A MONARQUIA COMO VETOR DE IDENTIDADE E DE DIVERSIDADE [Sécs. XI a XVII] Portugal e Galiza.

June 7, 2017 | Autor: J. Gonçalves de F... | Categoria: History Portuguese and Spanish
Share Embed


Descrição do Produto

Publicado em: Entre Portugal e a Galiza (Sécs. XI a XVII). Um olhar peninsular sobre uma região histórica, coord. Luís Adão da Fonseca, Porto: Fronteira do Caos / CEPESE, pp. 91-168.

A MONARQUIA COMO VECTOR DE IDENTIDADE E DE DIVERSIDADE [Sécs. XI a XVII] Mafalda Soares da Cunha (coordenação)

ÍNDICE INTRODUÇÃO (Mafalda Soares da Cunha) CAPÍTULO 6 - FORMAS E DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO. 6.1. OS CASOS DA GALIZA E DE PORTUGAL NA ÉPOCA MEDIEVAL (Pablo Otero Piñeyro Maseda, Eduardo Pardo de Guevara y Valdés) 6.2. FORMAS E DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NAS COROAS IBÉRICAS DA ÉPOCA MODERNA (Pedro Cardim, André Costa, Paula Pinto Costa) CAPÍTULO 7 - O ESPAÇO POLÍTICO 7.1. O QUADRO INSTITUCIONAL E AS EXPERIÊNCIAS DE GOVERNO TERRITORIAL 7.1.1. O CASO DA GALIZA NA TRANSIÇÃO DA IDADE MÉDIA PARA A MODERNA (Pablo Otero Piñeyro Maseda, Eduardo Pardo de Guevara y Valdés) 7.1.2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO TERRITORIAL DA REDE JUDICIÁRIA (Mafalda Soares da Cunha, Judite Gonçalves de Freitas) 7.1.3. O GOVERNO DELEGADO: VICE-REIS E GOVERNADORES (Pedro Cardim) 7.2. A AUSÊNCIA DO REI. REACÇÕES AO PROCESSO DE PERIFERIZAÇÃO NA GALIZA E EM PORTUGAL (Pedro Cardim e Mafalda Soares da Cunha) 7.3. A INQUISIÇÃO (Maria Gloria de António Rubio e Ana Isabel López-Salazar) CAPÍTULO 8 - O ESPAÇO ECONÓMICO (Leonor Freire Costa) CAPÍTULO 9 - O ESPAÇO SOCIAL 9.1. NOBREZA, MUNDO ECLESIÁSTICO E ORDENS MILITARES (SÉCULOS XII-XV) (Paula Pinto Costa, José Augusto de Sottomayor-Pizarro) 9.2. NOBREZA, ELITES ECLESIÁSTICAS E GOVERNO LOCAL (SÉCULOS XVI-XVII) (Mafalda Soares da Cunha, Antonio Terrasa Lozano)

1

2

INTRODUÇÃO

Mafalda Soares da Cunha Este capítulo tem como tema central a monarquia na sua qualidade de agente impulsionador das identidades reinícolas separadas de Portugal e da Galiza numa cronologia longa que abrange os séculos XII a meados do XVII. Essa a razão pela qual a perspectiva de análise dos textos aqui reunidos tem como foco principal os instrumentos que a coroa foi gerando seja para construir o território, seja para lhe conferir governabilidade. Mas embora se atribua ao rei um papel central nestes processos, os autores destes estudos não perdem nunca de vista que a acção régia se desenvolve em interrelação com o espaço social envolvente gerando relações de poder que condicionam as práticas da governação dos territórios. Têm igualmente presente as características dominantes da cultura política dessas épocas pelo que enquadram as suas análises no modelo de governo jurisdicionalista. Reconhecem, por isso e também, que a evolução histórica de ambos os territórios é o resultado de uma multiplicidade de dinâmicas (políticas, económicas e sociais) que se foram sedimentando em diversas formas institucionais e em práticas sociais que propiciaram tanto a continuada acumulação de diferenças, quanto a persistência de referenciais identitários partilhados. Como o objecto desta obra colectiva é a compreensão dos processos históricos que conduziram à partição de uma região histórica – a Gallaecia romana – em dois espaços políticos separados, a preocupação dos autores em comparar os mesmos fenómenos na coroa de Portugal e no reino da Galiza foi uma constante. Mas essa atenção comparativa procurou ir mais longe ainda. Em resultado da precoce incorporação da Galiza na coroa castelhano-leonesa e da consequente deslocação do centro político para esses reinos, os autores sentiram a necessidade de compreender as formas e, sobretudo, as consequências da integração do reino galego num quadro espacial mais amplo. Primeiro no âmbito dessa mesma coroa castelhano-leonesa e, a partir do reinado dos Reis Católicos, no espaço do conglomerado territorial dos reis da coroa castelhano-aragonesa, que, como é bem conhecido, acabou por abarcar múltiplos domínios europeus e americanos. E, para o caso português, sentiu-se a necessidade de compreender em que medida o alargamento territorial promovido desde o século XV e a subsequente construção de uma monarquia à escala pluricontinental promoveu

3

especificidades e particularismos identitários face à coroa castelhano-aragonesa, seja interior do reino, seja na cena internacional. É evidente que esta grelha de inquérito não se podia concretizar através de um tratamento exaustivo das diversas matérias pertinentes. Assim se o enfoque nas dinâmicas geradas a partir do centro político constituiu uma primeira demarcação da análise, foi necessário num segundo momento delimitar os objectos de estudo concretos. Os critérios utilizados para esta segunda circunscrição visaram por isso identificar campos de actuação das duas monarquias com particular significado para a construção de trajectórias e representações políticas separadas entre Portugal e a Galiza e entre Portugal e Castela. A percepção dos riscos de incursões teleológicas foi grande, pelo que os autores combinaram de forma cuidadosa vectores de análise de tipo mais estrutural com a atenção aos contextos e, também, à contingência. As dimensões voluntaristas da acção régia foram, por isso, sempre estudadas em interacção com o espaço político e o espaço social, tomados no seu sentido mais amplo e abrangente. O roteiro deste capítulo concretizou-se primeiro no estudo da diversidade de processos que geraram o quadro territorial sobre a qual as monarquias estruturaram o seu poder, e depois nas diversas formas de intervenção das duas coroas sobre os respectivos reinos. Teve-se particular atenção a alguns momentos-chave, como foram os casos da decisão de D. Afonso Henriques deslocar o centro da sua acção política para Coimbra, a política reformista de D. Manuel, D. João III e a criação da Inquisição e 1580 e 1640, embora as análises procurem sobretudo apresentar grandes linhas de interpretação sobre os sentidos e as consequências de certas decisões das monarquias ibéricas. O capítulo inicia-se com análise dos processos de apropriação e construção do território num arco cronológico longo e em geografias muito diversas. São constituídas por uma combinação de dinâmicas de acção de origem social diversificada, que espelham interesses também variados e cujos resultados nem sempre corresponderam às intenções iniciais dos próprios intervenientes, fossem eles indivíduos ou quaisquer tipos de poderes instituídos. Implicaram por isso uma pluralidade de processos de incorporação territorial que deu origem a um espaço cuja posse foi legitimada através da construção e da reelaboração dos princípios doutrinários disponíveis na cultura política de então e pela transferência e adaptação dos modelos de organização políticoadministrativa existentes nas coroas ibéricas, para o caso dos espaços de conquista como plasmados nos exemplos de Granada ou dos domínios ultramarinos que coexiste 4

com o respeito pelas particularidades reinícolas dos domínios agregados por direito de herança. Se a análise do espaço político implicaria a identificação dos actores, das estruturas e dos processos que condicionaram a prática política e modelam as práticas da governação dos territórios, o ensaio que aqui se faz, embora não dê evidentemente resposta a todos estes tópicos, teve como propósito captar alguns dos dispositivos institucionais que as monarquias ibéricas desenvolveram na relação com os respectivos territórios e como esse enquadramento institucional contribuiu para a uniformização do espaço político. O foco da análise incidiu sobre as instituições vocacionadas para a administração territorial em Portugal, em Castela e na sua parte galega, com o objectivo da comparação entre os respectivos processos e tendo em vista a expressão regional que estes cargos podiam ter e/ou que as práticas dos seus titulares lhes possam ter emprestado. Sem qualquer pretensão de exaustividade, seleccionaram-se também alguns casos. São eles os que estão associados à institucionalização da rede judiciária e às formas de governo delegado da monarquia, plasmados nas competências atribuídas às figuras do governador e, quando foi o caso, do vice-rei. A reconhecida centralidade política da figura régia foi depois analisada a partir dos efeitos que a sua ausência gerou na Galiza em Portugal. Finalmente o estudo da Inquisição oferece um caso de um dispositivo institucional particularmente significativo na promoção de referentes sociais e religiosos comuns sobre o conjunto alargado dos territórios das duas monarquias. E, neste caso concreto detecta-se uma clara aproximação a um dos temas tratados em outro dos capítulos desta obra colectiva - as fronteiras -, ou seja a construção social e política da alteridade. O ponto relativo ao espaço económico analisa em que medida a intervenção e participação da Coroa na economia (estruturas produtivas e relações de produção, preços, moeda, fiscalidade, comércio) contribuiu para criar uma entidade económica ao reino de Portugal separada da Galiza ou de Castela. O processo não foi linear e admite respostas com sentidos contrapostos. Assim, a análise de vectores como a moeda ou certas dimensões da fiscalidade e a especialização portuguesa no sistema europeu (a partir do século XVI) permitem responder afirmativamente à questão; em contrapartida se o inquérito for dirigido à avaliação do grau de integração do mercado interno, o que sobreleva são as diferenças regionais e as dificuldades de integração, configurando um espaço económico pulverizado que se estruturava por interesses e privilégios

5

dominantemente particulares, localistas que contam histórias de resistência à transformação do reino numa unidade económica. Este capítulo encerra-se com os estudos sobre os efeitos que os dispositivos de ordenamento do espaço social criados pela Monarquia tiveram na promoção da autoridade régia e na conformação dos diversos grupos sociais. Neste sentido são analisados os efeitos identitários, mas também de dependência política provocados pela criação régia de diversos dispositivos de classificação social como os títulos nobiliárquicos, as distinções das Ordens Militares as familiaturas do Santo Ofício, ou requisitos sociais para as nomeações, entre outros; ou dos mecanismos de acrescentamento do controlo social para aceder aos vários níveis e espaços de participação na acção política como são os casos de alguns cargos governativos ou magistraturas; ou ainda sobre a reprodução de certos grupos sociais como é a Lei Mental ou a limpeza de sangue. Os resultados das análises apontam situações contrastantes. Assim se por um lado estes dispositivos legais e institucionais contribuíram para dotar os diferentes grupos sociais de uma identidade mais homogénea dentro de cada uma das coroas ibéricas, demonstram que tal fenómeno também provocou uma crescente estratificação interna a cada um dos grupos. Os resultados alcançados revelam igualmente, e de forma bastante clara, os efeitos que a distância do centro político provocou na configuração desses diferentes grupos nos diferentes territórios. Ou seja, como é que as próprias necessidades das monarquias no campo militar, fiscal e administrativo provocaram oportunidades de serviço e de promoção social ao mesmo tempo que intensificaram a circulação geográfica nos espaços mais alargados das monarquias e de como estas duas dinâmicas combinadas suscitaram tanto tensões internas aos diversos grupos sociais e destes para com a monarquia, quanto a incorporação dos valores e pautas de comportamento definidos pelos órgãos centrais das duas coroas. Mas apresentam ainda processos de diferenciação identitária complexos e não lineares face aos mesmos grupos sociais radicados em outras áreas do espaço peninsular, mostrando finalmente como certas conjunturas específicas concorreram para acelerar esses mesmos processos de diferenciação.

6

CAPÍTULO 6 FORMAS E DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

6.1. OS CASOS DA GALIZA E DE PORTUGAL NA ÉPOCA MEDIEVAL Pablo Otero Piñeyro Maseda Eduardo Pardo de Guevara y Valdés Os processos de estruturação do espaço na Galiza têm uma configuração particular no conjunto das coroas ibéricas. A Galiza é um reino integrado numa unidade política superior, primeiro na monarquia leonesa e depois na coroa de Castela. Pode assim dizer-se que a ideia ou conceito de "reino" se foi materializando ao longo da Idade Média como asserção geográfica, com personalidade jurídica e características próprias, sendo assumida de forma natural pela sociedade castelhana ou hispana, que deste modo diferenciava a Galiza do reino de Leão, integrando-o na Coroa de Castela. Esta realidade política da Galiza tem um tardio, mas interessante reflexo no carácter territorial do seu brasão, que passou a ser utilizado a partir das décadas centrais do século XV, embora a sua origem – como armas pessoais de um suposto "rei de Galiza”– se possa já documentar num armorial inglês das últimas décadas do século XIII1. Partindo desta premissa inicial, é importante destacar a divergência política de Castela e de Portugal durante a Baixa Idade Média no que toca à projecção de ambas as coroas durante os séculos posteriores. Portugal teve sempre monarcas próprios cuja acção política resultou no fortalecimento da autoridade régia e na debilitação da nobreza. Uma das suas manifestações mais singulares foi as sucessivas "inquirições" que limitaram o poder da nobreza e das instituições eclesiásticas: o rei queria exercer, ou recuperar, o controlo sobre terras anteriormente alienadas mediante títulos mais ou menos legítimos, com os quais os beneficiários se deveriam conformar2. Em Castela e na Galiza –aqui por maioria de razão, dada a sua posição periférica– as circunstâncias foram opostas: os monarcas eram débeis e o exercício do seu poder foi muito intermediado pelos partidos nobiliárquicos, o que conduziu à redução do poder régio através da cessão de realengos numa terra já de si muito senhorializada. As iniciativas centralistas por volta do segundo terço do século XIV, com Afonso XI e Pedro I, constuiram um mero parêntesis neste processo. A consequência imediata desta 1 2

PARDO DE GUEVARA, 2007a: 33-78. SOTTOMAYOR-PIZARRO, 2007 e SOTTOMAYOR-PIZARRO, 2012.

7

continuada intermediação senhorial foi o fortalecimento das posições da nobreza e da Igreja, bem como o aumento do seu peso político, económico e social, derivado fundamentalmente do exercício jurisdicional; corresponde à época da senhorialização castelhana definida por L. Suárez3. Neste quadro geral, a peculiaridade da Galiza resultante da sua densa rede de coutos jurisdicionais agravou ainda mais a sua situação periférica, que se fazia sentir não já apenas no campo geográfico, mas sobretudo pela ausência ou debilidade do poder monárquico. Com efeito, a maior parte do território galego era de senhorio eclesiástico, muito fragmentado em pequenas jurisdições ou coutos senhoriais, que foram sistematicamente ocupados por grupos nobres que encontraram no exercício dos poderes jurisdicional caminhos seguros para a sua consolidação social e económica, pese embora a sua origem poder muitas vezes remontar aos ramos menores ou às parentelas das antigas linhagens4. O couto tem na Galiza –para usar as palavras de J. García Oro– uma fisonomia diversa e heterogénea, mas manteve sempre uma dupla natureza: jurisdicional –os seus senhores participam com grande autonomia de poderes públicos– e económica. Quanto ao primeiro aspecto, a normativa consuetudinária e escrita estabelecia que o couto tinha imunidade jurisdicional e fiscal no que respeita aos ofícios públicos da Coroa; assim, os coutos são "terra privilegiada" na qual os seus senhores detinham uma grande autonomia em matéria de poderes públicos, além de uma série de direitos "realengos" sobre propriedades e pessoas que, nessa entidade geográfica delimitada, o rei tinha cedido a outros titulares: prestações e serviços pessoais, justiça de primeira instância, ou ainda direitos de tipo militar como a formação de mesnadas... e constituem expressões típicas da vassalagem. Quanto à sua segunda natureza, a realidade económica, trata-se de uma derivação da primeira: direitos fiscais ou senhoriais, como por exemplo a arrecadação de tributos de diverso tipo e antiguidade e a cobrança de rendas territoriais e comunais. Não há, no entanto, bases seguras para adiantar se a posse do couto outorgava direitos de padroado ou outro tipo de direitos de natureza eclesiástica pertencentes à sua paróquia, embora pareça que tendiam a coincidir5. A documentação, escassa e parca, é muito pouco explícita neste ponto concreto, pois parece apresentar cenários diferentes para realidades aparentemente semelhantes.

3

SUÁREZ, 2005. PARDO DE GUEVARA, 2007b: 263-278. 5 PORTELA e GARCÍA ORO, 1997: 82-83; GARCÍA ORO, 2012: 47-49. 4

8

A administração dos senhorios galegos tinha uma importância capital o que deu azo à ascensão de uma constelação de linhagens de vários níveis hierárquicos que tenderam a mimetizar a alta nobreza: a documentação oferece numerosos exemplos do interesse dos nobres em deterem um senhorio de vassalos, mesmo que estes fossem poucos, em se beneficiarem de forma mais ou menos legítima –usurpações na maioria dos casos– das instituições eclesiásticas e, embora em muito menor grau, também das ordens militares. Esses grupos religiosos constituíam o núcleo dos grandes senhores jurisdicionais da Galiza, e não há dúvida de que o exercício dessas dimensões do poder senhorial na Galiza representou para os diferentes escalões da nobreza um dos mais desejados objectivos tanto no plano económico como social, já que permitia e reflectia a consolidação da ascensão social resultante da progressiva atomização das linhagens iniciais. Poder-se-ia até dizer que esta realidade medieval se consolidou na época moderna em torno dos pazos, assumindo-se estes como os centros de poder social e de gestão económica que revelam a influência da nobreza galega tardomedieval até à contemporaneidade6. Em traços gerais, pode assim afirmar-se que este processo de senhorialização do espaço foi favorecido pela escassa presença e a débil interferência da autoridade régia na Galiza baixo-medieval.

6.2. FORMAS E DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NAS COROAS IBÉRICAS DA ÉPOCA MODERNA

Pedro Cardim André Costa Paula Pinto Costa Um dos fenómenos que, sem dúvida, caracteriza a história da Europa ocidental do início da época moderna é o aparecimento de unidades políticas muito mais extensas do que a generalidade daquelas que marcaram presença nos tempos medievais. A Península Ibérica participou neste ambiente de ampliação territorial e, como é sobejamente conhecido, no quadro de poucas décadas tanto a coroa portuguesa quanto a castelhano-aragonesa alargaram, de forma exponencial, os seus horizontes políticos, ao ponto de, em meados do século XVI, surgirem como potentados com uma escala incomparavelmente maior do que aquela que apresentavam um século antes.

6

PARDO DE GUEVARA, 2011: 41-49.

9

É bem conhecido que o crescimento territorial dessas duas coroas resultou de uma política de incorporação de novos domínios, alguns situados no continente europeu e outros localizados fora dele. Tratou-se de um crescimento efectuado através de diversas modalidades de agregação de novos espaços, espaços esses que, na maior parte dos casos, não eram meras extensões territoriais, mas sim realidades dotadas de comunidades organizadas e de poderes institucionalizados7. Como consequência desta dinâmica expansiva, surgiram unidades políticas plurais e compostas por parcelas frequentemente muito diversificadas entre si8. Nas épocas medieval e moderna o tema da união de territórios foi muito tratado pela doutrina coetânea – sobretudo eclesiástica –, doutrina essa que estabelecia uma distinção entre a vinculação horizontal (aeque principaliter) e a ligação “vertical”, esta última típica das situações de «conquista»9. Aeque principaliter, ou «união principal» era o processo de agregação de forma igualitária, pelo qual os reinos que se uniam preservavam a sua estrutura institucional. Esta forma de vinculação distinguia-se claramente da «conquista», no quadro da qual o vencedor ficava em posição de despojar o vencido do seu ordenamento, podendo instaurar unilateralmente uma dominação mais impositiva. A «conquista», além disso, costumava envolver o uso da violência, também nisso se distinguindo da «união principal», em regra uma incorporação pacífica e fruto da livre vontade de ambas as partes. Os ibéricos estavam perfeitamente cientes destes debates. Desfrutavam de uma rica experiência medieval de incorporação territorial e de união de diversas entidades sob um mesmo rei, experiência essa decorrente, acima de tudo, da chamada «Reconquista», enquanto processo de ampliação da esfera territorial de cada um dos reinos cristãos da Península Ibérica. Convém não esquecer, por outro lado, que ao longo de Quatrocentos a Ibéria tinha sido palco de várias iniciativas de alargamento territorial, primeiro com a união entre as coroas de Castela e de Aragão, depois com a conquista de Granada, em seguida com a possibilidade de uma união ibérica sob o príncipe D. Miguel da Paz e, já no século XVI, com a conquista de Navarra e a sua subsequente incorporação em Castela. No caso da união entre Castela e Aragão, prevaleceu o respeito e a manutenção do ordenamento de cada reino, tendo-se estabelecido uma relação horizontal na qual as

7

HESPANHA, 1993. ELLIOTT, 1992. 9 ARRIETA ALBERDI, 2004. 8

10

duas coroas ficaram em plano de igualdade, evitando-se desse modo a assimilação ou a absorção, soluções que, em termos práticos, seria difícil implementar10. O mesmo tipo de mecanismo chegou a ser pensado no contexto português, quando se perspectivou a união das coroas ibéricas sob a égide do príncipe D. Miguel da Paz (1498-1499). É bem conhecido que, no reinado de D. Manuel I, foram dados passos concretos no sentido de uma união de coroas ibéricas sob a égide desse jovem príncipe11. Os «Capitulos del rey Dom Manuel» de 1499 são uma série de garantias estabelecidas nas Cortes que se realizaram em Lisboa nesse mesmo ano e nas quais se procedeu ao juramento de D. Miguel, que já era herdeiro jurado das coroas de Aragão e Castela. Através desse juramento o pequeno príncipe, revestido de uma certa aura de providencialismo unionista, “comprometia-se” a respeitar a identidade dos reinos de Portugal, Aragão e Castela. Contudo, esse compromisso não chegou a ser posto em prática, pois D. Miguel morreu em 1500 com apenas dois anos. Ainda assim, e como demonstrou Fernando Bouza, a memória deste episódio perdurou, sendo recuperada décadas mais tarde, mais precisamente a partir de 1578, pela mão dos emissários de Filipe II, quando já se vislumbrava a entrada de Portugal para os domínios dos Áustrias. Nos casos de Granada e de Navarra a questão da ampliação territorial foi colocada em termos completamente diferentes. No que toca a Granada, o alargamento territorial decorrente dessa incorporação não colocava dúvidas: o território Nazari era muçulmano e foi derrotado pela força das armas no quadro de uma guerra classificada como «justa», tendo sido «conquistado» e consequentemente privado do seu ordenamento. Quanto a Navarra, a sua anexação envolveu uma campanha militar castelhano-aragonesa, na sequência da qual os reis João III e Catarina de Foix acabaram por ser violentamente desapossados do reino navarro. Era uma situação delicada, antes de mais porque, tanto em termos morais quanto jurídicos, era duvidoso que tal conflito tivesse um carácter «justo». Além disso, as dúvidas estavam também ligadas ao facto de se tratar da «conquista» de um reino cristão. Em virtude disso, a manutenção dos «fueros» de Navarra dependeu fundamentalmente da magnanimidade de Fernando «o Católico», que confirmou os foros em 1513, mas introduziu ligeiras modificações no sentido de reforçar a autoridade real e o controlo a partir de Castela, coroa à qual Navarra foi doada em 151512. 10

BELENGUER CEBRIÀ, 1998. BOUZA ÁLVAREZ, 1995. 12 FLORISTÁN, 2002. 11

11

Quanto aos lugares extra-europeus incorporados na coroa castelhano-aragonesa e na coroa portuguesa ao longo dos séculos XV e XVI, importa começar por dizer que apresentavam uma paisagem política em grande medida estranha às categorias da cultura política europeia. No que toca às terras americanas situadas na área de influência de Portugal, elas eram, literalmente, mundus novus, razão pela qual, como é óbvio, não foi nem pela via dinástica nem pela herança que esses espaços ultramarinos entraram para a coroa lusitana. A incorporação territorial processou-se através da conquista, legitimada por meio de doações pontifícias e de tratados diplomáticos negociados com Castela, fornecendo assim as bases para que na organização do novo espaço prevalecessem as instituições e o ordenamento jurídico português. Mesmo o estabelecimento de alguns pactos com as autoridades extra-europeias, envolvendo a confirmação-doação de alguns direitos ou o reconhecimento de situações prévias à chegada dos europeus (como sucedeu na Nova Espanha, ou até, em menor grau, na América Portuguesa13), devem ser vistos como gestos de compromisso com as elites indígenas e, como assinalou Susana Miranda14, não iludem o facto de ter prevalecido a matriz da cultura política europeia15. Foi, na verdade, o ordenamento português e castelhano, bem como a cultura política trazida da Península, aquilo que conferiu às novas terras americanas um lugar e um estatuto no seio do ordenamento europeu, tornando-as em entidades anexas às coroas ibéricas. De qualquer modo, há que reconhecer que, com o passar do tempo, a coroa castelhano-aragonesa foi assumindo uma configuração bem diferente da portuguesa, fundamentalmente porque os reis de Castela e de Aragão sempre combinaram a expansão na Europa com a conquista de espaços fora do Velho Continente. Já os reis portugueses, impossibilitados que estavam de alargar o seu espaço político na Península Ibérica, apostaram exclusivamente no desbravar de uma grande variedade de territórios situados, todos eles, fora da Europa. *** Um dos vectores que mais impulsionou a conquista dos espaços ultramarinos foi a religião16. Sabe-se, igualmente, que a estreita relação entre religião e conquista acentuou a interdependência entre a esfera eclesiástica e o poder régio, levantando inúmeras dúvidas de ordem teológica, jurídica e moral, acima de tudo porque o alargamento 13

ALMEIDA, 2001. MIRANDA, 2012. 15 HERNANDO SÁNCHEZ, 1996. 16 MARCOCCI, 2012. 14

12

territorial envolveu a apropriação – através de operações de «conquista» e frequentemente com o uso da força – de pessoas, de bens e de espaços africanos, asiáticos e americanos, no quadro de uma guerra que, para muitos, pouco ou nada tinha de «justo». Neste domínio, mais do que distinguir entre guerra e missionação, a coroa preocupou-se com a fundamentação messiânica e cruzadística da sua política bélica e mercantil. Para Portugal tudo começou com a primeira fase da expansão, marcada pela impossibilidade de se expandir o território na Península Ibérica17. A cruzada foi a forma de legitimar essa expansão, mas também de mobilizar a população e levá-la a apoiar os planos régios e nobiliárquicos de alargamento territorial18. Não era obviamente a primeira vez que se usava a religião com estes propósitos. De facto, o argumento da legitimidade religiosa, e no qual se destaca a noção de cruzada, desde há muito que estava a ser utilizado pelos ibéricos para legitimar a conquista dos territórios em posse dos muçulmanos na Península. Esta forma de legitimação da dinâmica de conquista teve, no caso da expansão portuguesa de Quatrocentos e de Quinhentos, uma forte incidência, de resto bem documentada nas bulas de cruzada que foram chegando ao reino. Como se demonstrou no tema 1, o caso galego é a este nível muito particular e contrasta com o português. A Galiza desde muito cedo viu afastada qualquer hipótese de dilatar o seu território através de um processo histórico, na medida em que a constituição do condado Portucalense a isolou e afastou do sul muçulmano. Por isso, na Galiza o uso de uma ideologia de cariz religioso para consolidar o território viria não por força da cruzada, mas sim pela equiparação de Santiago de Compostela a um centro de peregrinação de primeira linha, a par de Jerusalém e de Roma, o que teve consequências notáveis no plano político. Porém, e como já se assinalou num outro capítulo, mais do que contribuir para distinguir a Galiza, a devoção do apóstolo concorreu, durante o período em apreço, para fortalecer um cristianismo, digamos, panhispânico. Originariamente a ideia de cruzada tinha presente a diversidade geográfica (Terra Santa, Báltico, Itália, Languedoc, Península Ibérica) e o variado número de entidades políticas consideradas inimigas da fé cristã (Islão, heréticos, pagãos, mongóis). Assim, mais do que uma resposta apenas militar, a cruzada apresentou-se como uma reacção

17 18

FONSECA, 1999: 57-93; LIMÃO, 1994. HOUSLEY, 2001: 198 e 2006: 3-9.

13

conceptual de reinos cristãos, frente aos espaços que os rodeavam19. Ao longo do período medieval as diversas coroas do Ocidente assumiram este desígnio. Contudo, a partir do século XIV teve lugar uma significativa mudança na ideia de cruzada, registando-se uma extensão do plano religioso ao geo-político. A instalação em espaços externos foi legitimada pela passagem de um mecanismo de defentio Christianitas para um meio de dilatatio Christianitas20. E esta mudança na ideia de cruzada explica em boa medida o desenvolvimento de instrumentos cruciais como o direito de padroado, a redenção de cativos ou, ainda, as missões, instrumentos esses todos eles utilizados pelas coroas de Portugal e de Castela. Os argumentos desenvolvidos na ampliação tardo-medieval do espaço na Península permitiram a reutilização deste tipo de legitimação política no âmbito da expansão extra-europeia. Porém, e como assinalou Anthony Pagden, tanto esta questão quanto as dúvidas que suscitou não constituíram uma especificidade dos reinos ibéricos. O debate em torno dos «títulos de aquisição» das terras extra-europeias esteve presente em todas as coroas da Europa ocidental que empreenderam um movimento expansivo, o que demonstra que em todas elas surgiram dúvidas sobre a legitimidade daquela operação de alargamento territorial21. Com a invocação da cruzada, associada à legitimidade jurídica papal e à neutralização de concorrência de reinos cristãos, resolvia-se uma parte dos problemas de apropriação do espaço. Como exemplo da importância prática desta ideia de cruzada «tardia», mas também da forma duradoura como ela modelou as opções políticas, muito para além dos momentos iniciais de expansão, basta pensar nos critérios de decisão política sobre integração territorial desenvolvidos pelo jesuíta António Vieira. Já bem entrado o século XVII, no momento em que o território de Pernambuco, no Brasil, foi considerado como hipótese de troca para conservar territórios na Índia, a justificação por ele apresentada continuava a ser cruzadística, mais precisamente, manter os reinos e impérios da Ásia por «terem sido regados com o sangue dos mártires»22. A questão mostra como a expansão da coroa de Portugal se continuava a basear num misto de cruzada e comércio, e que o problema da reputação do reino, em ruptura com a

19

Prevalece, também, por razões económicas e sociais, embora a explicação economicista seja redutora para GARCIA-GUIJARRO RAMOS, 1997: 166 e AYALA MARTÍNEZ, 1997: 174. 20 HOUSLEY, 2006: 139-141 e HOUSLEY, 1999: 283-284 21 PAGDEN, 2005. 22 DORÉ, 2009: 169-170.

14

Monarquia Hispânica desde 1640, se podia misturar e até sobrepor a considerações de mera eficácia económica. Na verdade, a apropriação da experiência ultramarina para criar uma identidade específica da coroa portuguesa foi uma história atribulada que importa contar. *** A incorporação de novas possessões entre o início do século XV e o final do período quinhentista, por parte de Portugal, obedeceu a motivações e a dinâmicas diversificadas. A coroa foi desenvolvendo, de uma forma pragmática, mecanismos e instrumentos de controlo político sobre o espaço que, em muitos casos, aproveitaram dinâmicas de expansão ora mais institucionais, ora mais protagonizadas por indivíduos. A política portuguesa seguida no Norte de África e na Costa Ocidental Africana ilustra bem o que acabou de ser dito. Tal política começou por se alicerçar no ideal de cruzada que teve na Ordem de Cristo a sua expressão institucional, depois de D. Afonso V confiar a esta ordem a administração do espiritual desde o Cabo Não à Guiné23 A primeira incorporação territorial extra-europeia concretizou-se em 1415, com a tomada de Ceuta, integrada num antigo projecto cristão de «reconquista» do Norte de África, ao abrigo de várias bulas de cruzada que, desde o século XIV (1341-1411)24, exortavam os reis portugueses à luta contra os muçulmanos. Nas décadas subsequentes, a conquista prosseguiu e concretizou-se na integração de outras praças (como Tânger em 1471 ou Azamor em 1513). Significou o aumento das dificuldades, com os evidentes custos: de guarnição, do abastecimento, tanto de armas como alimentação, das armadas para vigiar os portos, do sustento da população e da administração, quer nesses locais longínquos, quer no reino, para controlar a ocupação africana. Se a tomada de Constantinopla pelos Turcos, em 1453, tinha fornecido novo impulso ao espírito de cruzada e reconquista, não foi suficiente para travar as vozes que, desde 1432-1433, consideravam ultrapassado o ideal de cruzada e muito onerosa a manutenção das praças no norte de África, tendo em conta as necessidades de guerra. Isto obrigava a colocar o problema do tipo de apropriação do espaço e aprofundava o pragmatismo da coroa em matéria de controlo territorial. Do ponto de vista formal, as conquistas podiam implicar tratados de paz e acordos com os moradores, autorizações de comércio e construção de feitorias. Foi nesse quadro que se começaram a desenvolver acordos com «alcaides mouros» que pagavam tributo e integravam o 23 24

Monumenta Henricina, vol. XII, doc. 2: 4-6. DINIS, 1962: 1-118 (nomeadamente 38).

15

exército do rei de Portugal, «protetorados» com regiões e cidades dependentes de Fez ou Marraquexe, e, até, situações toleradas de saque permanente e incursões nos territórios no termo das fortificações. A política era muitas vezes negociada na corte do rei de Portugal, pelos embaixadores desses reinos, que concediam vantagens à coroa lusa em troca da manutenção do aparato político-administrativo local. Na relação da coroa com o espaço e o comércio, uma das soluções iniciais foi o arrendamento a particulares, nos Rios da Guiné, na foz do Gâmbia e do Cantor, bem como o resgate de escravos do Benim e, até, no Brasil (entre 1502 e 1513), permitindo integrar a nobreza na expansão e libertando a coroa da administração direta dos territórios25. Foram também muito diversas as estratégias utilizadas no norte de África. Mazagão, Ceuta e Tânger permaneceram ocupadas depois de 1550, mas o controlo do território fora das praças era apenas assegurado por incursões de cavalaria. Assim, no contexto norte-africano a administração podia resumir-se ao essencial (capitães, contadores) conferindo-se também grande protagonismo aos «fronteiros» e aos «moradores». Os «fronteiros», de origem fidalga, com as suas «casas» e servidores, viviam por períodos curtos (2 ou 3 anos) tentando incursões para preencher a folha de mercês e, por isso, funcionavam como instrumento da coroa e contribuíam mais diretamente para definir um cursus honorum da expansão, acumulando a experiência como vedores das fortalezas e feitorias, e, mais tarde, integrando a administração na própria corte. Os «moradores» incluíam, em primeiro lugar, os degredados, utilizados para povoar as praças, os mercadores e os artesãos. Para garantir a vida nas fortalezas, a coroa utilizava os tradicionais privilégios concedidos ad hoc aos grupos que marcavam presença. Como exemplo, assinale-se a tolerância da coroa face aos judeus residentes nas praças do norte de África, dada a sua relevância na procura de cativos e nas ligações comerciais a reinos norte-africanos e ao Médio Oriente, política essa que esteve na origem de diferenças de estratégia entre os bispos de Ceuta e os capitães26. No caso da África subsariana, a penetração religiosa era menos intensa e as relações muito mais dominadas pelo comércio, o que também tornava o vínculo mais disruptivo relativamente à política régia. Por seu turno, as feitorias fixadas no golfo de Arguim (Arguim, meados do século XV) e no Golfo da Guiné (S. Jorge da Mina,1482; S. João Baptista de Ajudá, 1680), inseridas em ambientes políticos estranhos e, não 25 26

COSTA, 2005: 152. FARINHA, 1999: 31-33 e 47.

16

raras vezes, hostis à presença portuguesa, apresentaram de forma ainda mais vincada, o mesmo tipo de problemas. A manutenção destes postos dependia do consentimento e benevolência dos poderes locais, com feitorias colocadas nas fortalezas de S. Jorge da Mina e S. Baptista de Ajudá, preocupadas sobretudo com o tráfego mercantil27. Em Angola, depois da fixação em Luanda em 1575, a penetração e ocupação de alguns pontos no interior, necessária para dar solidez ao trato de escravos e estimulada pela perspectiva de existência de minas de prata em Cambambe, exigiu o recurso à guerra, dada a forte resistência dos poderes africanos constituídos, em particular, no reino do Ndongo. Neste caso, o lento alargamento territorial fez-se por meio de sucessivas campanhas militares, seguidas da construção de uma rede de presídios no interior, mas cuja capacidade de controlo territorial era muito diminuta28. Também na África subsariana, a coroa recorreu à iniciativa particular, com os «lançados-tangomaôs», na Senegâmbia desde inícios do século XVI29. Judeus de origem, nem sempre cristianizados, foram lançados a partir das ilhas de Cabo Verde, casando com autóctones e criando descendência mestiça. Criaram vínculos estreitos com os soberanos locais (Gâmbia, Senegal, a Serra Leoa), mantendo ligações comerciais entre o reino de Portugal e o interior africano, servindo de pontas de lança comerciais, quando as fortalezas ao longo do golfo da Guiné foram sendo abandonadas. Dominando várias línguas locais, sofreram forte aculturação a ponto de exercerem alguma pressão sobre a coroa e disputarem os monopólios régios. Na apropriação do Atlântico, os arquipélagos foram fundamentais como base da navegação transoceânica. Por se encontrarem desabitadas, as novas terras foram consideradas passíveis de tomada de posse por parte da coroa, pelo que a incorporação se fez com base no direito pacífico da descoberta e da ocupação efetiva, posteriormente reconhecido por Castela no Tratado de Alcáçovas (1479). No caso da Madeira e dos Açores, as estruturas socio-económicas que se implementaram nestes arquipélagos replicaram, a muitos níveis, a fisionomia da sociedade portuguesa do século XV. Enquanto extensões sociais e económicas do reino, estes arquipélagos ocuparam sempre um lugar especial no conjunto dos novos territórios ligados à coroa portuguesa. Os Açores e a Madeira jamais estiveram sob a alçada do Conselho Ultramarino, tal como as últimas praças que os portugueses ainda dominavam no Norte de África. O mesmo já

27

BETHENCOURT, 2007: 234-235. MAGALHÃES, 1997: 70-71. 29 MANÉ, 1989, 117-125. 28

17

não sucedeu com Cabo Verde e São Tomé. Nestes casos, embora se tivesse também repetido o cenário de terras desabitadas, a distância em relação ao reino e as condições de clima e de solo não permitiram replicar a configuração social do reino. Também aqui se vê que as condições naturais, bem como o tipo de interesse comercial que se desenvolveu, explicam a diferença dos mecanismos utilizados. De qualquer modo, pode dizer-se que a inexistência de população local ditou, para todos os arquipélagos, uma ocupação territorial tradicional, por meio da capitania doada pela coroa a particulares. Como se disse antes, no que respeita às terras americanas elas eram, literalmente, mundus novus. Aí a incorporação territorial fundou-se na conquista e foi legitimada por concessões pontifícias e por tratados diplomáticos negociados com Castela, criando-se desse modo condições para a institucionalização e a aplicação do ordenamento jurídico de matriz portuguesa. A ocupação efectiva começou pela doação de capitanias donatarias, junto à costa, onde vigoravam os direitos senhoriais, com a nomeação de capitães-mores e com um distante controlo da coroa sobre o território, pois a preocupação essencial, ao longo do século XVI, era ditada pelas rendas fiscais dos monopólios30. A apropriação territorial na Ásia, no início do século XVI, foi marcada pela articulação entre os objetivos mercantis e a utilização dos mecanismos de legitimação da cruzada, num território longínquo e sem concorrentes europeus durante a primeira metade do século XVI. A existência de fortes entidades políticas locais condicionou os modelos de apropriação do espaço, e a alteração dos equilíbrios de poder entre os potentados asiáticos, com um maior predomínio de sultanatos a partir do século XVI, propiciou o modelo comercial e descontínuo da ocupação portuguesa31. Na Ásia, e ao contrário do que sucedeu no Atlântico, o mar era controlado por árabes, guzerates, mamelucos do Egipto e Turcos Otomanos. Luís Felipe Thomaz mostrou como este panorama potenciou a imprecisão dos limites territoriais, em face dos quais a coroa de Portugal se preocupou em instalar um sistema baseado no conhecimento de mercadores asiáticos, versados na talassocracia muçulmana32. Em traços gerais, a constelação de feitorias e a instalação do Estado da Índia, na primeira metade do século XVI, combinava de uma forma muito intrincada a questão religiosa com o controlo do comércio da pimenta, canela e outras especiarias, fechando

30

COUTO, 1995 e SALDANHA, 2001. SUBRAHMANYAN, 1995: 13 e ss. 32 THOMAZ, 1994: 215-225. 31

18

o Mar Vermelho e encurralando o império mameluco com sede no Cairo. Desse modo, o controlo do Índico também servia o estrangulamento da ligação comercial do velho mar interior, entre Veneza e Alexandria: tornando o Mediterrâneo vulnerável, abriam-se as portas de Jerusalém. A coroa, em articulação com os diferentes grupos sociais, conseguiu assim multiplicar os fluxos comerciais intraeuropeus atingindo um nível superior de integração na economia europeia33. Deste modo, a par da religião, o comércio elevou-se a instrumento de reputação da coroa de Portugal, plasmado na titulatura régia que descrevia os reis lusos como senhores da navegação, conquista e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia34. Mas tornou-se, também, num dos elos de ligação entre os vários – e dispersos – territórios ultramarinos que a coroa portuguesa foi incorporando. Esta ocupação por fortalezas, com grande amplitude de ligações políticas a terra, permitiu uma certa eficácia comercial, com atribuição dos chamados «cartazes», autorizações de navegação aos mercadores aliados dos interesses da coroa de Portugal. O sistema era fiscalizado a partir das fortalezas e permitia manter um certo controlo do espaço com um mínimo de custos com a administração. Daqui resultou que, no Índico, as «conquistas» ou «senhorios», isto é, as parcelas de território submetidas politicamente ao rei de Portugal pela força das armas (Goa, Malaca), ou por meio de actos voluntários de doação realizados pelos potentados locais (Salsete, Bardez, Baçaim e Damão), conviveram com as fortalezas-feitorias cujo estabelecimento era moldado por acordos negociados com as entidades políticas extra-europeias (fortalezas da costa do Canará, Malabar e da costa oriental africana). Mesmo as conquistas de Afonso de Albuquerque (Goa, Malaca e Ormuz) visavam, acima de tudo, viabilizar a rede de comércio dominada pelos portugueses, pelo que a aquisição territorial se efectuou por conveniência estratégica. Aliás, a intenção de Albuquerque em oferecer a soberania de Malaca ao rei do Sião após a conquista (1511), mediante a reserva para a coroa portuguesa de uma fortaleza e feitoria, é bem reveladora dessa indiferença pela dominação territorial extensiva. Do mesmo modo, de 1515 a 1622, a cidade e as possessões territoriais que conformavam o reino de Ormuz mantiveram as suas instituições próprias de governo, sob o domínio eminente da coroa de Portugal. Estas formas de domínio partilhado estiveram longe de ser estáticas, como os casos da fortaleza e ilha de Diu (1535) e a ilha de Ceilão demonstram. Nestes dois 33 34

COSTA, 1997: 25 e 2005: 175-176. THOMAZ, 1990.

19

casos, e na sequência de alterações ocorridas nos fundamentos da incorporação, transitou-se de uma situação de domínio partilhado para uma ocupação territorial em soberania plena35. No caso de Timor, ocorreu uma submissão voluntária por razões de prestígio local. Por meio da conversão ao cristianismo, alguns régulos agregaram-se voluntariamente ao corpo político português36. Apesar dos que defendiam a maior intervenção da coroa no controlo do espaço asiático, o sistema de fortalezas representou a política dominante na integração de enclaves no Índico. Devem ainda ter-se em conta duas outras dimensões de apropriação do espaço em que a intervenção da coroa foi mais complexa: em primeiro lugar, o estímulo a mercadores; em segundo lugar, o recurso a «lançados». No que respeita ao mundo mercantil, Vitorino Magalhães Godinho há muito que chamou a atenção para a importância do «fidalgo-mercador» na integração do comércio asiático. Recorde-se que as fortalezas podiam ser, por vezes, erigidas por iniciativa de capitães ou de mercadores. Do mesmo modo, a coroa favoreceu diretamente a ação de alguns mercadores, tanto portugueses como locais. Macau, Negapatão e S. Tomé de Meliapor configuram exemplos da constituição espontânea de comunidades de mercadores portugueses, interessados em tirar partido do potencial comercial das regiões em que se encontravam inseridos. O enquadramento institucional de Negapatão e S. Tomé de Meliapor na ordem institucional do Estado da Índia fez-se a posteriori por meio de capitães nomeados pela coroa que apenas exerciam jurisdição sobre os portugueses e demais cristãos. Em Macau, para lá da presença intermitente do «capitãomor da viagem da China e do Japão» (até 1623), a vinculação ao corpo político da coroa portuguesa passou também pela constituição do município, na sequência de uma solicitação feita na década de 1580 pelos próprios moradores ao rei37. O que acabou de ser dito mostra que a ideia de cruzada foi frequentemente matizada pela dimensão mercantil. O comércio obrigou a um complicado jogo entre arrendamentos a particulares e gestão de monopólios. Acresce que foi necessário associar o interesse comercial ao tipo de produtos explorados, tendo em conta o dispêndio associado ao domínio do espaço. Assim, a apropriação do espaço ultramarino resultou, por um lado, da combinação entre a estratégia comercial e os constrangimentos ditados pelos mecanismos políticos e culturais da «cruzada tardia»; e, por outro, da

35

SALDANHA, 1991: 240 e ss.; FLORES, 2001: 52 e ss. MATOS, 1974. 37 THOMAZ, 1994: 230-231 e HESPANHA, 1995: 17. 36

20

combinação entre o controlo efectivo do espaço, através de nomeações de oficiais com vínculo direito à corte, e a concessão de ampla iniciativa a particulares. Para resolver problemas de povoamento e de integração mais perigosa, a coroa utilizou os degredados, lançando-os para contactar povos hostis e para recolher informações junto da população. Porém, nem sempre foi fácil evitar que os punidos se passassem para reinos e entidades políticas inimigas, levando a coroa a questionar tal estratégia. A verdade é que, a partir de 1515, alguns dos vice-reis optaram por conceder maior liberdade de circulação, esperando tirar proveitos comerciais da saída de indivíduos do espaço fortificado. O controlo dos indivíduos particulares era pois um mecanismo que permitia uma certa apropriação do espaço, com incentivo à política de casamentos mistos. Mesmo para mercadores livres, o retorno ao reino era controlado pela coroa, sendo necessária autorização dos vice-reis ou governadores. Com as dificuldades comerciais dos territórios asiáticos, e o fortíssimo golpe aplicado pela Inglaterra e, sobretudo, pela Holanda, a coroa concentrou algum do esforço de reputação no Atlântico, apesar do continuado prestígio da Índia. Note-se que, durante todo o século XVI, o comércio atlântico se fazia com pequenas caravelas, sem comparação com o aparato e o prestígio das armadas da Índia. Nos finais do século XVI e início de Seiscentos essa situação começou a mudar. Por um lado, a coroa de Portugal foi-se apropriando das capitanias, controlando mais de perto o governo do território. Por outro lado, nada fez perante o número crescente de «bandeiras» que se foram realizando, sobretudo a partir de São Paulo. A coroa encorajou, pontualmente, estas iniciativas, atribuindo direitos de ocupação, isenções fiscais e, por vezes, ofícios régios para que se formassem companhias de soldados, brancos, mestiços e indígenas, liderados por um sargento-mor ou capitão, com um ou mais escrivães, de forma a conhecer e explorar o sertão. Estes escrivães foram responsáveis pela formalização da ocupação e da correspondência com o rei. O objetivo de tais expedições era, acima de tudo, capturar indígenas (que posteriormente seriam escravizados), ao mesmo tempo que se explorava os espaços ao longo dos eixos fluviais e se descobria, por vezes, algumas minas. A conquista do Maranhão, na segunda década do século XVII, estudada por Guida Marques, ilustra esta realidade38. Por um lado, no quadro do dinamismo açucareiro nordestino, as elites pernambucanas também ambicionavam novas terras e novas fontes

38

MARQUES, 2002: 22-24.

21

de mão-de-obra indígena, enquanto a fixação dos franceses em S. Luís do Maranhão forçou a coroa a tomar providências e a apoiar militarmente a expansão portuguesa para o Maranhão. Em todo o caso, o facto de a elite pernambucana ter estado fortemente envolvida na conquista fez com que aquela área se convertesse, durante algum tempo, numa zona tutelada por Pernambuco. No que toca às «bandeiras», o caso mais conhecido é, sem dúvida, o das que partiram de São Paulo, pouco ou nada dependentes da coroa mas, em todo o caso, decisivas na penetração para o interior e na ocupação do vale do Rio de S. Francisco. No caso da penetração na zona mineira, foi só final do século XVII, início do século XVIII, que a coroa incentivou, em diversos momentos e de forma directa, os particulares, concedendo amplos poderes administrativos e isenções fiscais a quem descobrisse novas minas de ouro. *** Esta vasta e diversificada expansão ultramarina marcou, sem dúvida, o discurso identitário promovido pela casa real portuguesa. A partir do final do século XV o rei de Portugal apostou na ostentação dos territórios integrados. Construiu uma espécie de “mapa imaginário” da sua identidade, apontando para o domínio dos mares e bordejando as costas de quatro continentes, como mostra o Planisfério de Cantino de 1502. As obras impressas nesse século de afirmação imperial insistiam no carácter expansionista e marítimo do poder político do reino português. É isso, precisamente, o que se pode ver na edição de Mundus Novus, de Amércio Vespúcio, no qual uma gravura apresentava D. Manuel reinando sobre o mundo, bem como a esfera armilar assinalando a universalidade da coroa de Portugal. Para que não houvesse dúvidas sobre essa reputação universalista, a coroa montou uma impressionante rede de enviados e de diplomatas, a qual se estendia até às cortes africanas e asiáticas, caso do Congo, Melinde, Etiópia, Cochim, Coulão, Colombo, Bengala, Pegu, Sião, Pequim, o Xá da Pérsia39. A confirmar a identidade do rei campeão da fé, mas também mercador, recorde-se as faustosas embaixadas em Roma e em Castela, com destaque para o célebre cortejo de 1514, no qual desfilaram produtos valiosos e animais exóticos, uma espécie de prova da conquista dos mares mas, também, de algumas terras. Seja como for, a multiplicidade de contactos (do norte de África à costa da Guiné, do Brasil a Angola, do Índico, ao mar da China) ornou a coroa portuguesa do prestígio

39

THOMAZ, 1990: 76-78 e COSTA, 2005: 176.

22

religioso, dos benefícios diplomáticos e comerciais que fizeram da navegação a identidade de um reino. A experiência da descoberta, da abertura dos oceanos e do controlo da navegação, marcou o estatuto e a reputação da coroa de Portugal de uma forma singular, conferindo-lhe reputação em toda a Europa e diferenciando-a, primeiro, da coroa castelhano-aragonesa e, mais tarde, da monarquia espanhola. Para Filipe II a incorporação de Portugal revestia-se de características muito singulares. O reino luso era cabeça de um grande conglomerado territorial de cariz pluricontinental, e nenhum outro território previamente incorporado plos Áustrias tinha esse atributo. Acresce que, após, 1581 Portugal foi o único dos territórios incorporados pela Monarquia Hispânica que manteve uma dinâmica expansiva bastante sistemática, tanto no Atlântico quanto no mundo asiático. Desse ponto de vista o reino português distingue-se, também, da Galiza, território que ainda procurou participar na expansão ultramarina e, até, polarizar algum do seu comércio. Recorde-se, a esse respeito, a experiência da instalação efémera de uma Casa da Contratação na Corunha. Porém, a Galiza acabou por ficar em grande medida à margem de tal dinâmica de alargamento territorial. Pode assim dizer-se que a capacidade expansiva do reino luso distinguiu este território dos demais que integravam os domínios dos Áustrias, facto que teve, sem dúvida, fortes implicações políticas40.

40

HESPANHA, 2001: 163-188 e SOUSA, 1994: 60 segs.

23

CAPÍTULO 7 O ESPAÇO POLÍTICO

7.1. O QUADRO INSTITUCIONAL E AS EXPERIÊNCIAS DE GOVERNO TERRITORIAL 7.1.1. O CASO DA GALIZA NA TRANSIÇÃO DA IDADE MÉDIA PARA A MODERNA Pablo Otero Piñeyro Maseda Eduardo Pardo de Guevara y Valdés Como se disse anteriormente, na baixa Idade Média, a Galiza sofreu um processo de senhorialização que resultou da escassa presença e débil influência da autoridade real: num primeiro momento, figuras como os tenentes, os adelantados e os meirinhos, ou posteriormente os corregedores henriquinos não alcançaram um sucesso significativo no lento fortalecimento da autoridade régia. Houve que esperar pelo reinado dos Reis Católicos e pela sua política de pacificação –recorde-se a formação das Hermandades em épocas anteriores41 para se vislumbrar o efectivo fortalecimento do poder monárquico, graças, entre outras iniciativas, à nomeação de governadores como ensaio prévio a outras medidas relevantes- para criar depois uma estrutura administrativa mais próxima e mais eficaz42. Neste contexto vale e pena referir a nomeação de novos corregedores nas mais importantes cidades da Galiza, o estabelecimento e a consolidação da Real Audiencia, e a progressiva integração –ainda insuficientemente estudada– da nobreza galega na máquina administrativa e funcionarial, que se consolidaria depois na época moderna. Os processos, que foram agora descritos de forma sumária, não foram no entanto simples nem lineares. A política de pacificação dos Reies Católicos, desenvolvida com rápido êxito no resto da coroa de Castela, não frutificou com facilidade no território da Galiza. Fracassaram, desde logo, os dois primeiros governadores, D. Enrique Enríquez, conde de Alba de Liste, que chegou em finais de 1475, e D. Rodrigo de Villandrando, conde de Ribadeo, que lhe sucedeu apenas dois anos depois. Mas estes dois ensaios prévios não foram de todo inúteis, já que se complementaram com uma série de medidas de importância aparentemente menor, mas que no final se revelaram de grande significado, permitindo por em marcha essa maquinaria administrativa próxima e eficaz.

41 42

PARDO DE GUEVARA, 2006a: 384-411. PARDO DE GUEVARA, 2006b: 441-448.

24

Neste contexto, destaca-se a nomeação de corregedores nas mais importantes cidades da Galiza; conhecem-se, pelo menos, nomeações para Mondonhedo, Tui, Betanzos, Orense, Corunha e Viveiro43. No início de 1480, terminada definitivamente a guerra com Portugal, as particularidades da situação da Galiza destacavam-se, sobretudo quando comparadas com a paz social que imperava no resto dos territórios da coroa de Castela, onde a acção dos quadrilheiros da Santa Hermandad, combinada com outras medidas políticas, tinha resultado singularmente eficaz, travando de modo claro os efeitos do bandoleirismo. Se percebe, portanto, que o restabelecimento da autoridade régia e da paz social no reino galego se tenha então convertido no objectivo prioritário, sobretudo porque os distúrbios não procediam apenas da acção de malfeitores e homens criminosos, que se movimentavam com particular comodidade, mas também -o sobretudo- do clima de conflito gerado pelos contínuos confrontos internos dos senhores e caballeros e, ainda mais, pelas usurpações, roubos e violências de todo o género que caracterizavam a conduta de todos eles. Em 18 de Fevereiro de 1480, os reis deram um passo muito importante nesta direcção, introduzindo formalmente a Santa Hermandad na Galiza. Uns meses depois dessa primeira medida, a 3 de Agosto de 1480, os reis completaram esse plano com a designação de D. Fernando de Acuña como Governador e Justicia Mayor do Reino e a do licenciado García López de Chinchilla como ouvidor da Audiencia. A novidade e importância destas nomeações, como já foi destacado por J. García Oro, não esteve ligada apenas à natureza dos cargos, mas sim no próprio perfil das pessoas designadas -eficazes e expeditas- e, especialmente, nas atribuições específicas que lhe foram cometidas. Daqui decorre que estas medidas constituíram um ponto de inflexão entre a anárquica realidade galega e a nova realidade promovida pela coroa. Este fenómeno é, por exemplo, bastante visível no aumento das iniciativas régias contidas no Registro General del Sello, que cresce bastante nos últimos meses desse ano44. Não obstante, os grandes senhores tinham tecido ao longo de várias décadas uma complexa trama de alianças e de interesses cuja dimensão e sentido nem sempre é possível esclarecer, embora se conheçam os seus efeitos. Compreende-se assim que pouco após a sua chegada e mesmo antes do final de 1480, Acuña e Chinchilla apressaram-se a convocar os procuradores das vilas e cidades galegas para Santiago. 43 44

PARDO DE GUEVARA, 2006b: 441. PARDO DE GUEVARA, 2006b: 441-442.

25

Durante esta primeira Junta del Reino informaram-se com pormenor sobre a situação, ouviram os pedidos e concretizaram os planos e objectivos da sua actuação. A minuta dos pedidos dos representantes galegos apresentada dois anos depois na Junta General de la Santa Hermandad, celebrada em Madrid ou talvez em Pinto, revela já a identificação destes objectivos e, por conseguinte, o apoio decidido das comunidades à actuação dos enviados régios. O trabalho de Acuña e de Chinchilla cingiu-se às instruções que tinham recebido dos reis e que, no fundamental, davam resposta satisfatória aos pedidos dos procuradores galegos; ou seja, à reivindicação para derrubar as fortalezas, que eram prejudiciais para coisa pública, assim como das igrejas que estavam ocupadas, encasteladas e fortificadas, e ainda ao desterro dos caballeros e das pessoas que considerassem conveniente. Os factos são conhecidos, se bem que ainda se saiba pouco sobre os pormenores o que aponta para a necessidade de novas releituras mais aprofundadas que permitam compreender as atitudes e comportamentos aparentemente contraditórios de alguns dos seus protagonistas, com vista a completar um panorama coerente do que foi e pretendeu ser a política de implantação da autoridade régia e a subsequente pacificação do reino da Galiza45. A viagem realizada pelos Reis Católicos à Galiza no ano de 1486 propiciou o impulso definitivo a uma serie de medidas, entre as quais convém destacar as que se relacionam com a salvaguarda da condição realenga que algumas importantes vilas galegas, como Vivero, Betanzos, Corunha ou Baiona, continuavam a usufruir, pese embora a pressão senhorial que se fazia sentir. O que estava em causa era a defesa da autonomia municipal, favorecendo o poder das câmaras ou dos regimientos, face à ingerência dos nobres. A atitude favorável dos monarcas visava afinal o controlo régio dos principais municípios. A figura do corregedor, cristalizada nas Cortes de Toledo de 1480, foi a peça chave através da qual se conseguiu vergar os interesses locais particulares aos interesses da Coroa. A última medida, sem dúvida uma das mais importantes, foi a submissão e o controlo do clero. As bulas de 11 de Novembro de 1487 e de 26 de Março de 1494, obtidas dos papas Inocêncio VIII e Alexandre VI respectivamente, facilitaram os trabalhos conducentes a uma profunda e ampla revisão da vida monástica galega. Graças a esse esforço, conseguiram-se corrigir em pouco tempo os abusos e o relaxamento de costumes, para além de se ter implementado uma reforma eclesiástica minuciosa que pressupôs a supressão de um sem número de

45

PARDO DE GUEVARA, 2006b: 444-448.

26

pequenos mosteiros, através da sua anexação a outros mais renomados ou de maior importância. Estas e outras muitas medidas, de carácter e importância diversos –como seja a supressão de certo tipo de prestações ou a revogação de mais de metade das mercês régias concedidas em períodos anteriores-, permitiram que em pouco tempo o acertado governo de D. Diego López de Haro, bem mais prudente e muito menos estrepitoso que o do seu antecessor, consolidasse a pacificação iniciada em 1480. Embora os conflitos e as querelas persistissem, a nobreza e o clero ficaram controlados, verificando-se até ao longo dos anos subsequentes uma tendência para o desaparecimento gradual dos embriões de violência46. Deste modo, os confrontos físicos tornaram-se cada vez mais anacrónicos, passando os diferendos e disputas a serem resolvidos pela via judicial. Esta alteração gerou uma crescente confiança e ganhou agilidade e eficácia graças à progressiva consolidação da Real Audiência, permitindo à Galiza entrar no que J. García Oro designou expressivamente como a placidez outonal. Desta forma, importa recordar as palavras de A. Eiras Roel quando afirma que a Real Audiência da Galiza se converteria durante a época Moderna na instituição política mais importante e mais característica do reino da Galiza: num processo dilatado e mutável no qual as facetas judiciais e administrativas se interpenetram, fica evidente o decisivo interesse da monarquia de constituir novas elites de poder entre os administradores civis e letrados, relegando o poder militar aos homens de armas47. A Audiência da Galiza, uma vez estruturada e consolidada como tribunal de justiça e órgão de governo, foi presidida pelo governador e capitão general do reino da Galiza e um número de alcaldes mayores com jurisdição civil, criminal e fiscal e uma ampla gama de pessoal subalterno como escrivães, relatores ou recebedores48. E, como Fernández Vega bem demonstrou, as relações do antigo reino galego com a Coroa fizeram-se sentir na Real Audiência da Galiza através do Real y Supremo Consejo de Castilla, seu superior hierárquico directo49. Vale também a pena sublinhar o processo de institucionalização que se desenvolveu desde os primeiros decénios do século XVI em torno de um órgão específico representativo do conjunto das cidades e províncias da Galiza e que perduraria por mais de dois séculos, as chamadas Juntas del Reino. Como "órgão 46

PARDO DE GUEVARA, 2006b: 458. FERNÁNDEZ VEGA, 1982: 41. 48 FERNÁNDEZ VEGA, 1982:117. 49 FERNÁNDEZ VEGA, 1982: 81. 47

27

deliberativo e representativo da Galiza", estabelecia as relações necessárias entre o reino e o conjunto dos órgãos da monarquia assim fazendo ouvir a sua voz sobre uma grande amplitude e variedade de matérias. A pesar disso, a partir da centúria seguinte, com a recuperação em 1621 da representação da Galiza nas Cortes –"perdida ou abandonada" nas de Zamora em 1432–, as Juntas del Reino assumiram a faculdade de aprovar os ‘serviços’ e outros assuntos fiscais, o que em termos morais pressupunha o reconhecimento da personalidade política da Galiza, dado que todos esses assuntos implicavam contrapartidas políticas de interesse para a defesa do território, o desenvolvimento do comércio, o bem-estar público e, em geral, para a economia do país. As Juntas significaram –para usar outra vez as palavras de A. Eiras Roel- ver reconhecido no espaço político da Monarquia, a personalidade unitária da Galiza como reino ou comunidade histórica dotada de um corpo representativo próprio e singular, não comparável com outros reinos da antiga Coroa de Castela50. Pode concluir-se, portanto, que apesar da inicial homogeneidade do espaço galaico-português, jurisdicionalmente muito semelhante –terra antiga, privilegiada, muito fragmentada–, a sua evolução ao longo da Idade Media foi inevitavelmente divergente pela presença/ausência de um projecto político. A instabilidade e a anarquia da Galiza dos séculos XIV e XV serão as primeiras consequências da sua realidade senhorial e hidalga, que se dilatou ainda mais em função da distância face ao poder monárquico. Só a partir do projecto político liderado pelos Reis Católicos e do subsequente processo de institucionalização jurídica e fiscal, no qual participou a nobreza, é que a Galiza pode contar com uma organização administrativa eficaz, que lhe permitiria superar o secular lastro da sua posição periférica e alcançar a sua plena integração na monarquia do Antigo Regime51.

7.1.2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO TERRITORIAL DA REDE JUDICIÁRIA Mafalda Soares da Cunha Judite Gonçalves de Freitas De acordo com as fontes doutrinárias das épocas medieval e moderna e com os estudos sobre história política e institucional sobre essas mesmas sociedades em diversas monarquias europeias, a administração da justiça era o principal campo da 50 51

EIRAS ROEL, 2001: IX-XXV. SAAVEDRA FERNÁNDEZ, 2013.

28

governação, em parte porque era aquele que estava mais directamente relacionado com a figura do rei. O rei devia garantir que cada um recebesse o que lhe era devido e devia fazê-lo de acordo com “uma particular metodologia organizacional, processual e intelectual que garantisse uma adequada ponderação dos vários pontos de vista”52. Inscreve-se, por isso, no chamado paradigma jurisdicionalista da governação que foi dominante em Portugal até cerca de meados do século XVIII. Nesta óptica não é de estranhar que a administração da justiça se constituísse desde cedo numa área prioritária na organização da sociedade, nela se incluindo as sociedades coloniais. Embora fosse a área que se institucionalizou territorialmente de forma mais precoce não detinha, todavia, o exclusivo. Coexistia com outras malhas administrativas associadas à administração da fazenda e da milícia, cuja importância é inegável. Os significados políticos de todo estes dispositivos institucionais têm sido objecto da atenção da historiografia desde os anos 1980, permitindo questionar as imagens até então dominantes de que corresponderiam a um esforço precoce de “centralização” do poder régio. Os argumentos de uma e outra parte são, por isso, bem conhecidos. De um lado defendia-se a ideia de uma crescente e continuada intervenção régia sobre o território com o intuito de limitar as autonomias locais, do outro sublinhava-se a debilidade dos recursos materiais da coroa na cobertura do território, desde logo pela fraca densidade da malha do oficialato periférico, nele se incluindo o da justiça. A. M. Hespanha, referindo-se a meados do século de XVII, fala na sua “exiguidade” e explica que “o conjunto dos ofícios da administração periférica da coroa não atinge, sequer, 10% do número total dos cargos político-administrativos”53. E como bem notou N. G. Monteiro a par do reconhecimento do papel restritivo dos princípios estabelecidos no campo doutrinário “em regra, todos os estudos recentes têm procurado reforçar a ideia da autonomia dos poderes municipais face aos dispositivos institucionais da coroa, realçando a sua natureza oligárquica”.54 Nesta perspectiva, os trabalhos de Romero Magalhães foram fundamentais para alertar para a persistente vitalidade do poder municipal e ainda para o seu carácter a-regional e anti-regional, apesar da notável uniformidade que a legislação régia lhe conferia55. E como tem sido também bastas vezes salientado, esta uniformização abrangeu quer o reino, quer os domínios ultramarinos dos portugueses, embora tal facto não possa de modo algum 52

HESPANHA, 1995a :216. HESPANHA, 1986: 57. 54 MONTEIRO, 1993: 303. 55 MAGALHÃES, 1993: 180-185. 53

29

iludir as enormes particularidades que os contextos conferem às relações de poder nos diferentes espaços. *** O processo de desenvolvimento da administração territorial da justiça sofreu, desde finais

da

Idade Média,

grandes

transformações com

a

progressiva

institucionalização e especialização de ofícios como corregedores, juízes de fora e procuradores. O corregedor de comarca emerge como principal representante régio ao nível do poder local, durante o reinado de D. Dinis (127856), tendo recebido o primeiro regimento em 1332, durante o reinado de D. Afonso IV, que conheceu algumas actualizações posteriores, em 1340, 1418 e, finalmente, no título XXIII do livro primeiro das Ordenações Afonsinas (1446)57. As Ordenações Manuelinas (1521) atribuíram, depois, as mesmas competências a este magistrado que só conhecerá uma alteração significativa do seu estatuto, em 1527/32, quando D. João III ordenou uma nova divisão das comarcas. Os corregedores eram oficiais régios com competências de fiscalização da administração da justiça a nível local, sucedendo aos ducentistas meirinhos e adiantados (que tinham por função fiscalizar a aplicação da justiça nas terras senhoriais), mas actuando ao nível mais amplo das comarcas (divisão administrativa judicial)58. Os corregedores de comarca foram investidos de amplos poderes jurisdicionais e administrativos mantendo, ao longo dos séculos finais da Idade Média, uma superioridade jurídica sobre um vasto conjunto de outros oficiais locais (meirinhos, juízes, tabeliães), o que lhes conferia um papel fulcral na articulação do poder central de governo com os poderes municipais e senhoriais. As atribuições principais do corregedor, de acordo com o regimento mencionado, são as de “corregimento das malfeitorias” cometidas por poderosos (fidalgos e alto clero) e as de emendar as falhas de administração praticadas pelos juízes ordinários, alcaides e tabeliães locais, com o fim de garantir a ordem pública nos territórios da sua jurisdição. Os corregedores, geralmente providos por três anos, não tinham poiso fixo, e deambulavam de terra em terra vigiando a aplicação da justiça. No plano político, a presença dos corregedores constituía um instrumento de intervenção do poder régio na administração da justiça e na fiscalização da acção das elites concelhias.

56

FIGUEIREDO, 1792 e MORENO, 1989. Ordenações Afonsinas, Livro I, Título XXIII: 116-150. 58 CAETANO, 1990: 51-56. 57

30

Tal não obstou, no entanto, que a acção da corregedoria tenha sido alvo de forte contestação municipal em cortes, mormente a partir do século XV. Uma explicação avançada por Romero Magalhães será a actuação abusiva dos corregedores, nomeadamente por más práticas das suas competências e por restrição às liberdades concelhias59. Assim, a sobreposição da autoridade dos corregedores sobre a administração ordinária é uma das principais críticas feitas em Cortes, a que vieram juntar-se as acusações de falta de preparação técnico-jurídica (analfabetismo e desconhecimento das leis), abuso de aposentadoria e de tomadia (presença nos lugares por excessivo tempo com o respectivo staff que incluía ouvidores, chanceler, escrivão da chancelaria, tabelião, procuradores de correição, porteiro, entre outros), intervenção ilegal no provimento de ofícios locais, fraqueza contra os poderosos (incluindo a escusa do desembargo dos feitos em que parte interessada fossem fidalgos e alto clero), a delegação de funções nos ouvidores fazendo-se substituir “contra ordenaçõm” por estes. Por meados do século XV, um assinalável número dos corregedores de comarca era de origem fidalga, tendo obtido o ofício a título de recompensa ou benesse, sendo designados regedores de justiça, governadores ou adeantados. A origem social garantia competências militares importantes no âmbito das comarcas que controlavam, v.g. a comarca da Beira e de Ribacoa e a comarca do Alentejo e Algarve60, se bem que tais aptidões tenham sido menosprezadas pelas elites concelhias que exigiam oficiais de justiça instruídos em leis, como garantia de isenção e de imparcialidade. A divisão administrativa territorial do reino, desde inícios do século XIV até ao primeiro quartel do século XVI, manteve-se em seis comarcas (Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo [ou Entre Tejo e Guadiana] e Algarve). O numeramento de 1527-32 proporciona uma aproximação empírica à realidade demográfica do território, dando início a um processo de reagrupamento supra concelhio concluído em 1547 com a consignação de 27 comarcas distribuídas pelas seis províncias originais, excepção feita à comarca de Lisboa que, nas palavras de Duarte Nunes de Leão “era um reino per si só”61. De acordo com N. G. Monteiro, em 1640 as comarcas do reino seriam já 32.62No entanto, a dimensão dessas circunscrições manteve-se bastante desigual e em alguns casosera mesmo descontínua, podendo até apresentar-se encravada dentro de outras jurisdições. Ora a extensão territorial e 59

MAGALHÃES, 1993; 176-177; HESPANHA, 1982. DUARTE, 1999: 229-30. 61 MAGALHÃES, 1993. 62 MONTEIRO, 1993: 315. 60

31

descontinuidade do espaço dificultava muito a eficaz aplicação da justiça. Os números apontados por N. Monteiro incluem as circunscrições de jurisdição senhorial –às quais se dava a designação de ouvidoria–, que em 1640 eram em número de sete, o que representava cerca de um quinto do total. Nesses casos eram os donatários quem apresentava os magistrados, que se designavam ouvidores e estavam quase sempre isentos de correição régia. A importância da tutela senhorial sobre as jurisdições intermédias constitui, assim, um outro dado que se tem ponderado na hora de entender este dispositivo como um instrumento linear de centralização régia. O alargamento da presença portuguesa a espaços exteriores à Península Ibérica provocou a criação de uma rede judiciária nesses territórios. Do ponto de vista organizativo, o modelo que foi seguido no mundo ultramarino português seguia com bastante proximidade aquele que, em traços gerais, se estabelecera no reino. No entanto, em razão da doação inicial do território ter sido feita a senhores donatários (as capitanias-donatarias) seguiu-se a designação usada para os magistrados senhoriais no reino, ou seja, ouvidores. A criação de comarcas foi relativamente rápida nos arquipélagos atlânticos, mas desenvolveu-se lenta e tardiamente na América Portuguesa e em Angola. Como consequência, o âmbito espacial das comarcas era extraordinariamente vasto o que suscitava queixas frequentes seja dos magistrados, seja das populações sobre a deficiente aplicação da justiça. Se estas reivindicações também se faziam ouvir no reino, certamente que encontram ainda maior justificação nos espaços ultramarinos onde a distância e o confronto com realidades e contextos muito diversos do reino colocam questões para as quais os magistrados nem sempre estavam preparados. Os trabalhos de J. Subtil e N. Camarinhas63 demonstram haver pouca distinção de critérios de acesso e de nomeação para estas magistraturas fossem elas no reino ou nos espaços ultramarinos. Eram nomeados pela Coroa através do seu tribunal especializado –o Desembargo do Paço- e tendiam a iniciar as suas carreiras em magistraturas territoriais locais, quase sempre em Portugal(nos chamados juizados de fora). Os requisitos para acesso e prossecução na carreira estabilizaram-se nas Ordenações Filipinas com exigências de limpeza de sangue, avaliação (quase sempre pelo tribunal da tutela) dos méritos de formação académica inicial (a leitura de bacharéis) e aprovação na inspecção ao desempenho após o exercício de cada um dos

63

SUBTIL, 1996; CAMARINHAS, 2010.

32

lugares (residência). Tal como em épocas anteriores, os seus mandatos compreendiam em regra três anos, podendo, em casos devidamente justificados, prolongar-se por mais um ano. Persistiam restrições relativas à naturalidade, já que essas magistraturas não deveriam ser providas em indivíduos naturais da localidade ou região para a qual eram nomeados. A fim de manterem isenção e exterioridade face aos interesses locais estavam também proibidos de casar ou de formalizar relações de parentesco nas localidades onde serviam. No que respeita à naturalidade dos magistrados nomeados para postos ultramarinos, Nuno Camarinhas contabilizou apenas 15% de nomeações feitas em naturais das conquistas para todas as magistraturas ultramarinas entre 1620 e finais do século XVIII, o que permite este autor concluir que “raramente as regiões do império fornecem o seu próprio aparelho judicial”.64 *** Os juízes de fora ou juízes por el-rei são magistrados de nomeação régia detendo alçada cível e crime ao nível concelhio65. Tradicionalmente a historiografia remete a sua origem para um contexto de conflitos e tensões subsequentes à Peste Negra que ocasionou um aumento explosivo dos testamentos, facto que conduziu D. Afonso IV, em 1349, a determinar por lei que a abertura destes documentos fosse da alçada de magistrados de nomeação régia (juízes por el-Rei) suprimindo o papel dos vigários episcopais66. A criação do ofício é ainda justificada pela necessidade de julgar com isenção e imparcialidade relativamente a grupos de interesse locais, razão pela qual se chamam “de fora”67. Nesse sentido, constituem uma manifestação da crescente ingerência do poder régio na administração local. Os titulares nomeados na época medieval são homens da confiança do rei, escudeiros, cavaleiros e vassalos régios, maioritariamente letrados, embora só com D. João III se tenha estabelecida a exigência de formação jurídica. Esta exigência destacava-os dos juízes ordinários das terras e tinham também uma jurisdição mais ampla no que respeitava a alçada. O âmbito da sua actuação era a coordenação do governo local, ao qual presidiam, assim como a fiscalização das eleições dos oficiais camarários, competindo-lhes assegurar o cumprimento do direito positivo. Têm por isso indiscutível relevo na difusão do direito letrado oficial, contribuindo para a homogeneização do espaço político. Este conjunto

64

CAMARINHAS, 2010: 298. HESPANHA, 1982: 253-255 e HESPANHA, 1994: 196-199. 66 CAETANO, 1990: 66-68. 67 Ordenações Afonsinas, Livro I, Título XXV: 155-164. 65

33

de funções permite que os juízes de fora possam ser considerados como “um elemento de desagregação da autonomia do sistema jurídico-político local”68. Os números sobre a difusão desta magistratura no território revelam, no entanto, que, pelo menos no início, ela foi relativamente lenta. Sabemos igualmente que esteve longe de alguma vez alcançar coincidência com a malha concelhia. Deste modo em 1640 não havia mais que 80 juízes de fora em Portugal, o que cobria apenas cerca de 10% dos municípios no reino. Acresce que a sua distribuição no território era bastante desigual, sendo mais significativa nas áreas a sul do Tejo, porventura em resultado da também maior dimensão das circunscrições municipais. Mas a exiguidade deste dispositivo por parte da coroa ainda fica mais patente, uma vez que se sabe que 33 juízes de fora eram apresentados por donatários leigos ou eclesiásticos.69 Ou quando se tem em conta o conjunto dos domínios ultramarinos onde em meados do século XVII havia só três juízes de fora70, sendo o primeiro nomeado para a América portuguesa (Bahia) apenas em 1696. Em qualquer dos casos convém aduzir que as principais cidades e vilas do reino tinham juiz de fora o que não deixa de evidenciar que a monarquia procurou utilizar este dispositivo como instrumento de controlo sobre os espaços política, económica e demograficamente mais importantes do reino. Na época moderna, o provimento do cargo de juiz de fora era feito através do Desembargo do Paço e, tal como ocorria com os corregedores, também veio a estar regulado pelas Ordenações que se aplicavam igualmente nos domínios ultramarinos. Este cargo correspondia ao primeiro nível da carreira da magistratura a qual acediam os licenciados em Direito. As nomeações resultavam de um concurso onde os méritos dos candidatos que se apresentavam eram avaliados, embora se saiba que outros factores associados a redes interpessoais também podiam influir na tomada de decisão. A obrigatória fiscalização do desempenho (residência) estava em geral cometida aos corregedores da coroa, assim como a destes competia quase sempre aos desembargadores dos tribunais da Relação. O conhecimento que se vai tendo sobre estas inspecções ao desempenho das judicaturas letradas aponta para dois tipos de fenómenos. Por um lado a existência de denúncias e queixas sobre a actuação abusiva de muitos juízes de fora, nas quais se constata que os objectivos pretendidos pela coroa de maior isenção e correcção na

68

HESPANHA, 1994: 198. MONTEIRO, 1993: 312. 70 CAMARINHAS: 123-124 69

34

aplicação da justiça eram contrariados pela participação e envolvimento nas redes e facções locais; por outro lado, o reduzido número de casos levados a julgamento, aqui se incluindo também os restantes magistrados, e o ainda menor número de condenações sugere a existência de redes de solidariedades corporativas nas judicaturas, o que limitava bastante a imparcialidade das inspecções promovidas e conduzia à redução da capacidade de controlo da coroa71. A definitiva institucionalização da figura dos corregidores em Castela no tempo dos Reis Católicos tem alguma semelhança com a que agora foi descrita para os juízes de fora em Portugal. Convém, por isso alertar, que pese embora a semelhança dos vocábulos, o corregidor de Castela não deve ser confundido com o corregedor português, embora nos domínios senhoriais castelhanos essa distinção pareça ser mais problemática. Como Benjamín González Alonso explicou, e tal como aconteceu com os juízes de fora, o corregidor de Castela tinha uma origem baixo-medieval e era um oficial nomeado pelo rei para presidir ao município e a quem competia, portanto, funções judiciais e governativas. Partilhava ainda com o juiz de fora a recomendação para que fosse forâneo aos lugares para os quais era apontado, com o mesmo objectivo de imparcialidade de actuação, e tal como em Portugal, esse preceito tendeu a ser cumprido. No entanto sabe-se que esta independência podia ser comprometida pela existência de vínculos de parentesco, o que suscitava sempre dúvidas, e às vezes denúncias, sobre a isenção do oficial. Ainda de acordo Benjamín González Alonso correspondeu a uma decisão dos Reis Católicos de abranger toda a coroa de Castela. O número de lugares de corregidor evoluiu rapidamente numa fase inicial, mas abrandou posteriormente: 54 em 1494, 61 em 1515, 63 em 1575 e 68 em 1597.72 De forma similar à que se verificou em Portugal com os juízes de fora, houve a preocupação de fiscalizar o seu desempenho na hora da saída do cargo. Para o efeito combinaram-se normativas definidas nas visitas e nas residencias, permitindo assim acrescentar à avaliação sobre o desempenho do seu cargo a informação sobre as finanças municipais, o que parece ter aumentado a capacidade de controlo do território por parte da monarquia73. Formalmente tinham mandatos anuais, mas o seu prolongamento por mais dois anos tendeu a generalizar-se, pelo que em média os mandatos tinham uma duração que rondava os três anos, como assinala José Ignacio Fortea Pérez no importante estudo

71

CAMARINHAS, 336-337. GONZÁLEZ ALONSO, 2001: 284-285. 73 GONZÁLEZ ALONSO, 2001: 289. 72

35

prosopográfico que dedicou aos corregidores de Castela no período de 1588-1633. Afirma ainda este historiador que, depois da reforma da promovida na Cámara de Castilla, as propostas dos nomes destes oficiais passaram a ser apresentados ao rei através do Consejo de Cámara74. Já quanto a perfil social e aos requisitos exigidos existem diferenças radicais entre os corregidores e os juízes de fora. Como explica Fortea Pérez “en Castilla se distinguía entre dos tipos de corregimientos: los de toga y los de capa y espada; los primeros eran servidos en principio por letrados, los segundos por caballeros. Estos debían regir los lugares «belicosos y revoltosos o de frontera»; aquellos «el pueblo pacífico y buen súbdito» [Castillo de Bobadilla]. Sin embargo, hasta 1711 no hay, al menos que yo sepa, una distinción expresa entre unos y otros”75. Dependiam do costume ou das circunstâncias políticas. E havia diferenças regionais significativas, sendo os territórios meridionais aqueles onde, tendencialmente, se verificava maior nomeação de caballeros, o significa que não tinham necessariamente formação académica. No reino da Galiza, por exemplo, entre os quatro corregimientos existentes, esta tendência encontra-se apenas nos da Corunha e de Betanzos. As conclusões apresentadas por Fortea Pérez no trabalho que temos vindo a seguir são expressivas, sobretudo quando postas em comparação com o que se conhece sobre os juízes de fora: “la selección de corregidores en la Castilla de los Austrias fue el resultado de un proceso complejo en el que principios básicos, como los de naturaleza y parentesco, los de ciencia y experiencia y el servicio a la Corona, eran constantemente interferidos por consideraciones ligadas a la gracia real, al linaje y a la clientela, lo que acabó produciendo un tipo de corregidor socialmente muy homogéneo en el que la condición de caballero se iba solapando a cualquier otra consideración hasta dar al oficio su perfil más característico”76. O que contrasta muito com a situação em Portugal, pois os juízes de fora na época moderna tiveram sempre formação letrada. Mas tal como o juiz de fora, nas terras de senhorios o corregidor podia ser de nomeação senhorial. Partilhavam com os seus equivalentes régios as funções judiciais e governativas sobre o território mas, também de forma semelhante ao que se verifica em Portugal, os estreitos vínculos que os ligavam ao senhor explicam que a sua interferência no espaço municipal se fizesse primariamente em defesa dos interesses

74

FORTEA PÉREZ, 2012: 102-104. FORTEA PÉREZ, 2012: 111. 76 FORTEA PÉREZ, 2012: 144. 75

36

jurisdicionais do senhorio. Como sintetizou David García Hernán “su principal función era, pues, ser un delegado territorial de la autoridad gobernativa del señor”.77

*** Importa por fim clarificar que a divisão territorial da rede judiciária não provocou nenhuma divisão de tipo regional no território do reino de Portugal, visando sobretudo garantir uma vigilância mais apertada da administração local e facilitava a comunicação entre o rei e os súbditos. Com efeito, e pelo menos no caso dos corregedores-ouvidores, os dados que têm surgido em trabalhos mais recentes demonstram que eles desempenhavam um papel significativo na comunicação política entre a corte e os territórios. Embora tal facto não pretenda escamotear a enorme diversidade de situações e os novos desafios, até de natureza jurídica, que as realidades ultramarinas suscitaram entre os magistrados, permite levantar a hipótese de a grande homogeneidade do quadro legal e do modelo de administração da justiça territorial em todo o espaço da monarquia ter contribuído para a persistência da sua dimensão pluricontinental, assim como para criar e difundir referentes comuns entre os vassalos do rei de Portugal, onde quer que eles se situassem.

7.1.3. O GOVERNO DELEGADO: VICE-REIS E GOVERNADORES Pedro Cardim

O alargamento das monarquias ibéricas para zonas exteriores ao Velho Mundo implicou a difusão a longuíssima distância de formas de organização social e de instituições político-administrativas. Como assinalaram José Javier Ruiz Ibáñez e G. Sabatini78, em termos institucionais o processo de incorporação de terras extraeuropeias envolveu a mobilização de elementos próprios da paisagem política ibérica e com finalidade uniformizadora: o reconhecimento de um mesmo príncipe e a dependência de instituições mais ou menos comuns das monarquias ibéricas (vicereinos; governações; capitanias, etc.). Trata-se de expedientes que visavam resolver os principais problemas enfrentados no processo de expansão, tanto na Europa como fora dela: a distância física entre o local onde se encontravam o rei e os órgãos centrais de governo, por um lado, e, por outro, as possessões e as gentes a governar; a ausência 77 78

GARCÍA HERNÁN, 2010, 111. RUIZ IBÁÑEZ & SABATINI, 2009.

37

física do rei da maior parte das terras que estavam sob a sua alçada; e, finalmente, a alteridade cultural de cada território, fosse ela jurídica, social ou cultural. Entre os vários expedientes desenvolvidos para governar estes territórios simultaneamente tão vastos e tão complexos, a instituição vice-reinal, pela sua importância, é merecedora de um olhar detalhado. Apesar de as origens deste cargo não estarem totalmente esclarecidas, tudo indica que proveio da «lugar-tenência» medieval, figura presente na malha administrativa castelhana pelo menos desde o século XIII. A partir deste período, e ao longo da época moderna, tal instituição foi sendo utilizada nos territórios tanto da coroa castelhana como na de Aragão como forma de tornar presente o soberano ausente em cada uma das entidades políticas de que ele era rei79. Na instituição vice-reinal há também ecos das soluções governativas adoptadas durante as regências, ou seja, períodos também eles caracterizados pela ausência do rei, devido à sua menoridade ou à sua temporária incapacidade. Em termos políticos, e tomando como exemplo a magistratura criada pela coroa de Portugal para a Índia, em 1505, ao vice-rei foram cometidos diversos regalia, por meio do expediente da delegação de poderes. Neles se incluíam o exercício da justiça suprema, consubstanciado na prerrogativa de conhecer as apelações e agravos provenientes das justiças ordinárias; o poder para tomar decisões sobre a guerra e para estabelecer tréguas (ius belli, tregae ac pacis), de onde decorria, também, o comando supremo das forças militares; a capacidade de legislar; o poder para administrar livremente a fazenda real, dentro dos limites estabelecidos pela coroa; a capacidade de fixar o montante das páreas a pagar pelos reinos tributários; o poder de superintender sobre toda a administração; o uso de alguns dos símbolos do poder real e a cunhagem de moeda80. Note-se ainda que, pela natureza das funções que lhes eram confiadas, em que predominava a resolução de matérias militares e marítimas, aos vice-reis e governadores da Índia foi concedida a prerrogativa de dispensar a lei que encerrava a possibilidade de tomar decisões contrárias às instruções régias. A única restrição neste domínio radicava na necessidade de audição prévia do seu conselho de capitães, embora depois o governador pudesse decidir de acordo com a avaliação pessoal que fizesse na matéria81. Também a graça, enquanto atributo real, acabaria por ser exercida, concretizando-se na concessão de mercês, dada de ofícios e no perdão de crimes, embora neste âmbito a

79

HERNANDO SÁNCHEZ, 2004. PATO & MENDONÇA, 1884: 269-272; SANTOS, 1999: 51 segs. 81 HESPANHA, 2001: 174-175. 80

38

coroa tivesse estabelecido fortes limites à margem de manobra dos governadores, impondo tectos ao montante total de dádivas que poderiam atribuir82. Em suma, esta é uma magistratura comissarial, dotada de um poder extraordinário, exercida dentro dos limites temporais fixados pelo poder delegante – geralmente três anos – e que permitia ainda a possibilidade de o vice-rei subdelegar a sua jurisdição. Os vice-reis costumavam ser nomeados pelo rei a partir de proposta do seu conselho. A coroa portuguesa contou com a presença de vice-reis, na Índia, a partir de 1505, embora esta solução à data tivesse um carácter atípico, porque a expressão territorial do poder era, nessa altura, quase inexistente83. Já no Brasil, a instituição vicereinal surgiu em condições bem diferentes, sendo também mais tardia, já que as nomeações para magistratura só se tornam sistemáticas a partir de 1720. Tanto no caso da presença portuguesa na Índia como no dos castelhanos na América, a definitiva institucionalização da instituição vice-reinal ocorreu na década de 1530, mais ou menos pela mesma altura em que, como lembra Carlos Hernando84, essa mesma instituição se solidificava nos domínios espanhóis em Itália, através de uma cada vez mais rica normativa legal, uma densa malha institucional e uma acção de governo que já demonstrava a utilidade do cargo para superar as tensões e as vacilações que o tinham afectado nas primeiras décadas do século XVI. *** Vale a pena atentar na decisão de nomear o primeiro vice-rei na Índia por parte da coroa portuguesa, tanto mais que esta solução, não sendo desconhecida da tradição política europeia, representa uma novidade no panorama institucional português. Os motivos que estão na origem da criação do ofício, numa data tão precoce, são indissociáveis do projecto comercial português de ligação marítima entre a Índia produtora de especiarias e o mercado consumidor europeu. Volvidos sete anos sobre a chegada a Calecute, tornou-se claro que o envolvimento na geografia económica do Índico só poderia ser feito à custa de uma guerra permanente contra os muçulmanos. A atribuição de poderes majestáticos mais alargados juntamente com a concessão do título de vice-rei reflecte, sem dúvida, o desejo de aprofundar a presença portuguesa naquela parte do globo. Ao mesmo tempo, atendendo ao cenário civilizacional e político, era necessário assegurar que o representante do rei de Portugal estivesse investido de

82

SANTOS, 1999: 56-57. THOMAZ, 1994. 84 HERNANDO SÁNCHEZ, 2004: 43-73; HERNANDO SÁNCHEZ, 2008: 337-423. 83

39

dignidade equivalente para poder negociar com os poderes não-europeus e para poder assumir compromissos como se do próprio monarca se tratasse. Nesta opção pesaram também, como já referido, a distância e os constrangimentos na comunicação com o reino, que obrigava a conferir aos seus dignitários uma maior autonomia decisória. Uma vez definida esta solução institucional, a médio prazo, assistiu-se a um processo de complexificação burocrática, por meio do qual se foram constituindo conselhos palatinos, estruturados em torno do vice-rei e ligados à administração da justiça e da fazenda. Na verdade, no espaço de três a quatro décadas, de um modelo de gestão muito centrado na figura do vice-rei e baseado em oficiais individuais investidos de determinadas funções administrativas, transitou-se para um sistema de administração sustentado em instituições formalmente organizadas e autonomizadas em relação ao governador85. Assim, a breve trecho, o vice-reino da Índia passou a contar com uma corte, uma capital – Goa – e com um dispositivo político-administrativo central aí sedentarizado e que em muito se assemelhava ao de Lisboa. Dele faziam parte a vedoria da fazenda, a Casa dos Contos, a Casa da Matrícula e a Relação que se constituem e consolidam entre as décadas de 1530 e 1550, bem como o Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens criado em 1570. Com a União Ibérica, aprofundou-se a complexificação deste sistema organizativo, por meio da criação de novos tribunais, entre os quais se destacam o Conselho da Fazenda, institucionalizado na década de 1590 e o Conselho de Estado que surge formalizado em 1604. Boa parte do que acabou de ser apresentado esteve ausente na América Portuguesa, onde os desafios colocados à presença portuguesa engendraram respostas institucionais distintas. Tratando-se de assegurar o povoamento e a colonização do espaço, estendeu-se à nova terra a implementação de capitanias-donatarias, modelo já utilizado com sucesso nos arquipélagos atlântico e que acabaria, em boa medida, por condicionar o exercício de jurisdições e a evolução administrativa subsequente86. Em 1549, com a implementação do governo-geral, sobrepunha-se às capitanias uma estrutura de governo intermédio, dotada de poderes alargados no domínio da coordenação superior da defesa, do exercício da justiça e da administração da fazenda. Note-se que a carta régia de nomeação de Tomé de Sousa não é absolutamente clara quanto à extensão das jurisdições concedidas, em particular em matéria do governo oeconomico, mas a análise do campo de actuação dos oficiais que o assessoravam – 85 86

SANTOS, 1999. SALGADO, 1985: 84.

40

ouvidor-geral e provedor-mor – não deixa dúvidas quanto ao facto de estarem delegados os poderes necessários para que a nova estrutura de governo assegurasse o exercício de direitos reais nas três áreas de acção da coroa, submetendo, para esse efeito, os restantes níveis do sistema administrativo. E, para além da justiça, a prerrogativa do exercício da graça real também foi cedida ao primeiro governador do Brasil, por meio da autorização para conceder tenças, desde que o seu valor não ultrapassasse os cem cruzados por ano87. Em regimentos de governadores posteriores, este tecto seria elevado para os mil cruzados anuais, permitindo-se também a dada de ofícios, em propriedade ou em serventia88. Relativamente à solução encontrada para a Ásia Portuguesa, parece evidente que, não obstante os paralelismos que se podem encontrar, a latitude dos poderes concedidos não é comparável. Nesse sentido, o governador-geral do Brasil surge assim como uma magistratura menos carregada de distinção simbólica e também menos onerosa do ponto de vista financeiro e político para a coroa89. As dificuldades de afirmação daquela que foi concebida como a primeira magistratura da América Portuguesa repercutiram-se na formação de uma capital, cabeça do corpo político, capaz de dominar as relações institucionais com o território sob jurisdição do rei de Portugal. Como é sabido, nos primeiros tempos a cidade de Salvador da Bahia revelou várias debilidades que obstaram a uma rápida consolidação como capital, assim identificada pelos restantes poderes já constituídos. Sem uma residência de governador digna desse nome e sem uma vida de corte, não surpreende que os quatro governadores das duas primeiras décadas do século XVII tenham preferido residir em Olinda, mercê da capacidade de polarização económica exercida pela capitania de Pernambuco90. Não obstante, as condições jurídicas para a constituição de uma sede política da América Portuguesa e para a ampliação do seu aparelho burocrático estavam criadas por meio da delegação de poderes na área da fazenda e da justiça na figura do governador. Contudo, a concretização destes princípios foi um processo lento e, em última instância, o elevado grau de complexificação burocrática que encontramos em Goa não chega a encontrar paralelo na Bahia dos séculos XVI e XVII, realidade perceptível quer no domínio da fazenda, quer na administração da justiça. O tribunal da Relação da 87

MAGALHÃES & MIRANDA, 1999: 25. HESPANHA, 2001: 176-177. 89 COSENTINO, 2009. 90 DUTRA, 1973: 19-60. 88

41

Bahia, por exemplo, só começou a funcionar em 1609, para depois ser suprimido em 1624, só voltando a vigorar em 165491, ou seja, mais de cem anos após a criação da Relação de Goa (1544). O Conselho de Estado também não surge replicado no Brasil, muito embora os regimentos atribuídos aos governadores apontem para um modelo de governo segundo o qual matérias de relevo, omissas nas instruções régias, fossem previamente debatidas com o chanceler da Relação da Bahia, com o provedor-mor da fazenda e com o bispo92. Por seu turno, no domínio da fazenda, o reduzido número de oficiais de recebimento espalhados pelas capitanias não forçou o desenvolvimento de uma estrutura organizativa muito complexa. Em 1588, a administração central da fazenda na Bahia ocupava dez oficiais (entre o provedor-mor, tesoureiro, contadorgeral, provedor da alfândega e respectivos escrivães), contra os quase cinquenta que em idêntico período estavam ligados ao vedor da fazenda geral e à Casa dos Contos em Goa93. Por outro lado, embora esta seja uma questão a exigir uma análise mais detalhada, também parece certo que, do ponto de vista financeiro, Salvador esteve longe de desempenhar um papel equivalente ao de Goa na organização da defesa do conjunto do território e na redistribuição e reafectação das receitas fiscais. Mas, nos primeiros tempos, o nível dos encaixes percepcionados pela coroa na América Portuguesa não era comparável ao da Ásia, nem o Brasil esteve sujeita a pressões equivalentes sobre o domínio da gestão dos recursos, como sucedeu no Estado da Índia devido ao cenário de guerra endémica. Entretanto, o crescente desenvolvimento da América Portuguesa, medido pelo aumento da população e pelo florescimento da indústria do açúcar, e da sua importância para a monarquia foi-se traduzindo na ampliação dos instrumentos simbólicos associados ao poder do governador. Tome-se como exemplo, a prerrogativa concedida a Diogo Botelho, que assumiu o posto em 1602, de trazer consigo uma guarda de honra composta por vinte homens94. Também o seu campo de competências foi sendo alvo de uma definição mais minuciosa, por meio dos sucessivos regimentos atribuídos durante a União Ibérica95. Mas o maior grau de institucionalização dos poderes dos governadores pode ser aferida pela concessão do título de vice-rei ao governador-geral, em 1640. É certo que a concessão necessita de ser lida à luz do esforço que a monarquia dual 91

SCHWARTZ, 1973. HESPANHA, 2001: 176. 93 «Despesa do Estado do Brasil a que a Fazenda de Sua Magestade tem obrigação» [1588]. 94 PUNTONI, 2008. 95 SALGADO, 2005: 170-178. 92

42

colocou na tentativa de expulsão dos holandeses do Nordeste, concretizada no envio de duas armadas (portuguesa e espanhola), sob o comando unificado do conde da Torre em 1638. Uma vez conhecidos o atraso na libertação de Pernambuco e perante a gravidade das circunstâncias, D. Jorge Mascarenhas foi nomeado pela corte de Madrid vice-rei e capitão-geral de mar e terra do Estado do Brasil com a missão de destituir o governador, caído em desgraça, e de o substituir no supremo comando das forças militares no mar e em terra. Os poderes reforçados que lhe foram atribuídos na carta patente de 29 Agosto de 1639 extravasam, aliás, o âmbito militar e estendem-se ao domínio da justiça e da fazenda, justificando a concessão da dignidade vice-real96. Nas décadas seguintes, o título voltaria a ser concedido mais duas vezes, por circunstâncias relacionadas com o percurso prévio dos providos. D. Vasco Mascarenhas (1663-1667) e D. Pedro de Noronha (1714-1718) foram vice-reis do Brasil pelo facto de terem sido vice-reis da Índia. Só depois de 1720 é que o título passa a ser atribuído de forma sistemática até 1808, enquanto o do Estado da Índia foi suspenso, só sendo retomado no início do século XIX (1806). *** O debate sobre o governo através de uma figura com a dignidade vice-reinal também surgiu em Portugal, aquando da sua entrada para a Monarquia Espanhola. Como se sabe, após as Cortes de 1581 Filipe de Habsburgo assumiu o compromisso de que Portugal iria preservar o seu estatuto reinícola e que, como sinal visível disso mesmo, iria ser sempre governado por um vice-rei – e não por um governador –, o qual se procuraria que fosse recrutado no seio da família real. Este compromisso não foi cumprido, pois ainda no reinado de Filipe II Portugal seria governado por um colégio de governadores, sendo que nenhum deles era aparentado com a família real. Nos reinados subsequentes a repetição desta situação, aliada à crescente pressão reformista que se fez sentir, alimentou descontentamento e criou a impressão de que tal opção fazia parte de um plano mais geral para subtrair direitos políticos a Portugal e proceder à sua “despromoção”, perdendo a condição de «reino» e assumindo o estatuto de «província»97. Assim, a reivindicação de que Portugal deveria ser governado por um vice-rei, durante os sessenta anos em que durou a ligação com a Monarquia Espanhola, contribuiu para fomentar sentimentos de identidade nacional. 96 97

SALVADO, 2002. SCHAUB, 2001.

43

7.2. A AUSÊNCIA DO REI. REACÇÕES AO PROCESSO DE PERIFERIZAÇÃO NA GALIZA E EM PORTUGAL Pedro Cardim Mafalda Soares da Cunha Portugal e a Galiza tiveram experiências históricas muito diversas no que respeita à relação entre o rei e os seus vassalos. Uma das mais significativas e mais contrastantes teve certamente que ver com a precoce ausência do rei no território galego, face à continuada presença do monarca no reino luso. A questão assume particular relevância no que respeita aos processos de construção da esfera política, já que a presença ou a ausência do rei no território significa no essencial a proximidade ou a distância face aos principais centros de poder. É verdade que existem matizes quando se observam estes fenómenos na longa duração, pelo que a presença do rei na época Medieval não tem exactamente o mesmo significado que na época Moderna, uma vez que o espaço político em tempos medievais era bastante mais fragmentado. Em qualquer caso, pode dizer-se de forma genérica que o rei constituiu desde cedo um poderoso catalisador do ordenamento político do reino e provocou a gestação da corte régia, entendida quer como espaço doméstico do rei quer como o conjunto de pessoas e de instituições. As cortes (e as casas reais) situam-se assim no centro dos mecanismos de poder e constituem elementos fundamentais para a integração das elites sociais no sistema político. O início do gradual afastamento da Galiza dos centros de poder pode ser situado com a derrota do rei Garcia II da Galiza, em 1072, às mãos do seu irmão Afonso VI de Leão e Castela. Os variados desenvolvimentos que ocorreram no século e meio posterior acentuaram esta tendência, embora durante os reinados de Afonso VII, Fernando II e Afonso IX os nobres galegos tenham tido um papel importante na corte leonesa, onde se destacaram linhagens como os Travas, os Limas ou os Nóvoas. A marcar aquela estreita relação, Fernando II e Afonso IX de Leão ainda se fizeram sepultar na catedral de Santiago de Compostela. No entanto, por morte de Afonso IX em 1230, o seu reino passou para o filho, que da mãe tinha herdado a coroa castelhana. Deste modo, Fernando III de Castela e Leão uniu para sempre os dois reinos, começando na corte régia uma progressiva supremacia das linhagens castelhanas (Laras e Haros, por exemplo) sobre as leonesas (entre as quais os Teles e Vilalobos) e galegas (como os Travas e Limas). A situação não terá melhorado muito anos depois, quando a 44

nobreza galega, ou pelo menos algumas das suas linhagens mais emblemáticas, como os Castros, decidiram apoiar o rei Pedro I, o Cruel, contra o irmão bastardo Henrique II Trastâmara. Apoiantes do partido derrotado, muitas famílias nobres galegas optaram por passar para Portugal, fenómeno que se repetiu após a guerra pela sucessão de Henrique IV, entre a sua irmã, Isabel a Católica e o rei português Afonso V, embora nessa altura já estivessem instaladas há tempo em Toledo ou Valladolid. Importa, no entanto, sublinhar que a Galiza foi a última província submetida pelos Reis Católicos após a guerra contra Portugal. A distância da Galiza face à corte da monarquia prosseguiu nos séculos seguintes. A última vez que um rei permaneceu algum tempo na Galiza, numa viagem oficial (que incluiu a celebração das Cortes «de Castela» – e não uma «Junta del Reino» da Galiza) foi no começo do século XVI. Depois dessa data, a presença de figuras régias limitou-se a visitas esporádicas a Santiago de Compostela, mais por razões religiosas do que propriamente políticas. Assim, em 1486 os Reis Católicos visitaram Compostela em peregrinação com o intuito de tranquilizar a Galiza; quanto a Filipe I e a Carlos I estiveram em terras galegas apenas de um modo circunstancial, e as suas visitas em nada contribuíram para o reforço de um eventual particularismo político da Galiza. Na segunda metade de Quinhentos a presença física da realeza nesse território continuou a ser excepcional e rara. Filipe II, ainda como príncipe, visitou Santiago também mais por motivos religiosos do que políticos. É certo que a visita foi pretexto para a realização de grandes cerimónias98. No entanto, nessas cerimónias cada instituição galega parece ter estado sobretudo preocupada em mostrar o seu poder e prestígio, não se vislumbrando um esforço concertado para figurar o reino da Galiza como algo de comum a todas as forças sociais, ou para reivindicar mais direitos para o conjunto da sociedade e do território galegos. Os galegos tinham uma noção clara deste seu isolamento e da distância a que se encontravam do rei. Contudo, o facto de nenhum monarca alguma vez ter passado longos períodos em terras galegas terá contribuído para que não se registasse, durante o período compreendido, o lamento pela ausência da corte régia. Com efeito, em nenhum momento as instituições baseadas na Galiza expressaram um ressentimento comparável ao que se escutou em Portugal por causa da ausência da corte régia entre 1580 e 164099.

98 99

LÓPEZ, 2004. BOUZA ÁLVAREZ, 1994.

45

Como aponta A. Eiras Roel, apesar de a Galiza ser qualificada como «reino», foi sempre governada como mais uma província – a juntar às vinte que integravam a Coroa de Castela –, completamente assimilada às leis, tribunais e administração de modelo castelhano100. Ao que tudo indica, os grupos influentes e as instituições galegas estavam relativamente conformados com a sua condição periférica, e apesar de terem exercido alguma pressão sobre a realeza (em especial por verem que os cargos ligados ao governo e à administração da Galiza eram entregues a não-naturais), tal pressão jamais assumiu as proporções do que aconteceu em terras lusas. Tão-pouco há notícia de que os grupos galegos tenham sido influenciados pelo que se estava a desenvolver em Portugal, ou seguido o exemplo das suas reivindicações. No que toca à assembleia representativa, apesar de as chamadas «Juntas del reino» reunirem com regularidade, jamais deram corpo a um movimento orientado para o fortalecimento do particularismo galego. Aliás, é sintomático que uma das principais preocupações tenha sido a de recuperar a representação da Galiza nas Cortes «de Castela» (e não o fortalecimento de uma assembleia estritamente galega), algo que foi alcançado em 1621101. *** Fazer parte de um conglomerado dinástico era algo de relativamente banal na Europa da época moderna102. Para os vassalos da coroa de Portugal, no entanto, a primeira vez que se viram nessa situação foi em 1581. Não restam dúvidas de que tal implicou alguma adaptação, desde logo porque tiveram de se habituar à circunstância de contarem com um rei que residia a maior parte do tempo fora do território português, facto que, como se sabe, tinha bastantes implicações políticas. Inicialmente, a Monarquia Hispânica, mesmo com o seu cada vez mais forte cariz castelhano, conseguiu manter uma dinâmica inclusiva103. Contudo, com o passar do tempo e com o acentuar das dificuldades que afectavam a Monarquia, o reipassou a permanecer cada vez mais tempo em Castela, o que tornou patente a sua ausência dos demais territórios. E como essa situação não se alterou durante os anos que se seguiram, a ausência do rei gerou controvérsia, sobretudo nos territórios menos familiarizados com esse facto. Mas a consciência do rei-ausente existiu sempre entre os vassalos dos Áustrias, inclusive em Castela. Carlos I foi o rei que mais viajou; quanto aos seus sucessores, 100

EIRAS ROEL, 2006. ARTAZA, 1998. 102 ELLIOTT, 2009. 103 GIL PUJOL, 2004. 101

46

efectuaram muito menos viagens, jamais se tendo deslocado às ilhas atlânticas e, muito menos, à América. No que toca a Portugal, Filipe II despediu-se do reino em 1583 e jamais regressou a terras lusas até à sua morte. No que respeita ao seu sucessor, logo no início do seu reinado Filipe III demonstrou pouca vontade de se deslocar a Portugal, e a visita foi adiada diversas vezes, facto que gerou controvérsia. A discussão em torno da ausência do rei levou a que questões muito substantivas do ponto de vista “constitucional” fossem então suscitadas. O debate gerado pelos vários adiamentos da visita de Filipe III a Portugal mostra bem o quão politizado se encontrava o ambiente. Foram então levantadas as seguintes questões: o facto de Filipe III ter optado por adiar a sua visita a Portugal, na qualidade de rei, significava que esse território estava a ser “despromovido” e a passar de «reino» a «província»? Já era Filipe III rei de Portugal antes mesmo de se deslocar a esse território, como pessoa régia, para aí efectuar o juramento dos foros? Estava Filipe III obrigado a reunir Cortes na primeira ocasião em que, como rei, se deslocasse a Portugal?104. Como se percebe, o tema do juramento régio e suas implicações políticas passou para o centro do debate em Portugal. Mas é importante assinalar que questões semelhantes a estas foram levantadas, pela mesma altura, em outros territórios da Monarquia, como foi o caso de Aragão. A semelhança entre o debate verificado em Portugal e aquele que se registou em Aragão revela que este tipo de preocupações se tornou bastante generalizado, não apenas como reacção à ausência prolongada do rei, mas também como resposta ao crescente peso político de Castela. A partir de Abril de 1613 a viagem de Filipe III a terras lusas foi uma vez mais relegada para segundo plano, numa altura em que a grande prioridade passou a ser a «jornada de los casamientos» e a viagem da princesa Ana de Áustria até à fronteira francesa. O problema é que a visita ao reino português foi adiada sem que, durante esse período de indefinição, se tivesse voltado a activar o Conselho de Portugal, órgão que tinha sido suspenso quando se anunciou a ida de Filipe III a Portugal. Perante essa delicada situação, alguns portugueses manifestaram o seu descontentamento pelo facto de Portugal estar momentaneamente desprovido de um conselho próprio junto do rei, lacuna que, a prolongar-se, equivaleria a uma despromoção do reino no quadro da Monarquia de Filipe III. Cumpre, contudo, referir que nem todos os portugueses eram favoráveis à visita régia. O rei chegou a receber numerosos papéis, assinados por

104

CARDIM, 2008.

47

dignitários lusos, afirmando que o melhor seria não visitar Portugal e alegando que tal jornada não traria qualquer vantagem ao reino. Como se sabe, em 1619 Filipe III acabaria mesmo por realizar a jornada a Portugal e durante essa visita acedeu em convocar as Cortes de Portugal. A assembleia foi marcada por um ambiente tenso, consequência de vinte anos de adiamento da jornada régia. Na abertura solene, os discursos proferidos em nome da coroa procuraram deixar bem claro que a presença do rei ante aquela assembleia se devia à «graça» régia, nada tendo a ver com uma obrigação que pesava sobre o monarca em virtude dos foros portugueses. No entanto, e a despeito desse aviso inicial, muitos dos participantes na assembleia não esconderam o seu desagrado pela tardia visita do monarca a Portugal e numa das petições que foram entregues chegou-se mesmo a pedir «que os reis façam juramento dos foros e privilégios do reino antes de levantados pessoalmente ou por procurador». A esta solicitação respondeu um oficial régio com um seco «no parece possible», lembrando o carácter hereditário da coroa de Portugal: «el reyno de Portugal en siendo heredero no há menester ser jurado y assi su aclamaçion es mucho antes que el juramento y el hazer se el juramento es por neçessidad del reyno y no por neçessidad que tenga el rey de ser jurado». No reinado subsequente o ressentimento provocado pela ausência do rei aumentou ainda mais, em boa medida como reacção às medidas reformistas levadas a cabo por Olivares e pela sua facção. Cada vez que era anunciada uma medida impopular logo surgiam vozes a apelar à convocatória das Cortes de Portugal, o que implicava, claro, a vinda do monarca a terras portuguesas. No entanto, essa visita régia não só não aconteceu como a pressão reformista do conde duque ainda se acentuou mais durante a década de 1630. Para fazer face às crescentes dificuldades militares e financeiras enfrentadas pela Monarquia, Olivares introduziu uma série de novos tributos e pôs em prática medidas que visavam agilizar procedimentos e incrementar a autoridade régia. Como seria de esperar, tais medidas tiveram um acolhimento negativo, estando na origem, por exemplo, dos graves motins verificados em Portugal corria o ano de 1637. A sequência de decisões que o condeduque tomou nos anos seguintes, através da alteração de certos quadros institucionais de decisão política do reino, provocou grande insatisfação. Entre essas decisões vale destacar a supressão do Conselho de Portugal (1639)105 e a sua substituição por duas

105

LUXÁN MÉLENDEZ, 1988; CURTO, 2001.

48

juntas −que para alguns prenunciava a “despromoção” do reino de Portugal e sua conversão numa mera província de Castela. Com efeito, a esfera de competências das duas juntas que substituíram o Conselho de Portugal interferiu com o âmbito jurisdicional de outras instituições pré-existentes. Como seria de esperar, as instituições mais antigas protestaram, e muitas delas acabaram mesmo por boicotar a acção dessas juntas, bloqueando as suas decisões. Para adensar ainda mais o clima vivido em Portugal, a pressão fiscal não parou de aumentar e em Junho de 1640 a vice-rainha Margarida de Mântua e o secretário Miguel de Vasconcelos convocaram uma nova junta para averiguar de onde se poderia obter mais dinheiro para a defesa do reino. Portugal regressou à condição de Coroa independente depois da revolta de Dezembro de 1640 e, como consequência directa de tal mudança, voltou a ter um rei a residir permanentemente no seu território. Como é evidente, tal ditou o regresso da vida cortesã a terras portuguesas o que, sem dúvida, teve um efeito galvanizador, pois frisava a condição reinícola do território – ao arrepio do que tinha acontecido nos anos de Olivares. E a preocupação do novo monarca em incluir tanto os aclamadores quanto os membros da sua corte senhorial de Vila Viçosa e os detentores dos cargos maiores da Casa Real na recriação da corte régia em Lisboa elucida bem sobre o papel de integração política das elites que se reconhecia a esse espaço. Porém, a corte da nova dinastia dos Bragança foi, nas suas primeiras décadas, um espaço austero e até pobre, não só porque os tempos eram de guerra e havia que canalizar todos os recursos para o dispositivo bélico, mas também porque os Bragança trouxeram para Lisboa um ambiente doméstico com um certo sabor rural e provinciano, próprio de uma casa nobiliárquica que tinha feito boa parte da sua trajectória, social e política, nos seus domínios senhoriais alentejanos. Este facto, aliado ao ambiente de «puritanismo católico» que se vinha instaurando em Portugal desde meados de Quinhentos, acabou por tornar a vida palaciana lisboeta, na segunda metade de Seiscentos, em algo de muito sóbrio e modesto, contrastando com o cosmopolitismo e ostentação da corte madrilena. Como quer que seja, centrou em Lisboa os espaços de decisão política e as interrelações das elites portuguesas afastando de vez os lamentos pela subalternização a que a ausência do rei tinha votado o reino de Portugal.

49

7.3. A INQUISIÇÃO Maria Gloria de António Rubio Ana Isabel López-Salazar Na Época Moderna a Inquisição foi uma das estruturas eclesiásticas que influenciaram na coesão de Portugal. Mas, de forma paradoxal, provocou, ao mesmo tempo, uma enorme fractura social no reino. Nas páginas que seguem, tentaremos explicar esta aparente contradição. Para entender a força do Santo Oficio enquanto elemento de coesão em Portugal deve ter-se em conta a sua estreita vinculação com a Coroa, que instituiu, apoiou e sustentou a Inquisição durante toda a Idade Moderna. Assim, em Portugal, do mesmo modo que em Espanha, o estabelecimento do Santo Ofício respondeu ao desejo da monarquia. Desde 1531, o rei D. João III pediu repetidas vezes aos Sumos Pontífices que estabelecessem em Portugal um tribunal do Santo Ofício diferente dos medievais e semelhante ao que existia na Espanha desde 1478, isto é, sujeito e dependente da Coroa. Em 1536, Paulo III expediu a bula Cum ad nihil magis em virtude da qual se estabelecia a Inquisição em Portugal e nomeavam-se quatro inquisidores gerais, um dos quais seria escolhido pelo monarca. No entanto, devido às pressões dos cristãos-novos em Roma e aos conflitos diplomáticos, a consolidação definitiva do Santo Ofício em Portugal não teve lugar até 1547, em virtude da bula Meditatio cordis106. A estreita ligação entre a Inquisição e a Coroa, tanto em Portugal quanto na Espanha, manifestou-se também na intervenção da monarquia na escolha dos membros dirigentes do tribunal. Neste sentido, nas duas monarquias ibéricas, os réis nomeavam os respectivos inquisidores-gerais e os sumos pontífices limitavam-se, unicamente, a confirmar a eleição dos monarcas e a conceder aos inquisidores-gerais a jurisdição para castigar os crimes de heresia. Por baixo do inquisidor-geral existia o Conselho Geral do Santo Ofício. Embora tivesse existido desde o início, foi reformado e institucionalizado em 1569-1570. Nesse momento, o cardeal inquisidor-geral D. Henrique dotou-o de um regimento próprio e estabeleceu que devia ser integrado por três deputados. No início do século XVII, o seu número foi aumentado para cinco e em 1614 para seis, quando D. Filipe III concedeu nele um lugar perpétuo à Ordem de São Domingos. Os monarcas intervinham também na eleição dos deputados do Conselho, pois o eclesiástico

106

HERCULANO, 1979. MARCOCCI, 2004.

50

escolhido pelo inquisidor-geral para o cargo devia contar sempre com a confirmação régia. A historiografia já assinalou que, neste caso, o poder da Coroa em Portugal era, talvez, menor do que na Espanha. Assim quando ficava vago um lugar no Consejo de la Suprema Inquisición de Espanha, o inquisidor-geral devia propor ao monarca três pessoas, para ele escolher uma. Por isso, durante o tempo da União Dinástica, os Áustrias tentaram introduzir em Portugal o sistema espanhol, se bem que não tenham tido sucesso. No entanto, embora o inquisidor-geral sótivesse de comunicar ao monarca o nome do eclesiástico escolhido, o rei podia rejeitar a proposta e, nesse caso, o inquisidor-geral deveria nomear outra pessoa que fosse do agrado da Coroa107. A vinculação do Santo Ofício com a coroa manifestou-se também nos aspectos económicos. De acordo com o Direito, os bens dos condenados por heresia pertenciam à monarquia. No entanto, esta tinha delegado a administração destes bens no inquisidor geral, embora não tenha feito doação plena deles ao Santo Ofício como fizeram os monarcas espanhóis. Era com o procedente destas fazendas confiscadas que a Inquisição em grande parte se mantinha. Aliás, graças à intervenção dos monarcas, o tribunal conseguiu que os Sumos Pontífices lhe aplicassem várias pensões em bispados e arcebispados e parte das rendas de um canonicato em cada cabido do reino. E, finalmente, a Inquisição tinha um pequeno apoio económico da coroa. O rei D. Henrique concedeu ao Santo Ofício 1.200.000 reis anuais e Filipe I consignou-lhe outros 1.118.000. Finalmente, em 1607, D. Filipe II fez mercê ao Santo Ofício de um juro de 6.930.000 réis por ano. No entanto, devido aos problemas da fazenda real e do próprio estanco no qual foi colocado o juro, a Inquisição pouco recebia, de facto, da Coroa. A vinculação do Santo Ofício com a monarquia limitou, em algumas ocasiões, a autonomia do tribunal devido ao facto de os interesses dos dois poderes nem sempre serem coincidentes. Assim, por exemplo, o tribunal teve de aceitar o perdão geral de 1605 concedido pelo papa aos cristãos novos a petição do monarca. A Coroa requereu à Santa Sé esta vénia geral das culpas de judaísmo porque os cristãos-novos lhe ofereceram um serviço de 1.700.000 cruzados. Evidentemente, o Santo Ofício e a Igreja portuguesa opuseram-se com força à concessão desta graça. No entanto, neste caso, os interesses da monarquia primaram sobre os do tribunal. O mesmo aconteceu quando se assinou a paz de Londres, em 1604. Um dos capítulos do tratado de paz estabelecia que 107

BETHENCOURT, 1994: 102-103. PULIDO SERRANO, 2007: 120. LÓPEZ-SALAZAR CODES, 2011: 101-123.

51

os ingleses que viajassem à Península Ibéria não seriam perturbados por questões religiosas, desde que não dessem escândalo. E esta cláusula e outras de teor semelhante foram repetidas noutros tratados assinados durante o século XVII com as potências protestantes, sem que a constante oposição do Santo Ofício conseguisse travar a concessão destas limitadas liberdades religiosas. Embora, como já foi assinalado, uma das causas para o Santo Ofício actuar como força de coesão de Portugal radique na sua estreita vinculação à Coroa, não podemos esquecer que existem outros motivos. Um deles, sem dúvida, foi a capacidade de controlo do território que a Inquisição desenvolveu. O Santo Ofício actuava em todo o território da coroa portuguesa, isto é, tinha jurisdição sobre todo o reino e o ultramar. As vantagens de contar com uma única Inquisição, com jurisdição sobre os diferentes reinos da monarquia, eram bem conhecidas pelos soberanos espanhóis. De facto, até o século XVIII, a Inquisição espanhola foi uma das poucas instituições comuns aos diferentes reinos peninsulares e ultramarinos da Monarquia Católica. Por isso, quando Portugal esteve governado pela casa de Áustria, entre 1580 e 1640, a permanência da Inquisição portuguesa como instituição independente da espanhola gerou alguns debates e houve certas pessoas que propuseram a união dos dois tribunais do Santo Ofício ou, pelo menos, a subordinação do português ao espanhol. No entanto, a Coroa decidiu manter a situação herdada, possivelmente para evitar problemas jurisdicionais. Não podemos esquecer que Filipe II se tinha comprometido a respeitar a autonomia de Portugal dentro da Monarquia Hispânica, o que significava que o reino continuaria a manter as suas próprias instituições, entre as quais se encontrava a Inquisição. Provavelmente por isso, os monarcas não aceitaram nunca as propostas de unir as duas Inquisições da Península Ibérica108. Como dissemos, a Inquisição tinha jurisdição sobre todo o território do reino. De facto, durante a Idade Moderna, poucas instituições souberam exercer um controlo do país tão preciso quanto a Inquisição. Para isso, o tribunal do Santo Ofício serviu-se de três mecanismos complementares, embora não fossem utilizados simultaneamente durante os quase três séculos de existência do tribunal. E, como em tantos outros aspectos, estes três instrumentos foram uma reprodução dos que já tinha utilizado antes o Santo Ofício espanhol. Em primeiro lugar, a Inquisição dotou-se de uma rede de tribunais de distrito. Os primeiros foram os de Évora, estabelecido em 1536, e de

108

LÓPEZ-SALAZAR CODES, 2011: 338-354.

52

Lisboa. Depois criaram-se os do Porto, Lamego, Coimbra e Tomar, em 1541. No entanto, mais tarde ficaram reduzidos a dois, Évora e Lisboa, aos quais veio a unir-se Goa, em 1560, e Coimbra, em 1565. Estes tribunais aproveitaram os limites territoriais da organização diocesana e tiveram umas fronteiras definidas tanto entre eles como em relação aos distritos da Inquisição espanhola109. Em segundo lugar, a Inquisição controlou o território mediante as visitas de distrito. No entanto, por diferentes motivos, este meio entrou em desuso a partir da década de 1630110. Mas, já nessa altura, o Santo Ofício tinha posto em funcionamento o terceiro dos mecanismos ao qual fizemos referência. A partir do final do século XVI, o Santo Ofício português, igual que o espanhol, dotou-se de uma rede de comissários nas localidades mais importantes. Estes comissários eram clérigos que, fora das sedes dos tribunais, desempenhavam as tarefas que eram-lhes encarregadas pela Inquisição, como, por exemplo, a de interrogar as testemunhas. A criação da rede de comissários permitiu expandir o controlo do Santo Ofício fora das cidades nas quais encontravam-se os tribunais. No caso da América portuguesa, o desenvolvimento desta rede de agentes locais foi fundamental, devido a que lá nunca chegou a estabelecer-se um tribunal inquisitorial. Finalmente, não podemos esquecer que a Inquisição constituiu uma das forças de coesão de Portugal devido à sua capacidade de gerar união entre os diferentes grupos que conformavam a sociedade portuguesa. Em primeiro lugar, a Inquisição gozou de um enorme prestígio e apoio social, especialmente durante os séculos XVI e XVII. A verdade é que sempre recebeu críticas, não só no estrangeiro, mas também no próprio reino. Mas estas procediam, na maior parte dos casos, dos cristãos-novos, principais vítimas do tribunal, e dos seus protectores. Aliás, como Bethencourt também apontou, tirando algumas excepções, estes críticos não punham em causa a própria existência do Santo Ofício, mas pediam a reforma do seu procedimento judicial para acabar com os abusos durante o decurso do processo111. A capacidade de gerar coesão no país deveu-se, em parte, ao facto de o tribunal integrar gente procedente de todas as camadas sociais, o que, aliás, permitiu a aparição de solidariedades e clientelas verticais. Assim, no Santo Ofício encontramos desde gente oriunda dos grupos populares até membros da família real como o cardeal D.

109

BETHENCOURT, 1987. BETHENCOURT, 1987: 67-68. 111 BETHENCOURT, 1994: 427 e ss. 110

53

Henrique, inquisidor-geral entre 1539 e 1578, e o cardeal arquiduque Alberto, que desempenhou esse ofício entre 1586 e 1596. Tanto eclesiásticos –seculares e regulares– quanto laicos podiam integrar-se no Santo Ofício. Os eclesiásticos podiam servir ao tribunal como comissários, qualificadores, revisores de livros, visitadores de navios, notários, promotores, deputados dos tribunais de distrito, inquisidores, deputados do Conselho Geral e inquisidores gerais. De facto, o tribunal oferecia numerosas possibilidades de carreira e progresso social aos clérigos que tivessem estudado Teologia e, sobretudo, Direito nas universidades: entravam como promotores de um dos tribunais de distrito e podiam, se tinham capacidade e apoios suficientes, chegar até o próprio Conselho Geral ou até um dos bispados do reino. Aliás, os deputados e inquisidores circulavam de uns tribunais de distrito aos outros, até chegar ao de Lisboa e, daí, ao Conselho112. Esta mobilidade territorial permitia, ao mesmo tempo, fortalecer a unidade e coesão do próprio tribunal e os vínculos entre os seus membros. Relativamente aos laicos, a partir da década de 1570 começou a configurar-se a rede de familiares da Inquisição. Os familiares eram laicos que cooperavam com o Santo Ofício e que, devido a isso, usufruíam de certos privilégios concedidos pelos monarcas. Embora não tivessem funções definidas, encarregavam-se de executar as prisões, de acompanhar aos presos, de participar nos autos de fé e na festa de São Pedro Mártir e de informar aos inquisidores de tudo o que considerassem relevante para o Santo Ofício. Inicialmente, o Santo Ofício tentou evitar a concessão de familiaturas aos nobres. No entanto, durante o século XVII, a rede expandiu-se consideravelmente e as cartas de familiar passaram a conceder-se a gentes de todos os grupos sociais. De facto, segundo Veiga Torres a partir do final do século XVII e durante o XVIII foram os homens de negócios e mercadores os que com mais interesse procuraram e conseguiram as familiaturas do Santo Oficio como médio de consolidar e reafirmar os seus percursos de ascensão e promoção social113. Aliás, os laicos também podiam ingressar no Santo Ofício como oficiais menores dos tribunais, isto é, guardas dos cárceres, solicitadores, meirinhos, entre outros. Esta capacidade de o Santo Ofício fortalecer a coesão social manifesta-se, claramente, na integração dos estrangeiros tanto laicos quanto eclesiásticos. Não foram poucas as gentes nascidas fora de Portugal que ingressaram na Inquisição e consolidaram assim os seus processos de integração e afixação na sociedade portuguesa. 112 113

FEITLER, 2011. PAIVA, 2006: 424-425. TORRES, 1994.

54

E o tribunal não colocou, salvo raras excepções, impedimentos a esta integração dos estrangeiros nas suas estruturas. Ora bem, embora, o Santo Ofício contribuísse para a coesão de Portugal, devido à sua vinculação com a coroa, ao seu controlo sobre o território e à sua capacidade de integrar gentes de todas as camadas sociais, não podemos esquecer que, ao mesmo tempo, a Inquisição gerou uma enorme fractura social. Ao incidir na distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos agudizou a segregação social, religiosa e racial. Como os trabalhos de F. Olival têm demonstrado, contribuiu de forma muito significativa para fomentar a obsessão pela limpeza de sangue na medida em que, em Portugal, as provas de limpeza realizadas pelo Santo Ofício se converteram nas mais prestigiosas e valorizadas114. Aliás, de um modo geral, o Santo Ofício fomentou a identificação dos cristãos novos com os judaizantes, o que dificultou a sua integração plena na sociedade. Ao mesmo tempo, a actividade inquisitorial gerou ou, pelo menos, agudizou o êxodo massivo de cristãos-novos que tiveram de abandonar Portugal com destino a outros territórios europeus e ultramarinos. E isto teve consequências directas no desenvolvimento económico e social do reino, tendo sobretudo em conta que uma boa parte dos que fugiram eram pessoas dedicadas às actividades financeiras e mercantis. O papel desempenhado na Galiza pelo tribunal de Santiago não foi muito diferente daquele que caracterizou os demais tribunais inquisitoriais da Coroa de Castela. Tal como se disse antes, também actuou simultaneamente como um factor de coesão –vinculação à Coroa, controlo sobre o território e integração de diversos grupos sociais- e de segregação social. De acordo com Contreras, para os inquisidores galegos os problemas mais preocupantes foram, por um lado, o controlo do litoral e dos portos a partir dos quais se difundia a heresia protestante com a chegada dos estrangeiros e de livros e, por outro lado, os judaizantes115. Os membros do Tribunal preocuparam-se ainda com o potencial problema que representavam quer os cristãos-novos (conversos) galegos, quer a proximidade com a fronteira portuguesa que permitia tanto a fuga de galegos quanto a chegada à Galiza de cristãos-novos fugidos da Inquisição lusa com a intenção de saírem para as judiarias europeias ou de se fixarem definitivamente na Galiza assimilando-se às populações locais116. Por consequência, as actividades do tribunal ao dificultarem a integração dos cristãos-novos na sociedade galega, ao

114

OLIVAL, 2004. CONTRERAS, 1982: 23, 41-43 116 ANTONIO RUBIO, 2006: 91-99 115

55

fomentarem a sua fuga para outros territórios da coroa de Castela ou de Portugal e ao incrementarem as provas de limpeza de sangue funcionaram como um factor de segregação acrescida com os efeitos económicos e sociais já conhecidos.

56

CAPÍTULO 8 O ESPAÇO ECONÓMICO Leonor Freire Costa

O espaço económico de Portugal é o resultado de uma dinâmica de muito longa duração. Como em quase todos os casos europeus com fronteiras políticas fixadas nos períodos medieval e moderno, a formação de uma economia nacional precisou da tecnologia do vapor e de um Estado centralizado, capaz de se afirmar como o único provedor das regras do jogo económico117. Hoje, a União Europeia representa uma etapa da história destes espaços que elimina as especificidades económicas que a soberania política lhes proporcionou. Contudo, nos seus pressupostos agregadores, a UE replica um caminho percorrido pelos estados aderentes durante séculos, reveladores de que a dimensão política foi essencial para estruturar um mercado único dentro de fronteiras nacionais. A convergência dos preços é uma das formas de aferir o grau de integração económica. A mobilidade de bens e factores é para isso uma condição necessária. Além da eliminação das barreiras naturais graças a investimentos nas infra-estruturas viárias, essa mobilidade carece de regulamentação que, por um lado, anule as barreiras institucionais à mobilidade do trabalho e do capital, assegure o livre mercado da terra e, por outro, defina os direitos de propriedade, entenda-se, o direito de decisão sobre o uso de um bem ou serviço. Daqui se depreende que o mercado carece de regulamentação, mas a intervenção da esfera política e jurídica é ainda pertinente pelo facto de os preços internalizarem custos da punção fiscal. Significa, então, que a afirmação de um centro político como único agente regulamentador supõe meios de financiamento dessas funções públicas o que, por sua vez, interfere na dinâmica económica por via da fiscalidade. Finalmente, e pese embora se desenvolvam transacções entre mercados regulados por diferentes unidades monetárias, a moeda única é uma das instituições mais importantes para a integração económica, pois reduz custos (ou riscos) de variações cambiais. As considerações acima explanadas servem para um questionário que intenta sumariar os vários factores que, desde a fundação até à alvorada do período contemporâneo, condicionaram a construção da entidade económica de Portugal. 117

HESPANHA, 2004.

57

Procura-se avaliar em que medida se criou uma moldura institucional ideal para a formação de um mercado único, a qual passará por: a) existência de um sistema de medidas e padrões (entre os quais a moeda) extensível a todo um território; b) capacidade (e legitimidade) do Estado para colectar impostos gerais; c) uma malha administrativa especializada; d) legislação económica observada de forma homogénea em todo o território118. O plano institucional que temos vindo a sublinhar teve como cenário, no período medieval, a guerra da reconquista do território. Durante três séculos a fronteira avançou de norte para sul, definindo a autonomização do reino de Portugal relativamente aos outros reinos peninsulares de Galiza, Leão e Castela. Concomitante a este movimento de expansão, o povoamento do território conquistado articula-se com a intenção régia de assegurar a redistribuição de factores produtivos fundamentais (terra e trabalho). O aproveitamento dos espaços conquistados ordena as formas particulares de povoamento baseado na contratualização entre núcleos de povoadores e senhores da guerra a quem os monarcas transferiram a protecção dessas populações através de concessão de direitos jurisdicionais e da respectiva exacção fiscal. As chamadas cartas de foral constituem o fundamento jurídico da diversidade de sistemas de tributações e de direitos incompletos de propriedade que o processo de reconquista ao longo de três séculos forjou. Esta formação política, jurisdicional e fiscal, em “manta de retalhos” sofre os impactos aglutinadores da intervenção da coroa. A delimitação dos direitos de soberania dos monarcas portugueses careceu de uma clara definição da fronteira. No entanto, a fronteira política assume papel económico quando a ela se apõem barreiras fiscais à circulação de mercadorias com o estabelecimento dos portos secos (alfândegas) e alfândegas de mar. O exemplo da moeda é outro dos tópicos fundamentais. Teve efeitos universais no interior do território e contribuiu para diferenciar esta formação face a outras entidades político-económicas equivalentes. Sendo fixado como unidade de conta no século XV (1435), o real permaneceu o padrão monetário português por quase cinco séculos de história, não obstante a sua relação com o metal precioso ter variado. Constituiu um símbolo do regime monárquico e um precoce ensaio de diferenciação

118

MATA e VALÉRIO, 2003.

58

económica de Portugal numa Europa medieval dependente de padrão e espécies monetárias carolíngias (libra). A emissão de moeda cedo foi reconhecida pelos actores sociais como um dos mecanismos mais significativos da construção de uma entidade económica. Em períodos conturbados da economia, quase sempre pautados por conflitos armados, os monarcas recorreram à desvalorização da moeda e os povos, em cortes, devolveram a sua percepção dos efeitos deste expediente financeiro na carestia dos preços por todo o reino119. Nesses protestos radica a consciência coeva de que a actividade económica, em qualquer região do reino, obedecia a uma instituição monopolizada pela coroa, mas tal percepção demonstrava, afinal, níveis já consideráveis de mercantilização. Há, assim, para destacar, que o processo em causa foi indissociável da emergência do mercado como sistema dominante na alocação de factores e recursos120. Ocorreu por decisões de um centro (forças actuantes de cima para baixo) mas também implicou a reacção dos actores a essas decisões, quer as tomassem como vantajosas ou antagónicas aos seus interesses (forças actuantes no sentido de baixo para cima). Estas tensões apontam os trilhos do período moderno. A persistência de particularismos jurídicos e fiscais exibia algumas dificuldades do centro político em monopolizar o provimento das regras económicas, pese embora a precoce emissão de ordenações gerais do reino. É que a convergência oportuna dos interesses da coroa e dos poderes locais contribuiu para o desenho de caminhos menos lineares de transformação. Mas não há dúvida de que os séculos XVI e XVII comportam alguns sinais de mudança. Se não são todos ilustrativos de uma centralização política, são exemplificativos das intenções agregadoras da coroa extensíveis a todo o território. No início do século XVI, ocorreu a normalização da cobrança de tributos de âmbito local e reformas na administração da fazenda régia. Começando pela racionalização da malha administrativa, as inovações sugerem a percepção régia dos custos de informação e de agência inerentes a uma rede com escala supra-regional. O Regimento da Fazenda de 1516 compreendeu um enunciado minucioso das funções e atribuições do oficialato alocado às unidades fiscais (almoxarifados e contadorias), as quais permitiram o aperfeiçoamento dos registos sobre receitas e despesas com expressão nos primeiros orçamentos gerais121.

119

DUARTE, 2012. NORTH, 1977; POLANYI, 1968. 121 PEREIRA, 2003; GODINHO, 1978; HESPANHA, 1994. 120

59

A preocupação pelo incrementado controlo das agências fiscais, acompanhou-se de remodelações nos organismos centrais. Deu-se a integração da Casa dos Contos do Reino na Casa dos Contos de Lisboa, passo importante para uma centralização da informação e fiscalização de contas apresentadas pelos oficiais122. Foram criados três cargos designados vedores da fazenda, remodelação ao nível superior da hierarquia administrativa que se completou em 1591, com a instituição de um Conselho da Fazenda, onde tinham assento os três vedores com este pelouro123. Quanto aos impulsos normalizadores, a designada reforma dos forais, ou forais novos manuelinos, respeitou a diversidade fiscal originária, vinda do povoamento e colonização interna da reconquista. Contudo, conferiu-lhe uma padronização que fixou esses direitos, vedando aos donatários a hipótese de exigirem prestações adicionais de forma arbitrária. Mitigaria variações incrementais dos padrões usados, sobretudo no que respeita a medidas de capacidade, as mais sujeitas a alterações consuetudinárias, muitas vezes em benefício dos que detinham a posse destes direitos. Por isso, a reforma dos forais valeu pela vontade régia de a completar com um sistema métrico a ser observado em todo o território, para o que foram enviados os respectivos padrões para cada município124. Não foi pela uniformização fiscal, que não ocorreu, mas sim por se estabelecerem limites à discricionariedade dos donatários dos direitos fiscais que a reforma manuelina dos forais e dos pesos e medidas deve ser recordada. Indirectamente, poderia contribuir para a redução de custos de transacção, já que minimizaria os custos derivados da utilização de medidas com a mesma designação em vários pontos do reino mas não correspondentes a um padrão único. Contudo, as forças locais venceram. No período contemporâneo, uma normalização métrica, desta vez segundo o sistema decimal de âmbito internacional, destacaria a múltipla variação das velhas medidas de capacidade, por vezes entre paróquias geograficamente contíguas, denunciando a acção das forças locais na corrosão das intenções normalizadoras ditadas pelo centro125. Do ponto de vista da formação de uma economia nacional, as alterações da primeira metade do século XVI afectaram vagamente o quotidiano das transacções mercantis (uma vez que foi muito incompleta a padronização de pesos e medidas). Terão sido secundárias comparativamente a outras intervenções da coroa, mais 122

RAU, 1951. HESPANHA, 1994:236-238; SUBTIL, 1993: 171-172. 124 BRAGA, Isabel Drumond e outra bib do projecto Wages sobre metrologia 125 TRIGOZO, 1815.

123

60

intrusivas nos direitos de propriedade da população e, como tal, mais consistentes para a formação de um sentimento de pertença a um espaço económico comum. A imposição de tributos gerais constitui, talvez, o melhor filão de análise deste problema na perspectiva institucional. Como é reconhecido na historiografia sobre a evolução do estado fiscal, a guerra foi o factor determinante da constitucionalidade dos sistemas fiscais, porque a crescente exigência financeira dos conflitos implicou inovações que foram diferenciando os sistemas nacionais europeus126. Entre o retorno da guerra na Europa, em 1618, e 1668, enquadram-se diversas conjunturas de conflito relevantes para Portugal. Aquele espectro cronológico engloba décadas em que o reino esteve anexado à monarquia dos Habsburgo e a guerra da Restauração (1640-1668). As diversas frentes do império sob ameaça das potências holandesa e inglesa forçaram a administração de Filipe IV a exigir financiamentos extraordinários. Procedeu-se à captura de recursos até então geridos pelas administrações locais, que incluíam exacções sobre as transacções de carne e vinho (real da água) e estendeu-se a base social de incidência de novos tributos, onerando os ordenados do oficialato régio (meias anatas)127. Na óptica do centro de decisão em Madrid, justificar-se-ia a transferência destes excedentes do reino para os espaços do império, explorados maioritariamente por capitais portugueses, para assegurar a sua defesa. Mas, nem por isso, o conjunto dos tributados entendeu a punção fiscal madrilena como servindo interesses “nacionais”. Revoltas por todo o reino desde 1628 assinalaram o mal-estar dos povos128. A fiscalidade filipina, direccionada a proteger vantagens supostamente portuguesas, acabaria por inspirar um feixe de razões para o golpe separatista do 1º de Dezembro de 1640129. Com a guerra de independência lançaram-se novos impostos. E apesar de a carga fiscal ser então consideravelmente superior à que fora introduzida pela administração filipina, não há notícia de resistência explícita ou organizada ao pagamento de um novo imposto para financiar a guerra incidente no rendimento130. A inclusão deste imposto no sistema fiscal distingue Portugal desde o século XVII em dois níveis: pela base de incidência, pois em outros casos nacionais os impostos directos tocavam na propriedade ou na riqueza; pela legitimidade da coroa para se apropriar de uma fracção do 126

BONNEY, 1995 ; BONNEY, 1999; ORMROD et alli, 1999. HESPANHA, 1994. 128 OLIVEIRA, 2002. 129 COSTA & CUNHA, 2006. 130 COSTA et alli 2011: 206. 127

61

rendimento. Por um lado, significa que houve aceitação social a uma exacção universal, por outro, que a propriedade fundiária, em grande parte nas mãos da Igreja e da nobreza, constituía uma base de incidência onde a coroa dificilmente tocaria. No período moderno, os limites financeiros da fiscalidade residiam no plano político, mais do que no estrangulamento da economia real em virtude de eventuais punções excessivas. Por isso, a história da introdução de impostos gerais oferece exemplos dos diferentes mecanismos agregadores. Tanto suscitaram tensões, de baixo para cima, tão vulgares nas últimas décadas da união dinástica, como instilaram sentimentos protonacionalistas, bem evidentes na legitimação da décima. A décima, no entanto, não foi a primeira inovação que distinguiu a construção do espaço económico português. O primeiro imposto geral, designado sisa, sobre transacções, surgiu no contexto da guerra de 1383-1385, outra das fases da história dos reinos peninsulares que poderia ter tido desfecho na união dos reinos de Portugal e Castela131. É sintomático do grau relativamente elevado de mercantilização da economia portuguesa o facto de uma receita extraordinária da coroa onerar as transacções, quando, por essa época, os casos de novas imposições em situação de ameaça externa tiveram em geral a propriedade como base de incidência132. A sisa estendeu a todo o território uma exacção extraordinária executada e apropriada pelos poderes locais, concelhios. Uma vez finda a guerra com Castela, e assegurada a independência política de Portugal, o imposto manteve-se no sistema fiscal português até ao período liberal. Consagrou-se como a principal receita gerada no interior das fronteiras portuguesas, excluindo as alfândegas, ao ponto de, já em orçamentos do século XVI, se explicitar que os encaixes obtidos ao nível dos almoxarifados eram quase inteiramente dependentes das transacções. Mas, e contrariamente à décima, a sisa ilustra bem que a diluição de particularismos tributários, e dos respectivos efeitos no enviesamento da alocação de factores produtivos, não foi um processo unilinear. Porque havia custos nesse processo aglutinador da coroa, fossem eles derivados de uma malha administrativa especializada, fossem eles decorrentes de reacções regionalistas, as especificidades sobressaíram na história da sisa no sistema fiscal português. Na década de 1560 o imposto foi submetido ao regime de encabeçamento, dependendo da contratualização entre as administrações municipais e o centro político 131 132

GODINHO, 1978. BREWER, 1989.

62

os montantes a transferir para os almoxarifados. O risco da variação da base de incidência era assim alocado aos poderes locais, que podiam carecer de preencher os montantes através de derramas133. Mesmo que fosse um expediente para minimizar a volatilidade da receita colectada pelo centro, o sistema de execução restringia as consequências de um imposto geral na construção de um espaço económico único. De algum modo, e mediante variações da economia real, o encabeçamento exibia a maior ou menor capacidade dos poderes locais para negociar em seu favor o “cabeção”.134 Na devolução da execução de impostos gerais aos poderes locais perpassa a natureza “pactista” da constitucionalidade fiscal135 e com isso se respeitavam particularismos regionais que, pelos princípios norteadores da gestão concelhia, eram ciosamente conservados, mesmo atendendo a outros factores, não estritamente fiscais. Os objectivos de auto-suficiência em bens essenciais pautavam o cerne das decisões económicas das administrações municipais, consubstanciando uma das mais expressivas barreiras institucionais à livre circulação de mercadorias. A garantia de que a produção agrícola local deveria satisfazer a procura, dispositivo indispensável a assegurar “a paz social” por um controlo dos preços, tinha, como reverso, o impedimento de “exportações”. A carestia dos preços comportava sempre risco de agitação social, pelo que importava atender a todos os meios que prometessem abundância. No entanto, as flutuações da produção agrícola, por vezes em regiões geograficamente próximas, pressionariam a mobilidade dos bens, questionando os propósitos, por vezes conflituantes, entre administrações municipais, umas confrontadas com produção excedentária, outras com escassez. As forças do mercado que, inevitavelmente, colidiam com estas lógicas particularistas, levaram frequentemente as vereações a procurar uma relativa uniformização das taxas, de modo a evitar que a fiscalidade local favorecesse os fluxos em direcção a regiões menos agravadas136. Dito de outro modo, mesmo obedecendo a princípios contrários à livre circulação de bens, a fiscalidade municipal tendeu para uma relativa uniformidade. Diríamos, assim, que condicionantes estritamente económicas corroeram as barreiras institucionais. O mercado actuou na integração das regiões, assim como actuou no modo como o reino se inseriu em espaços mais amplos, internacionais. A dotação de factores produtivos ou a tecnologia disponível contam para o desenvolvimento de uma 133

OLIVEIRA, 1972, vol I: 298-320. SILVA, 2005. 135 YUN CASALILLA, 2004:302 136 MAGALHÃES, 1993. 134

63

especialização, a qual é também necessária à coerência económica de um espaço politicamente organizado pelas complementaridades que desencadeia. Neste nível de análise, merece ser notado que havia uma geografia económica que fragmentava o território português em grandes zonas de produção de bens essenciais. Os têxteis de linho e lã, a cultura de milho, disseminada em zonas de regadio, mas ausente dos espaços de cultura de sequeiro, desenharam manchas “especializadas” no território. Características hidrográficas ou climáticas determinaram as zonas melhor afeiçoadas à produção de matérias-primas, como lã ou linho, por exemplo. Desde o século XVI, em virtude da expansão dos mercados urbanos e supraregionais, unidades domésticas vocacionadas a produzir para auto consumo foram chamadas a participar em circuitos mais amplos, debuxando zonas específicas de indústria rural (da lã ou do linho) integradas num sistema de distribuição alargado137. Nos séculos XVII e XVIII, esta especialização, nomeadamente no caso das manufacturas de lã, foi alvo da atenção do centro político no sentido de se incrementar a produção nacional e substituírem-se importações. Tal política de fomento foi comum a outros casos nacionais. De resto, tratou-se de replicar em Portugal programas que pareciam dar fruto nas potências que mais exportavam bens transformados. Ora, desde o século XV, que a génese e consolidação do império colonial levara Portugal a afirmarse nos circuitos intra-europeus como intermediário no comércio de bens exóticos, não transformados. Do exterior, Portugal cedo teve uma identidade económica, apontado em documentação coeva como mercado de especiarias ou açúcar. Quando esta especialização resultou em balanças comerciais negativas, o centro político cuidou de desenvolver a indústria. Tais reacções mostram-nos hoje uma consciência política sobre as consequências de uma dada especialização nacional no sistema internacional de trocas, sobretudo porque ameaçava a solidez financeira do estado. Assim, a entidade económica de um espaço político careceu do confronto com outras realidades congéneres. E desse confronto adviria a inclusão de naturais e a exclusão de estrangeiros da exploração das vantagens oferecidas pelos mercados, sobretudo daqueles que emergiram da expansão colonial. A regulação da economia atribuía nacionalidades aos factores produtivos cuja mobilidade se procurava inibir. Veja-se que mesmo no período em que Portugal fez parte da monarquia hispânica, as alfândegas de terra (portos secos) só por breves anos foram eliminadas. Também as

137

PEDREIRA, 1994; JUSTINO, 1988-1989.

64

fronteiras jurídicas do tratado de Tordesilhas eram supostas vigorar, sendo os portugueses considerados estrangeiros e, como tal, arredados dos negócios da Carreira das Índias, a menos que obtivessem naturalização de um dos reinos incluídos no monopólio. Os exclusivos coloniais “nacionais” e as forças livres de mercado foram, contudo, mecanismos mutuamente reforçados, dando às fronteiras políticas conteúdo económico. Com efeito, se os direitos aduaneiros oferecem protecção a interesses percepcionados como “nacionais”, eles são barreiras a uma livre concorrência que questiona as vantagens relativas de certas especializações. O que a historiografia designa por medidas mercantilistas, que caracterizam a actuação dos estados no século XVII e XVIII, constitui um dos melhores indicadores da génese de entidades económicas nacionais.138 O processo em análise foi simultaneamente o resultado de dinâmicas de integração a nível interno e de protecção face à concorrência exercida por mercados supranacionais. No entanto, a convergência de preços conta com a tecnologia dos transportes e comunicações, pois esta condiciona a mobilidade de bens e factores. No período moderno, a tecnologia podia ou não jogar a favor das medidas proteccionistas da coroa. Portugal dispõe de uma extensa faixa litorânea, mas as características da costa não facilitam a profusão de portos. Com a tecnologia da vela, a navegação de cabotagem era acessível a norte do rio Mondego, mas, de Lisboa para sul, a costa ocidental revela-se inadequada a comunicações por via marítima. As comunicações terrestres, por sua vez, não permitiam significativas complementaridades entre as vias fluviais e estradas, pelo que o território a sul do Tejo e o todo o interior deparava-se com custos elevados de transporte que agravavam os preços dos bens que daqui seguiam para o litoral. Significa que, em muitos casos, bens importados da Europa, não obstante os direitos elevados nas alfândegas, teriam em Lisboa preços competitivos face a zonas produtoras do interior centro e sul. Por esta razão, o tratado que deu direitos preferenciais aos têxteis ingleses (tratado de Methuen) em 1703 ameaçou o sucesso do programa fomentista da produção de têxteis de lã do final do século XVII. As manufacturas de qualidade equivalente à inglesa chegavam ao mercado de Lisboa a

138

MATHIAS, 1987: 77-93.

65

preços não competitivos. O abastecimento das colónias com estes géneros transformados continuou, assim, a depender sobretudo da produção inglesa.139 A avaliação de tecnologia dos transportes na reacção do reino à concorrência externa inspirou o discurso dos intelectuais do final do século XVIII, quando acusaram os problemas da economia portuguesa como compreendendo más comunicações internas.140 A questão da qualidade das infra-estruturas para uma eficiente afectação de recursos e factores segundo as regras do mercado livre continuou a ser uma dos mais relevantes preocupações da política económica na era do estado liberal. Justificou um prolongado programa de obras públicas com consequências gravosas na gestão da divida pública. Pese embora a anulação de barreiras institucionais à circulação interna, a normalização de pesos e medidas, uniformização fiscal e investimentos avultados nos caminhos-de-ferro, Portugal do século XIX era um espaço longe de revelar a convergência de preços de muitos dos bens essenciais141. Se a construção de um mercado único nacional não estava concluída no final de Oitocentos, menos adequado será admitir que Portugal era uma entidade económica no período moderno. Mas porque a dinâmica dessa construção é de longa duração, os séculos XVI a XVIII foram determinantes na gestação de um mercado único em territórios com fronteiras políticas estáveis, como foi o caso de Portugal.

139

COSTA, Leonor Freire et al, 2011; MACEDO, Jorge Borges, 1983 MACEDO, Jorge Borges, 1983. 141 JUSTINO, David, 1988-1989. 140

66

CAPÍTULO 9 O ESPAÇO SOCIAL 9.1. NOBREZA, MUNDO ECLESIÁSTICO E ORDENS MILITARES (SÉCULOS XII-XV) Paula Pinto Costa José Augusto de Sottomayor-Pizarro

Pouco tempo depois da vitória obtida em São Mamede, em 1128, D. Afonso Henriques abandonou Guimarães e elegeu Coimbra como principal centro político do reino. Decisão tomada em 1131 e que na aparência nada tem de especial, tendo em conta que os seus pais várias vezes ali residiram, para além de que a grande proximidade de Coimbra da linha de fronteira, em termos logísticos, permitia desde ali organizar muito melhor as campanhas contra os muçulmanos do que partindo da velha sede condal. Parece que José Mattoso foi o primeiro autor a valorizar com toda a perspicácia esta decisão do Infante, bem como a sublinhar as suas verdadeiras consequências. Na verdade, essa partida para Coimbra significou sobretudo um gesto de afastamento e, simultaneamente, de independência por parte de D. Afonso Henriques em relação à nobreza que o tinha apoiado: “Com efeito, ao abandonar o Entre Douro e Minho, o infante distancia-se da nobreza senhorial do Norte, a quem devia, afinal, o poder, mas de que não podia tornar-se independente sob pena de perder a sua autoridade. Ao afastar-se da região onde ela dominava, a tal ponto que, ali, não era mais do que um primusinter pares, preservava, de alguma maneira, a sua liberdade de acção. Evitava, ao mesmo tempo, a confrontação com os ricos-homens e infanções que ali tinham a base da sua força económica e social, e que formavam um conjunto unido por fortes laços de solidariedade e de parentesco”142.

Desde então, D. Afonso Henriques rodeou-se de um grupo de homens de armas, os seus verdadeiros companheiros das campanhas militares, constituído por membros da nobreza inferior ou mesmo por cavaleiros das milícias urbanas, grupo que José Mattoso designou com felicidade «os cavaleiros de Coimbra» ou, verdadeiramente, “os cavaleiros do Rei”143. Uma vez que as razões que explicam a saída de Guimarães parecem perfeitamente claras e consensuais, trata-se agora de tentar compreender a atitude da 142 143

MATTOSO, 1993: 64 e MATTOSO, 2006: 75-76. MATTOSO, 2001, vol. 5: 129-136.

67

nobreza. Com efeito, se a elite guerreira que passou a rodear o monarca integrava maioritariamente indivíduos com origens urbanas ou concelhias, situadas para sul do Douro e do Vouga, é legítimo admitir que a nobreza nortenha abdicou dos previsíveis benefícios da guerra de fronteira porque apontaria os seus interesses para um alvo diferente, o qual, de acordo com Sottomayor-Pizarro, poderia ser a Galiza144. O Infante entendia que o seu futuro se jogaria na fronteira meridional enquanto os jogos de interesses nobiliárquicos giravam em torno do domínio do território da velha Gallaecia. O resultado, porém, é que as poderosas linhagens nortenhas, por alguma razão feridas no seu orgulho, ambição ou prosápia, assistiram ao afastamento do rei para Coimbra e, sublinhe-se, abdicaram dos proventos da guerra e dos benefícios do alargamento do território pela Reconquista. Afastamento sem hostilidade por parte daquele diga-se também em abono da verdade, uma vez que continuou a nomear os seus membros para os principais cargos curiais e para o governo das tenências, ou a fazer generosas doações a favor dos mosteiros que aquelas linhagens protegiam. Mas a verdade é que a nobreza nortenha não participou na guerra, ou pelo menos não o fez nos moldes heróicos que tradicionalmente lhe foram atribuídos, “como tentavam fazer crer muitos nobres já no fim do século XIII, e acreditou também a historiografia recente”145. José Mattoso é perfeitamente certeiro quando afirma que a ida do Infante para Coimbra, em 1131, “(…) constitui um facto da maior importância histórica, pelo seu significado próprio e pelas consequências que teve na vida nacional”, ou que ela foi “a mais transcendente de todas as suas decisões para a sobrevivência de Portugal como nação independente”146; também resultou assim, sublinhe-se, porque a nobreza optou por manter-se no território que dominava sem contestação, mas condenando por completo o seu futuro. Com efeito, o património da nobreza, por alturas de São Mamede, distribuía-se pelo território adquirido pelas presúrias dos meados do século IX, depois sujeito às perdas territoriais dos finais do século X, perdas que as várias campanhas do século XI recuperaram; ao longo desta última centúria assistiu-se a um processo de marcada senhorialização, em larga medida levado a cabo pelas linhagens de infanções que passaram a dominar as terras situadas a sul do rio Minho até à bacia do rio Vouga. Um espaço bastante exíguo para tantos senhores, tendo em conta o número avultado de

144

SOTTOMAYOR-PIZARRO, 2009: 147. MATTOSO, 2000, vol. I: 301. 146 MATTOSO, 2006: 75 e MATTOSO,1993: 64, respectivamente. 145

68

linhagens e de instituições monásticas ali existentes, para além das dioceses de Braga e do Porto, e ainda a diocese de Tui, a qual, até aos finais do século XIV, teve a sua metade meridional situada a sul do rio Minho. Na verdade, a perda dos territórios a sul do Douro no final do século X impedira uma distribuição mais homogénea e diluída do regime senhorial, concentrando-o de tal forma que D. Afonso Henriques teria tido a maior dificuldade em organizar socialmente esse espaço, de acordo com os interesses régios. Daí que, desde o início, os monarcas aceitassem, de forma tácita, a organização daquele espaço como a área da implantação da Nobreza por excelência, o “Norte Senhorial”, na feliz expressão mattosiana, impondo para sul uma rede concelhia mais densa, de acordo com fórmulas cada vez mais consentâneas com os interesses da Coroa. A ausência voluntária da nobreza facilitou por isso enormemente a vida a D. Afonso Henriques e aos seus sucessores, que nunca tiveram uma verdadeira concorrência nos territórios mais meridionais. Quando acima se referiua tentativa de um maior controlo régio por parte do jovem monarca, entenda-se que não foi um processo iniciado desde o início da década de 1130, quando se deu a ida para Coimbra, mas poderá tê-lo sido depois, a partir de 1140-1150, quando o monarca diminui as doações aos mosteiros nortenhos e a alguns nobres, para privilegiar os concelhos e os mosteiros de padroado régio, como José Mattoso já sublinhou147. Depois, e uma vez que aquelas linhagens não estiveram ao seu lado nas grandes conquistas a caminho do vale do Tejo, não tinha sequer a obrigação moral de lhes fazer doações territoriais nesses espaços, aonde, pelo contrário, podia exercer sem contestações verdadeiros poderes estatais.A partir do território do vale do Tejo, a situação alterou-se e garantiu o protagonismo das Ordens Militares. Em suma, desde o início do reinado que D. Afonso Henriques controlou a guerra e a organização do território, prática que os seus sucessores de uma maneira geral continuaram. Com efeito, entre o vale do Vouga e o rio Tejo e a par das terras concelhias, quase todas da Coroa, a presença senhorial é quase exclusivamente eclesiástica, através do património das dioceses e de alguns poucos mosteiros, bem como do património da Ordem do Templo. Por outro lado, a sul do rio Tejo, os únicos senhorios que iremos encontrar serão os domínios das Ordens Militares, que efectivamente contribuíram, sobretudo desde D. Sancho I, para o alargamento do

147

MATTOSO, 2006: 52-53.

69

território, sendo mesmo as instituições que mais protagonizaram a reconquista no século XIII, até à sua conclusão, em 1249-1250.A ligação das Ordens Militares à monarquia foi consolidada pelas alterações decorrentes da crise política de meados do séc. XIII. Assim, é perfeitamente natural que os reis portugueses, tendo a Reconquista sido conduzida pela Coroa com o apoio das Ordens Militares, sem a participação da nobreza e sim com as milícias concelhias, sobretudo quando se avança para sul do Tejo, não tenham tido necessitado de recorrer a um sistema como o dos «repartimientos» amplamente utilizados pelos soberanos das Coroas de Castela e de Aragão –, impedindo ali a implantação do regime senhorial laico. Com efeito, os únicos senhorios que se detectam no Alentejo e Algarve são os das Ordens Militares, ou então os episcopais e os monásticos, embora também em número reduzido. Cremos que é bem ilustrativo desta atitude régia o exemplo dado por D. Dinis em relação com os senhorios que o seu irmão, o Infante D. Afonso, tinha recebido do pai, e que formavam um domínio impressionante em área e pela estratégica colocação a sul do Tejo, junto à fronteira da “Extremadura” castelhana. D. Dinis não descansou enquanto não recuperou para a Coroa esses senhorios, trocando-os por outros, até com maior rendimento, mas a norte do rio Tejo. De facto, “Afonso III fez muito poucas doações, excepto aos vassalos mais íntimos. (…) A captação de nobres fez-se, portanto, atraindo-os à corte, e não à custa dos reguengos. Afonso III raramente alienou o domínio régio”148. Por outro lado, a partir do reinado do seu filho, foi iniciado um processo que conduziu ao controlo das Ordens Militares por parte da Coroa, como explicam diversos estudos149. D. Dinis encetou uma gradual nacionalização das Ordens Militares, procurando um tratamento mais ou menos comum para a diversidade destas instituições, em que o afastamento das suas congéneres implantadas no espaço peninsular ou até mesmo em cenários mais alargados (no caso do Templo e do Hospital), com uma aguda intervenção nas jurisdições de âmbito compartido com Castela, se afigurou como uma estratégia muito eficaz. De facto, a partir do reinado de D. Dinis, as Ordens Militares perdem autonomia e passam a estar vinculadas aos desígnios da monarquia, sendo que o seu controlo era entendido como uma integração na alçada régia e como um factor de consolidação do próprio poder monárquico. Atendendo a estas circunstâncias, é

148

MATTOSO, 2000, vol. I: 533, nota 6. FONSECA, 2001: 334-345; SOTTOMAYOR-PIZARRO, 2005: 139-160; COSTA; PIMENTA; SILVA, 2006: 589-595. 149

70

importante distinguir entre o plano senhorial, em que um controlo apertado da vertente jurisdicional confiada aos freires permite falar quase em antagonismo entre a monarquia e as ordens, e o plano político, em que a acentuada fidelidade das figuras mais elevadas dentro da hierarquia das mesmas nos remete para um compromisso estreito entre as duas esferas. Estas alterações são de tal modo significativas, que justificam a inclusão do reinado de D. Dinis num novo ciclo, o qual, no plano concreto das Ordens Militares, conhecerá uma nova etapa com D. João I, que confia aos Infantes a administração destas instituições, criando condições para o seu aberto controlo e para o seu uso por parte da nobreza, reforçando a sua progressiva aristocratização, como demonstram os casos das ordens de Avis e de Santiago recentemente estudados150. Fernão Lopes atribuiu mesmo ao monarca, sob a forma de discurso directo, a equiparação das Ordens Militares a uma espécie de “culunas que sosteem a omrra de meu Regno”151. A todo este quadro, por fim, deve acrescentar-se o facto de a nobreza portuguesa, como tem vindo a afirmar Sottomayor-Pizarro152, mesmo quando seguiu uma série de pautas de comportamento e de características que são típicos do sistema linhagístico – como o uso dos apelidos, da heráldica ou mesmo do conceito de chefia da linhagem –, não ter adoptado a fórmula da primogenitura masculina a exemplo da família real. Ora a adopção desse modelo sucessório – que estava de resto implícito nesse sistema linhagístico – ter-lhe-ia sido de uma enorme vantagem pela concentração do património, ou pelo menos da sua maioria, nas mãos de um único herdeiro, com a inerente exclusão dos filhos segundos e das filhas. Mantendo, pelo contrário, e até meados do século XIV, ou mesmo mais tarde, o sistema da partilha hereditária – só efectivamente contrariado com a adopção dos morgadios –, não será difícil de perceber como o programa de centralização do poder levado a cabo pelos reis portugueses, e encetado praticamente desde o início da monarquia, não encontrou obstáculos que verdadeiramente o impedissem. Não admira, finalmente, que a nobreza portuguesa nunca tenha conseguido constituir qualquer grande casa senhorial, pelo menos até ao advento da dinastia de Avis, capaz de enfrentar a sufocante política régia de controlo senhorial. Os indícios dessa debilidade podem ser vários, e dois deles parecem elucidativos daquilo que se procurou demonstrar: em primeiro lugar, a exiguidade de vestígios significativos das

150

OLIVEIRA, 2009. LOPES, 1983, vol. II, cap. CLXXXII: 402. 152 SOTTOMAYOR-PIZARRO, 1999a, vol. II: 565-592. 151

71

residências senhoriais ou de castelos, o que prova as limitações materiais do grupo nobiliárquico; em segundo lugar, e depois de Portugal ter atraído nobres galegos ou leoneses até ao final do século XII, a tendência inverte-se, e a saída de nobres portugueses para Leão e Castela não deixará de aumentar até ao final da Idade Média. Finalmente, a ausência de um poder nobiliárquico com dimensão “nacional”, tendo em conta a sua quase exclusiva implantação no Entre-Douro-e-Minho, a sua reduzida capacidade económica e, logo, militar, permitiu que se pudessem conjugar outros factores igualmente favorecedores da precoce afirmação de um poder régio francamente superior ao dos outros protagonistas políticos. Em breves linhas, e sobretudo tendo em conta o panorama vivido no reino vizinho, bastaria recordar um facto, em si mesmo aleatório, tanto quanto o são os acidentes biológicos, que tanto afectaram as sucessões castelhanas ao longo dos séculos XIII e XIV, com sucessivas menoridades régias face a uma nobreza poderosíssima, incluindo numerosos Infantes, enquanto em Portugal temos apenas três monarcas entre 1248 e 1357, com uma família real sempre bastante exígua, para compreender as vantagens usufruídas pelos monarcas portugueses. Por outro lado, em Portugal não existiu nunca uma rede urbana expressiva e uma burguesia poderosa, capaz de fazer frente aos monarcas, à nobreza ou aos senhores episcopais, como as ligas urbanas castelhanas tantas vezes o fizeram a partir do século XII; em Portugal, aliás, as cidades mais ricas eram régias. De resto, os monarcas portugueses desde muito cedo controlaram a maior parte da rede urbana e concelhia, concedendo a esmagadora maioria das cartas de foral, tendência reforçada a partir do final do século XIII pela nomeação de “juízes d’el Rey” ou juízes de fora e, a partir da centúria seguinte, pela actuação dos corregedores régios, como apontam os estudos de Maria Helena da Cruz Coelho153. Tudo conjugado, e mesmo quando existiram duas supostas guerras civis – com particular relevância para a de 1245-1248 – e conflitos entre alguns monarcas e as autoridades episcopais, no final do século XIII o poder régio foi suficiente para conseguir uma Concordata com a Sede Apostólica, e mesmo para interferir nos processos de eleição episcopal ou para começar a orientar os destinos das poderosas Ordens Militares. Este último aspecto, de resto, ficou bem demonstrado no processo de extinção da Ordem do Tempo e o consequente impedimento de transição de bens para

153

COELHO, 1996: 554-584.

72

os Hospitalários e dotação da Ordem de Cristo, fundada precisamente neste contexto. Ordens Militares, por outro lado, que se foram finalmente transformando em instituições apetecidas pelos membros da nobreza, especialmente quando muitos deles foram excluídos das heranças familiares pelas rigorosas normas dos morgadios. A concentração de bens numa única linha de sucessão, porém, já chegava tarde, ou melhor acontecia quando os reis já não eram simples pluribus inter pares. Em boa verdade, as Ordens Militares eram atractivas para algumas franjas da aristocracia portuguesa, tanto pelo seu prestígio e carisma como pela viabilização e dilatação das estratégias de poder de algumas linhagens do ponto de vista económico e social, através da gestão das diversas comendas. Mas, para além do enquadramento oferecido pelas Ordens Militares, há outras formas de presença da nobreza em religião. Os meios monásticos, o exercício do direito de padroado e a instituição de capelas constituem alguns bons exemplos. De facto, vários autores154 têm vindo a reconhecer a importância das casas femininas de Arouca e de Lorvão, no quadro de prestígio de Cister, no que diz respeito à família real e à grande nobreza peninsular, na medida em que correspondem a estratégias familiares bem definidas, potenciadas pela utilização das Ordens Militares enquanto repositórios dos parentes masculinos, podendo falar-se em alguns casos de ordens de família155. Tanto os ambientes monásticos como as ordens militares representam uma dilatação da influência de algumas famílias, pela proximidade que asseguram com alguns elementos da família real e com outras casas aristocráticas e, no caso das ordens, pelas potencialidades decorrentes da gestão da rede patrimonial. De facto, estão documentados diversos casos de gestão de comendas nas proximidades do património da família de origem do comendador respectivo156. Se, como explicámos, a alteração do regime de transição de bens por via da institucionalização do morgadio teve bastante significado ao nível da capacidade de captação da nobreza para instituições deste perfil, também não foi menos importante o papel catalisador desempenhado pela própria Coroa, sobretudo a partir da nomeação dos filhos de D. João I como administradores das Ordens, chamando às suas fileiras as elites de que se rodeavam. O resultado de todo este processo parece perfeitamente claro quando se percebem as pautas de relacionamento entre a Coroa e a Nobreza, ao longo do final do 154

COELHO; MARTINS, 1993: 481-506; RÊPAS, 2000, vol. I: 39-41; ROSA, 2000: 454-455; MATTOSO, 2002: 189-190. 155 SOUSA, 2000, pp. 149-172, utilizando esta expressão para a Ordem do Hospital. 156 COSTA, 2005: 605-621.

73

século XIV e no século XV, com esta quase inteiramente dependente do favor daquela. Mas, ao contrário do que a historiografia portuguesa teimou em ignorar, faça-se essa análise comparando com o que era vivido dentro da Coroa de Castela; talvez então, e olhando para os reinados de João II e de Henrique IV de Castela, a já desgastada e “excessiva” generosidade do nosso D. Afonso V para com a Nobreza seja bem menos expressiva. Na verdade, a parcimoniosa criação de títulos condais, o uso exclusivo dos títulos ducais para os membros da Família Real – prática que apenas se abandonou após 1834 – e a restrição das doações de juro e herdade graças à Lei Mental, conjugada com a disponibilidade dos bens territoriais das Ordens Militares, permitiu que os reis da Dinastia de Avis assegurassem o seu predomínio, também enquanto produtores de classificação social, de forma incontestada.

9.2. NOBREZA, ELITES ECLESIÁSTICAS E GOVERNO LOCAL (SÉCULOS XVI-XVII)

Mafalda Soares da Cunha Antonio Terrasa Lozano

Durante a época moderna a coroa dará continuidade e consolidará a tendência para se impor como principal fonte de autoridade na organização do espaço social. Para o efeito a Coroa tentará estender o seu poder através de agentes directos e, onde estes não conseguem chegar, assimilando e transformando os poderes preexistentes. O que implicará controlar, negociar, enquadrar membros de diferentes grupos preeminentes (nobreza, alto clero, elites locais), assim interferindo na definição das respectivas identidades. De seguida apresentam-se as linhas mestras desta tendência de intervenção régia bem como os efeitos que teve sobre os três grupos antes mencionados. O espaço para o fazer é limitado e a amplitude do tema grande, pelo que a síntese que se apresentará destaca as principais dinâmicas desse processo e confere menos relevo aos conflitos que gerou. Nesta análise, ainda que não se diferenciem explicitamente na narrativa, estará implícita a acção da Coroa numa dupla vertente. Por um lado, a de uma monarquia que sancionava e promovia as hierarquias dentro dos grupos mediante um enquadramento jurídico que para além do mérito (nobreza moral) exigia condições de nobreza legal e civil para o acesso aos cargos o que impulsionou quer uma progressiva aristocratização dos principais postos governativos, tanto à escala central como local, quer a crescente elitização das principais dignidades eclesiásticas. E, por outro, e 74

relacionado estreitamente com este último aspecto, o exercício da economia da graça (ou da mercê)157, ou seja o modo pelo qual a mercê régia se convertia em recompensa pelos serviços prestados e também em instrumento de controlo social. A partir do século XV, em Portugal, a Coroa aumentou os níveis de controlo sobre o grupo nobiliárquico através da maior capacidade de intervenção sobre as formas de transmissão de bens, nomeadamente dos bens da coroa, e sobre o seu sistema de classificação oficial com evidentes repercussões sobre as suas formas de diferenciação interna. Entretanto os crescentes proventos e os novos recursos distributivos gerados pela expansão atlântica e oriental reforçaram a centralidade da Coroa nesse processo de conformação do grupo, na qualidade de principal entidade concessora de mercês e recrutadora de serviços militares, administrativos e políticos. Se a Lei Mental de 1434, a titulação, os foros de moradores da casa real, o sistema de tratamentos ou o início do processo de curialização158 foram dispositivos institucionais largamente promovidos por Afonso V, a verdade é que tiveram seguimento nos reinados subsequentes. Com D. Manuel, por exemplo, a delimitação das fronteiras do grupo reforçou-se através da elaboração de listas dos grupos familiares fidalgos reconhecidos, assim demarcado aqueles que podiam legitimamente invocar a condição fidalga e fazê-la visível. Marcos deste processo são a selecção de 72 grupos familiares representados nos brasões pintados no tecto do Paço Real de Sintra159, mas também a criação da figura dos Reis de Armas e dos seus correspondentes registos como o Livro Antigo dos Reis d’Armas de António Godinho, escrivão da Câmara Real ou o Livro do Armeiro-Mor de 1509 e o Livro da Torre do Tombo da autoria respectivamente de João Rodrigues e do bacharel António Rodrigues, ambos Reis de Armas de Portugal160. Os últimos reis da Casa de Avis reforçaram este quadro de classificações, alcançando um ponto culminante com a decisão de D. Sebastião de 1572 de desdobrar as categorias iniciais dos foros dos moradores da Casa Real. Essa medida resultou na criação de facto de duas ordens de nobreza, criando uma dupla hierarquia no acrescentamento dos moradores, diferenciando a nobreza de sangue da adquirida. A concessão de títulos nobiliárquicos – barão, visconde, conde, marquês e duque – constituiu, no entanto e sem margens para dúvidas, o instrumento mais decisivo de ordenamento dos escalões superiores deste grupo pela Coroa, já que resultaram sempre 157

CLAVERO, 1991; HESPANHA, 1993; OLIVAL, 2001. GOMES, 1995. 159 FREIRE, 1973. 160 FRANCO, 1989. 158

75

de mercê régia e nunca de venda. O que não inibia, contudo, que os senhorios e as jurisdições fossem transaccionadas entre particulares. Não seria o mais frequente, porém, além de que careciam de confirmação pela Coroa. Em todo o caso a titulação em Portugal demarcou um espaço social bem mais exclusivo do que na monarquia vizinha, sendo proverbial a sobriedade com que os títulos foram concedidos pelos monarcas lusitanos, a não ser durante o período da governação filipina. O equivalente dos titulares portugueses em Espanha deve ser buscado na restrita categoria dos ‘Grandes de Espanha’, supostamente criada durante o reinado de Carlos V. Mas mesmo essa distinção foi sendo concedida de modo mais liberal pela monarquia pelo que as 25 Grandezas iniciais cresceram para 113, em 1707. De acordo com Soria Mesa, terá havido até casos de venda a bom preço no reinado de Carlos II. Ainda segundo este autor, esta liberalidade e consequente desvalorização de estatuto, provocou nos próprios a necessidade de (re)criar uma hierarquização interna em torno de argumentos como a origem e a antiguidade, devendo-se igualmente destacar o papel que detiveram na construção social das representações da Grandeza vulgarizadas no senso comum. Em qualquer caso, no século XVII os beneficiários das Grandezas partilhavam em geral uma origem social muito selecta. Já os títulos sem Grandeza foram concedidos na Monarquia Católica às dezenas, quanto não mesmo às centenas. Outorgados de forma socialmente mais aberta e plural, puderam incorporar membros dos escalões superiores do patriciado urbano, mercadores e outros. A monarquia chegou a vendê-los, de forma mais ou menos encoberta, coincidindo o incremento na sua mercantilização com os momentos de maior aperto financeiro. Admitia-se também a sua venda entre particulares, embora como em Portugal, se exigisse a ratificação da coroa. E tal como se verificou para as Grandezas, o período de maior concessão destes títulos correspondeu ao dos dois últimos Austrias161. Importa ainda dizer que a Grandeza foi um elemento de distinção que transcendeu os naturais da coroa de Castela e que contribuiu para integrar as nobrezas dos diversos reinos da Monarquia Católica. Com efeito, Grandes seriam também alguns nobres portugueses e galegos, o que terá facilitado a sua integração nas dinâmicas de poder da Monarquia Católica através do sistema de governo polissinodal e da pertença aos diversos grupos que sustentaram e tornaram possível o exercício do poder através do valimento. Deste ponto de vista e como se tem insistido nos estudos do grupo de

161

SORIA MESA, 2007: 49-55.

76

historiadores coordenado por José Martínez Millán, importa sublinhar a importância política e a função integradora dos cargos de âmbito doméstico que muitos destes Grandes tiveram na corte e nas casas reais dos monarcas. A participação dos naturais da Galiza e de Portugal nunca foi, no entanto, considerada suficientemente ampla pelos próprios, sendo frequentes as suas queixas sobre a matéria. A integração no espaço político da Monarquia Católica foi também reforçada pela transnacionalização das linhagens nobiliárquicas que, mediante a autorização régia para alianças matrimoniais em outros territórios da “monarquia compósita” dos Habsburgo espanhóis, acabaram por acumular patrimónios e, portanto, interesses e influência local, em vários reinos162. Importa por fim assinalar que a nobreza da coroa de Castela ficou sem participação nas cortes de Castela e Leão a partir de 1538-1539, ao contrário da nobreza de Portugal que teve sempre assento nas cortes desse reino e se fazia representar por membros do escalão superior do grupo. O significado deste fenómeno não pode, no entanto, ser lido como uma diferença no nível da participação dessas nobrezas nos assuntos da governação já que a sua massiva presença nos órgãos de decisão em ambas as coroas lhes assegurou uma fundamental capacidade de intervenção nos processos decisórios. Como Fernanda Olival demonstrou, a concessão de mercês pela Coroa, e em particular a concessão de distinções nas Ordens Militares, desempenhou um importantíssimo papel quer no disciplinamento do grupo, quer na conformação da identidade nobiliárquica163. Depois da incorporação das três ordens militares de Avis, Cristo e Santiago na Coroa de Portugal (1551), a concessão de hábitos foi fundamental para regular a outorga do status de cavaleiro na base da pirâmide nobiliárquica, enquanto a distribuição de comendas (mais de seiscentas, no total) foi uma componente essencial na demarcação do topo. Mas o acontecimento decisivo na delimitação das fronteiras do grupo teve lugar com o estabelecimento dos requisitos de serviços e dos estatutos de limpeza de mãos e de sangue em 1570, com a inerente interdependência entre sangue limpo de mecânica e de raças infectas e a qualidade de nobreza. Este dispositivo havia sido implantado com alguma anterioridade em Castela, onde, como Elena Postigo Castellanos explicou, os mestrados das ordens militares foram incorporados na Coroa em 1493, através do Conselho de Ordens164. Salvaguardando diferenças na cronologia e no nível de exigência entre os diferentes órgãos a quem esta

162

REDONDO ÁLAMO & YUN CASALILLA, 2009. OLIVAL, 2001. 164 POSTIGO CASTELLANOS, 1987. 163

77

verificação foi cometida em Portugal e em Castela, pode afirmar-se que estes dispositivos configuraram de forma bastante semelhante a representação do grupo nobiliárquico nos dois lados da fronteira ibérica. Será todavia de ressaltar que no caso castelhano as exigências de limpeza de mecânica foram introduzidas mais tardiamente do que as de sangue, o que porventura poderá ter potenciado uma representação do grupo mais assente na pureza étnico-religiosa do que na linhagem fidalga. Já em Portugal, a coincidência da introdução dos dois dispositivos de exclusão reforçou a visibilidade social dos estilos de vida nobiliárquicos. Embora a generalização destas práticas seja já do século XVII, contribuiu, sem dúvida, tanto para delimitar o acesso aos escalões inferiores do grupo nas coroas de Castela e de Portugal, quanto para a vulgarização de uma identidade nobiliárquica em que pontuavam requisitos similares de sangue cristão-velho e fidalgo. Não obstante, importa sublinhá-lo, a entrada no grupo nobiliárquico nas coroas portuguesa e castelhano-aragonesa nunca esteve fechada. Com o andar dos tempos, a crescente complexificação social, a pressão para recompensar serviços militares e a possível mercantilização das honras e das distinções nobiliárquicas possibilitou até a maior abertura da base do grupo. Se os referentes estatutários se mantiveram nos planos institucional e das representações sociais, a verdade é que se desenvolveram mecanismos eficazes, como a genealogia, para reelaborar, e assim superar, os passados familiares atingidos por estas manchas sociais e étnico-religiosas. Ora como Antonio Domínguez Ortiz apontou e Enrique Soria Mesa e Fernanda Olival desenvolveram mais recentemente, esta ficção consentida alargou as bases sociais sobre as quais repousava o sistema sem alterar o quadro de valores estabelecido e contribui para explicar a estabilidade das próprias monarquias165. *** Mas a monarquia também procurou controlar e enquadrar as elites eclesiásticas. O direito de padroado teve um papel fundamental nesse processo tanto em Portugal quanto em Espanha e foram obtidos em datas muito próximas166. Os reis de Portugal obtiveram de iure o direito de apresentação das dioceses das conquistas em 1514-1515 e de facto, no Reino, a partir do reinado de D. Manuel (concessão que não seria legal e oficialmente sancionada até 1740). Em Castela o processo iniciou-se em 1486 pela concessão papal de apresentação de dignitários para as dioceses de Granada, Canárias e Índias Ocidentais, e em 1523 para as de Castela, que assim se acrescentava à sua 165 166

SORIA MESA, 2007; OLIVAL, 2001. PAIVA, 2006.

78

equivalente de Navarra. A selecção dos bispos, ainda que em última instância se devesse à escolha do rei, seguia um processo complexo que implicava várias instâncias informais de poder e foi regulamentado e formalizado durante o período filipino. O controlo directo por parte do monarca da escolha episcopal teve três consequências fundamentais. A primeira foi a progressiva aristocratização do topo da hierarquia eclesiástica até à década de 1720. A segunda foi a de converter os bispos em criaturas do rei, já que não só lhe deviam a nomeação como de quem dependiam para serem promovidos em dioceses mais importantes. Este facto transformava-os em verdadeiros agentes da monarquia e essa dependência agudizou-se a partir do reinado de Felipe III em Portugal quando se generalizou a sua entrada em vice-reinados, governos, e nos conselhos como é o caso do Desembargo do Paço. A terceira é a consciência de que a obtenção de uma mitra era produto de uma graça ou uma remuneração pela fidelidade e pelos serviços prestados ao monarca. Ilustra este facto a existência de uma Secretaría do Real Patronato na Câmara de Castela, organismo encarregado de estudar e canalizar as graças régias, que será regulada por uma instrução de Felipe II em 1588167. Em qualquer caso, parece que o recrutamento dos bispos em Castela se fez sobretudo entre a nobreza média, não revelando a mesma coincidência social com a elite nobiliárquica que Nuno G. Monteiro apontou para Portugal a partir do século XVII168. Relativamente às cinco dioceses da Galiza, segundo Domingo González Lopo só a de Santiago de Compostela oferecia níveis de rendimentos que a tornavam apetecida às elites eclesiásticas da coroa castelhano-aragonesa, sendo as restantes bastante pobres e destinada a tirocínio dos estreantes no episcopado. A maior parte dos titulares dessas mitras galegas no tempo de Filipe II vieram de fora, sobretudo de Castela-a-Velha, e eram de origens sociais pouco lustrosas, embora tal situação se tenha invertido no século seguinte. Não corresponderá, contudo, a nenhuma decisão do monarca de evitar coincidência com a naturalidade de origem, mas antes do facto de a Galiza não ter universidade, o que se repercutia na falta de eclesiásticos com formação adequada a tais cargos. Esta mesma explicação justificará ainda que no tempo de Filipe II, houvesse apenas seis prelados galegos apontados para mitras em diferentes pontos de Castela, um na Sicília e um outro nas Índias169. ***

167

GARCÍA ORO & PORTELA SILVA, 2000. MONTEIRO, 1998. 169 GONZÁLEZ LOPO, 1998. 168

79

Como os estudos de Romero Magalhães e de A. M. Hespanha assinalaram para Portugal, “a rede burocrática pouco densa (pouco coesa e mal articulada) e distâncias enormes (em tempo de percurso)”170 condicionavam bastante a aplicação da autoridade régia, conferindo margem para níveis elevados de auto-governo municipal. Ainda assim, a legislação promulgada pelo rei e a difusão, mesmo que escassa, dos juízes de fora tiveram algum papel na extensão do controlo da Coroa ao espaço local. Para usar as palavras de Nuno G. Monteiro, no caso português a política de reformas levada a efeito por D. Manuel terá sido “determinante na municipalização do espaço político do reino” e assim diminuir os contrastes entre um pais dominantemente senhorial, a norte, e um país concelhio nas zonas mais meridionais171. Repercutiu-se, por isso, na uniformização do espaço concelhio através da fixação legal das modalidades de provimento dos oficiais locais que tinha, todavia, raízes medievais. Desde 1391 os oficiais da governança das terras em Portugal eram escolhidos a partir de uma lista de elegíveis – os homens bons -, de acordo com a Ordenação dos Pelouros, que seria incorporada nas Ordenações Afonsinas e no Regimento dos oficiais das cidades, vilas e lugares destes reinos (1504). O essencial desta legislação foi incorporado nas Ordenações Manuelinas e nas Filipinas, apesar de nelas se detectar que os requisitos sociais para a entrada nos cargos concelhios se tornaram mais exigentes e que foram definidos mais privilégios fiscais e judiciais para esses oficiais, o que no conjunto foi promovendo uma clara distinção entre as gentes do povo e as gentes da governança das terras, por vezes designados “nobreza da terra”. Estes faziam assim parte dos escalões inferiores do grupo nobiliárquico, embora lhes pertencesse a representação do braço popular nas cortes do reino de Portugal, através das cidades e vilas que nelas tinham assento. A lei geral confirmou-lhes também uma ampla gama de competências na esfera do governo local, bem como a capacidade de intervenção no provimento dos ofícios das terras, entre os quais os das chefias militares de âmbito concelhio. O quadro legal impulsionou, por isso, comportamentos de tipo endogâmico. Deste modo, se até ao século XVI a entrada nos órgãos camarários se manteve relativamente aberta, após a fixação por carta régia de 1605 de um processo eleitoral ainda mais restritivo do que o que ficara consignado nas Ordenações, o sistema fechouse mais172. A consequente elitização e fechamento social do universo dos cargos

170

COELHO & MAGALHÃES, 2008: 48; HESPANHA, 1994. MONTEIRO, 2009: 228; MONTEIRO, 1996. 172 MAGALHÃES, 2008. 171

80

municipais foi ainda complementada por legislação avulsa, como é o caso do alvará de 1618 que limitou o acesso ao cargo de almotacé a gente nobre, o que prejudicou uma das poucas vias que sobravam para a renovação destas elites locais. Importa, no entanto, sublinhar que ao contrário do que ocorreu na coroa de Castela, os postos de juiz ordinário e de vereadores – ou seja a chamada governança das terras – dependiam de processo eleitoral ratificado pelos órgãos da coroa e que o rei nunca os vendeu. Além de que eram lugares honoráveis, sem vencimento de salário, portanto. Já os ofícios inferiores dos municípios auferiam salários e emolumentos e tenderam a ser patrimonializados. Sob formas mais ou menos encapotadas e numericamente bastante menos expressivas do que as que se verificaram na coroa vizinha, esses ofícios menores foram também vendidos pela monarquia portuguesa e certamente muito transaccionados entre particulares, apesar de se lhes exigir confirmação régia para a posse no ofício. Finalmente um outro dado relevante para apoiar a grande uniformização das formas de governo do espaço local promovidas pela coroa é a aplicação destes mesmos dispositivos legais às várias partes do império português onde se verificou colonização territorial. Embora as práticas efectivamente observadas testemunhem uma grande diversidade na sua aplicação, a existência de um mesmo sistema de normas contribuiu para estender à monarquia pluricontinental pautas de comportamento e representações da estratificação social que eram correntes no reino. Na coroa de Castela, pelo menos na teoria, também se viveu um processo de crescente aristocratização dos cargos municipais, processo algo matizado pelas vendas massivas de regimientos que pelo menos no século XVI permitiram a entrada mais em função “de la riqueza que en la nobleza o en la virtud”173. Na origem muitos destes cargos tinham resultado de mercês régias, mas a prática de os vender, de os ceder ou de os transmitir por herança conduziu à sua patrimonialização nas mãos de algumas famílias oligárquicas ligadas entre si por laços de parentesco. As primeiras vendas massivas de cargos foram, com efeito, levadas a cabo por Carlos I e Filipe II deu-lhes continuidade embora a sua máxima expressão só tenha sido alcançada em meados do século XVII. Como explica Fortea Pérez, apesar da insistência dos representantes das cidades nas cortes de Córdova e de Madrid em 1570-1571 de uma verificação de requisitos sociais mais exigente – viver nobremente sem notícia pública de trato e mercância, e ser hidalgo de sangue e limpo –, na prática houve muitas excepções pela

173

FORTEA PÉREZ, 2004; 252; FORTEA PÉREZ, 2012.

81

possibilidade de os candidatos ficcionarem os testemunhos e as provas de limpeza pretendidas. Assim sabe-se que muitos membros de linhagens mercantis, às vezes até conversas, acabaram por ser admitidos e que conviveram com oficiais nobres, que, no caso das cidades mais importantes, podiam até ser titulados174. Uma outra diferença significativa com o que ocorreu em Portugal prendia-se com a possibilidade de a coroa vender privilégios de jurisdições de vilas, assim impulsionando desagregações dos termos às quais pertenciam. O que gerou tensões, naturalmente, e levou a coroa a tentar moderar essas iniciativas com Filipe III, embora o fenómeno se reactivasse posteriormente.175 A instabilidade das circunscrições jurisdicionais do espaço local, associada à diversidade das suas ordenanzas aponta assim para um espaço político local complexo, repleto de variantes e particularismos o que não deixa de contrastar com a situação de maior uniformidade que se vivia no reino de Portugal. Na Galiza, a condição senhorial da maioria das cidades, com a notável excepção de Betanzos e da Corunha, traduziu-se num tardio aumento do número dos cargos municipais e das suas vendas, o que atrasou as alterações na composição social dos municípios até à primeira metade do século XVII176. Os trabalhos de María Lopez Díaz sugerem entretanto que a nobreza intermédia, composta por hidalguía urbana e alguns titulares, teria tido presença dominante nas regidurias (vereadores) embora se verificasse um processo de oligarquização similar ao de outros municípios castelhanos. Demonstra ainda que o reforço da autoridade régia na Galiza se teria efectuado através do envolvimento das elites locais nos projectos políticos da monarquia. Também de acordo com esta esta autora e no que toca à venda de jurisdições, a resistência que os senhorios eclsesiásticos impuseram à sua concretização, além de justificar a sua persistência institucional, justifica que tenha havido menos desmembramento de vassalos na Galiza que em outras partes de Castela.177

174

FORTEA PÉREZ, 2004; 252-258. FORTEA PÉREZ, 2004; 264-268. 176 SAAVEDRA VÁZQUEZ, 1999: 149. LOPÉZ DIAS, 1999. 175

177

SAAVEDRA VÁZQUEZ, 2004: 152.

82

OBRAS DE REFERÊNCIA PARA O TEMA: BETHENCOURT, Francisco, 1994 – La Inquisición en la Época Moderna. España, Portugal e Italia, siglos XV-XIX. Madrid: Akal. BOUZA ÁLVAREZ, Fernando, 1994 – “Lisboa sozinha, quase viúva. A cidade e a mudança da corte no Portugal dos Filipes”, Penélope. Fazer e desfazer a história, nº 13, p. 71-94. CONTRERAS, Jaime, 1982 – El Santo Oficio de la Inquisición en Galicia 1560-1700. Poder, sociedad y cultura. Madrid: Akal. COSTA, Leonor Freire; LAINS, Pedro; MIRANDA, Susana Munch, 2011 - História Económica de Portugal (1143-2010), Lisboa, Esfera dos Livros. COSTA, Paula Pinto (2005) – “A Nobreza e a Ordem do Hospital: uma aliança estratégica”,in As Ordens Militares e de Cavalaria na Construção do Mundo Ocidental. Actas do IV Encontro sobre Ordens Militares. Lisboa: Edições Colibri / Câmara Municipal de Palmela, 2005, p. 605621. FONSECA, Luís Adão da, 1999 – “O horizonte insular na experiência cultural da primeira expansão portuguesa” in Actas do Congresso Internacional Comemorativo do Regresso de Vasco da Gama a Portugal, Portos, escalas, ilhéus no relacionamento entre o Ocidente e o Oriente. Universidade dos Açores, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, vol.1, p. 57-93. HESPANHA, António Manuel 2001 - «A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes» in João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho y Maria de Fátima Gouvêa (eds.): O Antigo Regime nos Trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII), Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, pp. 163-188. HESPANHA, António Manuel, 1994 – As vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político. Portugal século XVII, Coimbra: Almedina MARCOCCI, Giuseppe, & PAIVA, José Pedro, 2013 – História da Inquisição Portuguesa. 1536-1821. Lisboa: A Esfera dos Livros. MATTOSO, José (2000) – Obras Completas, Vol. 1 – Naquele Tempo. Ensaios de História Medieval, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000. SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de (2013) – “O Nascimento do Reino de Portugal. Uma Perspectiva Nobiliárquica (1096-1157/1300)”, in Revista Portuguesa de História, Tomo XLIV (2013), Coimbra, p. 29-58.

Bibliografia citada: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de, 2001 – “Os Índios Aldeados: histórias e identidades em construção”. Tempo. Rio de Janeiro: nº 12, p. 51-71. ANTONIO RUBIO, María Gloria de, 2006 – Judíos e Inquisición en Ribadavia. Ribadavia: Concello de Ribadavia ARRIETA ALBERDI, Jon, 2004 – “Las formas de vinculación a la Monarquía y de relación entre sus reinos y coronas en la España de los Austrias” in Bernardo García & Antonio ÁlvarezOssório (orgs.) – La Monarquía de las Naciones. Patria, nación y naturaleza en la Monarquía 83

de España. Madrid: Fundación Carlos de Amberes e Universidad Autónoma de Madrid, p. 303326. ARTAZA, Manuel María, 1998 -Rey, Reino y Representación. La Junta General del Reino de Galicia, Madrid: CSIC. AYALA MARTÍNEZ, Carlos de, 1997 - “Hacia una comprensión del fenómeno cruzado: las insuficiências del reduccionismo económico” in García-Guijarro Ramos (eds.) – La primera cruzada novecientos años después: el Concilio de Clermont y los orígenes del movimiento cruzado. Madrid: Universidad Autónoma de Madrid, p. 167-195. BELENGUER CEBRIÀ, Ernest, 1998 – “La Monarquía Hispánica desde la perspectiva de Cataluña» in AA.VV., Idea de España en la Edad Moderna. Valência: Real Sociedad Económica de Amigos del País, p. 11-35. BETHENCOURT, Francisco, 1987 – “Inquisição e controle social”. História & Crítica, 14, p. 5-18. BETHENCOURT, Francisco, 1994 – La Inquisición en la Época Moderna. España, Portugal e Italia, siglos XV-XIX. Madrid: Akal. BETHENCOURT, Francisco, 2007 – “Political Configurations and Local Powers” in Francisco Bethencourt e Diogo Ramada Curto (eds.) – The Portuguese Oceanic Expansion, 1400-1800. Cambridge: Cambridge University Press. BONNEY, Richard (ed.) 1999 - The Rise of the Fiscal State in Europe, c.1200-1815, Oxford: Oxford University Press. BONNEY, Richard, (ed) 1995- Economic Systems and State Finance, Oxford: Oxford University Press. BOUZA ÁLVAREZ, Fernando, 1994 – “Lisboa sozinha, quase viúva. A cidade e a mudança da corte no Portugal dos Filipes”, Penélope. Fazer e desfazer a história, nº 13, p. 71-94. BOUZA ÁLVAREZ, Fernando, 1995 – “De un fin de siglo a otro. Unión de Coronas Ibéricas entre Don Manuel y Felipe II” in AA.VV., El Tratado de Tordesillas y su Época. Congreso Internacional de Historia. Valhadolid: Junta de Castilla y León, p. 1453-1463. BREWER, John, 1989 - The Sinews of Power. War, Money and the English State, 1688-1783, New York: Alfred A. Knopf. CAETANO, Marcello, 1990 – A administração municipal de Lisboa durante a primeira dinastia (1179-1383). Lisboa: Academia Portuguesa de História. CAMARINHAS, Nuno, 2010 - Juízes e administração da Justiça no Antigo Regime: Portugal e o império colonial, séculos XVII e XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian-Fundação para a Ciência e a Tecnologia. CARDIM, Pedro, 2008 – “Felipe III, la Jornada de Portugal y las Cortes de 1619”in José Martínez Millán & María AntoniettaVisceglia (orgs.), La corte de Felipe II y el gobierno de la Monarquía Católica (1598-1621), Madrid: Fundación Mapfre, 2008, vol. IV, p. 900-946. CLAVERO, Bartolomé, 1991- Antidora: Antropología católica de la economía moderna. Milan: Giuffrè. COELHO, Maria Helena da Cruz (1996) –“Concelhos”, in Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à crise do século XIV, coordenação de Maria Helena da 84

Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem, vol. III de “Nova História de Portugal”, dir. de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques, Lisboa: Editorial Presença, p. 554-584. COELHO, Maria Helena da Cruz, & MARTINS, Rui Cunha, 1993 – “O Monaquismo Feminino Cisterciense e a Nobreza Medieval Portuguesa (Séculos XIII-XIV)”, in Theologica, vol. 28 (1993), pp. 481-506. COELHO; Maria Helena da Cruz & MAGALHÃES, Joaquim Romero, 2008- O poder concelhio das origens às cortes constituintes. 2ª ed. revista, Coimbra: CEFA. CONTRERAS, Jaime, 1982 – El Santo Oficio de la Inquisición en Galicia 1560-1700. Poder, sociedad y cultura. Madrid: Akal. COSENTINO, Francisco Carlos, 2009 - Governadores-Gerais do Estado do Brasil (séculos XVI-XVII). Ofício, regimento, governação e trajetórias, São Paulo/Belo Horizonte: Annablume/Fapemig. COSTA, João Paulo Oliveira e, 2005 – D. Manuel I. Lisboa: Círculo de Leitores. COSTA, Leonor Freire, 1997 – Naus e Galeões na Ribeira de Lisboa, A construção naval no século XVI para a Rota do Cabo. Cascais: Patrimonia Historica. COSTA, Leonor Freire; CUNHA, Mafalda Soares, 2006 - D. João IV, Lisboa, Círculo de Leitores. COSTA, Leonor Freire; LAINS, Pedro; MIRANDA, Susana Munch, 2011 - História Económica de Portugal (1143-2010), Lisboa: Esfera dos Livros. COSTA, Paula Pinto (2005) – “A Nobreza e a Ordem do Hospital: uma aliança estratégica”,in As Ordens Militares e de Cavalaria na Construção do Mundo Ocidental. Actas do IV Encontro sobre Ordens Militares. Lisboa: Edições Colibri / Câmara Municipal de Palmela, 2005, p. 605621. COSTA, Paula Pinto; PIMENTA, Maria Cristina; SILVA, Isabel Morgado S. e (2006) – “Prerrogativas Mestrais e Monarquia: as Ordens Militares Portuguesas na Baixa Idade Média”, in La Península Ibérica entre el Mediterráneo y el Atlántico. Siglos XIII-XV (Actas das V Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval), Cádiz: Diputación de Cádiz e SEEM, p. 589595. COUTO, Jorge, 1997 - A Construção do Brasil, Ameríndios, portugueses e africanos - do início do povoamento a finais de quinhentos. Lisboa: Cosmos. CURTO, Diogo Ramada, 2011 -A Cultura Política em Portugal. Cultura Política no tempo dos Filipes (1580-1640), Lisboa: Edições 70. DINIS, A. J. Dias, 1962 – “Antecedentes da Expansão Ultramarina Portuguesa. Os diplomas pontifícios dos séculos XII a XV”. Revista Portuguesa de História. Coimbra: Imprensa da Universidade, vol. X, p. 1-118. DORÉ, Andréa, 2009 - “Antes de existir o Brasil: os portugueses na Índia entre estratégias da Coroa e táticas individuais”. História. v. 28, p. 169-189 DUARTE, Luís Miguel, 1999 – Justiça e criminalidade no Portugal medievo (1459-1481), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian /Fundação para a Ciência e Tecnologia. DUARTE, Luís Miguel, 2012 – “«Tomar o pão dos coitados». Para repensar a crise do século XIV em Portugal”, in Álvaro Garrido, Leonor Freire Costa & Luís Miguel Duarte (org.), 85

Economia, Instituições e Império. Estudos em Homenagem a Joaquim Romero Magalhães, Coimbra: Almedina, p. 241-261. DUTRA, Francis, 1973 - «Centralization vs. donatarial priviledge: Pernambuco, 1602-1630» in Dauril Alden (org.), Colonial roots of modern Brazil, Los Angeles, 19-60. EIRAS ROEL, Antonio (ed.), 2001 – Actas de las Juntas del Reino de Galicia, vol. 1 (15991629). Santiago de Compostela: Dirección Xeral do Patrimonio Cultural, D.L. 2001. EIRAS ROEL, Antonio, 1982 – “Prologo” in Laura Fernández Vega, La Real Audiencia de Galicia, órgano de gobierno en el Antiguo Régimen: (1480-1808). La Coruña: Diputación Provincial, pp. 15-49. EIRAS ROEL, Antonio, 2006 – “La instauración borbónica en el antiguo Reino de Galicia. Modelo nacional castellano o particularismo abortado?” in J. M. de Bernardo Ares & S. Muñoz Machado (orgs.), El Estado-Nación en dos Encrucijadas Históricas, Madrid: Iustel, p. 29-73. ELLIOTT, John H., 1992 – “A Europe of composite monarchies”. Past and Present. Oxford: 137, p. 48-71. ELLIOTT, John H., 2009 – “Introduction - Forms of Union: the British and Spanish Monarchies in the Seventeenth and Eighteenth Centuries”, RevistaInternacional de Estudios Vascos, Cuad. 5, p. 13-19. FARINHA, António Dias, 1999 – Os Portugueses em Marrocos. Lisboa: Instituto Camões. FEITLER, Bruno, 2011 – “Hierarquias e mobilidade na carreira inquisitorial portuguesa: a centralidade do tribunal de Lisboa”, in Bentes Monteiro, Rodrigo et alii (orgs.) – Raízes do Privilégio. Mobilidade social no mundo ibérico do Antigo Regime. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 245-257. FERNÁNDEZ VEGA, Laura, 1982 – La Real Audiencia de Galicia, órgano de gobierno en el Antiguo Régimen: (1480-1808). La Coruña: Diputación Provincial. FIGUEIREDO, José Anastácio, 1792 - Memória sobre a origem dos nossos juízes de fora, in Memorias da Litteratura Portugueza. T. 1, Lisboa, pp. 31-60. FLORES, Jorge, 2001 - ‘Hum curto historia de Ceylan’. Quinhentos anos de relações entre Portugal e o Sri Lanka. Lisboa: Fundação Oriente. FLORISTÁN, Alfredo, 2002 – “Las incorporaciones de Navarra y de Portugal a la monarquía española y la posibilidad irlandesa” in E. García Hernán (org.) – Irlanda y la Monarquía Hispánica: Kinsale, 1601-2001. Guerra, política, exílio y religión. Madrid: Universidad de Alcalá-CSIC, p. 341-355. FONSECA, Luís Adão da (2001) – “Ordens Militares”, in Dicionário de História Religiosa de Portugal (dir. AZEVEDO, Carlos Moreira de), vol. 3, Lisboa: Círculo de Leitores, p. 334-345. FONSECA, Luís Adão da, 1999 – “O horizonte insular na experiência cultural da primeira expansão portuguesa” in Actas do Congresso Internacional Comemorativo do Regresso de Vasco da Gama a Portugal, Portos, escalas, ilhéus no relacionamento entre o Ocidente e o Oriente. Lisboa: Universidade dos Açores - Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, vol.1, p. 57-93. FORTEA PÉREZ, José Ignacio, 2004- "Las ciudades, sus oligarquías y el gobierno del reino", in FEROS, Antonio; GELABERT, Juan (Eds.), España en tiempos del Quijote. Madrid: Taurus, p. 235- 278. 86

FORTEA PÉREZ, José Ignacio, 2012- "Los corregidores de Castilla bajo los Austrias: elementos para el estudio prosopográfico de un grupo de poder (1588- 1633). Studia Histórica, Historia Moderna, n. 34, p. 99- 146. FRANCO, Luís Farinha, 1989 - «Les Officiers d’Armes (Rois d’Armes, Herauts et Suivants) et les Reformateurs du Greffe de la Noblesse XVIIe-XVIIIe Siècles», in «La Noblesse dans l’Europe Meridional du Moyen-Age: Acces et Renouvellement. Actes du Colloque, 1988», Arquivos do Centro Cultural de Paris, vol. XXIV, Lisboa-Paris: Fundação Calouste Gulbenkian. FREIRE, Anselmo Braamcamp, 1973 - Brasões da Sala de Sintra, 3 vols., Lisboa, IN/CM. GARCÍA ORO, José; PORTELA SILVA, José, 2000- "Felipe II y el Patronato Real en Castilla". Ciudad de Dios: revista agustiniana, v. 213, n. 2, p. 529- 773. GARCIA-GUIJARRO RAMOS, Luis, 1997 – “Expansión Económica Medieval y Cruzadas” in GARCIA-GUIJARRO RAMOS, Luis (ed.) – La primera cruzada novecientos años después: el Concilio de Clermont y los orígenes del movimiento cruzado. Madrid: Universidad Autónoma de Madrid, p.155-166. GIL PUJOL, Xavier, 2004 – “Un rey, una fe, muchas naciones. Patria y nación en la España de los siglos XVI y XVII”in Bernardo García & Antonio Álvarez-Ossorio (orgs.), La Monarquía de las Naciones. Patria, nación y naturaleza en la Monarquía de España, Madrid: Fundação Carlos de Amberes e Universidad Autónoma de Madrid, p. 39-76. GODINHO, Vitorino Magalhães, 1978 - Ensaios II. Sobre História de Portugal, 2ª ed, Lisboa, Sá da Costa. GOMES, Rita Costa, 1995 -A Corte dos Reis de Portugal no final da Idade Média, Lisboa: Difel. GONZÁLEZ LOPO, Domingo, 1998. - «El alto clero gallego en tiempos de Felipe II», in A. Eiras Roel (org.), El reino de Galicia en la Monarquía de Felipe II. Santiago: Xunta de Galicia, 1998, pp. 313-343. HERCULANO, Alexandre, 1979 – História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal. Lisboa: Bertrand. HERNANDO SÁNCHEZ, Carlos, 1996 – Las Indias en la Monarquía Católica. Imágenes e ideas políticas. Valhadolid. HERNANDO SÁNCHEZ, Carlos, 2004 - «Los virreyes de la Monarquía española en Italia. Evolución y practica de un oficio de gobierno», Studia Historica. Historia Moderna, vol. 26, 43-73. HERNANDO SÁNCHEZ, Carlos, 2008 - «Corte y ciudad durante el siglo XVI: la construcción de una capital virreinal» in Francesca Cantù (org.), Las cortes virreinales de la Monarquía española. América e Italia, Roma: Viella, 337-423. HESPANHA, António Manuel, 1982 – História das Instituições. Épocas Medieval e Moderna, Coimbra: Almedina. HESPANHA, António Manuel, 1986 - Centro e periferia nas estruturas administrativas do Antigo Regime. Ler História. Vol. 8, pp. 35- 60. HESPANHA, António Manuel, 1993 – “El espacio político” in La Gracia del Derecho. Economía de la cultura en la Edad Moderna. Madrid: C.E.C., p. 85-121. 87

HESPANHA, António Manuel, 1994 - As Vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político. Portugal (século XVII), Coimbra, Almedina. HESPANHA, António Manuel, 1995 – Panorama da História Institucional e Jurídica de Macau. Macau: Fundação Macau. HESPANHA, António Manuel, 1995a - História de Portugal moderno. Político-institucional. Lisboa: Universidade Aberta. HESPANHA, António Manuel, 2001 – “A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes” in João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa (orgs.) – O Antigo Regime nos Trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVIXVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 163-188. HESPANHA, António Manuel, 2004 - Guiando a mão invisível: direitos, estado e lei no liberalismo monárquico português, Lisboa: Almedina. HOUSLEY, Norman, 1999 – “The Crusading Movement: 1274-1700” in RILEY-SMITH, J. (ed.) – The Oxford History of the Crusades. Oxford: Oxford University Press, p. 258-290. HOUSLEY, Norman, 2001 – “France, England and ‘national crusade’: 1302-1386” in Crusading and Warfare in Medieval and Renaissance Europe. Variorum Collected Studies Series. Ashgate, Variorum. HOUSLEY, Norman, 2006 – Contesting the Crusades. Oxford: Blackwell Publishing. JUSTINO, David, 1988-1989 - A Formação do Espaço Económico Nacional. Portugal, 18101913, 2 vols, Lisboa: Vega LIMÃO, Paula, 1994 – Portugal e o Império Turco na área do Mediterrâneo (século XV). 2 vols., ed. policopiada da dissertação de mestrado. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. LOPES, Fernão (ed. impressa em 1983) – Crónica de D. João I, Introd. Humberto Baquero Moreno, II volumes. Porto: Livraria Civilização Editora. LÓPEZ DÍAS, María, 1999 - «Organizacion e Integracion politica de las ciudades galegas en tempos de Felipe II», Obradorio de Historia Moderna, nº 8, p. 99-120. LÓPEZ, Roberto J, 2004 - “Celebraciones y ceremonias políticas en Galicia en tiempos del Emperador Carlos” in Jean-Pierre Sánchez (org.), L'Empire de Charles Quint. 1516-1556. Paris: Editions du Temps, p. 192-219. LÓPEZ-SALAZAR CODES, Ana Isabel, 2011 – Inquisición y política. El gobierno del Santo Oficio en el Portugal de los Áustrias (1578-1653). Lisboa: CEHR-UCP. LUXÁN MELÉNDEZ, Santiago de, 1988 -La Revolución de 1640 en Portugal, sus fundamentos sociales y sus caracteres nacionales. El Consejo de Portugal. 1580-1640, Madrid: Editorial de la Universidad Complutense. MACEDO, Jorge Borges, 1983 - Problemas de História da Indústria Portuguesa no século XVIII, 2ªed., Lisboa, Querco. MAGALHÃES, Joaquim Romero & MIRANDA, Susana Münch, 1999 - «Tomé de Sousa e a Instituição do Governo Geral (1549). Documentos», Mare Liberum, n.º 17, Junho (1999). MAGALHÃES, Joaquim Romero, 1993 – “O Poder. O enquadramento do espaço nacional” e “Os equilíbrios sociais do poder”, José MATTOSO (dir.), História de Portugal, vol. III, Joaquim 88

Romero Magalhães (coord.), No Alvorecer da Modernidade (1480-1620), Mem Martins: Círculo de Leitores, pp. 35-42 e 149-193. MAGALHÃES, Joaquim Romero, 1997 – “As incursões no espaço africano” in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (dir.) – História da Expansão Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, vol. II. MANÉ, Mamadou, 1989 – “Algumas Observações relativamente à presença portuguesa na Senegâmbia até ao século XVII”. Revista ICALP. Lisboa: vol. 18, Dezembro, p. 117-125. MARCOCCI, Giuseppe, 2004 –I custodi dell´ortodossia. Inquizione e Chiesa nel Portogallo del Cinquecento. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura. MARCOCCI, Giuseppe, 2012 – A consciência de um Império. Portugal e o seu mundo (sécs. XV-XVII). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. MARQUES, Guida, 2002 – “O Estado do Brasil na União Ibérica: dinâmicas políticas no Brasil no tempo de Filipe II de Portugal”. Penélope. Revista de História e Ciências Sociais. Lisboa: nº 27 p. 22-24. MATA, Maria Eugénia; VALÉRIO, Nuno, 2003 - História Económica de Portugal: uma perspectiva global, Lisboa: Presença. MATHIAS, Peter, 1987 - “A formação de uma economia mundial”, Ler História, 11: 77-93. MATOS, Artur Teodoro de, 1974 – Timor Português. Contribuição para a sua História (15151769). Lisboa: Faculdade de Letras. MATTOSO, José (1993) – “Dois Séculos de Vicissitudes Políticas”, in História de Portugal (dir. de José Mattoso). Vol. II – A Monarquia Feudal (1096-1480) (coord. de José Mattoso), Lisboa: Ed. Estampa, pp. 24-163. MATTOSO, José (2000) – Obras Completas, Vol. 1 – Naquele Tempo. Ensaios de História Medieval, Lisboa: Círculo de Leitores. MATTOSO, José (2001) – Obras Completas, Vol. 5 – Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros, Lisboa: Círculo de Leitores. MATTOSO, José (2002) – Obras Completas, Vol. 9 – Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa, Lisboa: Círculo de Leitores. MATTOSO, José (2006) – D. Afonso Henriques, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006. MIRANDA, Susana & CARDIM, Pedro, 2012 – “La corona de Portugal y sus territorios en los siglos XVI y XVII. Estatuto político y dinámicas de integración” in Oscar Mazín (ed.) – Las Indias Occidentales: procesos de integración territorial (siglos XVI-XIX). México: El Colegio de Mexico - Fondo de Cultura Economica, p. 183-240. MONTEIRO, Nuno Gonçalo, 1993 - «Concelhos e comunidades», in José Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. IV, O Antigo Regime, coord. A. M. Hespanha, Lisboa: Círculo de Leitores, pp. MONTEIRO, Nuno Gonçalo, 1996- "O Central, o local e o inexistente regional", in OLIVEIRA, César (dir.), História dos municípios e do poder local. Dos finais da Idade Média à União Europeia. Lisboa: Círculo de Leitores, p. 79-119. MONTEIRO, Nuno Gonçalo, 1998- O Crepúsculo dos Grandes. A Casa e o Património da Aristocracia em Portugal (1750- 1832). Lisboa: Imprensa Nacional. 89

MONTEIRO, Nuno Gonçalo, 2009- "Idade Moderna (séculos XV- XVIII)", in RAMOS, Rui (coord.), História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, p. 197- 437. Monumenta Henricina, Coimbra: Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, vol. XII, 1971. NORTH, Douglass, 1977 - “Markets and other allocate systems in history: the challenge of Karl Polanyi”, Journal of European Economic History, 6: 703-716. OLIVAL, Fernanda, 2001- As ordens militares e o Estado moderno. Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641- 1789). Lisboa: Estar Editores. OLIVAL, Fernanda, 2004 – “Rigor e interesses: os estatutos de limpeza de sangue em Portugal”. Cadernos de Estudos Sefarditas, nº 4, p. 151-182. OLIVEIRA, António, 1972 - Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. OLIVEIRA, António, 2002 - Movimentos Sociais e Poder em Portugal no século XVII, Coimbra: Instituto de História Económica e Social. OLIVEIRA, Luís Filipe (2009) – A Coroa, os Mestres e os Comendadores. As Ordens Militares de Avis e de Santiago (1330-1449), Faro: Universidade do Algarve. Ordenações Afonsinas, 1984, (reprod. «fac-simile» da edição de 1792), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. ORMROD W.M ; BONNEY, M.; BONNEY, R. (eds.) 1999 - Crises, Revolutions and SelfSustained Growth. Essays in European Fiscal History, 1130-1830, Stamford: Shaun Tyas. PAGDEN, Anthony, 2005 – “Fellow Citizens and Imperial Subjects: Conquest and Sovereignty in Europe's Overseas Empires”. History and Theory. Londres: Vol. 44, No. 4, p. 28-46. PAIVA, José Pedro, 2006 – Os Bispos de Portugal e do Império. 1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. PARDO DE GUEVARA Y VALDÉS, Eduardo, 2006a – “La rebelión irmandiña. Conexiones, hechos y documentos”, in Os Capítulos da Irmandade. Peregrinación y conflicto social en la Galicia del siglo XV. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, pp. 384-411. PARDO DE GUEVARA Y VALDÉS, Eduardo, 2006b – “La pacificación de Galicia por los Reyes Católicos. El hecho que Zurita llamó La doma y castración del reino de Galicia, en Os Capítulos da Irmandade. Peregrinación y conflicto social en la Galicia del siglo XV. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, pp. 438-465. PEDREIRA, Jorge M., 1994 - Estrutura Industrial e Mercado Colonial. Portugal e Brasil, 17801830, Lisboa: Difel. PEREIRA, João Cordeiro, 2003 - Portugal na Era de Quinhentos, Cascais: Patrimónia Histórica. POLANYI, Karl, 1968 - Primitive, Archaic and Modern Economies. Essays of Karl Polanyi, George Dalton (ed), Boston: Beacon Press. PORTELA SILVA, Ermelindo, e María Carmen PALLARES MÉNDEZ (1993) – “Aristocracia y sistema de parentesco en los siglos centrales de la Edad Media: el grupo de los Traba”, in De Galicia en la Edad Media. Sociedad, Espacio y Poder, Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 1993 pp. 277-294.

90

POSTIGO CASTELLANOS, Elena, 1987- Honor y privilegio en la Corona de Castilla: el Consejo de las Órdenes y los Caballeros de Hábito en el s. XVII. Valladolid: Junta de Castilla y León. PULIDO SERRANO, Juan Ignacio, 2007 – Os judeus e a Inquisição no tempo dos Filipes. Lisboa: Campo da Comunicação. PUNTONI, Pedro, 2008 - «O governo-geral e o Estado do Brasil: poderes intermédios e administração (1549-1720)» in Stuart Schwartz e Erik Myrup (orgs.): O Brasil no império marítimo português, Bauru: Edusc, 39-74. RAU, Virgínia, 1951- A Casa dos Contos, Coimbra: Universidade de Coimbra. REDONDO ÁLAMO, Ángeles; YUN CASALILLA, Bartolomé, 2009- "«Bem visto tinha...». Entre Lisboa y Capodimonte. La aristocracia castellana en perspectiva «trans-nacional» (ss. XVI-XVII)", in Bartolomé YUN CASALILLA (dir.)- Las Redes del Imperio. Élites sociales en la articulación de la Monarquía Hispánica, 1492- 1714. Madrid: Marcial Pons, p. 39- 63. RÊPAS, Luís Miguel Malva de Jesus, 2000 – Quando a nobreza traja de branco. A comunidade cisterciense de Arouca durante o abadessado de D. Luca Rodrigues (1286-1299), 2 Vols., Coimbra (edição policopiada da dissertação de mestrado). ROSA, Maria de Lurdes, 2000 – “A religião no século: vivências e devoções dos leigos”, in História Religiosa de Portugal, vol. 1, Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, pp. 423-505. RUIZ IBÁÑEZ, J. J. & G. Sabatini, 2009 - «Monarchy as conquest. The Role of Violence and Social Negotiations in the Formation the Spanish Monarchy», The Journal of Modern History, 81, 3, p. 501-536. SAAVEDRA FERNÁNDEZ, Pegerto, 2013 – Demarcacións, topónimos, papeis, memoria: sobre a división e o control do territorio na Galicia moderna (discurso lido o día 14 de setembro de 2013 no acto da súa recepción polo señor Pegerto Saavedra; e resposta do señor Ramón Villares). A Coruña: Real Academia Galega. SAAVEDRA VÁZQUEZ, María del Carmen, 1999- "Los poderes del rey y el poder de los pueblos: las relaciones entre la Monarquía y las ciudades gallegas en los siglos XVI y XVII". Separata VII Semana de Historia. ¿Quem manda aqu? O poder na historia de Galicia, p. 143165. SAAVEDRA VÁZQUEZ, María del Carmen, 2004 - «Las instituciones políticas gallegas en la época moderna: estado de la cuestión» Semata: Ciencias sociais e humanidades, nº 15 p.131163.

SALDANHA, A. Vasconcelos, 1991 – “O Problema Jurídico-Político da Incorporação de Ceilão na Coroa de Portugal. As doações dos reinos de Kotte, Kandy e Jaffna (1580-1633)”. Revista de Cultura. Macau: Instituto Cultural de Macau, n.os 13-14. SALDANHA, A. Vasconcelos, 2001 – As capitanias do Brasil, Antecedentes, desenvolvimento e extinção de um fenómeno Atlântico. Lisboa: CNCDP. SALGADO, Graça (coord.), 1985 - Fiscais e Meirinhos. A administração no Brasil colonial, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. SALVADO, João Paulo, 2002 - «D. Fernando Mascarenhas, primeiro conde da Torre, governador e general da restauração do Brasil», comunicação apresentada ao encontro A

91

Nobreza na Administração Colonial do Brasil, Lisboa. Fundação das Casas de Fronteira e Alorna - Palácio Fronteira. SANTOS, Catarina Madeira, 1999 - “Goa é a Chave de toda a Índia”. Perfil político da capital do Estado da Índia (1505-1570), Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. SCHAUB, Jean-Frédéric, 2001 - Le Portugal au temps du comte-duc d'Olivares (1621-1640). Le conflit de juridictions comme exercice de la politique, Madrid : Casa de Velázquez. SCHWARTZ, Stuart B., 1973 - Sovereignty and Society in Colonial Brazil. The High Court of Bahia and its Judges 1609-1751, Berkeley-Los Angeles-Londres: UCP. SILVA, Álvaro Ferreira, 2005 - “Finanças Públicas”, Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva, História Económica de Portugal (1700-2000), vol. I: 237-261. SORIA MESA, Enrique, 2007- La nobleza en la España moderna. Cambio y continuidad. Madrid: Marcial Pons. SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, 1999 - Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-1325), 3 vols., Porto: Centro de Estudos de Genealogia, Heráldica e História da Família – Universidade Moderna (Porto). SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, 2005 - D. Dinis, Lisboa: Círculo de Leitores. SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, 2007 – “Da Linhagem ao Solar. Algumas reflexões sobre a evolução da nobreza”, in Casa Nobre – um património para o futuro. 1º Congresso Internacional (10 a 12 de Novembro). Actas, Arcos de Valdevez: Câmara Municipal, pp. 33-37. SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, 2009 – “A Participação da Nobreza na Reconquista e nas Ordens Militares”, in As Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e o Oriente. Actas do V Encontro sobre Ordens Militares. 15 a 18 de Fevereiro de 2006 (Coord. de Isabel Cristina F. Fernandes), Palmela: Câmara Municipal - GEsOS, pp. 143-155. SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, 2010 – “De e Para Portugal. A Circulação de Nobres na Hispânia Medieval (Séculos XII a XV)”, in Anuario de Estudios Medievales, vol. 40, nº 2 (julio-deciembre), pp. 889-924. SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, 2013 – “O Nascimento do Reino de Portugal. Uma Perspectiva Nobiliárquica (1096-1157/1300)”, in Revista Portuguesa de História, Tomo XLIV (2013), Coimbra, p. 29-58. SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto, 1993 – “D. Dinis e a nobreza do final do século XIII”, in Revista da Faculdade de Letras do Porto. História, IIª série, vol. X (1993), pp. 91-101. SOUSA, Bernardo de Vasconcelos (2000) – Os Pimentéis: percursos de uma linhagem da nobreza medieval portuguesa (séculos XIII-XIV), Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2000. SUBRAHMANYAN, Sanjay, 1995 – O Império Asiático Português, 1500-1700: Uma História Política e Económica. Lisboa: Difel. SUBTIL, José 1996 - O Desembargo do Paço: 1750-1833. Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa.

92

SUBTIL, José, 1993 - “Os Poderes do Centro”, José MATTOSO (dir.), História de Portugal, vol. IV, António M. HESPANHA (coord), O Antigo Regime, 1620-1807, Lisboa: Círculo de Leitores: 157-193. THOMAZ, Luís Filipe, 1990 – “L'idée impériale manueline”. La Découverte, le Portugal et l'Europe. Actes du Colloque. Paris: Centre Culturel Portugais. THOMAZ, Luís Filipe, 1994 – “Estrutura Política e Administrativa” in De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel. TORRES, José Veiga, 1994 – “Da Repressão Religiosa para a Promoção Social. A Inquisição como instância legitimadora da promoção social da burguesia mercantil”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 40, p. 109-135. TRIGOZO, Sebastião Francisco de Mendo, 1815 - “Memória sobre os Pesos e Medidas Portuguezas, e sobre a Introdução do Systema Metro-Decimal”, Memorias Economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, para o Adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Industria em Portugal e suas Conquistas, tomo V, Lisboa, Officina da Mesma Academia : 336411. YUN CASALILLA, Bartolomé, 2004 - Marte contra Minerva. El Precio del Imperio Español. C. 1450-1600, Barcelona: Ed. Crítica.

93

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.