A Multiversidade da Lofoscopia no âmbito jurisdicional

June 8, 2017 | Autor: José Oliveira | Categoria: Forensic Fingerprints
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A Multiversidade da Lofoscopia no âmbito jurisdicional CONFERENCE PAPER · OCTOBER 2014 DOI: 10.13140/RG.2.1.3545.5447

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1 AUTHOR: José Carlos de Oliveira Universidade Autónoma de Lisboa Luís de … 22 PUBLICATIONS 0 CITATIONS SEE PROFILE

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A MULTIVERSIDADE DA LOFOSCOPIA NO ÂMBITO JURISDICIONAL

Porque o tempo é um bem escasso nesta viagem do passado ao futuro, proponho hoje aqui, em representação do Setor de Identificação Judiciária do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, falar- -vos, grosso modo, da lofoscopia e sua aplicação no âmbito jurisdicional, isto é, ao serviço da Justiça, seja ela penal ou cível, porque também a vertente lofoscópica calcorreia parte do iter criminis, perpassando pelo local, pela recolha, pela autópsia, pelos vestígios e pelo julgamento.

Ora, multiversidade porquê? Porque a lofoscopia, como disciplina criminalística de resultados quantitativos e categóricos, apresenta possibilidades diversas, dentro de cada universo de repartição de competência, como se irá demonstrar.

Num breve introito, pode afirmar-se, sem receio, que o alvor da lofoscopia com intuito identificativo geral teve origem em William Herschel, em 1877, no momento em que este terá ordenado a aposição de datilogramas de pensionistas nos respetivos recibos, de forma a evitar duplos recebimentos.

Em 1892, na Argentina, e já no domínio criminal, consegue-se, pela primeira vez, com recurso à datiloscopia, identificar o agente (no caso, a agente) de um crime de homicídio de duas crianças, um duplo filicídio, numa perícia dirigida por Juan Vucetich.

Em 1904, Portugal torna-se no primeiro país da Europa continental a implementar oficialmente a identificação datiloscópica.

Nesse mesmo ano, o Dr. Rodolpho Xavier da Silva é, também, pioneiro europeu quanto a identificação de cadáveres desconhecidos através da lofoscopia e, em 1911, pela primeira vez no nosso país, determina, pelo mesmo método, a identidade de um criminoso por via de um vestígio deixado no local do crime.

No que concerne à Polícia Judiciária, a lofoscopia foi implementada em 1957, sendo o primeiro curso de peritos ministrado por Florentino Santamaria Beltrán, comissário da polícia espanhola e chefe do Laboratório de Polícia Técnica.

Até 1990 o tratamento dos elementos lofoscópicos, nomeadamente a pesquisa, era feito por meio de processos físicos e manuais.

A partir desse ano, Portugal, neste sentido, a Polícia Judiciária, passou a dispor de uma base de metadados, isto é, um sistema automatizado de identificação lofoscópica (AFIS), que culminou numa redução muito substancial do tempo despendido em pesquisas e perícias e, em simultâneo, na possibilidade de tratar informaticamente as imagens.

Que potencialidades nos traz, então, a lofoscopia no âmbito jurisdicional?

A supervisão e formação da lofoscopia esteve – e mantém-se – desde sempre nos pergaminhos da Polícia Judiciária, órgão de polícia criminal de competência genérica e corpo superior de polícia, que cura, na sua esfera, de crimes de competência partilhada e, maioritariamente, de competência reservada, subtraídos aos restantes órgãos de polícia criminal, tais como, v.g., a maioria da criminalidade especialmente violenta e altamente organizada.

Posto isto, e para além das deteções dos costumeiros ilícitos de falsidade de declaração

e falsificação

de documento, atente-se,

enunciativamente, na valia da lofoscopia em três casos de competência material e formal da Polícia Judiciária, no que tange à jurisdição penal.

Um, o do célebre violador de Telheiras, que, a dado momento da fase de inquérito, foi tido como suspeito, entre vários indivíduos.

Após a sua constituição como arguido para diligências investigatórias, foi alvo de recolha de datilogramas.

De imediato se procedeu à perícia, ou seja, à comparação desses datilogramas com os dois únicos vestígios lofoscópicos recolhidos dentre todos os locais onde haviam sido perpetradas violações com semelhante modus operandi, o que redundou numa identificação, isto é, uma concordância entre os vestígios até então por identificar e os datilogramas recolhidos.

Nesse momento, e por força do resultado da perícia lofoscópica, abriuse inexoravelmente o caminho para a recolha de amostra referência de ADN ao arguido, revelando também esta uma concordância com os vários perfis das amostras problema obtidos nos locais, o que alargou o contributo para uma sólida acusação e consequente condenação.

Veja-se um outro caso em que um indivíduo de identidade indeterminada assediava os transeuntes em plena baixa lisboeta.

Após a sua detenção para identificação, e depois de resultados infrutíferos a nível nacional, lançou-se mão dos instrumentos de cooperação internacional, tendo-se apurado, através dos datilogramas recolhidos e posteriormente enviados à INTERPOL, tratar-se de um cidadão de nacionalidade alemã, com uma incapacidade judicialmente decretada, contudo referenciado como agressor sexual na Austrália.

Por último, a detenção de um indivíduo da Europa Oriental por furto em estabelecimento comercial, onde, após colheita dos datilogramas e quirogramas, se apurou o envolvimento em roubos e homicídios, bem como a integração num bando, isto devido às supervenientes identificações com vestígios lofoscópicos provindos de local de crime.

Desta feita, e igualmente pela via procedimental da cooperação internacional, enviaram-se às autoridades espanholas as impressões digitais e palmares de membros desse bando, bem como os restantes vestígios lofoscópicos recolhidos e ainda não identificados.

Este esforço, conjugado e concertado entre a Polícia Judiciária e a sua congénere, permitiu determinar o envolvimento em ilícitos penais de vários membros do bando, em ambos os países, resultando em condenações por homicídio – cometidos em Lisboa e Madrid –, furto, roubo, falsificação de documento, falsidade de declaração, entre outras.

Passemos, agora, ao universo da jurisdição civil e, a título exemplificativo, também três casos da operatividade da lofoscopia se trazem a esta plateia.

O primeiro, sobejamente conhecido e adaptado para o cinema pelo filme «A Balada da Praia dos Cães», foi o do corpo encontrado na praia do Guincho, em Cascais, no dia 31 de março de 1960, sem objetos identificativos.

Feita a recolha dos datilogramas ao cadáver, percorreram-se os ficheiros do então Arquivo Geral do Registo Criminal, a fim de levar a cabo a aspirada identificação, gorada numa primeira pesquisa.

Porém, encetada segunda tentativa, sobreveio o sucesso, chegando-se à identificação do capitão de cavalaria José Almeida Santos, dissidente do regime salazarista, evadido do Forte da Graça, em Elvas, havia quatro meses.

O segundo caso, acontecido a 29 de novembro de 2013, foi o acidente com a aeronave da LAM (Linhas Aéreas de Moçambique) que se despenhou no norte da Namíbia, causando a morte de sete cidadãos nacionais.

Uma vez mais, a atividade identificativa esteve a cargo da Polícia Judiciária, que recebeu os datilogramas dos sinistrados e procedeu à consequente comparação, por forma a estabelecer as aludidas identidades.

A última situação, também ela trágica, a 17 de abril deste ano, foi o naufrágio, na Galiza, da embarcação de pesca «Mar Nosso», onde, infelizmente, morreram cinco portugueses.

Foi confirmada a identidade de três dos cadáveres recuperados, cidadãos nacionais, através da comparação efetuada entre os datilogramas enviados pelas autoridades espanholas e os obtidos nos serviços de identificação civil do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.

Ora, esta meia dúzia de casos emblemáticos é carater atributivo da reserva e especificidade da Polícia Judiciária, por banda do Laboratório de Polícia Científica, elevando-o, assim, a alma mater da lofoscopia, no que tange à intervenção técnico-científica em ocorrências que maior alarme social e angústia causam à sociedade.

Ante o exposto, afigura-se notório que o processo identificativo requeira uma resposta especial e atempada, de molde a permitir uma condução célere e eficaz da atividade pericial e investigatória, cujo desiderato imbrica, obviamente, na salvaguarda de direitos, liberdades e garantias e na maximização de meios técnicos, operacionais e administrativos, isto é, uma melhor Justiça ao serviço da comunidade.

Sublinhe-se que, em 2013, foram feitas aproximadamente 4 mil identificações lofoscópicas e, dentre estas, cerca de 75 foram objeto de perícia e resposta imediatas, no âmbito de ações criminógenas abrigadas na competência reservada da Polícia Judiciária.

Para as atribuições de cooperação judiciária internacional, ressalva- se que o Laboratório de Polícia Científica, através do Setor de Identificação Judiciária, se articula numa estrutura de contactos permanentes com outras entidades, designadamente, Centros de Cooperação Policial e Aduaneira, Sistema de Informação Schengen, SIRENE, Europol, Interpol e afins.

E, agora, «[n]o presente, a aspirar sempre ao futuro»?

Observados os condicionalismos legais e infraestruturais, antevê-se a interoperabilidade de bases de dados, ou seja, a existência de uma base de dados AFIS integrada, envolvida por bases integrantes, de conteúdo registral criminal, civil e aduaneiro, cujo escopo se deverá refletir na obtenção de resultados integrados em tempo real, prementes para todos operadores judiciários que lidam com esta inescapável e objetiva necessidade de realização tempestiva da Justiça e paz social.

Coimbra, INMLCF, I.P., 30 de outubro de 2014

José Carlos de Oliveira, especialista-adjunto de criminalística no Setor de Identificação Judiciária da área de Criminalística do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária. ORCID ID: orcid.org/0000-0002-8580-8329

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