
entender melhor a relação entre os tipos de conteúdos que podem emergir no
psiquismo de sujeitos que se propõem à prática do silêncio e do cultivo da
plena atenção da respiração ou nas sensações do corpo, onde são orientados
a um estado de abertura, curiosidade, não julgamento, num espaço que
permita uma breve contenção de sentidos.

A ideia não é conter e controlar, mas proporcionar um espaço de ausência,
de excesso de estímulos visuais, auditivos e sensoriais. Orientações que
não gerem ansiedade e necessidade de se chegar a algum lugar, ou seja, de
se produzir algum tipo de sensação, sentimento ou controlar determinados
impulsos, pensamentos também são fundamentais para se permitir estar nesse
estado. Usa-se apenas a sugestão – que não envolve nenhuma técnica de
hipnose ou autosugestão como as usadas por Freud – de se contemplar o que
surgir, como surgir, quando surgir, e perceber seu processo de surgimento,
mudança e dissolução ou desaparecimento.





10.g) Aceitar fragilidades e recuperar o "eu"

Chegamos então àquele que sempre foi nosso ponto de partida neste
trabalho: o sujeito, o Ego, a subjetividade, e esse enigma complexo e pleno
de incompletude que chamamos de Eu.

Trazemos as ideias de Nakken e o olhar humano que lança sobre a pessoa
adicta e vamos com ele até o limite do conhecido e do desconhecido que,
quando resignificado a partir do outro, já que é o outro que me define,
como conceitua Freud, partimos juntos para o processo que pode levar a essa
travessia, que poderia levar a um estado de plena consciência, segundo
denomina a filosofia budista, e transformar esse encontro consigo mesmo da
mesma forma que proporciona um encontro verdadeiro com esse outro
incognicível.

Algumas pessoas dizem que os adictos são pessoas egocêntricas.
Discordo completamente. Os adictos são antes pessoas centradas no
adicto à custa do Eu. O processo de recuperação da doença da
adicção encontra-se na renovação do Eu. Para nos recuperarmos,
temos de nos dedicar ou de voltar a dedicar-nos ao Eu. Por outras
palavras, o Eu tem de se tornar outra vez importante. (Nakken,
1996, P. 129)



Nesse sentido, Nakken valoriza, no tratamento do dependente químico, o
aspecto da reaproximação, renovação e recentramento em um Eu resignificado.
Esse processo de atenção ao eu e relacionamento com o Eu é um dos
princípios de recuperação enfatizados em grupos em irmandades como Grupos
de Álcoólicos e Narcóticos Anônimos. Nas medalhas oferecidas nestes grupos,
a cada aniversário de abstinência, lê-se: "Seja verdadeiro com você mesmo".




Nakken diferencia o adicto na ativa como tendo uma relação de Eu com o
adicto e o adicto em recuperação tendo uma relação de Eu com os outros. E
se nos perguntamos: qual é a diferença entre ambos? Ele afirma ser a
honestidade que passa a ser desenvolvida nessa relação com o Eu – incluindo
reconhecer respeitosamente o perigo em que vivem – e isso nutre a
confiança, que gera segurança, e a recuperação depende disso para se
estabelecer. Ao se identificar nas reuniões de grupos como adictos em
recuperação, eles se apresentam aceitando essa característica e admitindo
honestamente essa condição, diferentemente de negá-la, o que para Nakken é
o perigo para que o adicto cresça em relação ao Eu.



O caminho da recuperação envolve o reestabelecimento de relações
íntimas antes baseadas em relacionamentos com pessoas, muitas vezes pouco
dignas de confiança, já que os próprios adictos frequentemente consideram-
se assim. As novas relações muitas vezes iniciam partindo de uma relação
com um poder superior ao dependente, como uma relação com a
espiritualidade, ou com o grupo do qual participa, ou a instituição onde se
trata. E ao partilhar com os outros e perceber uma dignidade partilhada em
falas, abraços, contatos, eles, nas palavras de Nakken, "começam a pôr em
questão a crença adictiva que diz, "não se deve confiar nas pessoas – tú és
muito diferente – não és como eles". Os adictos em recuperação descobrem
que são como os outros." E quando encontramos pessoas capazes de nos
compreender, as relações íntimas e os vínculos passam a fazer sentido e a
serem desejáveis.

Chegamos então a um axioma formulado a partir dos pensamentos de
Freud, Lacan Kabat-Zinn, Nakken e de todos que nos acompanharam nessa
trajetória: Ser verdadeiro é não fugir. É ficar com o que existe, agora.

Nessa caminhada com os participantes do programa, senti-me companheira
em recuperação desta que é uma condição "demasiadamente humana", como
definiria Nietzche. Percebi que estamos juntos, dependentes de tantos
objetos, sujeitos a tantas pulsões e compulsões, num mundo de incertezas,
estímulos e desatenção, que o silêncio do momento em que nos recolhemos
sozinhos nos chama a pensar sobre nossa finitude, nossos desejos de
felicidade e satisfação, nossas demandas de prazer, satisfação,
reconhecimento e a inequívoca possibilidade da morte.

Carriére, em "Fragilidade", evoca a grandeza de nossa vida, seres num
clarão no meio do nada, aguardando o naufrágio que nos espreita.

Quanto à grandeza humana, nós mesmos a definimos. Ela não tem
nenhum sentido no Universo incalculável. Só vale para nós, só é
medida segundo nossa escala. E não acho um exagero dizer que nossa
única grandeza está em nossa fraqueza e em nossos limites. E nossa
única beleza está aí, a nossa única oportunidade de sentir algum
orgulho, alguma felicidade por estar vivo, às vezes também alguma
nobreza, se é que esta palavra ainda tem algum sentido: na
brevidade de nossa pequena luz, no que nos fragiliza e às vezes nos
quebra, na mão-na-mão de cada instante com a morte, no contraste
extraordinário, provavelmente único no Universo (façamos a aposta)
entre nossa insignificância e nossas alucinações de infinito.
(CARRIÉRRE, p.206)






CAPÍTULO 11 - CONCLUSÕES



11.a) Em relação aos objetivos

A pesquisa aponta que a prática da plena atenção na forma de
meditação, yoga e em atividades diárias no contexto experimentado –
seguindo a metodologia do Programa de Redução de Estresse com base em
Mindfullness –, voltada para pacientes dependentes químicos em recuperação,
pode trazer benefícios no que se relaciona à superação de estados de
estresse devido ao aprendizado de novas ferramentas que permitem o aumento
do contato com conteúdos subjetivos e que possibilitam resignificações de
questões como estados compulsivos, aversivos e dos constantes conflitos e
frustrações enfrentadas na vida diária.

Apenas a título de breve análise, farei uma leitura sucinta sobre as
possibilidades e os desafios enfrentados nessa primeira edição de um
programa de prática de mindfulness no Hospital Philippe Pinel. Acredito que
outros estudos poderiam ser realizados cruzando e comparando grupos que
experimentem essas práticas e grupos que não as experimentem. A parceria
entre pesquisadores interdisciplinares, conforme foi pensado inclusive no
início deste trabalho, devido a discussões com pesquisadores da área de
Neurociência da UFRJ, poderia ser uma possibilidade. Avaliar um grupo de
participantes utilizando tecnologias que permitem métricas com uso de
imagem, possibilitando perceber a ocorrência de mudanças na estrutura
cerebral e atividade neural de participantes, provavelmente catalisaria a
produção de novos olhares, abrindo outros questionamentos em relação à
possibilidade do uso da meditação e yoga em diferentes contextos
terapêuticos.

Outra possibilidade seria solicitar o diagnóstico prévio, por escrito,
de um especialista (psiquiatra e/ou psicólogo) que pudesse entrevistar
todos os participantes antes e depois da experiência, auxiliando a perceber
nuances de discurso, mudanças no uso de medicações, sintomas e outros dados
que pudessem ajudar a perceber se houve melhoria no bem-estar, qualidade de
vida, autonomia, crença na recuperação e motivação para o tratamento.

Acredito que um estudo específico sobre emoções, com foco no senso de
compaixão, solidariedade e autocompaixão, capacidade de superação de
estresse e autorregulação poderia ser feito com participantes deste
programa. Lançando luz em relação ao potencial dessas emoções no contexto
da recuperação, bem como sobre a hipótese de um possível treinamento de
inteligência emocional. Esse estudo poderia incluir o acompanhamento dos
participantes ao longo de um período e registros de depoimentos de
familiares e amigos, etc.



11.b) Indo além: outras percepções e possibilidades

Uma das primeiras dificuldades que se mostraram na realização da
pesquisa foi a resistência inicial da equipe médica em relação ao Programa
de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção, especialmente devido ao
uso do termo Minfullness, que já havia sido conceituado para o grupo em um
contato anterior, percebido como negativo, com uma profissional que se
ofereceu para ensinar a técnica para o grupo médico.

Ressalta-se que tal resistência expressou-se muito mais como hesitação
e receio do que como ataque direto. Interessante foi perceber que o apoio
de um dos médicos da equipe, como aquele que me indicou para liderar o
programa, foi um dos pontos fundamentais para a aprovação da realização do
trabalho. Houve um senso de trabalho em equipe e confiança inicialmente
estabelecido na reunião que se configurou gradualmente ao longo dos
encontros e das trocas de acompanhamento com o psiquiatra e a psicóloga
responsáveis por apoiar o trabalho.

Uma possibilidade de estudo interessante, que me motiva profundamente,
é a experimentação de um curso de Introdução ao uso de Mindfullness em um
contexto terapêutico, com profissionais de saúde mental, nos moldes do qual
eu participei em agosto de 2012, na Sociedad Mindfullness y Salud, em
Buenos Aires.

Considero que todo profissional da saúde, em especial psicólogos e
psiquiatras, seriam muito beneficiados se pudessem seriamente explorar as
possibilidades terapêuticas de mindfulness, no melhor espírito do
"ceticismo benevolente", proposto por Freud (FREUD, 1913), uma vez que a
dimensão científica que o mindfulness ganhou no cenário internacional de
pesquisa vem mostrando, com algum grau de notoriedade, que a prática, além
de ser benéfica, também pode ser aplicada independentemente da religião e
de outros fatores de diferenciação, que poderiam dificultar a replicação do
procedimento em grupos heterogêneos.

Além disso, atualmente há uma enorme demanda por práticas de cultivo
de atenção que não se pautem apenas pela lógica da medicalização, protocolo
necessário em muitos casos, porém, que tem tomado proporções preocupantes e
que tem sido inserida em diversos contextos de modo cada vez mais
automático e precoce.

Vale lembrar que não houve o envolvimento de outros profissionais da
equipe médica durante os encontros, buscando maiores trocas ou contato com
a técnica. Para os profissionais que nunca a experienciaram, essa seria uma
oportunidade possível de apropriação da metodologia, algo que foi
expressado pela equipe técnica na última reunião de trabalho e avaliação do
programa, como uma preocupação para a manutenção do trabalho.

Considero que, para uma próxima edição, seria muito benéfico e rico se
houvesse uma maior abertura e curiosidade dos profissionais da instituição
pela experiência e troca de ideias que pudessem catalisar as condições
necessárias para que o programa seja oferecido dentro de padrões mínimos e
indispensáveis e para que possa gerar uma riqueza de olhares e perspectivas
na troca interdisciplinar dentro da própria instituição.



11.c) Oportunidades de continuidade do estudo

Mesmo com a evasão entre 47 e 58% dos participantes, variando de
acordo com o critério usado, foi possível realizar o levantamento de dados
para análise e foi atingido um percentual acima dos 80% de evasão, de
acordo com a expectativa da equipe médica (expectativa pautada na média de
evasão nos demais programas oferecidos pela instituição).

Voltando aos dados apresentados no item Resultados, dos 21 inscritos
inicialmente, tivemos mais 5 novos, o que gerou um grupo de 26 pessoas
(100%).

14 participantes estiveram em pelo menos 70% dos 10 encontros (53,8%);

11 pessoas (42,3%) permaneceram até o último (8º) encontro formal no
hospital;

9 participantes foram no encontro extra no hospital (34,6%) para
preenchimento de questionário final, relato escrito, roda de trocas e
celebração do grupo;

5 participantes foram ao minirretiro (treinamento de mindfulness mais
intensivo) de 6 horas, fora do hospital, em um centro de meditação
próximo do local (19,2% ).




Os relatos demonstraram benefícios obtidos na prática em grupo, no uso
das técnicas no dia a dia, além de menções à redução de níveis de estresse
em situações de conflito, ou de volta a estados de equilíbrio emocional de
forma mais rápida após situações de estresse, impulso, irritação ou
depressão. Desse modo, concluo que existem indicadores significativos de
que esse tipo de programa geraria resultados desejáveis em grupos de
dependentes químicos.






12 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




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13 – ANEXOS

ANEXO 1 – CARTA CONVITE E CARTAZ



PROGRAMA COM BASE EM EXERCÍCIOS DE ATENÇÃO E MOVIMENTO



Rio, 10 de julho de 2012.

Caros participantes,

O programa que queremos compartilhar com vocês não é um programa religioso
e nem é, tampouco, um grupo terapêutico. É um programa educacional, que tem
por objetivo transmitir variadas técnicas de meditação e capacitar os
participantes a manter uma prática de meditação em sua rotina.

E o que é a meditação?

Segundo John Kabat-Zin, médico americano que aplica o método em hospitais e
empresas nos EUA, uma das habilidades fundamentais da meditação é a
capacidade de estar no momento presente de maneira não crítica, não
julgadora e consciente do que está acontecendo no aqui e agora.

É uma postura de receptividade, exploração e curiosidade. A meditação,
portanto, não é um técnica de relaxamento, mas antes de mais nada, uma
técnica para o autoconhecimento do nosso funcionamento psicofísico e suas
inter-relações.

Óbvio que o relaxamento é bem vindo e acontecerá durante a prática. No
entanto, a plena atenção tem a capacidade de reconhecer e aceitar, sem
crítica ou sem julgamento, sem reprimir nem recalcar sentimentos/sensações
não prazerosos como angústia, agitação, desejo (craving), "fissura" e
outras emoções aflitivas (*RAIN – "chuva" em inglês e sigla com iniciais
para sequência do método de "Reconhecer, Aceitar, Investigar, não se
identificar").

A partir daí, teremos a nossa disposição um instrumento poderoso para não
agirmos a partir da impulsividade, de maneira mecânica e automática.

Novas possibilidades de escolha e caminhos nascem dessa nova plataforma que
podemos alcançar, como nosso próprio esforço e atenção. Mas para tudo tem
um primeiro passo. E o desenvolvimento dessas habilidades é gradual e
dependerá de cada um de nós.

Os participantes do grupo estarão contribuindo ainda como "pesquisadores",
já que, durante e ao final do programa, registrarão o que experienciaram
como possíveis dificuldades, benefícios, mudanças, e darão sugestões que
podem ajudar a melhor o programa em relação ao seu formato, frequência,
etc.

Para participar, basta comprometer-se em estar presente nos oito encontros
que acontecerão às terças-feiras, das 8h às 10h, no auditório nos dias:



"Julho "
"Dom"Se"Te"Qua"Qu"Se"Sá"
" "g "r " "i "x "b "
" "
"1 "2 "3 "4 "5 "6 "7 "
"8 "9 "10"11 "12"13"14"
"15 "16"17"18 "19"20"21"
"22 "23"24"25 "26"27"28"
"29 "30"31" " " " "
" " " " " " " "

"Agosto "
"Dom"Se"Te"Qua"Qu"Se"Sá"
" "g "r " "i "x "b "
" "
" " " "1 "2 "3 "4 "
"5 "6 "7 "8 "9 "10"11"
"12 "13"14"15 "16"17"18"
"19 "20"21"22 "23"24"25"
"26 "27"28"29 "30"31" "
" " " " " " " "

"Setembro "
"Dom " " " " " " "
"Seg " " " " " " "
"Ter " " " " " " "
"Qua " " " " " " "
"Qui " " " " " " "
"Sex " " " " " " "
"Sáb " " " " " " "
" " " " " " " "
" " " " " " " "
" " " " " " " "
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"16 " " " " " " "
"17 " " " " " " "
"18 " " " " " " "
"19 " " " " " " "
"20 " " " " " " "
"21 " " " " " " "
"22 " " " " " " "
" " " " " " " "
"23 " " " " " " "
"24 " " " " " " "
"25 " " " " " " "
"26 " " " " " " "
"27 " " " " " " "
"28 " " " " " " "
"29 " " " " " " "
" " " " " " " "
"30 " " " " " " "
" " " " " " " "
" " " " " " " "
" " " " " " " "
" " " " " " " "
" " " " " " " "
" " " " " " " "
" " " " " " " "
" " " " " " " "
"7 - Independência do " " " " " " "
"Brasil " " " " " " "
" "

Importante: Vir com roupa confortável e discreta, adequada para a prática
de exercícios leves de yoga. Trazer meia, caso sinta frio ao tirar sapatos.

Haverá papel e caneta para notas. Quem puder, é interessante trazer um
caderno.
Manter a prática em casa – leitura, registro por escrito e prática com cds.
Esperamos que você possa estar com a gente nessa experiência e que ela
traga bons frutos a todos!

Que todos possam estar bem e felizes.

Fabiana Gaspar Gomes e equipe HPP – RJ
[email protected]








PROGRAMA DE REDUÇÃO DE STRESS
COM BASE EM EXERCÍCIOS DE ATENÇÃO E MOVIMENTO



O QUE É ESTRESSE?
O estresse se produz nos níveis psicológico, fisiológico e social – e tem
diversas causas, entre elas, as inúmeras pressões a que somos submetidos na
vida.
Estas múltiplas interações influem no estado real de nossa mente e do nosso
corpo, e afetam os recursos com os quais contamos para lidarmos com as
distintas situações.
Não são necessariamente os eventos que ocorrem em nossas vidas que nos
estressam, mas a forma como os percebemos e lidamos com eles. Quando
podemos mudar o modo como os vemos, podemos mudar nosso modo de responder a
eles.

O QUE É O PROGRAMA?
Uma oportunidade para aprender, crescer e se desenvolver, de fazer algo que
ninguém pode fazer em seu lugar, de aprender como acessar seus próprios
recursos internos e suas capacidades naturais para desfrutar de melhor
saúde e equilíbrio, maior calma e paz de espírito.

O QUE É PLENA ATENÇÃO?
É uma capacidade humana básica que nos possibilita prestar atenção ao que
está acontecendo conosco a cada momento, de modo intencional, com
interesse, curiosidade e aceitação, estabelecendo uma maior conexão com
nossa vida.








ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO

" "
"QUESTIONÁRIO DE PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO "
"PARTICIPANTES "
" "
" "
" "
" "
" "
" "
" "
"DADOS PESSOAIS "
"Nome: " "Ocupação/ área de atuação: "
" " " "
"Tempo de tratamento na instituição: " " "
"Telefone " ( ) "Celular"( ) "
"Fixo: " ": " "
"(opcional) " " " "
"E-mail: " "
"Seu sexo: "( )Masculino ( )Feminino "Data de " "
" " "nascimento: " "
"Cor/etnia: "( )Branco(a) ( )Pardo(a) ( )Negro(a) ( "
" ")Amarelo(a) ( )Indígena "
"Qual seu estado civil? " " " " "
"( ) Separado(a) / divorciado(a) / " " " " " "
"desquitado(a) " " " " " "
"( ) Viúvo(a) " " " " " "
"( ) Em casa ou apartamento, com sua " " " " " "
"família " " " " " "
"( ) Em casa ou apartamento, " " " " " "
"sozinho(a) " " " " " "
"( ) Em quarto ou cômodo alugado, " " " " " "
"sozinho(a) " " " " " "
"( ) Em casa de outros familiares " " " " " "
"( ) Em casa de amigos " " " "
"( ) Outra situação, qual? "
"( ) Moro sozinho(a) "
"( ) Mãe "
"( ) Marido/Esposa/Companheiro(a) "
"( ) Filhos "
"( ) Irmãos "
"( ) Outros parentes "
"( ) Amigos ou colegas "
"Quantas pessoas moram em sua casa? (incluindo " " " " "
"você) " " " " "
"( ) Duas pessoas ( ) Três pessoas ( ) "
"Quatro pessoas ( ) Cinco pessoas "
"( ) Seis pessoas ( ) Mais de 6 pessoas ( ) Moro "
"sozinho "
"Qual o principal meio de transporte que você vai utilizar para vir à " "
"instituição? " "
"( ) A pé "( ) " " " "
"( ) Transporte coletivo "Carona " " " "
"( ) Transporte próprio(carro/moto) ( ) Bicicleta " " " "
"Sua família recebe algum benefício social governamental? ( ) Sim, "
"qual?________________ ( ) Não "
"você frequentou o Ensino Fundamental? ( ) " " " " "
"Sim ( ) Não " " " " "
"Se sim: " " " " "
"( ) Todo em escola pública ( ) " " "
"Todo em escola particular, com bolsa " " "
"( ) Maior parte em escola particular " " " "
"( ) Maior parte em escola pública " " " "
"( ) Maior parte em escola particular, com bolsa ( ) " " " "
"Todo em escola particular " " " "
"Você frequentou o Ensino Médio? " " " " " "
"( ) Sim ( ) Não " " " " " "
" " " " " " "
"Se sim: " " " " " "
"( ) Todo em escola pública ( " " "
") Todo em escola particular, com bolsa " " "
"( ) Maior parte em escola particular " " " "
"( ) Maior parte em escola pública " " " "
"( ) Maior parte em escola particular, com bolsa ( " " " "
") Todo em escola particular " " " "
" " " " " "
"Você frequentou o ensino superior? ( ) Sim " " " " "
"( ) Não " " " " "
" " " " " "
"Se sim, onde você frequentou o Ensino Superior? " " " " "
"( ) Todo em universidade pública ( ) Todo "
"em universidade particular, com bolsa "
"( ) Maior parte em universidade particular ( ) Maior parte em "
"universidade pública "
"( ) Maior parte em universidade particular, com " " " " "
"bolsa " " " " "
"( ) Todo em universidade particular " " " " "
"Quem é a pessoa que mais contribui na " " " " "
"renda familiar? " " " " "
"( ) Pai ( ) Mãe ( ) Irmão ( ) Filho ( ) "
"Filha ( ) Marido ( ) Esposa "
"( ) Outra pessoa Quem? "
"_____________________________________________________________ "
"Qual a renda mensal de sua família? (considere a renda de todos que moram na "
"sua casa) "
"( ) Até 1 salário mínimo (até $545,00) "
"( ) de 1 até 2 salários mínimos (de $545,01 até $1090,00) "
"( ) de 2 até 5 salários mínimos (de 1090,01 até $2725,00) "
"( ) mais de 5 salários mínimos (mais de $2725,00) "
"Qual a escolaridade de seus pais? " " " " " "
"Pai: ( ) Não estudou ( ) Ensino Fundamental até 4ª série ( ) "
"Ensino Fundamental até 8ª série "
"( ) Ensino Médio ( ) Ensino Superior (Faculdade) "
"Mãe: ( ) Não estudou ( ) Ensino Fundamental até 4ª série ( ) "
"Ensino Fundamental até 8ª série "
"( ) Ensino Médio ( ) Ensino Superior "
"A casa em que sua família reside é: " " " " " "
"( ) Emprestada ou cedida "( )Própria, em pagamento " " " "
" ( ) Alugada " " " "
"( ) Própria, já quitada " " " "
"Quais dos itens abaixo há em sua casa? " " " " "
" "
" "
"PÚBLICO: PARTICIPANTES "
"Objetivo: Levantar percepções e sugestões sobre a relação com os pacientes "
"dentro da instituição, possíveis mudanças, avanços, retrocessos e "
"possibilidades surgidas ao longo do projeto. "


EXPECTATIVAS EM ESCALA DE 0 A 10

EM RELAÇÃO A:

1. Na sua opinião, o quanto a prática de meditação e exercícios de
respiração podem influenciar no processo de recuperação da dependência
química, em uma abordagem sistêmica (complementada por outras técnicas
ou práticas)?

"1 "2 "
"Hábitos alimentares – capacidade de"( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ("
"escolher, comer e digerir bem ") 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10 "
"alimentos que satisfaçam suas " "
"necessidades. " "
"Reequilíbrio pós-stress – "( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ("
"capacidade de retornar a um estado ") 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10 "
"confortável após picos de raiva, " "
"irritação, ciúme, impaciência, " "
"tristeza, etc. " "
"Corpo – ausência de dores e tensões"( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ("
"no corpo na maior parte do tempo. ") 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10 "
"Capacidade de estar focado, "( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ("
"consciente, concentrado, no momento") 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10 "
"presente. " "
"Capacidade de perceber estados "( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ("
"mentais aversivos (desagradáveis) –") 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10 "
"raiva, ressentimento, má vontade, " "
"compulsão, tristeza, etc.) no " "
"momento em que surgem. " "
"Capacidade de empatia – capacidade "( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ("
"de escuta e expressão do que se ") 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10 "
"sente em relação ao outro, " "
"incluindo os sentimentos e " "
"percepções do outro, incluindo o " "
"outro como referência. " "
"Capacidade de defesa do sistema "( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ("
"imunitário – resistência às ") 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10 "
"doenças, gripes, mal-estar e " "
"recuperação do corpo após situações" "
"de saúde. " "
"Capacidade de criar, criatividade, "( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ("
"habilidade para construir soluções ") 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10 "
"para problemas; visão do todo; " "
"capacidade de ver as diferentes " "
"causas e efeitos de um problema. " "














ANEXO 4 – RELATOS NA ÍNTEGRA

Depoimentos após seis horas de prática – Minirretiro urbano na SBB

23/09/2012



Paciente "J"

"A primeira coisa para mim, o que eu senti, é que eu me senti muito bem por
que eu consegui vir. Eu tenho uma experiência de muitos anos em que eu faço
muita coisa, muito tratamento, enfim. Eu observo isso não só nesse campo do
tratamento, mas em outros. Você começa, sempre tem muita gente. Com o
passar do tempo vai esvaziando, né? Aqui também aconteceu isso. Pouca gente
veio nesse encontro. Eu, para mim, tenho muita dificuldade, muita
dificuldade. Então eu conseguir vir e ficar é uma vitória pra mim. Porque
tem hora que eu tava aqui e eu tava com vontade de ir embora sabe. Tem hora
que eu tenho agonia e quero ir para casa (gestos com as mãos de encaixe
entre os dedos e olhos fechados). Aí eu consigo colocar em prática alguma
coisa e penso que isso também vai passar. Se eu for embora sei que vai ser
pior. Sempre que eu interrompo uma coisa assim, depois, quando eu volto
para casa ou para onde queria ir, me dá uma sensação muito ruim porque eu
não consegui fazer aquilo. Então eu me sinto muito bem. Outra coisa é que
isso talvez seja uma coisa inédita: eu nunca fiquei tanto tempo sem falar.
Nunca, na minha vida inteira. E fiquei tranquilo, não fiquei com vontade de
falar. Fiquei ali na minha sabe. Fui andar lá em cima, em volta da piscina,
o ambiente aqui, fisicamente, é bom, né? E foi essa a minha experiência."



Paciente "R"

Estou muito satisfeita de ter concluído esse tempo juntos, de ter vindo e
de ter feito alguma coisa por mim. Me senti muito bem também. Fiquei muito
feliz, pois hoje eu estou conseguindo colocar essas coisas na minha vida,
como prioridade, e não só ter trabalho, trabalho, dinheiro, dinheiro,
ganância, essa coisa, sabe, essas coisas todas que ficaram anos da minha
vida. Hoje eu quero agradecer, pois acho que teve muito carinho, muita
atenção, muito aprendizado e muitas coisas boas. Foi fantástico. Eu não
quis anotar nem gravar porque eu queria estar inteira no momento, com os
sentidos todos, ouvindo tudo o que eu ouvi e vivenciando tudo o que eu
vivenciei. Essa questão também de não falar foi maravilhoso! Minha mãe
ligou só duas vezes e eu achei que teria 18 ligações. Eu só peguei o
telefone agora. Foi maravilhoso, nem sei, não tem nem palavras. Tudo o que
eu ouvi aqui hoje e o que eu experienciei me fortaleceu e me mostrou que
tem saída, que eu sou viável, que eu posso... essa impermanência, que eu
posso mudar, que às vezes eu estou muito angustiada, muito agoniada, muito
mal e que passa. Então eu tenho que saber lidar com isso, eu vou aprendendo
essa consciência de si, que é preciso ter essa consciência. Essa coisa do
corpo é muito importante, de sentir os pés, de se sentir... Esse trabalho
paralelo que eu faço com Gurdjeff está complementando muito uma coisa com a
outra. E ter essa consciência dessa ansiedade, dessa ambição, de você estar
em um lugar e quere estar em outro, e que você volta, vê que o corpo está
aqui, mas a mente está lá não sei onde... como é que se pode viver desse
jeito? Essa ligação, essa integração, eu acho que a gente fez isso aqui e
vem fazendo. Então eu espero muito continuar com esse trabalho e ir aonde
for preciso, me puxar, me levar. Essa ideia de que se precisa ser um astro
ou qualquer coisa, o que eu busco, não tenho nenhuma ambição a não ser ter
mais compreensão e administrar melhor as minhas dificuldades, minhas
falhas, meus momentos difíceis e o aprendizado. A gente aprende, não é?
Olha aí ó! (aponta para o quadro onde há uma equação que apresentar o
sofrimento como algo proporcional à "luta" contra ele) Sofrimento é igual a
Dor vezes Resistência! É matemático o negócio! Então vamos embora! O que
você puder nos indicar de livros de cursos e de coisas, vamos nos manter
unidos. Viu como ficou? Quem está é quem tem que estar. Só tenho
agradecimento mesmo. Maravilhoso!"

Paciente "F"

Primeiro queria passar algo que pode ser útil para os outros. Uma coisa
simples. Um dia você disse: lembre-se que você respira em tudo o que você
faz. Foi genial, sensacional. E eu vejo que em tudo que a gente está
fazendo a gente está respirando e naqueles 20 ou 30 minutos que você está
exercitando isso, a respiração. Então a gente pratica a respiração em todas
as nossas atividades. E segundo é essa forma que é muito fácil de nós
entendermos, conectarmos grande parte das coisas que você falou com o
programa de AA, de 12 passos. E que tem muita espiritualidade, o emocional
se confunde com o espiritual. E combina muito, pois como todas as coisas
espirituais, não vale nada se você não colocar em prática, se você não
coloca em ação. Ou seja, só salva se colocar na prática. Assim como os 12
passos e assim como a bíblia, só salvam se você colocar na prática. E eu
aprendi muita coisa aqui e eu até mudei a minha forma de falar no AA sem
você me cobrar direitos autorais, inclusive para a minha família.



RELATOS DE PACIENTES



C., esposa de dependente químico. Relato de ansiedade, submissão,
passividade e preocupação extrema com familiar dependente.

O que aprendi com o programa de redução de stress?

"Desde o primeiro encontro entendi que todos nós precisamos estar presentes
em todos os momentos de nossa vida, prestar atenção plena no aqui e agora,
desenvolvendo maior interesse em todos os nossos atos. Não viver
automaticamente, como se cada segundo fosse igual ao outro. Todos os
momentos são heterogêneos, as sensações, o humor, a nossa saúde, enfim
temos que viver conectados conosco mesmos. Aceitar tudo que está
acontecendo, tal como é, e observando tudo isso, podemos sempre fazer
melhor, pensar melhor e ter uma vida mais feliz, com mais saúde e paz
interior.

Outra coisa que acho muito importante: saber quem somos, como agimos, e se
descobrirmos isso, poderemos modificar nossa atitudes que às vezes são
grosseiras, para agirmos com mais amor ao próximo e a nós mesmos.

Se prestarmos atenção veremos que só nos estressamos porque não sabemos
lidar com acontecimentos, não prestamos plena atenção e não aceitamos algo
que nos desagrada ou é desconhecido.

Com este programa, dia a dia podemos crescer e trabalhar nossa mente para
'espantar os maus pensamentos'. Vamos nos sentir 'vitoriosos' quando
conseguirmos ter mais autocontrole, sem sofrimento, sem grande esforço,
isso passará a ser parte de nossa vida diária.

A meditação e a concentração são ferramentas que, nestes encontros, nos
foram 'ofertadas', e que nos ajudarão no 'resto' de nossas vidas.

Pessoalmente estou tentando deixar de ser 'passiva' para ser 'assertiva',
pois aprendi também que devemos expor nossos sentimentos e vontade com
clareza e firmeza, sem machucar ninguém, mas deixando que os outros saibam
nossas opiniões e desejos e tenho conseguido.

Agradeço, em primeiro lugar, o Dr. Marcos Michele, que me encaminhou para
estes encontros, e à Fabiana, que com sua delicadeza nos orientou e nos
despertou para enxergarmos o nosso interior e exterior e nos deu material
que servirá para cada vez mais entendermos nossa própria mente.

Obrigada."



11/9/12



M. R. dependente química. Membro dos AA.

"Carta de agradecimento pela oportunidade de vivenciar as práticas que
tivemos aqui no Pinel, durante o Programa de Redução e Controle de Stress.
Essa experiência me ajudou muita na questão da disciplina com a meditação e
me fez conseguir aumentar minha prática, que tem me beneficiado no meu dia
a dia voltado a atenção para minha respiração e para a plena atenção,
entrando mais em contato comigo.

Talvez? Não sei! Essa prática tenha me causado também um certo desconforto
da alma e do corpo, da mente e do coração, pois este contato comigo mesma
tem me trazido descobertas que me angustiam. Mas hoje consigo usar as
ferramentas necessárias para controlar a situação. E isso é fato.

Pretendo dar continuidade a essas práticas. Agradeço ao Joubert, por ter me
indicado ao Dr. Marcus, que por sua vez me deu a oportunidade de participar
do grupo. E a nosso querida mestre Fabiana, que nos mostrou o caminho, com
carinho. Agradeço a mim também por ter persistido e me trazido com
determinação e agradeço a Deus, que olha por mim. Pretendo continuar no
programa. Namaste! Muito obrigada."



M.D, dependente química. Relata que teve tentativas de suicídio e episódios
frequentes de depressão profunda.



"Eu não sabia o que seria o curso. Consegui, através dos ensinamentos, pôr
em prática, a respiração como âncora, para me fixar no aqui e agora. Ainda
não consegui ter disciplina, mas quero ter. Gostei muito dos exercícios,
mas algumas frases faladas durante os exercícios me fortalecem e me sinto
bem, como por exemplo: 'você é assim, desse jeito'. Um momento não é igual
ao outro e isso me ajuda nos momentos difíceis. O que tem me impedido de
ser disciplinada como estava no início é ter tido que temporariamente
dividir meu quarto com meu irmão.

A princípio tive um pouco de preconceito, pois sou cristã, e achei que por
ser prática de yoga teria a ver com Budismo. Uma frase dita pela Fabiana
mudou algo em mim. Não só a frase, mas o abraço afetuoso e longo ao som de
'vai passar' (foi um momento difícil, me ajudou e estou passando a diante).

Gostaria que houvesse um local na Ilha do Governador para que eu pudesse
participar. Não devo continuar a prática no hospital, pois é dispendioso
neste momento de minha vida. Praticarei em casa, com o material que tenho.
Agradeço ao Dr. Marcos Micelli e à Sra. Fabiana pela iniciativa do trabalho
e pela oportunidade de conhecer e ter material para ir me 'virando'. Por
favor, continuem.

Um abraço longo."



R.L, dependente químico. Membro e coordenador de grupo dos AA.

"O programa de Redução e Controle do Stress tem sido para mim um ótimo
curso, pois estou sabendo lidar com algumas dificuldades e também poder
usufruir do meu próprio corpo, como tomar um banho, sentir o cheiro do
sabonete, saber apreciar uma boa alimentação, degustar com mais calma,
utilizar o CD número 1 para praticar o conteúdo do mesmo. Quando faço um
bom alongamento corporal e aceito as coisas que eu não posso alimentar nem
tão pouco modificar. Enfim, tem sido de muito proveito este programa.

Muitíssimo obrigado. Sou muito grato por esta chance de me conhecer para
ser uma pessoa melhor."



S. V., dependente química. Relatava ansiedade e dificuldade de participar
de atividades em grupo.



"Sou grata por esses incinamentos, por essa esperiência, por essa
programação, pelo grupo e pelas descobertas. Gostaria de poder me dedicar
mais e me aprofundar mais, nesses incinamentos. Hoje eu tenho a serteza que
a ioga irá fazer parte da minha vida para sempre. Essa descoberta está me
fazendo ver a vida com um novo olhar. Obrigada Fabiana . Eu pretendo
continuar nesse programa."



-----------------------
[1] segundo a Wikipedia, em sua definição sobre o termo Ioga (verbete
de EMAUSBOT e outros, 2012).



[2] Cuerpo y mente son una unidad indisoluble. Todo lo que sucede
en el cuerpo afecta a la mente, y viceversa. En realidad funcionan
el unísono. Todo aquello que hagamos para prestar conciencia a
nuestra salud y el buen estado físico revierte necesariamente en
nuestro equilibro emocional y psicológico. La disociación entre
cuerpo y mente, arquetipo de la era moderna, ha hecho que muchos de
nosotros vivamos como si nuestro cuerpo fuera un ropaje que
llevamos colgando de una percha, mientras que nuestra mente y sus
emociones funcionando a gran velocidad, parecen ir mucho mas
adelante que aquél.


[3] Orientação cognitiva fundamental de um indivíduo ou de toda uma
sociedade.


-----------------------




-----------------------
"O primeiro e mais importante passo que precisamos dar para liberar-nos de
toda uma vida de reatividade ao estresse é dar-nos conta de tudo o que
ocorre, enquanto ocorre."

Jon Kabat-Zinn, criador do Mindfulness-Based Stress Reduction – MBSR /
University of Massachusetts Medical School –USA

PROGRAMA COMPOSTO DE

- 10 ENCONTROS DE PRÁTICA NO HOSPITAL (2H/ SEMANAL)

- EXERCÍCIOS LEVES DE YOGA, RELAXAMENTO E MEDITAÇÃO

- TAREFAS SEMANAIS E EXERCÍCIOS DE CONSCIENTIZAÇÃO NO DIA A DIA

- MATERIAL DE APOIO: CD E APOSTILA INDIVIDUAL

- DIÁLOGOS EM GRUPO E CONVERSAS INDIVIDUAIS SOBRE A PRÁTICA

COMO PARTICIPAR

- GRATUIT. VAGAS LIMITADAS.

- PARA SE INSCREVER É NECESSÁRIO ENTRAR EM CONTATO ATÉ O DIA 6/7 COM DR
MARCUS MICELI (2º andar) E INFORMAR NOME COMPLETO, ENDEREÇO E TELEFONE

- AS INSCRIÇÕES SERÃO AVALIADAS PELA EQUIPE DE ORGANIZAÇÃO DO CURSO.



Este questionário permitirá que a gente possa conhecer você melhor, por
isso, fique à vontade.
Quanto mais informações você responder, de forma sincera, melhor.


Conhecer as pessoas que participam do projeto é fundamental para
entendermos os impactos do programa em toda a comunidade participante.





Este questionário permitirá que a gente possa conhecer você melhor, por
isso, fique à vontade.
Quanto mais informações você responder de forma sincera, melhor.


Conhecer as pessoas que participam do projeto é fundamental para
entendermos os impactos do programa para toda a comunidade participante.
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