A meta-narrativa de Braid e os jogos digitais como objeto de arte

October 11, 2017 | Autor: Jordi Timón | Categoria: Game Theory, Game studies, Serious Games, Game Design, Video Game Art and Animation
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A META-NARRATIVA DE BRAID E OS JOGOS DIGITAIS COMO OBJETO DE ARTE Jordi Angelo Timón Frias1

Considerado um marco na história dos videogames Braid revolucionou o modo como os jogos digitais eram percebidos até então ao fundir jogabilidade, game arte de forma única referenciando o universo imagético gamer para criar uma meta-narrativa sobre o próprio ato de jogar. Braid é um jogo criado por Jonathan Blow, com arte do ilustrador e cartunista David Hellman, vencedor na categoria “Innovation in Game Design”, durante o Independent Game Festival de 2006 ainda em uma versão preliminar, sem o acabamento artístico. A versão definitiva do game foi lançada em 2008, originalmente para Xbox 360 e posteriormente para demais plataformas incluindo os três principais sistemas operacionais de computador. Braid é tido por muitos como um divisor de águas no cenário gamer. Seu criador Jonathan Blow contrariou diversas tendências tanto na parte de game designe quanto no modo como a arte é utilizada nos games. Blow também se preocupou em como os games podem ser utilizados enquanto uma mídia expressiva e para trabalhar em cima disso ele fugiu do formato holywoodiano de contar uma história (i.e. Metal Gear Solid e Spec Ops: The Line) e consequentemente se afastou das tendências que viam artisticamente os games como herdeiros do Cinema. Musicalmente o game usa musicas licenciadas de diversos artistas escolhidas pelo próprio Blow, a escolha de não usar uma trilha sonora composta especialmente para o game aconteceu tanto por questões financeiras, é economicamente mais viável licenciar musicas do que contratar um compositor, e em segundo lugar, da mesma forma que em Hotline Miami (musicas licenciadas na internet) e Capsized (aonde os desenvolvedores criaram um jogo para um álbum que já existia, algo até onde eu sei inédito), Blow argumentou que compositores acostumados a compor para games não entregariam um trabalho de valor artístico e ficariam presos a estereótipos de como deve ser uma trilha sonora pra um game, que obviamente não combinariam com o que Blow e Hellman estavam querendo para Braid. Além disso, de uma perspectiva literária Braid se comporta mais como uma produção “contemporânea”, o texto fragmentado não possui uma sequencia cronológica, e a história é relativa à compreensão de cada pessoa sobre a obra do que como as crônicas típicas dos jogos mainstream. É notável também como Blow utiliza metáforas a partir do gameplay para “contar” essa história, essas metáforas são parte essencial do designe dos quebra-cabeças, da mesma forma que a escolha da arte visual do game é cheia de referencias aos primeiros jogos com o personagem Mario, especialmente Donkey Kong, produzido pela Nintendo, essas referencias, aliás, assim como outros elementos visuais também compõe esse “contar” sem usar palavras. Jonathan Blow criou Braid como uma série de quebra-cabeças distribuídos em diferentes “mundos” e em cada um desses “mundos” o tempo poderia ser controlado por um conjunto de regras próprias. Cada uma dessas regras, que também podem se comportar com habilidades são metáforas sobre o tempo, sobre a experiência vivida, o passado. O game incita a pergunta: será que o errar tem de ser tão duro e fatal, será que nós não poderíamos aprender como o nossos erros, mudar o passado e projetar o futuro? Por isso que ao morrer pela primeira vez, o jogador aprende que pode segurar um botão e reverter o tempo, aprender com seu erro e superar o obstáculo. Os quebra-cabeças, chamados puzzles em inglês correspondem em descobrir como obter um numero determinado de peças de quebra-cabeça, jigsaws pieces em inglês, essas peças são usadas para formar uma imagem que se relaciona subjetivamente com o “mundo” aonde as peças foram obtidas, essas imagens assim como o texto não seguem uma ordem cronológica e não narram uma história, mas contam coisas, cujo significado é restrito à relação da imagem com o universo psicológico de cada jogador. Em jogos de videogame, existe uma cultura de tentativa e erro que remanesce dos arcades, a repetição é encorajada de forma a possibilitar: a) uma exploração do ambiente de jogo e seus segredos; b) memorização da ordem e ritmo dos obstáculos que com o tempo e por conta das repetições passam a ser superados de 1

Graduando do Curso de Licenciatura em Artes Visuais CEART - bolsista PIBIC/CNPq.

forma mecânica pelo jogador; c) aprendizado das regras do jogo. O que Blow fez foi tirar o contador de vidas, e com isso a pressão que recaía sobre o jogador de ter um limite de tentativas e permitir maior imersão no game, além disso, ele também incorporou o discurso que sustenta o seu gameplay e o expandiu enquanto um aprendizado para a vida, o catalizador da reflexão é o personagem/avatar que se revela através dos textos fragmentados pelos mundos... A leitura durante o game também é outra escolha interessante, pois força o jogador a interiorizar o texto e não receber ele entonado por um dublador que já determinaria de certa forma o tom e o ritmo de como a mensagem seria apreendida, assim o momento de leitura desses texto pode ser um momento introspectivo em si. O sucesso de critica e financeiro de Braid possibilitou uma abertura de mercado para artistas e desenvolvedores independentes e paralelamente a isso o debate em torno da situação criativa da indústria de games ganhou novo folego, assim como a distancia entre desenvolvedor e gamer, onde, como Walter Benjamin fala da literatura, a diferença entre autor e leitor fica tênue, cada leitor é um autor em potencial e conforme as possibilidades técnicas melhoram, mais fácil fica de se passar de um para outro, da mesma forma que aconteceu com a literatura está acontecendo agora com os games. Braid passa a ser citado tanto por desenvolvedores quanto por críticos como um marco artístico em um mercado marcado por entretenimento juvenil e machista usando-se de temas que fogem da violência e heroísmo.

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