A Mudança de Perfil da Política Externa Russa e Seus Impactos No Cenário Internacional Contemporâneo

Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO Graduação em Relações Internacionais

BEATRIZ MACIEL PONTES

A MUDANÇA DE PERFIL DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA E SEUS IMPACTOS NO CENÁRIO INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEO

Rio de Janeiro Junho, 2015

BEATRIZ MACIEL PONTES

A MUDANÇA DE PERFIL DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA E SEUS IMPACTOS NO CENÁRIO INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEO.

Monografia

apresentada ao

Curso

de

Graduação em Relações Internacionais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Relações Internacionais, sob orientação do Prof. Dr. Paulo Afonso Monteiro Velasco Júnior.

Rio de Janeiro Junho, 2015

BEATRIZ MACIEL PONTES

A MUDANÇA DE PERFIL DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA E SEUS IMPACTOS NO CENÁRIO INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEO.

Monografia

apresentada ao

Curso

de

Graduação em Relações Internacionais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Relações Internacionais, sob orientação do Prof. Dr. Paulo Afonso Monteiro Velasco Júnior.

__________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Afonso Monteiro Velasco Júnior – IUPERJ Orientador

__________________________________________________ Prof. Ms. João Ricardo Viegas – IUPERJ Prof. Revisor

Aprovada em: ____/_____/_____

Conceito: ________

Beatriz Maciel Pontes A Mudança de Perfil da Política Externa Russa e Seus Impactos no Cenário Internacional Contemporâneo. 2015 53 f. Orientador: Paulo Afonso Monteiro Velasco Júnior Monografia de conclusão de curso, Universidade Candido Mendes, Graduação em Relações Internacionais. 1 – Colocando a Rússia de Pé 2 – O Marco Simultâneo do Declínio e da Emergência 3 – O Universo Pós-Moderno das Potências Médias I - Paulo Velasco II - Universidade Candido Mendes III - A Mudança de Perfil da Política Externa Russa e Seus Impactos no Cenário Internacional Contemporâneo.

DEDICATÓRIA Correr o risco involuntário de perder uma pessoa pela qual sinto um amor que quase não cabe em mim me fez entender o quão efêmera é a vida. Ter ganhado a oportunidade de renascer com ela também me fez enxergar tudo que realmente importa. Por ser bárbara em todos os aspectos da vida, pelo laço de irmandade e amor, pelo companheirismo, por me ensinar a crescer com meus erros e acertos, por me defender como se fosse ela mesma o próprio alvo das críticas, dedico esta monografia à Bárbara Maciel Pontes, minha irmã de alma e sangue, necessariamente nessa ordem.

AGRADECIMENTOS A Deus, por ser a paz, a força e a esperança de todos os momentos da minha vida. Aos meus pais por todo amor e dedicação de sempre, por terem confiado na criação que me deram e por terem entendido as minhas necessidades e escolhas, por mais dolorosas que tenham sido para eles. Aos familiares, especialmente: Meus padrinhos Vicente e Jorgete, por terem aceitado de coração aberto adaptar suas vidas para me receber e cuidar de mim com o mesmo amor e carinho de pai e mãe. Meu padrinho “segundinho” Wagner Artese que, muitas vezes, se comportou como o avô que eu não tive, pelo exemplo e amor incondicional. Minha cunhada Juciara, por cuidar de uma parte muito importante de mim como se fosse sua própria vida. Meu tio Walter Novaes, por acreditar em mim e por me motivar com o seu carinho. As melhores amigas que alguém pode ter na vida, Larissa Azeredo, Lorena Fontes, Bárbara Serra e Taíssa Cabral, pela confiança, compreensão e amor. Aos meus primeiros grandes exemplos profissionais que nortearam toda a minha busca pela carreira dos sonhos, Sebastião Nery Júnior, Vitor Frias, Roberta Viola e Cristiano Dias. Aos presentes que o IUPERJ me deu, Thatiana Afonso, Carolina Lima, Laissa Rodrigues, Iohana Berto e Gabriela De Bonis, pelos momentos memoráveis, pelo companheirismo e por terem igualmente se desesperado comigo ao longo de todo o processo de produção deste trabalho monográfico. O apoio delas foi e vai continuar sendo essencial para mim. A Mariana Barreto, por me fazer acreditar no lado positivo de todas as coisas na vida, por mais perturbadoras que pareçam. A Thalles de Andrade, por me ensinar que nem tudo na vida se resolve com choro e, principalmente, por se fazer importante a ponto de ser a primeira pessoa na qual penso quando preciso compartilhar minhas alegrias e angústias.

As professoras Ivi Elias e Beatriz Mattos, pelo carinho e por terem me auxiliado de inúmeras e valiosas formas ao longo desses anos de curso. Ao professor Fabiano Mielniczuk, por me fazer sair da inércia com suas dicas e pela colaboração bibliográfica. Ao meu professor e leitor crítico deste trabalho monográfico, João Ricardo Viegas, por todo apoio e dedicação. Ao meu professor e orientador Paulo Velasco, por ser a minha grande referência, por me ensinar a amar ainda mais as relações internacionais e por ter assumido, junto com o encargo de orientador, a função de psicólogo e amigo em muitos momentos.

Acho que, no mínimo, um chefe de Estado deve ter cérebro. E, para construir relações interestatais, não deve ser guiado por emoções, mas, sim pelos interesses fundamentais dos seus países. Vladimir Putin

Resumo: A chegada de Vladimir Putin ao poder, vai representar o esforço mais significativo de implementar mudanças, associar os interesses de política externa à política interna e de reconhecer como base da presença russa no cenário internacional o “excepcionalismo” gerado pelo fim da União Soviética. Como um dos fatores condicionantes a esse fato, surge no ambiente internacional do pós 11 de setembro a concepção de perda relativa de poder norte americano, a qual transformou o cenário internacional em um ambiente extremamente favorável ao surgimento de novos atores, temas e prioridades na agenda internacional. A ascensão de Putin, concomitantemente ao evento ainda recente dos atentados terroristas, representou uma mudança extremamente significativa no perfil de política externa da Federação e, consequentemente, na forma com que suas ações passaram a refletir nos demais países do sistema internacional. O fortalecimento interno do ponto de vista político e econômico foi entendido e incorporado aos planos do presidente, juntamente com a restauração do papel do Estado na economia e o combate à corrupção. Solucionados tais problemas de jurisdição doméstica, ou pelo menos controlados, Putin rumou para uma dinâmica de projeção internacional mais efetiva, fato que acabou por modificar sensivelmente a sua posição no mundo.

Palavras-chave: Rússia – Política Externa – Governo Putin – Ordenamento Global – Multilateralismo.

Abstract: The arrival of Vladimir Putin to power will represent the most significant effort to implement changes, to associate the interests of foreign policy to domestic policy and to recognize as the basis of russian presence in the international arena the “exceptionalism” generated by the colapse of the Soviet Union. One of the determining factors to this question, appears in the international esphere in after the September 11, a conception of relative loss of north american power, wich transformed the international scene in a extremely favorable to the emergence of new actors, themes and priorities on the international agenda. The rise of Putin, concurrently with the still recent event of terrorist attacks, represented an extremely significant change in the Federation's foreign policy profile and, consequently, the way in which its shares began to reflect on other actors in the international system. The internal strengthening of political and economic point of view was understood and incorporated into the president 's plans, along with the restoration of the state's role in the economy. After this, Putin headed for a new dynamic of more effective international projection, fact that turned out significantly its position in the world.

Keywords: Russia – Foreign Policy – Putin Government – Global Order – Multilateralism.

Lista de Abreviaturas e Siglas AIEA- Agência Internacional de Energia Atômica BRICS- Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul CEI- Comunidade dos Estados Independentes CSNU- Conselho de Segurança das Nações Unidas EUA- Estados Unidos da América FMN- Frota do Mar Negro IBAS- Índia, Brasil e África do Sul OMC- Organização Mundial do Comércio ONU- Organização das Nações Unidas OSCE- Organização para a Segurança e Cooperação na Europa OTAN- Organização do Tratado do Atlântico Norte PIB- Produto Interno Bruto RPC- República Popular da China SCO- Organização Xangai de Cooperação UE- União Europeia URSS- União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

SUMÁRIO Resumo .......................................................................................................................... 09 Abstract ......................................................................................................................... 10 Lista de Abreviaturas e Siglas ..................................................................................... 11 Introdução ..................................................................................................................... 13 Capítulo 1: Colocando a Rússia de Pé ........................................................................ 16 1.1 As três culturas de anarquia: a origem dos problemas da Rússia no seu entorno regional ............................................................................................ 16 1.2 A problemática da construção da identidade do Estado ............................... 19 1.3 O afastamento da influência russa ................................................................ 21 1.4 Os conflitos na região do Cáucaso ................................................................ 23 1.5 Falhas na estrutura democrática como fonte de conflito .............................. 24 1.6 O 11 de setembro e seus efeitos para as políticas de contenção de grupos separatistas .................................................................................................... 27 Capítulo 2: O Marco Simultâneo do Declínio e da Emergência .............................. 30 2.1 A nova estratégia hegemônica dos Estados Unidos ..................................... 30 2.2 O apogeu da influência ................................................................................. 31 2.3 Estratégias russas do pós 11 de setembro ..................................................... 33 2.4 A hostilidade europeia .................................................................................. 36 2.5 A crise energética ......................................................................................... 40 Capítulo 3: O Universo Pós-Moderno das Potências Médias ................................... 41 3.1 Cooperação Sul-Sul: o prelúdio dos BRICS ................................................. 41 3.2 O lugar da China na política externa russa ................................................... 43 3.3 Relação Brasil-Rússia ................................................................................... 45 3.4 O diálogo com o Irã ...................................................................................... 46 Conclusão ...................................................................................................................... 49 Referências Bibliográficas ........................................................................................... 52

INTRODUÇÃO Os acontecimentos da década de 80 revelam-se como sendo de extrema importância para o entendimento do colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e, consequentemente, da onda de decadência e inópia enfrentada pela sucessora de suas prerrogativas já no contexto do pós Guerra Fria: a Rússia. Em meio ao que pode ser caracterizado como o auge da competição pela hegemonia do cenário político-ideológico mundial com os Estados Unidos da América (EUA), a União Soviética começou a dar fortes indícios de que não seria capaz de se igualar ou de manter um equilíbrio com o outro polo da dinâmica da Guerra Fria. O lançamento do projeto “Guerra nas Estrelas” por parte do governo norte-americano pode então ser entendido, dentro desse contexto, como um marco da incapacidade soviética de acompanhar o ritmo gerado pelos próprios protagonistas da Guerra Fria. A euforia gerada pela possibilidade da União Soviética vir a ditar as regras do jogo com o fim do conflito, rapidamente deu lugar a uma grave instabilidade política e contínua decadência econômica. Nem mesmo as reformas propostas por Gorbachev foram capazes de conter a grave crise, levando então ao fim da URSS. Em 1991, pela primeira vez depois do fim da II Guerra Mundial, os Estados voltariam a se deparar com um ordenamento global unipolar guiado pela superpotência vencedora de uma guerra, ou seja, os EUA. Desestabilização política, paralisia econômica, perda de credibilidade, desvalorização do rublo e avanço crescente de crises sociais. Era esse o cenário da Rússia durante o governo Boris Yeltsin. O desmantelamento pouco cuidadoso da União Soviética para o modelo de capitalismo liberal propagado pelo Ocidente surtiu efeitos extremamente danosos para a economia já decadente desde meados da década anterior. A inexistência de uma estrutura capitalista efetiva teve como resultado, variáveis pouco comuns à antiga URSS. Em somente dois anos o Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia encolheu em torno de 50%. Pela sorte ou azar de Yeltsin, a economia Russa retomou um extraordinário ritmo de crescimento em 19941995 com a valorização das commodities nacionais, consequência da crise do petróleo do Oriente Médio. Todavia, voltou a sofrer com os efeitos de uma recessão semelhante, agora, nos países asiáticos. Yeltsin não consegue dar conta dos problemas enfrentados pela Federação e renuncia em 1999, abrindo espaço para eleições no país (MACFARLANE, 2006). As dificuldades do período pós Guerra Fria se mostrariam eminentes para quem quer que tivesse vencido as eleições russas no ano 2000 por conta da gravidade da situação 13

desenhada indesejavelmente tanto por Gorbachev quanto por Boris Yeltsin. Um ano antes das eleições oficiais, Vladimir Putin assume o governo russo tendo que enfrentar logo de cara a renúncia de Yeltsin e, como herança, um grave cenário de crise. O diferencial para as eleições do ano seguinte ficaria a cargo, principalmente, da forma como seriam conduzidas e implementadas as medidas de resgate à uma Rússia falida. Para ser eleito, abandonar a imagem de presidente substituto e construir um legado, Putin teria que dar conta de estancar a sangria que teve sua origem em meados da década de 80, quando o aumento dos problemas econômicos causados, predominantemente, pelos gastos em defesa deu à União Soviética a certeza de que não mais seria possível arcar com os custos da disputa pela hegemonia política, social e econômica mundial com os Estados Unidos da América. Inicia-se, portanto, ainda que como presidente interino, uma fase do governo Putin que ficou marcada por um aumento substancial no ritmo de crescimento econômico, ocasionada, em certa medida, pela implantação do sistema de industrialização por substituição de importações por conta do colapso do rublo (crise russa de 1998) e pela alta nos preços mundiais da energia. Valendo-se desses acontecimentos, Putin se elege logo no primeiro turno das eleições com aproximadamente 54% dos votos prometendo colocar a Rússia de pé, viabilizando dessa forma, a continuidade de uma série de reformas pró-mercado que acabaram por transmitir segurança à população de que a Federação estaria no caminho certo, rumo ao final da sequência de crises que se sucederam desde o desmantelamento da União Soviética (MACFARLANE, 2009). A interpretação de Henry Kissinger acerca da construção de uma “ordem mundial” do pós Guerra Fria serve como um bom exemplo às expectativas que o Ocidente tinha em relação ao ambiente desenhado pelo fim da URSS. Afirma Kissinger que na década de 80 o principal obstáculo para a construção de uma “ordem mundial” pacífica estaria na existência da União Soviética. Com o fim da mesma, o obstáculo seria lidar com os escombros da Guerra Fria antes mesmo de se pensar de que forma essa ordem se consolidaria (KISSINGER, 2014). Por mais ocidental que seja a caracterização da URSS como eixo deturpador da “ordem mundial”, a extinção do bloco comunista fez surgir de fato no âmbito das relações internacionais uma crescente preocupação com a questão da securitização1 dos temas no sistema internacional,

1

Conceito trabalhado pelos autores da Escola de Copenhague de estudos de segurança, os quais afirmam que tal securitização e seus critérios são práticas por meio das quais um agente securitizador constrói e consolida socialmente uma possível ameaça. O estudo acerca da securitização aborda primordialmente a divisão dos papeis da segurança no âmbito internacional, ou seja, o ator que securitiza, em quais ameaças, para quem e em quais

14

agora, não somente restritos a assuntos militares, mas também políticos, ambientais, dentre outros (WEAVER, 1995). Os assuntos políticos (traduzidos majoritariamente na questão da identidade) merecem maior relevância, tendo em vista que grande parte dos problemas encontrados por Vladimir Putin ao longo dos anos de seu governo será caracterizada por uma busca constante tanto do povo russo quando dos demais ex-satélites da extinta União Soviética de entenderem o papel da sua existência nesse novo ordenamento global do pós Guerra Fria. A securitização dos temas vai trazer para o centro da discussão de que forma seria construído esse ordenamento global, levando em consideração os pilares da segurança, ou seja, a necessidade de se identificar no cenário internacional o ator que protege, os que devem ser protegidos e do que devem ser protegidos (BAHIA, 2012). De fato, a emergência russa evidenciada nos últimos anos pode facilmente ser encaixada na dinâmica da velha política de poder exaustivamente estudada pelas correntes tradicionais da relações internacionais. Surge em meio ao conturbado cenário de descompressão hegemônica dos Estados Unidos uma Rússia recém recuperada de problemas estruturais que agora quer e precisa se consolidar como um Estado capaz de defender veementemente seu posicionamento no ordenamento global multilateral contemporâneo. Prato cheio para aqueles que preferem analisar o cenário internacional pela aplicação dos conceitos realistas, porém, a raiz desses problemas estruturais parece ser muito mais profunda e complexa. Desse modo, do panorama apresentado, destacam-se as seguintes questões: quais seriam então os limites do pragmatismo que caracterizou a relação da Rússia com quase todos os atores da cena internacional ao longo do primeiro governo Putin e, principalmente, no período que se entende como guerra ao terror, ou seja, o que Putin traçou como sendo de extremo interesse para a Federação a ponto de destoar dos interesses do ente hegemônico; De que forma o ressurgimento da Rússia como um global player de peso ao longo dos anos 2000 afetou o equilíbrio de poder do entorno regional, incluindo, principalmente, os Estados que participaram ativamente de um passado latente relativo ao caótico desmantelamento da URSS. Em suma, seria a Rússia de Vladimir Putin uma grande ameaça ao equilíbrio de poder regional e internacional?

condições. Ver BUZAN, B; WEAVER, O; WILDE, J. Security: A New Framework for Analysis. Boulder, Co. Lynne Rienner Pub.

15

Capítulo I: Colocando a Rússia de Pé 1.1 As três culturas de anarquia: a origem dos problemas da Rússia em seu entorno regional Os diferentes processos de construção social da Rússia do pós Guerra Fria fomentarão uma série de discussões acerca da forma como o Ocidente passou a enxergar a Federação em diferentes momentos. O primeiro e maior problema que coloca o Ocidente em alerta em relação à Rússia surge ainda no governo Yeltsin, quando podia-se identificar no âmbito doméstico da Federação dois polos de disputa de poder social e político. Um deles seria o dos ultraliberais ocidentalizantes, os quais viam na aproximação com o Ocidente e demais instituições vinculadas ao mesmo, como a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a grande chance da Rússia de ingressar em um caminho de progresso. Em contraposição a esse grupo, o polo dos neocomunistas, em certa medida, saudosistas da ideia de identidade de classes, juntamente com os ultranacionalistas, os quais baseavam o entendimento da construção da identidade russa no “excepcionalismo” do país gerado pela combinação dos fatores geográficos (entre o continente europeu e asiático), culturais e políticos por conta da mudança brusca de patamar na velha dinâmica de poder do sistema internacional. Vale lembrar que em menos de uma década a URSS deixou de ser uma potência para ser desmembrada entre Rússia e demais satélites em crise, tanto interna quanto externamente (BAHIA, 2012). Houve uma tentativa forte por parte do governo Yeltsin de modificar o status da relação entre Rússia-Ocidente (RússiaOTAN) com o objetivo de introduzir o país ao caminho do progresso. Por conta da própria inabilidade de Yeltsin em lidar com essa disputa interna na Rússia, os anos seguintes se encarregarão de deteriorar consideravelmente a relação da Federação com o Ocidente. Ademais, intensificam-se nesse período as denúncias em relação à péssima administração feita pelo presidente em questão, além de ambos os grupos de disputa do cenário político doméstico culparem Yeltsin pela expansão das alianças militares do Ocidente no antigo território da URSS. Tal acontecimento será comprovado nos anos seguintes com o bombardeio da Duma em 1993, alguns anos mais tarde, com a intervenção direta da OTAN na Bósnia em 1994 e em 1996 no Kosovo (KOZYREV, 1994; BAHIA, 2012). O conflito se consolidará com a intensificação da visão dos ultranacionalistas de que o “excepcionalismo” russo estaria sendo traído por Yeltsin ao tentar aproximar de forma tão intensa a Rússia ao Ocidente (NEUMANN, 1996).

16

O segundo maior momento de tensão entre a relação Rússia-Ocidente se consolida quando Putin assume o governo da Rússia e percebe a necessidade de lidar com o caos no cenário político deixado por Yeltsin. Caberia ao governo Putin fazer a intermediação de ambos os polos da disputa para garantir o projeto de fortalecimento da identidade russa e a estabilidade do sistema político e econômico do país (POZDNYAKOV, 1991). É nesse momento que a ideia de que, com o fim da Guerra Fria, os valores democráticos e a prosperidade de uma economia de mercado introduziriam a Rússia na dinâmica dos Estados ocidentalizados, cai por terra. As prioridades de Putin eram outras. Primeiramente, fortalecer a Rússia internamente do ponto de vista político e econômico. Depois, contemplar uma agenda de projeção internacional mais efetiva, o que não implica dizer que essa preocupação com uma maior projeção internacional estaria em conformidade com o conceito de “nova ordem” do pós Guerra Fria citado anteriormente. A partir desse momento, o papel da OTAN terá um destaque muito importante nesse processo, uma vez que a modificação de seu objetivo e a crescente expansão de seus domínios se fará presente por todo o governo Putin. Com o fim do comunismo soviético e, consequentemente, da ameaça desenhada pelo Ocidente na existência da URSS, a OTAN precisa passar por um processo de reformulação de seus objetivos para continuar existindo. Foi com a publicação do New Strategic Concept, em 1991 durante a Cúpula de Roma, que se iniciou o processo de modificação das diretrizes da OTAN, ou seja, o seu processo de adaptação ao cenário do pós Guerra Fria de abandonar o caráter de aliança militar para a contenção do comunismo e adquirir o caráter de aliança militar voltada para a promoção da democracia política e da economia de mercado pelo mundo. Esse New Strategic Concept tinha o exato objetivo de fortalecer as instituições democráticas e a resolução pacífica de disputas (ALENCAR; PEREIRA, 2004). Por conta da existência de um elemento contraditório na própria necessidade de uma aliança militar garantir a estabilidade do sistema por meio da expansão desses valores democráticos, o descontentamento russo com a situação foi agravado substancialmente, valendo ressaltar que desde os conflitos no Kosovo a Rússia vinha reagindo com maior desconfiança, entendendo nos reais objetivos da OTAN a intenção de enfraquecer o antigo ator protagônico de seu entorno regional e da cena internacional (MIELNICZUK, 2013). Tendo em vista a questão da expansão da OTAN e da insatisfação dos ex-satélites da URSS (direcionadas para reivindicações nacionalistas) que se arrastaram desde Gorbachev até o governo Putin, a Rússia do novo presidente vai se apresentar de maneira mais firme no que diz respeito à contenção dos movimentos separatistas ameaçadores da integridade territorial do país 17

no um momento em que o Ocidente estava a bater na tecla da afirmação da hegemonia liberal norte americana através da expansão da Aliança do Atlântico (SEGRILLO, 2000; MIELNICZUK, 2004). Por conta da euforia gerada pela ilusão das políticas liberalizantes de Yeltsin, o qual chegou a defender a auto determinação dos povos e a negociar a independência da Chechênia em um primeiro momento, o fortalecimento das reivindicações nacionalistas e de movimentos pró afastamento do círculo de influência russa darão o tom das políticas de manutenção da integralidade territorial do Estado, as quais foram fortemente implementadas ao longo de todo o primeiro mandato do presidente Putin. Tendo o conceito de soberania fortemente vinculado as suas políticas domésticas, fica claro, nesse contexto, o motivo da preocupação do Ocidente. Para Putin, o controle territorial estaria diretamente ligado à questão do desenvolvimento e da segurança interna da Federação. Se faz necessário, portanto, tecer uma análise histórica acerca dos conflitos mais graves que a Rússia de Putin enfrentou (alguns ainda vem enfrentando) desde os primeiros anos de seu governo até a atualidade. Dada a importância dos conflitos relativos à identidade dos povos do entorno regional da Rússia para a construção da política externa da Federação, o presente capítulo propõe-se a analisar a raiz desses mesmos conflitos e suas consequências para o estabelecimento do modo como a Rússia e o Ocidente (traduzido majoritariamente pelos Estados Unidos e União Europeia) passaram a se enxergar mutuamente no sistema. A necessidade de Putin em adquirir apoio da população para viabilizar as já citadas reformas de seu governo, nos remete ao entendimento da relação mútua entre agente e estrutura trazida pela abordagem construtivista das relações internacionais, uma vez que essa corrente teórica se fundamenta no argumento de que a realidade é socialmente construída e de que as ideias possuem um papel fundamental na constituição dessa realidade. As ideias também são responsáveis pela construção de identidades e interesses dos agentes, colocando esses atores imersos em uma estrutura social co-constituída, onde ambos se influenciam mutuamente. Para Wendt, o poder é constituído por ideias e pela cultura. Ademais, ressalta que as ameaças sociais são construídas e não naturais, posição contrária a de Kenneth Waltz, o qual não acredita na socialização dos Estados. Assim, consolida-se a ideia de que o conceito de anarquia é construído socialmente. Sendo a política internacional definida pelo ambiente anárquico e, consequentemente, pela questão do poder adquirido por cada ator, fica claro o caráter materialista da teoria realista. 18

Apesar de ressaltar a importância das forças materiais na formação da política e da realidade internacional, acredita-se que os significados atribuídos pelos atores (agentes) a essas forças as tornam muito mais relevantes. O construtivismo trata a estrutura (ambiente no qual são compartilhadas as ideias), como tendo efeito constitutivo, sendo capaz de criar fenômenos e significados por meio das ideias. Essa relação entre agente e estrutura no caso russo pode ser traduzida, portanto, no compartilhamento de ideias e identificação de interesses entre governo e sociedade, trabalhando assim para a construção de uma identidade cultural. É nesse contexto, portanto, que surge o conceito de identidade como um conjunto de preferências que funcionam como uma ligação entre a estrutura e os interesses. Entendendo a questão da identidade como ponto central para a definição dos interesses do Estado e, consequentemente, para consolidar a Rússia como uma liderança regional, fica claro o papel da população, tanto russa quando dos países do entorno, na construção dessa lógica. Agora, considere os efeitos constitutivos da cultura sobre identidades e interesses. Assuma que em ambos os sistemas poderes dominantes em termos materiais desempenham uma função similar de estabilizar o sistema e entendem que essa é a sua responsabilidade, e que têm o estado mental subjetivo idêntico ao de um hegemon. O conteúdo dessas identidades será diferente. No sistema em que o Estado dominante é legítimo, ele será um hegemon. No outro sistema, no qual as interações do Estado dominante têm rigorosamente uma base interna, outros Estados atribuirão a ele a identidade de “agressor” ou de “imperialista” e cooperarão com suas políticas apenas quando pressionados ou subordinados. Um Estado não pode ser um hegemon nessas circunstâncias, da mesma forma que uma pessoa não pode ser senhor sem um escravo, ou esposa sem um marido. (WENDT, 1992; p. 217)

O problema encontrado pelo Ocidente nessa construção de uma identidade e afirmação de interesses é que a mesma afeta diretamente na distribuição de poder, o que nos leva a refletir sobre a necessidade de se garantir segurança e estabilidade. A dúvida que fica é: quem seria então o ator capaz de promover tal segurança e estabilidade? Seria uma Rússia consolidada como liderança regional ou o Ocidente liberalizante do pós Guerra Fria? A resposta está no fato de que os Estados que conseguem perceber um certo grau de identificação mútua tem muito mais chances de solucionar conflitos de forma pacífica e integrada do que os demais (WENDT, 1999). 1.2 A problemática da construção da identidade do Estado Existem inúmeras formas de considerar a construção do Estado. As visões mais relevantes para a construção do Estado russo e dos ex-satélites soviéticos do pós Guerra Fria se encontram em Campbell (1992), McSweeney (1999) e em Wendt (1992). Campbell vê a ameaça externa como sendo o pretexto para que a identidade estatal seja constantemente 19

construída. Em McSweeney (1999), os indivíduos projetam seus interesses na construção dessa identidade por meio de suas escolhas, caracterizando assim abordagens nominalistas acerca do Estado e de sua identidade. Pelo fato da percepção das ações dos Estados estar diretamente ligada às ações individuais, tal concepção nominalista tende a fazer do Estado e do Governo uma coisa só (MIELNICZUK, 2006; WENDT, 1992). Wendt condena esse tipo de abordagem pelo fato de entender os Estados como sendo reais, utilizando para efeito de contraposição dois argumentos principais. O primeiro é que os indivíduos são socializados às estruturas sociais e as reproduzem em suas ações. Por isso elas persistem ao longo do tempo, mesmo que os indivíduos não sejam os mesmos. O Segundo afirma ser impossível atribuir legitimidade aos indivíduos que se dizem governo sem considerar o papel constitutivo da estrutura estatal sobre eles. (MIELNICZUK, 2006; WENDT, 1992)

Wendt (1999: 198) trabalha no fato de que os Estados se consolidam da forma que são porque existe um grupo de indivíduos que fazem a vinculação do mesmo a uma narrativa. Essa narrativa se torna inerente ao Estado, não dando margem à ideia de que o mesmo depende da interação com outros atores para se constituir. O que se tem da junção da narrativa criada pelos indivíduos à base material é o que se entende por identidade corporativa, a qual é responsável por definir o Estado. Ainda acrescenta que a necessidade de sua preservação (manutenção da sobrevivência) gera interesses objetivos para a reprodução dessa identidade corporativa, os quais acabam por se consolidar como sendo a sobrevivência física, a autonomia interna e o bem-estar coletivo. Sem alcançar esses objetivos, o Estado não existe (WENDT: 213). A identidade corporativa também é colocada por Wendt (1994: 385) como sendo uma plataforma para a criação da identidade social, ou seja, narrativas extraídas da interação entre dois Estados, analisando nesse sentido a relação do Eu com o Outro e a sua capacidade de admitir inúmeras formas. Especificamente sobre a relação do Eu com o Outro, Wendt propõe três macroestruturas (lógicas de anarquia) – a hobbesiana, a lockeana e a kantiana – que podem ser adotadas no sistema internacional para condicionar tal relação: inimigo, rival e amigo, respectivamente. A adoção de tais culturas vai sempre depender dessa mesma relação do Eu com o Outro que será estabelecida por meio da interação entre os atores. O que garante a modificação de uma lógica para a outra é a intensa interação por meio das práticas sociais (MIELNICZUK, 2006). Os interesses definidos por meio da interação entre os Estados dará origem ao perfil de política externa adotado por um Estado no ambiente internacional. Partindo do princípio de que

20

a identidade social é formada por meio de “avaliações refletidas”, o que temos é uma constante projeção de diferentes perspectivas de como o Eu e o Outro se enxergam. A interação pode ser dividia em quatro atos. No primeiro, o Eu age para demonstrar o papel que está conferindo ao Outro. Essa primeira interação é vista como a tentativa do Eu de ensinar sua definição da situação para o Outro. No segundo ato, o Outro pondera a ação do Eu e avalia se aceita ou não ocupar o papel que lhe foi oferecido. O terceiro corresponde à ação do Outro, tendo em vista sua ponderação sobre a ação do Eu. O quarto é a avaliação do Eu no que diz respeito à ação do Outro. E assim sucessivamente até que a interação termine. No final do processo, Eu e Outro terão reforçado ou transformado os papeis de cada um na interação e, consequentemente, as suas identidades. (MIELNICZUK, 2006)

O fato é que o Eu pode definir o começo da interação com Outro a partir de qualquer perspectiva. Pode ser que a situação dada pelo Eu em relação à forma como o mesmo enxerga o Outro seja tanto de ameaça quanto de parceria. Em ambos os casos, identidades são criadas e interesses são definidos, gerando uma memória ou um “estoque” de conhecimento mútuo de interação. Quando introduzimos a essa dinâmica a interação da Rússia do pós Guerra Fria com os demais países de seu entorno regional identificamos inúmeros e curiosos aspectos acerca desse “estoque” de conhecimento mútuo. Após o fim da União Soviética, no caso da Ucrânia, especificamente, a Rússia não aceitou a independência do país, fazendo desse fato conflituoso para ambas as partes o ponto de partida do que deveria ser a nova fase da interação de uma Rússia sucessora dos direitos da extinta URSS com uma Ucrânia independente. Levando em consideração o período caótico de desmembramento do bloco socialista soviético, a falta de reconhecimento da soberania dessas inúmeras repúblicas órfãs de autoestima coletiva vai fazer do ponto de partida dessa relação a principal memória do processo de interação. A tendência à uma relação mais cooperativa e menos competitiva se torna muito mais fácil de existir quando há um rápido reconhecimento dessa soberania (MIELNICZUK, 2006). A movimentação russa em prol da criação da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) foi claramente motivada pela vontade da Rússia de defender seus interesses e influências estratégicas nos territórios da antiga URSS (RAKOWSHA-HARMSTONE, 1992:545). Dentre inúmeros pontos, a CEI propunha uma política exterior comum a todos os países membros, a manutenção de um espaço econômico e militar unitário e, o ponto que gerou o afastamento da Ucrânia, a transparência das fronteiras dentro da Comunidade, fator que faz extinguir o direito de reconhecimento da integridade territorial de cada Estado pertencente (MORRISON, 1993:689; TOLZ, 2002). O clima de competitividade que marcou os primeiros anos de interação de Rússia e Ucrânia só pioraram com as disputas em torno da Frota do Mar Negro (FMN) e de todo o 21

questionamento acerca da legitimidade da transferência da Crimeia pela Ucrânia. Ademais, o clima de desconfiança acerca da transferência do armamento nuclear localizado na Ucrânia para a Rússia ajudou ainda mais a desestabilizar a relação da Federação com os demais Estados da região. O medo de sofrer com uma possível “chantagem nuclear” por parte da Rússia fez o país correr para os braços do Ocidente garantidor da integridade territorial dos oprimidos pela “doença imperial” da Rússia (MIELNICZUK, 2006). 1.3 O afastamento da influência russa Em um contexto de consolidação de ameaça por parte de uma Rússia de interesses imperialistas, se aproximar da OTAN significou diretamente uma aproximação com o Ocidente e, consequentemente, a neutralização de influência da Federação. Por conta de tal postura russa, o ingresso de países como Polônia, Hungria, República Tcheca, em 1999, e dos países do Báltico, Romênia, Eslováquia e Bulgária, em 2004, os demais países do entorno puderam optar por orientar suas políticas externas para o ingresso na OTAN ou pelo estreitamento de laços com a CEI (MIELNICZUK, 2006). Optando pela primeira opção estariam inclinando a identidade social de seus Estados para uma interação conflituosa com a Rússia (regida pelo princípio da inimizade). Optando pela segunda opção estariam inclinando tal identidade social para uma interação mais cooperativa com a Federação (regida pelo princípio da amizade). Unindo a insatisfação de países tradicionalmente pautados pela interação de inimizade com a Rússia ao atual perfil da OTAN de neutralizar qualquer tipo de influência regional que coloque em risco o processo de expansão dos valores liberais e democráticos, temos um problema que vem dificultando consideravelmente os passos da política externa da Rússia de Putin. O “estoque” de conhecimento mútuo parece não ter solução senão o esgotamento total dos esforços de interação entre os Estados que pautam as mesmas na inimizade. A Rússia pode até não ser uma grande ameaça ao equilíbrio de poder regional, mas essa coleção de fatos conflituosos na socialização desses Estados acaba por inviabilizar todas as outras possibilidades. A realidade que parece se estabelecer no caso da tentativa da Rússia em se consolidar como uma liderança no âmbito regional é que a sua emergência ao longo dos anos de governo do presidente Vladimir Putin só agravou ainda mais a questão do equilíbrio de poder da região. De fato, a identidade tem sido identificada como fonte de conflito desde o fim da União Soviética e, por conta da já trabalhada característica de acumular conhecimentos (positivos ou negativos) acerca do Outro, os problemas da Rússia só tendem a aumentar. No âmbito 22

internacional, por conta de suas questões domésticas e pelas inúmeras dificuldades em estabelecer uma política externa menos ameaçadora, não se pode dizer que a Rússia de Putin é uma grande ameaça à ordem internacional, uma vez que grande parte dos passos dessa política externa estão vinculadas à instabilidade da região, que se apresenta como sendo prejudicial não só para a Rússia quanto para os próprios demais países como um todo. Esse constante clima conflituoso acaba por limitar intensamente o desenvolvimento de uma política russa menos hostil e ameaçadora, mesmo que não seja esse o real objetivo. Fator que incomoda profundamente o ocidente, porém não encontra bases muito sólidas para além do âmbito regional. Para ter certeza, a alta taxa de mortalidade da cultura hobbesiana cria incentivos à criação de uma cultura lockeana, e a violência contínua desta última, particularmente na medida em que as forças de destruição melhoram em resposta à sua lógica competitiva, cria incentivos, por sua vez, para movê-la para uma cultura kantiana. Mas não há necessidade histórica, nenhuma garantia de que os incentivos para a mudança progressiva superarão as fraquezas humanas e compensarão os incentivos para a manutenção do status quo. (WENDT, 1992: p. 372)

Em suma, o estudo das três culturas da anarquia não sugerem nenhum tipo de evolução progressiva pelo fato do mesmo vir enfatizando a natureza conservadora da cultura política do sistema internacional. Todavia, mesmo que não haja garantia de um futuro melhor para o sistema internacional em relação ao seu passado, Wendt aponta elementos suficientes para acreditarmos que, pelo menos, não será pior (WENDT, 1992). Em 2001, o terrorismo global também modificou em certa medida o modo como se deu a consolidação da cultura hobbesiana de anarquia para a Rússia e demais países da região. Houve um estreitar de laços da política externa russa com a norte-americana e, consequentemente, com a OTAN. O 11 de setembro acaba por impulsionar uma cooperação entre tais atores, o que não necessariamente fez desaparecer as ressalvas da Federação em relação à expansão da OTAN para os ex-satélites da URSS. 1.4 Os conflitos na região do Cáucaso Por mais que tenham se agravado ao longo de toda a década de 90, a origem dos problemas que Putin encontrou para controlar as fronteiras da Rússia datam de décadas anteriores ao fim da União Soviética. Pode-se dizer que a fagulha dos conflitos se deu com a ineficiência das políticas de miscigenação do povo russo com os demais satélites da URSS iniciadas por Stalin. Miscigenação essa que tinha como objetivo erradicar os movimentos 23

nacionalistas que, por serem vistos como perturbadores da ordem interna, faziam frente à ideia de identidade de classe intrínseca ao comunismo (GATI, 1984; MIELNICZUK, 2013; KING; MELVIN, 1999). Pouco antes da morte de Stalin, muitos dos povos deportados forçadamente de seus territórios de origem foram autorizados a voltar para o lugar de onde pertenciam. É evidente que o efeito desse exílio forçado e, mais tarde, a possibilidade de retorno às terras de origem moldaram por completo a motivação política de líderes nacionalistas que emergiram no âmbito dos movimentos de independência da década de 90 (KING; MENON, 2010). Sendo o Cáucaso uma região extremamente diversificada etnicamente, o que se viu ao longo de toda a década foi uma conflituosa relação entre os povos da região. Eram chechenos residentes no Daguestão reivindicando por terras ocupadas por Laks (etnia do Daguestão); os Kumyks temendo a dominação dos Avar e Lezgins (outros grupos étnicos que compõe a Rússia) pedindo por autonomia e a união com seus parentes do Azerbaijão (FULLER; MENON, 2000). O sentimento de repúdio à minoria russa foi essencial para a consolidação dos sentimentos nacionalistas nas repúblicas da extinta URSS. Primeiramente essa demanda por independência se fortaleceu nos países do báltico, ou seja, Lituânia, Letônia e Estônia. Em seguida, no Cáucaso. Em 1994 a situação se agravou substancialmente nessa última região citada pelo fato de Boris Yeltsin ter abrandado o discurso liberalizante para solucionar os problemas com a Chechênia de forma mais direta, ou seja, optando por conter os movimentos de independência da república com o uso da força (KING; MENON, 2010). A campanha de 1999 e, consequentemente, os anos de pulso firme iniciados por Putin vão gerar revolta por parte dos chechenos que haviam adquirido grande autonomia ao longo da primeira guerra de 1994-1996, apesar das incursões de Yeltsin pelo uso da força na tentativa de solucionar o problema. Vale aqui ressaltar que a República Chechena da Ichkeria, projeto de Chechênia autônoma, conseguiu o reconhecimento de sua independência pelo Afeganistão, justificativa para a existência de combatentes jihadistas e demais redes terroristas na guerra. Em 2001, Putin soube aproveitar integralmente esse vínculo dos movimentos pela autonomia da Chechênia com as principais redes terroristas existentes por motivos quase que intuitivos. Foi no governo Putin, pela segunda vez na história, que a província chechena entrou oficialmente em guerra (ainda em 1999) pelo mesmo desejo de se tornar independente da Rússia. O detalhe que mudou por completo o futuro do conflito, do ano seguinte em diante, foi a habilidade de Putin em alguns momentos de controlar os ânimos, aos outros de articular os diferentes grupos políticos da Federação e, consequentemente, as vertentes de construção social 24

que responderiam pelo povo russo dentro e fora de suas fronteiras. É nesse contexto de restabelecimento institucional que se intensifica a ideia de uma Rússia integrada, de fronteiras consolidadas capaz de servir ao papel de liderança regional, ou seja, um ente garantidor dos interesses da região, que pensa no bem estar de seus semelhantes e que leva primordialmente em consideração o afastamento das influências externas. Se algum ator precisa garantir esses direitos de serem soberanos aos ex-satélites soviéticos, que seja a Rússia e não qualquer outro Estado. Nesse sentido, a Rússia de Putin se aproxima e muito da erradicação do nacionalismo por entender no mesmo a fonte de grande parte dos problemas relativos à integridade territorial da Federação. 1.5 Falhas na estrutura democrática como fonte de conflito Surge, concomitantemente a esse fato doméstico russo dos problemas no Cáucaso uma preocupação crescente com a questão do terrorismo internacional por parte do Ocidente. Reiterando que é nesse momento também que teremos a OTAN ampliando de forma muito significativa e incômoda a sua área de influência para países que sequer fazem parte da organização.

Para viabilizar o entendimento desse fato recorreremos novamente aos

acontecimentos da década de 90. Foi nela que a discussão acerca do papel da democracia na prevenção do florescimento do terrorismo começou a se tornar um ponto cada vez mais propagado pelas instituições multilaterais por conta do mesmo ter abandonado o caráter ameaçador da segurança pública para ameaçador da segurança internacional. Com o aumento dos atentados, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa nessa mesma década, o que houve foi um escalonamento do conflito entre a imposição da hegemonia liberal norte americana pelo mundo e a questão da soberania dos Estados, a que se encontra em um intenso embate dentro de seu próprio conceito sobre a existência de uma soberania westfaliana e outra soberania de franquia proveniente do ordenamento global multilateral do pós Guerra Fria. Por conta dessa crescente preocupação com o terrorismo o número de intervenções unilaterais americanas se intensifica por meio da própria expansão da OTAN, vista como sendo o principal mecanismo garantidor da expansão dos valores democráticos. Sendo assim, a política externa norte americana vai adotar uma postura de descaso, em certa medida, com o multilateralismo que, nesse aspecto, era entendido como uma entrave para o solução do problema. Invertendo a lógica da análise, a questão do ofuscamento das diretrizes multilaterais pode ser explicado pela própria ausência de tentativas dos demais atores em contrabalançar os

25

Estados Unidos, reforçando ainda mais o reflexo de seu poder e, consequentemente, de sua capacidade de agir unilateralmente (HURRELL, 2006). Verifica-se, portanto, no contexto de toda a crise russa com os demais ex-satélites da URSS um receio muito grande por parte dos países do Ocidente das reais intenções de Putin. Começam a surgir, no âmbito das relações internacionais, denúncias acerca das práticas adotadas pelo governo Putin para conter os grupos que reivindicavam sua autonomia. Denúncias essas que variavam de violação de direitos humanos (governo checheno acusando o governo russo de cometer práticas de genocídio) a violação dos direitos de guerra (ALENCAR; PEREIRA, 2004). Em certa medida, a negligência em relação aos valores democráticos de seu governo instaurou um regime de extrema desconfiança, principalmente por parte dos países desenvolvidos. Vale traçar um paralelo entre esse mesmo sentimento de desconfiança e o conceito kantiano de paz democrática. Paz essa que permeia a existência dos Estados que comumente tem suas democracias bem consolidadas. Por outro lado, temos uma Rússia ameaçada pela expansão da OTAN que seria o principal instrumento norte americano de expansão por meio do uso da força dos valores democráticos a territórios ainda muito vinculados à Federação Russa. A ideia é que se os Estados Unidos tem excedentes de poder eles podem usar e legitimar a imposição da democracia como forma de corroborar com a paz democrática. Entendendo o Estado Russo das guerras com a Chechênia como um Estado problemático em lidar com as imposições das diretrizes democráticas, justificam-se, por hora, as preocupações do Ocidente. Democracias mal implementadas costumam ser associadas a Estados que possuem comportamentos transgressores de normas no sistema internacional, à incapacidade de lidar com suas próprias questões domésticas e, ao já citado anteriormente, florescimento do terrorismo. (KANT, 1795) O cenário que se desenha dentro da Rússia ao longo da primeira década dos anos 2000 pode ser entendido como uma ruptura com a lógica neoliberal conhecida e perpetuada pelo ocidente através do que ficou conhecido como Consenso de Washington, ou seja, um conjunto de medidas recomendatórias elaboradas com o objetivo de promover o desenvolvimento dos países e a expansão do neoliberalismo (WILLIAMSON, 1989). Uma explicação plausível para tal feito parte do princípio de que Putin parece entender o cenário internacional do pós Guerra Fria como sendo uma realidade muito pouco representativa frente aos objetivos anteriormente traçados para fazer voltar para os trilhos. Suas ações podem ser traduzidas por uma busca de 26

legitimação de seu plano de governo sob a afirmação da identidade de seu povo. Ao mesmo tempo que temos uma Rússia começando a assumir uma política de poder um pouco maior e mais representativa, temos os Estados Unidos sendo questionados em relação a esse papel de expandir seus superestimados valores democráticos. A sensação que se tem por conta desse fenômeno no cenário internacional é a de que há, nesse contexto, uma perda relativa de poder americano, fato que será fundamentado e aprofundado no capítulo subsequente. Durante os primeiros anos do Estado russo como sucessor dos direitos da extinta União Soviética, não foi possível identificar nas ações do próprio governo um real empenho capaz de restaurar os padrões de potência anteriormente vividos pela Rússia, tampouco de projeção mais ativa no cenário internacional. Portanto, a chegada de Putin, vai representar o primeiro esforço significativo de implementar mudanças, associar os interesses de política externa à política interna e de reconhecer como base da presença russa no cenário internacional o “excepcionalismo” gerado pelo fim da URSS. Vale ressaltar que a forma com que Putin entende esse “excepcionalismo” nada tem a ver com a dos ultranacionalistas do pós Guerra Fria, uma vez que Putin entende os efeitos do nacionalismo como sendo extremamente danosos para a construção do bem estar da população russa. O que deve ficar claro em relação a esse termo é a sua importância no processo de afirmação da Rússia como liderança regional, mesmo que o conceito de regionalismo seja extremamente amplo e problemático para o país devido à própria dificuldade de se definir uma identidade comum à região. 1.6 O 11 de setembro e seus efeitos para as políticas de contenção de grupos separatistas Com os acontecimentos do 11 de setembro, as políticas de contenção de grupos separatistas do governo Putin ganharam legitimidade sob a retórica do combate ao terrorismo. Após os atentados e, consequentemente, com a instauração de uma guerra contra o terror, pela primeira vez em muitas décadas, a Rússia e os países do Ocidente, voltariam a lutar contra um inimigo comum, ou seja, o terrorismo. Para se ter uma ideia dos efeitos da junção dessa lógica do terrorismo internacional ao momento enfrentado pela Rússia em seu âmbito doméstico, a noção de terrorismo passou a ser fortemente vinculada aos problemas na Chechênia. Os efeitos da tragédia do teatro Dubrovka (2002), em Moscou, e da invasão de separatistas chechenos à uma escola com mais de 1000 crianças na cidade de Beslan, Ossétia do Norte (2004) ficaram profundamente marcados na história da Rússia de Putin porque o governo soube aproveitar os acontecimentos do cenário internacional a seu favor. À luz da securitização dos temas da agenda internacional citada anteriormente, pode-se dizer que, nesse momento, o Ocidente deixa de 27

prestar tanta atenção no arranjo do pós Guerra Fria para voltar seus esforços para a contenção do terrorismo internacional. Apesar de ter sido fortemente beneficiado com a mudança de foco do Ocidente, não houve jeito de desvincular por completo a forma com que Putin reagiu aos acontecimentos dentro de seu território do conceito de violações generalizadas de direitos humanos. Todavia, vai ser nesse momento que a polêmica Rússia de Vladimir Putin vai retomar o Ato de Fundamentação de Relações Mútuas de Cooperação e Segurança interrompido em 1999 por conta da incursão da OTAN na Iugoslávia. A partir desse momento há uma clara distensão na relação entre Aliança do Atlântico Norte e a Federação Russa, podendo citar como um dos maiores exemplos a intensificação dos esforços de Putin em cooperar com os Estados Unidos e, consequentemente, com a OTAN na luta contra o terrorismo. Tudo isso pelo simples fato de que Putin percebeu que o momento pedia um estreitamento dos laços com os EUA mesmo que de forma pragmática e pontual para que pudesse dar continuidade ao projeto que, desde a campanha de 1999, delineou o cenário doméstico da Rússia, ou seja, a promessa de colocar a Federação numa rota de crescimento satisfatória aos antigos padrões registrados em um período histórico não muito distante. De fato, não só os movimentos separatistas de 1999/2000 na Chechênia como a insatisfação de antigos Estados membros da URSS com a influência russa direta em sua população, colocaram em risco o projeto de manutenção da integralidade do Estado russo e do processo de restruturação socioeconômica implementado pelo novo presidente. Todavia, a forma com que as ações de Putin adquiriram força e legitimidade, tanto do ponto de vista interno quanto externo, foram a prova necessária de que a Rússia conseguiria dar continuidade ao projeto inicial de restabelecer a lógica da consolidação de uma identidade russa perdida com o fim da URSS e que resgataria uma posição bem mais prestigiada na cena internacional. Por conta de todos os fatos históricos apresentados acerca da construção da relação da Rússia com as demais ex-repúblicas soviéticas (questão da identidade), da ameaça de uma OTAN reformulada e de uma Rússia um pouco mais forte do ponto de vista político e econômico, não se pode afirmar que os conflitos citados anteriormente se deram por conta do desejo russo de se projetar como um ator com tendências tão expansionistas quanto as da extinta União Soviética. Podemos identificar no renascimento do nacionalismo um dos pontos principais para a consolidação dessa relação conflituosa da Rússia com as demais regiões do antigo bloco comunista. Além desse fato, em muitos momentos, o apoio do Ocidente nos conflitos com a Rússia colocaram ainda mais em dúvida o porquê da existência da OTAN e da modificação de suas diretrizes. Nesse sentido, pensar no caráter pragmático dessa convergência 28

da Federação com a OTAN logo depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos faz entender que, apesar da prosperidade do momento para uma solução mais facilitada de seus problemas domésticos, Putin sabe que não poderá se descuidar dessa proximidade com o Ocidente. A questão não é eximir a Rússia de seu papel nos conflitos. De fato, Putin fez da contenção dos grupos separatistas e da manutenção da integralidade do território da Federação uma prioridade de seu governo, em muitos momentos, mostrando que faria uso de recursos bastante controversos para alcançar seu objetivo. Todavia, reconhecer na história e nos fatores externos à Federação uma parcela considerável capaz de condicionar as ações russas no cenário internacional se faz necessário para qualquer análise que envolva a Rússia do século XXI, tendo em vista o seu potencial de mudar o rumo da política externa de um país.

29

Capítulo II: O Marco Simultâneo do Declínio Relativo e da Emergência 2.1 A nova estratégia hegemônica dos Estados Unidos A fim de melhor visualizarmos os impactos dos atentados de 11 de setembro especificamente na política externa da Federação russa, se fará necessário realizar uma análise acerca dos pontos mais relevantes da construção da relação do país com os Estados Unidos ao longo dos anos, assumindo como ponto de partida o fim da Guerra Fria, uma vez que todos os países do globo e, especialmente a Rússia, tiveram que se adaptar ao fim daquela estranha segurança garantida pela capacidade mutua de destruição dos polos da disputa. Extinguindo-se um polo de influência do conflito, os países precisaram aprender a lidar de forma cuidadosa com os interesses do Estado frente à nova dinâmica do sistema internacional. O fim da Guerra Fria fez crescer a necessidade de se desenvolver uma nova estratégia hegemônica dos Estados Unidos, estratégia essa que precisava abarcar a construção de uma nova ordem mundial pautada na consolidação de um império financeiro global e na expansão da democracia liberal capitalista. Ocorreu que o papel da construção dessa ordem foi interpretada, basicamente, como um direito e uma obrigação dos Estados Unidos como vencedores da disputa, ou seja, como uma necessidade natural de sobreposição da moral e dos princípios norte-americanos ao que o realismo já deu conta de identificar como sendo os interesses egoístas dos Estados. Sobre essa forma de enxergar o papel dos Estados Unidos na construção da ordem mundial, afirma Kissinger: The implication that other nations have “self interests” while america had “principles and “destiny” was as old as the Republic. What was new was that a global geopolitical contest in which the United States was the leader, not a bystander, was justified primarily on moral grounds, and the American national interests was disavowed. (KISSINGER, 2014, p. 288)

O mais interessante dessa visão americana da construção da ordem do pós Guerra Fria está exatamente na combinação de pragmatismo a princípios morais. Era dessa forma que a política externa norte americana ganhava legitimidade no plano doméstico (RESENDE, 2011). Podemos verificar a aplicabilidade dessa estratégia através da emergência de um rival da potência hegemônica. Quando identificada pela mesma, tal rival imediatamente passa a ser percebido como uma ameaça, não só aos Estados Unidos, mas para própria ordem mundial. Dentro dessa lógica, o total desinteresse identificado nos discursos de Putin em compactuar com essa visão de ordenamento global, do momento em que assume no lugar de Yeltsin até setembro de 2001, não pode ser interpretado como uma grande surpresa. Pelo menos 30

não em um contexto em que a tendência à unipolaridade e ao unilateralismo norte americano caracterizavam a principal ameaça à Federação, uma vez que, com o fim da Guerra Fria, essa influência da moral norte-americana na construção do ordenamento global foi aproveitada para conter a influência russa nos ex-satélites da URSS, garantindo assim a expansão das diretrizes neoliberais e democráticas por boa parte do mundo. Evidente que esse ato de demonizar quaisquer aspirações hegemônicas de potências regionais ou globais incomodavam, e muito, uma Rússia que sonhava em superar seus problemas domésticos, modificar sua relação com seu entorno e, futuramente, se consolidar como uma liderança regional. Essa nova estratégia de hegemonia norte americana estava a bater na porta da Rússia de inúmeras e incomodas formas (uma delas pela já citada expansão da OTAN para o oriente), atrapalhando consideravelmente o processo de superação da infinidade de problemas colecionados ao longo dos anos de existência URSS e de inabilidade do governo Boris Yeltsin. Em 2001, a lógica muda de figura para ambos os países centrais desta parte da análise. 2.2 O apogeu da influência A Guerra ao Terror será colocada neste ponto como um dos principais fatores que condicionaram o declínio relativo dos Estados Unidos. Alguns anos antes, analistas de recorte neoliberal chegaram a desenvolver visões muito otimistas acerca da influência norte-americana na construção de um mundo composto unicamente por democracias liberais capitalistas ao final da Guerra Fria. Por natureza, seria esse um mundo que tenderia ao equilíbrio, à paz e à estabilidade por meio do compartilhamento de uma mesma base ideológica, atingindo assim o ápice de sua evolução histórica, ou o fim da história (FUKUYAMA, 1989). Porém, a realidade estava longe de se consolidar de tal maneira. A preponderância esperada para esse modelo não foi alcançada, fato que ajudou ainda mais a caracterizar um quadro de perda relativa de poder norte-americano. Em 2003, ainda como reflexo dos acontecimentos de 2001, essa demonstração de hegemonia atingiu o seu ápice. A sequência de ações unilaterais dos Estados Unidos no Afeganistão em 2001 e, principalmente, no Iraque em 2003, agravou substancialmente a

31

posição do ente hegemônico no mundo. A Doutrina Bush2 gerou reação, inclusive por parte das potências mundiais, por conta do caráter controverso dos objetivos das já citadas ações unilaterais e por conta de uma série de denúncias graves de violações de direitos humanos. A questão é que não foram apenas essas incursões no Iraque ou no Afeganistão que modificaram a ordem. Afirma Fareed Zakaria que a própria ordem unipolar das duas últimas décadas tem sido desfeita por conta de uma maior difusão do poder pelo mundo. Os Estados Unidos continuam a ser a superpotência global, mas enfraquecida. Sua economia apresenta problemas, sua moeda está em queda e tem diante de si problemas de longo prazo com seus compromissos em alta e sua baixa poupança. O sentimento antiamericano está forte como nunca em todos os lugares (...). (ZAKARIA, 2008, p. 231)

Desde o final da década de 80 que as forças política, econômica e tecnológica, passaram a avançar e a colaborar para um ambiente internacional cada vez mais conectado e aberto. Isso fez com que todos os países, ao mesmo tempo, tivessem acesso a novas oportunidades de crescimento, integração e prosperidade. Somado a esse fato, temos o que foi caracterizado por Celso Lafer como sendo o começo de uma ordem de “polaridades indefinidas”, por conta do caráter difuso da cooperação estimulada pela luta contra o terrorismo. Ao mesmo tempo que identificamos uma certa inabilidade da potência hegemônica de se apresentar de tal maneira em todas as frentes de atuação, podemos trabalhar com a ideia de “ascensão do resto” abordada por Zakaria, ao caracterizar o contexto no qual estão inseridos o processo de descompressão hegemônica dos Estados Unidos de George W. Bush e o de emergência da Rússia de Vladimir Putin (FONSECA JR; LAFER, 1994; ZAKARIA, 2008). Afirma Samuel Huntington, que esse cenário, no qual os Estados Unidos se veem obrigados pela conjuntura a praticar intenso diálogo e cooperação com novos polos da cena internacional, caracteriza uma uni-multipolaridade, a qual reconhece tanto o caráter hegemônico (porém não mais indiscutível) dos Estados Unidos e a relação de dependência com os inúmeros outros polos do sistema internacional (HUNTINGTON, 1999).

2

Estratégia de política externa dos Estados Unidos, à época, sob o comando do presidente George W. Bush (2001-2009) divulgada em um documento intitulado A Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, o qual dava início a uma "Cruzada contra o Terror" e contra o "Eixo do Mal" no plano internacional. Ver JONES, Steve. The Bush Doctrine. US Foreign Policy. Disponível em: . Acesso em 19 de maio de 2015.

32

Charles A. Kupchan, apesar de entender a hegemonia norte-americana como sendo contínua, enxerga o caráter inegável da transição para um contexto cada vez mais multipolar (ideia de difusão de poder), fazendo da própria instabilidade trazida por esse novo ordenamento um dos maiores desafios para os Estados Unidos (KUPCHAN, 2002). Samuel Huntington is wrong to argue that different civilizations are destined to clash with each other, but he is right that cultures matters. Everything else being equal, it is easier to nurture a sense of community among states that do not. (...) From this perspective, social integration is likely to proceed much further within regions that among them. This is another reason for building peace in parts and establishing regional zones os stability as stepping-stones on the path to a broad peace. (KUPCHAN, 2002: p. 302)

Também afirma que essa obrigação em cooperar se daria por meio de um esforço de socialização por parte da potência hegemônica, respeitando a importância desses novos polos de poder para a construção da paz por meio do estabelecimento de zonas regionais de estabilidade. Um retorno à existência de múltiplos polos de poder no mundo necessariamente resultam em uma geopolítica de inúmeras falhas. O papel chave dos Estados Unidos nesse novo arranjo seria entender e implementar uma restrição estratégica que pudesse encontrar novas formas de minimizar as consequências dessas falhas na estrutura multilateral e a própria competição instintiva existente. Abrindo uma exceção para a questão do terrorismo, os Estados Unidos não tem enfrentado um adversário em potencial como acorreu ao longo de todo o período da Guerra Fria. O que pode ser observado atualmente é uma intensa ampliação de desafios, os quais ainda estão passando por uma fase inicial de construção. Kupchan propõe uma maior participação da potência hegemônica nesses novos desafios para que, dessa forma, possa ajudar a desenhar os contornos dessa nova geopolítica. Praticar tal restrição estratégica significaria paradoxalmente perder em determinados aspectos, muitas vezes pouco significativos, para ganhar em outros. Demonstrar menos poder para ganhar terreno e influenciar mais (KUPCHAN, 2002). 2.3 Estratégias russas do pós 11 de setembro No capítulo anterior, vimos de que forma esses mesmos acontecimentos do ano de 2001 influenciaram as políticas domesticas de contenção de grupos separatistas na Rússia, especificamente. Neste ponto da análise se fará necessário pontuar a estratégia responsável pela mudança de perfil da política externa que Vladimir Putin adotou para continuar atingindo seus objetivos dentro e fora de casa.

33

De fato, a concepção russa de ordem internacional sofreu mudanças muito significativas com os atentados de 11 de setembro por conta do efeito legitimador da Guerra ao Terror sobre as políticas domésticas do presidente russo. Os acontecimentos desse período acabaram por se firmar como um marco para a emergência do país, uma vez que foi a partir desse momento que a Federação conseguiu controlar alguns de seus problemas mais graves no âmbito doméstico e iniciou um processo de contemplação mais ampla dos objetivos de projeção internacional. Ademais, aproveitou as condições do período para a emergência de novos polos na cena internacional para rever a sua relação com o ente hegemônico e, principalmente, inaugurar novas frentes de cooperação. Nesse momento, a necessidade da utilização de um discurso voltado para o multilateralismo desapareceu dos círculos oficiais da política externa russa, dando lugar ao reconhecimento e aceitação da preponderância americana de que não existiriam mecanismos de equilíbrio de poder aplicáveis ao momento (MACFARLANE, 2009). O que ocorre nesse momento é um abandono pragmático das diretrizes multilaterais da política externa por conta da evidente vantagem do momento em convergir com os Estados Unidos. Essa convergência exemplifica claramente a estratégia de bandwagoning, a qual se encarrega de caracterizar a vantagem existente no ato de tomar medidas que vão a reboque das do ente hegemônico. Putin entende a cooperação com os Estados Unidos como sendo essencial para lidar com os desafios impostos pela conjuntura internacional do momento, utilizando como maiores exemplos o terrorismo internacional e a proliferação de armas de destruição em massa (MACFARLANE, 2009). A aproximação de Rússia e Estados Unidos se tornou mais evidente quando o governo russo declarou solidariedade aos Estados Unidos pelos ataques terroristas, fato que demonstrou apenas o começo do fortalecimento da relação. Como prova disso, as forças de inteligência russa cooperaram com os norte-americanos na própria presença da OTAN no Afeganistão. Ademais aceitaram a criação de bases militares norte americanas em locais polêmicos como no Uzbequistão e no Quirguistão. Evidente que, por toda a tradição de resistência à presença militar dos Estados Unidos na região, Putin precisou avaliar muito bem os ônus e os bônus de tamanha concessão. E realmente, tentar impedir a presença ocidental em um momento tão delicado, certamente teria custado muito mais caro ao presidente russo do que o imaginado. Além disso, entram na conta dos bônus dessa aproximação todos os ganhos relativos a integração russa à economia mundial, e, principalmente em relação aos já mencionados problemas com a 34

Chechênia. Desde 2001, os Estados Unidos não se manifestou sobre as operações militares russas na república separatista, tampouco sobre a forma de tratamento aos civis, por conta da conexão feita entre o conflito regional e a Guerra ao Terror (MACFARLANE, 2009). Em 2003 ocorreu um fato curioso em relação à essa estratégia de política externa adotada por Putin em 2001. A Federação se manteve contra a invasão norte-americana no Iraque, porém, quando a decisão de agir unilateralmente foi tomada, a Rússia optou por não se opor declaradamente, entendendo nesse ato custos futuros muito altos. Putin preferiu não pagar para ver e deixou nas mãos dos demais membros do CSNU o papel de fazer barulho. A Rússia do pós 11 de setembro tende a apoiar e a convergir com os EUA nos temas de interesse vital para os norte-americanos, evitando choques e contenciosos desnecessários. Porém, apesar de toda a preferência do governo Putin em evitar confrontação em frentes de suma importância para a superpotência, o âmbito doméstico russo parece valer certo grau de discordância, tendo em vista a prioridade russa atribuída ao seu entorno regional por conta de uma profunda necessidade de manter o poder sobre a região para prevenir o declínio da influência da Federação. Esse tem sido o ponto central da política externa russa há algum tempo, apesar dos custos e dificuldades de implementação (HURRELL, 2006). Como exemplo dessa resistência branda, podemos citar o ato da Rússia de forçar a retirada da missão de monitoramento de fronteira da OSCE na Geórgia, apesar da resistência dos membros de tal organização em um primeiro momento. Em relação ao estabelecimento das bases norte-americanas citadas anteriormente, a Rússia tem conseguido gradualmente reverter esse quadro. Em 2005, o governo russo soube explorar a ambivalente participação dos Estados Unidos em relação às questões de direitos humanos no massacre ocorrido no Uzbequistão a protestantes Andijan a fim de questionar a existência de bases norte-americanas no local. Além desse fato, a Rússia continuou a ampliar sua campanha contra a presença dos norte-americanos na Ásia Central, levando a discussão para organizações multilaterais regionais, como por exemplo a Organização Xangai de Cooperação3 (SCO) (MACFARLANE, 2009). Até hoje essa tem sido a estratégia usada pelo

3

Organismo Internacional criada em 1996 que reúne como membros plenos China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão, com o objetivo de promover discussões e exercícios conjuntos acerca de temas relativos à segurança, como por exemplo o terrorismo, separatismo e extremismo. Além dos membros citados a organização possui cinco observadores: Irã, Índia, Mongólia, Paquistão e Afeganistão. Ver DUARTE, Paulo. A Organização de Cooperação de Xangai: origens e missão. Boletim Mundorama, dezembro de 2013. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2015.

35

governo russo para alcançar seus objetivos regionais de influência. Os russos tem esperado os momentos mais oportunos para continuar protestando acerca da expansão dos Estados Unidos e da OTAN por territórios considerados estratégicos para o país, evitando dessa forma provocar a sensação de confrontação direta com a potência hegemônica. O pragmatismo se coloca como uma difícil estratégia de ser implementada por conta da dificuldade de seguir os Estados Unidos (especialmente após 2001). Nesse período a potência em questão estava a enfatizar o direito à segurança e à soberania, mesmo que à custa da segurança e da soberania de terceiros (HURRELL, 2006). Pelo fato da política externa da Federação Russa buscar sempre fazer uma avaliação cuidadosa de custos e oportunidades de cada ação no âmbito externo, podemos identificar na mesma um forte caráter pragmático e, em certa medida, dizer que a utilização dessa estratégia deu certo no período delimitado para esta análise. De fato, esse pragmatismo da política externa russa não foi identificado somente na relação com os Estados Unidos, mas também na própria construção de outras relações bilaterais, e até mesmo na participação em foros multilaterais de cooperação, dos quais podemos destacar a sua futura participação no BRICS. A insatisfação com as intensas demonstrações unilaterais de poder norte-americano também ganha destaque por vir empurrado gradativamente o sistema para um ordem mais equilibrada e justa. Fazer dessa insatisfação a justificativa para medidas mais radicais não está em questão para a Federação por motivos já citados anteriormente. Surge nesse aspecto a possibilidade de se fazer um “balanceamento brando”, ou seja, promover esse equilíbrio do sistema sem necessariamente se alinhar ao ente hegemônico e identificando o caráter autônomo de suas ações (HURRELL, 2006). 2.4 A hostilidade europeia Kissinger (2014) trabalha o entendimento e a participação russa acerca da construção da ordem internacional utilizando como elemento principal o enquadramento do país como um ator eurasiano. Dada a localização das terras russas em meio a importantes rotas de civilizações e comércio, a constante exposição de ameaças históricas que vão desde os Vikings, invasões de tribos turcas à expansão do império Árabe, afirma que essa condição naturalmente condicionou o país a desenvolver no âmbito de sua política externa ações voltadas para contrabalançar tentações e medos. Conclui o autor que “the experience would leave Russia a uniquely ‘eurasian’ power, sprawling across two continents but never entirely at home in either”. Tal caracterização diz muito a respeito de uma Rússia que vinha trabalhando para desmontar o 36

modelo europeu de ordenamento global e, consequentemente, a preponderância do modelo westfaliano. Tudo da Rússia absolutista – tamanho, ambições de expansão de influência e território, inseguranças – se mostraram desde o começo como um grande desafio para a estabilidade europeia. Apesar da infinidade de acontecimentos históricos ocorridos ao logo de aproximadamente um século e de todas as mudanças pelas quais o cenário internacional passou, essa condição ainda se estende à Rússia de Vladimir Putin. Its policy has pursued a special rhythm of its own over the centuries, expanding over a landmass spanning nearly every climate and civilization, interrupted occasionally for a time by the need to adjust its domestic structure to the vastness of the enterprise – only to return again, like a tide crossing a beach. From Peter the Great to Vladimir Putin, circumstances have changed, but the rhythm has remained extraordinary consistent. (KISSINGER, 2014; p. 50)

Por conta da sua proximidade pelos anos em que serviu como oficial de inteligência na Alemanha oriental, Putin ainda nutre certa afinidade pela Europa. Porém, toda afinidade tem um certo limite. Logo ao assumir a presidência da Rússia, o presidente russo fez questão de deixar clara a sua posição em relação ao continente, afirmando que a identidade russa não seria completamente distinta da europeia. Estabelecer uma parceria e garantir a manutenção de uma boa relação com a Europa significaria para a política externa russa o seu sucesso. O primeiro grande questionamento que se faz a partir desse fato é de que forma o status da relação da Rússia com o continente europeu afeta a relação de ambos (interpretando como dois atores) com o ente hegemônico. Os formuladores da política externa russa destacam a importância do papel da emergência da Europa como um polo de poder em relação aos Estados Unidos. Todavia, essa emergência não deve ser entendida como uma oposição ao hegemon. A ênfase seria em ampliar a parceria e não necessariamente em confrontar ou equilibrar forças. Em certa medida, o posicionamento russo denuncia a preocupação da Federação com a crescente e já citada aproximação dos ex-satélites da URSS do continente europeu. Também acaba por se firmar como uma resposta ao desapontamento do kremlin em relação a uma série de medidas tomadas pela União Europeia pela consolidação de uma identidade efetivamente europeia, como por exemplo a Política Europeia de Segurança e Defesa e o plano de Política Externa e de Segurança Comum. Além de todo o entrave na implementação de políticas comuns, acordos orçamentários e afins, a Rússia ainda passou a perceber o polo europeu como sendo mais hostil em relação à questão da Chechênia. A vinculação dos acontecimentos à guerra contra o terror teve diferentes níveis de aceitação por todo o continente, isso sem levar em consideração a forma como se deu o processo de transição política da Geórgia (2003) e da 37

Ucrânia (2004). Evidente que essa série desagradável de acontecimentos fez com que a Rússia interpretasse as ações europeias como ameaças a sua política de influência regional, condicionando a política externa de Putin a agir de forma muito cautelosa em relação ao continente (MACFARLANE, 2009; PUSHKOV, 2005). Considerando que, ao longo de toda a sua história, a Rússia sofreu grandes invasões por parte de diferentes potências europeias, o mínimo que se pode esperar do governo russo é uma certa cautela. Além disso, podemos somar a esse fato o caráter estratégico e instrumental da Europa Oriental para a Rússia, uma vez que, com a consolidação da cortina de ferro durante a Guerra Fria, configurou-se nessa região algo como uma buffer zone para o país, sendo ela uma importante zona de influência mesmo com o fim do conflito (MENDES, 2014). O ponto mais incômodo definitivamente se encontra na expansão da União Europeia para os Estados bálticos. Se aproximar da influência regional da Rússia significa ampliar consideravelmente as tensões nas relações da Federação com os países próximos e, evidentemente, com a própria Europa. Todos esses fatores ajudam a descaracterizar uma possível emergência de um polo europeu de reforço ao equilíbrio multipolar ao poder norte-americano como caminho viável para a Rússia se consolidar como uma liderança regional (MACFARLANE, 2009). A perspectiva realista estaria correta em afirmar que, em tempos de União Soviética, a questão ucraniana, por exemplo, não seria um assunto propriamente “internacional”, pois a dinâmica regional específica da Europa esteve congelada entre alianças militares que englobavam a porção ocidental (OTAN) e a cortina de ferro (Pacto de Varsóvia). Como fatores agravantes no recorte do primeiro mandato do governo Putin, entram na conta a participação decisiva em guerras mundiais, a manutenção e gestão de um grande território dotado de riquezas minerais e a sua própria infraestrutura industrial ligada à tecnologia militar e espacial, além do domínio de tecnologia nuclear. Todas essas questões ligadas a um fenômeno de emergência da federação ameaçam constantemente o continente europeu, o qual prontamente responde por meio da expansão de sua influência. The EU, too, has been marching eastward. In May 2008, it unveiled its Eastern Partnership initiative, a program to foster prosperity in such countries as Ukraine and integrate them into the EU economy. Not surprisingly, Russian leaders view the plan as hostile to their country’s interests. This past February, before Yanukovych was forced from office, Russian Foreign Minister Sergey Lavrov accused the EU of trying to create a “sphere of influence” in eastern Europe. In the eyes of Russian leaders, EU expansion is a stalking horse for NATO expansion. (MEARSHEIMER, 2014)

38

Apesar do mundo pós Guerra Fria ter tirado parte do peso sobre a questão nuclear convencional das principais discussões e por ter ampliado consideravelmente a agenda internacional (que tem extrapolado a lógica racional do Estado e da visão clássica da balança de poder), é evidente que a Rússia leva em consideração as dimensões geopolíticas das questões nas quais se vê constantemente envolvida. A política externa russa está basicamente voltada para o que Mark Galeotti interpreta como “hot peace, not war”4. Há de fato uma preocupação na forma com que os desafios regionais se apresentam como empecilho para o sucesso das políticas doméstica e externa de Putin, todavia, não cabe mais vincular os feitos das mesmas políticas a uma possível intenção imperialista russa no atual ordenamento global. Os temas da agenda do século XXI aparecem em conjunto como parte de uma grande e desconhecida dinâmica internacional. Assim como os atores decisivos não são mais os mesmos do século passado, as formas de solucionar tais desafios também não são as mesmas. Compartilham desse nova dinâmica não somente a Rússia como todos os outros atores do sistema internacional. Apesar da infinidade de pontos divergentes no status da relação entre Rússia e União Europeia, desde o ano 2000, o diálogo entre os dois atores tem registrado uma dinâmica bem satisfatória, tendo dado início a um processo de aproximação mais efetiva com base na ideia do Espaço Econômico Europeu comum, formulada em 2001 por Putin e Romano Prodi, então presidente da Comissão Europeia. No entanto, não se pode negar que o tempo decorrido mostrou que esse processo não seria nada fácil, levando em consideração todas as barreiras relativas ao próprio crescimento da UE. Entre os grandes desafios que se colocam no meio da relação da Rússia com o bloco europeu estão os princípios da cooperação política e econômica entre a Rússia e a EU e o já citado alargamento da UE para territórios de profundo caráter estratégico para a Rússia. A dificuldade de se chegar a uma forma de solucionar tais questões acabam por demonstrar que os dois parceiros não estão preparados para a integração política da Rússia à Europa. Em suma, seria inconveniente para a União Europeia em razão da própria posição geopolítica da Rússia e, no caso da Federação Russa a questão de seus interesses de desenvolvimento. Tudo pelo fato de que “do ponto de vista político, a Rússia é, de fato, um grande Estado-nação, ou seja, um Estado dos tempos novos empenhado em configurar claramente sua situação geopolítica e sua estrutura política interna” (MAU, 2005).

4

GALEOTTI, Mark. Entrevista concedida à Bernard Gwertzman intitulada Russia wants ‘hot peace’, not war. Revista Foreign Affairs, set. 2014.

39

2.5 A crise energética Um outro grande desafio enfrentado pela política externa russa do primeiro governo de Vladimir Putin está na guerra por gás e petróleo que se arrasta até a atualidade no espaço pós soviético. A Rússia tem aproximadamente um terço das reservas mundiais de gás e 6% das reservas de petróleo. Ademais, tem controle suficiente para fazer dessa questão uma garantia de sua influência na região. Soma-se a esse fato a capacidade russa de controlar os meios de transporte de energia pelos países da CEI e a própria vantagem russa no estabelecimento de preços especiais de gás e de petróleo para a Comunidade, também com o objetivo de manter a influência da Federação da região. Ressaltando-se a importância da questão energética para a manutenção da influência russa, fica claro que a energia serviu mais aos interesses políticos do que aos econômicos, propiciando de forma ainda mais intensa o desgaste na interação da Rússia com alguns países da extinta União Soviética e tornando ainda mais intensa a volatilidade dos preços das commodities energéticas (PAVLOVA, 2007). Um exemplo concreto acerca dessas mudanças do preço da energia pode ser identificado nas próprias mudanças políticas nas relações da Rússia com Ucrânia e Moldávia como consequência da “guerra do gás” que deixaram em alerta o continente europeu que também depende das commodities energéticas russas. O que ocorreu no inverno de 2006 foi que o governo ucraniano se recusou a comprar o gás russo a um novo preço, fator que refletiu de forma extremamente negativa na Europa. Apesar da discordância, a Ucrânia não teve outra saída senão aceitar pagar os valores propostos pela Rússia, uma vez que o Turcomenistão vendeu o gás para a companhia russa Gazprom, eliminando assim as possibilidades da Ucrânia. Como agravante da situação política, entrou em questão no mesmo período o tema relativo à entrada da Ucrânia na OTAN (PAVLOVA, 2007). Todos esses entraves gerados pela utilização dos preços das commodities como trunfo de barganha política ajudam a degradar o nível de confiança da Rússia como fornecedor de energia tanto para os países do entorno quanto para a própria Europa. Vale lembrar que, hoje em dia, o continente consome cerca de 70% do petróleo e 65% do gás exportado pela Federação5, condição que, somada ao fenômeno de emergência e projeção internacional da Rússia, torna a atual relação do continente com a Federação cada vez mais conflituosa.

5

Ver A Europa Conseguiria Viver Sem o Gás Russo? BBC Mundo, 28 de março de 2014. Disponível em: . Acesso em 07 jun 2015.

40

Capítulo III: O Universo Pós-Moderno das Potências Médias 3.1 Cooperação Sul-Sul: o prelúdio dos BRICS Como já foi comentado anteriormente, o fim da era bipolar fez surgir no sistema internacional a necessidade de se construir uma ordem internacional diferente daquela vivenciada ao longo da Guerra Fria. Por pouco mais de uma década, os Estados Unidos tiveram a chance de aproveitar o ambiente do pós Guerra Fria para expandir sua hegemonia pelo mundo sem grandes limitações. Com os acontecimentos do 11 de setembro, o questionamento dessa ordem guiada pelos ideais norte-americanos começou a se fazer presente com a emergência de novos atores e temas, os quais ajudaram a caracterizar o que Gelson Fonseca Jr. apontou como consequência da própria “incapacidade das potencias tradicionais de gerar novos paradigmas de ordem”, fator que também criou uma possibilidade para que países (e grupos) emergissem e buscassem “espaço próprio para auxiliar, com interesses e ideias, modos de desenhar perspectivas de ordem” (FONSECA, 2012). O problema estaria na definição de objetivos e perspectivas claras em meio a uma infinidade de novos desafios e interesses, tendo em vista que, se colocar no mundo como um ator emergente, seria algo naturalmente difícil para a Rússia por conta de seu passado como superpotência. A fim de visualizarmos melhor essa nova fase de identificação das parcerias russas e, consequentemente, o papel dessa estratégia para a política externa da Federação, tomaremos como base o esforço em torno das principais iniciativas de cooperação Sul-Sul instauradas pelo governo Putin. Se faz necessário, portanto, ressaltar as bases dessa cooperação, as quais se encontram no conceito de system-affecting states desenvolvido por Robert Keohane (1969), o qual trabalha a ação coletiva de Estados que dependem da articulação em alianças ou instituições internacionais para exercerem alguma influência em conjunto (ampliação do poder de barganha). Essas articulações de faze necessárias, pelo fato desses mesmos Estados não terem capacidade individual de influenciar o cenário internacional. O objetivo está na ampliação da legitimidade de seus pleitos como forma de obter maiores êxitos. Evidente que, do período em que Keohane criou tal conceito até os dias de hoje, a forma de se desenvolver a cooperação Sul-Sul passou por modificações extremamente significativas por conta do próprio caráter dinâmico do sistema internacional. Dos grupos heterogêneos de atuação defensiva e demandante, de pleitos muito limitados e pouco específicos da década de 60, passamos a ter grupos mais homogêneos, de objetivos mais específicos e de ações mais coordenadas no cenário contemporâneo. É nessa conjuntura que temos a Rússia se projetando 41

internacionalmente e firmando parcerias estratégicas que ajudaram a consolidar o perfil mais ativo e revisionista de sua política externa. Apesar da institucionalização da coalisão BRICS ter acontecido somente em 2009, já no governo de Dmitri Medvedev, a articulação ganhou destaque na política externa do governo Putin porque vinha sendo discutida nos bastidores de outras grandes reuniões de países em desenvolvimento, como por exemplo as reuniões do G20, desde a sua criação no âmbito do Banco Goldman Sachs6. Vale ressaltar que a Rússia se encontra ao lado do Brasil como um dos grandes entusiastas de tal iniciativa, o que não quer dizer obrigatoriamente que ambos projetavam na utilização da credencial BRICS o mesmo nível de necessidade. A interpretação do que é o grupo atualmente resume-se basicamente no fato de todos os países serem detentores de recursos militares, políticos e econômicos que de fazerem igualmente parte da margem do “Grande Ocidente” liberal. Soma-se ao fato a capacidade dos cinco países (já incluindo a África do Sul) de contribuir para a construção da ordem internacional, além de “compartilharem uma crença em seu direito a um papel mais influente em assuntos mundiais”7. O objetivo também pode ser facilmente identificado: desejam contribuir de forma mais ativa na construção de novos temas e de rever alguns outros herdados desse mesmo período histórico citado (como por exemplo o Conselho de Segurança da ONU e a estrutura de votos do FMI), apesar de trazerem juntamente com o esforço de concertação suas enormes assimetrias. Possuem demografias muito próximas e positivas para o desenvolvimento de suas economias e igualmente se encontram à margem da formação da formação política ocidental e querem defender suas visões de ordem internacional, mesmo que pra isso seja necessário desafiar (entendendo os limites de tal ação) a concepção do ocidente liberal e desenvolvido. Um outro ponto importante está no próprio estreitar de laços entre os países em questão por meio de inúmeras iniciativas institucionalizadas de cooperação, podendo citar rapidamente a aproximação de Rússia e China, os quais tem em sua relação um extenso histórico de rivalidades e disputas, por meio da Organização Xangai de Cooperação (HURRELL, 2006). Nesse contexto, quando voltamos ao objetivo da cooperação Sul-Sul, ficam claros os efeitos do aumento do poder de barganha quando estamos falando de 4 grandes mercados,

6

Ver Another BRIC in the Wall. The Economist, 2008. Disponível em: . Acesso em: 08 jun 2015. 7 Ver HURRELL, Andrew. Hegemonia, liberalismo e a ordem global. In: Os BRICS e a Ordem Global. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2009.

42

grandes territórios, grandes lideranças regionais pleiteando em conjunto, em uníssono uma por revisão de antigas diretrizes, por maior representatividade das instituições multilaterais, por maior presença, ao invés de um único ator pedindo por algo isoladamente. Porém, devemos sempre lembrar que o conceito chave de toda a política externa do primeiro governo Putin foi o pragmatismo. Não poderia ser diferente no âmbito da cooperação Sul-Sul. A Rússia não é o país mais necessitado dos esforços de cooperação Sul-Sul, mas sabe tirar proveito dos pontos mais relevantes levantados pelos principais foros dos quais faz parte para seu próprio desenvolvimento. 3.2 O lugar da China na política externa russa Um assunto que mereceu significativos esforços da política externa do governo Putin foi justamente a aproximação e mobilização para o reestabelecimento de uma relação mais cooperativa com a China. Em meio às condições já trabalhadas para o surgimento de novas potências, metas e desafios na cena internacional, China e Rússia começam a resgatar substancialmente no final da década de 90, no âmbito das revisões de seus respectivos perfis de política externa, um potencial de desenvolvimento de cooperação em assuntos de ordem regional e internacional, assim como algumas questões econômicas. Fator inédito na política externa russa, tendo em vista o caráter bastante conflituoso do histórico dessa relação bilateral. De acordo com a concepção chinesa de ordem, as potências hegemônicas utilizam seus excedentes de poder para obterem maior controle sobre países terceiros. Por esse motivo, ao longo de todo o período da Guerra Fria, a China chegou a desenvolver fortemente recursos de hard power a fim de bloquear qualquer tipo de ingerência externa, entendendo as questões relativas à interferência estrangeira em território Chinês como sendo de extrema importância para sua política externa. A noção chinesa de hegemonia também moldou o pensamento nacional após 1949, quando os Estados Unidos foram responsabilizados por impedirem a unificação territorial da RPC com Taiwan, criando alianças militares com vizinhos da China, obstruindo o estabelecimento de relações diplomáticas entre Pequim e outros países, impondo um rígido embargo comercial e organizando uma coalisão das Nações Unidas até 1971. (FOOT, 2006; p. 127)

Em um primeiro momento, após a revolução chinesa (1949), o país firmou uma importante aliança com o polo soviético “com o objetivo de acumular poder econômico e militar, acreditando – assim como formulou Mao Tsé Tung – que as nações ocidentais não levariam a China a sério até a sua industrialização e obtenção de armas avançadas (inclusive nucleares)” (FOOT, 2006). 43

Na década de 50, essa aliança vai entrar em uma dinâmica de decadência que encaminhou a relação desses dois países para uma ruptura que duraria até o final da década de 80. Além da China de Mao Tsé-Tung recusar a adesão ao Pacto de Varsóvia, temos como motivo principal a tentativa da União Soviética de Nikita Khrushchev em dialogar um pouco mais com os Estados Unidos, a fim de firmar acordos em prol de uma coexistência pacífica com o mundo capitalista. Esse fato acabou minando o alinhamento ideológico com a China, uma vez que Mao enxergava esses esforços de coexistência pacífica como uma traição aos princípios do comunismo. Por conta disso, a China passou a se posicionar como um novo polo de influência comunista, divergindo intensamente do comunismo soviético e do arranjo de poder estabelecido pela dinâmica da Guerra Fria (RODRIGUES, 2002). A china estava cada vez mais irritada e precavida com o Kremlin, pois as políticas soviéticas se caracterizavam cada vez mais imperialistas, além das experiências nucleares soviéticas virem se aprimorando. Acuada no ambiente internacional, não sabia até que ponto os EUA estava armando Taiwan para continuarem resistentes a China continental. Mao mais uma vez foi buscar apoio da URSS para seu salto adiante, e encontrou o líder relutante e compenetrado em garantir ao povo Soviético padrões de vida melhores. (RODRIGUES, 2002)

Quando o arranjo das relações sino-soviéticas começaram a apontar para uma possível guerra entre os dois atores, “Pequim justificou a criação de um alinhamento antissoviético tácito com Washington, afirmando que o imperialismo dos Estados Unidos estava retrocedendo e que Moscou tinha usurpado o papel hegemônico anteriormente exercido pelos americanos” (FOOT, 2006). O status dessa relação se modificou sensivelmente quando o líder soviético Mikhail Gorbachev iniciou uma série de reformas na União Soviética que tratariam, dentre inúmeros outros assuntos, da relação do país com a China, lembrando da histórica visita de Gorbachev à China em 1989. Desde a dissolução da URSS que a Federação Russa, como Estado sucessor do bloco, mantém relações muito mais cordiais com a República Popular da China, tendo em vista o próprio desaparecimento da rivalidade ideológica. A melhora da relação desses dois atores foi condicionada basicamente pela extinção do comunismo soviético, entendido aqui como a maior fonte de divergência ao longo de quase todo o período da Guerra Fria (KISSINGER, 2010). Em relação aos Estados Unidos, a expansão da OTAN e a própria aproximação da potência hegemônica com o Japão foram entendidas como formas de intimidar tanto a China quanto a Rússia, aproximando ainda mais esses dois atores no que diz respeito ao entendimento da ordem internacional do pós Guerra Fria.

44

Gorbachev e Yeltsin foram os grandes entusiastas do reaquecimento das relações sinosoviéticas, porém não tiveram grandes condições de focar em tal questão por conta dos já citados problemas internos que a URSS e, pouco tempo depois, a Rússia tiveram que enfrentar. Foi no governo Putin então que o status dessa interação mudou significativamente, uma vez que o próprio processo de emergência da Rússia aconteceu quase que concomitantemente ao período de ascensão regional e internacional da China de Jiang Zemin (FOOT, 2006). Tendo como base a aspiração acerca de uma maior participação na construção de uma ordem internacional menos assimétrica, em 2001, Putin e Zemin assinaram o primeiro tratado de amizade entre os dois países desde o fim da União Soviética, fato que mostra que houve, de fato, um amadurecimento nas relações de Moscou com a China. Os esforços de cooperação que melhor ajudam a ilustrar tal amadurecimento são a participação de ambos os atores na Organização Xangai de Cooperação e a realização de exercícios militares em conjunto. Um exemplo concreto aconteceu em 2005, quando os membros da OSC chegaram a pedir o fechamento de bases militares norte-americanas no Quirguistão e no Uzbequistão, ou seja, aquelas mesmas bases negociadas veladamente com os EUA pela Rússia quando do 11 de setembro, fator que ressalta ainda mais o caráter pragmático da política externa de Putin. Em suma, o reestabelecimento de relações amigáveis com a China mostrou resultados positivos para os objetivos de política externa estabelecidos por Vladimir Putin. Assim como a Rússia, a China não busca enfaticamente construir coalisões anti-hegemônicas, mas entende o seu lugar no ambiente multilateral e o seu papel protagônico, ao lado de outras potências médias, na construção de um ordenamento global mais justo. 3.3 Relação Brasil-Rússia Um dos vetores que recebem esforços especiais por parte da Rússia na vertente latinoamericana de sua política externa é o desenvolvimento de relações diplomáticas em amplos e diferentes aspectos com o Brasil. O país é o maior parceiro político, econômico e comercial da Rússia na região, se posicionando também como o ator que dialoga pela região mundo afora. A Rússia tem se empenhado em cooperar com o Brasil nos assuntos internacionais, especificamente no âmbito dos organismos internacionais de governança global. Ambos os perfis de política externa, tanto do presidente Vladimir Putin quanto do presidente Lula da Silva, vão buscar reforçar seus laços pelo empenho em construir uma ordem internacional mais justa e multipolar (KAMENEV, 2005). Os contatos entre os dirigentes políticos dos dois países se intensificou de uma forma extraordinária no período de 2003 a 2008, consequência de um elevado grau de confiança e a 45

profundidade da abordagem das questões construídas por ambos os atores ao longo dos anos. Por conta do próprio entendimento do presidente brasileiro acerca da política externa, a partir de 2004, vão ocorrer inúmeros encontros, no âmbito por exemplo da Cúpula do “G-8” e da 58ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. O estreitamento de laços ocorreu igualmente entre seus Ministros das Relações Exteriores, os quais foram devidamente instruídos a praticarem intenso diálogo e cooperação em inúmeros aspectos. Esse condicionamento pela ampliação do diálogo político, deixa evidente no âmbito da política externa do governo Putin que Rússia e o Brasil possuem posições muito próximas em relação a variados temas da agenda internacional, podendo citar como exemplo a pacificação do Oriente Médio e a situação no Iraque e no Afeganistão no pós 11 de setembro. Também são bem próximos os entendimentos de Brasil e Rússia no que diz respeito à questão do desarmamento e de não-proliferação de armas nucleares, tendo os dois países defendido o reforço do regime do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e do sistema de salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e de segurança nuclear, considerando aqui a intensificação da cooperação internacional na área de energia atômica para fins pacíficos, aceitando rigoroso controle da própria AIEA com base no TNP. A Rússia também considera de forma extremamente positiva as iniciativas internacionais do Brasil no desenvolvimento de instrumentos internacionais de combate à fome e à pobreza, como por exemplo o Fundo IBAS8 para o Alívio da Fome e da Pobreza, em parceria com Índia e África do Sul. As relações econômicas e comerciais entre a Rússia e o Brasil ganharam dinamismo e caráter promissor. Ademais, os indicadores do fluxo comercial entre os dois países registraram uma tendência prolongada de ampliação, tendo somado, em 2003, cerca de dois bilhões de dólares contra US$ 1. 648 bilhões em 2002 (KAMENEV, 2005). 3.4 O diálogo com o Irã Sobre a relação irano-russa, podemos afirmar que muito do que caracteriza a boa interação de Vladimir Putin com Teerã foi herdado de seu antecessor. A Rússia de Yeltsin fez grandes acordos de armas com o Irã, os quais incluiam a venda de aviões a jato, tanques e submarinos, além de ter começado a construir um reator nuclear para o Irã em Bushehr 8

Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul. Mecanismo inter-regional de cooperação Sul-Sul criado em 2003 que congrega três das maiores democracias multiétnicas do mundo em desenvolvimento. O IBAS atua em três vertentes principais: coordenação política, cooperação setorial e Fundo IBAS. Consultar o portal do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 11 de junho de 2015.

46

(FREEDMAN, 2006). Um dado inicial importante para se pensar a interação desses dois atores é a manutenção dessa parceria estratégica militar que já dura há duas décadas, fator que faz com que tal relacionamento seja evidentemente visto com preocupação por parte dos Estados Unidos. A potência hegemônica teme profundamente os laços entre esses países, uma vez que ambos são potências emergentes e estruturam suas políticas externas a partir do enfraquecimento do papel norte-americano na cena internacional. Porém, a relação desses dois atores nem sempre foi tão pautada na convergência, valendo lembrar que a revolução islâmica de 1979 foi motivada tanto pelo antiamericanismo quanto por sentimentos antissoviéticos. Ademais, "eles não compartilham uma aliança estratégica definida. Só há alguns interesses específicos. (...) As relações políticas entre os dois países são complexas e frequentemente marcadas por acusações mútuas", afirma Lukianov. A recente história da parceria militar irano-russa deu-se na sequência dos acontecimentos anteriores à queda da União Soviética. O recém-eleito Rafsanjani, após a morte de Khomeini, firmou um acordo de defesa e respeito mútuo com a URSS em 1989, e as relações floresceram após esse evento. No ano seguinte, os russos já haviam se tornado os principais fornecedores de armamentos para os iranianos. Durante o resto da década, todavia, a Rússia diminuiu o ritmo de vendas para o país dos aiatolás, pois desejava melhorar seu relacionamento com os Estados Unidos, que encabeçavam o embargo ao Irã. A partir de 2000, entretanto, essa situação se reverteu, e os russos ganharam bilhões com as receitas obtidas da venda de armamentos de defesa. Concomitantemente, a parceria na construção da usina nuclear e a oposição russa às sanções econômicas a Teerã pareciam demonstrar a solidez dessa parceria. (LEÃES, 2012)

O programa nuclear iraniano é de longe o maior ponto de conflito entre Teerã e o Ocidente. Dado o caráter pragmático da política externa de Putin, o envolvimento de Moscou nessa questão não diz respeito especificamente ao desenvolvimento iraniano de armas nucleares, mas sim ao posicionamento russo em relação a uma possível intervenção militar ocidental no Irã. Essa distensão existente entre Teerã e o bloco ocidental foi muito bem aproveitada por Moscou ao longo da primeira década dos anos 2000. As sanções internacionais geraram um isolamento iraniano e tiraram da jogada um dos principais concorrentes russos do mercado energético europeu. Essa vantagem russa pode ser entendida quando percebemos que as ameaças mútuas entre o Irã e o Ocidente elevam o preço do petróleo, tendo em vista a ameaça do bloqueio do Estreito de Ormuz (rota principal de 40% do petróleo mundial). Por conta dos fatos citados, fica claro que a Rússia também aplica amplamente o pragmatismo de sua política externa na relação com o Irã. De fato, tiveram alguns problemas por conta dos conflitos na Chechênia e em relação à rota de saída de petróleo e gás natural pelo Mar Cáspio. Porém, estes problemas foram superados em 2005, quando o Irã emergiu como o 47

mais importante aliado de Putin no Oriente Médio. Moscou se tornou um protetor do Irã contra as sanções internacionais ocidentais. It would appear that Moscow, despite its rhetoric, has decided to acquiesce in Iran's nuclear program, most probably because of Putin's policy of enhancing Russian prestige in the Middle East, and elsewhere in the world, at the expense of the United States. Russia's policy of dragging out negotiations as long as possible, while protecting Iran from sanctions, certainly strengthens Moscow's relations with Iran, while at the same time, by keeping oil prices high, it clearly helps the Russian economy. (FREEDMAN, 2006)

Vendo nesse ato de proteger seu maior parceiro no Oriente Médio um risco muito grande para a deterioração de suas relações com Estados Unidos e União Europeia, Putin precisou fazer uma análise cuidadosa de perdas e ganhos. Ademais, a própria ascenção de Mahmud Ahmadinejad (um fundamentalista islâmico) ao poder no Irã passou a ser vista pelo presidente russo como um possível desafio para a Federação em relação as suas políticas na Chechênia. No geral, o objetivo central de política externa de Putin foi reforçar a economia russa, para que o país pudesse vir a recuperar o seu status de grande potência . Faz parte de sua estratégia de política externa procurar criar um "arco de estabilidade" nas fronteiras da Rússia, para que o desenvolvimento econômico não seja freado por fatores externos, principalmente regionais. Esse é o maior peso da balança de custos e oportunidades nas relações irano-russas (FREEDMAN, 2006).

48

CONCLUSÃO A Rússia precisou passar por uma significativa revisão das diretrizes de sua política externa por conta de um conjunto de fatores internos e externos ao longo de suas primeiras décadas como sucessora da URSS. Mais especificamente ao longo dos anos 2000, quando Putin ascende ao poder e consegue concentrar seus esforços políticos no resgate econômico e social do país. Precisou aprender a controlar disputas políticas internas e a trabalhar o “excepcionalismo” deixado pelo fim da Guerra Fria a seu favor. Podemos destacar dentre esses fatores condicionantes da política externa de Vladimir Putin o próprio processo de construção social da Rússia e dos países do entorno regional, a interação entre tais atores e a própria relação dos mesmos com o eixo ocidental. Temos nesse contexto uma OTAN modificando suas diretrizes e incomodando profundamente os objetivos de Putin em se consolidar como uma liderança regional, o que não implica caracterizar a mesma como um ator de intenções expansionistas ou imperialistas. É nesse contexto que os conflitos relativos à identidade aparecem como um ponto importante para a construção da política externa da Federação, uma vez que grande parte dos desafios enfrentados por Putin no âmbito internacional foram provenientes das críticas relativas ao modo como o presidente conduziu sua política de influência para os ex-satélites da União Soviética. Por conta da própria bagagem de conhecimento mútuo conflituoso entre a Rússia e os demais países do entorno, consolidou-se uma intensa movimentação de afastamento da influência russa. A união dessa insatisfação com a modificação do perfil da OTAN colocou em risco o objetivo russo de adquirir maior projeção internacional. A delicada situação da Rússia, pressionada pela hegemonia norte-americana e pelos problemas internos que ameaçavam a integralidade do Estado e o próprio projeto de emergência, muda sensivelmente com os acontecimentos do 11 de setembro. Por conta da preocupação extrema da comunidade internacional com o terrorismo e, principalmente, do posicionamento dos Estados Unidos (já demonstrando perda de hegemonia e necessidade de promover diálogo com outros atores), Putin entende a necessidade de se posicionar de uma forma menos hostil em relação aos interesses da potência em questão, porém, sem jamais perder as ressalvas, tanto em relação a OTAN quanto aos EUA. A estratégia adotada para promover a convergência de interesses entre os dois países em questão foi a de bandwagoning, ou seja, de ir a reboque da potência hegemônica, de evitar confrontação nos temas de vital interesse para

49

tal ator, porém sem colocar os temas de interesse da Federação na mesa de negociação da cena internacional. A dinâmica do sistema vivenciada por Putin ao longo de seu primeiro governo gira em torno, basicamente, de uma descompressão hegemônica dos Estados Unidos e da ascensão de novas potências, as quais possuem papel de destaque no diálogo com as potências (principalmente os EUA) e, consequentemente, na construção da ordem internacional, valendo lembrar do conceito de uni-multipolaridade desenvolvido por Samuel Huntington. No sistema internacional mais amplo, a política externa russa é pragmática. Consciente de sua própria fraqueza e vulnerabilidade, os líderes russos apoiam fortemente um entendimento tradicional da soberania e jurisdição doméstica, resistindo à diluição desses conceitos em termos de direitos humanos e governança. Eles também buscam manter ou restaurar a posição das Nações Unidas, embora, por questões históricas, a Rússia desfrute de um nível de influência e status na organização que é desproporcional a suas atuais capacidades. (MACFARLANE, 2006; p. 99)

Em suma, a mudança principal que deve ser pontuada em relação ao perfil da política externa russa gira em torno do pragmatismo. Putin buscou constantemente limitar suas perdas e projetar seus ganhos a longo prazo, permitindo assim que o país entrasse em um processo de reconstrução gradativa do padrão de grande potência em um sistema internacional multilateral. Diante desse cenário, a Rússia emerge como um parceiro chave de outros atores emergentes, vivenciando um novo momento de estratégia de política, a qual não exige vinculações políticas tão densas ou compromissos ideológicos. É uma Federação que aprendeu com sua história e que procura se recuperar para se impor sem necessariamente ignorar suas reais limitações. Portanto, quando nos deparamos com a história da construção do Estado russo pós Guerra Fria e as atuais políticas de Vladimir Putin, não podemos simplesmente julgar ou relativizar os fatores condicionantes de suas ações e, consequentemente, seus impactos no ordenamento global. Atualizados os seus objetivos no cenário internacional, revisadas as estratégia e dinâmica em suas relações comerciais, é por meio do entendimento de Vladimir Putin acerca das necessidades da Rússia que o país vai se libertando gradativamente da visão de país perdedor no pós Guerra Fria. Há de fato, uma expectativa no cenário internacional acerca do posicionamento russo nessa nova fase de sua política externa em relação aos Estados Unidos, uma vez que a estratégia adotada pela União Soviética durante a Guerra Fria foi de confrontação direta e de divergências ideológicas, caracterizando assim o jogo clássico da balança de poder. Sendo a sucessora das prerrogativas do antigo bloco, ressaltando aqui uma das principais heranças que foi o assento 50

no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Rússia carregou nas costas a necessidade de construir um novo perfil no ambiente internacional. Por mais necessitado de reformas internas que o país estivesse, teria que arcar com as responsabilidades internacionais de uma antiga potência. Putin entende esse caráter excepcional russo e adota uma postura de não confrontação com o ente hegemônico em diferentes momentos, sem eximir-se por completo de seus interesses. No que diz respeito ao equilíbrio de poder do entorno regional, pode-se dizer que a Rússia detém uma vantagem comparativa relativamente significativa aos países próximos, seja na economia ou na segurança. Age como uma grande nação protetora de seus semelhantes, pleiteia por maior autonomia de suas áreas de influência sem necessariamente desejar a anexação desses territórios, mas procura tirar proveito de tudo que uma influência bem consolidada pode oferecer. Assim como na época da URSS, a ideia é expandir sua presença política por meio da ampliação de influências, consequentemente, aumentando seu poder de barganha regional ou internacionalmente falando. A Rússia de Putin não responde a essa dinâmica tradicional de política de poder pelo fato de incorporar em si a vastidão embutida no conceito de regionalismo e o papel das ideias na construção de sua identidade (definição de interesses e crenças). Pelo fato de existir claramente um “excepcionalismo” na reconstrução do Estado russo, calcado em sua história pouco tradicional, não se pode afirmar que a emergência da Federação afetará e compactuará com uma lógica puramente racionalista que ignora o papel das ideias. Tal abordagem resumese puramente à interpretação dos atos russos no cenário internacional por meio da dinâmica e dos efeitos do poder, excluindo o importante papel das ideias para a própria identificação dos interesses do Estado. Dessa forma, caracterizar a Rússia como um Estado capaz de ameaçar o equilíbrio de poder do atual ordenamento global por meio de ações imperialistas seria, no mínimo, pouco cuidadoso, uma vez que suas ações, apesar de desagradarem muitos atores, não surtem efeitos muito prolongados. Ademais, analisar a presença russa no cenário internacional por meio da lógica realista seria extrair dela o mínimo, afinal, as teorias tradicionais das relações internacionais tem se mostrado incapazes de dar conta da amplitude de temas da agenda internacional desencadeados ao longo dos últimos 50 anos.

51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, João. A Rússia de Putin. Diário Econômico, 12 de dezembro de 2009. Disponível em: [http://www.ipri.pt/investigadores/artigo.php?idi=5&ida=474]. BAHIA, Renato. O efeito dos ataques terroristas de 11 de setembro para o relacionamento OTAN-Rússia. Julho, 2012. Disponível em: [http://www.pucrio.br/pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/IRI/IRIRenato%20Sabbagh%20Bahia.pdf]. BARBASHIN, Anton & INOZEMTZEV, Vladislav. A Grand Bargain With Russia: what it would take to get Kremlin to cooperate. Foreign Affairs, 8 de agosto de 2014. Disponível em: [http://www.foreignaffairs.com/articles/141840/vladislav-inozemtsev-and-anton-barbashin/agrand-bargain-with-russia]. BUZAN, Barry. Rethinking Security after the Cold War. Cooperation and Conflict, v. 3, n. 1, 1997, p. 5-28; People, States and Fear, ECPR, 2007. BUZAN, Bary, WEAVER, Ole & WILDE, Jaap. (1998). Security: A New Framework for Analysis. Boulder, Co. Lynne Rienner Pub. FREEDMAN, Robert. Russia, Iran and the Nuclear Question: the Putin Record. 2006. FUKUYAMA, Francis. O Fim da História. 1989. FULLER, Graham; MENON, Rajan. Russia’s Ruinous Chechen War. Foreign Affairs, 2000. Disponível em: [http://www.foreignaffairs.com/articles/55844/rajan-menon-and-graham-efuller/russias-ruinous-chechen-war]. HENDLER, Bruno. O gás natural, a Ucrânia e a relação Rússia-União Europeia: o que as teorias das relações internacionais têm a dizer? Boletim Mundorama, mai 2014. Disponível em: [http://mundorama.net/2014/05/24/o-gas-natural-a-ucrania-e-a-relacao-russia-uniaoeuropeia-o-que-as-teorias-de-relacoes-internacionais-tem-a-dizer-por-bruno-hendler/]. Acesso em 1 jun 2015. HUNTINGTON, Samuel P. The Lonely Superpower. Foreign Affairs, 1999. HURRELL, Andrew. Hegemonia, liberalismo e ordem global: qual é o espaço para potências emergentes? In: Hurrel, Andrew. Os Brics e a ordem global. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. (p. 09-41) KAMENEV, Konstantin. Apresentação. In. Brasil-Rússia: Fortalecimento de uma Parceria. FUNAG, Brasília, 2005. KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. Trad. Marco. A. Zingano. São Paulo, L&PM, 1989. KISSINGER, Henry. New Order. Penguin Press, New York, 2014. KOZYREV, Andrei. The Lagging Partnership. Foreign Affairs, v.73, n.3, 1994, p. 59- 71 KUPCHAN, Charles. The End of the American Era. Princeton University Press, 2002. (p. 247303). LAFER, Celso e FONSECA JR., Gelson. Questões para a Diplomacia no Contexto Internacional das Polaridades Indefinidas (Notas analíticas e Algumas Sugestões). In 52

FONSECA JR. e CASTRO (orgs.). Temas de Política Externa Brasileira II. São Paulo: IPRI/Paz e Terra, 1994. FOOT, Rosemary. Estratégias chinesas em uma ordem global hegemônica: acomodação e hedging. In. Os Brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro; Editora FGV, 2009. NEUMANN, Ivan. Russia and the idea of Europe: A study in identity and International Relations. London: Routlege, 1996. MACFARLANE, Neil. O “R” do BRICS: a Rússia é uma potência emergente? In. Os Brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro; Editora FGV, 2009. MAU, Vladimir. A Política Econômica da Rússia Atual: o balanço do desenvolvimento póscomunismo, problemas correntes e novos desafios. In. Brasil - Rússia: Fortalecimento de uma Parceria. FUNAG, Brasília, 2005. MENDES, Pedro. Rússia, União Europeia e OTAN: as dinâmicas políticas por trás da crise ucraniana. Boletim Mundorama, abril 2014. Disponível em: [http://mundorama.net/2014/12/08/russia-uniao-europeia-e-otan-as-dinamicas-politicas-portras-da-crise-ucraniana-por-pedro-simao-mendes/]. Acesso em: 31 de maio de 2015. MIELNICZUK, Fabiano. O Conflito entre Rússia e Geórgia: uma revisão histórica. Estudos Internacionais, vol. 1, n.2 jul-dezembro, p.157-166. PAVLOVA, Elena. As principais tendências da política exterior da Federação Russa em 2006. Revista de Economia & Relações Internacionais, FAAP, vol. 5 (10), 2007, pp. 98-107. PUTNAM, Robert. Diplomacy and domestic politics: the login of euro-level games, international organization. V. 42, n. 3, p. 427-460, Summer 1998. RESENDE, Erica. Uma Análise da Doutrina Bush no Décimo Aniversário do Onze de Setembro. Textos & Debates, Boa Vista, n.18, p. 7-18. SEGRILLO, Ângelo. O fim da URSS e a nova Rússia: de Gorbachev ao pós-Yeltsin. Petrópolis: Vozes, 2000. JONES, Steve. The Bush Doctrine. [http://usforeignpolicy.about.com/]

US

Foreign

Policy.

Disponível

em:

WEAVER, Ole. Cap. 3 In: Lipschutz, R (Ed.) On Security. New York: Columbia University Press, 1995.

53

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.