A MULTIFINALIDADE DO CADASTRO – CONCEITOS E PROPOSTAS The multipurpouse of the Cadastre – concepts and proposals Resumo

May 27, 2017 | Autor: Yse Dantas | Categoria: Cadastre
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COBRAC 2014 · Congresso Cadastro Técnico Multifinalitário · UFSC Florianópolis · 12 à 16 de Outubro 2014

A MULTIFINALIDADE DO CADASTRO – CONCEITOS E PROPOSTAS The multipurpouse of the Cadastre – concepts and proposals Yse Vinhaes Dantas¹ [email protected]

Gilberto Corso Pereira² [email protected] UFBA PPG-AU FAUFBA / LCAD Rua Caetano Moura, 121, Federação 40210-905 Salvador BA

Resumo: A necessidade de informação territorial para o enfrentamento das questões urbanas na luta pela cidade democrática é premente e ela foi inserida no Estatuto da Cidade. A legislação brasileira impõe restrições importantes ao direito absoluto da propriedade, exigindo cada vez mais o acesso a ferramentas que viabilizem a fiscalização da sua função social. Também determinou que o Plano Diretor dos Municípios deve apresentar a configuração espacial das diretrizes e dos instrumentos voltados à regulação do uso e ocupação do solo e dos investimentos públicos. Neste sentido o Cadastro é apresentado como ferramenta eficaz desde que devidamente estruturado. No entanto, a falta de clareza na conceituação do Cadastro e de seus componentes podem gerar inconsistências na sua concepção e dificuldades de implementação. Este artigo faz uma análise conceitual sobre o Cadastro, a Parcela e o Objeto Territorial, discute o Cadastro Territorial Multifinalitário – CTM brasileiro, apresenta algumas inconsistências da Portaria 511/09 e oferece algumas proposições para contribuir na melhoria do sistema cadastral no país. Palavras chave: Cadastro 2014, CTM, Parcela, Objeto Territorial, Plano Diretor.

Abstract: The need for land information for dealing with urban issues in the struggle for democratic city is pressing and it was inserted in the City Statute. The Brazilian law imposes important restrictions to property rights increasingly requiring access to tools that enable the monitoring of their social function. The Master Plan should provide the spatial configuration guidelines and instruments aimed at regulating the use and land use and public investment. In this sense the Cadastre is presented as an effective tool if properly structured. However, the lack of clarity in the conceptualization of the Cadastre and its components may lead to inconsistencies in their establishment and implementation difficulties. This article presents a conceptual analysis of the Cadastre, the Parcel and the Land Object, discusses the Brazilian Multipurpose Territorial Cadastre – CTM, presents some inconsistencies of the Portaria 511/09 and offers some propositions to contribute to the improvement of the cadastral system in the country. Keywords: Cadastre 2014, Multipurpose Cadastre, Parcel, Land Object, Master Plan.

1. Contexto urbano no Brasil No pensamento da Cidade como lugar da modernidade e do progresso em oposição ao Rural como lugar de tradição e atraso, a primeira exerceu e exerce grande atração entre as

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populações que para ela se dirigem em busca de novas oportunidades de vida. Oliveira (2002, p. 10) nos lembra que “a cidade passou a ser identificada como campo da racionalidade e do planejamento e, simultaneamente, como fonte de fragmentação e de aviltamento do indivíduo.” No Brasil não foi diferente. O país que, durante a maior parte da sua história foi essencialmente rural, assistiu a uma crescente urbanização a partir do processo de industrialização ocorrido nos anos 50, e hoje 84,21% da população já vive em cidades conforme dados do Censo 2010 do IBGE. A industrialização e a migração campo-cidade levaram a uma explosão dos centros urbanos, multiplicação de favelas e a insuficiência de políticas públicas para estes fenômenos acirrou a segregação socioespacial nas cidades. Os efeitos desta intensa urbanização já podiam ser sentidos desde os anos 60. Problemas como a marginalização de enormes segmentos pobres da população e o desequilíbrio ambiental marcaram as últimas décadas do século XX, sendo premente a necessidade de superação das desigualdades urbanas. A crise do modelo tecnocrático-centralista-autoritário, como salienta Vainer (2005), é simultânea à ascensão dos movimentos urbanos e ao fortalecimento das organizações populares em praticamente todas as cidades brasileiras. A pressão destes movimentos fez com que a questão do acesso à terra urbana e a igualdade social entrassem nas agendas política e de desenvolvimento, num movimento de reforma urbana inserido no processo de democratização do País. A Constituição Federal - CF (BRASIL, 1988) abrigou então esta nova ordem no capítulo II, específico para a Política Urbana, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, transferindo para a municipalidade a competência para definir o uso e a ocupação da terra urbana.

1.1 O Estatuto da Cidade - Lei 10.257 de 2001 Em 2001, depois de onze anos de tramitação no Congresso Nacional, foi finalmente aprovada a Lei nº 10.257 (BRASIL, 2001b), denominada de Estatuto da Cidade - EC. Esta Lei passou a regulamentar os art. 182 e 183 da Constituição Federal - CF (BRASIL, 1988) e estabeleceu normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (BRASIL, 2001b, art. 1º). De acordo com Maricato (2010), o EC é fruto de décadas da persistente luta social mesmo num contexto adverso, excludente, conservador e reúne em um mesmo texto aspectos relativos ao governo democrático da cidade, à justiça urbana e ao equilíbrio ambiental. O EC foi um dos maiores avanços da legislação urbanística brasileira, uma vez que apoia os municípios na execução da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, com base em princípios que estimulam processos participativos de gestão territorial, dentre eles o Cadastro, e amplia o acesso a terra urbanizada e regularizada, beneficiando grupos sociais tradicionalmente excluídos, reconhecendo a cidade real (BRASIL, 2001b).

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1.2 O Plano Diretor, a função social da cidade e da propriedade urbana Nas legislações inspiradas no Direito Romano, como a brasileira, o Direito de Propriedade possui os caráteres - absoluto, que dá garantia ao proprietário de dispor da coisa imóvel; exclusivo, que lhe permite usar e gozar da coisa imóvel; e perpétuo, que lhe permite conservar o domínio. A Constituição Federal – CF (BRASIL, 1988), em seu art. 5º, XXII, garantiu o direito individual à propriedade. No entanto, ela estabeleceu limitações à este direito estabelecendo restrições ao caráter absoluto, limites ao caráter exclusivo, e a possibilidade de desapropriações, rompendo o seu caráter perpétuo na medida em que determina o cumprimento social da propriedade. O cumprimento da função social na propriedade urbana, conforme determinado pelo art. 182 da CF (BRASIL, 1988), é a obediência às diretrizes fundamentais de ordenação da cidade fixadas no Plano Diretor, que passou a ser o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes. O Estatuto da Cidade – EC (BRASIL, 2001b) reforçou a orientação autônoma e descentralizadora dada pela CF, por meio do Plano Diretor ou legislação complementar, deverão ser definidos os conceitos de propriedade não utilizada ou subutilizada e deverão ser representadas, em base cartográfica, as propriedades a serem submetidas a sanções de instrumentos previstos no Estatuto da Cidade. Apesar das questões urbanas terem sido deslocadas para a escala do município, as questões ambientais ficaram sob a competência complementar e concorrencial dos três níveis da federação, pois elas transcendem a escala local. Mas é também no espaço urbano onde elas acontecem e estão ligadas à escassez de moradia, ao mercado de terra, a ocupação de áreas ambientalmente frágeis e protegidas por lei, aos efluentes industriais e a falta de esgotamento sanitário doméstico que poluem os recursos hídricos.

1.3 O Plano Diretor, os Instrumentos do EC e a necessidade de informação territorial A informação ocupa lugar central na luta pela cidade democrática sendo que todo esforço para gerar, registrar e tornar acessíveis informações sobre a cidade representa investimento decisivo na luta pela democratização da cidade, afirma Vainer (2005, p.140). O autor ressalta que a produção, sistematização, registro e disponibilização de informações exigem uma série de conhecimentos estritamente técnicos, evidenciando como a democracia e a técnica se alimentam ao invés de se contraporem. O Plano Diretor deve definir como cada porção do território cumpre sua função social, portanto, deve apresentar a configuração espacial das diretrizes e dos instrumentos voltados à regulação do uso e ocupação do solo e dos investimentos públicos. A unidade de planejamento do Plano Diretor é o território do Município como um todo (BRASIL, 2001b, art.º 40, § 2º) e não somente a área urbana. Segundo Rodrigues (2004, p.17) é questionável ainda considerar um novo paradigma de planejamento constituído apenas nos marcos dos limites político-administrativos dos municípios, pois há diversidade de utilização de bases territoriais de diferentes projetos e programas e suas finalidades específicas. Ademais, diante da atual globalização da economia e da mobilidade o local não

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apresentaria “uma resposta satisfatória para considerar a diversidade, as diferenças, a multiplicidade das escalas e de organização comunitária e de compreensão da dinâmica global”. É necessária atenção especial aos instrumentos da Política Urbana trazidos pelo EC (BRASIL, 2001b) no Capítulo II, Seção I, art. 4º, sobretudo daqueles que prescindem de conhecimento do território municipal, a exemplo do Plano Diretor; da Disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; do Zoneamento Ambiental; das limitações administrativas; do tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; da instituição de unidades de conservação; da demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; da legitimação de posse; entre tantos outros. Santos Júnior e Montadon (2005, p. 36) chamam atenção para um dos principais problemas dos Planos Diretores por eles analisados é que diversas diretrizes e instrumentos não estão adequadamente demarcados no território, lembrando que, pela Resolução nº 34 do Conselho Nacional das Cidades, toda a área do município deveria ter sua destinação identificada nos mapas, assim como a descrição de perímetros de zonas e de instrumentos. Para os mencionados autores seriam muitas as razões que justificam esta insuficiente e inadequada demarcação territorial e entre elas estaria a inexistência ou precariedade de Cadastros e de informações básicas sobre o território. Por tudo o que foi posto fica evidente a necessidade de informação espacial organizada sobre território do município e disponibilizada à toda a sociedade. Nessa perspectiva, a necessidade de conhecimento do território municipal poderia ser atendida pelo Cadastro, o que será mais detalhado no item seguinte.

2. Cadastro O Cadastro foi de fundamental importância no processo civilizatório ao longo da História, desde a sua significação mais ampla até a sua definição como levantamento, medição e registro da propriedade territorial (PHILIPS; LIMA, 2000). Quatro grandes fases marcaram as transformações do Cadastro, apontam Williamson e Ting (1999), devido às transformações na relação da humanidade com a terra: 

Final de 1700: Revolução agrícola no sistema feudal, onde havia uma relação física com a terra e o Cadastro tinha funções de publicidade do domínio de terra e fiscal; (terra = riqueza);



Final de 1700 até II GM: Revolução industrial, onde a terra passa a ser uma mercadoria e o Cadastro muda o foco para o mercado imobiliário; (terra = riqueza + commodity);



Pós II Guerra Mundial: a necessidade de reconstrução, o boom populacional e o aumento da sua mobilidade estabeleceram a consciência de que a terra era um recurso escasso, surge o interesse no planejamento, especialmente o urbano e regional, e esta passa a ser outra aplicação do cadastro;



Anos 1980: Revolução da informação - a preocupação crescente com a escassez de terras e com questões como degradação ambiental, desenvolvimento sustentável e equidade social, além da ampliação de questões de planejamento, determinou uma

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necessidade crescente de informações mais complexas sobre a terra e uso do solo, cujo impacto foi manifestado no desejo de cadastros multipropósitos ou multifinalitários. Como visto acima, a estruturação dos Sistemas Cadastrais tradicionais dava ênfase às propriedades e às questões físicas (localização, forma e dimensão), econômicas ou fiscais (tributação) e jurídicas (integração ao Registro de Imóveis) ligadas a elas, sendo denominados de Cadastro Territorial. Estes sistemas tradicionais mantiveram durante décadas a reputação de confiáveis, de processos bem organizados e de garantia reconhecida da propriedade privada. No entanto, os progressos tecnológicos, a globalização, as mudanças sociais e as crescentes relações entre o setor de negócios com as suas consequências legais e ambientais fizeram pressão sobre estes sistemas, que não conseguiram se adaptar a todas estas transformações. Esta situação estabeleceu a necessidade de promoção de reformas sobre os sistemas cadastrais em vários países (KAUFMANN; STEUDLER, 1998). Neste contexto, aconteceu em 1994 o XX Congresso da FIG (Federação Internacional de Geômetras ou Agrimensores), em Melbourne, Austrália, que teve como uma das atividades a criação de três grupos de trabalho para estudar o Cadastro e a Gestão Territorial, subordinados à Comissão 7 da FIG. Fundada em Paris em 1878, a FIG é a única ONG internacional que representa todas as disciplinas de topografia reconhecidas pela ONU, contando com mais de 110 países membros (inclusive o Brasil). O trabalho técnico é realizado através de 10 comissões (Disponível em: < http://www.fig.net/general/leaflet-english.htm>) O grupo 7.1, cujo trabalho foi previsto para o período entre 1994 a 1998, ficou responsável por estudar a Reforma Cadastral que vinha ocorrendo nos países desenvolvidos, com ênfase em dois aspectos: a automação cadastral e a importância crescente do Cadastro como parte de um Sistema maior de Informação Territorial. As análises do grupo partiram de uma base conceitual dos termos “Terra”, “Cadastro”, “Registro de Terra” e “Land Recording”, estabelecida por Henssen (1995) das quais se destaca a definição de Cadastro como sendo: “um inventário público, metodicamente organizado, de dados relativos às propriedades dentro de um determinado país ou distrito, baseado no levantamento de seus limites...”. “Os contornos da propriedade e o identificador da parcela normalmente são mostrados em mapas em escala grande que, juntamente com os registos, podem mostrar para cada propriedade identificada a natureza, o tamanho, o valor e os direitos legais associados à parcela”.

Além de análises teóricas, foram aplicados questionários aos países participantes no sentido de acompanhar as tendências e visões de futuro de cada um deles, sendo então concebidos inicialmente os “Six Statements of the Cadastre” ou “Declaração sobre o Cadastro” (FIG, 1995). Por este documento afirmam que o Cadastro é um instrumento importante para o desenvolvimento social e econômico, conceituando-o como: “ normalmente um Sistema de Informação Territorial atualizado, baseado em parcelas, contendo um registro de interesses sobre a terra

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(por exemplo, direitos, restrições e responsabilidades). Geralmente inclui uma descrição geométrica das parcelas de terra ligada a outros registros que descrevem a natureza dos interesses, a propriedade ou controle desses interesses, e muitas vezes o valor da parcela e suas melhorias.” “... é o principal meio de fornecimento de informações sobre os direitos de propriedade.”

O documento não recomenda um Cadastro uniforme para cada país ou jurisdição e dá exemplos de questões legais, organizacionais e técnicas que precisam ser abordadas para o seu estabelecimento e manutenção. Com base nestes estudos o grupo elaborou uma visão de futuro dos Sistemas Cadastrais, num horizonte de 20 anos, das mudanças que deveriam ocorrer, dos meios pelos quais estas mudanças poderiam ser alcançadas, e a tecnologia que deveria ser usada para implementá-las. Este trabalho foi coroado com a publicação do documento “Cadastro 2014 – Visão de Futuro” (KAUFMANN; STEUDLER, 1998), apresentado em muitos eventos internacionais e traduzido para muitas línguas. Curiosamente não se encontra no site da entidade a tradução deste documento para o português. No sentido de tornar as Afirmações do Cadastro em práticas mais confiáveis, o grupo propôs uma adaptação do termo tradicional “Cadastro”, que se referia apenas ao aspecto particular do direito da propriedade, para incorporar aspectos do direito público e tradicional nos futuros Sistemas Cadastrais. Desta forma, introduziram o termo do “Cadastro 2014”, como visto a seguir: “Um inventário público, metodicamente organizado, de dados relativos a todos os objetos territoriais legais de um determinado país ou distrito, baseado no levantamento de seus limites. Tais objetos territoriais legais são sistematicamente identificados por meio de alguma designação diferenciada. Eles são definidos tanto pelo direito público quanto pelo direito privado”; “Abrangente Sistema de Registro Territorial conformado a partir da integração do Cadastro com o Registro de Imóveis”; “Os limites da propriedade e o identificador juntamente com os dados descritivos devem mostrar, para cada Objeto Territorial, a sua natureza, dimensão, valor e direitos legais ou restrições à ele relacionados.

Uma mensagem essencial das afirmações visionárias do “Cadastro 2014” foi enfatizada por Steudler (2006) - a mudança de paradigma dos métodos de levantamento e mapeamento cadastral, onde os tradicionais devem ser substituídos pelo serviço de informação. Aponta ainda o impacto considerável do desenvolvimento da Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE), da Internet e do conceito de Administração Territorial (Land Administration - LA) e sua ligação com o desenvolvimento sustentável na pesquisa e na agenda de trabalho no domínio cadastral. Os Sistemas Cadastrais não devem ser vistos como sistemas independentes ou como um fim em sim mesmo, mas como parte da Administração Territorial, numa visão mais ampla e integrada que no passado, de atingimento do desenvolvimento sustentável, como apontam Williamson e Ting (1999), van der Molen (2003) e Steudler (2006).

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Esta visão foi tratada na “Declaração de Bathurst da Administração de terras para o desenvolvimento sustentável” (FIG, 1999) e na Conferência conjunta entre FIG e Organização das Nações Unidas – ONU na Austrália, em 1999. Nela houve o reconhecimento da importância de se analisar a relação estreita da instrumentalização do Cadastro com as formas de domínio da terra, de fato e ou de direito, além de propor foco na estrutura legal, institucional e técnica em apoio à esta visão. Neste sentido, Williamson e Ting (1999) acrescentam que os direitos, restrições e responsabilidades relativas à terra, muitas vezes sobrepostos, devem ser considerados na concepção e gestão de um Sistema de Administração Territorial integrado, resultando no conceito, já existente mas que foi aprimorado, de Cadastro Multifinalitário. Em sua minuciosa investigação sobre os cadastros do futuro Van Der Molen (2003) observa que as Afirmações sobre o Cadastro 2014 continuam válidas para os países com "cadastros modernos" (entre 30 e 50 países) embora aquelas relativas à privatização e à recuperação de custos possam ser alteradas. No entanto, assim como Steudler (2006), chama atenção para a necessidade de conscientização das diferenças entre os processos cadastrais dos diversos países e que, muitos ainda estão longe de atingir o Cadastro 2014, podendo tê-lo como princípios ou diretrizes, além da adoção de novos conceitos, com enfoque adequado em questões como erradicação da pobreza, desenvolvimento sustentável e crescimento econômico. Esta constatação vai ao encontro do que foi posto no relatório da UN-CGIM (United Nations Committee of Experts on Global Geospatial Information Management, july 2013) (KAUFMANN, 2014), confirmando que o Cadastro 2014 estava na direção certa mas que também levará mais algum tempo para espalhar a palavra de Sistemas Cadastrais modernos em todo o mundo. Por outro lado, o insucesso na cópia de Cadastros de países desenvolvidos por países em desenvolvimento é explicado por diversos aspectos, como falta de clareza política, fraca estrutura legal, falta de recursos humanos efetivamente capacitados e na “pretensão” em querer ter um modelo de excelência, argumentam Tran e Grant (2005). No que se refere à implementação das reformas cadastrais, Paixão et al (2012) observam que as reformas cadastrais acontecem a longo prazo e por etapas. Erba e Loch (2007) recomendam que as jurisdições devam inicialmente, concentrar esforços para a consolidação do modelo parcelário econômico-físico-jurídico tradicional, mesmo que isto seja insuficiente para um manejo integrado do território, ressaltando a importância dada à questão da propriedade na estrutura cadastral.

2.1 Parcela versus Objeto Territorial Na estruturação de um Cadastro é necessária a definição de uma unidade cadastral, ou seja, a menor unidade de levantamento para a sua composição, sendo que, em muitos países, a unidade utilizada é a Parcela. No entanto, a introdução do termo Objeto Territorial pelo Cadastro 2014 e a falta de clareza na definição destes termos têm gerando muitas dúvidas e interpretações, tanto no meio acadêmico quanto no institucional, como demonstrado a seguir.

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2.1.1 Parcela A Declaração sobre o Cadastro (FIG, 1995) apresenta Parcela como: “unidades territoriais únicas e bem definidas onde a informação é geograficamente referenciada, tratando-se então de porções de terra com limites formais ou informais, mantidas para uso exclusivo de indivíduos ou grupos específicos de indivíduos (ex. famílias, corporações e grupos comunitários), às quais é atribuído um código único ou identificador”.

Cita alguns exemplos de informações que podem ser extraídas do Cadastro como localização, limites, coordenadas, dominialidade, valores, ou que podem ser conectadas a ele através do identificador da Parcela como construções e outras benfeitorias, uso do solo, dados florestais, serviços de utilidade pública, qualidade ambiental, demografia, etc. e que podem ser de importância para uma grande comunidade de usuários ou para grupos específicos. Portanto, vai aqui se configurando que a Parcela se refere apenas ao solo/terreno e que outras informações poderão ser conectadas a ela com o objetivo de potencializar o uso dos dados cadastrais. Pelo citado documento se observa mais uma tentativa de caracterização da Parcela que uma conceituação propriamente dita, constando ainda que ela “pode ser definida de diversas maneiras, dependendo da finalidade do Cadastro” e que “a flexibilidade na definição torna possível adaptar o Sistema de Cadastro para necessidades particulares e, assim, ajustar-se também o custo do Registro” (FIG, 1995, item 6.4). Desta forma, dificilmente se encontra uma definição precisa do que seja a Parcela, o que deixa margem a dúvidas se esta se refere à terra, ao uso, às construções, aos limites administrativos, às restrições e direitos sobre à propriedade, a todos estes elementos juntos ou à parte deles combinados. Concordamos com Martín-Varés (2009) quando afirma que esta questão conceitual é mais que um problema de entendimento do termo, que não recai somente no idioma e nas derivações advindas das traduções, mas também da heterogeneidade dos Sistemas Cadastrais e das terminologias utilizadas. Para Coleman (1988) apud Paixão et al (2012) a aceitação de diferentes definições de parcelas no mesmo Sistema de Informação Territorial - SIT não deve ser um problema se o conjunto de dados for construído na mesma referência espacial e se as Classes de Parcelas sejam interligadas e organizadas em um índice de referência, sendo esta uma situação comum em quase todos os países antes da reforma do sistema cadastral. 2.1.2 Objeto Territorial: O cadastro tradicional está muito ligado com a propriedade ou a taxação da parcela. O Cadastro 2014 estabelece que, além da parcela, existem outros objetos espaciais relacionados com a terra, e se sugeriu chama-los de “Objeto Territorial” (Land Object). Este termo foi introduzido no documento para denominar estes outros objetos como unidade territorial a ser cadastrada, com a justificativa, segundo Steudler (2006), de se ampliar a abrangência dos Sistemas Cadastrais futuros com a incorporação dos aspectos das restrições e direitos público e tradicional, e não somente da propriedade privada. Esta extensão conceitual é particularmente importante para conciliar as restrições e direitos públicos, que na maioria dos casos não são

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congruentes com as parcelas de propriedade de terra. O documento “Cadastro 2014” ( KAUFMANN; STEUDLER, 1998, p.14) define então o Objeto Territorial como: “Um pedaço de terra onde existem condições homogêneas dentro de seus limites, normalmente definidas por lei, que definem os direitos e deveres dos membros de uma sociedade. Estes deveres são, na maioria das vezes, restrições à liberdade dos indivíduos”.

O documento detalha um pouco mais esta definição ao diferenciar os Objetos Territoriais em Legais e Físicos, sendo assim definidos: Tabela 1 – Objetos Territoriais – definição e exemplos. Objeto Legal Territorial Um pedaço de terra onde um direito público ou particular impõe parâmetros jurídicos idênticos; Normalmente descrito por limites que demarcam Definição onde um direito ou uma restrição, estabelecidos por lei, termina e o próximo começa além do conteúdo deste direito. Parcelas de propriedade privada; Construções; Serviços; Áreas onde existem direitos tradicionais; Unidades administrativas, países, estados, distritos Exemplos e municípios; Zonas para a proteção da água, natureza, ruído, poluição; Zonas de uso do solo; Áreas onde a exploração dos recursos naturais é permitida

Físico ou Natural Um pedaço de terra sob condições naturais ou artificiais únicas e onde não haja definição no enquadramento legal.

Pedaço de terra coberto por rocha, água, madeira, uma casa, uma rua, ou qualquer outra característica não legal

Neste ponto é importante destacar, entre princípios do Cadastro 2014, o Princípio da Independência Legal (KAUFMANN; STEUDLER, 1998, p.28). Por ele, o Cadastro 2014 será baseado em um modelo de dados organizados em camadas, de acordo com a legislação específica para os diferentes Objetos Territoriais Legais de um determinado país ou distrito, utilizando um sistema de referência comum a todos. A estruturação do Sistema Cadastral baseado no Princípio da Independência Legal entende a Parcela Cadastral como um Objeto Territorial sobre os quais outros objetos territoriais podem estar associados. Podemos entender Parcela como a unidade de Cadastro e Objeto Territorial como unidade do Sistema de Informação Territorial. A unidade de Cadastro integra o SIT como Objeto Territorial específico.

3. O Cadastro no Brasil Ao que pese a importância potencial do Cadastro para o desenvolvimento do país e seu gerenciamento territorial, ainda não se dispõe no Brasil de um Sistema Cadastral que atenda a todo o território. Ocorre aqui uma segmentação entre “rural” - de administração e legislação federais – e o “urbano” - de responsabilidade das prefeituras. Além disto, outros cadastros podem ser encontrados em órgãos estaduais de terra ou em órgãos ambientais, sendo estruturas

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fragmentadas, sem interligação entre elas. A falta de integração entre os sistemas cadastrais e registral e as fraudes decorrentes desta situação geraram informações inconsistentes e estabeleceram problemas de sobreposição de títulos, confusão de limites, grilagem e conflitos pela propriedade dos imóveis. A situação passou a ser modificada a partir da publicação da Lei nº 10.267/2001 (BRASIL, 2001a), que incorporou algumas orientações para o aperfeiçoamento e as tendências atuais do Cadastro. Esta lei forneceu ao setor público um instrumento com capacidade para potencializar ações de gestão da estrutura fundiária além de viabilizar a articulação entre as políticas de caráter fiscal, ambiental, de desenvolvimento e reforma agrária no país, através da determinação da criação do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais - CNIR. De acordo com Lei nº 10.267/2001 (BRASIL, 2001a), o CNIR deverá ter sua gestão compartilhada entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria – INCRA e a Receita Federal do Brasil - RFB. No que se refere ao Cadastro no meio urbano, quando existentes, são utilizados majoritariamente pelas prefeituras para fins tributários (cálculo e gerenciamento do IPTU). Alguns autores e grupos de pesquisa veem propondo uma reforma cadastral no Brasil e o estabelecimento de uma Lei Nacional de Cadastro (CARNEIRO, 2001). Outra questão que tem gerado discussões no Brasil é a unidade a ser utilizada nos cadastros, como pode ser visto nos autores Brandão (2003), Carneiro (2005), Santos et al (2013) entre outros. Isto decorre também da questão conceitual e da construção das proposições para estruturação dos Cadastros que ocorre em esferas distintas de poder e decisão, onde cada um tem uma unidade cadastral diferente, com distintos entendimentos.

3.1 Cadastro Territorial Multifinalitário – CTM Na tentativa de atender as demandas por cadastros territoriais e mapeamentos confiáveis para a elaboração dos Planos Diretores pela perspectiva da implementação dos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade foi publicada, depois de longos anos de discussão, a Portaria nº 511/2009 do Ministério das Cidades. Esta Portaria apresentou as Diretrizes a serem adotadas pelos municípios para a criação, instituição e atualização do Cadastro, aqui denominado de “Cadastro Territorial Multifinalitário – CTM”, no entanto, não tendo força de lei. Pelo caráter orientador ela não é compulsória aos municípios brasileiros e o seu aspecto presumidamente generalista permite a sua aplicação em diferentes contextos e realidades municipais. O CTM, quando adotado pelos municípios, fica definido conforme o art. 1º da Portaria nº 511/2009 como “inventário territorial oficial e sistemático do município, embasado no levantamento dos limites de cada parcela que recebe uma identificação numérica inequívoca”. De acordo com esta Portaria, quando o Cadastro for totalmente digital e integrado, a variedade das análises se multiplicaria e o CTM passaria a ser fonte inesgotável de possibilidades, dependendo da criatividade e da perspicácia na sua modelagem, atualização e integração. Ela orienta que qualquer outro Sistema de Informações Geoespaciais da prefeitura

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municipal deverá usar a base geométrica do CTM como fundamento cartográfico e que a integração entre o CTM e o Registro de Imóveis – RI do município seja sistemática, gerando o chamado Sistema de Cadastro e Registro Territorial – SICART (art. 4º). Propõe que o SICART, quando for integrado aos cadastros temáticos existentes em outras instituições através do código único identificador de cada parcela, elemento de ligação entre os sistemas constituirá o Sistema de Informações Territoriais – SIT e por meio deste se alcançaria a multifinalidade (art. 5º). Através do SIT seria viabilizado o fornecimento das informações necessárias para os instrumentos da política urbana previstos pelo Estatuto da Cidade, e para auxiliar na observação do cumprimento da função social da propriedade e da cidade, uma vez que viabilizaria a realização de diversas análises espaciais, como as necessidades sociais, ambientais, econômicas, da Administração Pública e de segurança jurídica da sociedade. O conceito de CTM oferece uma base espacial de integração dos direitos reais da propriedade com o uso, o valor e a distribuição natural e cultural dos seus recursos, que deve ser confiável e precisa, como explicam Paixão et al (2012). Acrescentam que a existência de normas e especificações técnicas é indispensável para ligar todos os elementos do CTM além de uma reorganização administrativa, da padronização e definição de metadados em uma Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE) na qual as políticas de compartilhamento e acesso aos mesmos sejam desenvolvidas. Apesar de toda a potencial importância do CTM, poucos municípios no Brasil dispõem hoje desta ferramenta, o que pode ser observado nos relatos de Santos Junior e Montandon (2011) quando analisam que muitos problemas dos Planos Diretores são causados pela inexistência ou precariedade de cadastros e de informações básicas sobre o território. Acrescentam que caberia aos Estados e a União apoiar os Municípios para que estes avancem na estruturação dos sistemas cadastrais.

3.2 Inconsistências do CTM Tendo em conta a necessidade de maior detalhamento dos princípios propostos pelas Diretrizes, o Ministério das Cidades lançou em 2010 um Manual de Apoio com a missão de complementar os conceitos apresentados, com o aprofundamento necessário referente às suas alternativas de aplicação. O documento foi elaborado com a participação de diversos pesquisadores, cujos textos constantes da publicação são de responsabilidade dos mesmos. O objetivo do documento foi sistematizar as principais questões que envolvem a temática para “orientar, de uma forma clara e precisa, os gestores e técnicos municipais que pretendem implementar um CTM”. No entanto, mesmo com este esforço do Ministério das Cidades, alguns pontos da Portaria nº 511/09 apresentam inconsistências ou não estão suficientemente esclarecidos, como exposto a seguir. a) A Parcela Cadastral é caracterizada pelo art. 2º da Portaria 511/09 como sendo “a menor unidade do cadastro, definida como uma parte contígua da superfície terrestre com regime jurídico único” sendo considerada “toda e qualquer porção da superfície no município a ser cadastrada”. Assim como as definições de Parcela Cadastral apresentadas no item 2.1.1 acima, a

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definição dada por este artigo é também colocada de forma generalista, não ficando claro à que tipo de “porção da superfície” se refere. No Manual de Apoio, Phillips (2010, p.16) explica que as parcelas são contíguas e contínuas, de maneira que não se sobreponham umas às outras, nem haja lacunas entre elas e que nos bancos de dados não há unidades menores. b) O art. 3º estabelece que “toda e qualquer porção da superfície territorial no município deve ser cadastrada em parcelas”, e o entendimento deste artigo foi reforçado por Phillips (2010, p.23, 24) ao explicar que o “cadastro deve cobrir todo o território do município, inclusive as áreas não tributadas”, afirmando ainda que “a somatória das áreas de todas as parcelas do cadastro deve ser perfeitamente igual à superfície do município!”. Contudo, o art.17º orienta que o “CTM será criado para a área urbana”, havendo, portanto, uma contradição explícita entre os artigos. Considerando, igualmente, que a unidade de planejamento do Plano Diretor é a superfície total do município e sendo válido o art. 17º acima, o CTM não atenderia totalmente as necessidades deste instrumento legal. c) Caso a área de abrangência do CTM seja, no entanto, a superfície total do município (art. 3º) e sendo a gestão deste Cadastro de responsabilidade e competência do Município (art. 16º), como se dará a relação do CTM como o CNIR, estabelecido por legislação federal e cuja gestão é de competência compartilhada entre o INCRA e a RFB? d) É orientado que a parcela deve ser entendida como subentidade do imóvel, para separar áreas com diferentes regimes jurídicos, nunca englobando mais do que um imóvel. Tomando como exemplo específico de individualização da superfície em parcelas aquele apresentado por Phillips (2010, p.17) para Terreno de Marinha, outra questão pode ser levantada. Trata-se tal terreno de propriedade da União sobre a qual o dono do imóvel, dado como exemplo, tem uma concessão de uso fornecida pela Secretaria de Patrimônio da União – SPU. Considerando que a faixa contínua do Terreno de Marinha não deixa de existir se não houver concessão de uso à um proprietário privado ou posseiro, não seria mais viável que o levantamento da propriedade da União fosse realizada pela instituição competente e inserida como Objeto Territorial em uma camada diferenciada de um Banco de Dados da SPU, compartilhada através do SIT? Outros exemplos semelhantes podem surgir como as áreas de proteção ambiental que impõem restrição de uso aos proprietários ou posseiros dos imóveis e que tem, assim como os Terrenos de Marinha, uma metodologia própria para sua identificação e levantamento, envolvendo habilitação e capacitação técnica especifica e que, muitas vezes, não é de competência das prefeituras municipais. e) O art. 2º, § 2º propõe que, “as demais unidades, como, lotes, glebas, vias públicas, praças, lagos, rios e outras, são modeladas por uma ou mais parcelas ...”. No entanto, isto seria factível? Não seria mais razoável realizar o levantamento da hidrografia e das vias públicas e inseri-los como Objetos Territoriais em camadas individualizadas do Sistema, considerando o Princípio da Independência Legal do Cadastro 2014? O cruzamento de dados pode ser realizado a partir de técnicas simples de análise espacial, funcionalidades existentes em diversas ferramentas SIG - Sistemas de Informação Geográfica – disponíveis hoje, muitas open source. f) O já abordado art. 2º § 2º acima e o art. 27º, tratam igualmente dos “lotes, glebas, rios, lagos e vias, entre outros”. Contudo, o segundo diz que o levantamento sistemático das parcelas

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é compreendido pelo cadastramento de todo o território do município, incluindo o cadastramento destas unidades. Então, como deveriam ser tratados estes elementos, seriam levantados como parcelas ou modelados a partir das parcelas levantadas? g) Por fim, a inconsistência na utilização termo Multifinalitário no texto da Portaria 511/09. O art. 6º diz que o CTM, o SICART e o SIT são multifinalitários enquanto que o art. 20º esclarece que o caráter de multifinalidade do CTM “é assegurado pela integração de informações de outros sistemas ao sistema básico comum, de conteúdo mínimo, que favoreça a atualização”. O art. 22º acrescenta que a multifinalidade é “um processo evolutivo aberto, de integração gradativa dos diferentes temas e que deve ocorrer ao longo dos anos”. Desta forma, por si só, o CTM não é multifinalitário, e poderia ser chamado apenas de Cadastro. A multifinalidade está no Sistema Integrado e não apenas no sistema básico comum.

4. Considerações finais Chegamos em 2014, onde o futuro do Cadastro se faria presente. O Brasil ainda está longe de atingir os princípios e diretrizes propostos para o Cadastro 2014 mas tem avançado nesta direção, mesmo que lentamente e de forma parcial, com a Lei 10.267/01 do CNIR e com a Portaria 511/09 do CTM. O tema do Cadastro precisa ser mais intensamente discutido no país, sob muitos aspectos. A questão conceitual que envolve o tema Cadastro e seus componentes é pouco clara o que dá margem para várias interpretações, podendo gerar inconsistências no seu estabelecimento principalmente quando são “copiados” modelos de outros países sem o devido aprofundamento das questões locais como legislação, estrutura institucional, acesso à tecnologia, equipe técnica habilitada, etc. Isto pode ser observado no texto da Portaria 511/09 que estabeleceu as Diretrizes para o CTM no Brasil o que, pelo exposto neste artigo, demanda revisão para o esclarecimento das inconsistências e contradições. No intuito de contribuir com a melhoria do sistema cadastral no país, propomos que seja incorporada em nossa realidade o que foi estabelecido pelo Cadastro 2014 - o Princípio da Independência Legal e a utilização do Objeto Territorial como unidade básica de um Sistema de Informação Territorial do qual o Cadastro seria parte. Isto permitiria acomodar as mais diferentes conceituações e demandas institucionais, além de permitir a estruturação do Sistema e a introdução dos dados de maneira gradual. Além disso, considerando que o Estatuto da Cidade estabelece que a propriedade urbana tem uma função social e com isso define restrições ao processo de mercantilização da terra urbana sendo necessário a coexistência, no mesmo Sistema de Informações, tanto das Parcelas quanto das restrições de ocupação do espaço que podem incidir nas diversas parcelas, sejam estas ambientais ou urbanísticas.

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