\"A METAMORFOSE DA EVA: TOBIAS BARRETTO E A QUERELA DO FEMININO\"

June 16, 2017 | Autor: Leticia Pereira | Categoria: História da medicina, Teoría de género y feminismo, Século XIX
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A METAMORFOSE DE EVA: TOBIAS BARRETTO E A QUERELA DO FEMININO

No ensaio “A alma da mulher”, Tobias, tendo em vista uma conferência realizada por ministrada por AdolphJellinek, em 1873 no Ginásio Acadêmico de Vienna, intitulada “A psiqué da mulher”(“Die PsychedesWeibes”), 1se detéma analisar a psicologia do feminino fato este que tornar-se-ia pomo de discórdia inclusive entre a classe médica. Prefacialmente, Tobias cita Jellinek quando refere que “A essencia feminina como um fenômeno particular da vida natural e humana, tem sido sempre apreciada, nas diversas phases do desenvolvimento do espirito e da historia dos povos; a mulher,porém, como personalidade, com todos os atributos que se ligam a este conceito,foi só nos tempos modernos que se tornou objeto de serias indagações e fortes debates.” (MENESES, 1883, p. 08). Osaber médico naquele contexto em que Tobias se inserira, que desde o século XVIII se norteava pela forte convicção de que existiam palpáveis distinções entre homens e mulheres que residiam no corpo feminino, cuja anatomia biológica determinara o fado determinista das mulheres no imaginário feminino neste introito. Um sem-fim de ensaiosforam escritos por médicos movidos por intentos políticos e culturais, produzindo discurso acerca da diferença entre os sexos, transformando o corpo feminino um objeto corrente de investigação cientifica e a feminilidade uma temática de frementes discussões, tendo em vista a (pretensa) inferioridade física e intelectual da mulher mediante a comparação entre o peso do cérebro de homens e mulheres, com base na anatomia e fisiologia das diferenças sexuais. Um embate entre dois deputados em 22 de março de 1879 na Assembleia Provincial do Pernambuco ilustra estas alterações. Tal polêmica fora encetada por umapetição do ano 1878 de Clodoaldo Alves de Oliveira, jornalista e advogado republicano perante a Assembleia Provincial para que sua filha Josepha Águeda Felisbella Mercedes de Oliveira,pudesse se deslocar para os Estados Unidos para estudar Medicina, possibilidade esta vedada às mulheres naquela época. Tobias Barretto sendo assim solicita a concessão de recursos do governo da Província para custear os estudos de Josepha. A moça suplicara: “Concedam-me uma bolsa de estudos e serei útil à minha Provincia”. (HAHNER, 1990, p. 58). Afinal, Josepha acabara

1 JELLINEK, Adolph. Die Psyche des Weibes: Vortragim Saale des akademischen Gymnasiums in Wien. Vienna: Holger, 1872.

sendo subvencionada pelo Barão de Nazareth e desloca-se para os Estados Unidos estudar no New York Medical College and Hospital for Women. Com argumentos pífios oriundos do determinismo biológico, o médico-cirurgião e deputado Malaquias Gonçalves votou contrariamente ao pedido de Josepha, alegando uma incompetência natural inerente a condição feminina, cuja compleição física é fraca e cujo cérebro é anatomicamente inferior ao masculino para o estudo da Medicina, com base em dados craniométricos de acordo com a antropometria de então. Em face disso, Tobias Barreto refuta a teoria defendida por Malaquias assoberbado de um saber médico acerca do tamanho e peso do cérebro da mulher, a que considera “decrepita, sem razão de ser.” 2 Tobias ao sustentar seus argumentos dá exemplo de mulheres europeias

bem sucedidas e que

completaram o curso de Medicina naquele contexto. De acordo com ele, “a questão de saber se a mulher póde estudar e exercer a medicina, já não é uma tal, já não tem caracter problemático para o alto mundo scientifico..”(MENESES, 1900, p. 53). Menciona que, no ano 1867 fora, mediante ato solene, conferido na Universidade de Zurich o grau de doutoramento em Medicina à russa Nadeschda Suslowa,denotando a atitude pioneira europeia em dar o “primeiro impulso para um dos maiores movimentos dos tempos modernos”.(MENESES, 1900, p. 53). Tobias, enérgico em suas convicções, se refere ao gesto de morredouro no foz de ideias das teorias defendidas por Malaquias que queda a “abraçar-se com o cadáver de uma theoria inanida, que já não pertence aos nossos tempos, que deve ser enterrada na mesma fóssa, em que dorme o pobre dogma do pecado original, de quem ella é filha bastarda.”(MENESES, 1900, p. 48). No processo de demonização da figura feminina a culpar a queda de Adão pela apetência da Eva, critica a pretensão de comprovar a diferença entre os sexos e por conseguinte a inferioridade psicológica feminina. [Malaquias] pretendeu demonstrar a inferioridade da mulher, sua dependência perpetua em relação ao homem, sua inaptitude para os estudos sérios; tudo isto escripto, como elle pensa, no proprio cérebro feminino: o que, entretanto, não passa de uma espécie de buenadicha, pela qual se tem a pretenção de lêr na massa cerebral da mulher o seu predestino, os limites do seu desenvolvimento, o acanhado de sua intelligencia....(MENESES, 1900, p. 48-49)

Tobias pretendera demonstrar que a pretensa inferioridade feminina estava atrelada à circunscrição doméstica a que estivera atrelada dada sua condição, papel este que lhe fora

2

“... a theoria sustentada pelo nobre deputado, o sr. Dr. Malaquias já de há muito retirou-se do combate, envergonhada de si mesma, theoria decrepita, sem razão de ser, pretendida physiologica da mulher condemnada por natureza à incapacidade e ao atraso mental, theoria que já hoje, no mundo da sciencia, representa o mesmo papel, que representa, no mundo poético, a insulsa maldição clássica dos vales indignados contra as Marílias sempre ingratas, as Marcias sempre cruéis, as Jonias sempre traidoras,(MENESES, 1900, p. 47).

impingido pela sociedade sem chances de contradita.Em Tratado sobre a Emancipação da mulher e direito de votar, de 1868, e cuja autoria é desconhecida o qual, ao tratar daquilo que intitula “Funcções Publicas da Mulher”, ao esclarecer que o labor doméstico não esgota as capacidades do ser humano do sexo feminino, aduz: “a mulher nasceu livre, e a mulher geme em ferros.”3, já era tempo que a mulher passasse ao estado da independencia nesta época em que tudo grita por liberdade. A mulher e o homem são o mesmo corpo; como então seus direitos são tão desiguaes? Triste sociedade onde um está no throno, e o outro no pó .

(A.R.T.S, 1868,p. 30) Enquanto deputado, Tobias arrogou para si a incumbência de elaborar um projeto de lei que visava forjar uma instituição de ensino superior para mulheres em Pernambuco. Seu objetivo era que se criasse uma escola de ensino médio e superior, que oferecesse instrução literária e profissional, a que sugeriu se chamasse Parthenogógio.Lamentavelmente, no ano seguinte, após o termino de seu mandato, o projeto fora retirado de pauta por ser considerado despudorado e inclusive, imoral.Ao comentar o malogro de seu projeto, expõe que seu intento era tão-somente corroborar para a evolução intelectual da mulher, uma vez que acreditava que a educação seria o ponto fulcral deste processo evolutivo. Repulsava a instituição de uma educação feminina voltada exclusivamente para o ambiente familiar. Refutando teses médicas, esclarece que a educação tinha um caráter evolutivo, de modo a conferir à mulher a “transformação das potencias, o aumento dos predicados”4, e fazendo com que a mesma fosse considerada apta a funções outras que não estivessem adstritas ao casamento e à maternidade.Avesso portanto ao determinismo, árduo crítico das ideias spenceristas e das variantes da teoria do selecionismo natural e em especial do conceito de determinismo biológico que considerara avesso ao livre arbítrio, se vale do conceito de evolução enquanto desenvolvimento, à luz de uma tradição de remonta Geoffroy SaintHillaure a Lamarck e Haeckel. Bem verdade é que sua visão pioneira acerca da condição da mulher comporta limites inerentes à época. Era Barretto um liberal relativamente à defesa do acesso das mulheres ao ensino superior, ao exercício de uma profissão e a uma posição igualitária mediante as 3

“As funcções domesticas não são bastantes para a mulher: como se o homem não devesse ser mais que marido e pai. Depois que se acabam os trabalhos domesticos,resta muito tempo ainda para outras cousas.” (A.R.T.S., 1868, p. 30). 4 “... já não basta alegar que a mulher é um ente fraco, mais receptivo que productivo, mais sensível que intelligente, etc.etc.; por quanto tudo isso se concede, mas tudo isto não involve para ella a impossibilidade de uma adaptação superior à herança e por conseguinte de uma transformação de potencias, de um augmento de predicados. – MENESES, 1883, p. 13).

relações conjugais; todavia emitia posições mais contidas em relação aos direitos políticos, considerando que ele não defendera que ele era veemente ao defender a “emancipação scientifica e litteraria” da mulher todavia não considerava fosse oportuno naquele contexto ser conferido à mesma a possibilidade de desempenhar função de deputada ou presidenta da Província.Quanto a isso, se autodeclara um relativista: atendo muito às condições de tempo e de lugar. Não havemos mister, ao menos em nosso estadoactual, de fazer deputadas ou presidentas de província.(MENESES, 1900, p. 64). Tobias é contundente a criticar as teorias fisiológicas do corpo feminino

da mesma forma que as bohemias feiticeiras leem na palma da mão a sorte boa ou a má de quem quer que a ellas para isso se oofereça. Dar-se-há que ella se arrogue o dom de predizer e ser infalível em suas predicções? ... A physiologia, da qual aliás dias um homem competente, que seve ser muito autorisado pelo nobre deputado, o Sr. August Laugel, (....) da qual se diz sábio que, como todas as sciencias na infância, está sobrecarregada de observações, ou falsas ou incompletas ?! .... (MENESES, 1900. p. 49).

A contribuição de Tobias, em que pese suas limitações,são de grande valia à medida que ousa criticar todos aqueles que até então versavam grandiloquentes acerca da questão da mulher. De acordo com ele, existem três fases históricas que se distinguem no que tange à questão da mulher: uma fase poética e retórica, simbolizada pela figura da deusa; a fase da “execração, que diaboliza a figura da mulher; e a fase do realismo científico, em que os “doutos”, médicos e cientistas, consideravam ter um saber sobre a figura feminina. (MENESES, 1883, p. 15)5. A este tocante,Tobias então refere no domínio gynecologico alguma cousa de semelhante ao que se dá no domínio astronômico: por mais longe que va o espirito observador,nunca poderá afirmar ter conhecido tudo que é cognoscivel e capaz de entrar no campo objectivo dos seus instrumentos de observação; e é justamente esta esfera de conjecturas e pressentimentos, tangente ao circulo, grande ou pequeno, do nosso saber, quer no districto das estrelas, quer naquele dos belos olhos femininos, que ha de sempre constituir o mundo da poesia. (MENESES, 1883, p. 15)

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Não hei mister de dizer com Olympia de Gourges, uma celebre decapitada de 93: se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ella deve ter igualmente o direito de subir à tribuna; o que é de certo uma bonita aspiração, mas não deixa de ser também um pedido exagerado. E tão pouco tenho necessidade de istracolocar-me no ponto de vista do emancipacionismo russo e americano para reclamar, em favor das mulheres, o exercício das funcções, que elllas ainda não podem exercer; para fazer, em seu nome, exigências extravagantes, que se culminam na pretensão extrema,não só de uma igualdade de direitos como até da igualdade no trajo. Nem tomarei por norma o grito de alarma das mais illustres representantes do radicalismo feminino, as Paulinas Davis, as Lucrecias Mott, ElisabethsStanton e não raras outras agitadoras do tempo. (MENESES, 1900, p. 109)

Tobias analisa a contribuição de Jellinek, ressaltando a importância de suas ideias, apontando todavia seus equívocos ao esclarecer que, a despeito do fato de apresentar suaves avanços em relação ao pensamento intelectual ligeiramente anterior acerca de questões de gênero, patenteia os ares de temor da emancipação da Eva que perpetuam o liame inquebrantável que emudece a flor às custas da “pretenção fradesca de não abrir no gyneceo nem sequer uma janella, (...) e de permitir-se apenas uma fresta por onde a mulher veja somente o ceu.”(MENESES, 1883, p.11)6.Jellinek não consegue transpor esta barreira, e segue à sombra da “velha intuição judaico-cristã”, prolongando um pensamento da mulher a um só tempo rainha do lar e açambarcada por tal condição; questiona-se, por conseguinte,de que modo, em um país que abarcara estudiosas tais como Betty Paoli ou Joana Leitzenberger “.. e outras muitas naturezas demoníacas, com phrases de passageiro efeito e sediços conselhos de prudência.”7

Eu não duvido em subscrevê-lo: a mulher com qualidades masculas, a mulher ossuda e barbada, é na verdade um phenomeno chocante, e autorisa-nos a pressupor uma grande diferença entre os papeis de cada sexo; mas também é certo que, em quanto se nos não explicar plausivelmente, porque razão, uma vez admitida a unidade de lei no desenvolvimento das espécies, o pavão, por exemplo, é mais bonito que a pavoa, o gallo mais que a galinha, o novilho mais que a novilha, o leão mais que a leoa, só a mulher entretanto é mais bonita que o homem, nós temos o direito de admitir uma superioridade feminina e de reclamar para ellas as regalias que entendemos competir-lhe. (MENESES, 1883, p. 14)

À luz de Julius Froëbel, preleciona que toda cultura se inicia em oposição ao que é natural; em face disso, desde os tempos primevos, a mulher foi tolhida de seu desenvolvimento natural e, sendo assim, dilucida que a instrução é o modo de retificar este equivoco e assim restabelecer o viço da “flor de ethereaessencia”8

Desta espécie de renascimento do sexo feminino depende, em alta escala o futuro da humanidade. Quem espera fructos do futuro, diz Henrique vonSybel, deve bem cuidar das flores da actualidade, e a melhor florescência de um povo são justamente as suas mulheres.(MENESES, 1883, p. 19).

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Fazei o bem : sobre a terra/E' a belleza suprema;/Tem mais luz do que um poema, /Vale mais do que um trophéo.(...)/Deus perdoa ao mundo ingrato,/E aos suspiros de quem soffre,/Tem sempre aberto o seu cofre/De amor e consolação. /E desse amor o perfume, /Que alimenta a caridade, /No seio da humanidade /Brotal-o quando Deus quer, /Lançando mão d' uma estrella /Mais viva do firmamento, /Fórmadella um sentimento /No coração da mulher./Nem cremos que às outras almas /Taes pensamentos assomem; /Não, não é cabeça d'homem /Qu'estasidéas contém./E' da mulher que ellas partem, /Da mulher, que, suspirando, /Mesmo sorrindo e cantando, /Ensina a fazer o bem.(MENESES,1903,p. 84-86) 7 8

MENESES, 1883, p. 16. CARVALHO, 1867, p.69.

Tobias não defende a drástica mudança na situação da mulher, por acreditar que causaria certo desconforto uma “costureira schopenhaueriana”9 de modo assaz repentino, uma metamorfose assim tão brusca por saltos quânticos.Sem no entanto menoscabar a contribuição de Jellinek, o considera mais poeta do que filósofo, que se regozija da delícia da pintura dos mil encantos,a pretensamente dominar o universo da flor em suas minúcias. Já dissera Silesius: A rosa é sem por quê; ela floresce porque floresce. (SCHEFFLER, 1737, p. 32); e, ao fazê-lo, em seu ato de florescer, não faz senão ser. Já dissera Gertrude Stein que a civilização principia pela flor, que continua, constantemente, florescendo, e no gesto de florescer não invita o poeta a dele fazer parte. Repetindo e até certo ponto, paradoxalmente robustecendo a ideia de que é função da mulher enquanto tal seguir formosa ao lado do homem, a apoiá-lo,encorajá-lo,aperfeiçoá-lo, descentra a rosa de si mesma, e de seu ato de florescer; a flor é sem por quê logo floresce por florescer (“does notneedthegroundof its bloomingtobeexpressly”(HEIDEGGER, 1996, p. 37). Floriram, Pessanha, “por engano”10, as rosas bravias .... Salienta Tobias, em defesa do direito das mulheres, da importância de se ampliar a instrução fornecida ao contingente feminino, em pleno desacordo com as demandas da época. É a educação a força nutriz e melíflua do espírito humano, que à figura feminina é reservado o que lhe sobeja dos varões.Barretto cita Josephine Freytag, segundo a qual a instrução, alimento do espírito, ao ser ministrada ao “bello sexo”, é reduzido à míngua, a confeitos ao invés de pães.11Acerca da relevância de uma boa educação, prelecionara Luiz Corrêa de Azevedo já dissera “... dai de comer aos que têm fome para não morrerem inanidos – daí a instrucção aos que dela carecem para que não morram de ignorância.” (AZEVEDO, 1874, p. 74).Já

dissera

Theresa

Leopoldina

de

Araújo:

“formar

a

mulher

é

tornal-a

completa”.(ARAÚJO, 1872, p. 198).A respeito da instrução feminina, á época bastante parca, e vista como perniciosa,novamente a visão tobiática : 9

”Os pósteros poderão um dia comprehender e admirar, verbi gratia, uma schopenhaueriana costureira; porem hoje é incomprehensivel e detestavel uma costureira [...]emancipar-se da almofada por amor do livro. (MENESES, 1883, p. 19-20). 10 Floriram por engano as rosas bravas /No inverno: veio o vento desfolhá-las... /Em que cismas, meu bem?/ Porque me calas/ As vozes com que há pouco me enganavas?( PESSANHA, 1989, p. 37).

11

A este tocante, Sor Juana Inés de la Cruz: “ Enperseguirme, Mundo, ¿quéinteresas?/¿Enqué te ofendo, cuandosólo intento /ponerbellezasen mi entendimiento/y no mi entendimientoenlasbellezas?/Yo no estimo tesorosni riquezas; /y así, siempre me causa más contento/poner riquezas en mi pensamento /que no mi pensamientoenlas riquezas. (CRUZ apud CHÁVEZ, 1868, p. 108).

O a,b,c . reduzido à sua própria eficácia, é uma força perturbadora do equilíbrio moral. Antes a casa de todo não varrida, do que somente começada a varrer e deixada em meio caminho para acudir-se de promptoà outros misteres: a impressão da immundicie fica mais pronunciada. Da poesia do billetdouz à baixa prosa do rol de roupa suja vae apenas a distancia de um salto de gato; e todavia são estes os dous polos da esfera litteraria da mulher, como ella deve ser, segundo o conceito que na pratica infelizmente ainda predomina.(MENESES, 1883, p. 31).

Malaquias defendera ideia que no universo científico da época era considerado algo inquestionável, consoante as qual quanto mais desenvolvido um órgão, tão melhor desempenha sua função. Portanto, a relação entre o peso do cérebro e o exercício da inteligência era utilizada como equação que comparava raças, classes sociais e gênero, tanto em meios científicos e médicos, como se alastra para discursos outros tais como o politico e o literário.A considerar esta equação como uma sorte de frenologia, algo já bastante contestado no século XIX. Ao versar acerca da massa cerebral e seu respectivo peso, Tobias chega a estabelecer uma comparação a titulo de exemplo: o cérebro de Lord Byron, que pesara 2238 em contraposição ao de GuillaumeDupuytren,que pesara 1436, e ao fazê-la, questiona Malaquias se acaso a diferença considerável na mesura do crânio fez com que a contribuição byroniana fosse de algum modo superior em relação ao legado de Dupuytren.12

Quando eu disse, Sr. Presidente, que a theori Narrenschiffa do nobre deputado era decrepita, que se podia até considerar já morta, foi tendo em vista o seguinte ponto: é que quando a physiologia, ou qualquer outra sciencia do gênero, observando a massa cerebral diz: tem tantas e tantas libras de intelligencia, tantas e tantas grammas de imaginação, etc., etc., filia-se, quer saiba, quer não, e pelo lado puramente scientifico, na velha escola de Gall, está em pleno dominiophrenologico, no dominio de uma theoria que já cahio . (MENESES, 1900, p. 84).

Para refutar o fato de que existiria uma palpável distinção entre o cérebro feminino e masculino, e de como a história à época já apontara mulheres notáveis no campo profissional, cita nomes como Elizabeth Blackwell, Marie Zakrzewka, Elizabeth Garret, Laura Bassi, GaetanaAgnesi, Anna MorandiManzolini, entre outras13. Tobias vivifica o pensamento acerca 12

“... admitido, pois, que a massa cerebral tivesse a significação que se lhe quer dar, se ao peso de 2238 grammas corresponde ao genio poético da estatura de Byron, ao peso de 1436 não poderia corresponder um genio cirúrgico do quilate de Dupuytren.”(MENESES, 1900, p. 61-62). 13 “... na questão que nos occupa,e que já está praticamente resolvida, as mulheres fizeram justamente como Diógenes, o philosopho grego, para quem o melhor modo de responder ao sofista, que negava o movimento, foi

da questão de ícones como Mary Wollestonecraft, Condorcet e Helvetius que refutam a ideia de uma suposta inferioridade da condição feminina argumentando que, se acaso adquirissem igual acesso à educação, comprovariam que a natureza não as fez inferiores, e sim a sociedade. Em categórica oposição ao determinismo cientifico de Malaquias, que sustentava ideias legitimadoras de desigualdades sociais, raciais e de gênero, o qual houvera asseverado ter sido embalado pelos braços da Ciência, Tobias aduz:

Engana-se; está com o catholicismo, está com S Paulo, está com os santos padres, que tinham dúvidas sobre a alma racional da mulher, como hoje se duvida do seu cérebro, está com a jurisprudenciacatholica da idade media,está com toda essa gente... (MENESES, 1900, p. 67).

Sendo assim, preleciona que a questão do intelecto da mulher haveria de ser avaliada em termos sociais e não a partir de conjecturas fisiológicas/médicas; a lamentar o fato, salienta que grande parte dos males presentes em nossa sociedade advém justamente da falta de cultura intelectual do sexo feminino. Para Tobias, a educação feminina era uma questão de bem comum eportanto crucial ao desenvolvimento social. À luz dos ensinamentos de Frederico Diesterweg refere que“... a liberdade do povo e a felicidade do povo, pela cultura do povo, não podem ser conseguidas por meio da instrucção parcial, ministrada a um só sexo.” (MENESES, 1900, p. 110).

Quanto a Josepha, sabe-se que a mesma, ao fazer o apelo de subvenção para estudar, obteve a garantia do Legislativo, mas teve seu pedido vetado pelo presidente provincial. Seus estudos em Nova York foram inicialmente custeados por homens influentes e abastados e, em 1882, durante a administração de José Liberato Barroso, foi concedida assistência financeira. Em Nova York, Josepha se une a Maria Estrella que também estava estudando no exterior e juntas, fizeram uma campanha em favor do acesso feminino ao Ensino Superior no Brasil; neste ínterim, passam a publicar um periódico intitulado A Mulher, que data de 1881, com o fito de incutir nas mentes femininas das brasileiras suas capacidades e potencialidades e que elas, tanto quanto os homens, possuíam iguais aptidões para a dedicação ao estudo das ciências. Este periódico fora distribuído aos principais jornais do País e bastante elogiado. De acordo com Josepha, o periódico fora criado ao calor do momento, tendente a mostrar que

caminhar-se, mover-se. Assim procederam ellas. A aquelles que lhes negavam capacidade para os estudos superiore, máxime para o estudo da medicina, ellas disseram: aqui estamos, eis-nos no meio de vós a praticar com vantagem a sciencia medica.(MENESES, 1900, p. 75).

tanto a mulher como o homem se podem dedicar ao estudo das ciências.

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Tomando como

modelo os Estados Unidos, o periódico busca informar às leitoras as grandes conquistas femininas nos EUA e atividades que vão do Direito e Medicina à filantropia. O jornal, cuja circulação se iniciara no exterior, e em que pese a duração assaz breve, continuara a ser publicado no Brasil. Em seu bojo, esclarece da necessidade do labor para se obter uma vida independente e dilucida,ademais, que “a mulher que entender que por ser mulher não tem necessidade de estudar commette um erro irreparável, e tarde vira a arrependerse”. OLIVEIRA; ESTRELLA: 1881-b, p. 26).

Destarte, preleciona

com as mãos tremulas pegamos na penna para discutir uma das mais delicadas matérias: a justificação de que a mulher é intelligente, e digna de grandes commetimentos. Para justificar a nossa opinião, escudamo-nos na historia.(...) Que dirão os leitores quando apresentar-se-lhes os nomes d’essas mulheres venerandas que abrilhantam a historia das sciencias especulativas e exatas? (OLIVEIRA; ESTRELLA: 1881-a, p. 02).

Em seu retorno ao Brasil, sabe-se que Josepha comentara a polemica entre Malaquias e Tobias por meio de correspondência de 10 de setembro de 1882 enviada ao jornal pernambucano America Illustrada,onde defende a importância da educação superior para as mulheres, se opondo aos comentários maliciosos feitos na imprensa, que se referiam pejorativamente às mulheres formadas como “ébrias e desprovidas de moral”. Destarte, redargue: “Sou formada em Medicina, como tal recebi uma educação superior, e até o presente não desacreditei esta educação que recebi e a posição que ocupo na sociedade.” (SCHUMACHER; BRASIL: 2000, p. 299).

De forma veemente, portanto, defendera Tobias o direito da mulher ao ensino superior, rebatendo de forma cáustica os argumentos do Dr. Malaquias alicerçado na fisiologia segundo a qual a capacidade intelectual feminina seria inferior à masculina. Em face disso, com vistas a desmitificar tal assertiva, Tobias no leito de morte afirmara ao Dr. Constâncio Pontual o desejo de mensurar seu crânio.A inquietude que movera Tobias a comprovar uma efetiva inexistência de correlação entre a capacidade intelectual e a massa do cérebro vai além da questão da mulher eis que tal variante era considerada medida que

14

é uma questao physiologica e de alta transcendencia, que as mulheres reconheçam que os homens são injustos para com ellas, julgando-as incapazes de concepções sublimes e commetimentos scientificos. OLIVEIRA; ESTRELLA: 1881-a, p. 02).

pretensamente distinguia os privilegiados geneticamente e os geneticamente inferiores, ou seja, mulheres e mestiços. (PEREIRA, 1983, p. 252).

A pugna tobiática pelo direito das mulheres ao ensino superior encetaram grandes logros, tais como o custeio dos estudos de Maria Amélia Cavalcanti no Rio de Janeiro, moça esta que se tornaria a primeira médica recifense em 1892, bem como a possibilidade de Maria Augusta de Meira Vasconcelos tornar-se bacharela em Direito pela Faculdade de Direito do Recife em 1889. Maria Augusta passa a discutir a questão do acesso das mulheres ao ensino superior no periódico O Lyrio, em que era redatora, em cujo se encontram artigos sobre “A instrucção da mulher”. Em um artigo intitulado “Decisão injusta” publicado no Jornal do Recife, Maria Augusta inicia um debate acerca do indeferimento da solicitação de alistamento eleitoral de Isabel de Souza Mattos por parte de Cesário Alvim, Ministro do Interior em 1890.

Vislumbra Tobias uma ofensa ao bom senso sustentar a incompetência feminina para os altos estudos científicos mais do que isso; um erro histórico, uma deslealdade à verdade dos fatos. Ao constatar que a mulher no transcorrer da história não teve suficiente acesso à educação, de que resulta uma sorte de acanhamento, transformando em verdade o que sói uma falácia, qual seja, a de que a mesma não é apta a cultivar-se e ilustrar-se tal qual o homem. Importa, por derradeiro, trazer à colação uma expressão que bem expressa os ensinamentos tobiáticos a este tocante, , estipular uma pretensa disparidade entre os sexos, “... trata-se de um “pecado imperdoável contra o santo espirito do progresso, de um crime de lesacivilisação, de lesa-sciencia [ ao seguir afirmando] que a mulher não tem capacidade para os misteres

scientificos,

para

os

misteres

que

demandam

uma

alta

cultura

intelectual.”(MENESES,900, p. 47). Tobias arremata salientando então que se há de conter esta “fotofobia intelectual”, conferindo à mulher o lugar que de direito, libertando-a de vez do “... jugo dos velhos prejuízos, legalmente consagrados.”(MENESES, 1900, p. 64).

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