A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ

May 20, 2017 | Autor: Edson Farias Mello | Categoria: Environmental Impact, Revista Brasileira de Geociencias, Brazilian Geology
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Revista Brasileira de Geociências

Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello

37(2):374-389, junho de 2007

A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ Flávia Lopes Oliveira1 & Edson Farias Mello2 Resumo  A bacia do rio São João, localizada no sudeste do estado Rio de Janeiro, vem sofrendo diversas intervenções antrópicas ao longo dos anos. Entre as décadas de 50 e 80, o rio São João e alguns dos seus afluentes foram submetidos a diversas obras de retificação. Esta ação provocou a intensificação do fluxo hidráulico, resultando no aumento do transporte e deposição de areia, favorecendo assim a instalação de areais. A atividade de mineração, embora proporcionando o desassoreamento da calha fluvial, foi praticada sem estudos prévios e sem monitoramento, o que gerou conflitos de ordem locacional, motivando a avaliação dos impactos ambientais decorrentes da extração de areia. Assim, este estudo teve como objetivo maior, avaliar a interferência da atividade de mineração na dinâmica fluvial do rio São João, a luz de outras formas de ocupação e uso do solo. Através de seções transversais ao rio, nos portos de areia, verificou-se uma grande disponibilidade de sedimentos, com rápidas reposições das áreas lavradas. A análise dos mapas de uso e ocupação do solo da bacia, de três épocas distintas (1984, 1994 e 2000), permitiu identificar parte da proveniência dos sedimentos. O aumento das áreas devastadas devido ao intenso uso rural, deve ter proporcionado a aceleração da erosão laminar do solo, resultando no aumento da carga sedimentar do rio. Conclui-se, que a qualidade ambiental na bacia do rio São João encontra-se muito mais seriamente comprometida em função dos desequilíbrios causados pelas retificações dos canais fluviais e uso intenso do solo do que pela mineração de areia, que pode ser avaliada como de impacto ambiental secundário. Esta atividade pode até ser conduzida sem promover impactos ambientais adversos se forem mantidas as condições naturais de regime hidráulico do sistema fluvial que, no caso do rio São João, atualmente já se encontram comprometidas. Palavras-chave: mineração de areia, construção civil, impacto ambiental.

Abstract  Sand mining and environmental impacts in the São João river basin, Rio de Janeiro state, Brazil.  Over the years, the São João River basin in southeastern Rio de Janeiro State – Brazil, underwent several anthropic interventions. During the 1950s and 1980s, the courses of this river and some of its tributaries were repeatedly straightened. Such actions intensified their flow-rates, increasing sand transportation and deposition, and sand- mining activities flourished. The sand exploitation, despite clearing silt and sediments from river channels, was undertaken without previous studies and monitoring which generated locational conflicts, and originated the assessment of the environmental impacts arising out of mining activities. The main purpose of this paper is to assess the effects of sand-mining on the São João River dynamics, while bearing in mind other types of land use and occupancy. In cross-sections of the river, studied at local ports, ample amounts of sediment were noted, with rapid replenishment in the mining areas. An analysis of the land use and occupancy maps of this river basin for three separate periods (1984, 1994 and 2000), allowed the identification of some of the sediment sources. The expansion of the devastated areas due to intensive rural use, probably gave its contribution speeding up the laminar soil erosion, and the result was an increase of the sediment burden in the river. Our conclusion is that the environmental quality of the São João River basin is more seriously endangered due to the sedimentary imbalance caused by the riverbed straightening projects and intensive land use than the sand-mining activities that may be assessed as producing a secondary environmental impact. In fact, sand-mining might even be carried out without adverse environmental impacts, if the natural conditions of the hydraulic mode of the fluvial system are kept, which particularly for the São João River are already jeopardized. Keywords: Sand mining, civil construction, environmental impact.

INTRODUÇÃO  A extração de materiais aluvionares em rios vem sendo fortemente condenada por diversos setores da sociedade em função dos desequilíbrios que esta atividade pode causar na dinâmica fluvial. O efeito imediato e direto desta ação é a redefinição dos limites do canal, seja pela retirada ou adição de materiais, que por sua vez pode promover uma mudança no padrão de

fluxo e de transporte de sedimentos. As modificações das condições do canal podem ser propagadas a montante e jusante, bem como lateralmente, e por outro lado podem impactar os ecossistemas aquáticos. Os leitos ativos de rios são dinâmicos e respondem rapidamente aos estímulos externos, incluindo a extração de areia. As operações de lavra

1 – Programa de Pós Graduação, Depto. Geologia, IGEO, CCMN, UFRJ - Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected] 2 – Departamento de Geologia, IGEO, CCMN, UFRJ - Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

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Arquivo digital disponível on-line no site www.sbgeo.org.br

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podem causar um impacto direto nos parâmetros físicos da corrente fluvial, tais como geometria do canal, elevação do leito, composição e estabilidade do substrato, velocidade, turbidez, transporte de sedimentos, vazão e temperatura (Rundquist 1980, Pauley et al. 1989, Kondolf 1994a, 1994b, 1997, 1998, Brown et al. 1998, Florsheim et al. 1998, Meador & Layher 1998, Langer & Glanzman 2003, Batalla 2003). A carga de fundo de um sistema fluvial tem relação direta com a geometria hidráulica do canal e quaisquer alterações envolvendo essa variável pode acarretar no desequilíbrio do perfil longitudinal do rio (Leopold et al. 1964). Em que pese os severos impactos que as ações antropogênicas podem promover à dinâmica fluvial e aos ecossistemas aquáticos, ainda assim é possível a extração de areia a partir de fontes localizadas em leito ativo de rio, sem criar impactos ambientais adversos, desde que dentro das condições naturais de regime hidráulico do sistema fluvial, e mantida as salva guardas e práticas apropriadas (Langer & Glanzman 1993, Kondolf 1994a, OWRRI 1995). Deve ser considerado ainda, que os impactos ambientais em ambiente fluvial são uma combinação de atividades humanas locais e regionais, sendo o resultado de várias ações. Alguns destes impactos podem ser considerados impactos seqüentes, onde um impacto é o evento inicial de outro impacto e assim sucessivamente (Kondolf 1997). Com uma produção de areia de 23,9 milhões de m3, o estado do Rio de Janeiro figurava como o segundo maior produtor nacional, ficando apenas abaixo do estado de São Paulo, com uma produção de 49 milhões de m3 (DNPM 2001). No Rio de Janeiro, o município de Silva Jardim era o terceiro maior produtor de areia, suas extrações tiveram início na década de 70, no curso médio-superior do rio São João, sendo posteriormente

proibidas em 2002 pelos órgãos de fiscalização ambiental, sob a alegação de promover impactos ambientais negativos no rio São João e o assoreamento da represa Juturnaíba. A instalação dos portos de areia no curso médio-superior do rio São João ocorreu em resposta ao desequilíbrio sedimentar imposto pelas retificações feitas, pelo extinto DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento), ao longo do curso superior e médio do rio São João e alguns de seus tributários, principalmente durante a construção da represa, nas décadas de 70 e 80 (Cunha 1995). Esta ação resultou em conflitos entre os produtores de areia e os órgãos de fiscalização ambiental, em virtude dos desequilíbrios ambientais observados no curso médio-superior do rio São João e atribuídos a esta atividade. Este estudo foi realizado no período de 2002 a 2004 com o objetivo de avaliar a interferência da atividade de mineração na dinâmica fluvial do rio São João, a luz de outras formas de ocupação e uso do solo. CARACTERIZAÇÃO DA BACIA DO RIO SÃO JOÃO  Localizada ao sudeste do estado do Rio de Janeiro, a bacia do rio São João integra parcialmente sete municípios e totalmente o município de Silva Jardim, onde se localizavam os portos de areia (Fig. 1). O rio São João nasce na serra do Sambê, complexo da serra do mar, a 700 m de altitude e percorre uma distância de 150km até desaguar no oceano Atlântico, junto à cidade de Barra de São João. Entre os seus principais afluentes estão o Capivari, Bacaxá, Pirineus, Aldeia Velha, Dourado e Iguape, além de outros de menor importância. Com uma área em torno de 2.190km2 (SEMADS 2001), a geologia no âmbito da bacia do rio São João é caracterizado conforme a seguir (CPRM 2001): sedimentos fluviais e flúvio-marinhos do Quaternário;

Figura 1 - Localização da área de estudo (mapa do estado do Rio de Janeiro / IBGE, 1997). Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

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rochas alcalinas Cretácicas; Gnaisse Tingüi (Complexo Rio Negro); Cianita-sillimanita-granada-biotita xisto e gnaisse quartzo-feldspático (Complexo Búzios); Granada-biotita-sillimanita gnaisse quartzo-feldspático (Complexo Paraíba do Sul - Unidade São Fidélis); Hornblenda-biotita ortognaisse cálci-alcalino, granodiorítico a tonalítico (Complexo Região dos Lagos). Sob o ponto de vista geomorfológico a bacia apresenta quatro unidades morfoesculturais: escarpas serranas, maciços alcalinos intrusivos, planícies flúvio-marinhas (baixadas) e superfícies aplainadas das baixadas litorâneas (Dantas 2001). Entre 20 a 40m de altitude encontra-se a unidade geomorfológica “baixada do rio São João”, são planícies flúvio-marinhas, compreendendo os vales dos rios São João, Una e das Ostras, preenchidos por sedimentos de origem fluvial e flúvio-lagunar. Esses fundos de vales são delimitados pelas colinas baixas da superfície aplainada da Região dos Lagos ou por colinas isoladas e as vertentes íngremes situadas no sopé da escarpa da serra do Taquaruçu (Fig. 2). A partir da década de 1950, o rio São João e alguns de seus afluentes, foram submetidos a diversas obras de retificação (Medeiros 1987) com o objetivo de sanear a planície de inundação, implantar o cultivo irrigado e facilitar a construção da rodovia federal BR101. Durante as décadas de 1970 e 1980, na ocasião da construção da represa Juturnaíba, as obras de retificação foram retomadas com maior amplitude. Atualmente, o canal do rio São João está 52% menor em extensão do que o original (Cunha 1995). No curso superior do rio, os vales são muito en-

caixados até alcançar a larga planície aluvial, chegando na represa Juturnaíba. Os afluentes da margem esquerda são mais acidentados, pois nascem na área montanhosa, com declividade em torno de 50 a 65° (Fig. 3), sendo eles os que mais contribuem para o abastecimento hidráulico; já os afluentes da margem direita são em menor número e porte, com declividade média variando entre de 15 a 25° (Fig. 4), (Mello et al. 2003). A represa Juturnaíba está situada ao leste do município de Silva Jardim, com área em torno de 31km2 e profundidade máxima de 11m (Quintela & Cunha 1990). Antes do enchimento, era um corpo d’água de 4m de profundidade e de formato regular, com área em torno de 6km2, atingindo 8km2 nos períodos de cheia (Medeiros 1987). A represa, além do rio São João, recebe as águas dos rios Capivari e Bacaxá, que nascem na serra Azul a 280 e 400m de altitude, respectivamente. No que concerne às características climáticas, na bacia do rio São João predomina o clima tropical quente úmido, com temperaturas médias variando de 18 a 24°C. Há uma influência, quase todo ano, da Massa Tropical Atlântica, o que mantém a estabilidade do tempo. Esta, entretanto, sofre freqüentemente a interferência das frentes ou descontinuidades polares e linhas de instabilidade tropical, que promovem instabilidade. Tais correntes perturbadoras respondem em grande parte pelos totais pluviométricos anuais, que são em torno de 2.000mm, com concentração nos meses de outubro a março (75% do total anual), sendo junho e julho os meses mais secos (Quintela & Cunha 1990). Em relação à cobertura vegetal, observa-se na

Figura 2 – Vista panorâmica da área próxima ao areal Sanches (rio São João) com a representação das unidades geomorfológicas (Foto: Cláudio L. Mello). 376

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Figura 3 - Perfis longitudinais dos afluentes da margem esquerda do alto São João (Mello et al. 2003).

Figura 4 - Perfis longitudinais dos afluentes da margem direita do alto São João (Mello et al. 2003). bacia dois tipos principais: na planície, vastas extensões marcadas basicamente por gramíneas, formando pastagens e, nas encostas das serras, assim como no trecho médio-inferior do rio São João, onde se localiza a Reserva Biológica Poço das Antas, são encontrados remanescentes da Mata Atlântica (Oliveira et al. 1978). A devastação da cobertura vegetal da bacia do rio São João remonta ao período da colonização do Brasil, com a retirada de madeiras nobres, porém, o maior desmatamento ocorreu após a implantação do cultivo irrigado (IBDF 1981). Atualmente, o uso do solo é intenso, principalmente na parte sul, com presença de terrenos descobertos e já esgotados devido, em grande parte, ao cultivo de cítricos. Há a presença, também, de capoeira (mata secundária), principalmente próxima às margens dos rios; de brejos, periodicamente inundados e de mata ciliar em vários locais, sendo que, na porção do rio onde se localizavam os areais, a mata ciliar é Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

praticamente inexistente. De acordo com dados do IBAMA (1999), no período anterior à construção da represa Juturnaíba existia uma relevante atividade de pesca na bacia, predominando a captura do bagre, tainha, robalo e camarão. Bizerril & Primo (2001), em estudo sobre peixes de águas interiores do estado do Rio de Janeiro, concluem que o rio São João ainda compreende um ecossistema com alta biodiversidade. Porém, Mendonça (2004) constata a significativa redução da fauna original de peixes na represa Juturnaíba devido às retificações sofridas pelos rios e à construção da represa. MÉTODOS  Neste estudo foram realizadas diversas campanhas de campo no período de 2002 a 2005, com ações orientadas basicamente para o levantamento do perfil da atividade, coleta de amostras para ensaios em laboratório, monitoramento da dinâmica fluvial, e le377

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vantamento do uso e ocupação do solo e dos impactos ambientais negativos no curso médio-superior do rio São João. Levantamento do perfil da atividade, amostragem e ensaios  O perfil da atividade foi traçado mediante o cadastramento dos agentes de produção e visita a todos os portos de areia. Foram obtidos dados sobre os equipamentos utilizados, capacidade produtiva instalada, pessoal envolvido e formas de operação dos equipamentos, produção, destino e mecanismos de distribuição da areia. Nas ações seguintes foram obtidas amostras nas pilhas de areia dos areais (Fig. 5) para caracterização tecnológica preliminar do material lavrado, que envolveu a determinação da composição mineralógica, morfologia dos grãos, granulometria, selecionamento, esfericidade, teor de material pulverulento, percentual de matéria orgânica e massa específica da areia. Estabelecimento de perfis transversais ao canal fluvial  Diversos pesquisadores vêm estudando a geometria de canais fluviais através de seções transversais ao rio, com a finalidade de identificar as suas variações morfológicas, os processos sedimentares predominantes e as influências de eventos naturais e antrópicos sobre a forma dos canais, destacando-se entre eles, OlsonRutz & Marlow (1992), Wharton (1992), Harrelson et al. (1994), Park (1995), Rosgen (1996), Vieira & Cunha (1999) e Fernandes et al. (2001). Neste estudo os perfis transversais foram utilizados para monitoramento de longo prazo das condições fluviais e geomorfológicas do canal fluvial. Foram estabelecidas nove seções transversais, distribuídas em cinco areais, sendo que em quatro areais foi estabelecida uma seção no porto de areia e outra 100 metros a montante do ponto de extração, e em um areal somente uma seção no porto de areia (Figs. 5 e 6). As seções transversais tiveram por objetivo fornecer o perfil de elevação do rio, indicar as mudanças ocorridas com o tempo e, principalmente, fornecer a reposição de areia no local de extração. Os dados obtidos foram utilizados para avaliar as modificações na estabilidade do leito do rio, e saber se predominavam processos de agradação,

erosão ou se o leito do rio manteve-se inalterado. Em todas as seções transversais foram transportadas as cotas altimétricas de Referência de Nível (RN) topográfico mais próximos da área, através do banco de dados Geodésicos do IBGE. Também foram levantados e trabalhados dados históricos e atuais de três estações pluviométricas: Rio Dourado, Quartéis e Gaviões e uma fluviométrica: Correntezas, da Agência Nacional de Águas (ANA) / Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), localizadas na bacia hidrográfica do rio São João. As medidas foram sistematicamente tomadas, de 50 em 50cm, logo após o funcionamento das dragas e ao longo de vários dias depois. Após a interrupção da atividade mineira, o monitoramento prosseguiu por mais dois anos, para uma avaliação do comportamento da calha fluvial sem o funcionamento das dragas. Análise do uso e ocupação do solo  A análise do uso e ocupação do solo abrangeu toda a bacia do rio São João, e foi realizada através de técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto a partir de três imagens de satélite LANDSAT TM5, órbita/ponto 216/76, R5G4B3, adquiridas em 05/07/84, 22/07/94 e 18/10/00, com controle de campo. Os mapas foram produzidos com a utilização do software SPRING 4.1 do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE). As imagens foram registradas, recortadas, segmentadas (com limiar de similaridade 08 e limiar de área 30; nas imagens de 1984 e 1994, as segmentações adotadas foram de 95% e na imagem de 2000 foi de 90%), e classificadas pelo ISOSEG (técnica de segmentação e classificação nãosupervisionada por regiões do SPRING 4.1) em cinco classes, gerando mapas no Scarta 4.1 e no Iplot 4.1 (módulos do SPRING 4.1). Após a execução dos mapas foram extraídas as áreas em km2 correspondentes às classes estabelecidas e calculados os valores de perda e expansão de cada classe, depois foram calculadas as porcentagens referentes a cada área. RESULTADOS Caracterização da estrutura produtiva  A estrutura produtiva no “Distrito Areeiro” de Silva Jardim com-

Figura 5 - Localização dos areais. 378

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Figura 6 - Levantamento de seção transversal, areal Taquaruçu. preendia dez empresas de mineração das quais sete estavam em operação na ocasião do levantamento (julho de 2002). Em conjunto, apresentavam uma capacidade instalada de cerca de 312 mil m3 ao ano, com produção anual em 2000, 2001 e 2002, respectivamente, de 138, 114 e 25,5 mil m3. Os equipamentos utilizados compreendiam dragas (balsa, motor e bomba), retro-escavadeiras, pá carregadeiras, peneiras e, de modo geral, toda a estrutura encontrava-se em estado de grande desgaste. Somente um areal contava com silo, os demais armazenavam a areia diretamente no pátio (Fig. 6). A comercialização da areia era feita predominantemente com venda através da associação dos areeiros (APAREIA), responsável também pela determinação de preços, promoção, marketing e serviços de atendimento, sendo o transporte de responsabilidade do próprio cliente. Cerca de 90% do material extraído era destinado para os municípios de São Gonçalo e Niterói e os outros 10% para os municípios de Casimiro de Abreu, Itaboraí e Região dos Lagos. Os preços pratiRevista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

cados variavam de R$ 7,00 a R$ 11,00 o m3 em 2002, sendo os maiores preços cotados para os materiais de maior granulometria, oriundos dos areais localizados mais a montante do rio (Figs. 5 e 7). Caracterização do material lavrado  A fração leve da areia é constituída por quartzo (55 a 75%), feldspato (08 a 15%) e mica (15 a 33%). Os minerais pesados ocorrem subordinadamente e são representados principalmente por biotita, granada, ilmenita e hornblenda; subordinadamente por monazita, espinélio, limonita, magnetita, sillimanita e traços de zircão e augita. Os cristais de quartzo mostraram-se muito angulosos a angulosos, os feldspatos sub-arredondados a arredondados e, em sua maioria alterados, com coloração amarelada, sendo parcialmente pulverulentos e com textura fosca. De modo geral a areia apresenta granulometria muito grossa a média (Tab. 1 e Fig. 7), selecionamento variando de moderado a mal selecionada e exibem baixa esfericidade. O teor de material 379

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Tabela 1 - Resultados de análises de teor de material pulverulento, matéria orgânica e massa específica das areias do rio São João, “Distrito Areeiro” de Silva Jardim. Material pulverulento (%)

Matéria orgânica (%)

Massa específica (g/cm3)

Taquaruçu (São João)

0,56

1,6

2,61

Taquaruçu (Pirineus)

1,05

0,26

2,62

Correntezas (Bananeiras)

3,56

0,30

2,62

Correntezas (São João)

2,6

0,37

2,60

Sanches

6,4

1,04

2,61

Aveirense

2,53

0,62

2,56

Areais

Figura 7 - Distribuição granulométrica das areias do rio São João, “Distrito Areeiro” de Silva Jardim. (imagem colorida disponível na versão on-line) pulverulento varia de 0,52% (areal Taquaruçu, rio São João) a 6,4% (areal Sanches), os percentuais de matéria orgânica variam de 0,26% no afluente Pirineus a 1,6% no rio São João (areal Taquaruçu) e as determinações de massa específica indicaram valores em torno do 2,60g/cm3. O regime pluviométrico e fluviométrico  Uma parcela da carga sedimentar dos cursos d’água é obtida pela ação erosiva que as águas exercem sobre as margens e fundo do leito (Christofoletti 1981). A maior parte, entretanto, é fornecida pela remoção detrítica das vertentes. Por essa razão, desde há muito tempo reconhece-se que o transporte de sedimento é governado por fatores hidrológicos que controlam as características e o regime dos cursos de água. Dentre esses fatores destacase a quantidade e a distribuição das precipitações. Os fluxos e transporte de sedimentos constituem respostas aos processos e ao estado de equilíbrio atuantes no sistema fluvial. O estudo da pluviosidade é muito importante em análises da evolução de perfis transversais ao rio, na medida que a precipitação influencia tanto no escoamento superficial nas encostas, como no escoamento canalizado, transporte e sedimentação dos materiais sólidos no canal fluvial. Foram obtidos dados atuais e históricos de três estações pluviométricas da ANA/CPRM, localizadas na bacia hidrográfica do rio São João, num período de cinco anos de observação (1999 a 2003): estação Rio 380

Dourado, localizada mais próxima à linha da costa, a 12m de altitude; estação Quartéis, localizada em relevo montanhoso na parte norte da bacia, a 58m de altitude; e a estação Gaviões, localizada próximo à nascente do rio São João, a 1.620m de altitude. Estes dados permitiram a avaliação do controle da linha da costa e do relevo nos índices pluviométricos. Adicionalmente, foram obtidos dados fluviométricos da estação Correntezas, da ANA/CPRM, localizada no rio Bananeiras, a 23m de altitude, próximo ao areal Correntezas. A estação pluviométrica Rio Dourado está mais susceptível às chuvas por convecção, devido a sua proximidade do oceano Atlântico (influência marítima) e, conseqüentemente, na grande capacidade de evaporação. São chuvas rápidas apresentando uma média mensal de 142mm e totais anuais em torno de 1.700mm (Fig. 8). As estações pluviométricas Quartéis e Gaviões localizam-se próximas ao relevo acidentado, onde o clima é mais úmido, porém amenizado pela altitude. Estas áreas são caracterizadas pelas chuvas orográficas, apresentando maiores concentrações mensais e médias anuais (Fig. 8). A influência topográfica funciona como uma barreira natural à entrada de frentes frias, gerando chuvas concentradas, mesmo fora do período chuvoso. Tais concentrações podem ser vistas nos gráficos de distribuição diária na Fig. 9. A estação pluviométrica Quartéis registrou 167mm de média mensal e 1.620mm de total anual; já a estação Gaviões registrou 192mm de média mensal e 2.300mm de total anual (Fig. 8). Os dados provenientes da estação Gaviões são mais indicados na análise da evolução das seções transversais ao rio, uma vez que esta estação localiza-se próxima à cabeceira do rio São João. Sendo assim, ela registra as chuvas que influenciam diretamente o “Distrito Areeiro” de Silva Jardim. Apesar do gráfico dos dados fluviométricos (Fig. 8) ter uma curva suave, devido aos escoamentos subsuperficiais que alimentam o rio de forma lenta e contínua, observa-se uma forte relação com os gráficos de distribuição de chuvas médias mensais, sendo em todos os gráficos os maiores índices encontrados nos meses de janeiro e dezembro. Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

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Figura 8 - Médias pluviométricas e fluviométricas mensais de 1999 a 2003.

Figura 9 - Distribuição pluviométrica diária, estação Gaviões (Rep - corresponde ao período de reposição de areia na área lavrada). Os escoamentos fluviais incluem os chamados fluxos de chuva, os quais são gerados depois de determinado tempo de chuva e, ao atingir o canal de drenagem, aumentam sua vazão, e os fluxos de base, que são parte do fluxo canalizado que se mantém durante os períodos secos e são alimentados pela descarga da água subsuperficial residente nos solos e rochas. Essa água subterrânea representa chuvas passadas estocadas Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

no solo (Coelho Netto 2003). Monitoramento da calha fluvial através de seções transversais  Os dados obtidos nos perfis transversais ao rio São João e tributários indicaram uma rápida reposição de areia nos areais localizados mais a montante, mesmo nos períodos com baixos índices pluviométricos, como foi o caso do areal Taquaruçu (rio São 381

A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ

João), onde foi registrada uma total reposição na área dragada em apenas quatro dias, em 12/10/2002. A área no perfil correspondente a esta reposição foi em torno de 16,8m2 (Fig. 10). Não sendo registrada pluviodidade no dia do levantamento da seção e, nem nos nove dias

antecedentes (Fig. 9 – Rep. 1; Rep.: indica na figura o dia do levantamento da reposição de areia na área lavrada). Os areais localizados nos afluentes também apresentaram rápida reposição de areia. No areal Taquaruçu

Figura 10 - Perfis transversais ao rio, seções nos portos de areia. 382

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(rio Pirineus), foi registrada uma reposição total em um mês e 19 dias, correspondendo a uma área de 20m2 no perfil (Fig. 10), entre os meses de julho e setembro de 2002, sendo esse período de baixa pluviosidade, com um total de 116,5mm distribuídos em nove dias (Fig. 9 – Rep. 2). Após esta data o rio foi novamente dragado e, um mês depois, foi observada uma reposição total de areia, correspondendo a uma área de 22m2 no perfil (Fig. 10), nesse período houve cinco dias de chuva com um total de 84mm (Fig. 10 – Rep. 3). No afluente Bananeiras, areal Correntezas, foi verificada completa reposição em 28 dias, entre os meses de agosto e setembro de 2002, correspondendo a uma área no perfil de 14,4m2 (Fig. 10). Nesse intervalo foram registrados dois curtos períodos de chuva, com 46,6 e 40,3mm cada (Fig. 9 - Rep. 4). Depois, o rio foi dragado novamente e houve uma reposição correspondendo a uma área de 25,5m2 no perfil, de outubro de 2002 a janeiro de 2003, sendo este intervalo de maiores índices pluviométricos (Fig. 9 – Rep. 5 e 10). No areal Sanches, 7km abaixo do areal Taquaruçu, foi observada uma reposição mais lenta do que nos areais a montante, demorando quatro meses e meio (entre os dias 02/11/2002 e 10/02/2003) para total recomposição da área lavrada, de 33m2 em perfil (Fig. 10), sendo necessário iniciar o período chuvoso (Fig. 9 – Rep. 6). Como foi o caso, também, do areal Aveirense, localizado mais a jusante, onde a reposição de sedimentos foi menos acelerada ainda, indicada pelo acréscimo de 12m2 no perfil, em dois meses (de agosto a outubro

de 2002). O registro de total reposição ocorreu somente em fevereiro de 2003, correspondendo a uma área de 68,36m2 no perfil (Fig.s 9 - Rep. 7 e 10). Nas seções localizadas 100m acima da área dragada, foi constatada a predominância dos processos de sedimentação. Somente no areal Taquaruçu, porto de areia no rio São João, foi observada em perfil, erosão de 4,5m2 da calha fluvial durante o período de extração de areia (Fig. 11). De modo geral, os dados obtidos nos portos de areia, após a paralisação da lavra, indicaram um acúmulo de sedimentos areno-quartzosos na calha fluvial, culminando no assoreamento de alguns segmentos do rio (Fig. 12). Os trechos da calha fluvial onde foram observados maiores acúmulos de areia correspondem ao areal Taquaruçu (portos do rio São João e Pirineus), com respectivamente 32,5 e 40m2 de sedimentação em áreas nos perfis, e areal Correntezas (rio Bananeiras), com 23,4m2 de reposição no perfil (Fig.s 10). As medidas feitas 100m acima das dragas indicaram um acúmulo de areia mais acelerado em todos os pontos monitorados após a paralisação das atividades nos areais, principalmente no areal Taquaruçu, no rio Pirineus, onde houve uma agradação de 37,4m2 (Fig. 11). A análise dos dados pluviométricos aliada aos perfis transversais mostra uma relação direta entre a acelerada reposição de areia nas áreas lavradas e as chuvas concentradas nos meses de outubro a março. Entretanto, foram registradas rápidas reposições nos meses de agosto a setembro em resposta às chuvas

Figura 11 - Perfis transversais ao rio, em seções 100m a montante dos portos de areia. Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

383

A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ

Figura 12 - Assoreamento da calha fluvial com formação de barras de areia, confluência dos rios São João e Bananeiras, onde se encontrava o areal Sanches. orográficas (Fig.s 9 e 10). Estudo temporal do uso e ocupação do solo  Os mapas de uso e ocupação do solo evidenciaram transformações ocorridas na bacia do rio São João ao longo de 16 anos. Para melhor comparação qualitativa e quantitativa, foram separadas cinco classes. Na classe vegetação inclui-se tanto a floresta nativa como áreas com vegetação secundária; a classe área urbana refere-se aos núcleos urbanos; a classe uso agropastoril abrange toda 384

a atividade pertinente à agricultura e/ou pasto, estejam elas com ou sem vegetação; a classe corpo d’água está relacionada a toda extensão da represa Juturnaíba e a classe sedimento em suspensão refere-se à parte da represa onde foi identificada uma concentração de sedimentos em suspensão. Devido à opção de reduzir a apenas um tipo de vegetação, definiu-se limiares que não identificaram as vias, gerando assim um menor número de classes. No mapa de 1984 (Fig. 13), pode-se observar Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

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Figura 13 - Mapas de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João nos anos de 1984, 1994 e 2000, elaborados com base na imagem de satélite Landsat TM5. Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

385

A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ

maior preservação da vegetação, não somente nas áreas de relevo montanhoso e na Reserva Biológica Poço das Antas, mas em toda a bacia, inclusive na parte sul. O uso agropastoril concentra-se ao sul e sudeste da bacia, principalmente, próximo às margens dos rios. Nesta época, já existia a represa Juturnaíba, porém, ela ocupava uma área bem menor do que a atual. O rio São João era ligado à represa pelo canal Revólver e não foi observada a presença de sedimentos em suspensão. O mapa de 1994 (Fig. 13) mostra maior devastação da vegetação, com uma extensa presença de uso agropastoril. O rio São João passou a desaguar na represa, devido à expansão de sua área, que quase triplicou de tamanho. No mapa de 2000 (Fig. 13), observa-se uma significativa redução das áreas com vegetação e o predomínio das áreas de uso agropastoril, inclusive na parte norte da bacia. Nesta região verificam-se manchas remanescentes de florestas de variados tamanhos, principalmente, nos topos das colinas, possivelmente devido às leis ambientais, que regulam os desmatamentos nas nascentes das drenagens. Também é notório o grande crescimento urbano na faixa litoral, que tem resultado na devastação da vegetação de restinga e dos manguezais. Outra observação importante na imagem de 2000 refere-se aos sedimentos em suspensão na represa de Juturnaíba, próximo à foz dos rios Capivari e Bacaxá. Isto evidencia a intensificação dos processos erosivos na parte sul da bacia, possivelmente devido ao extenso e mau uso agropastoril do solo. Foi constatada, no mapa de 2000 (Fig. 13) e em trabalhos de campo, a degradação do solo no entorno da represa, devido à devastação da cobertura vegetal,

intenso uso agropastoril e à ocupações da margem da represa, com a retirada da mata ciliar. Observando a distribuição em área das classes registradas nos mapeamentos (Tabs. 2, 3 e 4), verificase que houve uma perda constante da vegetação principalmente para o uso agropastoril. Foi registrado (Tab. 2) um acréscimo na área da represa Juturnaíba, entre os anos de 1984 e 1994. Em 2000 a represa manteve, praticamente, a mesma extensão do ano anterior, porém foi registrada uma área de 7km2 com sedimentos em suspensão (Tab. 3). Os dados da tabela 4 mostram uma relação positiva entre a perda e expansão nas classes: vegetação (com uma perda de 19,69%) e uso agropastoril (com uma expansão de 17,26%), entre os anos de 1984 e 2000, confirmando o aumento no uso do solo para atividades rurais na bacia. Há também uma expansão de 1,51% da área urbana bem menos expressiva quando comparada com a rural. Impactos ambientais negativos gerados pela atividade de mineração  Os recursos hídricos são bastante sensíveis às atuações antrópicas, sendo a extração de areia uma delas, tornando-se mais problemática ainda quando feita de forma incorreta, sem os devidos critérios e cuidados, o que pode acarretar graves agressões ao meio ambiente. Foram identificados, através dos limites e critérios estabelecidos pelo: Código de Mineração Decreto 62.934/1968; Código Florestal Brasileiro Lei 4.771/1965, como também a sua Medida Provisória 2.166-67/2001 e a Resolução do CONAMA 302/2002; Deliberação Estadual CECA 4.222/2002; Lei Estadual 1.130/1987 e pelo Folheto Explicativo destinado às

Tabela 2 - Valores em áreas (km2) das classes de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João entre 1984 e 1994. Classes de uso e ocupação do solo Vegetação

1984

1994

Perda

Expansão

(Km )

(Km )

(Km )

(Km2)

1.103

779

324

-

2

2

2

Área urbana

97

113

-

16

Uso agropastoril

979

1.267

-

288

Corpo d’água

11

31

-

20

Tabela 3 - Valores em áreas (km2) das classes de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João entre 1994 e 2000. Classes de uso e ocupação do solo Vegetação Área urbana Uso agropastoril Corpo d’água Sedimentos em suspensão

386

1994

2000

Perda

Expansão

(Km )

(Km )

(Km )

(Km2)

779

672

107

-

113

130

-

17

1.267

1.357

-

90

31

24

7

-

-

7

-

7

2

2

2

Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello

Tabela 4 - Valores em percentuais das classes de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João no período de 16 anos (1984 a 2000). Classes de uso e ocupação do solo

1984

1994

%

%

Vegetação

50,37

35,57

2000

Perda

Expansão

%

%

%

30,68

19,69

-

Área urbana

4,43

5,16

5,94

-

1,51

Uso agropastoril

44,70

57,85

61,96

-

17,26

Corpo d’água

0,50

1,42

1.10

-

0,60

-

-

0,32

-

0,32

Sedimentos em suspensão

prefeituras do estado do Rio de Janeiro, publicado pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA / Batista 1997), impactos negativos, decorrentes das ações inadequadas nas áreas de mineração, sendo eles: devastação da Área de Proteção Permanente (APP) - fixação de pátio de operação, manobras e estocagem de areia; alteração da paisagem pela formação de grandes montes de estocagem de areia no pátio de operações e, em alguns casos, muito próximos à margem do rio, na APP; desmontes de margens fluviais ocasionados por dragagens feitas muito próximas ou até mesmo nas próprias margens; possível aceleração na velocidade de escoamento fluvial, devido à extração em grandes profundidades; vazamento de óleos e graxas; obstrução do canal fluvial pelo descarte de parte de equipamentos; extração de areia próxima à obra de arte (ponte); e equipamentos mal dimensionados para o porte do rio e com elevado grau de desgaste. DISCUSSÕES E CONCLUSÕES  O “Distrito Areeiro” de Silva Jardim foi considerado um importante pólo produtor de areia para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, fornecendo insumo, principalmente, para os municípios de São Gonçalo e Niterói. Como um fator positivo, os empreendimentos contavam com facilidade de escoamento do produto e proximidade dos centros consumidores, sendo que o produto tinha boa aceitação no mercado. A facilidade de colocação do material no mercado deveu-se muito mais à proximidade do mercado consumidor do que às características do material, uma vez que desvantagens, como a grande concentração de minerais micáceos, não constituíram empecilho para a sua comercialização. As análises mostraram que as areias possuem algumas características tecnológicas favoráveis, de acordo com as normas da ABNT NBR’s 7214 (1982) e Projeto 7211 (2004), tais: baixos teores de matéria orgânica, boa distribuição granulométrica, alta concentração de quartzo, bons índices de massa específica e ausência de torrões de argila. Como características desfavoráveis apresentava: altos teores de material pulverulento (areais Correntezas e Sanches), considerando o limite de material pulverulento para concreto sujeito a abrasão de 3% e para os demais concretos de 5% (Frazão et al. 2002); alta concentração de mica em todas as amostras, com valores variando de 15 a 33%, considerando 2% o Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007

limite tolerado para a adesividade e a trabalhabilidade das argamassas e concretos; baixo grau de esfericidade dos grãos de quartzos e feldspatos; e a alta angulosidade dos grãos de quartzo. Dentre as motivações que suscitaram os estudos na região havia a dúvida sobre os danos provocados pela mineração no leito do rio. As calhas fluviais nos portos de areia foram então sistematicamente monitoradas e os resultados mostraram que havia uma rápida reposição de areia na maioria das áreas dragadas. A maior velocidade de reposição de areia ocorreu nos areais Taquaruçu (rios São João e Pirineus) e Correntezas (rio Bananeiras), durante todo o ano, independentemente dos índices pluviométricos. Já nos areais localizados mais a jusante (Sanches e Aveirense), a reposição foi mais acentuada no período de maior índice pluviométrico (outubro a março). Estes dados indicaram que os impactos negativos foram mais em decorrência das práticas inadequadas utilizadas pelos mineradores do que a retirada de areia propriamente dita. Como corrobora Kondolf (1994b) a extração de areia em rios é possível de ser conduzida com segurança quando a taxa de extração de areia não excede a taxa de reposição, porém é necessário realizar uma pesquisa contínua, visto que, o fluxo e o transporte de sedimentos para a maioria dos rios são altamente variáveis de ano a ano. No âmbito geral da bacia do rio São João, a análise dos impactos ambientais mostrou que fatores negativos mais relevantes antecederam à mineração, sendo eles: as atividades agropastoris e a retificação dos canais fluviais. A análise comparativa dos mapas de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João, dos anos de 1984, 1994 e 2000, indica que as transformações sofridas pela bacia, em virtude das intervenções antrópicas agropastoris, desencadeou severos impactos ambientais negativos. Os mapas mostram uma contínua devastação da mata nativa, devido à ação antrópica, principalmente, no que se refere ao alastramento do uso agropastoril na parte sul, que ocorreu devido às obras de drenagem sofridas pelos canais fluviais, destruindo assim muitas áreas de brejo e mangue. O aumento da erosão laminar decorrente ao intenso uso agropastoril é evidenciado pela presença de corpo d’água com concentração de sedimentos em suspensão, na parte sul da represa Juturnaíba, próximo à desembocadura dos rios Capivari e 387

A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ

Bacaxá (vide Fig. 13), sendo assim, é possível afirmar que os afluentes da margem sul da represa podem ser considerados os agentes mais importantes no aporte de material em suspensão para a represa. Observa-se um avanço da degradação na APP tanto no topo de morros, quanto no entorno da represa, o que favorece a aceleração da erosão do solo, contribuindo, também, para a sedimentação na represa. A análise dos dados das seções transversais aliada ao estudo temporal de uso e ocupação do solo sugere que a retificação dos canais fluviais, associada às intervenções antrópicas agropastoris, devem estar resultando num maior aporte de sedimentos na bacia hidrográfica. No período chuvoso, há um intenso fluxo hídrico superficial, decorrente das chuvas torrenciais, carreando uma grande carga de sedimentos. Os sedimentos finos, como silte e argila, são conduzidos em suspensão para a represa Juturnaíba e as partículas areno-quartzosas acumulam-se nos canais de escoamento, progressivamente promovendo o assoreamento das calhas fluviais. Neste contexto, a paralisação da mineração tem acentuado este desequilíbrio, na medida que deixou de retirar os excedentes de sedimentos das calhas fluviais. Uma conseqüência do assoreamento no rio São João foi observada recentemente, quando ocorreu o desabamento da ponte sobre o rio São João no Km 228,5 da BR-101, em Silva Jardim, no dia 08 de novembro de 2005, em decorrência do transbordamento do rio. Considerando-se os sérios danos causados pela retificação dos canais fluviais, a ausência da mata ciliar e o uso intenso do solo na bacia do rio São João, pode-se avaliar a atividade de mineração de areia no curso médio-superior do rio São João como de impacto ambiental secundário. Esta atividade pode até ser conduzida sem promover impactos ambientais adversos se forem mantidas as condições naturais de regime

hidráulico do sistema fluvial que, no caso do rio São João, atualmente já se encontra comprometida. Assim, o atual estado de degradação da bacia do rio São João requer, antes de tudo, ações que possibilitem o retorno do estado de equilíbrio ou semi-equilíbrio do rio São João e seus tributários. A mineração em leito de rios pode ser tolerada, se não houver a remoção de maior quantidade de sedimentos que o sistema pode repor. A questão é determinar a percentagem de carga de fundo transportada pela corrente fluvial. O problema pode ser abordado empiricamente pela observação das mudanças do canal fluvial, resultantes da extração do material aluvionar. A abordagem metodológica utilizada neste trabalho, diante do quadro verificado na bacia do rio São João, e em consonância a estudos semelhantes em outras regiões, mostra que as modificações do canal podem ser monitoradas através de levantamentos efetuados diretamente no terreno e pode-se sugerir um plano de monitoramento em dois estágios: no primeiro deve-se efetuar um diagnóstico da situação do rio antes das atividades de mineração, quando devem ser levantadas as conFig. ções gerais do sistema fluvial e uso da terra nas escalas da bacia e local; no segundo estágio deverá ser implementado o monitoramento da calha fluvial, durante as atividades de mineração, através de seções transversais à calha fluvial. Estes dados poderão subsidiar a escolha do melhor local para extração de areia. Tendo em vista a manutenção das condições ambientais do rio, a mineração de areia pode até ser conduzida, desde que, amparada por critérios reguladores, principalmente, taxa de sedimentação e índices pluviométricos, aliados permanentemente ao monitoramento e a recuperação da mata ciliar e considerando a fragilidade do sistema hídrico, e as outras formas de uso dos recursos naturais e ocupação do solo.

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