A Música e as Políticas Públicas de Fomento da Economia Criativa: Um Estudo do Chorinho no \" Buraco da Catita \", no Bairro da Ribeira em Natal/RN

June 3, 2017 | Autor: C. Rn | Categoria: Música, Politicas Publicas, Economia Criativa
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE NO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A MÚSICA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO DA ECONOMIA CRIATIVA: UM ESTUDO DO CHORINHO NO “BURACO DA CATITA”, NO BAIRRO DA RIBEIRA EM NATAL/RN

SAYONARA SUELY JANUÁRIO PEREIRA

NATAL - RN 2015

SAYONARA SUELY JANUÁRIO PEREIRA

A MÚSICA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO DA ECONOMIA CRIATIVA: UM ESTUDO DO CHORINHO NO “BURACO DA CATITA”, NO BAIRRO DA RIBEIRA EM NATAL/RN

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso Superior de Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento às exigências legais como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Gestão de Políticas Públicas. .

Orientador: Prof. Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz

NATAL - RN 2015

SAYONARA SUELY JANUÁRIO PEREIRA

A MÚSICA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO DA ECONOMIA CRIATIVA: UM ESTUDO DO CHORINHO NO “BURACO DA CATITA”, NO BAIRRO DA RIBEIRA EM NATAL/RN

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso Superior de Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento às exigências legais como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Gestão de Políticas Públicas.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz Orientador – Departamento de Políticas Públicas – UFRN

_________________________________________________________ Prof. Dr. Cláudio Roberto de Jesus Departamento de Políticas Públicas – UFRN

_________________________________________________________ Prof. Ticiano Maciel Damore Escola de Música – UFRN

Natal, _____ de ________________ de 2015.

AGRADECIMENTOS

Agradeço,

A minha família, pela qual tenho enorme gratidão.

A meu pai e ao meu irmão que embora não estivessem presente fisicamente, iluminaram de maneira especial os meus pensamentos.

A Juliete Oliveira, pelo incentivo, paciência e apoio que tem me dedicado e aos amigos pela força e compreensão nos momentos de ausência nessa etapa de encerramento da graduação.

Aos meus colegas do curso de Gestão de Políticas Públicas: Rydan, Bruno, Robson e Vanessa, pela união e estímulo fundamental durante a elaboração do trabalho.

Ao professor orientador Fernando Cruz, que me auxiliou na elaboração desse trabalho, demonstrando paciência, apoio e compreensão. A minha enorme admiração pela sua competência profissional e minha gratidão, obrigada por cada incentivo e orientações!

Agradeço ao amigo Moacir Godoy com quem aprendi ensinamentos que nenhuma graduação poderia ensinar. Obrigada pela mão que sempre se estendia quando eu precisava!

RESUMO

A economia criativa vem ganhando notoriedade por chamar a atenção para a utilização de recursos intangíveis (conhecimento, criatividade e intelectualidade) como matéria prima produtiva. O presente trabalho tem como objetivo compreender um dos setores dessa economia que é a música, mais especificamente o estilo musical “chorinho” e sua atuação no “Buraco da Catita” em Natal, RN. Adotando uma metodologia qualitativa, foram entrevistados atores participantes desse processo com a finalidade de obter suas perspectivas, dificuldades e frustrações, que permitiram a construção de uma percepção do comportamento dessa atividade no município. Como resultado obteve-se o status quo da atual situação das iniciativas motivadas pelos princípios da Economia Criativa em Natal, bem como as oportunidades e ameaças relacionadas a esse tipo de empreendimento.

Palavras-chave: chorinho, economia criativa, Natal (RN), políticas públicas de fomento da economia criativa.

ABSTRACT

The creative economy is gaining notoriety for drawing attention to the use of intangible assets (knowledge, creativity and intellectual) as productive raw materials. This study aims to understand one of the sectors of this economy that is music, specifically the musical style "choro" and her performance in "Buraco da Catita" in Natal, RN. Adopting a qualitative methodology, participants were interviewed actors of this process in order to get their perspectives, problems and frustrations, which allowed the construction of an insight into the behavior of this activity in the municipality. As a result we obtained the status quo of the current situation of the initiatives driven by the principles of Creative Economy in Natal, as well as the opportunities and threats related to this type of project.

Key words: chorinho, creative economy, Natal (RN), public policies for development of the creative economy.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1

Vantagens e desvantagens da observação participante

12

Figura 1

Setores Criativos adotados pela SEC

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Figura 2

A economia criativa brasileira e seus princípios norteadores

18

Figura 3

Município de Natal

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Figura 4

Folder de evento no buraco da catita

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Fotografia 1 Rua das Virgens

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Fotografia 2 Noite de música no buraco da catita

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.

LISTA DE ABREVIATURAS BANDERN

Banco do Estado do Rio Grande do Norte

BID

Banco Interamericano de Desenvolvimento Econômico e Social

BNDS

Banco Nacional do Desenvolvimento

DCMS

Departamento de Cultura, Mídia e Esporte

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

FIRJAN

Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro

FUNCARTE Fundação Cultural Capitania das Artes MTE

Ministério do Trabalho e Emprego

PIB

Produto Interno Bruto

PRONAC

Programa Nacional de Apoio à Cultura

RAIS

Relação Anual de Informações Sociais

SEC

Secretaria de Economia Criativa

SESI

Serviço Social da Indústria

UNCTAD

Conferência Ministerial das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

9

2 ECONOMIA CRIATIVA

15

3 O CHORINHO NO BAIRRO DA RIBEIRA: HISTÓRIA E USO

20

3.1 CARACTERIZAÇÃO DO BAIRRO DA RIBEIRA, NA CIDADE DE NATAL

20

3.2 CONTEXTO HISTÓRICO DO CHORINHO

22

3.3 O CHORINHO NO BAIRRO DA RIBEIRA

22

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

29

REFERÊNCIAS

30

ANEXOS

32

ANEXO A

33

ANEXO B

34

ANEXO C

35

9

1. INTRODUÇÃO A economia criativa se caracteriza pelo “ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que utilizam a criatividade, o ativo intelectual e o conhecimento como recursos produtivos” (CAIADO, 2011, p. 3). Dessa forma, podemos definir a economia criativa a partir da análise dos processos de criação e produção e chegar à definição de setores criativos, aqueles cujas atividades produtivas têm como processos principais um ato criativo gerador de um produto/serviço resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social. Os setores criativos não se restringem aos setores ligados caracteristicamente à produção artístico-cultural (música, dança, teatro, ópera, circo, pintura, fotografia, cinema). Abarcam outras expressões ou atividades relacionadas às novas mídias, à indústria de conteúdo, ao design, a arquitetura, entre outros. No campo político cultural, segundo dados de 2010 da Secretaria da Economia Criativa (SEC) – Ministério da Cultura, os setores criativos deram uma contribuição de R$ 104,37 bilhões ao produto interno bruto (PIB) brasileiro, com o crescimento anual de 6,13% nos últimos cinco anos, mostrando-se superior ao crescimento médio anual brasileiro (4,3%). Como se trata de setores de grande dinamismo econômico, a sua participação no PIB do Brasil supera alguns subsetores de atividade econômica, como a indústria extrativa (R$ 78,77 bilhões) e a produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana (R$ 103,24 bilhões) (BRASIL, 2011, p. 31). Esses dados evidenciam o crescimento da importância dos setores criativos na economia brasileira. Além disso, atentando para o fato de sermos um país miscigenado, plural na essência de nossa formação e de nossa riqueza cultural deve-se a nossa diversidade cultural. O Brasil apresenta uma ampla diversidade cultural que aumenta a gama de possibilidades e o seu potencial criativo na promoção do desenvolvimento local. De acordo com Landry (2011, p. 14-15), a cidade criativa é uma cidade culturalmente dinâmica e empreendedora com pessoas altamente qualificadas, capacitadas e flexíveis. Essas são capazes de aceitar personalidades diferentes no seio de equipes, de caráter perseverante e dispostas a correr riscos. Outras características apontadas são a comunicação e a participação intensivas em redes locais, nacionais e internacionais, tanto sociais como econômicas. A cidade criativa precisa de ser entendida de modo global, dinâmico e processual, através das redes que a constituem. Nestas, a

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criatividade exige o aproveitamento intensivo dos seus recursos, nomeadamente de seus recursos culturais onde a história dos lugares e a evolução cultural da urbe assumem particular destaque. Nesse contexto será apresentada uma pesquisa sobre o setor criativo musical do bairro da Ribeira, especificamente, sobre o estilo musical “chorinho”, em Natal/RN e no qual as apresentações serão observadas sob o ponto de vista das políticas públicas de fomento da economia criativa. Esse trabalho tem como principal objetivo caracterizar os locais no bairro da Ribeira, cidade de Natal, onde ocorrem apresentações do estilo musical “chorinho”, mais especificamente no estabelecimento conhecido como “buraco da catita” (vide anexo A) local que atua de acordo com os princípios da economia criativa. Para isso é necessário compreender as políticas públicas de fomento de economia criativa, além de averiguar se elas atendem de alguma forma a esse segmento musical. Será importante também identificar os perfis dos músicos, bem como os espaços onde esses atuam apresentando o estilo musical “chorinho”. Além disso, avaliar a importância dos canais de divulgação e dos espaços de atuação para os grupos desse segmento musical no bairro da Ribeira. Diante disso, para ser capaz de alcançar os objetivos definidos acima, a metodologia utilizada contará inicialmente com uma breve pesquisa bibliográfica e documental a respeito do conceito de economia criativa e ambiente criativo. Nesse estudo, adotou-se a pesquisa qualitativa. A pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização etc. Os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa opõem-se ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais têm sua especificidade, o que pressupõe uma metodologia própria. Assim, os pesquisadores qualitativos recusam o modelo positivista aplicado ao estudo da vida social, uma vez que o pesquisador não pode fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e crenças contaminem a pesquisa (GOLDENBERG, 1997, p. 34). Podemos observar a pesquisa qualitativa como analítica no sentido que o pesquisador desenvolve conceitos, ideais, teorias e hipóteses a partir de padrões observados. Essa envolve, necessariamente, trabalho em campo e requer que o investigador se envolva de certa forma com o objeto investigado.

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A metodologia científica é um conjunto de abordagens técnicas e processos utilizados pela ciência para formular e resolver problemas de aquisição objetiva do conhecimento, de uma maneira sistemática. “O método qualitativo é aquele que associa a análise dos dados estatísticos a investigação dos sentidos nas relações humanas, permitindo e oferecendo um maior entendimento do tema e dos dados obtidos” (DAVI, 2011 apud LIRA, 2013, p.15).

Para Lakatos e Marconi (2010, p.149) a coleta de dados é a “Etapa da pesquisa em que se inicia a aplicação dos instrumentos elaborados e das técnicas selecionadas, afim de se efetuar a coleta de dados previstos”. Para ser capaz de alcançar os objetivos definidos acima, a metodologia utilizada contará inicialmente com uma breve pesquisa bibliográfica e documental a respeito do conceito de economia criativa e ambiente criativo. Além de ser necessário estudo, será necessário identificar o ambiente criativo presente no bairro da Ribeira, onde atua o estilo musical “chorinho” por meio de pesquisas de campo, através de observação direta, em contato direto com o objeto de estudo visando caracterizá-lo como um local de fomento à economia criativa; fotos coletadas ou tiradas no ato da pesquisa também irão compor o conjunto de dados. Em seguida será feita a coleta de dados através de uma entrevista semiestruturada com os músicos do estilo musical pesquisado, com o gerente do “Buraco da Catita” e com um gestor da Fundação José Augusto, a qual tem por finalidade promover o desenvolvimento sociocultural e científico do Estado, mediante colaboração com o Poder Público. E lhe compete: estimular, desenvolver, difundir e documentar as atividades culturais do Estado. Com intuito de identificar os perfis dos músicos bem como os espaços onde esses atuam apresentando o estilo musical “chorinho” e as políticas de fomento a esse setor criativo Para além das entrevistas semiestruturadas, utilizamos ainda as técnicas da observação participante e registro fotográfico. A entrevista semiestruturada junto com a observação participante é dos artifícios que mais se adequam a investigação em causa. A entrevista semiestruturada permite que o observador participante confronte a sua percepção sobre o objeto da pesquisa com os resultados obtidos nas entrevistas. Ao contrário da entrevista estruturada, a entrevista semiestruturada não têm respostas padronizadas, suas questões são abertas permitindo a participação espontânea do entrevistado. Essa participação é possível porque a entrevista

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semiestruturada parte de questionamentos que, por sua vez, geram outros novos questionamentos de ambas as partes, gerando novas hipóteses a medida que se recebem as respostas do entrevistado. Contudo, pode apresentar alguns problemas na condução da entrevista. A escolha entre tentar mencionar certos tópicos apresentados no guia da entrevista estando, ao mesmo tempo, aberto ao modo individual de falar sobre esses tópicos e outros de relevância para ele. Estas decisões somente poderão ser tomadas no momento da entrevista e exigem grande sensibilidade para o progresso da entrevista e do entrevistado. A observação participante é uma técnica de investigação social onde o investigador é o instrumento principal da investigação. Segundo Spradly (1980), a observação participante divide-se em três formas: 

Observação descritiva: fornece ao observador uma linha de orientação para o campo em estudo, servindo também para compreender a complexidade do campo, ao mesmo tempo que questões de pesquisa e linhas de visão mais concretas se desenvolvem;



Observação focal: limita progressivamente processos e problemas que sejam mais pertinentes para a pesquisa em questão;



Observação seletiva: É comum surgir próximo ao processo final de coleta de dados e focaliza-se encontrar mais evidências e exemplos para os tipos de práticas e processos descobertos na segunda etapa. A tabela a seguir mostra as vantagens e desvantagens da técnica de observação

participante na perspectiva de Yin (1994). Quadro 1: vantagens e desvantagens da observação participante.

Vantagens Realidade: observa eventos do mundo real à medida que acontecem. Contextual: cobre o contexto do evento Boa visão das motivações e comportamentos interpessoais.

Desvantagens Custo: consome muito tempo Seletividade: cobertura limitada Reflexividade: o evento pode ocorrer de forma

diferente

observado.

porque

está

sendo

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Acesso a eventos ou grupos que seriam inacessíveis à pesquisa cientifica.

Falhas

e

desvios

manipulação

de

provocados

eventos

feita

por pelo

pesquisador. Menor habilidade de trabalhar como

Percepção da realidade do ponto de vista

observador externo, tendo que, em alguns

interno ao ambiente em estudo.

casos, assumir posições contrárias às boas práticas de pesquisa científica. Tempo insuficiente para tomar notas e

Capacidade de manipular eventos

fazer perguntas sobre eventos sob

menores

diferentes perspectivas, como um bom observador deveria fazer. Fonte: Elaboração própria. “Fotografias apresentam o cenário no qual as atividades diárias, os atores sociais e o contexto sociocultural são articulados e vividos. Existem estudos sobre os detalhes tangíveis representados em fotografias que permitem a elucidação de comunicações não verbais tais como um olhar, um sentimento, um sistema de atitudes, assim como mensagens de expressões corporais, faciais, movimentos e significados de relações espaciais entre pessoas e padrões de comportamento através do tempo. Imagens fotográficas retratam a história visual de uma sociedade, documentam situações, estilos de vida, gestos, atores sociais e rituais, e aprofundam a compreensão de cultura material, sua iconografia e suas transformações ao longo do tempo”. (BITTENCOURT, 1998, p. 199).

O Registro fotográfico desempenha um importante papel seja como fonte de dados, instrumento auxiliar para a pesquisa ou mais um elemento final. A fotografia produzida “para descobrir” corresponde àquele momento da observação participante em que o pesquisador se familiariza com seu objeto de estudo e formula as primeiras questões práticas com relação ao trabalho de campo propriamente dito. É nesse momento que o pesquisador negocia, de fato, a aceitação da sua presença no grupo, o que vai viabilizar, na prática, a própria pesquisa. Em muitas situações a fotografia, embora possa parecer a princípio um fator complicador, acaba por estabelecer um elo entre pesquisador e o grupo e pode até se constituir em moeda de troca simbólica, numa espécie de dom e contra dom que contribui para viabilizar a pesquisa (GURAN, 2012).

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Assim, este trabalho está dividido nos seguintes elementos: inicialmente, parte-se da discussão teórica sobre a Economia Criativa, suas origens, composição de seu conceito, expansão a nível mundial e sua chegada ao Brasil. Dentre suas ramificações, escolheu-se a música como elemento a ser analisado, mais especificamente uma modalidade tipicamente brasileira que é o chorinho. Aqui são mostradas suas origens, sua consolidação na cultura nacional e sua agregação dentro do contexto da economia criativa brasileira. Mais especificamente, traz-se esse tipo de atividade para o bairro histórico da Ribeira, no município potiguar de Natal, onde foi encontrado um nicho do chorinho como componente da economia criativa, representado pelo local conhecido como “Buraco da Catita”, legítimo mantenedor dessa tradição musical aqui na região. Nesse cenário, é feita a análise econômico-cultural do “Buraco da Catita” através do resultado de entrevistas com os atores que a representam, seu dia a dia, suas experiências, expectativas e frustrações, bem como o apoio dado pelo setor público a sua manutenção e desenvolvimento. Como resultado final, mostra-se a viabilidade de tal atividade como fixadora do indivíduo ao espaço urbano e como importante elemento da manutenção cultural do município.

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2. ECONOMIA CRIATIVA

No presente capítulo, procuramos entender primeiramente o conceito de economia criativa, seus princípios norteadores, bem como identificar seus setores e em qual se enquadra o objeto pesquisado. Por ser um campo de estudo iniciado há pouco tempo e envolver atividades que apresentam um dinamismo intenso o campo conceitual, a Economia Criativa abrange uma série de termos, todos eles ainda em desenvolvimento e em debate no mundo todo. Segundo Caiado: A economia criativa se caracteriza pela criação, produção e distribuição de produtos e serviços que utilizam a criatividade, o ativo intelectual e o conhecimento como recursos produtivos. Essas atividades econômicas combinam a criatividade com técnicas e/ou tecnologias, transferindo valor ao ativo intelectual. Incorporando elementos tangíveis e intangíveis providos de valor simbólico, se torna simultaneamente um ativo cultural e um produto ou serviço comercializável. (CAIADO, 2011, p. 15)

Pelo contrário, Cruz (2014) propõe outra concepção de Economia Criativa, afastando de sua centralidade o elemento criativo. Desse modo, refere Cruz: “Propomos que a economia seja definida pelas atividades econômicas que têm como objeto a cultura e a arte, ou que englobam elementos culturais ou artísticos de modo a alterar o valor do bem ou serviço prestado. Desse modo compreendemos o ciclo econômico de criação, produção, difusão, consumo, fruição de bens e serviços que tem por objetivo a arte e a cultura ou que incorporam elementos culturais ou artísticos”.

De acordo com Landry (2011, p.7), a chamada Economia Criativa teve seus primeiros passos no início dos anos 1980, quando a classe artística de países como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e posteriormente em outros países europeus, nos anos 1990, se preocupou em mostrar a sua importância econômica. Assim, a partir da década de 90, a economia criativa surge como um novo fenômeno na economia com efeitos no crescente número de indústrias de produtos criativos em alguns países como Austrália, Reino Unido e outros países da Europa e ao longo da primeira década do século XXI passou a ser conhecida e discutida em todo o mundo. Com um conceito de desenvolvimento moderno cujo foco é a imaginação e inovação nas áreas de produção, serviços e tecnologia, englobando também, processos, modelos de negócios e de gestão, as indústrias criativas e seus produtos movimentavam

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a economia local, devido a uma mudança de valores e de consumação da população em geral. A economia criativa origina-se no termo indústrias criativas, por sua vez inspirado no projeto Creative Nation, da Austrália, de 1994. Entre outros elementos, este defendia a importância do trabalho criativo, sua contribuição para a economia do país e o papel das tecnologias como aliadas da política cultural, dando margem à posterior inserção de setores tecnológicos no rol das indústrias criativas. (REIS, 2008, p. 16)

Apesar de a Austrália ter sido pioneira na percepção da importância econômica das manifestações criativas foi em 1997 que o Novo Partido Trabalhista Inglês (New Labour Party), em seu manifesto pré-eleitoral apresentou ações voltadas para as indústrias criativas devido às suas potencialidades e também ao enfraquecimento das indústrias tradicionais (MIGUEZ, 2007). Com a vitória do Partido Trabalhista no Reino Unido e a eleição do primeiroministro Tony Blair foi criada a Força Tarefa das Indústrias Criativas que passou a atividade principal ao Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (CAIADO, 2011, p. 16). O Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS) realizou um levantamento de todas as atividades consideradas como parte das indústrias criativas, mensurando sua contribuição para a economia britânica como um todo e identificando ações oficiais que fomentariam seu desenvolvimento. O resultado desse trabalho foi o documento “Mapeando as Indústrias Criativas” publicado em 1998, que apontou as indústrias criativas como um amplo e crescente elemento da economia do Reino Unido, empregando 1,4 milhões de pessoas e gerando cerca de £60 bilhões por ano, aproximadamente 5% da arrecadação. (FLEW, 2011, p. 9) No Brasil percebeu-se apenas recentemente que o diálogo referente à economia criativa poderia ser positivo. A partir da década de 2000 quando as políticas governamentais e a atenção de outras organizações começam a ser despertadas para os setores criativos o diálogo começou a ganhar força e entrou na agenda governamental. A realização da XI Conferência Ministerial das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), realizada em junho de 2004 na cidade de São Paulo (Brasil) se tornou um marco internacional por propor a criação de uma instituição internacional para o fortalecimento e desenvolvimento da economia criativa nos países do Sul. (MIGUEZ, 2007) No ano seguinte foi realizado o Fórum Internacional de Indústrias Criativas e houve a proposta de instalação do Centro Internacional das Indústrias Criativas que,

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contudo, não se tornou realidade. Esses eventos marcam a introdução do Brasil no debate mundial sobre essa cultura onde os termos indústria criativa e economia da cultura se introduziram, de modo cada vez mais eficiente, a despertar diretamente o interesse em atividades relacionadas à cultura ou políticas culturais no Brasil. Foi em consequência da Conferência Ministerial das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), que em nível da política cultural brasileira, em 2012 o Ministério da Cultura criou em sua dependência a Secretaria da Economia Criativa (SEC), essa definiu como missão formular, implementar e monitorar políticas públicas para o desenvolvimento local e regional, priorizando o apoio e o desenvolvimento aos profissionais e micro e pequenos empreendimentos criativos. Desse modo, a política pública de fomento da economia criativa se funde nos princípios de inclusão social, sustentabilidade, inovação e diversidade cultural. (BRASIL, 2011) A SEC definiu a economia criativa como “o ciclo de criação, produção, distribuição/circulação/difusão e consumo/fruição de bens e serviços oriundos dos setores criativos, caracterizados pela prevalência de sua dimensão simbólica”. Na sua base encontram-se os setores criativos que se constituem como os empreendimentos que atuam na área da Economia Criativa. Desse modo, os setores criativos são aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social (BRASIL, 2011).

Figura 1: Setores Criativos adotados pela SEC

Fonte: BRASIL (2011).

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Assim a política pública de fomento da economia criativa no Brasil se funde nos princípios de inclusão social, sustentabilidade, inovação e diversidade cultural (BRASIL, 2011).

Figura 2: A economia criativa brasileira e seus princípios norteadores

Fonte: BRASIL (2011)

A cultura pode ser um elemento transformador quando usada para incentivar o desenvolvimento econômico justo e sustentável de um país. A transformação gerada pelas atividades culturais vai além da geração de lucro e criação de empregos, ela é responsável também por promover a inclusão social e a exportação de valores. Estima-se que a economia criativa, incluindo atividades relacionadas e de apoio, movimenta R$ 381,3 bi no Brasil (16,4% do PIB) e gera 7,6 milhões de empregos formais. O núcleo dessa ‘indústria’ emprega 638 mil trabalhadores e movimenta 2,6% do PIB”. (COSTA, 2011)

Um mapeamento feito pela FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) o PIB da indústria criativa foi de R$ 126 bilhões em 2013, cerca de 2,6% do total do país, e acima dos 2,1% registrados em 2004. Segundo levantamento recente feito pelo IBGE no Brasil, 320 mil empresas estão voltadas para a produção cultural (quase 6% do total de empresas no país). Essas empregam formalmente cerca de 3,7 milhões de pessoas e são responsáveis por 8,5% dos postos de trabalho. O campo da Economia Criativa gera cerca de 9% dos empregos formais no país, e oferece uma renda salarial média de R$ 2.293,64, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

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Os dados mostram que essa renda média é 44% mais elevada do que nos setores da economia tradicional, e também está acima da renda média nacional (que foi de R$ 1.052 em 2014), segundo levantamento nacional do IBGE. O uso do meio cultural para aquecer a economia do país demanda ações distintas pelo estado. Esse tem apoiado a produção e difusão de atividades culturais por meio de programas ou leis de incentivo. A conhecida lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991), mais conhecida como lei Rouanet, é a lei que institui políticas públicas para a cultura nacional, como o PRONAC - Programa Nacional de Apoio à Cultura. A lei surgiu para educar as empresas e cidadãos a investirem em cultura, e inicialmente daria incentivos fiscais, pois com o benefício no recolhimento do imposto a iniciativa privada se sentiria estimulada a patrocinar eventos culturais, uma vez que o patrocínio além de fomentar a cultura, valoriza a marca das empresas junto ao público. A outra modalidade de apoio são as linhas de financiamentos por bancos de fomento, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Entre 2000 a 2008, os desembolsos do BNDES a projetos ligados à cultura foram de aproximadamente R$ 300 milhões. Para apoiar o crescimento do setor criativo faz-se necessário um aumento da quantidade das pesquisas sobre o mercado brasileiro voltado para esse campo, para fundamentar o planejamento da secretaria da economia criativa que também pretende articular e estimular o fomento direcionado aos projetos criativos, aumentar a capacitação de gestores culturais e mesmo de cursos para formação em universidades e centros tecnológicos; além de apoiar a produção, distribuição e consumo dos serviços e bens criativos.

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3. O CHORINHO NO BAIRRO DA RIBEIRA: HISTÓRIA E USO

O capítulo a seguir apresenta o recorte do local da pesquisa, ou seja, o bairro da Ribeira em Natal, os objetivos motivadores da mesma, bem como as origens do chorinho e sua atuação no cenário local. Concluiremos apresentando os atores que compõem esse cenário (gestor, gerente do “buraco da catita” e músico), as informações obtidas através das entrevistas com os mesmos que serão reproduzidas e analisadas a seguir.

3.1. CARACTERIZAÇÃO DO BAIRRO DA RIBEIRA, NA CIDADE DE NATAL O presente trabalho tem por fim caracterizar o setor criativo do “chorinho” no bairro da Ribeira, especialmente no “Buraco da Catita”, na cidade de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte. Fundada em 1599, a cidade de Natal possui uma área de 170,29 km² e uma população de 862.044 habitantes (BRASIL, 2014). O bairro da Ribeira está localizado na região administrativa leste, fazendo limite com os bairros: Rocas/Santos Reis ao norte; Cidade Alta ao Sul; Rocas/Petrópolis ao Leste e a oeste com o Rio Potengi e faz parte do espaço de ocupação mais antiga de Natal, fazendo parte do Centro Histórico da cidade, que compreende os bairros da Ribeira e Cidade Alta, tombado em 2010, como Patrimônio Cultural do Brasil. Apesar das intervenções incorporadas ao longo dos anos, grande parte de sua história social, econômica, política e urbana pode ser contada a partir daquele espaço geográfico, que preserva o traçado original das ruas e mescla uma malha urbana colonial com um conjunto arquitetônico de todas as épocas, especialmente, do século XX. Em 2007, de acordo com os dados do IBGE (2014), a Ribeira apresentava uma densidade demográfica de 32,5 (HAB/HA). Sendo a população residente total de 2.110 habitantes, dos quais 45,03% correspondem aos habitantes do sexo masculino e 54,97% do sexo feminino. (BRASIL, 2014) Quantos aos aspectos socioeconômicos, dados do censo demográfico de 2010 (BRASIL, 2014), mostram que a maioria da população residente se enquadra na faixa de rendimentos de até 5 salários mínimos. A atividade empresarial comercial é a mais exercida, seguida do setor de serviços e da atividade industrial. Nos últimos anos, impulsionado pelo capital estrangeiro e o crescimento da construção civil no país a cidade de Natal tem experimentado um processo de ampla extensão imobiliária, que atinge não

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apenas as áreas litorâneas, como ameaça modificar a paisagem urbana nos bairros de ocupação mais antiga da cidade, especialmente a Ribeira.

Figura 3: Município de Natal

Fonte: SEMURB, 2008.

O bairro da Ribeira é um bairro histórico da cidade de Natal, inserido na zona leste. Ele compreende duas áreas: o Alto da Ribeira (parte alta do bairro) e a Ribeira Histórica (parte baixa do bairro), local do bairro que se enquadra no conceito de bairro criativo, este valorizado pelo seu alto capital simbólico e cultural, para além de seus atrativos turísticos e boêmios. Nesse sentido, Seixas e Costa (2011, p.78) concluem que: “Os espaços alternativos/emergentes são ocupados por classes sociais ou grupos que detêm uma elevada diferenciação (artistas, imigrantes), e na maioria das situações existem em espaços intersticiais/expectantes da cidade institucional e urbanística, com rendas baixas.”

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3.2. CONTEXTO HISTÓRICO DO CHORINHO

O chorinho ou choro é considerado a primeira música popular urbana tipicamente brasileira e é um dos mais originais estilos de música, sobretudo instrumental. Ele surge no século XIX, no Rio de Janeiro, cidade considerada o berço do choro, a partir do diálogo entre diferentes gêneros musicais. Nesse período as danças de salão passaram a ser importadas da Europa. A abolição do tráfico de escravos, em 1850, provocou o surgimento de uma classe média urbana (composta por pequenos comerciantes e funcionários públicos, geralmente de origem negra), segmento de público que mais se interessou por esse gênero de música. A mistura desses elementos das danças de salão europeias (como a valsa, o minueto e, especialmente, a polca) e da música popular portuguesa, com influências da música africana faz surgir o “choro”, que primeiramente surge como um estilo predominantemente instrumental, mas posteriormente algumas composições ganharam letras, passando a ser cantadas. (REIS JUNIOR; KAUFFMAN, 2011) Os grupos que se reuniam para tocar choros eram designados por “regionais”, enquanto os músicos, compositores e instrumentistas desse estilo musical eram atendidos pelo termo “chorões”. Já nas primeiras décadas deste século (século XX), as polcas, xótis, tangos e havaneiras passaram a ser designadas simplesmente choros, denominação para qualquer produção musical dos compositores chorões. Os conjuntos que tocavam choro usavam a princípio apenas três instrumentos: a flauta, o violão e o cavaquinho. Posteriormente foram incorporados o violão de sete cordas, o pandeiro, o bandolim e outros instrumentos de solo. A trajetória do choro nasce nas mãos de músicos amadores nos subúrbios cariocas, mas chega às mãos de grandes compositores que o incorporaram à sua obra dando-lhe uma linguagem harmônica mais elaborada, além de maior notoriedade. Músicos como: Jacob do Bandolim, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Waldir Azevedo, Paulinho da Viola, Zequinha de Abreu e Ademilde Fonseca. Além de Pixinguinha. (REIS JUNIOR; KAUFFMAN, 2011)

3.3. O CHORINHO NO BAIRRO DA RIBEIRA A pesquisa de campo realizou-se no “Buraco da Catita”, com a aplicação de três entrevistas semiestruturadas, composta de perguntas abertas que, todavia permitiam tratar com liberdade de outros questionamentos que pudessem surgir no decorrer da entrevista.

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Para responder às perguntas, foram escolhidos três entrevistados, com um roteiro de perguntas específico para cada um deles. Como critério comparativo para a busca da realidade, se compararam as informações obtidas pela entrevista com o gerente do “Buraco da Catita”, Jean Silvino, o Músico Bruno Barros e o diretor do núcleo de música da Funcarte, Neemias Lopes. Cada um desses tendo o papel de representar um segmento de interesse do estudo em questão. Feitas as entrevistas, seguiremos com a respectiva análise de conteúdo. Inicialmente, o gerente do “Buraco da Catita” falou um pouco da história do local. Jean Silvino contou que o Buraco da Catita surgiu de uma “brincadeira” entre amigos. Onde hoje existe uma boa estrutura, antes, existiam apenas algumas pessoas ensaiando músicas e toques musicais na calçada do logradouro cujo nome é Rua das Virgens. Aos poucos isso foi despertando o interesse entre as pessoas que ali passavam e gerou uma boa repercussão e que com o passar do tempo viraria tradição. O nome “Buraco da Catita” surgiu devido a uma música que se chamava “catita”, a qual teve uma ótima aceitação.

Fotografia 1: Rua das Virgens

Fonte: Próprio autor, nov 2015

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“[...] Marcelo Tinoco abriu o estabelecimento em 2008, com um objetivo bem simples: ter um lugar para tocar chorinho com seus amigos, com quem costumava improvisar nas ruas do centro histórico de Natal.” (Jean Silvino)

O Buraco da Catita inicialmente produziu vários projetos de sucesso no espaço, como o “Ribeira de Pau e Corda”, a “Gafieira do Catita” e os centenários de Cartola e Noel Rosa. Este último após a reforma realizada pela Prefeitura em 2010, que construiu o calçadão e iluminou o espaço. O lugar também foi palco de shows memoráveis como o do trombonista Raul Souza, realizado durante o Encontro Brasileiro de Trombonistas, e o lançamento do DVD do baixista potiguar Sérgio Groove. Figura 4: Folder de evento no buraco da catita.

Fonte: acervo do autor.

Jean Silvino ressalta que o estabelecimento já chegou a receber incentivo por parte do poder público, mas que essa realidade não se configura há muito tempo e se não fosse o investimento pessoal já teria fechado, além de falar que o espaço que inicialmente tinha a entrada gratuita passou a cobrar uma taxa para conseguir se manter. “O Buraco da Catita no início de sua configuração buscou alternativas para não fechar as portas. Começou com projeto musical e tinha um potencial para, no

25 futuro, virar um Ponto de Cultura, com a abertura em 2009 de um edital pela Fundação José Augusto para novos pontos, o que não ocorreu.” (Jean Silvino)

Em relação à programação cultural do local, Jean afirma que o chorinho é parte integrante, e ressalva que é a essência de tudo, mas que o espaço é aberto para variados ritmos e grupos locais, priorizando as danças e estilos nordestinos e de influência afro. Para o músico Bruno Alves, o Buraco da Catita era um importante espaço de divulgação desse estilo musical, porém esse se descaracterizou ao longo do tempo e incorporou em sua programação outros estilos musicais, perdendo sua essência. O gerente discorre que o espaço tem um importante papel no panorama cultural de Natal, uma vez que incentiva apresentações da cultura local em diferentes estilos e ritmos, além da programação contar com eventos gratuitos denominados “Catita Cultural”. Jean lembra que houve um tempo em que as quintas-feiras era a grande e tradicional noite do chorinho, mas após a reformulação do espaço, tal evento ocorre apenas algumas vezes no ano e sempre no mês de férias. Quando questionado sobre o conhecimento de políticas públicas que dão apoio ao chorinho, e se há algum outro local no bairro que incentive esse segmento musical, Jean afirma que desconhece: “[...] não conheço e acredito que não exista outro espaço no bairro da Ribeira que de tanta importância a música instrumental como o nosso espaço cultural, além de não conhecer políticas de apoio respectivamente a esse estilo musical.” (Jean Silvino)

Fotografia 2: Noite de música no buraco da catita

Fonte: Nataltrip (2015).

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Nesse aspecto as opiniões convergem, Bruno Barros não conhece outro espaço além do Buraco da Catita que represente o estilo musical, além de afirmar que conhece políticas públicas de incentivo à música, mas sabe que não há incentivo governamental para o gênero especifico. Essas afirmações confirmam a colocação de Neemias Lopes de que existem políticas públicas de incentivo à música e que isso abrange diferentes estilos musicais, sem beneficiar apenas um estilo específico, lembrando que recentemente a prefeitura esteve com dois editais abertos: um que deu a oportunidade de apresentação a grupos de todos os estilos e o outro para trabalhos autorais. “[...] Um dos projetos se chama “Natal tem música” e é promovido pela prefeitura do Natal em parceria com a rede de música independente, o cachê previsto é de R$ 5 mil por apresentação, no mês de Novembro, outro projeto é o festival de música em Natal que faz parte da comemoração do aniversário da cidade, em dezembro. Esse fará a seleção de músicos, bandas e artistas potiguares dos mais variados estilos para se apresentarem juntamente com os artistas nacionais.” (Neemias Lopes)

Quando questionado sobre o empreendedorismo na música, Neemias Lopes faz referência ao passado, mostrando que hoje a nível municipal o que se encontra de diferente é a criação de editais e chamadas públicas, ressaltando que o acesso está mais democrático e cita a lei Nº 4.838/97 (Lei Djalma Maranhão), explicando que essa institui incentivos fiscais para a realização de projetos culturais no Município de Natal. “[...] Posteriormente, modificado pela Lei 5.323/01, o Programa contempla projetos nas áreas de música, teatro, folclore, literatura, dança, vídeo, fotografia, cinema, cartum, artes plásticas, história da cultura, relíquias, artesanato e museus e outros segmentos culturais.” (Neemias Lopes).

A Lei beneficia as empresas ou pessoas físicas que investem em projetos aprovados, através de incentivos fiscais, com descontos nos impostos como IPTU e/ou ISS. Podem investir em produções culturais, pessoas físicas e jurídicas, através de doações, patrocínios e investimentos que são descontados do valor devido ao Fisco Municipal nas proporções de 100 %, 80% e 30%, respectivamente. O gestor deixa claro que a lei tem vários projetos na área musical e faz menção à cantora Valéria de Oliveira como excelente exemplo de utilização das leis de incentivo à cultura. “[...] tanto a lei Djalma Maranhão como a Câmara Cascudo, Valéria participa muito desses projetos e tem feito vários trabalhos através dessas leis de incentivo à cultura” (Neemias Lopes)

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O gestor reitera, que as Leis de incentivo à cultura existem e que há muita gente no mercado, porém a maioria são sabe como ter acesso a essas leis e captar recursos para seus projetos. “[...] Os recursos para o incentivo à cultura existem o que falta é gente qualificada pra fazer acontecer” (Neemias Lopes)

Bruno Barros concorda com Neemias Lopes de que há projetos de incentivo, porém ressalta que os projetos que a prefeitura e o governo do estado oferecem que são poucos e esporádicos. “Para tocar música instrumental, principalmente “o choro” e não exercer outra atividade remunerada é muito difícil, porque ou ficamos dependendo dessas situações, de leis de incentivo à cultura e dos projetos que a prefeitura e o governo do estado oferecem que são poucos e esporádicos, não tem como você tocar mensalmente” (Bruno Barros)

Bruno Barros é músico instrumentalista e começou sua carreira participando de festivais em Natal na década de 70/80. Ele conta que essa época era muito rica em eventos como esse. “Tinha festival do BANDERN (Banco do estado do Rio Grande do Norte), festival da universidade, SESI, forte dos Reis Magos e até as escolas da época promoviam esses eventos culturais. Nesse período eu participei muito com músicas autorais e também com grupos de amigos.” (Bruno Barros)

Apaixonado por música instrumental, em meados da década de 80, ele teve que deixar a música de lado para cursar ciências sociais e trabalhar na Prefeitura, retomando há oito anos atrás com o choro. “O choro é minha grande paixão, sou violonista de sete cordas e o choro sempre foi uma música que eu quis atingir. Então, me dediquei a pesquisar e ouvir, e comecei a me deparar com um universo musical amplo, porque o choro tem como característica a absorção de outros ritmos.” (Bruno Barros)

Bruno Barros formou junto com amigos um movimento chamado “Confraria do choro” em Natal. Esse movimento tinha em sua essência a ideia de se confraternizar com as pessoas que gostavam de choro e aqueles que gostavam de tocar “o choro”. O movimento começou em 2011 com uma proposta itinerante em vários bares e locais da cidade, inclusive no Buraco da Catita, que inicialmente foi um espaço criado com o intuito de tocar chorinho. Em 2013, o movimento perdeu o apoio que recebia do SESI e o grupo teve que parar. “[...] Em 2014, criamos um regional para tocar o choro tradicional que se chama “choro bom”, composto por oito músicos, tocando os respectivos

28 instrumentos: clarinete, flauta, cavaquinho, bandolim, violão de seis cordas, violão de sete cordas e dois percursionistas.” (Bruno Barros)

O choro carece de divulgação maior por parte dos meios de comunicação. O que divulga hoje o choro é a 88 FM, rádio universitária que passa às 7 da manhã uma programação de chorinho e canções. É evidente que há uma limitação quanto à divulgação da música instrumental. Natal possui, hoje, apenas duas escolas públicas de música de grande representatividade e o choro é uma música instrumental que necessita que o executante tenha certo conhecimento do seu instrumento. O grupo é grande e os bares não querem pagar o cachê de cerca de cem reais por músico, e em média, por três horas de choro preferindo ritmos mais populares. “Eu venho tentando manter a sustentação do meu grupo através de projetos, mas tem sido difícil porque as pessoas não conhecem o estilo e não conhecendo não podem dizer se gostam.” (Bruno Barros)

Bruno Barros acredita que o principal espaço divulgador do choro, hoje, não é o Buraco da Catita, mas sim um projeto do músico Debinha Ramos que se chama “Samba e Choro” e que acontece todas as primeiras sextas-feiras do mês, num trecho da Vigário Bartolomeu, em plena Cidade Alta. Portanto, as informações obtidas nas entrevistas levam ao entendimento de que existem projetos e leis de incentivo à cultura. Entretanto, não existem políticas públicas especificas de incentivo ao estilo musical chorinho. Dessa forma, ambientes que poderiam ser destinados a disseminar este estilo musical acabam abrindo espaço para outros gêneros musicais. Como, por exemplo, ocorreu com o Buraco da Catita que inicialmente tinha como principal referência musical o chorinho, e que, hoje é um espaço cultural aberto a diferentes estilos musicais. Isto ocorreu em função da falta de incentivo e divulgação deste gênero. Assim, o desconhecimento deste gênero musical e a falta de políticas públicas de incentivo ao chorinho e músicas instrumentais, em geral, causaram sua desvalorização.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não existe uma política pública perene para as atividades culturais em Natal, sendo tratadas individualmente conforme o “humor” dos gestores e a cada novo governo, um tipo de tratamento diferente é implementado. Dessa forma, fica difícil os atores terem qualquer tipo de segurança para o exercício de suas atividades, sendo obrigados a tratálas apenas como um passatempo para a satisfação pessoal ou um complementador de renda, mas nunca como um ofício. Os espaços culturais estão dispersos pela cidade, não fazendo parte do roteiro oficial de turismo do município, nem possuindo nenhum tipo de promoção por parte do poder público e, se não fosse o empenho individual desses atores, provavelmente grande parte desses locais já estariam fechados. Pela própria história do “Buraco da Catita” denota-se que se não houvesse ocorrido a diversificação dos estilos musicais ali apresentados, o mesmo não teria resistido. No contexto da Economia Criativa, o Buraco da Catita representa um esforço para a promoção de talentos desconhecidos, a divulgação de um estilo musical genuinamente brasileiro, um espaço de satisfação pessoal para muitas pessoas e ainda um empreendimento gerador de renda, além de se constituir como um ponto tradicional de encontro no município. Uma das empreitadas mais difíceis é tornar um determinado local tradicional, seja em que ramo for (artístico, comercial, cultural, etc.), um local de preservação e valorização como o Buraco da Catita e um símbolo cultural da cidade, bem como de valorização dos atores nele participantes. A Administração Pública, tanto a nível municipal quanto estadual devem desenvolver políticas públicas permanentes e consistentes de valorização e manutenção desses espaços de forma a não causar incertezas e definitivamente a incorporá-las no roteiro turístico-cultural de Natal. Em termos de políticas públicas de fomento da Economia Criativa, é igualmente necessário que sejam tomadas medidas que privilegiem fatores como empreendedorismo nos setores criativos, assim como eventos que permitam conciliar apresentações de artistas locais e nacionais que possam resultar de parcerias público-privadas.

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ANEXOS

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ANEXO A – Entrevista Semiestruturada: Músico

1. Fale um pouco sobre sua carreira profissional na música. 2. Atua em algum outro espaço além do buraco da catita? Quais? 3. Quantas vezes por semana trabalha como musico? 4. Por que optou pelo estilo musical chorinho? 5. Conhece alguns outros espaços no bairro da ribeira em que atuem músicos/grupos de chorinho? 6. Quais meios de divulgação do trabalho de vocês? Existe algum tipo de contrato de trabalho? 7. Como você vê o papel das políticas públicas no apoio ao chorinho?

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ANEXO B – Entrevista Semiestruturada: Gerente

1. Quando e como surgiu a ideia de criar o espaço cultural buraco da catita? fale um pouco sobre a história dele. 2. Qual o papel do buraco da catita no panorama cultural? 3. Em que consiste a programação cultural do Buraco da Catita? 4. O espaço recebe algum incentivo? De onde provém os recursos? 5. Quando é que ocorrem as apresentações do chorinho no Buraco da Catita? 6. Por que a opção pelo chorinho? 7. Conhece algum outro espaço no bairro da Ribeira ou em Natal em que atuem músicos/grupos de chorinho? 8. Quais meios de divulgação utilizam para divulgar a programação cultural do Buraco da Catita? 9. Como vê o papel das políticas públicas no apoio ao chorinho, em Natal?

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ANEXO C – Entrevista Semiestruturada: Gestor

1. Qual o papel do buraco da catita no panorama cultural? 2. Existe alguma política de incentivo aos músicos de chorinho em Natal? 3. Existe algum projeto de interesse em expandir a atividade do chorinho em Natal? 4. Como vê o papel das políticas públicas no apoio ao chorinho, em Natal? 5. Que políticas públicas vêm apoiando o empreendedorismo na música?

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