A morte como testemunho: Imigração portuguesa nos inventários post-mortem (Belém, 1850-1920)

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A MORTE COMO TESTEMUNHO: IMIGRAÇÃO PORTUGUESA NOS INVENTÁRIOS POST MORTEM (BELÉM, 1850-1920) Anndrea Caroliny da Costa Tavares Resumo O presente estudo objetiva analisar a imigração portuguesa para a cidade de Belém (Pará), entre os anos de 1850 e 1920, considerando os marcadores de origem, gênero e estado civil, além de também apontarmos questões importantes quanto a composição de suas fortunas no decorrer de sua vivência na capital paraense. Importa-nos esclarecer que embora a imigração portuguesa para as mais variadas regiões possa ser enquadrada na categoria de um fluxo circular, quando o indivíduo se desloca a um mercado por um determinado intervalo de tempo definido, ao cabo do qual retorna a sua origem, para a região amazônica esse perfil sofre alteração, enquadrando-se na categoria de um fluxo em cadeia , onde é possível perceber a alternância do gênero, ainda que discreta (primeiro partiam os homens e depois suas famílias), igualmente por destinos menos diversos e mais distantes, e pela existência de indivíduos, em geral parentes, dando “apoio logístico” no novo local de moradia dos imigrantes. O estudo esteia-se na análise serial de inventários post-mortem e insere-se num período marcado por um crescimento demográfico acentuado, pela reorganização do espaço urbano de Belém e pelo recrudescimento econômico do mesmo espaço. Palavras-chave: Imigração; Portugueses; Inventários; Amazônia.

Abstract This study aims to analyze the Portuguese immigration to the city of Belém (Pará), between the years 1850 and 1920, considering the markers of origin, gender and marital status, and point out important issues as the composition of their fortunes during his experience in the state capital. Care to explain that although the Portuguese immigration to the various regions can be framed in the category of a circular flow, when the individual moves to a market for a certain time interval set, after which returns to its origin, to the Amazon region this profile undergoes change, it fits into the category of a flow chain, where it is possible to perceive the alternation of the genre, yet discrete (first departed men and then their families), also by less diverse and more distant destinations , and the existence of individuals, usually relatives, giving "logistical support" in the new place of residence of immigrants. The study stela on the serial analysis of postmortem inventories and falls in a period marked by a sharp population growth, the reorganization of urban space of Bethlehem and the economic resurgence of the same space. Keywords: Immigration; Portuguese; Inventories; Amazon. 

Trabalho apresentado no XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em São Pedro/SP – Brasil, de 24 a 28 de novembro de 2014.  Mestranda em História Social da Amazônia no Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará/UFPA.

O período que compreende a segunda metade do século XIX e o início do século XX foi marcado pela intensa migração nacional e estrangeira, para a região amazônica, impulsionada pela dinâmica economia da borracha, que estava em desenvolvimento. Dentre os imigrantes, destaca-se a expressiva presença portuguesa. Alguns destes imigrantes chegavam a Belém com recursos, parte deles não havia migrado diretamente para o Pará, tendo vivido antes no Maranhão ou no Rio de Janeiro, onde acumularam alguma fortuna a ser investida nesta economia em expansão. Outros, no entanto, chegavam a Belém com um portfólio reduzido, sem nome e tradição familiar, aqui enriquecendo com as oportunidades abertas pela expansão gomífera. 1 A inserção dos imigrantes portugueses nas atividades comerciais há muito é compreendida como um forte elemento provedor desta mesma dinamização econômica e social da cidade de Belém durante a vigência da economia extrativa do látex, por estes imigrantes estarem ligados de forma direta às atividades comerciais, auxiliando na difusão e estabilização do mesmo comércio na capital da província, além dos pequenos comércios a retalho, secos e molhados, açougueiros, agentes comerciais, caixeiros, guarda-livros, entre outros . A contribuição destes imigrantes à região amazônica é tão significativa que, de acordo com Weinstein, muitos historiadores tenderam a passar por cima do papel desempenhado pelos brasileiros, especialmente pelos paraenses de nascimento, na fase inicial do negócio da borracha2. Quadro nº 1 – Ocupação dos portugueses habilitados no Pará OCUPAÇÃO Agencia

% 29

0,27%

190

1,80%

Atividade comercial

5070

47,94%

Atividade comercial (saber fazer)

1032

9,76%

16

0,15%

5

0,05%

Indústria e olaria

47

0,44%

Música e drama

10

0,09%

Agricultura, extrativismo, fazenda e engenho

Estudantes e desempregados Igreja

1

QUANTIDADE

Projeto de pesquisa Imigração portuguesa e alianças matrimoniais: patrimônio, casamento e famílias em Belém (c. 1850 – c. 1920), sob orientação da Profa. Dra. Cristina Donza Cancela, aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPQ, 2011. 2 WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: HUCITEC/EDUSP, [1983] 1993.

Pesca

66

0,62%

Profissões liberais

90

0,85%

Secundário (secundário e terciário)

2118

20,03%

Sem informação

1673

15,82%

230

2,17%

Dúvida

Total 10576 100% Fonte: Livro das Habilitações Consulares de portugueses, encontrados nos arquivos do Grêmio Literário e Recreativo Português.

Também é possivel observar os lusitanos como pioneiros na organização do sistema mercantilista de intercambio, representado pelo comércio típico de casas “aviadoras”, embora os dados coletados para este trabalho apontem que os portugueses estavam inseridos em diversas áreas do comercio, não restringindo sua atuação direta à atividade extrativa do látex.3 Durante o século XIX, Belém aparecia como a praça central do comércio da capitania do Grão-Pará, com ampla participação dos portugueses. Nos primórdios do século XX, ― depois do Rio de Janeiro e Santos, era o porto mais movimentado do Brasil com uma população que se aproximava rapidamente do quarto de milhão, em 19104. O Anuário Estatístico do Brasil de 19125, aponta que entre os anos de 1908 e 1910, chegaram a Belém aproximadamente 13.500 estrangeiros de diversos países, sobressaindo os portugueses com uma porcentagem de 48,67%, à frente dos espanhóis (15,98%), ingleses (17,18%), e dos italianos (4,15%). O crescimento econômico da Amazônia, decorrente da elevação dos preços da borracha nesse período pode ter constituído fator motivador dessa expressiva imigração, haja vista que no ano de 1910, quando da maior entrada de imigrantes, o valor da borracha fina (réis por quilo) estava cotado em 10$050 réis, nos anos de 1909 e 1908 os valores variaram entre 7$960 e 4$935 réis, respectivamente.6

Esse período histórico da economia amazônica foi denominado por Samuel Benchimol como a “Era dos Jotas”, em virtude de a letra prevalecer nas iniciais das firmas portuguesas do período, as quais eram consideráveis. 4 WEINSTEIN. Op. Cit. 5 Adaptação do Autor em Annuário estatístico do Brasil (1908-1910). In: EMMI, Marília Ferreira (2008). Italianos na Amazônia (1870-1950): pioneirismo econômico e identidade. Belém: Naea, p. 105.. 3

6

SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980.

Embora a entrada de estrangeiros em Belém, dirigida ou espontânea, tenha sido considerável, não se mostrou tão acentuada quanto em outros estados do sul do país. Contudo, ao final do século XIX o Pará chega a aparecer com um percentual bem maior de escolha para os grupos de migrantes que a própria cidade de São Paulo, que atraia não somente mão de obra rural, mas também operária e intelectual, sobretudo pelo crescimento que a economia exportadora do café proporcionou ao cinturão paulista.7

A caracterização de um grupo Origem Boa parte dos indivíduos que migravam tanto para Belém quanto para outras cidades do Brasil, tinham origem na região Norte de Portugal, conhecida pela conservação de um campesinato e valorização da terra, contrastando com a região Sul, mais industrializada e dinâmica. Os portugueses deixaram suas aldeias, freguesias, quintas, suas querências ao longo do Rio Douro, Minho e Tejo, eram quase todos jovens e de famílias humildes, filhos de agricultores e sitiantes, de numerosa família patriarcal, com rígida educação doméstica e obedientes à tradição, valores familiares 8. A propriedade familiar, após a morte do patriarca, ficava sob responsabilidade do filho mais velho, assim os mais novos acabaram por ver na migração uma oportunidade de buscar novas oportunidades em lugares, que eles acreditariam ser, promissores.

Quadro Nº 2 – Os distritos de saída dos imigrantes Origem dos imigrantes Nº de imigrantes Portugueses/ Distritos

7

Percentual

portugueses

(%)

Viana do Castelo

22

5,24 %

Braga

50

11,9%

Bragança

2

0,48%

ALVES, Jorge Fernandes. (1993). Lógicas migratórias no Porto oitocentista. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da; BAGANHA, Maria Ioannis; MARANHAO, Maria José; PEREIRA, Miriam Halpern. Emigração/ Imigração em Portugal. Actas do Colóquio Internacional Emigração/Imigração em Portugal (sec XIX e XX). Lisboa: Fragmentos. 8 BENCHIMOL. Op. Cit. CARVALHO. Op. Cit.

Vila Real

3

0,71%

Porto

79

18,81%

Aveiro

38

9,05%

Coimbra

4

0,95%

Viseu

14

3,33%

Guarda

8

1,9%

Castelo Branco

12

2,86%

Leiria

3

0,71%

Santarém

3

0,71%

Lisboa

11

2,62%

Portalegre

1

0,24%

Setúbal

2

0,48%

Évora

0

0%

Beja

0

0%

Faro

2

0,48%

Açores

2

0,48%

Madeira

1

0,24%

Sem indicação

163

38,72%

Total

420

100%

Fonte: Inventários post mortem do Centro de Memória da Amazônia, cartórios Santiago, Leão, Fabiliano Lobato e Odon Rhossard

O quadro evidencia o intenso fluxo de saídas dos distritos localizados ao Norte de Portugal, consideravelmente os distritos do Porto (18,81 %), Braga (11,9%), Aveiro (9,05%) e Viana do Castelo (5,24%). Além dos motivos de expulsão já levantados existentes na região Norte de Portugal, estas cidades estão localizadas em áreas

litorâneas, o que favorecia sua saída, sobretudo pelo acesso facilitado aos meios de transporte e de agenciadores.9 A ligação existente entre o distrito do Porto, enquanto centro polarizador do Noroeste português, e o Brasil logo ressaltou na sua natureza quase umbilical, em que a corrente humana e comercial emerge como o traço mais relevante, criando a longa e duradoura teia de relações que assegurou a sua persistência durante longos anos. A manutenção tradicional do comércio nas mãos dos nortenhos, seja do grosso trato nos tempos coloniais e imediatamente após, seja do comércio a retalho, assume um papel relevante, na medida em que controlam uma fatia do mercado de trabalho, que era também uma parcela significativa do mercado em seu sentido mais amplo10. Dos 18,81% de saídas do Porto para Belém, o que corresponde a 79 indivíduos, 41 se identificaram nos autos de inventário como sendo comerciantes, envolvidos com firmas comerciais, livrarias, pequenas casas comerciais e loja de fazendas e miudezas. O português Jose Antonio Martins11, Barão de Monte Córdova, é um exemplo da íntima relação que os nortenhos possuíam com o comércio e como este era seu principal meio de promoção. Natural do Distrito do Porto com inventário datado de 1907, José Antônio declara que atua no comercio desde os 11 anos de idade e vindo para o Pará em 1856, estabeleceu-se com comércio, em 1864, na própria casa onde residia. O Barão de Monte Córdova mantinha negócios grandes de importação do estrangeiro e de exportação sob a razão social de Martins & Companhia. À data de seu testamento, em 1894, declara ter outra sociedade comercial sob a razão Leite & Companhia, junto com outro português, Joaquim Maria Leite, com negócio de comissões no interior. Os lucros que o comercio promoveu ao Barão de Monte Córdova, lhe garantiu a posse de, pelo menos, 11 terrenos distribuídos entre Belém e Portugal, além de 4 imóveis residenciais também nos dois territórios. Além dos bens imóveis, sua fortuna se resumia a uma grande quantidade de papéis de crédito, como ações de bancos, companhias seguradoras e títulos hipotecários.

9

Autos cíveis de inventários post mortem do Centro de Memória da Amazônia, cartórios Odon Rhossard, Fabiliano Lobato, Santiago e Leão. 10 ALVES, Jorge Fernandes. Os brasileiros: emigração e retorno no Porto Oitocentista. (Dissertação). Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1993. 11 Inventário de José Antônio Martins, ano de 1907. Centro de Memória da Amazônia. 11ª vara civel Cartorio Fabiliano Lobato.

A Revista Universal Lisbonense, de 1843, publicou que a razão da maior emigração da gente do Minho12 encontra-se facilmente no grande número de negociantes e lojistas dessa Província, que naquele instante se achavam estabelecidos no Rio de Janeiro e em outros portos, os quais pelas relações de parentesco, vizinhança e amizade atraem muitos outros conterrâneos, onde são, quase exclusivamente, empregados como caixeiros em lojas e armazéns. 13 A região sul de Portugal manteve números irrisórios de partidas, estando de acordo com a situação sócio econômica em que se encontrava, industrializada e provedora de uma quantidade maior de vínculos empregatícios. Da própria cidade de Lisboa contabilizou-se apenas 11 saídas, a considerar sua localização geográfica e o intenso movimento de seus portos.

Gênero Gráfico 01 – Indicadores de gênero dos imigrantes levantados

Gênero 500 400 300 200 100 0

397

Masculino 23 Masculino

Feminino

Feminino

Fonte: Inventários post mortem do Centro de Memória da Amazônia, cartórios Santiago, Leão, Fabiliano Lobato e Odon Rhossard.

Concordando com os demais estudos acerca da imigração portuguesa para o Brasil, as fontes que foram levantadas para este trabalho apontam a predominância de imigrantes do sexo masculino, com um total de 397 indivíduos, 95 % do inventários 12

Uma das províncias que constituem o território português, sendo composta pelos distritos de Viana do Castelo e Braga. Além do Minho, o território português possui as províncias de Trás os Montes, Douro, Beira Alta, Beira Baixa, Estremadura, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira. 13 “Emigração”, in Revista Universal Lisbonense, 1843, 3º tomo, p. 231. Neste artigo, a emigração minhota surge como contraponto à açoriana, sobre a qual o articulista afirmava: “A gente dos Açores pela maior parte é empregado na agricultura, concorrendo também para isso a sua inaptidão para outros misteres, o não saber ler nem escrever a mor parte dos que ali aportam”. In. ALVES, Jorge Fernandes. Os brasileiros: emigração e retorno no Porto Oitocentista. (Dissertação). Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1993.

levantados, em contrapartida ao pequeno numero de mulheres, total de 23 indivíduos, os 5% restantes. Tendo por base que a imigração deveria atender às necessidades de mão-de-obra tanto para a agricultura e extração vegetal (café e borracha amazônica) como para setores que exigem conhecimentos mais especializados (atividades ligadas à prestação de serviços, comércio e indústria), pode-se então, sem profundidade de análise, entender o número extremamente alto da quantidade de imigrados do sexo masculino14. A prática dos homens chegarem primeiro, vindo à procura de resolver problemas que deixavam em Portugal, visava criar condições para chamar os familiares ou retornar, podendo ser identificada como uma estratégia preventiva, para a hipótese de fracasso e/ou uma tática para enfrentar o desconhecido15 A emigração que, no século passado, partia de cidades como o Porto para o Brasil era constituída na sua grande maioria por jovens do sexo masculino, com idade próxima aos 14 anos. A dispersão etária é, no entanto, muito grande, com tendência para o alastramento a todos os escalões, o que no ano de 1839, se traduz concentrada em volta dos 14 aos 24 anos. Em virtude, porém, da exigência do recrutamento militar, o intervalo etário que terá maior representatividade será entre os 15 e os 19 anos, haja vista que o recrutamento exigia custos financeiros elevados para uma população, grande parte do Norte de Portugal, com parcos recursos16. Se o elemento masculino partia isolado, as dificuldades de emigração prolongavam a separação familiar. A mulher casada apenas podia sair do país com a autorização prévia do marido (decreto de 7/4/1863, art. 10). Era a dispersão familiar que constituía a garantia do envio de remessas de dinheiro dos emigrantes para as famílias, residentes em Portugal, remessas que se haviam transformado num dos alicerces da politica econômica e financeira portuguesa. Tentou-se limitar a corrente feminina através de regulamentação discriminatória, face aos inconvenientes da expatriação das mulheres, chegando a ser considerada como uma depreciação do fenômeno migratório, 14

CARVALHO. Op. Cit. MATTOS, Maria Izilda Santos de. Mulheres imigrantes portuguesas: ações, resistências e lutas. In: ANDREAZZA, Maria Luíza; BOSCHILIA, Roseli (org.). Portuguesas na Diáspora - histórias e sensibilidades. Curitiba: Ed. UFPR, 2011. 16 ALVES, Jorge Fernandes. (1993). Lógicas migratórias no Porto oitocentista. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da; BAGANHA, Maria Ioannis; MARANHAO, Maria José; PEREIRA, Miriam Halpern. Emigração/ Imigração em Portugal. Actas do Coloquio Internacional Emigração/Imigração em Portugal (sec XIX e XX). Lisboa: Fragmentos. 15

pois a permanência da mulher e da família na pátria era a garantia dos envios regulares das remessas17. De modo geral, os inventários não nos permitem uma indicação com certeza quanto a predominância de um gênero durante o movimento migratório moderno português, mas são importantes para apontarem a concordância com demais trabalhos que, utilizando outras fontes, definem melhor o perfil de gênero migrante.

Estado Civil Gráfico 02: Estado civil dos portugueses arrolados

Estado Civil 250

218

200

Casados

148

150

Solteiros

100

52

50

2

Sem indicação

0 Casados

Solteiros

Desquitados

Desquitados

Sem indicação

Fonte: Inventários post mortem do Centro de Memória da Amazônia, cartórios Santiago, Leão, Fabiliano Lobato e Odon Rhossard.

Dos 420 indivíduos encontrados, 218 estavam casados na data de seu inventário, entre homens e mulheres, o que nos remete a hipótese de uma migração do grupo familiar ou o estabelecimento de novas redes no local onde se fixaram. A migração de famílias ou o estabelecimento de redes familiares no lugar onde se encontram, pode ser encarada como um movimento de não retorno, uma vez que todo o corpo familiar se desloca para a região escolhida, onde se integram juntamente com os filhos, realizando investimentos com seu capital doméstico. O estabelecimento de redes familiares na localidade onde se estabeleceram intensifica o não retorno e impede a existência do ciclo de envio de remessas.

RAMOS, Maria da Conceição. Migrações internacionais e gênero – dinâmicas de participação das mulheres portuguesas imigrantes. In: ANDREAZZA, Maria Luíza; BOSCHILIA, Roseli (org.). Portuguesas na Diáspora - histórias e sensibilidades. Curitiba: Ed. UFPR, 2011. 17

Ainda que se considere a expressiva presença de portugueses no Pará e sua representatividade, sobretudo daqueles que adquiriam destaque em virtude de sua projeção econômica nas intensas atividades comerciais da cidade de Belém, era necessário aliar a esta riqueza alcançada outros fatores, como nome e tradição familiar, o que poderia ser alcançado através destas alianças conjugais com membros das famílias locais, que também se estendiam para alianças comerciais18. Dentre os indivíduos que empreenderam estas alianças, podemos destacar José Caetano Ribeiro da Silva19, rico comerciante no Pará, empreendeu alianças matrimoniais e comerciais consideráveis em Belém, as quais lhes garantiram não somente o aumento de sua fortuna, mas também maior prestígio e credibilidade. José Caetano Ribeiro da Silva era oriundo da região Norte de Portugal, bem como a maior parte dos imigrantes portugueses que escolheram o Brasil como destino, a data de sua chegada ainda nos é imprecisa, sendo seu registro de casamento a primeira fonte direta sobre sua presença no Pará20. José Caetano casou-se em 1885 com a paraense Emília Carlota da Silva Rabelo21, na Freguesia da Sé, a partir deste registro percebemos que a escolha de um cônjuge paraense já lhe garantiria uma tímida inserção na província, deve-se considerar também que as alianças exogâmicas se faziam cada vez mais presentes nos oitocentos, pois, como já é de conhecimento, frente a liquidez da economia e da circulação de dinheiro na capital, o fortalecimento de novos grupos sociais, o aumento populacional, a ampliação do setor de serviços e da administração, a tradicional elite local teve que flexibilizar e ampliar suas atividades. As alianças exogamias passaram a ser estabelecidas entre os homens de negócio, boa parte migrantes enriquecidos, com famílias já tradicionais, presentes a mais tempo na província22. De sua união com Emilia Carlota, José Caetano teve três filhos: José Caetano Ribeiro da Silva Junior, Maria Emilia Ribeiro Cunha e Maria Carlota Ribeiro da Silva,

18

CANCELA, Cristina Donza. Casamento e família em uma capital amazônica: (Belém 1870- 1920). Belém: Ed. Açaí, 2011. 19

Inventário de José Caetano Ribeiro da Silva, ano de 1900. Centro de Memória da Amazônia. 2ª Vara Cível – Cartório Odon Rhossard. 20 Registro de casamento de José Caetano e Emilia Carlota, datado de 1851, na Freguesia da Sé, no Oratório do Colégio de Nossa Senhora do Amparo. 21 Emilia Carlota era filha legitima de José Agostinho da Silva Rabelo e de dona Maria Carlota Rabelo, de cujos indivíduos não foi possível identificar outras fontes com informações a seu respeito. 22 Idem. Ibidem.

que também estabeleceram alianças matrimoniais com indivíduos de grande prestígio no Pará, grandes comerciantes cujo portfólio fora construído com os lucros extração e comercialização do látex. José Caetano Ribeiro da Silva Junior era casado com Domithilde Rocha Ribeiro da Silva, de cujo matrimonio não temos maiores informações, só sabemos que José Caetano Júnior faleceu dias antes de seu pai. As filhas Maria Emilia Ribeiro da Cunha e Maria Carlota Ribeiro da Silva eram casadas, respectivamente com os irmãos, Antônio José da Costa Cunha e Alberto Eduardo da Costa, brasileiros, grandes comerciantes no Pará, irmãos de João Gualberto da Costa Cunha rico e influente comerciante, sócio na firma comercial Darlindo Rocha & Cia ao lado de Bento Rebelo de Andrade23. Os irmãos Cunha ainda possuíam laços familiares, por parte de sua mãe, com a família La Roque, rica e influente família de comerciantes desde o período colonial. As alianças matrimoniais estabelecidas por José Caetano e os irmãos da família Cunha realçam ainda mais o modo como os indivíduos pertencentes à elite mercantil estavam imbricados em relações familiares de parentesco e afinidade, bem como nos negócios. Essa imbricação faz pensar que os enlaces matrimoniais poderiam potencializar, ou serem potencializados, por possíveis apoios na participação de cargos e funções dentro daquela instituição que congregava os principais homens de negócio do Estado. O casamento se forja, dessa maneira, enquanto mediador de relações de parentesco, comerciais e apoios políticos24. No caso de José Caetano é possível percebermos que as alianças que ele estabeleceu, especialmente as que envolviam suas filhas possuíam interesses agregados, que envolviam para além de afinidades entre os indivíduos, interesses econômicos, considerando a dinâmica social vivenciada na cidade de Belém. Para ampliar sua influencia na sociedade paraense, José Caetano optou pela endogamia no que diz respeito à renda e ao prestígio social para o casamento das filhas, o que de forma direta deve lhe ter garantido ainda mais influencia sobre a economia da província.

23

Inventário de Bento Rebelo de Andrade, ano de 1900. Centro de Memória da Amazônia. 2ª Vara Cível – Cartório Odon Rhossard. 24 Idem. Ibdem.

Reconhece-se a nova elite que se formava na província, constituída por grandes comerciantes, cosmopolitas, boa parte estrangeiros, que passou a dividir o espaço com os grandes fazendeiros do Marajó, com as famílias proprietárias de terras enraizados na região desde o período colonial. Embora se considere as alianças familiares como importantes aliadas para a busca de estabilidade nos meios onde se inserem estas não devem ser consideradas como únicas, visto que o numero considerável de imigrantes portugueses solteiros, 148 indivíduos, nos leva a entender que o status de casado não era a garantia de seu sucesso. Já citado anteriormente, o então Barão de Monte Córdova, Jose Antonio Martins, declara em seu inventario seu estado civil como de solteiro, apresentando-nos uma série de empreitadas que lhes garantiram inserção nos meio da província. Embora os dados apontem a supremacia de uniões legítimas entre os portugueses, faz-se necessário destacar os índices de uniões ilegítimas que foram encontradas nos inventários. Dos 148 portugueses que se declararam solteiros, 57 indicam em seus inventários e testamentos a existência de filhos, boa parte devidamente registrados por escritura publica de perfilhação e citados como devidos herdeiros dos bens arrolados. Além de boa parte destes inventariados citar o nome de seus devidos cônjuges, um total de 46 indivíduos. O português Antônio de Araújo Sampaio25 tinha como companheira Maria da Cruz Pinheiro, com quem possuía 6 filhos, registrados com escritura pública de perfilhação, sendo Manoel de Araujo Sampaio o único filho que residia em Portugal, fato que confirma a intima relação que havia entre os emigrados e sua terra natal, onde mantinham, em muitos casos, imóveis residenciais, quintas, além da própria família, ora esposa e filhos, ora filhos que estudavam nas universidades portuguesas. O patrimônio dos portugueses arrolados Os inventários levantados também nos permitiram observar o processo de adaptação e/ou reorganização da riqueza destes portugueses na região durante os anos de surgimento, crescimento e decadência da economia gomífera.

25

Inventário de Antônio de Araújo Sampaio, ano de 1905. Centro de Memória da Amazônia. 2ª Vara Cível – Cartório Odon Rhossard.

O estudo patrimonial destes imigrantes também é de relevante importância para a compreensão dos mecanismos que os mesmos utilizavam para a inserção no meio social na região amazônica, visto que muitos portugueses são tradicionalmente conhecidos como grandes donos de casas aviadoras, fazendas, seringais, imóveis, benfeitores em associações e grêmios recreativos, políticos e agregados de famílias de renome na região. Por assim estarem inseridos, e por conviverem com o dinâmico processo de crescimento econômico da região amazônica, os portugueses, gradativamente, foram investindo nas formas mais passiveis de lucro, como a aquisição de vários imóveis voltados para o aluguel, bem como de terrenos, além do investimento em ações e apólices, considerando que este período fora marcado pelo surgimento das grandes casas bancárias da província. A economia da borracha, a partir de seu efetivo estabelecimento na cidade de Belém no decorrer da década de 70 do século XIX, acentuou o processo de mudanças nas diversas esferas da sociedade paraense que já vinham ocorrendo desde a década de 50 do mesmo século. Mudanças que orquestraram novos signos de riqueza, pautados agora nos investimentos da cidade, em detrimento dos negócios da terra, principalmente, a criação de gado, a posse de engenhos, plantações e ainda a discreta atividade comercial. O conhecimento das rendas e de suas disparidades é igualmente uma das preocupações essenciais dos economistas e estatísticos atuais que se interessam também, em menor medida, pelos patrimônios26. Daumard observou no contexto da França desde o início do século XIX, que estudar as fortunas privadas é primeiramente tentar avaliar o enriquecimento ligado ao crescimento econômico e as consequências das crises econômicas e políticas que marcaram o contexto francês daquele período. A partir dessa interpretação de Adeline Daumard para a França, é relevante considerar estas mesmas questões para a cidade de Belém, que para além das riquezas produzidas pela economia gomífera, também recebeu em suas esferas os resultados das crises da borracha, suas reconfigurações, que diretamente influenciaram na concepção e constituição das fortunas. 26

DAUMARD, Adelaide. Hierarquia e riqueza na sociedade burguesa. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985.

1850 a 1869: surgimento da borracha nas pautas de exportação A historiografia conhecida sobre o período estudado apresenta que a partir dos anos de 1850, a borracha passou a firmar supremacia no comércio regional, tendo seu grande crescimento comercial, de fato, nos anos da década de 60. A crescente economia extrativa do látex disputava espaço com a economia ainda tradicional da província, pautada na posse de terras, criação de animais, engenhos de açúcar e arroz27. A flutuação de sua cotação foi marcada pela alta em 1860 e em seguida pela queda em 1870, para finalmente firmar-se no final da mesma. Sendo assim, no intervalo de 1850 a 1869 as casas (33%), os terrenos (11%), os engenhos (6%) e os escravos (28%) constituíam os elementos básicos de composição das fortunas. O português Luiz Monteiro da Silva, natural da cidade do Porto, teve o inventário aberto juntamente com a esposa Maria Barbara da Cunha Barros, em 1858. No arrolamento dos bens do casal é declarado a existência de um engenho de água ardente, junto ao engenho havia uma olaria e mais 4 embarcações, localizados no Rio Anapu, na Ilha do Marajó. Ainda é declarado um plantel de 59 cativos, plantações de cana de açúcar e cacau, além de 7 casas e 3 terrenos espalhados na crescente cidade de Belém. A Ilha do Marajó era conhecida por sua intensa atividade pecuarista, com seus grandes campos voltados para a pastagem do gado, era comum encontrar em suas extensões propriedades de tamanho consideráveis, como a de Luiz Monteiro da Silva, como resquício ou memória das sesmarias concedidas pela coroa portuguesa aos donatários no Pará, propriedades que mais tarde serão áreas de exploração da borracha, como nas outras regiões de Ilha, como aponta João Pacheco de Oliveira, localizadas relativamente próximas a Belém e seus distritos, que compreendiam os rios Jari, Capim, Guamá, Acará, Moju e Xingu28.

27 28

SARGES, Maria de Nazaré. Riquezas produzindo a Belle Époque. Belém: Pakatatu, 2002.

OLIVEIRA, João Pacheco de. “O caboclo e o brabo: notas sobre duas modalidades de força-detrabalho na expansão da fronteira amazônica no século XIX”. Encontros com a Civilização Brasileira. nº 11, maio, 1979.

O cacau e o açúcar foram gêneros que permaneceram em pauta durante a crescente participação da extração da borracha, além da castanha e do couro. No entanto, o açúcar passou a ter seu decréscimo na medida em que a produção dos engenhos também declinava, ora tão importantes para a economia local. A falta de capital, a dificuldade de importar maquinaria, a precariedade do sistema de frete para levar o produto para o porto e, finalmente, a alta tributação que incidia sobre o açúcar eram, na opinião de Ciro Flamarion Cardoso, os motivos da pouca produção de açúcar na capitania do Grão Pará, fazendo com que houvesse muito mais engenhocas produtoras de agua ardente, que exigia menor custo e possuía grande demanda29. É importante destacar a importância de embarcações em áreas de Ilha, como no Marajó e a dinâmica de produção dos engenhos e olarias. Os rios eram os condutores das produções, das riquezas na região amazônica, as embarcações mais extensas que eram utilizadas como regatões, comercializavam com comunidades demasiadamente afastadas das áreas um tanto mais urbanizadas da região. Sobretudo após a abertura oficial dos rios amazônicos para a circulação de embarcações estrangeiras responsáveis pelo incremento no transporte de mercadorias e pessoas, onde pode-se observar a atuação de várias companhias de navegação, como a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, de propriedade do Barão de Mauá; a Companhia Fluvial Paraense e a Companhia do Alto Amazonas, que garantiam não somente a circulação de pessoas, mas também de mercadorias entre as cidades da região. Neste mesmo período, em que o interior possuía grande importância para a realização das atividades comerciais, para a efetivação das práticas agrícolas, a cidade também começa a ganhar maior relevância, sobretudo pela dinamização das relações comerciais e sociais que nela se estabelecem. Na medida que a cidade crescia, os alugueis de imóveis passaram a ser significativos para o sustento de famílias que possuíam mais de um imóvel disponível na cidade, e quanto mais dinâmica a cidade se apresentava, mais altos eram seus

29

CARDOSO, Ciro Flamarion. Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas. Guiana Francesa e Pará (1750-1817). Rio de Janeiro: Graal, 1984.

valores. Segundo o inglês Bates, uma miserável casa, de dois cômodos e sem nenhum conforto era alugada por 18 libras esterlinas por ano. 30 Era comum encontrar nos inventários portugueses com mais de uma propriedade de casas, como o dito Jose Antônio dos Santos, também natural do Porto, não declarou profissão, mas deixou como herança 6 casas na cidade de Belém, para os filhos e sua viúva. A posse de mais de uma propriedade habitacional nos indica oportunidades de negócios em uma cidade que crescia, era comum os aluguéis de imóveis diante do fluxo de pessoas que migravam para a cidade ou que ora passavam curtas temporadas à negócios. Gráfico 3: Composição das fortunas no intervalo de 1850-1869

Bens 1850-1869

bens 1850-1869

ações dividas… hipotecas letras… seringueiras jóias promissóri… títulos carros_car… embarcaç… apólices aluguéis libras reis fortes casas terrenos posses de… rocinha engenhos fazendas escravos animais

35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%

Fonte: Inventários post mortem do Centro de Memória da Amazônia, cartórios Santiago, Leão, Fabiliano Lobato e Odon Rhossard.

1870 a 1909: Consolidação da economia gomífera

Quando em 1870 a borracha alcança estabilidade nas pautas de exportação e os preços estão mais estáveis, sente-se o crescimento acelerado do comércio, dos bancos e estabelecimentos afins, fazendo com que a fortuna estivesse ligada aos novos elementos constituintes da economia amazônica. É neste período que as ações comerciais (16%), letras (6%), apólices (2%) e hipotecas (1%) tornam-se os mais frequentes elementos constituintes das fortunas, juntamente com as casas (33%) e terrenos (22%) que se mantém quase constantes nos arrolamentos de bens, embora a cidade tenha se tornado

30

BATES, Henry Walter. Um Naturalista no Rio Amazonas. Belo Horizonte; São Paulo: Editora Itatiaia; Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

mais dinâmica. Comprovando que a mudança nas formas de riqueza manifesta, mais imediatamente, alterações estruturais na organização econômica da sociedade31. A presença de escravos, fazendas, plantações e engenhos é mínima neste intervalo de tempo. Ao longo da segunda metade do século XIX a população escrava sofre um decréscimo considerável, sobretudo pelo crescimento demográfico da população e o aumento da migração de estrangeiros, especialmente os portugueses, madeirenses e alemães, além dos nordestinos, que se dirigiam para a capital da província32. Embora as atividades ligadas a terra, como as plantações e criações de animais ainda continuassem ativas na região, seu espaço passa a ser ocupado pela ampliação das estruturas voltadas para a exploração e comercialização da borracha, como a abertura das estradas de seringa, dos barracões e os casarões dos grandes seringalistas. Bárbara Weinstein considera que os últimos anos da década de 1870 foram os que assinalaram o inicio da expansão da borracha. O volume de produção, na década de 1880 quase que duplicaram, depois de terem a maior alta nos anos 60. Demograficamente, a autora considera que o crescimento foi constante, mas não espetacular, e a fase de rápido aumento da população só começou de fato na década de 1890. Os novos imóveis que surgem consolidam-se nas áreas de expansão da cidade, como a Estrada de São Brás, José Bonifácio e outras. A compra de imóveis nestas áreas de expansão tornou-se um investimento rentável para a elite local, sobretudo por serem voltados para o arrendamento, uma vez que os valores dos aluguéis eram altos33. Em 1877, encontramos o português Antônio da Silva Maia34, natural do Distrito do Porto que declara a existência de 28 imóveis na cidade de Belém, sem informar sua ocupação, o inventariado nos faz inferir que sua renda provinha dos alugueis dos numerosos imóveis que possuía.

31

MELLO, Maria Zélia Cardoso de. Metamorfoses da Riqueza São Paulo, 1845-1895. São Paulo: HUCITEC/PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 1985. 32 BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão negra no Grão-Pará. Belém: Pakatatu, 2001. 33 CANCELA. Op. Cit. 34 Inventário de Antônio da Silva Maia, ano de 1877. Centro de Memória da Amazônia. 2ª Vara Cível, cartório Odon Rhossard.

Os dados do diretor de estatística da província, Barroso Rebello, apontam que na década de 70 do século XIX, Belém registrava o total de 63.465 habitantes, contando as pessoas que moravam na capital e nos distritos de São Domingos, Acará, Pinheiro, Ilha das Onças, Jenipaúba, Caraparu, e outras áreas que estavam ligadas administrativamente a capital da província35. Belém começa a ter seu traçado urbano alterado, em virtude do boom da produção de borracha. A cidade torna-se o principal porto de escoamento da produção do látex, além de se tornar a vanguarda cultural da região. O processo de urbanização estabelecido em Belém, a partir da segunda metade do século XIX, estava ligado, sobretudo, a função comercial, financeira, politica e cultural que desempenhara durante a fase áurea da borracha36. Durante este período de crescimento da cidade, percebemos a instalação de vários estabelecimentos bancários, companhias de seguro e de navegação, que tornamse investimentos rentáveis para os portugueses, sobretudo pela compra de suas ações, numerosamente declaradas em seus testamentos e inventários. A portuguesa Cândida Rosa de Faria Barbosa37 possuía 120 ações do Banco Comercial do Pará, 120 ações do Banco do Norte, além de 26 letras hipotecárias do Banco Norte do Brasil. Joaquim da Costa Oliveira38, comerciante no Pará, possuía 330 ações da firma inglesa Pará Eletric Railways and Lighting Company, responsável pela viação publica e iliminação de Belém. Gráfico 4: Composição das fortunas no intervalo de 1870-1909 40% 30%

Bens 1870-1909 Bens 1870-1909

20% 0%

35

ações dividas… hipotecas letras… seringuei… jóias promissó… títulos carros_c… embarca… apólices aluguéis libras reis fortes casas terrenos posses… rocinha engenhos fazendas escravos animais

10%

Idem. SARGES. Op. Cit. 37 Inventário de Cândida Rosa de Faria Barbosa, ano de 1895. Centro de Memória da Amazônia. 2ª Vara Cível – Cartório Odon Rhossard. 38 Inventário de Joaquim da Costa Oliveira, ano de 1913. Centro de Memória da Amazônia. 11ª Vara Cível – Cartório Fabiliano Lobato. 36

Fonte: Inventários post mortem do Centro de Memória da Amazônia, cartórios Santiago, Leão, Fabiliano Lobato e Odon Rhossard.

1910 a 1920: a longa decadência e o pós crise Mesmo no período em que há a queda dos preços da borracha e a grande onda de falências na região norte (1910-1920), os elementos constituintes da fortuna no período anterior, ainda se conservam, especialmente as casas e terrenos. Gráfico 5: Composição das fortunas no intervalo de 1910-1920

Bens 1910-1920

50%

Bens 1910-1920

40% 30% 20% 0%

ações dividas… hipotecas letras… seringueiras jóias promissóri… títulos carros_car… embarcaç… apólices aluguéis libras reis fortes casas terrenos posses de… rocinha engenhos fazendas escravos animais

10%

Fonte: Inventários post mortem do Centro de Memória da Amazônia, cartórios Santiago, Leão, Fabiliano Lobato e Odon Rhossard.

Em todos os períodos foi possível identificar portugueses que mantinham imóveis tanto no Pará quanto em Portugal, bem como mantinham familiares residindo na terra natal, normalmente filhos. Antônio de Araújo Sampaio39, além de possuir casas em Portugal, sustentava seu filho mais velho Manoel de Araújo Sampaio nos estudos no mesmo país. Além de casas em Portugal, ele também possuía em Belém, onde os alugueis lhes garantiam o sustento, conforme é transcrito em seu inventário, deixando como herança para os 6 herdeiros o valor dos bens em seu país natal e o valor dos aluguéis no Pará. Entendemos assim a riqueza que há nas relações estabelecidas entre os imigrantes portugueses e a cidade de Belém, a região amazônica como um todo. O envolvimento que estes tiveram com o desenvolvimento da cidade e com a dinamização das próprias relações sociais, passando de estrangeiros, para protagonistas de sua própria história, protagonistas de várias fases da história do Pará.

39

Inventário de Antônio de Araújo Sampaio, ano de 1905. Centro de Memória da Amazônia. 2ª Vara Cível – Cartório Odon Rhossard.

Considerações finais Apresentamos o resultado de um estudo ainda em andamento, que não necessariamente entende o coletivo como um modelo único de explicação dos fatos, uma vez que quando se agrupam os atores, neste caso específico os imigrantes portugueses, deve-se considerar a existência entre eles, não somente de pontos de homogeneidade, mas também, elementos que os tornam heterogêneos, uma vez que variáveis como gênero, condição social, ocupação e elementos subjetivos a cada indivíduo acabam sendo marcadores importantes de suas trajetórias. As fontes utilizadas nos ajudam na busca por outras mais que podem auxiliar em um estudo ainda mais detalhado a respeito da caracterização deste grupo, além de suas especificidades. Nosso desafio na pesquisa foi e ainda é o de localizar tantos outros portugueses que nem fizeram seus inventários e testamentos ou que não tenham se habilitado no Grêmio Literário e Recreativo Português, em Belém. Localizar suas histórias e trajetórias que auxiliaram para a formação e desenvolvimento da cidade de Belém durante os séculos XIX e XX, e que deixaram traços de sua cultura até nos dias atuais.

Referencias

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Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

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Acesso em: 20 mar. 2013. MATTOS, Maria Izilda Santos de. Mulheres imigrantes portuguesas: ações, resistências e lutas. In: ANDREAZZA, Maria Luíza; BOSCHILIA, Roseli (org.). Portuguesas na Diáspora - histórias e sensibilidades. Curitiba: Ed. UFPR, 2011, p. 175-193. MELLO, Maria Zélia Cardoso de. Metamorfoses da Riqueza São Paulo, 1845-1895. São Paulo: HUCITEC/PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 1985. OLIVEIRA, João Pacheco de. “O caboclo e o brabo: notas sobre duas modalidades de força-de-trabalho na expansão da fronteira amazônica no século XIX”. Encontros com a Civilização Brasileira. nº 11, maio, 1979. RAMOS, Maria da Conceição. Migrações internacionais e gênero – dinâmicas de participação das mulheres portuguesas imigrantes. In: ANDREAZZA, Maria Luíza; BOSCHILIA, Roseli (org.). Portuguesas na Diáspora - histórias e sensibilidades. Curitiba: Ed. UFPR, 2011, p. 139-161. SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. SARGES, Maria de Nazaré. Riquezas produzindo a Belle Époque. Belém: Pakatatu, 2002. WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (18501920). São Paulo: HUCITEC/EDUSP, [1983] 1993.

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