A MÍDIA COMO ALIADA NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA POLÍTICA CRIMINAL

May 27, 2017 | Autor: Fernanda Deslandes | Categoria: Criminology, Criminologia, Mídia, Politica Criminal, Jornalismo Policial
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A MÍDIA COMO ALIADA NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA POLÍTICA CRIMINAL

Fernanda Deslandes¹
Sônia de Oliveira²

RESUMO

A mídia é vista como formadora de opinião pública contrária à Criminologia
Crítica. Especialistas do Direito constantemente ressaltam o quanto o
Jornalismo Policial incentiva a população a acreditar na pena como única
saída e no crime como uma crescente paranoia. Há alguma maneira de que a
mídia se torne aliada na construção de uma nova política criminal,
necessária para mudar o atual quadro social da violência? Este trabalho
pretende analisar a estrutura de atuação do Jornalismo Policial e sugerir
uma nova abordagem do crime que seja capaz de incentivar a população a
refletir mais sobre o assunto. Uma abordagem que possa falar sobre a
violência de forma mais ampla, e não apenas noticiar o fato do crime. O
ciclo formado pela opinião pública que alimenta o Jornalismo Policial, e a
produção de notícias que abastece a população de informação, poderá mudar o
foco. Com a disseminação do pensamento crítico, mais pessoas estarão aptas
a exercitarem a cidadania e estimular as autoridades para a formulação de
mudanças nas leis, nos programas sociais e no sistema penal.

Palavras-chave: Criminologia. Política Criminal. Jornalismo Policial.
Opinião Pública.

1 INTRODUÇÃO
Os veículos de comunicação também são empresas no universo
capitalista. Dependem de lucro para sobreviver. Dessa maneira, o jornalismo
torna-se um produto que precisa angariar bastante audiência, que renda bons
anúncios, para manter toda a estrutura funcionando. Na hora de escolher
cada detalhe deste produto, portanto, a opinião pública é levada em
consideração – afinal, é do público que vem a audiência.
É uma via de mão dupla. O público, além de importante para compor a
audiência, também busca diariamente os meios de comunicação preferidos
sugerindo reportagens ou pedindo ajuda. Muitas pessoas em situação de
abandono dos poderes públicos vêem na mídia a única solução para problemas
que vão desde uma briga com os vizinhos até a aquisição de uma cadeira de
rodas, a localização de um familiar desaparecido, um apelo pela
identificação do assassino de um ente querido ou pela localização de um
objeto roubado.
Portanto há comunicação, sim, constantemente, entre o público e o
jornalista. Isso também acontece quando, depois de uma matéria, o
apresentador abre espaço no rádio e televisão para ler opiniões mandadas
por expectadores, ou quando os jornais impressos publicam em uma página
específica as opiniões dos leitores sobre os vários temas abordados na
edição anterior.
O pauteiro é a figura dentro das redações que recebe essa infinidade
de pedidos da população e também monitora o que acontece em todos os
setores, para definir o que será produzido pela equipe de reportagem. É
quem define o que será notícia, e é essa definição de notícia
(principalmente quando a informação é relacionada à violência) que causa
controvérsias entre os pesquisadores do Direito e os da Comunicação Social.
Muitas vezes, atendendo aos pedidos do público ou aos próprios
anseios de audiência, emissoras insistem em um único assunto. Criam
programas específicos para este tema ou repetem o tema em vários espaços
diferentes. Já há alguns anos o assunto mais falado, mais pedido pelo
público, como lembram autores como CONTRERA (2002, p.94), é a violência.
Todos querem saber os detalhes daquela tragédia. Todos querem ser ouvidos
para pedir o que consideram ser justiça – e na maioria das vezes, para o
povo, a justiça é o mesmo que o cárcere ou a morte.
Para mostrar "um mundo pior do que é", como afirma NOBLAT (2003) e
com afirmações semelhantes de CARDOSO (2011) e BOLDT (2013), os jornalistas
estariam, então, inventando notícias? Os autores argumentam que as notícias
do segmento policial, por exemplo, aumentaram enquanto fontes oficiais
relataram a diminuição dos índices de violência. Qual interesse a mídia
teria em arriscar a credibilidade que mantém sua audiência (e,
consequentemente, sua sobrevivência) divulgando fatos inverídicos?
Para uma matéria ser publicada, testemunhas do fato são ouvidas e
todo jornalista preza por ouvir todos os lados de uma história. Os fatos
noticiados não deixam de ser reais porque as fontes oficiais disseram que
menos crimes aconteceram. A cifra negra é uma realidade que não pode ser
descartada, e ainda que os crimes tenham diminuído, continuam existindo e a
população continua ligando nas redações perguntando o que aconteceu na
esquina de casa ou por que aquele foragido ainda não foi encontrado pela
polícia.
Isso não significa que a abordagem destes fatos tenha sido a mais
correta, mesmo porque as consequências da apresentação massiva de notícias
policiais - bem como o reforço constante do discurso punitivo na mídia -,
tem sido desastrosas. Leis são criadas sem o devido estudo, medidas
gravíssimas são colocadas em prática sem o devido debate, tudo para atender
a pressa da imprensa.
Essa pressa não existe apenas no momento de cobrar ações do poder
público, como também para publicar conteúdos. As matérias estão cada dia
mais curtas, mais rápidas, mais superficiais (BOLDT, 2013, p.65). Falta
aprofundamento, debate e, em alguns momentos, falta até mesmo senso crítico
e coragem para ir além da informação repassada pela fonte ou questionar a
opinião pública – afinal, justiça não é cárcere. Justiça não é morte.
Este trabalho busca discorrer sobre o trabalho do jornalista policial
– aquele que não tem pauteiro -, debater a abordagem do crime e sua
influência no pensamento crítico da população, e sugerir soluções para que
a mídia, hoje vista como inimiga por teóricos do Direito, possa um dia ser
vista como aliada na construção de uma nova política criminal.

2 O TRABALHO DO JORNALISTA POLICIAL

O jornalista policial, ao contrário dos colegas de redação,
dificilmente sai para trabalhar com a pauta nas mãos determinando onde deve
ir e quem entrevistar. É o profissional com o plantão mais imprevisível, e
que está nos lugares e momentos mais perigosos (pontos de tráfico, locais
de homicídio, confrontos armados). Assim como as equipes que fazem
jornalismo comunitário, o jornalista policial ouve os desabafos da
população todos os dias e seleciona os assuntos mais relevantes para
acompanhar mais de perto. Noblat explica como definir o que é notícia:

De forma simplificada, notícia é todo fato relevante que
desperte interesse público, ensinam os manuais de
jornalismo. Fora dos manuais, notícia na verdade é tudo o
que os jornalistas escolhem para oferecer ao público. E,
como nós valorizamos principalmente as noticias negativas,
o mundo que os meios de comunicação retratam parece muitas
vezes pior do que verdadeiramente é. (...) É que
aprendemos, com anos de oficio, que a noticia está no
curioso, não no comum; no que estimula conflitos, não no
que inspira normalidade; no que é capaz de abalar pessoas,
estruturas, situações, não no que apascenta ou conforma;
no drama e na tragédia, e não na comédia ou no
divertimento. Aprendemos que é assim porque é com essa
receita que os jornais vêm mantendo as vendas até hoje. E
a televisão e o rádio, garantindo altos índices de
audiência (NOBLAT, 2003, p.31).

Se definir o que é notícia já é uma tarefa de grande
responsabilidade, definir o que é crime e que também pode ser notícia é uma
missão ainda mais complexa. Vidas, reputações, instituições inteiras podem
ser colocadas em risco. Sobre essa decisão diária que é tomada pelo
jornalista policial, discorre a jornalista Carla Cristina Costa Alves:

A definição de crime está inscrita em uma instância de
poder fora da do jornalismo policial, mas que vai ser
apropriada por este: fazer algo ilegal é tornar-se
criminoso: ser criminoso, por seu lado, é poder ser
notícia. É notório que não é todo tipo de crime que entra
no jornal. Com o aumento da criminalidade, muitos delitos
passaram a fazer parte do cotidiano das cidades e, por
isso, foram abandonando as páginas policiais, para dar
espaço aos crimes de maior proporção ou para aqueles que
fogem, de alguma forma, do curso ordinário dos
acontecimentos (ALVES, 2001).

Segundo a autora, nos idos de 1920, o jornalismo policial se
aproximava do literário. Foi quando a cobertura do crime ganhou ares de
espetacularização. Grandes escritores brasileiros, como Nelson Rodrigues,
exerciam esta função que já não é mais a preferida dos novos profissionais
frente a opções tão atraentes como a cobertura esportiva, por exemplo.
A atual geração, em maioria, não parece querer colocar a vida em risco
acompanhando o dia a dia das polícias, nem conviver com a população em sua
condição mais miserável – justamente aquela que busca o jornalista para
pedir ajuda. Falta mão de obra qualificada, ou seja, são poucos os
jornalistas que se interessam em estudar o crime para ter uma visão mais
ampla do assunto, saber a importância deste trabalho.
Além disso, muitas rádios, sem condições financeiras de contratar um
jornalista (que tem piso salarial determinado em cada estado no Brasil),
contratam pessoas sem o mínimo estudo para exercer esta função que quase
ninguém quer. Importante lembrar que as rádios não tem dinheiro pois
perderam anunciantes para a televisão, assim como hoje a televisão já perde
para a internet. É o que lembra a autora Helena Schiessl Cardoso:

(...) os jornais transformaram-se pois em enormes
empreendimentos comerciais, com necessidades de massivas
quantidades de capital inicial e de sustentação diante da
competição incessante e predatória. As empresas de menor
porte são destruídas pela concorrência ou obrigadas a
aceitar fusões e incorporações (CARDOSO, 2011, p.11).


Para levar as matérias ao público, os apresentadores escolhidos pelas
emissoras que comandam programas televisivos e de rádio são pessoas
queridas pela população, mas que em maioria também não tem graduação em
Jornalismo, muito menos conhecimento pleno do Direito Penal e de ética. Sem
saber, cometem diariamente dezenas de erros ao comentar reportagens e
estimulam a população a pensar da mesma forma errônea e limitada.
Estes erros são estudados pela ANDI – Comunicação e Direitos. No
terceiro volume do estudo "Violações de Direitos na Mídia Brasileira",
entre os dias 2 e 31 de março de 2015, a organização encontrou 4.500
violações de direitos cometidas em programas policiais de rádio e TV de
Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Curitiba
(PR), Fortaleza (CE), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São
Paulo (SP).

Foram 1.704 "Exposições indevidas de pessoas", 1.580
"Desrespeitos à presunção de inocência", 614 "Violações do
direito ao silêncio", 295 "Exposições indevidas de
famílias", 151 "Incitações à desobediência às leis ou às
decisões judiciárias", 127 "Incitações ao crime e à
violência", 39 "Identificações de adolescentes em conflito
com a lei", 17 "Discursos de ódio ou Preconceito" e 09
"Torturas psicológicas ou Tratamentos desumanos ou
degradantes". (VARJÃO, 2016)

Com toda uma equipe sem conhecimento profundo do tema que acompanha
e, ao mesmo tempo, com um poder tão grande nas mãos, o resultado não
poderia ser outro senão a ocorrência destes crimes, muitas vezes ao vivo.
Isso causa um reflexo grave na população que acompanha: o discurso punitivo
e de ódio ao inimigo é reforçado, a sensação de pânico é disseminada. Se
essa reação é de interesse do Estado para manter o sistema funcionando, a
mídia tem sido usada sem perceber, como detalha Boldt:

Concomitantemente ao controle exercido pelo sistema penal
sobre os grupos subalternos, os mass media controlam as
opiniões e crenças de nossa sociedade, apresentando-se
como uma ferramenta indispensável para a manutenção do
status quo social e econômico, legitimando, neste caso, a
violência punitiva estatal e a criação de medidas
excepcionais que rompem com a normalidade (BOLDT, 2013,
p.56).

A mídia não pode ser utilizada como passa de manobra política.
Precisa ter senso crítico, questionar, e para fazer isso precisa de
conhecimento do assunto que trata.

3 O IMPACTO DA COBERTURA ATUAL DO JORNALISMO POLICIAL

O profissional que não estuda as consequências da cobertura de
assuntos relacionados à criminalidade noticia o fato por si só. Não
contextualiza o crime. Quando instiga o debate, apenas reforça o discurso
dominante, foco da criminologia positivista. Ele apresenta a pena como
única solução pois não conhece alternativas a ela, e não sabe as
consequências disso, como tão bem detalha Boldt:

A proliferação de leis produzidas com base em demandas
sociais por respostas penais mais duras, quase sempre
precedidas de crimes violentos explorados de forma
sensacionalista pelos mass media, demonstra o poder que
estes exercem sobre uma sociedade subjugada pelo medo e a
trivialização de problemas extremamente complexos. (...)
Como se não bastasse a utilização do direito penal para
fins eleitoreiros, leis penais totalmente
inconstitucionais – nos planos formal e material – são
criadas com o intuito de solucionar emergências
decorrentes de fatos que, diariamente, são veiculados pela
mídia e absorvidos pela população sem qualquer reflexão
crítica (BOLDT, 2013, p.20 e p.43).

O jornalista sem conhecimento da importância do seu trabalho é
utilizado como "massa de manobra", torna-se instrumento para que o poder
público legitime suas atitudes. Pode incentivar a população a pensar algo
que beneficie a fonte e prejudique inimigos dessa fonte - que repassou
aquela informação que mais parecia um "furo de reportagem".
Este é um dos assuntos tratados no guia de ética de um dos jornais
impressos mais polêmicos do Brasil, o Diarinho de Santa Catarina, que
utiliza um linguajar muito popular para tratar de notícias da região.

"Julgar o que é pura plantação a serviço de alguma manobra
política ou empresarial e o que de fato é notícia
importante para os leitores é coisa difícil. Que exige
desconfiômetro bem calibrado. E uma boa cultura geral. Pra
saber o que é joio e o que é trigo. E poder saber quando é
que se deve usar um ou outro" (DIARINHO, 2012, P.24).

A reação da divulgação de matérias publicadas por equipes
despreparadas é imediata e influencia diretamente na vida de muitas
pessoas. Não podemos esquecer do emblemático caso da Escola Base, de 1994,
quando a mídia divulgou que donos de uma escola de São Paulo abusavam de
alunos. Posteriormente foi comprovada a inocência dos suspeitos, mas à essa
altura eles já tinham perdido tudo o que tinham – incluindo a honra e a
dignidade, depois de passar por tanta humilhação pública.
A escola foi depredada e os suspeitos ficaram presos em condições
subhumanas por conta desse erro das equipes jornalísticas, como lembra
Eugênio Bucci: "Com base nas declarações de um delegado precipitado, que
logo seria afastado das investigações, a imprensa prejulgou os suspeitos e
contribuiu para que eles ficassem expostos à fúria popular" (BUCCI, 2000,
p.158). Vinte anos depois, os suspeitos receberam indenização de uma
emissora de televisão.
Outro caso, mais recente, é relatado pelo perito Ricardo Molina no
livro "O Brasil na Fita" (2016), em que ele conta detalhes de vários casos
nos quais atuou. Entre eles, ele detalha o trabalho da defesa de Gil Rugai,
acusado de matar o próprio pai e a madrasta, em 2004, também em São Paulo.
A defesa, mesmo tendo diversos subsídios para questionar as provas que
foram apresentadas contra o rapaz, perdeu. Gil foi condenado a 33 anos de
prisão.
A defesa ainda recorre da decisão, e acredita que a abordagem da mídia
nos nove anos que se passaram entre o dia do crime e o dia do julgamento
foi essencial para influenciar a opinião dos jurados – que, segundo o
perito, não tem conhecimento de Direito e, muitas vezes, sequer tem curso
superior, fatores que poderiam auxiliar na compreensão e avaliação das
provas debatidas por acusação e defesa.

A mídia, salvo exceções, tem tido uma atitude muito pouco
crítica, tendendo a privilegiar as posições da acusação. É
fácil entender isso. Os inúmeros programas
sensacionalistas que ocupam as tardes das televisões
brasileiras só sobrevivem no dia a dia por serem
alimentados com informações privilegiadas fornecidas por
delegados e promotores. Em casos polêmicos como de Gil
Rugai, embora muitos destes astros do sensacionalismo
entendam bem as contradições e erros, existe um certo
temor de atacar diretamente suas fontes, pois no dia
seguinte pode não haver mais notícia fresca. Além disso,
apresentar culpados dá mais ibope. Em parte, porque a
sociedade brasileira, cansada da impunidade, clama por
punição, não por justiça. Nesse rolo compressor, embora
muita gente acredite no contrário, inocentes estão sendo
condenados (MOLINA, 2016, P. 342).

Nos dois casos, uma certeza: a mídia reproduziu o que as fontes
policiais repassaram, com pouco senso crítico e pouco debate. Não
questionou as fontes, não contextualizou o assunto. Apenas noticiou os
fatos que foram surgindo até a acontecer punição que o povo queria ver: a
prisão. Reforçou, desta maneira, o discurso punitivo. Mais uma vez
considerou a pena como a melhor solução. Isso impactou diretamente na vida
dos donos da escola base, na de Gil Rugai, e continua, diariamente,
impactando na vida de muitas outras pessoas de muitas maneiras, como afirma
Pereira:

A mídia é um determinado modo de produção discursiva, com
seus modos narrativos e suas rotinas produtivas próprias,
que estabelecem algum sentido sobre o real no processo de
sua apreensão e relato. Deste real ela nos devolve,
sobretudo, imagens ou discursos que informam e conformam
este mesmo real. Portanto, compreender a mídia não deixa
de ser um modo de se estudar a própria violência, pois
quando esta se apropria, divulga, espetaculariza,
sensacionaliza ou banaliza os atos da violência está
atribuindo-lhes sentidos que, ao circularem socialmente,
induzem práticas referidas à violência (PEREIRA et al,
2000, p.150).

Falamos da cobertura atual do jornalismo com relação à violência, mas
é importante ressaltar que essa abordagem e a reação popular a ela foram
construídas com o passar dos anos. É o que detalha Foucault, citando a
reação popular às notícias de execução de suspeitos publicadas em jornais
dos idos de 1800. Surpreendentemente, se assemelha à reação de muitas
pessoas atualmente nas redes sociais quando há a divulgação de casos
violentos:

Já os espectadores populares, como no tempo dos suplícios
públicos, levam avante com os condenados as trocas
ambíguas de injúrias, de ameaças, de encorajamentos, de
golpes, de sinais de ódio ou de cumplicidade. Qualquer
coisa de violento se ergue e não para de correr ao longo
de toda a procissão: cólera contra uma justiça severa ou
indulgente em excesso; gritos contra criminosos
detestados; movimentos a favor dos prisioneiros conhecidos
e que são saudados; defrontações com a polícia (FOUCAULT,
2014, p.252).

Percebe-se, portanto, que a máxima de "bandido bom é bandido morto"
já é uma construção de raciocínio antiga, e que continua sendo disseminada
por uma parcela desinformada da mídia que não sabe (ou não se importa com)
quais são consequências dessa atitude.

4 A MÍDIA COMO ALIADA DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Como mudar este panorama? Parece claro que os jornalistas precisam de
mais qualificação para atuar na área policial – tanto quanto hoje já tem
para atuar em áreas como a economia, por exemplo. Por que as universidades
não disponibilizam especializações em jornalismo policial no Brasil?
O conhecimento das falhas da imprensa e das consequências destas
falhas na reação da população com relação ao assunto da violência é
imprescindível, afinal, como lembra Boldt, "somente mediante a capacidade
de compreender e criticar será possível transformar o senso comum penal em
bom senso" (2013, p.163).
Passou da hora das empresas de comunicação buscarem o jornalista
especializado. Não só o jornalista policial, alvo deste trabalho, como
todos os outros jornalistas que atuam em editorias específicas. Ele tem
mais conhecimento, mais experiência, mais discernimento e capacidade de
questionar o assunto, e portanto tem menos chances de cometer erros, como
explica Bucci:

A especialização do jornalista, portanto, precisa hoje ser
vista em outras bases. É verdade que os jornais não são a
fonte do saber. São, como sempre foram, apenas um canal.
Para o jornal ser um canal devidamente autorizado e
crível, desenvolveu-se a figura do especialista, que
dispunha de um repertório adequado para noticiar com
alguma profundidade assuntos específicos. Hoje, essa
figura é igualmente necessária, mas o seu perfil precisa
atender a um outro requisito: ela precisa ter um preparo
crítico para não ser engolida pela lógica das relações
públicas generalizadas e para não assumir como verdades
factuais os pontos de vista pré fabricados por elas. Mais
uma vez, o preparo ético é indispensável para a
performance técnica (BUCCI, 2000, p.197).

O Newsmaking criminology é também uma boa proposta. É necessário
trazer o debate para ampliar a visão da opinião pública sobre o sistema
penal, através de um complemento do raciocínio do criminólogo com o do
jornalista. É necessário trazer matérias mais amplas sobre os assuntos, e
não apenas noticiar o crime. Contextualizar as circunstâncias. Questionar
as fontes.
Desde muito antes Da publicação do pensamento de Michel Foucault em
"Vigiar e Punir" (2014), além da publicação de trabalhos de tantos outros
autores brilhantes da criminologia crítica como Alessandro Baratta (2011),
já se sabe que a pena não é a solução dos problemas da humanidade. O preso
torna-se o rótulo que lhe é apresentado e piora, ao invés de se
ressocializar, se regenerar, como a legislação brasileira sonha.
Mudanças na lei são necessárias para mudar o sistema. A opinião
pública é capaz de impulsionar essas mudanças e a mídia, como já foi
mostrado neste trabalho, é capaz de incentivar a opinião pública para isso.
Tudo isso pode ser feito com algumas mudanças, além das questões já
apresentadas: mais matérias sobre a Defensoria Pública e sobre os mutirões
carcerários, mostrando a importância de ambos e defendendo suas ampliações,
já ofertarão um pouco mais de dignidade aos réus.
Além de tudo isso, é imprescindível que os jornalistas sejam
estimulados a debater políticas públicas para diminuição das desigualdades
sociais. A estudar para saber o impacto que essas desigualdades causam na
sociedade, e o reflexo disso na violência que é noticiada todos os dias. A
relação dos veículos de comunicação com a violência já é algo
retroalimentado e precisa ser revisto, como explica Contrera:

"Se atualmente o único território social comum partilhado
em grande escala (como já dito), portadores simbólicos do
sentido de pertencência, são os meios de comunicação
sociais, logo, percebemos o grau de sujeição do homem
contemporâneo à mídia e suas novas tecnologias, e
consequentemente às linguagens e formas de pensamento e
formas de relação com o mundo em que as tecnologias
implicam. Estamos todos acessáveis, mas não escapamos à
violência; é um paradoxo, mas talvez justamente por
estarmos assim tão acessáveis é que estejamos tão sujeitos
a ela. De qualquer modo, quer gostemos ou não, a violência
apresenta-se como uma realidade antropológica e o nosso
tempo não foge a ela" (CONTRERA, 2002, p.94).

E por que a mídia deve ser aliada na construção de uma nova política
criminal? Pois diferentemente da política penal, focada apenas na punição
do Estado (o que atualmente a mídia defende), a política criminal engloba
uma transformação maior da sociedade e do poder público capaz de melhorar o
atual cenário da violência, como nos ensina Baratta:

(...) uma política criminal alternativa coerente com a
própria base teórica não pode ser uma política de
'substitutivos penais', que permaneçam limitados a uma
perspectiva vagamente reformista e humanitária, mas uma
política de grandes reformas sociais e institucionais para
o desenvolvimento da igualdade, da democracia, de formas
de vida comunitária e civil alternativas e mais humanas, e
do contrapoder proletário, em vista da transformação
radical e da superação das relações sociais de produção
capitalistas (BARATTA, 2011, p. 201).

A nova política criminal poderá trazer muitos benefícios para a
população a longo prazo, mesmo porque não é possível mudar o atual cenário
em míseros quatro anos. Resta saber se interessará à classe política
intervir na questão, já que os resultados da implantação não serão na
gestão de quem estiver no poder.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se, agora, a atuação e importância do jornalista policial, que é
seu próprio pauteiro. É o agente responsável por definir, além do que é
notícia, o que é crime e que deve ser noticiado. É neste momento de
definição que ele pode cometer erros dos quais dependem empresas,
reputações e até mesmo vidas. É claro que isso também acontece com o
pauteiro de outras editorias, mas, neste trabalho, focamos na questão da
violência que é crescente e merece a devida atenção.
Conhecemos também a razão e o impacto destes erros, que infelizmente
ainda acontecem muito na mídia brasileira. Sabemos que a falta de
conhecimento dos profissionais que atuam nesta área – talvez por
desinteresse nela, ou talvez por não entenderem a importância dela – faz
com que leis sejam aprovadas sem estudo, que políticas públicas sejam
aplicadas sem debate, por conta da pressa em dar respostas a essa pressão
que a mídia aplica.
A falta de conhecimento do jornalista é o que replica e reforça o
pensamento da população, o discurso punitivo, apoia a política da pena em
um tempo em que já é sabido o quanto nada disso funciona. O quanto o
sistema está errado. O quanto a cadeia não ressocializa e só cria um ciclo
ainda pior de violência.
O jornalista policial precisa ser reconhecido, e precisa estudar tanto
quanto o jornalista de Economia estuda. Precisa aprender para ajudar a
população e, com excelência, exercer seu papel de servir a sociedade da
melhor maneira. Com conhecimento sobre o tema da violência, ele será capaz
de estimular o debate, contextualizar cada situação, questionar as
políticas públicas, e parar com essa mania de divulgar o crime só pelo fato
do crime. Vai entender que isso não serve de nada e que carrega
consequências negativas para o ciclo de abastecimento de informações entre
ele e o público.
Não estamos aqui para pedir para a mídia ceder à pressão dos
especialistas do Direito, mas sim para que os jornalistas possam rever sua
função social e construir uma audiência sobre um novo ciclo de informação
com a população. Por que não poderiam jornalistas e especialistas do
Direito ser aliados para mudar o quadro, já que isso pode ser tão benéfico?





























REFERÊNCIAS

ALVES, Carla Cristina Costa. Nelson Rodrigues e a Reportagem Policial:
Realidade x Ficção. Monografia de Graduação em Comunicação Social. Rio de
Janeiro, RJ: UERJ, 2001.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Critica e Critica do Direito Penal:
Introdução à sociologia do Direito Penal. 6. Ed. Rio de Janeiro, RJ: Revan,
2011.

BOLDT, Raphael. Criminologia Midiática: Do discurso punitivo à corrosão
simbólica do garantismo. Curitiba, PR: Juruá, 2013.

BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo, SP: Companhia das
Letras, 2000.

CARDOSO, Helena Schiessl. Discurso Criminológico da Mídia na Sociedade
Capitalista: Necessidade de desconstrução e reconstrução da imagem do
criminoso e da criminalidade no espaço público. Curitiba, PR: Mestrado em
Direito do Estado, UFPR, 2011.

CONTRERA, Malena Segura. Mídia e Pânico: Saturação da informação, violência
e crise cultural na mídia. São Paulo, SP: Annablume, 2002.

DIARINHO. O Caminho das Pedras: Guia de ética e autorregulamentação
jornalística. Blumenau, SC: Nova Letra, 2012.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. 42.ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2014.

MOLINA, Ricardo. O Brasil na Fita: De Collor a Dilma, do caso Magri à Lava-
Jato, o que vi e ouvi em mais de vinte anos. Rio de Janeiro, RJ: Record,
2016.

NOBLAT, Ricardo. A Arte de Fazer um Jornal Diário. São Paulo, SP: Contexto,
2003.

PEREIRA, Carlos Alberto Messeder et al. Linguagens da Violência. Rio de
Janeiro, RJ: Rocco, 2000.

VARJÃO, Suzana. Violações de direitos na mídia brasileira: Pesquisa detecta
quantidade significativa de violações de direitos e infrações a leis no
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