A MOBILIZAÇÃO DA VOZ DO/A LEITOR/A NA IMPRENSA DE BAIRRO PAULISTANA: UMA ABORDAGEM INTRODUTÓRIA

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A MOBILIZAÇÃO DA VOZ DO/A LEITOR/A NA IMPRENSA DE BAIRRO PAULISTANA: UMA ABORDAGEM INTRODUTÓRIA Paulo Roberto Gonçalves Segundo (USP)1

ABSTRACT: The aim of this article is to present an introductory approach to texts that mobilize the readers’ voice in São Paulo’s local press, focusing the attention towards the rhetorical and teleological structure of these texts in correlation to aspects concerning the intersubjective negotiation between the authorial voice, the reading community and the newspaper itself. The research draws upon the theoretical assumptions from Systemic Functional Linguistics (Halliday, 2004; Martin & White, 2005) in order to describe patterns of ideational and interpersonal resources that configure the discourse practice under analysis. The first investigations indicate that there is a high diversity of ways whereby the local press mobilizes the readers’ voice, although the main teleological structure concerns complaining texts. These texts preferentially instantiate negative judgments of social esteem and sanction, through exhortative and critical textual models, in order to frame the requisition of practical actions of social institutions concerning the resolution of communitarian problems. In this process, the actualization of the rhetorical-affective sequence of indignation revealed itself productive and relevant. KEYWORDS: local press; intersubjective negotiation; indignation; reader; appraisal. Introdução A imprensa de bairro paulistana consiste na maior imprensa local do país. São cerca de 60 publicações, de caráter semanal, quinzenal ou mensal, filiadas à AJORB (Associação dos Jornais e Revistas de Bairro de São Paulo)2, o que totaliza mais de cinco milhões de exemplares distribuídos por mês. Indubitavelmente, uma cifra que não se pode desconsiderar.

1

Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Área de Filologia e Língua Portuguesa. São Paulo – SP. e-mail: [email protected] 2 Fundada em 1971, a AJORB busca organizar as publicações de jornais e revistas locais na capital, de modo a articular um espaço de cooperação entre os periódicos, fortalecendo o papel desses veículos junto ao públicoleitor, conforme seu estatuto permite depreender: Artigo 1.º - A Associação dos Jornais de Bairro de São Paulo (AJORB) é uma sociedade civil, com sede e foro na cidade de São Paulo, Estado de S. Paulo, Brasil, e tem por finalidade: a. promover a aproximação entre proprietários de jornais de bairro, visando estreitar cada vez mais as relações de amizade e a solidariedade entre eles; b. criar clima propício à cooperação, à troca de informações e de idéias e, finalmente, à ação conjunta dos jornais associados na solução dos problemas que lhes são peculiares; c. promover esclarecimento da opinião pública sobre as funções econômicas e sociais dos jornais de bairro e sobre os serviços prestados por eles à comunidade; d. cooperar com os poderes públicos, associações de classe e quaisquer outras instituições, em tudo que interesse diretamente aos filiados a AJORB; e. promover a realização de cursos e seminários para os filiados à AJORB, assim como permuta de informações visando a melhoria dos conhecimentos técnicos especializados; f. realizar serviços que visem fortalecer econômica e tecnicamente os filiados à AJORB; g. elaborar estudos e planos referentes a promover os jornais regionais e comunitários, junto ao grande publico e autoridades, mostrando a força e o valor destes órgãos na formação da opinião pública;

Segundo Sant’Anna (2008), o florescimento recente dos jornais locais deve-se, em larga medida, ao fortalecimento do processo de desmassificação dos meios, proposto por Meyer (2007) e definido como uma tendência geral, presente na contemporaneidade, especialmente após a década de 1970, referente a uma mudança no padrão de consumo de informação, que se desloca do âmbito maciço e global para o regional e específico. Tal constatação não permite afirmar, entretanto, que a mídia de massa esteja definhando, muito menos que tenha perdido sua capacidade de penetração. O que a emergência de tal processo possibilita explicar é o recente boom de jornais e revistas voltados a públicos específicos, organizados em termos de orientação sexual, gênero, agremiação esportiva, etnia, geografia, faixa etária, assim como a queda nas vendas dos jornais de grande porte no Brasil e no mundo.3 Nesse sentido, essas novas publicações acabam constituindo-se em alternatividade no que tange à atividade da grande imprensa, construindo um nicho de mercado específico, capaz de atrair e fidelizar o segmento de leitores/as para o qual estão voltadas, objetivo este que, para ser alcançado, demanda um maior conhecimento acerca do público-consumidor. Entretanto, dado o caráter relativamente mais homogêneo desse conjunto de leitores/as, tornase menos complexo, de um ponto de vista jornalístico, produzir textos que sejam de seu interesse, assim como atrair publicidade a eles/as orientada.4 No caso da imprensa local ou de bairro, é forçoso reconhecer que — dada a especificidade geográfica de sua distribuição e a sua baixa capacidade de alocação de recursos tanto financeiros quanto profissionais para a produção do periódico — a perspectiva regional constitui-se em seu nicho de mercado, o que implica que tal modalidade de imprensa deva procurar assumir uma relação de maior interatividade com seu público-leitor, de modo a criar uma identificação entre a instância de produção e de consumo textual, garantindo que a voz do/a cidadão/ã comum seja ouvida, discutida e amplificada, o que não tende a ocorrer na grande mídia. Segundo Peruzzo (2005: 81), a imprensa local deveria operar com a informação de proximidade, que consiste naquela que h. nenhum filiado à AJORB será discriminado por motivo de raça, de cor, de religião e de convicções políticas e a AJORB não terá caráter partidário. (Fonte: http://www.ajorb.com.br/aj-aniversario.htm, consultado em 09 de setembro de 2013) 3 É importante destacar também, nesse quesito, o papel da internet, que pressiona os veículos de comunicação da mídia especializada a não somente apresentar informações, mas principalmente opinião e comentário, tendo em vista que aquela pode ser acessada imediatamente pelo meio virtual. Nesse sentido, os atores sociais que consomem produtos jornalísticos orientados pelo viés de aquisição de informação tendem a migrar para o consumo em ambiente virtual. Para maiores detalhes, ver Sant’Anna (2008); Meyer (2007). 4 Para maiores detalhes, ver Sant’Anna (2008).

expressa as especificidades de uma dada localidade, que retrate, portanto, os acontecimentos orgânicos a uma determinada região e seja capaz de ouvir e externar os diferentes pontos de vista, principalmente a partir dos cidadãos, das organizações e dos diferentes segmentos sociais. Enfim, a mídia de proximidade caracteriza-se por vínculos de pertença, enraizados na vivência e refletidos num compromisso com o lugar e com a informação de qualidade e não apenas com as forças políticas e econômicas no exercício do poder.

A criação de vínculos de pertença ou identificação, pautados em uma construção discursiva que destaca a experiência comum, assentada em representações e avaliações complacentes em relação ao que se pressupõe acerca da comunidade leitora, em uma atitude contínua de demonstração da capacidade do periódico em atender as reivindicações e as demandas do público, consiste, de fato, em uma das facetas que definem a esfera do jornalismo local, conforme Gonçalves Segundo (2011) já apontara no que concerne à análise dos aspectos negociativos e retórico-teleológicos dos editoriais dessa modalidade de imprensa. Tal posicionamento não é diferente no que tange aos textos de mobilização da voz do/a leitor/a. Na medida em que a imprensa de bairro se configura em uma esfera que, preferencialmente, se propõe como mediadora dos interesses da comunidade leitora em relação ao poder público, buscando constituir-se em um potencial interlocutor entre o público e o privado, por um lado, e entre o institucional e o cotidiano, por outro, é de suma relevância que haja espaço, em suas publicações, para que o leitor seja subtraído do anonimato e encontre espaço para a amplificação da sua voz, tanto em termos de seus posicionamentos críticos ou laudatórios perante o comportamento humano, quanto em termos de suas demandas e necessidades, muitas vezes, ignoradas pelos órgãos públicos e pelas organizações privadas. Em consequência disso, tal imprensa opera, constitutivamente, na tensão entre a publicação de textos que abarcam tanto questões regionais e cotidianas quanto sociopolíticas e globais, ora exacerbando cumplicidade, identificação e proximidade, ora estabelecendo autoridade e distanciamento, tendo que “navegar” nesse continuum que polariza o íntimo, o particular e o privado, por um lado, e o público, o coletivo e o político, por outro. Tal heterogeneidade se manifestará nos distintos modos pelos quais os periódicos mobilizam a voz do/a leitor/a em suas publicações. A opção, inclusive, pela denominação textos de mobilização da voz do/a leitor/a deve-se ao fato de que não se pode considerar que a essa voz se faça presente nos jornais de bairro sempre por cartas, publicadas com maior ou menor grau de edição, conforme ocorre na grande imprensa. A imprensa de bairro possui uma variedade de modos de apropriá-la, fato que decorre da natureza mais participativa e interativa de suas publicações, que, muitas vezes, contam

com a possibilidade da intervenção direta do/a leitor/a. Nesse sentido, há periódicos que publicam cartas não editadas; outros que publicam textos editados; ainda há aqueles que não publicam a carta, mas incorporam a voz do/a cidadão/ã por meio do discurso relatado, apontando as reivindicações nela instanciadas; além dos casos em que membros da comunidade se deslocam até a instituição jornalística para realizar a denúncia, que é publicada na edição. Tal pluralidade no que tange às condições de produção dos textos não permite denominar todos esses textos como cartas do/a leitor/a. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa reside na investigação das idiossincrasias dessa participação do/a leitor/a, buscando depreender os padrões representacionais e interpessoais associados aos textos que mobilizam a voz desse grupo na imprensa local paulistana no que concerne à sua interface com os aspectos retórico-teleológicos e sociocomunicativos que os envolvem. Para tal, utilizar-se-ão os pressupostos teóricos da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) (Halliday, 2004; Hasan, 2009; Matthiessen, 2009) e da Teoria da Avaliatividade (Martin & White, 2005). Este artigo enfocará os resultados preliminares do estudo, destacando os principais parâmetros de organização textual depreendidos — notadamente, os textos de agradecimento, parabenização e reclamação, com ênfase neste último — e os padrões interpessoais pertinentes, com especial atenção para a

AVALIATIVIDADE5.

O corpus, ainda em construção,

conta com 77 exemplares textuais, dentre os quais 35 foram coletados de três periódicos do século XXI, enquanto os 42 restantes foram coletados de publicações do XX, em meio ao período totalitário.6 A tabela abaixo apresenta a composição do corpus atual: Tabela 1. Apresentação do corpus coletado

Jornal Nosso Bairro (jnb) SP Norte (spn) Folha da Vila Prudente (fvp) Correio da Zona Sul (czs) Gazeta da Vila Prudente (gvp) O Independente da Zona Norte (izn) 5

2006 2007 2006 1973 1982

Total de textos coletados 13 6 16 11 6

Percentual aproximado em relação ao corpus total 17% 8% 21% 14% 8%

1978

4

5%

Cronologia

Ano(s)

Século XXI Século XXI Século XXI Século XX Século XX Século XX

Trata-se de convenção da teoria escrever em Versalete (small caps) a denominação dos sistemas. Embora não se constitua em objetivo deste trabalho analisar as idiossincrasias estilísticas, avaliativas e representacionais em perspectiva diacrônica, mas sim, depreender padrões gerais de configuração da prática discursiva mencionada, apenas apontando brevemente questões relativas à mudança genérica, é relevante assinalar a divisão do material em dois corpora para uma futura investigação comparativa. Em Gonçalves Segundo (2011), foram detectadas importantes distinções referentes à construção da avaliação e do envolvimento em editoriais da imprensa de bairro quando considerados ambos os períodos. Uma análise inicial dos textos de mobilização da voz do/a leitor/a parecem levar a conclusões semelhantes. Tais aspectos, entretanto, não serão aqui focalizados, mas serão considerados em trabalhos posteriores. 6

Jornal de Pinheiros (jp)

Século XX

Tribuna da Lapa (tl)

Século XX

1984 1981; 1984

11

14%

10

13%

A primeira seção deste capítulo explorará os pressupostos teóricos considerados para a análise dos dados; a segunda apontará considerações de caráter metodológico; a terceira mostrará as principais perguntas que orientarão a pesquisa como um todo; e a quarta apresentará a análise dos dados, enfatizando: a. os aspectos da estrutura retórico-teleológica inerente aos textos de reclamação, agradecimento e parabenização; b. a construção da sequência retórico-afetiva de indignação, vinculada à teleologia de reclamação; c. os padrões interpessoais mobilizados pelos/as leitores/as para a construção de seus objetivos comunicativos em face das coerções teleológicas e negociativas, destacando a construção da legitimidade do trabalho jornalístico e a autopromoção das vozes institucionais em textos que valorizam o periódico.

Pressupostos teóricos A concepção sistêmico-funcional de linguagem e sua aplicação para a descrição discursivo-textual Entende-se, nesta pesquisa, que a língua se configura em um sistema aberto e dinâmico, orientado para a ação e reflexão, dotado de potencial semogenético, ou seja, da capacidade de gerar significado (Matthiessen, 2009). Nessa perspectiva, de base sistêmicofuncional (Halliday, 2004), a dinamicidade e a abertura se explicam por meio da capacidade de adaptação do sistema às demandas do meio ecossocial no qual opera, de modo a incorporar novas opções e paradigmas em resposta a essas novas necessidades. A orientação reflexiva, por sua vez, relaciona-se à capacidade humana de construir, por meio da língua, a experiência interna e externa, fazendo emergir diferentes posicionamentos, recortes e versões da realidade; já a orientação acional envolve a negociação de relações sociais e discursivas, assim como a construção identitária, atividades que concernem à intersubjetividade constitutiva da comunicação. Em consequência disso, opera-se com uma concepção de que sistema e texto não constituem uma dicotomia, mas consistem em graus diferenciados de abstração em continuum7, na medida em que o texto emerge de uma série de coerções, de natureza 7

Tal escala de abstração que permite compreender o texto como derivado de opções filtradas por coerções contextuais e discursivas é denominada instanciação.

psicossocial, oriundas da socialização e representadas, no modelo da LSF, como os contextos cultural e situacional. Segundo Gonzaga (2011: 04), “a LSF toma o texto em vez da sentença como objeto, o que significa que ele consiste em uma unidade semântica, e não, gramatical”. 8 É, portanto, a partir da análise textual que se depreendem a rede de opções paradigmáticas — sistemas — e as formas organização sintagmática — estruturas — que caracterizam um sistema linguístico. Fairclough (2007: 37), autor ligado à perspectiva crítico-discursiva, que dialoga intensamente com a abordagem hallidayana, assume que os textos emergem da atividade discursiva segundo a coerção de ordens do discurso, “o aspecto linguístico das práticas sociais pelos quais a variação linguística é controlada”.9 A atividade discursiva seria, então, parcialmente constrangida pelas práticas sociais, entendidas como rotinas de atividades sociais relevantes, inerentes a uma estrutura social e atualizada em eventos sociais, envolvidos por um contexto situacional. As ordens do discurso podem ser entendidas, portanto, como formações semióticas (Lemke, 2005). Formações semióticas configuram-se em um nível intermediário de análise que integra padrões de ordem macrossocial (instituições, classes, ideologias,) a padrões de ordem microssocial (textos e eventos), permitindo explicar de que maneira certas opções sociossemióticas tendem a emergir em detrimento de outras. Por conseguinte, as formações semióticas podem ser consideradas filtros interdiscursivos relativos aos diversos modos de representar (discursos), ser (estilos) e agir (gêneros) instanciados pelos atores sociais em suas práticas cotidianas e/ou institucionais, que servem como meios de parametrização deontológica — em termos de obrigações, preferências e permissões potenciais — capazes de orientar a construção de significado na interface da agência microssocial à estrutura macrossocial10. Em outros termos: cada componente de uma ordem do discurso é composto por padrões abstratos de recursos sociossemióticos, metafuncionalmente orientados, que emergem da interação entre os objetivos comunicativos dos atores sociais em face das coerções contextuais. Tal padronização é concebida, pela Linguística Alemã (Kabatek, 2004; Koch, 1997), como uma atividade de tradicionalização, que resulta na formação de Tradições Discursivas (TD).

8

Tradução minha. Tradução minha. 10 Para maiores detalhes, consultar Lemke (2005) e Gonçalves Segundo (2011). 9

Nesse sentido, devem-se conceber dois eixos de tradicionalização/padronização: a. a sociossemiótica ou discursivo-social, relativa à combinatória de estilos, gêneros e discursos em uma determinada prática social11; e b. a linguístico-discursiva, relativa à configuração de padrões linguísticos e multimodais que compõem, paradigmática ou sintagmaticamente12, os componentes supramencionados. Em outros termos, tem-se uma distinção entre subpotencial semântico-discursivo, no primeiro caso; e generalização instancial léxico-gramatical, no segundo. Nesse sentido, o trabalho hegemônico e a estabilização consistiriam na vinculação de dados subpotenciais semântico-discursivos a uma gama reduzida ou a uma única forma de generalização

instancial

léxico-gramatical,

gerando

estruturas

deontologicamente

preferenciais, cuja ausência se torna significativa, podendo engendrar olhares avaliativos resistentes.

Categorias de análise: síntese dos principais recursos oriundos dos sistemas de TRANSITIVIDADE

e da AVALIATIVIDADE

Segundo Halliday (2004), as línguas naturais evoluíram para o seu estado atual para viabilizar duas demandas psicossociais intrínsecas do ser humano: a construção da experiência interna e externa e a negociação de relações intersubjetivas. Nesse sentido, a língua deve, por um lado, prover recursos para realizar uma categorização gradiente da realidade, viabilizando a reflexão, e, por outro, dispor opções semióticas para a formação identitária, para o estabelecimento de papéis sociais e discursivos e para o posicionamento avaliativo-modal diante da realidade, possibilitando agir semioticamente. Nessa perspectiva, o uso linguístico, instanciado em textos, é concebido como derivado de coerções contextuais culturais e situacionais, que tanto viabilizam a emergência de padrões significativos representacionais, acionais e estilístico, quanto abrem espaço para a ação criativa e resistente do ator social, ao passo que a língua é vista como um sistema sociossemiótico multiestratificado, no qual o componente semântico-discursivo é realizado

11

É fundamental assinalar que uma formação semiótica ou ordem do discurso apresenta, constitutivamente, modos hegemônicos e alternativos de ser, agir e representar. A ilusão de unicidade está correlacionada ao grau de penetração do modelo hegemônico, oriundo da atividade ideológica ou do poder inerente de dados grupos sociais em fazer com que sua versão identitária, acional ou representacional seja tomada, dentre outras possibilidades, como a melhor, a mais correta, a mais válida ou a mais eficiente. 12 Para maiores detalhes sobre composicionalidade paradigmática e sintagmática, ver Kabatek (2004). Lemke (2005) apresenta uma visão similar no âmbito da Sociossemiótica. Aos padrões que podem estar em composicionalidade paradigmática, o autor denomina alternativas; aos padrões em composicionalidade sintagmática, ele denomina combinações. Ambas as formas são consideradas por este como constitutivas da construção do significado e encontram-se relacionadas à noção de metarredundância, que, por sua vez, está relacionada aos eixos de instanciação e realização propostos no modelo da LSF.

pelo léxico-gramatical, compondo o estrato do conteúdo, e esses são manifestados pelo estrato fonético-fonológico ou grafológico, correspondente à expressão. Tais estratos são, por sua vez, atravessados e organizados pelas metafunções da linguagem, denominadas ideacional, interpessoal e textual. A metafunção ideacional relaciona-se à categoria contextual CAMPO, que diz respeito à natureza da ação social e aos objetivos institucionais globais que envolvem uma dada interação. Nesse sentido, uma dada configuração de campo influenciará na escolha de significados ideacionais. Esses, por sua vez, estão mais diretamente envolvidos na configuração de ideologias e representações sociais, sendo também por elas constrangidos. Por conseguinte, a análise dos recursos do sistema de TRANSITIVIDADE é útil para se depreender a organização linguístico-discursiva de determinados modos de recortar e conceber a realidade. O quadro a seguir sintetiza as principais configurações de processos e participantes previstos na análise da TRANSITIVIDADE13:

Quadro 1. Síntese das principais opções paradigmáticas inerentes à TRANSITIVIDADE em termos de processos e participantes Definição e Subtipos Principais Participantes Materiais14 Envolvem a simbolização de algum Ator: ativa a ação; input externo de energia de modo a Meta: alvo da ação, modificado ou criado pelo transformar a realidade. input de energia; Cliente: participante que se beneficia por Criativos: produzem uma nova Meta. receber um serviço; Transformativos: impingem Recebedor: aquele que se beneficia por receber mudanças na Meta. um bem; Iniciador: aquele que incita, permite ou leva o Ator a realizar a ação sobre a Meta. Comportamentais Abarcam a simbolização de Comportante: participante que ativa o externalizações de processos comportamento. psicológicos ou fisiológicos, apresentando traços de processos mentais e materiais. Mentais Abrangem a codificação da experiência Experienciador: participante consciente cuja interna e psicológica do participante. experiência é ativada por um Fenômeno; Fenômeno: participante que ativa a experiência Superior: cognitivo; desiderativo. interna do Experienciador. Se oracional, é Inferior: emotivo; perceptivo. denominado Hiperfenômeno. Verbais Envolvem a codificação de ações Dizente: responsável pela elocução; verbais e atos de fala, numa zona de Alvo: participante que é objeto de um ato de intersecção entre traços de processos fala; mentais e relacionais. Receptor: aquele a quem a elocução se dirige; Verbiagem: conteúdo do dizer. Relacionais15 Abarcam a codificação de relações Portador: participante ao qual se predica um

13

Para maiores detalhes acerca do sistema de TRANSITIVIDADE no Português Brasileiro, ver Gonzaga (2011), Lima-Lopes e Ventura (2008). Neste trabalho, não serão consideradas as opções ligadas à ERGATIVIDADE. 14 Processos e Participantes referentes ao sistema de TRANSITIVIDADE serão redigidos com iniciais maiúsculas.

abstratas entre participantes.

Existenciais

Atributo; Atributo: participante que vincula o portador a uma categoria de seres; Ocorrência/Instância/Característica (Token): participante que instancia um valor, em uma relação de identificação; Valor (Value): participante mais abstrato, que permite reconhecer a Ocorrência/Instância por sua aplicação identificadora em relação a ela.

Intensivo atributivo: o portador é assumido como membro da classe ligada a um atributo. Intensivo identificador: um participante é identificado por sua relação com outro. Um deles é o Valor (value); o outro consiste na Ocorrência/Instância (token16) desse Valor. Abrangem a simbolização de modos de introdução de objetos-de-discurso ou referentes no texto, situando-se numa zona de intersecção entre processos materiais e relacionais.

Existente: objeto-de-discurso introduzido no texto, posto a existir ou não existir.

A metafunção interpessoal, por sua vez, relaciona-se à categoria contextual RELAÇÕES, que concerne à natureza das relações sociais entre os/as participantes no que diz respeito aos papéis assumidos na enunciação e aos graus de estabelecimento de poder e solidariedade. Por essa razão, a configuração das relações influencia na seleção de recursos que envolvem avaliação,

modalização,

comprometimento.

Destacar-se-á,

para

este

trabalho,

a

AVALIATIVIDADE.

A Teoria da Avaliatividade, discutida em Martin & White (2005), propõe conceber um sistema semântico-discursivo para analisar o posicionamento intersubjetivo dos/as falantes e escritores/as nos textos, o que está diretamente associado à construção de poder e solidariedade e, por conseguinte, à configuração da autoridade, da credibilidade, da intimidade, da identificação e do comprometimento. A abordagem abarca três grandes subsistemas: a atitude, o engajamento e a gradação, cujos principais componentes encontram-se sintetizados no quadro abaixo, baseado em Martin & White (2005)17:

Quadro 2. Síntese das principais categorias pertinentes ao sistema de AVALIATIVIDADE Subsistemas

Atitude

15

Categorias pertinentes Afeto: reações emotivas. Abarca opções graduais, positivas ou negativas, de felicidade, satisfação, segurança e desejabilidade. Ex.: feliz, realizado, preocupado, chorar. Julgamento: avaliações de caráter comportamental. Envolve opções graduais, positivas ou negativas, de estima social (normalidade, capacidade, tenacidade) e sanção social (honestidade e propriedade). Ex.: esquisito, competente, valente, trapaceiro, corrupto.

Os processos relacionais apresentam uma tipologia complexa. Neste artigo, importa tratar das opções intensivas atributivas e identificadoras. Por tal razão, não se explanarão os processos relacionais de caráter possessivo e circunstancial. 16 O termo token tende a ser traduzido como Característica; entretanto, defende-se aqui que tal tradução não possibilita uma compreensão adequada do fenômeno. Por tal motivo, opta-se por traduzir o termo como Instância ou Ocorrência. 17 A tradução dos termos referentes às categorias de engajamento segue White (2004).

Engajamento

Gradação

Apreciação: avaliações graduais, positivas ou negativas, de caráter estético, que abarcam impacto e composição, e de valor social. Ex.: bonito, equilibrado, importante. Expansão Dialógica: Consideração: reconhece a possibilidade de alternativas dialógicas. aceitação da validade Ex: formas modais. ou reconhecimento da Atribuição: discurso relatado direto ou indireto. plausibilidade de a. Reconhecimento: a voz autoral relata, de forma neutra, a alternativas dialógicas. alternativa dialógica. Ex.: verbos dizer, falar, comentar. b. Distanciamento: voz autoral não valida o discurso relatado. Ex.: verbos alegar, ouvir dizer. Contração Dialógica: Refutação: anula alternativas dialógicas rejeição parcial ou total a. Negação de alternativas b. Contra-expectativa. Ex.: operadores concessivos e adversativos. dialógicas. Declaração: rejeição parcial de alternativas dialógicas. a. Concordância: constrói leitor/ouvinte que partilha da posição autoral. Ex.: expressões como É óbvio que, evidentemente. b. Afirmação: constrói leitor/ouvinte como portador de um posicionamento em polemicidade com o autoral. Ex.: Expressões como A verdade é que, O fato é que. c. Endosso: forma de discurso relatado em que a voz autoral valida e ratifica o discurso de outrem. Ex.: verbos mostrar, provar. Força: recursos de quantificação e intensificação voltadas a categorias graduáveis. Ex.: muitos amigos, poucos objetos; tanta alegria. Foco: recursos de acentuação ou amenização de categorias não graduáveis em termos de aproximação ou distanciamento em relação a um protótipo. Ex.: verdadeiro amigo.

Por fim, a metafunção textual relaciona-se à categoria contextual

MODO,

que diz

respeito à canalização da comunicação, ao suporte, assim como o grau de participação direta ou indireta, uni ou bidirecional dos atores sociais, em uma dada interação. Destacam-se os sistemas de Tema-Rema e Dado-Novo18.

Procedimentos metodológicos Esta pesquisa, voltada ao exame da estrutura retórico-teleológica e dos padrões linguístico-discursivos de negociação intersubjetiva em textos de mobilização da voz do/a leitor/a em uma gama de periódicos da imprensa local paulistana, requisita uma abordagem tanto quantitativa quanto qualitativa de dados. Tal opção justifica-se pelo fato de que diferentes instituições jornalísticas imprimem não somente opções sistêmicas relativas ao modo de ação discursiva, mas também às suas idiossincrasias identitárias e representacionais, de forma que se torna necessária uma investigação de caráter não só qualitativo, mas também quantitativo, a fim de que se possam distinguir os padrões que apresentam um caráter latitudinal de distribuição daqueles que são específicos de um periódico ou de um grupo identitariamente coeso de periódicos.

18

Tais sistemas, apesar de relevantes, não serão objeto de exame neste artigo. Por tal razão, não se realizarão exposições pormenorizadas, como se efetuou no que tange à TRANSITIVIDADE e à AVALIATIVIDADE.

Nesse sentido, a etapa quantitativa da pesquisa, que permite apresentar dados numéricos iniciais, em termos percentuais e em termos de densidade de ocorrências por grupo de mil palavras, atua como índice para uma abordagem fina de grupos de textos com o objetivo de identificar padrões funcionais de destaque em relação a parâmetros documentais discursiva e socialmente estabelecidos, que, por sua vez, consistem em variáveis dependentes do gênero. Parâmetros documentais, como variáveis dependentes, permitem organizar os dados relativos às instanciações dos recursos linguísticos analisados, de modo a possibilitar ao\à pesquisador/a determinar o grau de relevância de um parâmetro textual no que tange à emergência de dados recursos. Tais variáveis dependentes não são fixas para cada gênero discursivo, mas são determinadas em função dos textos em análise. Nesse sentido, uma investigação qualitativa exploratória do texto viabiliza a depreensão de determinadas categorias documentais ou textuais, que, posteriormente, serão confirmadas ou refutadas na comparação entre dados. Para os textos de mobilização da voz do/a leitor/a, foram consideradas, até o presente momento, as seguintes categorias documentais:

parabenização agradecimento proposta TELEOLOGIA

reclamação

]

TEOR exortativo crítico

denúncia feedback exposição jornal resposta RESPONSIVIDADE

AUTORIA instituição-governamental organização-privada missivista

ausência-de-resposta institucional

]

leitor/a

NATUREZA

VOZ

cidadão/a anônimo/a

PERIÓDICO própria periódico apropriação LEGITIMAÇÃO- presente DO-JORNAL ausente texto-de-mobilização-da-voz-do-leitor/a INTERTEXTO

marcado

MARCADO matérias cartas

não-marcado jornalístico ALVO empresarial estatal pessoal jnb spn fvp VEÍCULO czs gvp jp izn tl

CRONOLOGIA

século-xx

SÉCULO- ditadura XX pós-ditadura

século-xxi

A entrada

TELEOLOGIA

refere-se à funcionalidade o texto, ou seja, ao (macro)ato de

fala dominante realizado. Trata-se de uma categoria central na medida em que a estrutura retórico-teleológica está diretamente relacionada ao modelo textual subjacente e às coerções na seleção de atitudes e de formas de engajamento, por exemplo. O subsistema de

TEOR

consiste em uma opção de refinamento dos textos de reclamação e de denúncia, na medida em que estes podem estar associados ao polo do convencimento (levar a crer), destacando uma avaliação negativa do status quo, que é, em si, alvo de argumentação, de modo a fazer

emergir textos críticos, ou podem estar ligados ao polo da persuasão (levar a fazer), construindo uma situação-problema, em geral negativamente avaliada, para a qual se oferecem soluções e se incita uma ação prática para a subversão do problema. O sistema de

RESPONSIVIDADE

diz respeito à presença ou ausência de uma resposta

institucional ou pessoal ao texto publicado. O subsistema de AUTORIA, por sua vez, especifica o tipo de agente que responde à carta: se é o próprio periódico, se é uma organização governamental ou privada, ou mesmo se é outro/a leitor/a. O sistema de

VOZ

relaciona-se ao/à agente responsável pela elaboração textual —

desconsiderando critérios de edição. Os textos de mobilização da voz do/a leitor/a na imprensa de bairro abrangem a publicação de cartas escritas pelo próprio leitor, editadas ou não, e a elaboração de textos pelo jornal a partir tanto de cartas enviadas pela comunidade — citadas por estratégias de projeção e de discurso relatado — quanto de visitas de leitores/as à redação — fato mais comum nos periódicos em vigência no período totalitário. Nesse sentido, as opções iniciais do sistema são leitor/a e periódico. Esta segunda opção atua como entrada de um subsistema que especifica se o jornal se apropria do discurso do/a leitor/a ou se o jornal se aproveita do espaço de participação do/a leitor/a para apresentar sua própria voz em feedback a uma carta publicada em outra edição. No que concerne à opção leitor/a e apropriação, tem-se um novo subsistema —

NATUREZA

—, que identifica o caráter

institucional, cidadão ou anônimo do ator social que envia o texto ao periódico. O sistema de

LEGITIMAÇÃO

está associado à presença ou à ausência de segmentos

discursivo-textuais em que a voz autoral valoriza, legitima ou autoriza a atividade jornalística como alguma forma de preâmbulo para o enquadramento de seu ato discursivo. A rede de opções de

INTERTEXTO,

por sua vez, envolve a instauração de relações

dialógicas explícitas entre o texto de mobilização da voz do/a leitor/a e outros textos publicados pelo periódico, que foram subdivididos em matérias — nome genérico que abarca publicações de ordem informativa — e cartas. O sistema de ALVO envolve o ator social ou a instituição a quem a carta se dirige. Em outros termos, abarca o agente que é parabenizado, a quem se agradece, de quem se reclama, que é denunciado etc. Nesse sentido, o sistema de ALVO deve ser visto em complementação ao de TELEOLOGIA. Ele abrange as seguintes opções: jornal, empresa, estado e cidadão/ã comum. Os dois últimos sistemas não consistem em redes de opções paradigmáticas discursivas em si. A rede de opções ligada a VEÍCULO identifica o jornal em que foi publicado o texto pelas suas iniciais, e a

CRONOLOGIA

identifica o período histórico de sua publicação,

segundo dois critérios: século e situação sociopolítica vigente.

Isso posto, passar-se-á à exposição das perguntas que norteiam esta pesquisa para, posteriormente, realizar-se a análise do corpus, que buscará responder, de modo preliminar, a algumas das indagações consideradas abaixo, segundo o que se propôs na introdução.

Questões de pesquisa A partir da depreensão dos principais parâmetros documentais e de análises qualitativas preliminares, foram formuladas questões de pesquisas pertinentes à relação entre os sistemas elencados e a possibilidade de emergência de padrões linguísticos ideacionais e interpessoais — com destaque a esses últimos — no que tange à estruturação representacional e negociativa dos textos. Além disso, buscou-se também indagar-se acerca das potenciais interrelações entre os parâmetros documentais e a possibilidade de regularização de determinados modelos textuais subjacentes, associados especialmente a determinadas estruturas teleológicas. Seguem abaixo as principais questões de pesquisa realizadas até o presente momento do estudo: 1. Quais são os principais (macro)atos de fala realizados por esses textos? Existe algum modelo textual subjacente a essas estruturas retórico-teleológicas? 2. Há variações históricas no que tange aos aspectos teleológicos? 3. Que padrões linguísticos caracterizam essas estruturas teleológicas? Quais recursos das metafunções interpessoal e ideacional tendem a ser mobilizados? Qual a sua função no que tange ao cumprimento dos estágios retóricos do(s) gênero(s)? 4. De que modos o jornal abre espaço para o diálogo entre a instância leitora e as instâncias institucionais? Há instauração de polemicidade ou contratualidade nesse jogo de vozes? Que recursos do subsistema de engajamento são mobilizados para tais construções? 5. Há diferenças relevantes entre textos cuja autoria é do próprio leitor e textos em que a voz do/a leitor/a é apropriada pelo jornal? De que forma é realizada essa apropriação? A densidade avaliativa é similar? Há diminuição ou aumento do teor exortativo ou crítico? 6. De que forma o leitor se refere à atividade jornalística em seus textos? Há valorização ou desvalorização do papel do periódico? De que maneira os/as leitores/as exercem essa postura? Quais os recursos do sistema de atitude que se associam a tal construção? 7. As cartas apresentam relação intertextual com outros textos publicados no jornal? Instaura-se complacência ou resistência? De que modo essa relação é instaurada linguisticamente?

8. A que instâncias os textos se dirigem? Há correlação entre o alvo do texto e a estrutura teleológica? De que modo a voz autoral enquadra seus posicionamentos e seus comandos em relação a esses alvos? Quais as opções do subsistema de avaliatividade são, preferencialmente, ativadas? 9. Os jornais analisados podem ser agrupados em termos de similaridades na construção dos textos de mobilização da voz do/a leitor/a? Se sim, sob quais critérios? Este artigo, conforme mencionado na introdução, não pretende responder a todas as questões de pesquisa elencadas, mas objetiva apresentar uma olhar inicial a diversos pontos propostos, que serão desenvolvidos pormenorizadamente ao longo do projeto.

Análise do corpus Os textos de mobilização da voz do/a leitor/a coletados apresentam uma multiplicidade de estruturas retórico-teleológicas, responsáveis pela instanciação de uma diversidade de funcionalidades aos textos. O sistema abaixo apresenta as principais opções da condição de entrada documental TELEOLOGIA verificadas até o presente momento19:

parabenização agradecimento proposta TELEOLOGIA exposição teleologia feedback reclamação

]

TEOR exortativo crítico

denúncia De modo geral, textos de parabenização e agradecimento privilegiam avaliações positivas do trabalho do periódico ou de alguma instituição, ao passo que textos de reclamação ou denúncia privilegiam representações de condenação do comportamento de organizações públicas ou privadas, de determinados agentes sociais, do Estado ou do próprio jornal, podendo apresentar teor exortativo, ligado à persuasão (levar a fazer), ou teor crítico, ligado ao convencimento (levar a crer). As teleologias restantes tendem a oscilar entre a polaridade positiva e negativa das avaliações. Para este trabalho, enfocar-se-ão as categorias parabenização, agradecimento e reclamação, as duas primeiras com textos assinados por vozes institucionais; e a última, por vozes cidadãs. O texto a seguir ilustra a teleologia de parabenização: 19

Embora o sistema geral já tenha sido exposto na seção referente aos Procedimentos Metodológicos, optou-se por inserir as opções pertinentes a cada categoria ao longo da análise, a fim de tornar a leitura mais fluida.

APOIO AOS DESENHISTAS DE QUADRINHOS “Como publicitário e proprietário de agência, gostaria de parabenizá-los pelo lançamento do Jornal de Pinheiros, com sua nobre proposta de atendimento à comunidade pinheirense, sem estar ligado a grupos políticos e econômicos. E como presidente da Abrademi – Associação de Desenhistas de Mangá e Ilustrações, gostaria de cumprimentá-los pela publicação de tiras do Claudino e Paiva. Acho muito importante o jornal dar um apoio ao quadrinhista nacional publicando os seus trabalhos. Segue em anexo o material editado pela Abrademi para os seus associados. O Jornal de Pinheiros já está incluído na lista da Abrademi e doravante comunicaremos nossas atividades culturais, como a nossa exposição no Masp, que acontecerá dia 27/9 a 7/10/84”. Francisca Noruiki Sato (Jornal de Pinheiros, 25.08.84).

Em primeiro lugar, deve-se destacar que o título atribuído à missiva consiste em uma intervenção do jornal. De modo geral, as cartas são enquadradas por um título que abarca a temática, a perspectiva ou a ação exigida ou praticada pelo/a leitor/a no texto. No caso, tem-se um título que revela, justamente, a perspectiva assumida pela leitora no que tange à prática do periódico de apoiar os quadrinhistas ao possibilitar a publicação de tiras em suas páginas. Note-se que a voz autoral introduz-se no texto por meio da apresentação de sua função profissional, constituindo-se, assim, como autoridade para construir avaliações e representações acerca do Jornal de Pinheiros. O epíteto nobre, que inscreve um julgamento positivo de sanção social, no âmbito da propriedade, louva a atitude ética do jornal, destacando sua isenção partidária e econômica. Tal aspecto é relevante, na medida em que o jornalismo local tende a, reiteradamente, associar-se a valores de independência partidária, ressaltando seu papel de intermediador íntegro entre o/a cidadão/ã e as instâncias de poder decisório. Tal aspecto já havia sido depreendido na análise dos editoriais da imprensa de bairro (Gonçalves Segundo, 2011) e é importante notar que tal isenção é inscrita pela missivista como aspecto positivo da atividade jornalística. No segundo parágrafo, por sua vez, a voz autoral apresenta uma nova função profissional — presidente da Abrademi —, e elogia a atitude do jornal quanto à publicação de tirinhas — Acho muito importante o jornal dar um apoio ao quadrinhista nacional publicando os seus trabalhos. Note-se que a construção é calcada na primeira pessoa do singular, por meio de um Processo Mental Cognitivo – achar – que marca o posicionamento autoral diante do fato de o jornal publicar trabalhos de um quadrinhista nacional. A apreciação positiva de valor social importante, intensificada pelo recurso de gradação alto muito, explicita a perspectiva autoral e valoriza a atividade do jornal, que não se torna apenas ético e digno de louvor pela sua posição política, mas também pelo apoio ao/à ‘artista nacional’, agregando-lhe valores associados a nacionalismo e ao incentivo à cultura.

Tal construção, de viés laudatório, atua como recurso de enquadramento da atitude prática de enviar ao periódico material da Abrademi (Associação de Desenhistas de Mangá e Ilustrações) e divulgar uma exposição do grupo no Masp, em São Paulo. Nesse sentido, podese depreender que a estrutura de parabenização atua, no caso, em dupla mão: por um lado, destaca o jornal como um veículo de propriedade, associado a valores éticos e culturalmente positivos; por outro, cria um enquadramento propício para a divulgação das atividades da Associação. Em outros termos, à parabenização do alvo, vincula-se a autopromoção autoral, procedimento comum a textos de tal teleologia envolvendo vozes institucionais de leitores/as. O texto a seguir, por sua vez, representa uma instância de teleologia de agradecimento e apresenta uma estrutura laudatória similar: Agradecimento Por meio desta agradecemos a excelente matéria sobre a Casa De Nassau - Sociedade Holandesa de São Paulo da edição de 15 a 21 de abril. O texto reporta de maneira clara e objetiva ao longo de quase 80 anos de existência. Estamos certos de que os seus milhares de leitores estão melhor informados sobre a importância da nossa associação para a vida comunitária da Zona Oeste. Nós da atual diretoria nos sentimos honrados em prosseguir com o esforço para manter as mais caras tradições do clube. E para tanto precisamos contar coma participação decisiva da comunidade local e o apoio competente do Jornal Nosso Bairro. Nilson Pinto, Presidente da Sociedade Holandesa Nota da redação: Agradecemos a sua manifestação. Tradicionalmente, a Casa de Nassau recebe os principais eventos da comunidade. (Jornal Nosso Bairro, 13 a 19 de maio de 2006)

Em primeiro lugar, deve-se observar que o periódico atribui o título de Agradecimento à carta enviada por um agente social, identificado a partir de sua função em dada organização. Nesse sentido, o jornal parte do critério ilocucional para constituir o título e, assim, enquadrar o texto no que tange a tal ato e suas condições de realização — que envolvem, dentre outros elementos, o reconhecimento de uma ação positiva realizada por um agente ou instituição social que tenha beneficiado o autor do agradecimento, sem que houvesse, necessariamente, uma relação de dever fazer que os unisse. A partir dessas premissas, é importante observar a construção da atitude, tal qual se apresenta no texto. Veja-se que a voz autoral constrói-se em primeira do plural exclusiva, em um recurso de envolvimento por coletivização (Gonçalves Segundo, 2011), que busca associar o seu posicionamento ao de outros atores sociais que integram a instituição, o que leva a vinculá-la à posição de porta-voz. O agradecimento é, então, construído, tendo como fator motivador a excelente matéria sobre a Casa De Nassau - Sociedade Holandesa de São Paulo da edição de 15 a 21 de abril. O epíteto interpessoal excelente constrói uma instância de apreciação em termos de composição, que destaca a qualidade do trabalho jornalístico no que tange à apresentação da organização representada pelo missivista. Na continuidade, as qualidades do texto continuam

a ser detalhadas — O texto reporta de maneira clara e objetiva ao longo de quase 80 anos de existência. Os termos clara e objetiva, inscritos em uma circunstância de modo, também se constituem em instâncias de apreciação de composição, tecendo um quadro de louvor do trabalho jornalístico. Tal atitude laudatória é coroada pelo enunciado que se segue, modalizado em termos explícitos e subjetivos — Estamos certos de que os seus milhares de leitores estão melhor informados sobre a importância da nossa associação para a vida comunitária da Zona Oeste. A modalização epistêmica (probabilidade) alta, inscrita na oração primária ou matriz, demarca o posicionamento autoral diante do conteúdo proposicional, inscrevendo contração dialógica por afirmação. A consequência de tal construção é minimizar a aceitabilidade — ou acentuar a inverossimilhança — de uma concepção alternativa de realidade, que proporia que os leitores não estivessem mais bem informados após a publicação da reportagem pelo periódico, desvalorizando o trabalho da instituição. A quantificação e a intensificação, recursos de gradação: força: alta, consistem em estratégias centrais na construção. Pela quantificação milhares de, aplicadas no que se refere ao Portador leitores, a voz autoral valoriza o alcance do periódico e sua capacidade de mobilizar informação para um número vasto de indivíduos. Pela inscrição do termo melhor, que sincretiza intensificação e julgamento de capacidade — o que se torna ainda mais visível devido à sua associação com o atributo informados —, o escritor constrói, simultaneamente, um elogio ao leitor e ao jornal, na medida em que este é construído, em termos de alta validação, como um agente organizacional capaz de proporcionar instrução e informação, levando a um conjunto relevante de atores sociais bens e serviços que desenvolvem capacidade. Entretanto, tal capacitação encontra-se associada a um dado específico, a um determinado assunto, conforme a circunstância de projeção permite depreender — sobre a importância da nossa associação para a vida comunitária da Zona Oeste. O conhecimento proporcionado refere-se, exclusivamente, à relevância da atuação da Casa de Nassau na região. Contudo, deve-se atentar aos pormenores. Em primeiro lugar, a voz autoral deixa pressuposta a existência concreta de tal importância, implicitando uma avaliação de apreciação por valor social, uma vez que não coloca em discussão se tal valor é, de fato, constitutivo da associação. Em segundo lugar, mostra conhecer o escopo de atuação da imprensa de bairro, na medida em que associa seu trabalho à noção de comunidade e o restringe à região de distribuição do periódico. A consequência disso é uma construção positiva da própria organização, realizada indiretamente como projeção do efeito de

capacitação gerado no/a leitor/a por meio do trabalho jornalístico de qualidade. Em outros termos, o valor social da associação é desvelado e garantido pela geração de capacidade/conhecimento no/a leitor/a, oriunda de um trabalho jornalístico de qualidade em termos de composição. Todo esse quadro de elogio acaba embasando as premissas para o ato de agradecimento e enquadra o pedido de apoio contínuo, que parece constituir-se em uma etapa retórica opcional de tal modalidade teleológica — deve-se, inclusive, ter em mente que a imprensa de bairro procura construir-se como uma agente de intermediação entre a comunidade e os órgãos públicos e as instituições privadas, de modo que o trabalho contínuo nesse sentido constitui um dos seus compromissos e, portanto, o seu nicho de mercado. Vejase o trecho: Nós da atual diretoria nos sentimos honrados em prosseguir com o esforço para manter as mais caras tradições do clube. E para tanto precisamos contar com a participação decisiva da comunidade local e o apoio competente do Jornal Nosso Bairro. O excerto em questão é marcado por julgamentos de tenacidade implícitos — prosseguir com o esforço, relativo ao trabalho da diretoria no que tange à manutenção das tradições do clube; participação decisiva, voltado à ação da comunidade —, de capacidade explícita — apoio competente, referente à atuação do periódico —, por afetos de satisfação — honrados, como atributo orientado à reação da diretoria diante de seu próprio comportamento — e, finalmente, por apreciações de valor social — mais caras, referente às tradições do clube. Nesse sentido, depreende-se uma vinculação de um pedido de apoio popular e jornalístico — viabilizado pela inscrição da modalidade deôntica subjetiva (precisamos contar com) — a uma atitude laudatória em termos de todas as instâncias envolvidas. As tradições possuem valor social, por isso, deve-se ter uma atitude tenaz para que sejam mantidas vivas, o que requisita esforço, proporcionando sensação de satisfação ao fazê-lo. Entretanto, tal trabalho não pode ser realizado sozinho, necessitando de uma tenacidade comunitária e de uma instituição capacitada para orientar e divulgar. Tal é a base da construção autoral, que agradece elogiando a todos e louvando a si mesma, em uma atitude de dupla promoção — do jornal e da organização —, em uma atitude semelhante à que ocorreu no texto de parabenização, fato decorrente, especialmente, do caráter institucional da voz autoral. Por fim, deve-se observar que essa missiva apresenta uma resposta. O Jornal Nosso Bairro, no que concerne ao corpus coletado, apresenta, como padrão preferencial, a atualização de respostas ao/à leitor/a. O subsistema abaixo apresenta a rede de opções da

condição de entrada

RESPONSIVIDADE

— recortado do sistema maior, exposto em seção

anterior, tal qual depreendida pelo material até o momento coletado: jornal presença-de-resposta responsividade

RESPONSIVIDADE

AUTORIA instituição-governamental organização-privada missivista

ausência-de-resposta

No caso do texto do JNB, tem-se uma resposta redigida pelo próprio periódico. Portanto, ter-se-ia a seguinte seleção: responsividade: presença de resposta: jornal. Em geral, respostas de autoria jornalística tendem a assumir uma relação de complacência no que tange às representações autorais, possibilitando que o veículo se construa como um agente que, longe de entrar em polêmica com o/a missivista, assume seu ponto de vista, procurando ampliá-lo, complementá-lo, reiterando a condenação ou o louvor inscritos no texto. Ademais, o/a jornalista busca, muitas vezes, comprometer-se acerca de uma atitude que subverta as condições de emergência do problema denunciado ou da reclamação, assumindo seu papel de intermediador/a entre o público e o privado, entre o/a cidadão/ã e as instituições. No texto em questão, veja-se que a resposta inscreve, inicialmente, um agradecimento ao envio da carta e, posteriormente, informa ao leitor acerca da atividade da Associação, não polemizando acerca do que fora representado ou avaliado — Tradicionalmente, a Casa de Nassau recebe os principais eventos da comunidade. A próxima missiva constitui-se em um exemplar da estrutura teleológica de reclamação, a mais prolífica no corpus. São cerca de 59% dos textos publicados no período totalitário e 68% do material do século XXI20. Segue abaixo a missiva: Barulho O Auto Shopping Portal, localizado na avenida Anhaia Mello, é alvo de criticas do leitor Antonio Carlos. Através de e-mail encaminhado ao jornal, ele reclama que em todos os finais de semana, os vizinhos do estabelecimento são obrigados a ficar ouvindo músicas em alto volume. "Fiquei sabendo da nova lei que proíbe este tipo de propaganda, liguei para a Prefeitura no 156 e eles disseram que iriam averiguar", comenta. Segundo ele está insuportável morar na redondeza por conta da barulheira. Segundo a assessoria de imprensa da Subprefeitura de Vila Prudente/Sapopemba, as reclamações sobre o local eram encaminhadas para o Programa de Silêncio Urbano (PSIU) PSIU porque a unidade não tinha competência para fiscalizar a ação em questão. Com a regulamentação da lei no início do mês, a Subprefeitura passou a ter a mesma competência que o PSIU e já advertiu o estabelecimento. A assessoria do PSIU informou que faz, quase que semanalmente, vistorias no local, porém o barulho produzido pela avenida é igual ou maior que o produzido pelo Auto Shopping, portanto os agentes não podem 20

Não se constitui em objetivo deste artigo analisar, pormenorizadamente, a construção da responsividade, ou seja, da relação entre as respostas dadas pelos agentes institucionais que se configuram em alvo da crítica, do elogio ou da exortação e as representações e avaliações autorais. Tal estudo será apresentado em uma etapa posterior da pesquisa. Por tal razão, a análise ficará circunscrita ao primeiro parágrafo, no qual a voz do/a leitor/a é mobilizada.

fazer a multa. Por isso, a assessoria solicita que o denunciante faça contato direto com o PSIU pelo telefone 3101-3737 para agendar um medição a partir da própria residência.

A Folha da Vila Prudente realiza, preferencialmente, títulos curtos, em que se apresenta uma espécie de palavra-chave que sintetiza o objeto central da reclamação, proposta, agradecimento ou denúncia. Além disso, o periódico alterna entre a publicação de textos em que a voz do/a leitor/a é apropriada pelo/a jornalista e a veiculação de cartas ou emails enviados diretamente para a redação, com ou sem edição. No caso do texto anterior, tem-se um exemplar em que ocorre apropriação de voz. O sistema abaixo retoma as opções paradigmáticas da condição de entrada VOZ: institucional

]

leitor voz

NATUREZA

VOZ

cidadão anônimo

periódico

PERIÓDICO própria apropriação

Tendo em vista o exposto, pode-se categorizar o texto em análise como um exemplar que atualiza as opções: periódico: apropriação: cidadão21. Note-se que é a voz autoral jornalística que inicia o texto apresentando a organização Auto Shopping Portal como Portador do Atributo alvo de críticas do/a leitor/a Antonio Carlos, por meio de um Processo Relacional Intensivo Atributivo, no seio do qual se insere uma circunstância de localização espacial — localizado na avenida Anhaia Mello. Tal inserção permite contextualizar o/a leitor/a em termos da identificação da empresa, o que consiste em uma estratégia informativa, preferencial do jornalismo de modo geral — O Auto Shopping Portal, localizado na avenida Anhaia Mello, é alvo de criticas do leitor Antonio Carlos. Note-se que a inscrição de um Atribuidor, Antonio Carlos, responsável pela relação de predicação crítica, isenta o jornal da responsabilidade enunciativa pela reclamação que será realizada, de modo a possibilitar ao periódico construir-se, apenas, como intermediador do processo. Tal construção de isenção é ainda intensificada pela circunstância de projeção: fonte — Através de e-mail encaminhado ao jornal —, que explicita a forma pela qual o periódico sabe do problema, permitindo vincular a tal texto a responsabilidade pelas representações e pelas avaliações. O conteúdo da carta encontra-se exposto na sequência: ele reclama que em todos os finais de semana, os vizinhos do estabelecimento são obrigados a 21

É relevante ressalvar que as vozes das instituições governamentais, mobilizadas em resposta às reclamações do/a leitor/a, também são apropriadas. Essa apropriação genérica de vozes parece ser um traço estilístico preferencial da Folha de Vila Prudente.

ficar ouvindo músicas em alto volume. "Fiquei sabendo da nova lei que proíbe este tipo de propaganda, liguei para a Prefeitura no 156 e eles disseram que iriam averiguar", comenta. Segundo ele está insuportável morar na redondeza por conta da barulheira. A escolha de um Processo Verbal que atualiza o ato de fala reclamar, implicando uma concepção negativa do comportamento de um agente ou de uma instituição social, é significativa, uma vez que se trata de uma opção autoral de enquadramento da voz do/a leitor/a, revelando uma posição avaliativa implícita do jornal acerca do barulho. Note-se que a oração hipotática de locução apresenta uma circunstância de frequência que, ao quantificar em termos máximos a incidência de barulho — todos os — em referência aos finais de semana, auxilia na construção de uma situação de perturbação iterativa e contínua, da qual não há como escapar. Tal conexão fica possibilitada pela inscrição de uma estrutura modal de caráter deôntico (obrigação) — são obrigados a ficar ouvindo —, que insere o Processo Comportamental de ouvir músicas em alto volume como um dever, não como um desejo, ou seja, como algo imposto externa, frequente e continuamente, sem alternativa viável. Note-se, ademais, que a voz do jornal não centra a reclamação no missivista, mas estende a relação de obrigatoriedade e o efeito de perturbação à gama de vizinhos do estabelecimento, atribuindo tal ampliação a Antonio Carlos. Um dos aspectos centrais associados aos textos de reclamação consiste justamente na estratégia de maximizar a distribuição dos agentes sociais afetados pela ação prejudicial do agente causador da situação-problema. Tal procedimento aumenta a solidariedade da comunidade-leitora diante da situação, intensifica a relevância do problema e, nesse sentido, aponta para traços de um projeto autoral de mobilizar o jornal e os alvos a tentarem resolver, rapidamente, a questão, sob o risco de colocarem sua imagem em risco. Na sequência, a voz autoral introduz, por meio do discurso relatado direto, em uma estrutura paratática, a fala do missivista — "Fiquei sabendo da nova lei que proíbe este tipo de propaganda, liguei para a Prefeitura no 156 e eles disseram que iriam averiguar", comenta. A citação é realizada e enquadrada por um Processo Verbal mais neutro, comentar, que não pressupõe uma atitude negativa ou positiva do produtor diante do dito. Veja-se que o complexo oracional apresenta uma sequência narrativa, que se inicia pelo Processo Mental Cognitivo saber, que leva a uma ação material de contato comunicativo — ligar —, seguida da apresentação de um Processo Verbal — dizer —, que, no contexto, sincretiza uma noção de compromisso da instituição na busca de uma solução concreta — averiguação. A voz autoral não expõe se houve de fato ou não tal averiguação; o envio da carta, entretanto, pode sinalizar uma omissão.

O último enunciado do primeiro parágrafo finaliza o procedimento de apropriação da voz do/a leitor/a — Segundo ele está insuportável morar na redondeza por conta da barulheira. Note-se que tal construção é a única que apresenta uma inscrição avaliativa explícita,

insuportável,

que consiste em

um

recurso de

afeto

no âmbito

da

insatisfação/indesejabilidade. Tal avaliação é novamente atribuída ao missivista, por meio da circunstância de projeção: fonte Segundo ele, e encontra-se associada ao barulho, construído por meio de uma circunstância de causa. É relevante observar que, diferente dos textos anteriores, nos quais a inscrição de julgamentos era contínua, mesmo em se tratando de textos que enfatizavam avaliações de polaridade positiva, o texto da Folha de Vila Prudente apresenta baixa densidade avaliativa e nenhuma inscrição explícita de julgamento, em termos da relação entre o missivista e o alvo da crítica. Não se trata de uma característica prototípica do texto de reclamação; pelo contrário. Textos dessa estrutura retórico-teleológica apresentam média de 4,4 inscrições por texto, conforme se pôde verificar na análise quantitativa realizada até o presente momento. A que se deve a baixa avaliatividade desta missiva então? A razão se encontra na apropriação de voz, que tende a baixar a incidência de avaliações, especialmente as de julgamento, uma vez que essa modalidade atitudinal envolve um maior comprometimento autoral diante da realidade, por meio da condenação, repúdio ou louvor do comportamento humano. Nesse sentido, as cartas de apropriação tendem a minimizar a instanciação de julgamentos e, quando o fazem, atribuem tal avaliação ao/à missivista, isentando-se da responsabilidade enunciativa. No caso dos julgamentos, uma comparação, no âmbito da estrutura de reclamação, entre textos em que voz é do/a leitor/a e em que a voz é do periódico revela uma incidência média de 2,8 x 1,2 julgamentos por texto, respectivamente. Trata-se de uma diferença relevante que parece estar associada à atividade de mediação jornalística entre as demandas do cidadão e a qualidade dos serviços prestados pelas organizações públicas e privadas. Pela redução do impacto de condenação dos julgamentos, o periódico minimiza as ameaças à imagem institucional das organizações, atendo-se ao núcleo ideacional da reclamação, e ressalta os acordos e compromissos viabilizados, promovendo-se — no processo — diante dos dois grupos. O texto a seguir, também de reclamação, permitirá observar este contraste avaliativo e possibilitará compreender o processo de legitimação do trabalho jornalístico como enquadramento do pedido de intermediação realizado pelos/as leitores/as em relação ao alvo da exortação: O PÉSSIMO SERVIÇO DA EMPRESA DE ÔNIBUS

Senhor Redator: Sendo eu um dos assíduos leitores do jornal de nosso bairro, A Gazeta da Vila Prudente, e tendo uma estima por Vossa Senhoria, por seu uma pessoa imparcial, gostaria de fazer uma reclamação e um alerta às pessoas que comandam o transporte em nosso Municipio. A reclamação é contra a Empresa de Ônibus Auto Viação São Luiz Ltda., a qual tem sua garagem à Estrada do Oratório, ao lado da 42.o Distrito Policial, e que opera com a linha Parque D. Pedro até a Vila Prosperidade, com apenas 3 carros circulando, mesmo nos horários de pico, demorando de 45 minutos a 1 hora entre um carro e outro, fazendo com que quase todos os seus usuários percam a hora de serviço, como por exemplo os empregados da Linhas Corrente Ltda. no Ipiranga. Outra falha desta empresa de ônibus é que nesta linha o cobrador é o próprio motorista, a tarifa é de Cr$ 33,00 não valendo pelo péssimo serviço que estão prestando e as condições dos carros, além é claro de sermos obrigados a deixar sempre pelo menos Cr$ 2,00 para o motorista que nunca tem troco. Por todos estes motivos é que faço esta reclamação e digo mais que segundo conversas eles não deixam ninguém entrar nesta linha e cada vez pioram mais o seu serviço de transportes. Espero que com esta sova os donos da Auto Viação São Luiz Ltda. tenham um pouco de sensatez e melhorem o seu serviço de transportes e que a Secretaria dos Transportes dê uma olhada em todos estes desmandos, ajudando um pouco a classe operária, e desde já agradeço a sua colaboração para com o povo que precisa dessa linha de ônibus para se dirigir ao serviço. Atenciosamente, SERGIO HENRIQUE FRANCESCHINI. (Gazeta da Vila Prudente, 07.05.1982)

Deve-se observar, inicialmente, que o texto da Gazeta de Vila Prudente apresenta, na abertura da carta, o vocativo Senhor Redator, estrutura preferencial deste periódico, característica também compartilhada pela Tribuna da Lapa — cerca de 90% dos textos publicados em tal jornal, no que tange ao material coletado, apresentam alguma forma de destinação, a destacar Senhor Editor e Senhor Diretor. No material do século XXI, entretanto, tal estrutura não é produtiva. Não houve sequer uma ocorrência no corpus coletado até o presente momento, o que permite hipotetizar, por ora, tratar-se de uma estrutura de distanciamento e polidez, possivelmente instanciada em períodos totalitários, nos quais se espera uma atitude de maior demarcação de poder e hierarquia. O título consiste novamente em uma intervenção do jornal que busca sintetizar a temática ou a perspectiva autoral acerca de uma dada realidade construída no texto. No caso, a apreciação de qualidade péssimo, aplicada ao serviço de uma empresa de ônibus, já anuncia ao/à leitor/a a possibilidade de se tratar de um texto de reclamação22. Logo após a destinação, a voz autoral inicia o procedimento de legitimação do trabalho jornalístico. Em primeiro lugar, ela se constrói, em primeira pessoa do singular, a partir de uma avaliação de assiduidade, julgamento de tenacidade positiva, referente a seu comportamento de leitura diante do jornal. Na sequência, revela uma postura afetiva em relação à figura do editor, revelada pelo nome estima, ao qual atribui o julgamento positivo de sanção social imparcial, que denota honestidade e propriedade ― Sendo eu um dos 22

Veja-se, portanto, que a Gazeta da Vila Prudente não se pauta pelos mesmos critérios de responsabilização discursiva que a Folha de Vila Prudente, a despeito da diferença cronológica. Tal constatação é relevante, na medida em que está relacionada à nona questão de pesquisa, referente a possíveis agrupamentos de periódicos em termos de características comuns no que tange à produção de textos de mobilização do/a leitor/a. Trata-se de um aspecto ainda a ser pesquisado, que merecerá um olhar atento em momento pertinente.

assíduos leitores do jornal de nosso bairro, A Gazeta da Vila Prudente, e tendo uma estima por Vossa Senhoria, por seu uma pessoa imparcial, gostaria de fazer uma reclamação e um alerta às pessoas que comandam o transporte em nosso Municipio. Nesse sentido, é possível observar que, antes mesmo de entrar no tópico referente à reclamação, a voz autoral propõe-se a destacar a leitura frequente do jornal, o que justifica e autoriza, portanto, o ato de escrever, ao mesmo tempo em que elogia o redator e revela um apreço por sua pessoa, legitimando o trabalho por ele realizado, projetando, assim, uma relação de confiança. A construção gera expectativa. Na medida em que a voz autoral se constrói como leitor assíduo e ressalta a ética e a honestidade como valores constitutivos do redator, espera-se que esse, de alguma forma, seja capaz de agir segundo o que a voz autoral deseja. Por conseguinte, tem-se que a estratégia de legitimação atua tanto como enquadramento do pedido de intermediação quanto como forma de garantir, por meio da vinculação interpessoal, alguma resposta válida e prática do periódico no que tange à solução da situação-problema. Tal situação, que motiva a produção da missiva, é instanciada no segundo parágrafo. Destacam-se, na construção, os recursos de gradação e a contração dialógica. Note-se que a voz autoral usa o recurso de gradação apenas, na construção com apenas 3 carros circulando, intensificando o caráter insuficiente de veículos e contraindo o dialogismo, na medida em que tal formulação instaura a alternativa de que deveriam circular mais carros, anulando-a em prol da realidade negativa observável. Além disso, observa-se, na sequência, que o segmento mesmo no horário de pico exponencializa a insuficiência anterior, de modo que a alternativa dialógica anulada passa a ser deveria haver mais veículos, principalmente nos horários de pico. Como corolário, implicitam-se julgamentos negativos de sanção e estima sociais ligados à propriedade e à tenacidade, o que caracteriza omissão. A consequência de tal prática omissa, realizada pela empresa de transportes denunciada, é expressa pela estrutura causativa a seguir: fazendo com que quase todos os seus usuários percam a hora de serviço [...]. Novamente, uma estrutura de gradação — quase todos — é instanciada para construir o quadro da situação-problema, ampliando o escopo de incidência da omissão empresarial, de modo a revelar o grau de abrangência das consequências negativas da prática. O parágrafo seguinte continua a atitude de condenação autoral: Outra falha desta empresa de ônibus é que nesta linha o cobrador é o próprio motorista, a tarifa é de Cr$ 33,00 não valendo pelo péssimo serviço que estão prestando e as condições dos carros, além é

claro de sermos obrigados a deixar sempre pelo menos Cr$ 2,00 para o motorista que nunca tem troco. Veja-se que o segmento introduz uma série de potenciais falhas da empresa, elencando diversos problemas que extrapolam o atraso construído no parágrafo anterior. Em primeiro lugar, por meio de um Processo Relacional Intensivo Identificador, vincula-se o papel de cobrador ao de motorista, sincretizando-os, procedimento este reforçado pela presença do recurso de foco próprio. Na sequência, há uma condenação do preço da tarifa, uma vez que, pela negação, anula-se a alternativa dialógica de que o preço fosse válido, e, pela apreciação negativa péssimo, constrói-se a prática da empresa como de baixa qualidade. Ademais, associa-se também a condenação do preço às condições do veículo que, por contaminação interpessoal, acabam também sendo avaliadas como de baixa qualidade. Por fim, a expressão é claro marca contração dialógica, em termos de concordância, construindo uma audiência que, potencialmente, partilha de tal posicionamento, assumindo como evidente a representação instanciada. Tal estratégia é relevante, na medida em que o leitor não necessariamente conhece o que está sendo instanciado; nesse sentido, a construção de concordância acaba contribuindo para um efeito de identificação e de humor, na medida em que o conteúdo proposicional irá apresentar uma situação de desonestidade, implicitando um julgamento de sanção social negativa, com o qual não se deveria concordar. Tal humor, portanto, parece vincular-se a uma espécie de sarcasmo autoral, invocando incredulidade diante de uma situação reiterada de abuso. É relevante observar os pormenores e, para tal, expõe-se novamente o segmento: além é claro de sermos obrigados a deixar sempre pelo menos Cr$ 2,00 para o motorista que nunca tem troco. Note-se que a voz autoral, ao atualizar a primeira do plural inclusiva, cria identificação com o grupo prejudicado e constrói, para a comunidade leitora, uma situação de injustiça coletiva. O advérbio de frequência sempre é contraposto ao advérbio nunca, também de frequência, de modo a criar um efeito de desonestidade ampliada, na medida em que, ao/à consumidor/a do serviço, associa-se uma obrigação — modalização deôntica — contínua de deixar um mínimo de dinheiro (Cr$2,00) de troco ao motorista, ao passo que a este se vincula a contínua inabilidade de oferecê-lo. É justamente a reiteração da prática que permite associar-lhe a valores negativos de sanção social, que contribuirão, sobremaneira, para a emergência de padrões de indignação. A construção da indignação consiste em um padrão discursivo-textual recorrente em textos de reclamação. Não se trata do único modelo vigente; entretanto, trata-se de um

esquema produtivo que se baseia em uma série de etapas apresentadas na sequência, depreendidas após um exame minucioso dos textos que compõem o corpus: Sequência retórico-afetiva de indignação23: 1. Existe uma classe de eventos x; 2. x traz consequências negativas y; 3. Há condições e existe possibilidade de se evitar a ocorrência de x; 4. Espera-se que x não aconteça; 5. O evento P, instância de x, ocorre e acarreta, novamente, consequências y, quebrando a expectativa de não ocorrência prevista em 4; 6. Julgamentos de sanção e estima social, especialmente ligados à injustiça, à omissão ou à incompetência, são ativados em relação à inércia no que tange ao alcance da resolução, prevista em 3; 7. y atua como gatilho de reações afetivas negativas, dentre elas, a indignação, vista como uma reação de insatisfação e/ou infelicidade a efeitos potencialmente injustos, que sincretiza o desejo de subversão das condições de ocorrência de x; 8. A indignação pode servir de gatilho para ações ligadas ao reforço de 3, visando a ratificar as condições para o bloqueio de x e, portanto, para o desaparecimento de y. As etapas 1 e 2 consistem em premissas básicas para a construção da indignação — a existência de uma classe coesa de eventos x que acarreta consequências negativas y do ponto de vista autoral. No texto em análise, a classe de eventos consiste no péssimo serviço da empresa de ônibus, o que inclui todas as práticas elencadas no segundo e terceiro parágrafos, e a consequência negativa consiste, especialmente, no atraso na entrada para o trabalho, embora também se possam incluir os danos financeiros. As etapas 3 e 4 são necessárias para que se possa conceber a indignação. Não há indignação em situações nas quais a instanciação de x não possa ser evitada. Ela é resultado, justamente, da incidência de um evento de consequências negativas cuja emergência pode ser bloqueada, visto que existem condições concretas para impedi-la. No caso, a principal condição para o bloqueio está ligada à ação fiscalizadora da Secretaria de Transportes, mencionada no primeiro e no último parágrafo. Caso essa ação fosse eficiente, e espera-se que o governo cumpra com eficiência seu papel, a atualização da classe de eventos x seria evitada. A etapa 5 é, em geral, opcional e pode manifestar-se de diversas formas. Em alguns casos, o texto explora uma ocorrência presente da classe de eventos x, a instância P, que atua como gatilho da indignação. Em outros casos, como ocorre no texto acima, a voz autoral constrói um quadro geral da situação-problema, remetendo diretamente à classe x, devido à reiteração de instâncias e, portanto, da regularização da incidência de consequências negativas. 23

Deve-se ressalvar que as etapas não são necessariamente discretas nem precisam seguir uma ordem sequencial e cronológica. Ademais, a etapa 8 parece estar ligada apenas a textos exortativos.

Tal procedimento pode ser depreendido não só na construção dos parágrafos já examinados, mas também no quinto parágrafo: Por todos estes motivos é que faço esta reclamação e digo mais que segundo conversas eles não deixam ninguém entrar nesta linha e cada vez pioram mais o seu serviço de transportes. Note-se que, neste segmento, a voz autoral justifica a sua reclamação e se vale de uma estrutura de expansão dialógica, por atribuição, em termos de distanciamento, para enquadrar, pela voz de outros — não identificados —, a reiteração do comportamento desonesto e impróprio. Trata-se de uma forma de instanciação de recursos de hearsay (ouvir dizer). Por meio de tal enquadramento, a voz autoral intensifica o quadro de sanção social negativa da empresa, ao afirmar que ela se rejeita a contratar novo pessoal e que piora o serviço contínua e proporcionalmente. Em outros termos, a expectativa de melhora não acontece, o que viabiliza a quebra da etapa 4 — expectativa de não ocorrência de x — e uma nova instauração das consequências negativas y, ainda mais intensas, o que consiste em uma variação da etapa 5. A etapa 6, por sua vez, permeia o texto, na medida em que a desconsideração pela resolução da situação-problema e pela subversão das condições de emergência de x são construídas, textualmente, a partir de avaliações de sanção social, ligadas especialmente à impropriedade ou à desonestidade, e de estima social, principalmente em termos de incapacidade ou falta de tenacidade (omissão). No texto em questão, o quadro negativo privilegiado é o de sanção, conforme descrito anteriormente. A etapa 7 não é construída explicitamente pela voz autoral, que apenas invoca reações afetivas de insatisfação e indesejabilidade, calcados na injustiça, por meio de recursos de contração dialógica e de gradação, além de apreciações que permitem a construção de um quadro de incredulidade mediante as ações impróprias e ― por que não, abusivas, visto que reiteradas ― da empresa. Por fim, a etapa 8, associada à instanciação de comandos que visam à subversão das condições de emergência de x, parece estar ligada a textos de negociação intersubjetiva exortativa, como é o caso desta missiva, e, portanto, sua atualização é opcional. No texto em questão, tal etapa encontra-se instanciada no último parágrafo, exposto a seguir: Espero que com esta sova os donos da Auto Viação São Luiz Ltda. tenham um pouco de sensatez e melhorem o seu serviço de transportes e que a Secretaria dos Transportes dê uma olhada em todos estes desmandos, ajudando um pouco a classe operária, e desde já agradeço a sua colaboração para com o povo que precisa dessa linha de ônibus para se dirigir ao serviço. [...]

A forma de exortação escolhida pela voz autoral consiste em uma instância do padrão denominado em Gonçalves Segundo (2011) como incitação especulativa. Incitações especulativas consistem em formas gramaticalmente metafóricas24 de comandos, em geral, de polaridade positiva, que apresentam alvos diretos e explícitos, com estrutura volitiva usualmente expressa pelo verbo esperar, responsáveis por construir o produtor textual em inferioridade hierárquica em relação ao alvo da exortação, calcando, entretanto, a força persuasiva em um vínculo intersubjetivo criado entre as instâncias envolvidas, de modo que a resistência à realização do comando requisite esforço interpessoal, responsável pela geração de frustração ou decepção. Em primeiro lugar, observa-se que a forma volitiva espero se encontra na primeira do singular, de modo que a voz autoral passa a validar individualmente as representações, construindo-se, assim, como porta-voz da categoria. O comando direciona-se a dois alvos — um deles, a empresa propriamente dita, é também o alvo da reclamação da carta; o outro, a Secretaria de Transportes, consiste na instituição que possui o poder de fiscalizar e exigir mudanças. Em relação à empresa, veja-se que a exortação atua em dois eixos: no eixo atitudinal, requisitando sensatez, ou seja, capacidade para realizar escolhas pertinentes; e no eixo prático, exigindo melhora na qualidade do serviço, ou seja, justamente a reversão da classe de eventos x. No que concerne à Secretaria de Transportes, pede-se a fiscalização, por meio da representação dar uma olhada em todos estes desmandos, ajudando um pouco a classe operária. A construção é relevante, na medida em que o termo desmando implicita um julgamento de propriedade negativa, ao passo que o recurso de gradação baixa um pouco circunscreve implicitamente uma atitude mínima de amparo governamental, invocando um quadro de abandono da classe operária/trabalhadora. Tal implicitação é central para o segmento final, no qual a voz autoral agradece a intermediação do jornal, pressupondo colaboração, tendo em vista toda a legitimação construída no parágrafo inicial — [...] e desde já agradeço a sua colaboração para com o povo que precisa dessa linha de ônibus para se dirigir ao serviço. [...]. Nesse sentido, tem-se que o missivista assume e espera do periódico tal atitude de intermediação, exigindo deste aquilo que a imprensa de bairro costuma propor em seus editoriais, conforme Gonçalves Segundo (2011) mostrara: seu caráter apartidário, não proselitista, e sua atuação

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Para maiores informações sobre a noção de metáfora gramatical, ver Halliday (2004) e Taverniers (2002).

intermediadora e reguladora entre os interesses e as demandas do/a cidadão/ã frente as instâncias organizacionais e institucionais de poder decisório e de prestação de serviços. Considerações finais O objetivo deste artigo foi apresentar os resultados preliminares do exame de textos de mobilização da voz do/a leitor/a na imprensa paulistana de bairro, focando, em primeiro lugar, na depreensão de caracteres gerais de caráter textual que formam um sistema de parâmetros documentais relevante para a descrição desse conjunto heteróclito de textos e, em segundo lugar, na análise de aspectos centrais da estruturação retórico-teleológica e negociativa dos textos de parabenização, agradecimento e reclamação, atentando, no caso desta última categoria, à construção da sequência retórico-afetiva de indignação. A fim de atingir tais objetivos, elaborou-se uma síntese acerca da natureza do jornalismo de bairro, seguida de uma exposição sobre a aplicação da abordagem sistêmicofuncional para a descrição discursivo-textual, especialmente no que concerne à formação de padrões interdiscursivos de atividade sociossemiótica e linguístico-discursiva. A seguir, foram apresentados tanto os procedimentos metodológicos que embasam o estudo quanto as principais questões norteadoras da pesquisa, que devem ser desenvolvidas durante a vigência do projeto temático. Em termos de resultados, depreendeu-se que textos de parabenização e agradecimento pautam-se pela instanciação de posturas de louvor que destacam aspectos positivos da atividade jornalística, em especial relativos à propriedade — enfatizando a ética, o compromisso com a comunidade, o apartidarismo, a retidão —, a composição — destacando a qualidade das publicações — e o valor social — focando a relevância do trabalho e seu potencial de capacitação do/a leitor/a. Além disso, também se verificou, especialmente no que se refere a vozes institucionais, que o ato de parabenizar e agradecer se atrela a uma construção autoral de autopromoção que destaca o valor social da instituição representada pelo/a escritor/a ao mesmo tempo em que divulga seu trabalho para a comunidade leitora e vincula intersubjetivamente o jornal a continuar realizando a atividade de apoio a tais instituições, fazendo ecoar o discurso de solidarização com a comunidade, preferencial desta modalidade de imprensa. Já os textos de reclamação privilegiam os julgamentos negativos de estima e sanção social, em especial de tenacidade e propriedade, destacando o caráter nocivo do comportamento estatal e/ou privado no que tange à população, construída como vítima

constante do descaso das esferas de poder. Além disso, tais textos constroem reações afetivas, em geral, também negativas, enfatizando a insatisfação, como forma de enquadrar a necessidade de uma reversão da situação-problema. Por essas razões, os textos ligados a essa estrutura retórico-teleológica podem instanciar a sequência retórico-afetiva de indignação, uma estrutura discursivo-textual subjacente ao texto de reclamação, constituída a partir de oito etapas não discretas, passíveis de sincretização, algumas obrigatórias, outras opcionais, responsável pela instauração de um efeito de sentido ligado à insustentabilidade do status quo e da necessidade de reversão das condições de emergência para dadas situações-problemas que poderiam ter sido evitadas, destacando a falta de capacidade, tenacidade ou propriedade dos agentes ou das instituições responsáveis por sua prevenção. Ademais, analisou-se também o papel do elogio ao trabalho jornalístico e/ou à figura do/a editor/a ou redator/a como forma de legitimar seu papel como intermediador entre os interesses comunitários e o poder público, de modo a criar um vínculo interpessoal de expectativa como premissa para o engendramento de comandos orientados à ação do periódico na solução de situações-problema. Por fim, avaliaram-se, ainda que preliminarmente, os efeitos da apropriação da voz do/a leitor/a pelo periódico, que promove tanto uma redução na instanciação de julgamentos, diminuindo a responsabilização modal do produtor pelas avaliações e representações, quanto uma atenuação do teor autoritário, uma vez que também se dirime o teor exortativo. As próximas etapas de pesquisa buscarão examinar, detida e pormenorizadamente, cada parâmetro documental, visando à depreensão de padrões subjacentes à sua construção linguístico-discursiva, em face da diversidade teleológica, atentando também para a instanciação de padrões de representação e possíveis agrupamentos identitários entre os distintos periódicos nas diferentes sincronias.

RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar uma visão introdutória acerca dos textos de mobilização da voz do/a leitor/a na imprensa de bairro paulistana, enfocando a correlação entre a sua estrutura retórico-teleológica e os aspectos concernentes à negociação intersubjetiva entre a voz autoral, a comunidade leitora e o periódico. A pesquisa assume como base teórica a abordagem sistêmico-funcional (Halliday, 2004; Martin & White, 2005), a fim de descrever padrões ideacionais e interpessoais de recursos linguísticos que configuram tal prática. Nesse sentido, este estudo, de ordem preliminar, permitiu depreender uma heterogeneidade concernente aos modos de apropriação da voz do/a leitor/a por essa modalidade de imprensa, muito embora seja a teleologia de reclamação a que mais se destaca. Tais textos instanciam, preferencialmente, julgamentos negativos de estima e sanção social, por meio de modelos textuais críticos e exortativos, como forma de enquadrar a exigência de

ações práticas de instituições sociais no que tange à solução dos problemas comunitários. Nesse processo, também se revelou relevante e produtiva a atualização da sequência retóricoafetiva de indignação. PALAVRAS-CHAVE: imprensa local; negociação intersubjetiva; indignação; leitor/a; avaliatividade. Referências bibliográficas FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: textual analysis for social research. London: Routledge, 2007. GONÇALVES SEGUNDO, Paulo Roberto. Tradição, estabilidade e dinamicidade nas práticas discursivas: um estudo da negociação intersubjetiva na imprensa paulistana. Tese de Doutoramento. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2011. GONZAGA, Jair João. Intricate Cases in Clauses in SFG concerning the Grammar of Brazilian Portuguese. Tese de Doutoramento. Programa de Pós-Graduação em Letras/Inglês e Literatura Correspondente da Universidade Federal de Santa Catarina, 2011. HALLIDAY, Michael. Introduction to Functional Grammar. 3ª ed. Revisado por C. Matthiessen. London: Hodder Arnold, 2004. HASAN, Rusqaiya. The place of context in a systemic functional model. In: Halliday, Michael; Webster, Jonathan (org.). Continuum Companion to Systemic Functional Linguistics. London: Continuum, 2009, pp. 166-189. KABATEK, Johannes. Tradições discursivas e a mudança linguística. In: Tânia Lobo (ed.): Para a Historia do Português Brasileiro VI, Salvador: EDUFBA (Texto apresentado no encontro PHPB em Itaparica, Bahia, setembro de 2004. http://www.kabatek.de/discurso/itaparica.pdf KOCH, Peter. Diskurstraditionen:zu ihrem sprachtheoretischen Status und ihrer Dynamik. In: Barbara Frank/Thomas Haye/Doris Tophinke (Hrsg.), Gattungen mittelalterlicher Schriftlichkeit. Tubingen: Narr, 1997 (ScriptOralia, 99), 43-79. Trad.: COSTA, Alessandra Castilho Ferreira da. LEMKE, Jay. Textual politics: Discourse and Social Dynamics. London: Taylor & Francis, 2005. LIMA-LOPES, Rodrigo Esteves & VENTURA, Carolina Siqueira Muniz. 2008. A transitividade em Português. Direct Papers 55. Consultado em: http://www2.lael.pucsp.br/direct/DirectPapers55.pdf MARTIN, James & WHITE, Peter. The language of evaluation: appraisal in English. New York/Hampshire: Palgrave Macmillan, 2005.

MATTHIESSEN, Christian. Ideas and new directions. In: Halliday, Michael; Webster, Jonathan (org.). Continuum Companion to Systemic Functional Linguistics. London: Continuum, 2009, pp. 12-58. MEYER, Philip. The Vanishing Newspaper: saving journalism in the information age. Columbia: University of Missouri Press, 2007. PERUZZO, Cicilia M. Krohling. Mídia regional e local: aspectos conceituais e tendências. Comunicação & Sociedade. São Bernardo dos Campos: Póscom-Umesp, a. 26, n.43, 2005, pp. 67-84. SANT’ANNA, Lourival. O destino do jornal: a Folha de S. Paulo, O Globo e o Estado de S. Paulo na sociedade da informação. Rio de Janeiro: Record, 2008. TAVERNIERS, Miriam. Systemic-Functional Linguistics and the Notion of Grammatical Metaphor: A theoretical study and a proposal for a semiotic-functional integrative model. Tese de Doutoramento. Faculty of Arts & Philosophy. Department of English. Gent Universit, 2002. WHITE, Peter. Valoração — a linguagem da avaliação e da perspectiva. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, v. 4, n. esp., 2004, pp. 178-205.

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