A Morte de Fidel Castro e Dilemas da Revolução Cubana diante dos Estados Unidos de Donald Trump

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A Morte de Fidel Castro e Dilemas da Revolução Cubana diante dos Estados Unidos de Donald Trump

Carlos Frederico Pereira da Silva Gama Diretor de Assuntos Internacionais Professor de Relações Internacionais Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Publicado em SRZD em 26 de Novembro de 2016 http://www.sidneyrezende.com/geral/morte-fidel-revolucao-cubana-trump/ Aos 90 anos, morreu um dos últimos grandes revolucionários do século XX: o cubano Fidel Castro. Castro figura com destaque em uma seleta lista que vai da Revolução Mexicana aos Sandinistas. Liderou uma revolução popular que construiu, sobre as ruínas de regimes autoritários de longa duração, um estado de inspiração socialista. Fidel será lembrado por muitos como a figura central do movimento que, em meia década, saiu das cadeias do ditador Fulgencio Batista para a conquista de Sierra Maestra. O sucesso da Revolução Cubana inspirou globalmente guerrilhas de libertação nacional capazes de vencer exércitos regulares – o “foquismo” de Ernesto Che Guevara. O advogado Fidel foi a face pública desse sucesso: a liderança carismática capaz de alavancar mudanças globais via transformações locais. Outros darão destaque para a sua longeva condução do novo estado cubano. Integrante da primeira geração de revolucionários, Castro esteve à frente das instituições do regime por cinco décadas, quase tão longas quanto seus discursos memoráveis. 30 anos separam a chegada dos revolucionários em Havana da queda do Muro de Berlim (1989). A imagem pública de Fidel como revolucionário lentamente cedeu espaço para um cauteloso conservadorismo. Cuba se tornou um protetorado dos EUA após a Guerra Hispano-Americana (1898) e foi ocupada (incluindo a famosa base militar de Guantánamo). Uma cláusula em sua constituição (a Emenda Platt) autorizava intervenções dos EUA na política local. A ditadura Batista apoiou os Aliados na Segunda Guerra Mundial e sua fidelidade a Washington era inquestionada. Ao romper com os EUA e se apoiar na então pujante União Soviética, Cuba se tornou a pedra no sapato de Washington e Fidel, o novo inimigo público número 1. Para milhares de cubanos expatriados no sul dos Estados Unidos, era a liderança autoritária mais antiga do continente americano. A ojeriza à Revolução Cubana se misturou de forma intensa com a estigmatização da figura de Castro – um fantasma que ainda era temido após o fim da Guerra Fria. Como todas as grandes revoluções, a de Cuba sofreu intensa e rápida oposição por parte de vizinhos poderosos. Os EUA patrocinaram a invasão da Baía dos Porcos (1961), bem como centenas de tentativas de assassinato de Fidel. A Revolução sobreviveu à confrontação nuclear da crise dos Mísseis (1962) mas chegaria a um novo milênio sob o signo da incerteza. Uma contradição do estado revolucionário é seu caráter dualista. Cuba buscou a transição do capitalismo subordinado da plantation para uma economia socialista industrializada e autônoma. Nessa longa marcha, a economia cubana gravitou ao redor da economia planificada oriunda de outra revolução – a União Soviética. Ao mesmo tempo, o regime cubano buscou novas parcerias nos movimentos de liberação no Sul global, aos quais forneceu know-how e inspiração (esse amplo leque de parceiros vai das FARC na Colômbia às guerrilhas em Moçambique e Angola, vitoriosos na década de 1970). Ao intensificar suas conexões globais, a Revolução Cubana tornou mais dramáticas suas escolhas domésticas. Inicialmente repudiadas, a Perestroika e a Glasnost de Mikhail Gorbatchev chegaram em Cuba, à medida que a União Soviética diminuía seu apoio econômico. A queda de Gorbatchev num golpe militar e o fim da União Soviética (1991) trouxe estrangulamento econômico. Reformas econômicas limitadas (tais como investimentos no turismo e permissão de pequenos empreendimentos privados) foram imediatamente adotadas. Cuba retomou antigos parcerias (com países de língua espanhola e a Igreja Católica) e procurou alavancar a economia com o petróleo da Venezuela de Hugo Chávez

e investimentos chineses na indústria (Zonas Especiais de Exportação, como o Porto de Mariel). Outros países reataram seus laços com Cuba – o Brasil reconheceu o regime revolucionário em 1986 e começou a investir na região em 2000. Nesse momento, os EUA intensificavam a pressão sobre Cuba e seus aliados. A Lei Helms-Burton (1996) retaliava países que investissem na ilha. O Plano Colômbia (2000) representou duro golpe contra as FARC. Os EUA reconheceram como legítimo o governo oriundo do golpe de estado contra Chávez (2002). Cuba permanecia excluída da Organização dos Estados Americanos e Guantánamo se tornou um centro de prisões ilegais e de tortura na “guerra contra o Terror”. A crise econômica internacional de 2008 acelerou a transição política doméstica e aliviou parte das pressões externas. Através da gradual transferência de funções para seu irmão Raúl e remanescentes da primeira geração revolucionária, Fidel enviou sinais de moderação e resiliência. A OEA retirou as restrições à participação cubana em suas atividades. Por considerar Cuba parte de um hub econômico transoceânico, o recém-eleito Barack Obama mostrou disposição para o diálogo. Negociações mediadas pelo Papa Francisco I levaram à reaproximação entre Cuba e EUA em Dezembro de 2014, com a reabertura de embaixadas e regularização do turismo1. A normalização das relações diplomáticas entre Cuba e EUA foi uma decisão pragmática2. Com o fim da Guerra Fria, Cuba tinha um leque limitado de parcerias, insuficientes diante da oposição dos EUA. A passagem do poder de Fidel para Raúl Castro e a eleição de Obama são dois efeitos da crise de 2008 – esta aumentou os custos da animosidade e abriu uma janela de oportunidade para investimentos do ponto de vista da integração econômica regional. Os EUA seguiram o exemplo de outros estados que se (re)aproximaram da ilha, disputando investimentos com Brasil, China, Rússia e membros da União Europeia. Do ponto de vista cubano, o que está em jogo é o próprio futuro da Revolução, num contexto de envelhecimento da liderança política e de incerteza econômica fruto da persistência do embargo. Em 2016, pela primeira vez em 55 anos, o governo dos EUA não apoiou simbolicamente o embargo a Cuba, em votação na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas. Ao passar a responsabilidade sobre o embargo para o Congresso, Obama esperava fortalecer o Partido Democrata com sua vitória diplomática. A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016 coloca em risco esse cenário de coexistência pacífica3. A candidatura Trump se cristalizou na Flórida em Março, após vitória desmoralizante sobre Marco Rubio (de origem cubana). Em contraste com a apatia de Hillary Clinton, Trump habilmente mobilizou o voto dos expatriados contrários à aproximação. Trump venceu na Flórida e o Partido Republicano obteve maioria nas duas casas do Congresso. Essas vitórias coincidem com o protecionismo econômico do novo presidente para dar sobrevida ao embargo de seis décadas. A postura beligerante de Donald Trump e seu repúdio a mecanismos de integração dificultam parcerias entre EUA e América Latina no futuro próximo. As relações com Cuba são um item volátil nessa panela de pressões. O governo Trump diminuirá significativamente a margem de autonomia dos estados da região com sua ênfase no bilateralismo assimétrico e punitivo. Fragmentada, a América Latina tem muito a perder. A promessa de expulsão massiva de imigrantes latinos dos EUA aumenta os custos do silêncio solitário no plano regional. Nesse contexto, a morte de Fidel tem um peso simbólico: fortalece o tom imperial dos discursos de Trump perante os vizinhos. A Revolução Cubana sobreviveu à Guerra Fria. A morte de Fidel não encerra as contradições, tampouco seus potenciais.

1

Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2014). “A Reaproximação Estados Unidos-Cuba e a Política Externa Brasileira”. Em MUNDORAMA. Disponível em: http://mundorama.net/2014/12/23/a-reaproximacao-estados-unidos-cuba-e-a-politica-externabrasileira-por-carlos-frederico-pereira-da-silva-gama/. Acesso em: 23 de Dezembro de 2014. 2 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2015). "A Abertura de Cuba e Transformações da Ordem Internacional", Em Debate, v.7, n.4 (Setembro 2015), pp.34-41. 3 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2016). “Os Estados Unidos de Donald Trump no Day After da Esperança Internacional pósGuerra Fria”. SRZD. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/geral/estados-unidos-trump/. Acesso em: 09 de Novembro de 2016.

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