A MEMÓRIA E SEUS ABRIGOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS LUGARES DE MEMÓRIA E SEUS VALORES DE REFERÊNCIA

May 21, 2017 | Autor: Ines Soares | Categoria: Direitos Humanos, Humans Rights, Direito à Memória
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A MEMÓRIA E SEUS ABRIGOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS LUGARES DE MEMÓRIA E SEUS VALORES DE REFERÊNCIA Inês Virgínia Prado Soares Procuradora da República em São Paulo, mestre e doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisadora de Pós-Doutorado junto ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP)

Renan Honório Quinalha Graduado e mestrando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e graduando em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP)

1. INTRODUÇÃO A memória serve como ingrediente apto a integrar as medidas de satisfação e garantias de não repetição em relação à ditadura militar brasileira (1964-1985)? Quais os bens e suportes mais adequados para veicular a memória desse período? Esses suportes de bens podem ser tratados ou protegidos como bens culturais? Após quase três décadas do retorno à democracia no Brasil, a reflexão em torno da memória e da justiça de transição ainda não apresenta respostas claras para esses questionamentos. Não que tais perguntas sejam extremamente complexas, mas simplesmente porque somente agora o tema começa a despertar maior interesse entre pesquisadores, defensores de direitos humanos e operadores do Direito. O presente artigo tem a finalidade de oferecer alguns subsídios para a reflexão mais acurada 250

sobre a importância da memória para lidar com o longevo passado brasileiro de graves violações

de direitos humanos e, em especial, com o legado de violência deixado pela ditadura militar brasileira (1964-1985). Esse regime, como os outros regimes autoritários latino-americanos em curso na mesma época, foi caracterizado pela adoção de lógicas repressivas que passavam, centralmente, pela exclusão, pelo esquecimento e pelo aniquilamento das diferenças e dos grupos ou indivíduos que as personificavam. A face mais violenta da repressão contra os opositores políticos desse regime autoritário, além de sistematizada em documentos, ocorreu em algum espaço físico: com muros, paredes, grades, pátios, jardins, sala de lazer e para reunião e outros tantos compartimentos.

Para traçar a relação entre memória e esses espaços físicos, partiremos das potencialidades da memória para enfrentar um passado de graves violações de direitos humanos, especificamente para lidar com o autoritarismo recente brasileiro.

A

resistência

foi

veiculada

ao em

regime

também

diversos

suportes:

documentos, músicas, artes, panfletos, além de reuniões e passeatas que ocuparam espaços públicos e privados. Todos

esses

suportes,

materiais

ou

imateriais, são elementos de enorme importância, merecedores de pesquisa na

contemporaneidade.

articulado,

esses

Em

conjunto

elementos

podem

erigir uma memória coletiva, já que têm

potencialidade

para

revelar

a

verdade, as atrocidades praticadas, suas circunstâncias e motivações, bem como o modo pelo qual se resistia (ou não) a tais violências.

O presente artigo tem seu núcleo central no estudo da memória coletiva materializada em espaços que se convencionou chamar de Lugares de Memória. Para traçar a relação entre memória e esses espaços físicos, partiremos das potencialidades da memória para enfrentar um passado de graves violações de direitos humanos, especificamente para lidar com o autoritarismo recente brasileiro. Na primeira parte apresentaremos tópicos sobre o sujeito e o objeto da memória coletiva; e sobre a lembrança, a imaginação e o esquecimento, investigando como esses elementos constituem os processos de memória. Após, sob a perspectiva de que os Lugares de Memória são espaço de recordação e reparação simbólica das vítimas da ditadura militar, discutiremos um conceito de Lugar de Memória mais adequado ao contexto brasileiro, com atenção à proteção jurídica da memória como ingrediente do bem cultural. Por fim, partindo da ideia

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de que a verdade é, ao mesmo tempo, pressuposto e objetivo dos Lugares de Memória, abordaremos os valores de referência que informam esses espaços de consciência, analisando em que medida é possível considerar os Lugares de Memória portadores de valores de uso, estético e simbólico.

2. MEMÓRIA COLETIVA 2.1. A MEMÓRIA ENTRE LEMBRANÇA E IMAGINAÇÃO Em diversos campos de reflexão, a memória tem assumido importância cada vez maior, sendo apropriada das mais diferentes formas, desde as teorias filosóficas e sociológicas até a estética e a ética. Alguns autores chegarão a afirmar que vivemos, atualmente, com fome de passado, em uma era da memória, pois “vivimos en tiempos en los que la apelación a la memoria aparece en todas partes. Se lucha por la memoria, se recuerda, se preserva, se marca, se anuncia, se restaura”1. No mesmo sentido, outros dirão que “en general nos enfrentamos desde fines del siglo próximo pasado al surgimiento de una cultura de la memoria que se manifiesta de diversas maneras y en diversos ambitos”2. Em feliz síntese, Beatriz Sarlo, esclarecendo que as lutas pela memória dos crimes de Estado não são apenas uma moda, assevera que, em verdade, essas memórias “han adquirido dimensiones de religión cívica a partir de un acontecimiento central del siglo XX, el Holocausto”3. A reflexão em torno da memória, em suas variadas dimensões, não é algo inédito e tampouco recente. Em verdade, remonta às origens do pensamento filosófico ocidental; desde os clássicos da Grécia, passando pelo empirismo inglês e pela tradição do racionalismo francês, diferentes foram as formulações em torno desse conceito. Ainda que não seja nossa pretensão, no presente trabalho, examinar a trajetória da reflexão em torno do conceito de memória, faz-se necessário destacar alguns aspectos desse desenvolvimento histórico para compreender as funções e configurações da memória em nossos dias. Desde sua origem, esse signo floresce sob a tensão entre dois sentidos que lhe são constitutivos: a recordação e a imaginação. Por ser concebida como um meio de acesso ao passado, comumente mostrou-se capaz não apenas de rememorá-lo, mas de recriá-lo, imputando-lhe elementos novos. 1

LORENZ, Federico. Los lugares de la memoria. Buenos Aires: Madreselva, 2009, p. 7.

2 BRAUER, Daniel. El arte como memoria. Reflexiones acerca de la dimensión histórica de la obra de arte. In LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (orgs.). Politicas de la memoria: tensiones en la palabra y la imagen. Buenos Aires: Gorla; Mexico: Universidad del Claustro de Sor Juana, 2007, p. 269.

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3 SARLO, Beatriz. Vocación de memoria: ciudad y museo. In VINYES, Ricard. El Estado y la memoria: goviernos y ciudadanos frente a los traumas de la historia. Barcelona: RBA, 2009, p. 499.

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Durante muito tempo, buscou-se demonstrar que esses processos do imaginário e da lembrança eram marcadamente diferentes e, de algum modo, até mesmo excludentes entre si. Enquanto o objetivo da imaginação estaria orientado ao fantástico, à ficção, ao irreal, ao impossível e ao utópico, a intencionalidade da lembrança seria dirigida diretamente à realidade anterior, à coisa recordada enquanto tal. Esta última dimensão, da memória enquanto mera recordação, era qualificada como mais fiel e, por isso, mais adequada para recuperar o passado. Outra leitura desse fenômeno, hoje mais aceita, abandona essa perspectiva de que a imaginação seja uma forma inferior de conhecimento em comparação à rememoração. Compreende essas duas dimensões em complementaridade, ainda que sem esvaziar a dialética concreta existente entre essas tarefas estruturantes da memória. Nesse sentido, afirma Paul Ricouer que “debe existir en la experiencia viva de la memoria un rasgo irreductible que explique la insistencia de la confusión atestiguada por la expresión de imagen-memoria. Parece bien que el retorno del recuerso sólo pueda hacerse a la manera del devenir-imagen”4. Assim, como as recordações do passado aparecem sempre representadas, na maior parte das vezes por imagens, torna-se inevitável o hibridismo da memória no desafio simultâneo de identificar um registro passado e consumar sua evocação no tempo presente. Em outras palavras, todo exercício de memória é realizado a partir de mediações e representações, trazendo à tona essa ambiguidade que lhe é constitutiva entre recordar e reconstruir o passado, seja pelas lacunas apresentadas por este, seja pelas suas múltiplas leituras possíveis. Para Ricouer, essa ameaça constante de confusão entre o simples ato de rememorar e o potencial criativo de imaginar afeta a ambição de fidelidade, que caracteriza a chamada função veritativa da memória. A despeito desse traço, que à primeira vista soaria como uma limitação insuperável, o paradoxo maior é que não resta nada melhor e além da própria memória para garantir a efetiva ocorrência de algo, antes que se pudesse consagrar uma recordação capaz de representar esse mesmo fato. É, portanto, um meio privilegiado de revisitar e interpretar experiências passadas. Nesse sentido, para Jacques Le Goff, que escreveu um estudo paradigmático sobre as relações entre história e memória, esta última pode ser definida como a “proprieté de conservation de certaines informations, renvoie d’abord à un ensemble de fonctions psychiques grâce auxquelles l’homme peut actualiser des impressions ou des informations passées qu’il se représente comme passées”5. No entanto, essa definição, orientada pela perspectiva biopsicológica da memória, 4

RICOUER, Paul. La memoria, la historia, el olvido. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2010, p. 22.

5

LE GOFF, Jacques. Histoire et memoire. Paris: Gallimard, 1988, p. 105.

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essencialmente na esfera individual, padece de algumas deficiências para a construção de um conceito passível de apropriação pelas distintas teorias sociais contemporâneas. Esse olhar tradicional para a memória, que deixa de analisá-la sob a ótica das necessidades e aspirações de determinado grupo ou coletividade, evidencia uma série de limitações. Tanto é assim que as abordagens mais atuais têm privilegiado as dimensões políticas e coletivas da memória, em especial sua relação com a qualidade democrática das diferentes sociedades em momentos pós-transicionais ou pós-conflitivos. Ou seja, a memória passa a ser um elemento que ajuda a compreender o modo como a sociedade e o Estado lidam com seu passado de graves violações de direitos humanos. Mais: evidenciar a opção política pelo esquecimento ou pela lembrança, bem como colocar às claras a legitimidade de certos grupos para o exercício da memória, são peças que integram esse processo para formação de uma memória coletiva. É o que veremos nos itens seguintes.

2.2. SUJEITO E OBJETO: UMA MEMÓRIA COLETIVA Falar em memória significa, antes de qualquer outra coisa, confrontar-se com duas perguntas fundamentais: uma relacionada ao sujeito e outra ao objeto do ato de memória. O exercício da memória tem sempre sujeito e objeto definidos: por um lado, a memória é sempre pessoal e comprometida, ou seja, há sempre alguém que recorda, possuidor da memória e, portanto, o ponto de partida da lembrança; por outro, lembra-se sempre de algo, o que significa que a recordação está sempre em referência a um fato que se pretende rememorar, dimensão que é conhecida como caráter objetal da memória. Segundo Ricouer, fiel à sua perspectiva fenomenológica, a primazia outorgada à pergunta “quem recorda?”, em virtude de uma longa tradição de compreensão da memória a partir do indivíduo, levou a uma aporia com a emergência da noção de memória coletiva que não pode mais ser conjugada nas pessoas gramaticais do singular, mas apenas naquelas do plural: nós, vós, eles. Além disso, tornou-se cada vez mais aceita a ideia de que a um mesmo acontecimento não corresponde apenas uma memória, mas sim diversas6.

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6 É importante frisar que colocar o sujeito da memória em segundo plano não significa que há apenas uma memória, universal e no singular. Se até mesmo no plano individual normalmente há uma diversidade de recordações sobre um mesmo fato, no âmbito público, a efervescência de memórias é potencializada. Isso porque, dentre outras razões, a complexidade das versões históricas e as heterogeneidades das formações sociais liberam memórias diferentes, particulares e parciais.

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Diante dessas insuficiências da concepção da memória a partir do seu sujeito, para não se enredar em uma aporia inútil, seria preciso atentar-se, antes, ao objeto da memória. Prioritariamente, esta passa então a ser interpelada não mais com a partícula “quem”, mas pela pergunta “recordação de quê?”. Dentre esses diferentes objetos da memória, os momentos de extrema violência e de violação sistemática de direitos humanos se apresentam como uma perspectiva privilegiada para compreender as características e dilemas essenciais dos processos de rememoração. As duas Grandes Guerras Mundiais, a Shoá, os regimes fascistas e protofascistas europeus, as guerras civis e o sistema do Apartheid na África, as tiranias teocráticas no Oriente e as ditaduras militares na América Latina são os exemplos tradicionalmente discutidos. No séc. XX, esses episódios são lembranças, incômodas a toda a humanidade, que atingiram um ápice de horror e barbárie, qualitativa e quantitativamente, diferentes do que se vira até então. Por constituírem situações-limite, convocam, ao mesmo tempo em que dificultam, o ato de constituição da memória. Com efeito, a natureza intensamente traumática desses conflitos de alto potencial de desagregação social coloca, aos que sobre ele se debruçam, o desafio da representação do irrepresentável; para os que sofreram diretamente esses traumas, a recordação significa reviver a experiência da dor. Afirma Primo Levi, com sua habitual propriedade, que “a recordação de um trauma sofrido ou infligido é também traumática, porque evocá-la dói ou pelo menos perturba: quem foi ferido tende a cancelar a recordação para não renovar a dor; quem feriu expulsa a recordação até as camadas profundas para dela se livrar, para atenuar seu sentimento de culpa”7. Em outras palavras, se toda lembrança precisa ser representada para acessar o presente, esses momentos passados de grave violência põem em evidência tanto os limites quanto as potencialidades do que significa a narração desses efeitos traumáticos. A experiência, nesses casos, não é passível de pronta elaboração no plano das diferentes linguagens, pois a própria condição humana é colocada em xeque diante desses acontecimentos8. Essa situação torna-se ainda mais paradoxal porque esses momentos extremos são tão difíceis de lembrar quanto de simplesmente esquecer, impossibilitando a mera recusa, pela 7

LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes: os delitos, os castigos, as penas, as impunidades. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 20.

8 Sobre o paradoxo da representação do irrepresentável, também chamado “paradoxo de Levi”, vale consultar a análise de Agamben sobre a impossibilidade do testemunho sobre Auschwitz: AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz. São Paulo: Boitempo, 2007. A referência é justamente ao já citado Primo Levi, sobrevivente do campo de concentração de Aushwitz e que publicou diversas obras sobre essa experiência. Interessante notar que, diante de tais fatos graves, variadas são as respostas individuais e coletivas, tanto dos perpetradores, quanto das testemunhas ou mesmo das vítimas. Um estudo mapeando algumas dessas possíveis reações encontra-se em COHEN, Stanley. Estados de negación: ensayo sobre atrocidades y sufrimientos. Buenos Aires: Departamento de Publicaciones de la Facultad de Derecho - UBA, 2005.

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negação, de um passado indesejado. Tais eventos persistem através da história, desse modo, premidos entre a tentação do esquecimento ou da sublimação e a dura, mas imperiosa, recordação. Daí a relevância cada vez mais sentida da memória coletiva, que remete justamente a fatos históricos que transcendem as intimidades individuais, a despeito de também influenciá-las. Por interessar a um grupo de indivíduos, que pode ser uma pequena família, uma sociedade nacional ou até mesmo a comunidade humana em seu conjunto, a memória de determinado acontecimento, tal qual este próprio, assume dimensão coletiva, sendo sua elaboração impossível nos estreitos limites da individualidade. Nesse caso, o todo é maior do que a mera soma das partes. A memória coletiva, antes de configurar uma versão universal e consensualmente aceita, composta de lembranças individuais, é um campo de permanentes disputas simbólicas em torno de versões e fragmentos sobre o passado, bem como de suas relações com o presente. Em outros termos, constitui-se como um núcleo a partir do qual se articulam relatos dissidentes, ainda que nem sempre excludentes, entre si. Em alguns casos, sendo um exemplo o período pós-ditatorial brasileiro, chega-se a falar em uma “guerra de memória”. Maria Celina D’Araújo destaca: “brigamos com o passado de várias formas. Uma delas é queimando ou escondendo provas documentais; criando silêncios em vários sentidos, reais ou metafóricos. O Brasil, nesse aspecto, tem-se mostrado oscilante”9. Em interessante inventário sobre as memórias conflitantes dos militares e dos militantes de esquerda, atentando para o modo como se distanciam entre si, João Roberto Martins Filho afirma que “a review of the testimonies of leftist militants and military men about the darkest period of Brazil’s post-1964 dictatorship reveals from the very beginning a basic difference: whereas former militants strive to keep the memory of the 1960s and 1970s alive, the majority of military officers would like certain aspects of the period to be forgotten”10. Diante dessa diversidade em constante interação, a memória coletiva assume o caráter de uma arena de embates e acordos, em que se fazem possíveis as mais diversas e provisórias construções discursivas, contribuindo, cada qual à sua maneira, para a elaboração social de um evento compartilhado. Essa negociação em torno da memória justa encontra, no espaço público e democrático, um lócus privilegiado de produção de sentidos e de exercício da 9 D’ARAUJO, Maria Celina. Memória da ditadura militar no Brasil: fontes e métodos. In: GOMES, Angela de Castro (coord.). Direitos e cidadania: memória, política e cultura. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 130.

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10 MARTINS FILHO, João Roberto. The War of Memory: The Brazilian Military Dictatorship according to Militants and Military Men. In: Latin America Perspectives, 36, p. 89.

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política, produzindo incessantemente elementos identitários e culturais que concorrem com as imagens oficiais e consagradas da história11. Nesse sentido, para Jacques Le Goff, a memória coletiva “a été un enjeu important dans la lutte des forces sociales pour le pouvoir. Se rendre maître de la mémoire et de l’oubli est une des grandes préoccupations des classes, des groupes, des individus que ont dominé et dominent les sociétés historiques. Les oublis, les silences de l’histoire sont révélateurs de ces mécanismes de manipulation de la mémoire collective”12. Vale ressaltar que a memória coletiva não se refere, apenas, ao que foi vivenciado direta e pessoalmente pelos seus sujeitos. Abrange, também, aquela herança que, muitas vezes, é transmitida através de gerações e cultivada por quem a recebe, sendo que sua longevidade depende da magnitude e da profundidade das marcas deixadas por determinado evento histórico13. Não por outra razão, uma interessante diferenciação feita por Jan Assmann e Arno Gisinger, autores que se dedicam a essa temática, é entre a memória comunicativa e a memória cultural. A memória comunicativa é direta, transmitida pelos que vivenciaram ou testemunharam diretamente os acontecimentos lembrados. É, via de regra, de curta duração, pois a vida média de uma testemunha gira em torno de oito décadas, após o que a memória do fato não tem mais essa fonte primária dos que o vivenciaram. Por sua vez, a memória cultural surge a partir do desaparecimento da comunicativa. Em geral, algumas décadas após os acontecimentos significativos, a sociedade vai tomando ciência do iminente desaparecimento das testemunhas vivas. A reação natural diante dessa constatação é, então, mobilizar o conjunto de meios disponíveis para conservar e prolongar essas lembranças14.

11 De modo geral, pode-se afirmar que “el poder proponde una versión del pasado donde no hay lugar al disenso (...) El modelo de memoria que nos ofrece el poder es el de la memoria fetichizada: toda una vasta iconografía recortada como figuritas escolares de su contexto original, despojada de toda conexión con el presente”. Grupo de Arte Callejero. El anti-monumento. Resignación de la memoria histórica. Formas de representación del poder y modos de apropiación colectiva sobre el espacio urbano. In LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (orgs.). Idem, p. 212. 12

LE GOFF, Jacques. Idem, p. 109.

13 A dependência de uma geração em relação à outra para ter acesso ao material histórico que conforma a identidade e a cultura de um povo é fundamental: “los pueblos recuerdan solamente el pasado transmitido activamente por los que lo precedieron en la historia en la medida en que le encuentram un sentido cargado de lógica propia, y lo olvida cuando la generación poseedora del conocimiento no lo transmite o es rechazado por ésta”. FLORES, Julio. In LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (orgs.). Idem, p. 190. 14 CHÉROUX, Clément. Por qué sería falso afirmar que después de Auschwitz no es posible escribir poemas? In LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (orgs.). Idem, pp. 220-222.

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A transição de conteúdos do primeiro para o segundo tipo de memória também marca a entrada desse material histórico no domínio público. Apenas com essa transformação, faz-se então possível a transmissão da memória contra a tendência ao esquecimento.

2.3. MEMÓRIA E ESQUECIMENTO Usualmente, em especial no senso comum, contrapõe-se à memória uma ideia de esquecimento. Este nada mais seria do que a incapacidade ou a impossibilidade de recordar. Sob essa perspectiva, lembrar-se e olvidar-se seriam dois polos antitéticos, incomunicáveis, cuja única interação seria de oposição mútua: este seria definido, simplesmente, a partir da negação completa do primeiro.

[...] vale frisar que só é possível esquecer aquilo que foi experimentado ou vivido, seja diretamente, seja indiretamente. O que não foi inscrito na ordem dos acontecimentos não pode ser apagado

Outras leituras, contudo, têm privilegiado uma compreensão menos superficial dessa relação. Sem a pretensão de anular a tensão real entre memória e esquecimento, essas interpretações buscam tornar mais complexa a memória, atribuindo certa positividade ao esquecimento. O intuito é evidenciar que a construção da memória ocorre não somente a partir de fragmentos de

recordações, mas

também, seletivamente, a partir da organização e do processamento de certos esquecimentos. Aliás, vale frisar que só é possível esquecer aquilo que foi experimentado ou vivido, seja diretamente, seja indiretamente. O que não foi inscrito na ordem

dos acontecimentos não pode ser apagado. Em outros termos, “el olvido alude a una región oscura. No se refiere a algo inexistente, sino a algo que no está presente para mí ahora pero que ha existido y está ahí en estado de latencia porque lo olvidade fue registrado alguna vez”15. Tratase, assim, de uma sombra, como o saber de algo que ameaça irromper a qualquer momento, mas que não se pode, por mera vontade, recuperar nem suprimir por inteiro. Em suma, o esquecimento pode ser visto como uma presença, ainda que ausente, que se põe além de nossa vontade. Desse modo, os problemas do lembrar e do esquecer se constituem como campos fundamentais que demarcam os processos de construção da memória tanto no âmbito privado quanto no público. Pois a constituição de uma memória, dentre as inúmeras possíveis, vem sempre 258

15

BRAUER, Daniel. Idem, p. 267.

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acompanhada da ameaça da sua dissolução, muitas vezes concretizada no que representa o esquecimento e o silenciamento. Não por outra razão, afirma-se que “en la definición de ‘memoria’ se guarda la idea del ‘olvido’, no como su antónimo sino como una relación de tensión y transformación constante”16. Sob esse ponto de vista, nem sempre a oposição se dará centralmente entre memória e esquecimento. A depender do contexto, a centralidade poderá residir nos desencontros das diversas memórias de um mesmo acontecimento contraditórias entre si. O objetivo maior de enfrentar um passado bloqueado e liberá-lo para acesso da memória é a elaboração dessas experiências, mediante a construção coletiva de uma verdade que essa tarefa exige. O grande lema, nesses casos, é recordar para não repetir17, traduzido para o contexto latinoamericano, pioneiramente, pelo Nunca Más argentino, que foi também o nome da publicação oficial elaborada pela Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas (CONADEP), presidida pelo escritor Ernesto Sábato. No Brasil, também houve uma importante publicação com esse nome. O livro Brasil Nunca Mais foi lançado em 1985, a partir do trabalho de uma equipe coordenada por D. Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright. A pesquisa que deu origem ao livro foi realizada entre 1979 e 1985 e sistematizou informações de mais de 1 milhão de páginas contidas em 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM). Ou seja, diferente da oficialidade da CONADEP, o trabalho de revelação da verdade foi realizado por particulares, mas teve como base documentação produzida no âmbito do Poder Judiciário. Desse modo, o livro Brasil Nunca Mais foi o primeiro marco na construção da memória e da verdade em relação aos acontecimentos da ditadura militar sob a perspectiva das vítimas. Atualmente, no Brasil, destacam-se especialmente três iniciativas do Governo Federal, que também adotam o espírito do Nunca Mais, com a assunção do Estado de sua obrigação de abordar e revelar os acontecimentos mais violentos do período da ditadura. A primeira é o Projeto Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República18, que tem o objetivo de recuperar e divulgar o que ocorreu no período da ditadura militar brasileira (1964-1985), a partir de registros que giram em torno das 16

FLORES, Julio. Idem, p. 188.

17 Há uma grande influência da psicanálise nessa noção de compulsão à repetição do recalcado, que retorna como sintoma. Inúmeras análises têm se dedicado a essa interessante dimensão do trabalho da memória, priorizando o conceito de sintoma social. Cf. KEHL, Maria Rita. Tortura e sintoma social. In TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir. O que resta da Ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010, pp. 123-132. 18 Este projeto teve inicio em agosto de 2006, com a abertura da exposição fotográfica “Direito à Memória e à Verdade – A ditadura no Brasil 1964 - 1985“, no hall da taquigrafia da Câmara dos Deputados, em Brasília.

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violações de direitos humanos. A justificativa dessa iniciativa é que a disponibilização desse conhecimento é fundamental para o Brasil construir instrumentos eficazes e garantir que esse passado não se repita nunca mais19. As linhas de atuação do projeto são típicas da seara cultural: a) Livro-relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP/SEDH), produzido a partir dos processos encaminhados a esta CEMDP20; b) Memoriais “Pessoas Imprescindíveis”, composto por painéis e esculturas que buscam unir forma e conteúdo para dar aos visitantes uma visão – mesmo que sintética – do que foram os “Anos de Chumbo” no país21.; C) Exposição fotográfica “A DITADURA NO BRASIL 1964 – 1985”, que traz uma ambientação visual que conduz o público em uma espécie de “viagem no tempo”: recupera, de maneira exclusiva, desde os primeiros momentos do Golpe de Estado que mergulhou o país numa ditadura de 21 anos, até os grandes comícios populares das “Diretas Já”. Por sua vez, a segunda iniciativa é a criação, em 200922, do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, denominado Memórias Reveladas, institucionalizado pela Casa Civil da Presidência da República e implantado no Arquivo Nacional. Esta última, inclusive, adotou o slogan: para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça. Por fim, outro passo importante dado pelo Estado brasileiro foi a criação da Comissão de Anistia23, no âmbito do Ministério da Justiça, que tem assumido enorme relevância pelas recentes iniciativas desenvolvidas. Essa Comissão reúne relevante material24 sobre os perseguidos políticos, que devem pedir à administração que seja reconhecida sua situação de anistiado político, com as informações sobre as violências praticadas pelo regime militar. No contexto do julgamento dos 19 A descrição detalhada do projeto nos foi encaminhada por Vera Rota, que ocupou, até dezembro de 2009, o cargo de coordenadora do Projeto Direito à Memória e à Verdade, da SEDH. 20 O livro conta história das vítimas da ditadura no Brasil. A trajetória de operários, estudantes, profissionais liberais e camponeses que se engajaram em organizações de esquerda para combater o regime militar aparece agora como documento oficial do Estado brasileiro. O livro – lançado, em 29 de agosto de 2008, com uma tiragem inicial de 3.560 exemplares – foi distribuído para os familiares de mortos e desaparecidos, bibliotecas públicas e entidades ligadas ao tema. O estado de Pernambuco fez uma edição – lançada em abril de 2008, de 2 mil exemplares – para distribuir para escolas e instituições. A SEDH editou, em dezembro de 2008, mais cinco mil exemplares. 21 Feitos em acrílico e aço naval, os painéis trazem imagens dos homenageados e de situações que representam a repressão violenta do regime. O aço aplicado sobre o acrílico remete à brutalidade, à frieza e ao ambiente claustrofóbico das prisões e dos porões pelos quais passaram. Desde sua implantação, em novembro de 2006, até dezembro de 2010, conforme dados que nos foram enviados por Maurice Politi, foram inaugurados 26 Memoriais pelo país, com 49 exposições pelo projeto, mais 94 exposições instaladas por parceiros. No total, foi atingido um público estimado de 2,8 milhões de pessoas. 22 O Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, denominado “Memórias Reveladas”, foi institucionalizado pela Casa Civil da Presidência da República e implantado no Arquivo Nacional com a finalidade de reunir informações sobre os fatos da história política recente do País. Mais detalhes em: . 23 A Lei nº 10.559, de 2002, que criou a Comissão de Anistia, no âmbito do Ministério da Justiça. A referida Comissão desempenha importante papel na reparação daqueles que tiveram seus direitos violados por razões políticas, tendo julgado, até março de 2011, pouco mais de 60 mil dos 68 mil pedidos apresentados, conforme declaração de Paulo Abrão para a Agência Brasil, em reportagem de Marli Moreira, publicada em 18/03/2011.

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24 No site do Ministério da Justiça há notícia do projeto Marcas da Memória: História Oral da Anistia. Disponível em: . Acesso em 31.03.2010.

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pedidos, a Comissão de Anistia também tem promovido as Caravanas de Anistia, tratamento que amplia os limites da reparação pecuniária, promovendo uma efetiva assunção de culpa pelo Estado brasileiro perante toda a sociedade, bem como cultuando a memória dos que resistiram à ditadura. Essa inovação, adotada a partir de 2008, sob a atuante gestão cuja presidência é exercida por Paulo Abrão, esse projeto tem levado o julgamento dos pedidos feitos pelas vítimas à esfera pública, com sessões abertas aos interessados e em diferentes regiões do Brasil, normalmente relacionadas à história pessoal e de militância dos autores dos pedidos. A iniciativa, embora esteja dentro de um contexto de reparação financeira das vítimas, tem forte teor de reparação simbólica, seja porque a comunidade da vítima toma contato com o reconhecimento oficial da situação de perseguição política e injusta pelo regime autoritário, seja porque há o pedido público de perdão à vítima anistiada, feito em nome do Estado brasileiro. Tais ações e projetos do governo brasileiro são importantes principalmente se levarmos em conta que regimes autoritários latino-americanos adotaram lógicas repressivas que passavam, centralmente, pela exclusão, pelo esquecimento e pelo aniquilamento das diferenças e dos grupos ou indivíduos que as personificam. Esses processos objetivavam não apenas o isolamento, mas o próprio apagamento das identidades consideradas desviantes. Nesses casos, o esquecimento assume outra dimensão, pois não é apenas uma perda acidental ou natural de acesso ao passado, por exemplo, pela ação inexorável do tempo; ao contrário, é politicamente manipulado. Com efeito, em se tratando da memória dos crimes contra a humanidade, tal qual a repressão política da ditadura brasileira, intensifica-se a tensão entre a memória e o esquecimento, sobretudo porque, nessas situações, este último é comumente instrumentalizado como estratégia de poder a fim de garantir a perpetuação de determinada ordem e a impunidade dos que cometerem esses crimes. Assim, a memória aparece como elemento indesejável e perigoso para essa almejada estabilidade. Por isso, “no existe olvido como tal, aunque sí huecos o silencios en la memoria colectiva causados tanto por las políticas oficiales de la desmemoria como por los efectos sintomáticos del trauma”25. Esse tipo de produção do esquecimento e das lembranças, no âmbito oficial, evidencia que a luta pelo passado é sempre uma luta por identidades: o que recordamos e o que esquecemos, respectivamente, informa e desgasta a nossa identidade enquanto grupo ou nação. No mesmo sentido, afirma Ricouer que “la búsqueda del recuerdo muestra 25 REATI, Fernando. El monumento de papel: la construcción de una memoria colectiva en los recordatorios de los desaparecidos. In LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (orgs.). Idem, p. 159.

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efectivamente una de las finalidades principales del acto de memoria: luchas contra el olvido, arrancar algunas, migajas de recuerdo a la ‘rapacidad’ del tiempo (Agustín dixit), a la ‘sepultura’ en el olvido”26. Nessa linha, aí sim afirmando categoricamente a contradição frontal entre lembrança e esquecimento, Ricouer caracteriza o dever de memória como um “dever de não esquecimento”. Daí a centralidade de um trabalho da memória que se oriente no sentido de romper com a lógica do silenciamento, constituindo-se em “expressão da reconquista de autoridade pelo sujeito vítima da violência, que impede a rasura repressiva e traduz a derrota, em última instância, das máquinas de aniquilamento”27. Além das iniciativas de publicação e formação de acervos documentais, é importante destacar iniciativas que projetem e promovam a gestão de monumentos e locais que lembram as atrocidades do passado e as violações de direitos humanos28. Esses sítios devem ser projetados e geridos de maneira que as lembranças da violência sirvam para a cultura de direitos humanos, atendendo à finalidade de educar a comunidade e de proporcionar reflexões que conduzam à não repetição (reiterando a expressão “Nunca Mais”)29. Além de projetar-se ao futuro, consagrando o ideal de não repetição dos traumas sociais, o exercício da memória apresenta importante função de prover reparação simbólica aos que foram direta e indiretamente atingidos pelos atos de arbítrio e violência. Isso pode ocorrer de diversas formas, tanto pelo reconhecimento público do sofrimento que lhes foi perpetrado quanto pela assunção de responsabilidades e atribuição de culpas, abrangendo também as diversas medidas de reparação no plano econômico e social. Nesse sentido, investigar a memória das vítimas, ainda que não seja a única, é uma das perspectivas privilegiadas e que precisam ser levadas em conta na construção democrática de uma memória social justa. Nesse sentido, é de grande importância a contribuição de outra narrativa histórica, assumindo essa perspectiva da memória dos que foram afetados e silenciados. Daí a necessidade de meios de busca e lugares de difusão dessas memórias que foram deslegitimadas e isoladas.

26

Ibidem, p. 50.

27 RIBEIRO, António S.; SANTOS, Cecília M.; MAESO, Sílvia R. Violência, memória e representação. In Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 88. Coimbra, Março de 2010, p. 6. 28 No âmbito federal, o PNDH3, em sua Diretriz 24 – Preservação da memória histórica e a construção pública da verdade – estabelece, como ação para cumprimento do objetivo estratégico de incentivar as iniciativas de preservação da memória histórica e de construção pública da verdade sobre períodos autoritários, a criação e manutenção de museus, memoriais e centros de documentação sobre a resistência à ditadura. 262

29

Ver: . Acesso em 05.02.10.

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3. LUGARES DE MEMÓRIA: CONCEITO MAIS ADEQUADO À REALIDADE BRASILEIRA A construção de memoriais, a proteção de um espaço como lugar de memória, o estabelecimento de datas comemorativas, a formação de museus com temas que busquem prevenir a repetição das atrocidades ou outras formas de homenagem de vítimas são iniciativas de memorialização. Como tais, independentemente do uso de suportes físicos, classificam-se como medidas intangíveis relevantes não somente para as vítimas diretamente atingidas como também para toda a sociedade. Nesse sentido, os atos de memorialização são de grande importância para a sociedade por representarem o reconhecimento público do legado de violência (ou do passado violento)30. A percepção da importância da memória, após a transição ou o retorno para a democracia, é assunto que começa a ser sistematicamente explorado e destacado nas análises teóricas e nas políticas públicas, apesar da memória sempre ter sido um elemento essencial para os direitos humanos e para os movimentos democráticos31. Termo concebido originalmente pelo historiador Pierro Nora, os Lugares de Memória “nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea, de que é preciso criar arquivos, de que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais”32. Seriam constituídos e constituiriam, assim, diversos meios de celebração e cultuação das memórias. No entanto, a contribuição de Nora mostra-se mais restrita para a elaboração de um passado traumático, por dimensionar socialmente o local físico. Nesse conceito de Lugar de Memória, não há como enquadrar de forma adequada os espaços e recordações marginais, as vozes esquecidas e também as memórias consideradas subversivas33. Nesse sentido, Ludmila da Silva Catela critica essa conceituação de Nora, por entendê-la por demais “estática, unitária e substantiva” e propõe a noção mais dinâmica e fluída de territórios de memória. Para a autora, esses territórios referem-se

30 Ernesto Kiza, Corene Rathgeber y Holger-C. Rohne, Victims of War: An Empirical Study on War-Victimization and Victims’ Attitudes. Toward Addressing Atrocities (Hamburgo, Alemania: Instituto de Investigación Social de Hamburgo, Junio 2006), p.119/122. 31 BICKFORD, Louis e SCHULTZ, Debra, Memory and Justice: a Brief and Selected History of a Movement (Part 3), 2009, . Acesso em 05.02.2010. 32

NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, dezembro de 1993, p. 13.

33 BAER, Alejandro. La memoria social: breve guía para perpeljos.In Memoria-Política-Justicia: en diálogo con Reyes Mate, Alberto Sucasas y José A Zamora (ed), Editorial Trotta: Madrid, 2010, p. 137.

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às relações ou ao processo de articulação entre os diversos espaços marcados e às práticas de todos os que se envolvem no trabalho de produção de memórias sobre a repressão; ressalta os vínculos, a hierarquia e a reprodução de um tecido de lugares que potencialmente pode ser representado por um mapa. Ao mesmo tempo, as propriedades metafóricas do território nos levam a associar conceitos tais como conquista, litígios, deslocamentos ao longo do tempo, variedade de critérios de demarcação, de disputas, de legitimidades, direitos, ‘soberanias34 Com certeza, a proposta de Catela é mais abrangente e encontra, inclusive, respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente porque é um conceito importante para a tutela da vida digna para povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais. Porém, a referência a territórios de memória parte do pressuposto de que seus elementos – lugares, documentos, narrativas, histórias e outros bens materiais e imateriais – já estão integrados entre si, compondo e caracterizando o espaço de memorialização. No Brasil, pela incipiência das políticas culturais e de direitos humanos em relação ao tema, é melhor que se apontem instrumentos que protejam cada bem (ou conjunto de bens) singular que integre um território de memória. Sob enfoque diferente de Catela, partindo de Nora e do contraponto oferecido por Sarah Gensburger35 em sua pesquisa sobre os campos anexos ao campo de concentração de Drancy, em Paris, Alejandro Baer destaca a importância de pesquisar e proteger os locais que passaram despercebidos. O autor cita, como exemplo espanhol, o movimento recente de exumação de fossas de fuzilados durante a guerra civil e o franquismo. Na Espanha, algumas associações envolvidas no movimento de recuperação da memória histórica advogam que essas fossas permaneçam onde estão, exceto em situações-limites. Para essas associações, é importante que o local onde se encontram as fossas sejam tratados com dignidade, sejam um espaço de celebração e valorização da memória das vítimas36. Nossa concepção é baseada nos elementos e argumentação fornecidos por Catela em seus territórios de memória, integrando também as preocupações externadas por Baer e as pesquisas de Gensburger. Assim, nossa visão de Lugares de Memória está bem próxima do definido por Sebastian Brett, Louis Bickford, Liz Ševcenko e Marcela Rios. Para esses pesquisadores, Lugares de Memória (ou Sítios de Consciência) são “memoriais públicos que assumem um compromisso 34 CATELA, Ludmila da Silva. Situação-limite e memória: a reconstrução do mundo dos familiares de desaparecidos da Argentina. São Paulo: Hucitec/ Anpocs, 2001, p. 208. 35 Gensburger, Sarah, “Lugares materiales, memoria y espacio social. El recuerdo de los campos anexos de Drancy en Paris”: Anthropos 218 (2008), pp. 21-35. 264

36

BAER, Alejandro. Ob.cit., p. 137-139.

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específico com a democracia mediante programas que estimulam o diálogo sobre temas sociais urgentes de hoje e que oferecem oportunidades para a participação pública naqueles temas”37. Essa definição traz os traços que fazem mais sentido no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente sob a ótica dos Lugares de Memória como bens culturais. Em linhas gerais e em uma concepção mais aberta, o Lugar de Memória é um espaço concebido para cumprir uma função específica no Estado democrático, com a participação da sociedade. Mas, para ser considerado bem cultural, deve exercer as funções democráticas atribuídas a essa categoria de bens. Por isso, se é possível pensar em territórios de memória para os grupos vulneráveis mencionados (povos indígenas, dentre outros), a expressão Lugares de Memórias tem um significado mais claro e direto na perspectiva da gestão e do uso de instrumentos protetivos dos bens culturais para dar conhecimento da verdade à sociedade brasileira e para a reparação simbólica das vítimas da ditadura militar. A expressão também tem repercussão para as histórias não contadas, para a verdade não revelada até agora sobre o passado violento. Daí que a centralidade da criação e gestão de um local de memória se oriente no sentido de romper com a lógica do silenciamento, com a valorização das vozes das vítimas e com a abertura para construção de memórias e ações que não aceitem de modo algum a hipótese de que as graves violações ocorridas no passado voltem a se repetir. A Constituição não define o que é patrimônio cultural brasileiro, mas menciona espaços e sítios com valor cultural quando estabelece, no art. 216, caput e incisos, que “o patrimônio cultural brasileiro é constituído pelos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão; os modos de fazer, criar e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. Por isso, a adoção do termo Lugar de Memória facilmente se vincula à previsão constitucional dos espaços destinados à manifestação cultural (art. 216, inc. IV) ou dos sítios de valor cultural ou de interesse arqueológico como bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro (art. 216, inc. V). No mais, a expressão Lugar de Memória também delimita com maior clareza o bem que

37 Sebastian Brett, Louis Bickford, Liz Ševcenko e Marcela Rios, Memorialización y Democracia: Políticas de Estado y Acción Civil, informe baseado na Conferencia Internacional Memorialización y Democracia: Políticas de Estado y Acción Civil, realizada entre 20 e 22 de junho de 2007 em Santiago, Chile, disponível em: . Acesso em 22.05.2010. Tradução livre dos autores.

265

se deseja proteger (e remete a seu valor cultural), permitindo uma atuação administrativa que lhe destine verbas orçamentárias específicas e que utilize instrumentos protetivos próprios dos bens culturais. No entanto, essa ligação dos Lugares de Memória com o aparato destinado ao patrimônio cultural não impede que os defensores dos direitos humanos trabalhem a concepção de territórios de memória de acordo com o conceito de Catela e que pensem em um perímetro espacial sem contornos tão definidos para congregar harmonicamente manifestações e bens culturais materiais e imateriais que possam traduzir a lembrança das atrocidades em posicionamentos a favor do respeito incondicional aos direitos humanos.

4. VERDADE E MEMÓRIA: OS VALORES DE REFERÊNCIA DOS LUGARES DE MEMÓRIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO A despeito de não ser nosso objetivo esgotar as complexas interrelações entre memória e cultura, fato é que esses dois elementos são estruturantes de qualquer sociedade moderna e apresentam-se, sempre, em íntima vinculação. Isso porque a memória é um fator fundamental de coesão social e veiculação de valores, ocupando lugar privilegiado na edificação da vida cultural e da identidade de um povo. Há uma gama de espaços, usos e veículos para a memória do período da ditadura militar que servem para políticas de não repetição: biografias, diários, livros, escritos, pinturas, esculturas, símbolos, rituais, testemunhos, intervenções políticas, marchas, pesquisas acadêmicas, processos judiciais, datas, políticas públicas, fotografias, retratos de personagens, camisetas, bandeiras, filmes, arquivos, monumentos, obras arquitetônicas, nomeações de logradouros públicos, mobiliários urbanos, sítios virtuais na internet, dentre outros. Todos e cada um desses bens, materiais ou imateriais, convertidos em “espacio de disputa y coexistencia de distintas versiones, donde confluyen lo colectivo y lo individual, lo heroico y lo íntimo”38. Para harmonizar as disputas e selecionar as diferentes versões é preciso que se adotem valores de referência (social, político e cultural) compatíveis com o momento presente.

266

38

REATI, Fernando. Idem, p. 161.

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Dentre esses diversos bens que concentram significados e irradiam sentidos, as produções e as referências culturais de uma sociedade são privilegiadas enquanto reveladoras das relações que esta mantém com sua própria memória. Reciprocamente, a cultura influencia muito o tratamento que a memória de determinado fato receberá por parte da sociedade e de seus grupos. Tal tratamento é refletido nos bens culturais indicados como merecedores de tutela, por serem portadores de valores democráticos, inclusive a memória e a verdade sobre o passado de graves violações de direitos humanos. É o que se verá nos itens a seguir.

4.1. A VERDADE COMO VALOR DE REFERÊNCIA PARA OS LUGARES DE MEMÓRIA A maioria dos países democráticos já debate o tema da identificação e seleção dos bens culturais para a memória e a verdade, mas não há respostas definitivas nem muitos mecanismos consolidados. Como já dito, não há um conceito constitucional de patrimônio cultural, mas há indicação, nos artigos 215 e 216, de características e valores essenciais para que um bem seja considerado como integrante do patrimônio cultural brasileiro. Assim, para ser um bem cultural brasileiro, o bem deve possuir valores de referência ligados à memória, identidade e ação dos grupos formadores da sociedade brasileira. Mas o que seriam valores de referência? Nas lições de José Afonso da Silva, a referência é um signo de relação entre os bens culturais e um elemento precedente no processo de seleção dos bens merecedores de tutela. Em suas palavras: os bens portadores de referência são bens dotados de um valor de destaque que serve para definir a essência do objeto de relação ao qual se prende o princípio da referibilidade considerado. É que, no caso, referência é, também, um signo de relação entre os bens culturais, como antecedentes ou referentes, e a identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, como consequentes ou referidos. Identidade, ação e memória são consequentes ou referidos que portam a ideia de manter com o passado uma relação enriquecedora do presente.39 A adoção da referência como pressuposto (ou antecedente) do bem cultural indica que os significados desse bem possam ser escolhidos pelos diversos grupos que compõem a sociedade 39 José Afonso da Silva, Ordenação Constitucional da Cultura, p. 114 (grifos originais). O autor complementa afirmando que não é necessário que a referência seja um vetor do conjunto desses objetos. Basta que seja pertinente a apenas um: ou identidade, ou ação, ou memória.

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brasileira e não exclusivamente pelo Estado. Assim, no caso de bens materiais ou imateriais vinculados ao período da ditadura militar (1964-1985), a verdade pode ser eleita como a referência mais apropriada para se enriquecer a memória, a identidade e a ação da sociedade brasileira. Acompanhando as lições de José Afonso da Silva, a adoção da verdade como valor de destaque para definir a essência de um bem cultural que remeta à ditadura militar somente tem sentido quando a memória (consequente ou referida) mantiver uma relação intrínseca com a não repetição. Em outras palavras, os Lugares de Memória são bens dotados de valores de referência que servem para a revelação e o conhecimento da verdade sobre as práticas violentas da ditadura militar ou sobre a resistência a essas atrocidades por grupos da sociedade civil. Assim, a referência desses locais/espaços físicos é a verdade, a revelação do acontecimento violento. E a memória desse período, como consequência da verdade/referencialidade, deve manter com o passado uma relação de não repetição, de Nunca Mais. O propósito essencial da verdade como valor democrático é permitir que se recorde um acontecimento violento para que se possa recuperá-lo enquanto memória viva, diante do que se torna possível registrar sua visibilidade pública e significá-lo como algo eticamente inaceitável ou que, ao menos, deva ser refletido coletivamente. Em outros termos, esse dever de memória no sentido de forçar a lembrança de uma grande afronta à dignidade “supone resguardar como bien público el símbolo visible de esa ignominia”40. A verdade é usada como valor que indica que não basta manejar a memória no sentido de recuperar um passado para mantê-lo como objeto de museu, em mais uma das estantes decorativas da história. A verdade deve ser usada como valor de referência que tem por finalidade recuperar esse passado de graves violações de direitos humanos para enriquecer e transformar o presente. Como afirma Vezzetti, “la condición básica que permite afirmar la memoria como deber y como derecho es que el pasado significativo permanezca disponible y abierto a la deliberación sobre sus efectos, en un presente que queda, así, transformado”41. Nesse mesmo sentido, “la memoria es una forma de traer el pasado pero sólo para abrir otra cosa, nueva, que recuperar lo vivido sin la tara de la repetición”42. Assim, a verdade como referência e a memória como consequente (ou referida) não apenas preenchem o bem cultural de significado, mas demandam ações e medidas contra a repetição das violências. E a rememoração é uma das iniciativas que vincula o presente (democrático) e o passado (autoritário).

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40

GONZÁLEZ, Horacio. La materia iconoclasta de la memoria. In LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (orgs.). Idem, p. 32.

41

VEZZETTI, Hugo. Sobre la violencia revolucionaria: memorias y olvidos. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2009 p. 37.

42

CALVEIRO, Pilar. Memoria, politica y violencia. In LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (orgs.). Idem, p. 61.

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Nesse contexto, a verdade pode ser veiculada na obrigação do Estado de recordar as atrocidades praticadas no passado para que nunca mais aconteçam. Esse também é o entendimento estampado na diretiva da Organização das Nações Unidas, datada de 2005 e chamada de Conjunto de princípios atualizados para a proteção e a promoção dos direitos humanos na luta contra a impunidade43, que foi produzida por sua Comissão de Direitos Humanos. Nesse documento, é reconhecido que os povos têm não apenas o “direito inalienável” de conhecer a verdade a respeito de crimes do passado, mas também que os Estados têm o dever de recordar esses acontecimentos.

4.2. OS VALORES DE REFERÊNCIA DOS LUGARES DE MEMÓRIA O valor de referência é o critério que norteia a seleção dos bens culturais, independentemente do contexto em que tais bens são selecionados. Por isso, nos vários contextos de seleção, mais importante do que a admiração que os bens possam despertar é a reflexão que suscitam. Segundo Joseph Ballart Hernández e Jordi Juan i Tresserras, os valores de referência podem ser classificados em três categorias: valor de uso, valor de forma e valor de símbolo44. Após o retorno à democracia e à paz, cada povo precisa encontrar seu caminho para enfrentar a violência do passado recente e implementar mecanismos que garantam a efetividade do dever de memória e do direito à verdade. É consenso na doutrina internacional que não existe um modelo único para lidar com o legado de graves violações de direitos humanos praticadas no curso de um regime autoritário. Porém, de modo sistemático, a comunidade internacional menciona dentre as obrigações elementares dos Estados o oferecimento de mecanismos e instrumentos que permitam a elucidação de situações de violência e que garantam a reparação das vítimas, inclusive simbolicamente45. A partir dessas obrigações do Estado para a justiça de transição, o Lugar de Memória terá valor de uso (valor informativo-científico) quando servir para atender à necessidade concreta e contemporânea de conhecimento do passado e de revelação da verdade sobre os acontecimentos mais sórdidos da ditadura militar e à resistência a essas práticas. O valor de uso desse espaço de consciência pode ser menos imediato e intangível, ou imediato e direto, neste caso, tangível: “apreciamos um valor de uso tangível quando as qualidades do bem, como sua materialidade, 43 UN Commission on Human Rights, Report of the independent expert to update the Set of Principles to combat impunity, 18 February 2005, E/CN.4/2005/102. Disponível em Acesso em 01/09/2009. 44

Ver Joseph Ballart Hernández e Jordi Juan i Tresserras, Gestión del patrimonio cultural, p. 20/22.

45 A construção doutrinária se firmou no sentido de que os Estados estariam vinculados ao cumprimento de tais obrigações e essa doutrina (de vinculação estatal) ganhou um suporte jurídico importante quando do julgamento do caso Velásquez Rodríguez v. Honduras pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 1988.

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fortaleza, forma ‘útil’ e possibilidades de uso prático, o tornam útil para satisfazer as necessidades ou desejos, incluindo a possibilidade de um consumo finalista”46. O uso tangível do Lugar de Memória passa pela adequação do espaço físico, que pode ser público ou privado, para outro uso que efetive o direito à memória e verdade, promovendo o conhecimento sobre o passado violento. A adaptação do prédio ou local para novo uso, com fins educacionais (educação para os direitos humanos e da história recente do país), é viável juridicamente mesmo que esse bem imóvel ainda seja utilizado no presente para a mesma atividade do tempo da ditadura. Assim, por exemplo, no caso de eventual tombamento do DOICODI, ocorreria a adaptação de uma delegacia para um Memorial. O valor de uso intangível do Lugar de Memória comporta benefícios menos concretos e perceptíveis no curto prazo, pois a atribuição do valor ao local decorre da possibilidade de se extrair dele informações: mediante a investigação sobre o objeto (em relação a outros objetos e no contexto cultural que lhe é próprio) podemos incrementar nosso conhecimento histórico, nosso conhecimento técnico e nosso conhecimento geral sobre as sociedades passadas e presentes. Os instrumentos, os métodos e o tipo de perguntas que devemos dirigir ao objeto são oferecidos pela arqueologia, história, história da arte, a geografia histórica, a antropologia, ou seja, pelas disciplinas relacionadas com os estudos humanísticos e sociais, bem como pela teoria da ciência47. Sem dúvida, além da finalidade de consolidação da democracia após a transição de um período de ditadura militar, sob a ótica do valor de uso intangível, a concepção e a gestão dos Lugares de Memória devem se basear na produção de informações que sejam úteis para a consolidação de uma cultura de respeito aos direitos humanos, bem como para o conhecimento histórico e a reflexão mais acurada sobre as medidas mais eficazes para que as atrocidades cometidas nunca mais voltem a se repetir. O valor estético é aquele que decorre da avaliação do bem pela “atração que desperta nos sentidos e em função do prazer estético e a emoção que proporciona, mas também em função de outros atributos difíceis de conceituar, tais como raridade, preciosidade, aparência exótica ou genial (é o artista ou a obra que é genial?)”48. No atual sistema de Justiça brasileiro, a proteção

270

46

Joseph Ballart Hernández e Jordi Juan i Tresserras, ob. Cit, p.20, tradução livre dos autores.

47

Joseph Ballart Hernández e Jordi Juan i Tresserras, Gestión del patrimonio cultural, p. 20/21.

48

Ob.cit., p. 21.

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do bem cultural não depende do valor estético, pois a Constituição estabelece, em seus artigos 215 e 216, que os valores de referência não estão ligados ao belo ou ao excepcional, mas sim ao que é relevante para os grupos formadores da sociedade brasileira (referencialidade).

A violência, a tortura e outros suplícios praticados contra o cidadão devem ser conhecidos e reconhecidos como o inverso das práticas democráticas

A

referencialidade

indica

ser

dispensável

o

enquadramento do bem nas características de beleza indiscutível, de excepcionalidade, monumentalidade e oficialidade. A perspectiva do valor estético é da escolha de dentro para fora, do mais próximo para o mais distante. Por isso, os bens valorados podem ser portadores de atributos absolutamente inesperados, desde que destacados pela comunidade. Como pensar em valor estético de um local que lembra atrocidades, que revela o sofrimento de vítimas, expõe feridas e dores – muitas vezes sem cicatrização? Qual é a demanda que justifica a implantação e a manutenção desses lugares? Tendo em conta a

natureza sabidamente traumática dessas experiências da humanidade, por quais razões valeria desencadear recordações de tão desagradável lembrança? Não seria melhor relegá-las àquelas páginas pouco visitadas da história? À primeira vista, essa pareceria a saída mais adequada para livrar-se de um passado indesejável que não mais pode ser reivindicado, eticamente, no presente. Entretanto, a importância de recordar fatos desse tipo justifica-se por motivos de diversas ordens. Ainda que não pretendamos exauri-los neste artigo, vale destacar os mais importantes. Em tempos mais recentes, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, foi acentuada a dimensão ética da contraposição entre a afirmação de um patamar mínimo de cidadania e os episódios de violação sistemática aos direitos fundamentais. Assim, o valor estético do horror não é uma peculiaridade brasileira. Ao contrário: a consciência de que, após eventos sociais traumáticos, não é possível retomar com naturalidade a convivência democrática do ponto em que esta foi bruscamente interrompida intensificou a problematização da memória, bem como de seus efeitos para a transição e a consolidação democráticas. Nesse sentido, é possível pensar numa estética do horror, não para contemplá-lo, mas sim para rejeitá-lo pública e definitivamente. A violência, a tortura e outros suplícios praticados contra o cidadão devem ser conhecidos e reconhecidos como o inverso das práticas democráticas. Assim, a estética das graves violações dos direitos humanos deve ser um valor de referência

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estéril no presente, presa no passado, apresentada ao visitante do Lugar de Memória por demandas ligadas à justiça, verdade e memória. Nos Lugares de Memória, nada há de belo ou do esteticamente encantador, como ocorre com outros tantos bens culturais. O valor simbólico (valor associativo) atua como presença substitutiva de alguém ou algo do passado. Assim, o valor simbólico é conferido a objetos históricos. Estes têm valor especial pela característica singular de participarem ao mesmo tempo do passado e do presente, servindo de nexo entre os momentos temporais: Logicamente ao considerar um valor simbólico nos objetos do passado, abordamos o objeto como veículo de transmissão de ideias e de conteúdos, como veículo de comunicação entre mundos distintos. Como veículo de comunicação, o objeto é portador de sentido, quer dizer, de significado. A compreensão dos significados do objeto histórico constitui o núcleo que chamamos de interpretação. Mas o significado dos conteúdos simbólicos não é fixo, nem eterno; varia com o tempo. (...) Assim, o objeto vai adquirindo uma gama de significados específicos de caráter simbólico que não só aparecem aos olhos dos especialistas, mas também se fixam no imaginário de cada geração. Portanto, com o tempo, o bem patrimonial não só vai adquirindo novos significados, mas também vai adquirindo um novo valor.”49 Os Lugares de Memória são veículos de transmissão da ideia do Nunca Mais e simbolizam a importância dos valores democráticos e do respeito incondicional aos direitos humanos no Estado Democrático brasileiro. Por isso, a importância de preservar os elementos que remetem ao que não pode se repetir. Assim, os visitantes de um Lugar de Memória devem ter acesso aos suportes que lembram o horror, a tortura e o desrespeito à vida e à integridade física. Louis Bickford observa que “many people still need monuments to offer accessible spaces for ceremonial or spiritual activity, or provide emotional solace. These kinds of projects are also very connected to the idea of symbolic reparations”50. Nessa perspectiva, os chamados Lugares de Memória (ou sítios de consciência51) servem como mecanismo extrajudicial para reparação simbólica das vítimas da ditadura e da sociedade. Esses Lugares de Memória têm um potencial que atinge também o Estado, que, por meio de sua implantação e gestão, pode expressar pública e oficialmente seu repúdio às violações cometidas por seus agentes e ao negacionismo.

272

49

Joseph Ballart Hernández e Jordi Juan i Tresserras, Gestión del patrimonio cultural, p. 22.

50

Entrevista de Louis Bickford à Revista Transitions, do ICTJ, Novembro de 2009, p. 1.

51

Sobre a rede mundial de sítios de consciência, consultar: .

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5. CONCLUSÕES A partir da análise da importância da memória coletiva para a justiça de transição, procuramos trazer pontos ainda pouco explorados no caso brasileiro: os valores de referência que pautam a criação e a concepção dos Lugares de Memória no Brasil. Nossa concepção é que a memória coletiva é sempre uma construção, feita de consciência e vontade, levada a cabo por ações grupais; nunca é automática ou espontânea. Como não se trata de um dado natural, a memória não pode contemplar apenas as versões oficiais da história, mas também os dissensos. Além disso, o exercício efetivo da memória não se resume, apenas, a incluir uma efeméride no calendário festivo, a construir um cerimonial de homenagem ou mesmo a erguer um memorial às vítimas da ditadura. É a combinação entre essas diversas iniciativas, acervos e lugares que potencializa a ação singular de cada um deles, constituindo um mapa ou uma topografia da memória capaz de enriquecer os sentidos do contexto democrático atual, compartilhados pela coletividade, numa perspectiva intra e intergeracional. No Brasil, apesar de algumas iniciativas e da existência de locais referentes à memória, que ainda não foram analisados sob a ótica dos bens culturais, nossa pesquisa se limitou a analisar a memória veiculada em espaços físicos que remetam à violência praticada na ditadura militar, os Lugares de Memória. Analisamos o Lugar de Memória como um bem cultural que, para atender à sua finalidade, é concebido e gerido para lidar com o passado de graves violações após o retorno à democracia. Por ser bem cultural, o Lugar de Memória pode lançar mão de instrumentos protetivos, nominados na Constituição, como tombamento, inventário, registro, desapropriação e vigilância, ou outros tantos não nominados. No entanto, optamos por não abordar neste artigo esses mecanismos de tutela dos Lugares de Memória, mas sim os valores de referência que servem de base nas tarefas de seleção e gestão desses espaços. Assim, apresentamos uma breve reflexão sobre os valores de referência a serem adotados pelo Brasil para enfrentar seu passado violento, com a finalidade de contribuir para o processo brasileiro de justiça de transição, oferecendo um outro subsídio para as outras etapas da construção da memória e revelação da verdade.

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RENAN HONÓRIO QUINALHA Graduado e Mestrando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Graduando em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Membro do IDEJUST (Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição).

INÊS VIRGÍNIA PRADO SOARES Mestre e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pesquisadora de Pós-Doutorado junto ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP) e Membro do IDEJUST (Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição). Procuradora da República em São Paulo.

A MEMÓRIA E SEUS ABRIGOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS LUGARES DE MEMÓRIA E SEUS VALORES DE REFERÊNCIA Resumo: O presente artigo aborda as potencialidades da memória para enfrentar um passado de graves violações de direitos humanos, especificamente para lidar com as práticas violentas decorrentes da ditadura militar brasileira. A partir da análise da memória, os autores tratam das recordações materializadas nos Lugares de Memória, considerando o teor cultural desses locais. E, por fim, abordam os valores de referência que informam esses espaços, analisando em que medida é possível considerar os Lugares de Memória portadores de valores de uso, estético e simbólico. Abstract: This article analyzes the memory potentialities to confront a past of serious human rights violations, particularly to deal with the violent practices from the Brazilian military dictatorship. Through the analysis of memory, the authors discuss the remembrances in Sites of Conscience, considering the cultural purport of these areas. At last, the authors discuss the reference values that inspire these places, analyzing to wath extent it is possible to consider the Sites of Conscience as useful, aesthetic and symbolic values.

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FONTE: ARQUIVO NACIONAL

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