A NÃO EQUIPARAÇÃO DOS DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS: regulamentação restritiva da Emenda Constitucional nº 72/2013

June 7, 2017 | Autor: Lília Finelli | Categoria: Direito, Direito Constitucional, Direito do Trabalho, Trabalho Doméstico
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A NÃO EQUIPARAÇÃO DOS DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS: regulamentação restritiva da Emenda Constitucional nº 72/2013 Lília Carvalho Finelli1

1 INTRODUÇÃO A categoria que envolve o trabalho doméstico é localizada, muitas vezes, à margem das proteções justrabalhistas tradicionais. É importante ressaltar, de antemão, que juridicamente a classe envolve os mais diversos trabalhadores. Assim, o conceito legal é amplo, ditando a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, hoje revogada, que o empregado doméstico é “considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei”. Dentro desse conceito, destaque-se a discussão sobre a definição que nossa Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deu, anteriormente à Lei nº 5.859/72, ao mesmo tema, quando afirmou a natureza não econômica dos serviços domésticos, em seu artigo 7º, a: Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas;

Para Alice Monteiro de Barros, o art. 1º da Lei 5.859/72 corrigiu a definição errônea da CLT, uma vez que os serviços domésticos almejam sim a satisfação de necessidade econômica, embora não lucrativa, tendo como pressupostos a prestação por pessoa física, em caráter contínuo, no âmbito residencial de uma pessoa ou família. Por tal razão, se inseririam na categoria: [...] não só a cozinheira, a copeira, a babá, a lavadeira, o mordomo, a governanta, mas também os que prestam serviço nas dependências, ou em prolongamento da residência, como o jardineiro, o vigia, o motorista, o piloto ou marinheiro particular, os caseiros e zeladores de casas de veraneio ou sítios destinados ao recreio dos proprietários, sem qualquer caráter lucrativo. [...] 1

Mestranda pela Faculdade de Direito da UFMG, bolsista pela Fapemig, advogada, agraciada com o Prêmio Messias Pereira Donato (melhor aluna em Direito Material e Processual do Trabalho da Faculdade de Direito da UFMG) e técnica em Administração de Empresas pelo SEBRAE/MG. Colaboradora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG.

Equipara-se, ainda, a empregado doméstico, a pessoa física que trabalha como segurança dos familiares de empregador, reunindo os pressupostos do art. 1º da Lei n. 5.859, de 1971. (BARROS, 2010, P. 340-342)

Já para Amauri Mascaro Nascimento, a finalidade econômica não está de fato presente, uma vez que este a conecta diretamente com a exploração lucrativa, exemplificando com casos em que na residência existe atividade econômica com a colaboração do empregado, como o que acontece com o empregador que comercializa bijuterias com o auxílio deste, ou o dentista que contrata alguém para limpar sua sala (2011, p. 939). O mesmo autor, no entanto, comenta os casos limítrofes definidos jurisprudencialmente (2011, p. 941). Embora concordemos com a ideia de Alice, é de se fixar que a questão não toma contornos relevantes para esse trabalho, dedicado a analisar a marginalização da categoria e sua não equiparação real com o advento da Lei Complementar nº 150/2015, embora o pressuposto de continuidade– esse sim – alije parte considerável dos trabalhadores. Isso porque os tribunais trabalhistas vêm construindo tese no sentido de que há que se considerar de prestação contínua aquele serviço executado com ausência de interrupção, ou seja, excluindo a figura da diarista. O entendimento, ressalte-se, é o previsto pela LC 150/15, que considera empregado doméstico – e não diarista – aquele que trabalha mais de 2 vezes na semana para o mesmo empregador doméstico (art. 1º). Além da exclusão patente pelo critério da continuidade, a legislação brasileira não é capaz de fornecer àqueles que se inserem na categoria dos empregados domésticos proteção contra a informalidade – e sequer contra a precarização. No entanto, a visão da sociedade sobre a classe em muito influencia a dificuldade de avanços nesse sentido, uma vez que há uma tendência a compreender que os serviços prestados com caráter de fidúcia extrema no ambiente familiar são impeditivos de fiscalização e não demandam tanta proteção quanto os prestados para pessoas jurídicas ou físicas em ambientes profissionais. Claramente, a questão também se relaciona à prevalência da proteção ao emprego dada pela própria CLT, o que faz rejeitar a tutela àqueles que não cumprem seus pressupostos. A ideia de exclusão não é novidade. Mesmo com alterações recentes, a categoria sempre teve, ao longo da evolução legislativa pátria, direitos reduzidos, sendo disciplinada inicialmente pelas Ordenações do Reino, depois pelo Código Civil de 1916 (como locação de serviços), chegando ao Decreto-Lei nº 3.078/41. Excluídos da proteção global da CLT, os trabalhadores domésticos tiveram seus direitos regulamentados apenas em 1972, com a Lei nº 5.859.

Recentemente, restou aprovada a Emenda Constitucional nº 72/13, estendendo constitucionalmente aos empregados domésticos direitos dos demais trabalhadores urbanos e rurais, embora referida alteração não os tenha equiparado verdadeiramente ou os inserido na proteção da CLT, deixando ainda aplicável a Lei nº 5.859/72 e o parágrafo único do art. 7º da CR/88, agora com a nova redação: Art. 7º [...] Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.

Ademais, a própria EC nº 72/13 teve eficácia limitada, diante da ausência de regulamentação de diversos pontos, como o Seguro Desemprego, adicional noturno, saláriofamília, seguro contra acidentes de trabalho e questões previdenciárias, dentre outros. Tal regulamentação só adveio com a Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, que será objeto de análise do presente artigo. Mesmo não tendo a referida emenda sequer a finalidade de equiparar realmente os trabalhadores domésticos – que seria possível pela simples eliminação do parágrafo único do art. 7º da CR/88, esta sofreu reações populares negativas, como ditou estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE): Parte da classe média brasileira - a maior contratante do emprego doméstico - tem argumentado que as famílias não são empresas, o que tem sido o grande motivo de resistência de parte da sociedade brasileira em relação à PEC. Os argumentos deste grupo para que se deixasse tudo como era antes foram: encarecimento do custo de contratação das empregadas domésticas; dúvidas sobre como proceder em relação ao pagamento dos direitos; necessidade de contratar contador para auxiliar as famílias; elevação do desemprego e da informalidade na contratação das trabalhadoras domésticas. Com isso, alega-se que “a lei se transformaria em letra morta, uma vez que as trabalhadoras deixariam de ser contratadas”. (DIEESE, 2013)

Como se vê, a própria visão da sociedade impede por vezes um tratamento igualitário à categoria, que na maioria dos casos cumpre todos os requisitos para se ver protegida pela legislação trabalhista genérica, mas é constantemente colocada à margem do Direito. Dessa forma, mesmo com a referida regulamentação trazida pela Lei Complementar nº 150/15, tratada amplamente pela mídia como a equiparação do trabalhador doméstico aos trabalhadores urbanos e rurais, como veremos a seguir, a marginalização continua.

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ASPECTOS

DA

LC

150/15

QUE

IMPEDEM

A

EQUIPARAÇÃO

DO

TRABALHADOR DOMÉSTICO AOS TRABALHADORES URBANOS E RURAIS Conforme já ressaltamos, a Emenda Constitucional nº 72/13 não teve como objetivo a equiparação dos trabalhadores domésticos aos demais trabalhadores, para fins de direitos trabalhistas e previdenciários. Da mesma forma, a Lei Complementar nº 150/15 os diferenciou em diversos aspectos, muitas vezes de forma contrária aos princípios do próprio Direito do Trabalho, conforme veremos a seguir. 2.1 Da instituição do banco de horas automático Instituído pela Lei nº 9.601/98, que modificou o art. 59 da CLT, posteriormente alterado pela Medida Provisória nº 2.164-41/2001, o banco de horas é uma modalidade específica de negociação para prorrogação de jornada, sendo assim regulado: Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. [...] § 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001) § 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma do parágrafo anterior, fará o trabalhador jus ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão.

A compensação de horas semanal simples, estabelecida mediante acordo escrito entre empregador e empregado, acabou sendo, assim, estendida a qualquer período, não ultrapassado o prazo máximo de um ano para seu cumprimento e de dez horas diárias prestadas. No caso do banco de horas, o legislador, sabendo de seu potencial para infringir as normas de saúde e segurança do trabalhador (art. 7º, XXII, da CR/88), fez por bem colocar como requisito a negociação coletiva, o que foi ressaltado pela Súmula 85 do TST: Súmula nº 85 do TST COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item V) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 [...] V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.

Referida alteração na S. 85 veio consolidando entendimento jurisprudencial no mesmo sentido, como se vê em decisões do TST proferidas pelos ministros José Roberto Freire Pimenta e Mauricio Godinho Delgado: [...] Nota-se que o dispositivo exige que a instituição do banco de horas seja feita por acordo coletivo ou por convenção coletiva de trabalho, ou seja, o acordo individual não autoriza a compensação pelo banco de horas. Isso porque a instituição de compensação anual, com a prestação de horas excedentes da jornada diária, constitui flexibilização do direito ao pagamento da jornada extraordinária, motivo pelo qual deve ser feita mediante a intervenção sindical. (TST. RR- 141400-40.2008.5.09.0068. Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 11/05/2011, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/05/2011) [...] A Súmula 85 do TST aplica-se ao regime compensatório clássico, que combina aspectos favoráveis e desfavoráveis ao trabalhador, em medida ponderada e razoável da gestão da duração do trabalho na empresa. Por isso pode ser pactuado bilateralmente (Súmula 85, I e II, TST), implicando, mesmo quando desrespeitado, a atenuação do cálculo da sobrejornada (inciso IV da Súmula 85 do TST). Já o banco de horas, regime de compensação anual, usualmente desfavorável, tem de ser pactuado sempre por negociação coletiva, implicando seu desrespeito o pagamento das horas em sobrejornada com o respectivo adicional. É pacífica a jurisprudência quanto à não aplicação da Súmula 85, inclusive seu item IV, no tocante ao banco de horas. (TST – RR- 625700-42.2008.5.12.0016, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 31/08/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/09/2011)

A pacificação da doutrina e da jurisprudência no sentido da necessidade de pactuação via negociação coletiva não obstou, entretanto, que o legislador colocasse na regulamentação da EC 72/13 (LC 150/15) a possibilidade de instituir banco de horas por acordo escrito individual, da seguinte maneira: Art. 2o A duração normal do trabalho doméstico não excederá 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, observado o disposto nesta Lei. [...] § 4o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário e instituído regime de compensação de horas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, se o excesso de horas de um dia for compensado em outro dia. § 5o No regime de compensação previsto no § 4o: I - será devido o pagamento, como horas extraordinárias, na forma do § 1o, das primeiras 40 (quarenta) horas mensais excedentes ao horário normal de trabalho; II - das 40 (quarenta) horas referidas no inciso I, poderão ser deduzidas, sem o correspondente pagamento, as horas não trabalhadas, em função de redução do horário normal de trabalho ou de dia útil não trabalhado, durante o mês; III - o saldo de horas que excederem as 40 (quarenta) primeiras horas mensais de que trata o inciso I, com a dedução prevista no inciso II, quando for o caso, será compensado no período máximo de 1 (um) ano. (grifos nossos) § 6o Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma do § 5o, o empregado fará jus ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data de rescisão.

A previsão possui potencial de ferir a saúde do trabalhador com a prestação excessiva de horas extras não pagas e sim compensadas. Rechaça-se, ainda, o argumento utilizado por muitos de que a previsão se deu devido à insuficiência sindical da categoria, o que se mostra falso, conforme já comprovamos em outra ocasião. Tal inverdade é demonstrada pela análise da região metropolitana de Recife e Salvador por Maria Betânia Ávila, que ressaltou o poder da consciência política, como forma de romper o estigma da categoria (2009, p. 52). Há alguns anos, Bernardino-Costa, em tese de doutoramento em Sociologia sobre os sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil, afirmou que 1,64% das trabalhadoras de todo o país – 101.701 pessoas – eram filiadas a sindicatos. Fato importante é o de que a região nordeste aparece com o maior número de sindicalizadas em relação a todas as trabalhadoras domésticas (2,9%) e também o maior número em relação às sindicalizadas em geral (39,4%) (2007, p. 38). Note-se que, diferentemente dos demais trabalhadores regidos pela CLT, os empregados domésticos não têm direito à liberação remunerada do tempo de serviço para assumir cargos na organização sindical, razão pela qual o sindicato tem que se adequar, recebendo os trabalhadores, em geral, aos domingos, ou à noite (ÁVILA, 2009). Ademais: É importante ter em mente que quando falamos em sindicalismo das trabalhadoras domésticas estamos falando, como elas mesmas definem, em um sindicalismo heroico, que não tem contribuição sindical, não tem desconto em folha, onde as trabalhadoras não estão reunidas no mesmo local de trabalho, onde as trabalhadoras em geral não são remuneradas ao assumirem um cargo de direção no sindicato etc. (BERNARDINO-COSTA, 2007, p. 38)

Bernardino-Costa entende, ainda, que a análise do surgimento e crescimento dos sindicatos das trabalhadoras domésticas tem relação não com o sindicalismo genérico, mas com um estudo que associa a transformação das associações em sindicatos como “movimento de re-existência e de resistência das trabalhadoras domésticas”, dentro do contexto da exclusão racial que envolve a categoria (2007, p. 50). Assim, a conexão dos movimentos negro e feminista se relaciona com a história do crescimento dos sindicatos de empregados domésticos, que inclusive vêm promovendo congressos da categoria desde a década de 1960. Cite-se, nesse sentido, o Primeiro Encontro Nacional de Jovens Empregadas Domésticas, no Rio de Janeiro, em 1960, que deu ensejo à criação de diversas associações (em Campinas, Rio e São Paulo). O 2º Encontro Regional do Rio de Janeiro, o 1º Congresso

Regional de Diadema e o Primeiro Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas, em São Paulo, todos em 1968. Diante da organização, surgem novas pautas com a aprovação da Lei nº 5.859/72, sendo feito o II Congresso Nacional, no Rio de Janeiro, em 1974. Quatro anos depois, um novo congresso foi feito em Belo Horizonte, avaliando a referida lei e concluindo que a própria categoria se encontrava desinteressada sobre seu conteúdo e desiludida com a ineficiência dos serviços de previdência social (BERNARDINOCOSTA, 2007, p. 197-198). No 4º Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas, em Porto Alegre (1981), os tópicos mais discutidos giraram em torno do trabalho da criança e do adolescente, da integração ao movimento de mulheres e de formas para pressionar o legislativo a aprovar leis para a categoria (BERNARDINO-COSTA, 2007, p. 202). Por sua vez, no 5º Congresso, realizado em Olinda em 1985 (conhecido como Congresso de Recife), a mobilização política foi maior, gerando uma aproximação com os movimentos sindical-classista – principalmente com a Central Única dos Trabalhadores – e feminista. Uma das conclusões foi um apelo às empregadas: “Decidimos que devemos trabalhar para chegar amanhã a um sindicato de domésticas livre, autônomo e forte.” (BERNARDINO-COSTA, 2007, p. 207) Já após a redemocratização e a promulgação da carta constitucional de 1988, o 6º Congresso, em Campinas, em 1989, a parceria com a CUT foi assumida com maior vigor, inserindo na pauta a luta por creches, habitações populares, educação, lazer, etc. Em 1993, no Rio de Janeiro, a pauta eleita para o 7º Congresso foi o novo perfil da trabalhadora doméstica, enfrentando os problemas para se sindicalizarem e conhecerem seus direitos. A igualdade na luta e equiparação de direitos se tornou a base do 8º Congresso, ocorrido em 2001, em Belo Horizonte, paralelamente ao 2º Congresso Nacional dos Trabalhadores Domésticos – FENATRAD, no qual houve a filiação desta à CUT e à Confederação Nacional dos Trabalhadores de Comércio e Serviço – CONTRACS, além da defesa da aprovação de projeto de lei que ditava sobre a obrigatoriedade do FGTS. Conclui-se, portanto, que embora o discurso jornalístico tente mostrar tais reivindicações como novas e muitas vezes desnecessárias, bem como apontá-las como possíveis causadoras da informalidade, como mostra Priscila Furst (2013), as pautas são antigas. Ademais, o medo de criar mais informalidade é, na verdade, uma forma de marginalizar a categoria.

Aqui entraria, então, o sindicato, como opção para o combate à informalidade do trabalhador doméstico, que ainda se mostra em nível superior ao desejável – seja pela marginalização que sempre ocorreu, seja pelo discurso de que a efetivação de direitos da categoria levaria a uma onda de desemprego e nova informalidade. Dessa forma, a previsão da LC 150/15 do banco de horas automático após a 40ª hora mensal trabalhada, instituído por pactuação individual entre trabalhador e empregador, acaba por demonstrar uma das facetas de não equiparação dos domésticos, que acabam sempre em situação menos favorável que os demais trabalhadores, protegidos pela CLT. 2.2 Da prestação de horas extras no trabalho a tempo parcial Modalidade de jornada prevista na CLT para aqueles trabalhadores que laboram até 25 horas semanais, o trabalho a tempo parcial tem peculiaridades específicas, previstas nos seguintes artigos do Decreto-Lei: Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais. § 1o O salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral. § 2o Para os atuais empregados, a adoção do regime de tempo parcial será feita mediante opção manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva. Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. § 4o Os empregados sob o regime de tempo parcial não poderão prestar horas extras. Art. 130-A. Na modalidade do regime de tempo parcial, após cada período de doze meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção: I - dezoito dias, para a duração do trabalho semanal superior a vinte e duas horas, até vinte e cinco horas; II - dezesseis dias, para a duração do trabalho semanal superior a vinte horas, até vinte e duas horas; III - quatorze dias, para a duração do trabalho semanal superior a quinze horas, até vinte horas; IV - doze dias, para a duração do trabalho semanal superior a dez horas, até quinze horas; V - dez dias, para a duração do trabalho semanal superior a cinco horas, até dez horas; VI - oito dias, para a duração do trabalho semanal igual ou inferior a cinco horas. Parágrafo único. O empregado contratado sob o regime de tempo parcial que tiver mais de sete faltas injustificadas ao longo do período aquisitivo terá o seu período de férias reduzido à metade.

O motivo pelo qual a CLT proíbe o trabalhador a tempo parcial de prestar horas extras é o fato de que a extrapolação da jornada acaba por descaracterizar o regime, fazendo incidir no caso concreto o contrato de trabalho por tempo integral. Para as domésticas, no entanto, a LC 150/15, em flagrante ofensa à CLT, previu a possibilidade de extensão das horas parciais, da seguinte maneira: Art. 3o Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda 25 (vinte e cinco) horas semanais. § 1o O salário a ser pago ao empregado sob regime de tempo parcial será proporcional a sua jornada, em relação ao empregado que cumpre, nas mesmas funções, tempo integral. § 2o A duração normal do trabalho do empregado em regime de tempo parcial poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente a 1 (uma) hora diária, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, aplicando-selhe, ainda, o disposto nos §§ 2o e 3o do art. 2o, com o limite máximo de 6 (seis) horas diárias.

Mesmo compreendendo que a referida disposição apenas permite a prorrogação de uma hora diária, entendemos prejudicial o dispositivo, por abrir brecha e diferenciar os domésticos dos urbanos e rurais de forma desnecessária, além de desconsiderar as prorrogações habituais no cálculo das demais parcelas trabalhistas. 2.3 Da impossibilidade de penhora de bem de família em razão dos créditos do empregado doméstico Instituída em 1990, a exceção à impenhorabilidade do bem de família para o pagamento dos créditos trabalhistas decorrentes da relação com o empregado doméstico foi também objeto de revogação pela LC 150/15. A Lei nº 8.009/90 previa a possibilidade da seguinte maneira, abrangendo amplamente não só aqueles que detinham vínculo empregatício, como todos os que se enquadrassem no papel de trabalhadores da própria residência: Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; [...]

De forma abrupta, a LC 150/15 acabou com tal privilégio dos trabalhadores domésticos, talvez o único realmente temido pelos empregadores, ao ditar que: Art. 46. Revogam-se o inciso I do art. 3o da Lei no 8.009, de 29 de março de 1990, e a Lei no 5.859, de 11 de dezembro de 1972.

De fato, o legislador acabou por retirar do doméstico sua única garantia efetiva ao provimento jurisdicional, exceção esta que se justificaria pelo valor social do trabalho e pelo fato de que o que ocorre na prática é a apropriação do trabalho do empregado pelo empregador para este depois opor, contra aquele, a impenhorabilidade de seus bens. Mais uma vez, vem o legislador comprovar sua discriminação perante o trabalhador doméstico, que embora libere seus empregadores para o exercício de labor produtivo, realizando, portanto, o trabalho reprodutivo que lhes caberia, é considerado como justo detentor de direitos menores. 2.4 Agendamento e entendimento prévios para fiscalização pelo Ministério do Trabalho e Emprego No mesmo sentido de impossibilitar a efetividade das demandas judiciais está o art. 44 da LC 150/15 que, após intensos debates durante o processo legislativo, acabou por ter a seguinte redação: Art. 44. A Lei no 10.593, de 6 de dezembro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 11-A: “Art. 11-A. A verificação, pelo Auditor-Fiscal do Trabalho, do cumprimento das normas que regem o trabalho do empregado doméstico, no âmbito do domicílio do empregador, dependerá de agendamento e de entendimento prévios entre a fiscalização e o empregador. § 1o A fiscalização deverá ter natureza prioritariamente orientadora. § 2o Será observado o critério de dupla visita para lavratura de auto de infração, salvo quando for constatada infração por falta de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social ou, ainda, na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização. § 3o Durante a inspeção do trabalho referida no caput, o Auditor-Fiscal do Trabalho far-se-á acompanhar pelo empregador ou por alguém de sua família por este designado.”

Verifica-se, portanto, que é necessário que o fiscal do trabalho entre em acordo com o empregador para que possa ocorrer a fiscalização, que não dará ensejo a multas a não ser que seja este, na segunda visita, seja reincidente, cometa fraude, resista ou embarace a fiscalização. Ora, é natural que se queira proteger o ambiente familiar, considerando inclusive os dispositivos penais e constitucionais que ditam sobre a impossibilidade de violação do domicílio. No entanto, o que fez o legislador foi impossibilitar a fiscalização, uma vez que o empregador não está obrigado a se entender com o fiscal e permitir sua entrada. Ressalte-se que não previu a lei nenhuma possibilidade de dirimir o conflito quando há a existência de indícios de descumprimento da legislação e é vedada a entrada do auditor

fiscal do trabalho na residência, acabando por deixar ineficazes todos os dispositivos que poderiam ser benéficos ao trabalhador doméstico. 3 CONCLUSÃO Dessa forma, pudemos observar que a regulamentação da Emenda Constitucional nº 72/2013 pela Lei Complementar nº 150/2015, referente aos direitos trabalhistas e previdenciários dos empregados domésticos, não se traduziu em equiparação destes aos trabalhadores regidos pela CLT. Embora muitos setores da sociedade tenham comemorado como uma vitória a aprovação do projeto de lei, que em tese elevaria os direitos dos domésticos a mesmo patamar dos direitos do trabalhador comum, como vem acontecendo sistematicamente ao longo dos anos, a categoria minoritária restou prejudicada. A restrição e modificação dos institutos mais básicos do Direito do Trabalho, como é o caso das horas extras e do FGTS, demonstram claramente como o segmento do trabalho doméstico é e continuará sendo discriminado quando se trata de positivação de direitos. No caso das horas extras, a nova legislação institui uma permissão para que estas sejam pagas apenas até a 40ª hora, passando então automaticamente para o banco de horas, a ser compensado em um ano. Conforme explicamos, o instituto do banco de horas vem sendo largamente combatido, no sentido de apenas ser permitido mediante negociação coletiva, sendo inclusive objeto de diversos acórdãos e da S. 85, V, do TST. Ademais, a possibilidade de prestação de horas extras no trabalho a tempo parcial, em ideia totalmente contrária à CLT, e a retirada da exceção à impenhorabilidade do bem de família também demonstram a não equiparação e a piora nas condições laborais. Por fim, a retirada do artigo que permitia a fiscalização ampla do Ministério do Trabalho e Emprego é, ainda, mais um dos ataques ao trabalho doméstico. Por esses motivos, é possível entender que a Lei Complementar nº 150/2015, ao contrário do divulgado pela mídia, foi editada de forma a manter a exclusão dos empregados domésticos. Solução mais simples para o problema, que os incluiria no manto protetivo do Direito do Trabalho, qual seja, a retirada do parágrafo único do art. 7º da CR/88 e a revogação da Lei 5.859/72, não foi sequer cogitada.

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