A Narrativa do Fait Divers em Programas Populares de Televisão: O Caso Tribuna da Massa

Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE POSITIVO CURSO DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA

A NARRATIVA DO FAIT DIVERS EM PROGRAMAS POPULARES DE TELEVISÃO: O CASO TRIBUNA DA MASSA

CURITIBA 2010

BRUNA STEUDEL HELOISA DUDA LUCIANA NOBRE MARIANA ZARPELLON RENATA HERNANDES LOPES

A NARRATIVA DO FAIT DIVERS EM PROGRAMAS POPULARES DE TELEVISÃO: O CASO TRIBUNA DA MASSA Monografia apresentada como requisito parcial à conclusão do Curso de Publicidade e Propaganda Núcleo de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da Universidade Positivo. Orientador: Profº Alexandre Tadeu dos Santos

CURITIBA 2010

“A palavra dos homens é o material mais duradouro. Se um poeta deu corpo à sua sensação passageira com as palavras mais apropriadas, aquela sensação vive através dos séculos nessas palavras e é despertada novamente em cada leitor receptivo”_Schopenhauer. Aos nossos pais pelo apoio, carinho e incentivo em todos os momentos decisivos, aos amigos pelo entusiasmo, e ao professor Alexandre Tadeu pela dedicação e por nos fazer sempre acreditar no potencial do esforço e da leitura.

SUMÁRIO

LISTA DE IMAGENS ......................................................................................................... 5 RESUMO ............................................................................................................................ 6 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 7 2. A ESTRUTURA DO FAIT DIVERS ........................................................................... 10 2.1

FAIT

DIVERS:

UMA SÍNTESE

OBJETIVA PARA

UMA ESTRUTURA

ENGENHOSA ................................................................................................................. 10 2.2 OS CAMINHOS DO FAIT DIVERS ............................................................................ 14 2.2.1 O Fait Divers e o antigo: consolidação e êxito no jornal impresso.......................... 14 2.2.1.1 Os fatos que chocaram a sociedade e sua repercussão nos jornais .................... 22 2.2.2 O Fait Divers e contemporâneo: metamorfoses na televisão brasileira ................... 27 2.3 ANÁLISES ESTÉTICAS: O GROTESCO E A NARRATIVA DO FAIT DIVERS ...... 32 3. PROGRAMA TRIBUNA DA MASSA: UMA ANÁLISE NA PRÁTICA ..................... 36 3.1 ANÁLISES ESTRUTURAIS: DA REDAÇÃO À ESCOLHA DAS PAUTAS E À MONTAGEM DO ROTEIRO .......................................................................................... 36 3.1.1 Análise estrutural: trajetória do programa Tribuna da Massa ................................. 36 3.1.2 O programa Tribuna da Massa e a abordagem atual............................................... 38 3.1. 3 Análise de casos mostrados no programa .............................................................. 46 3.1.3.1 O caso Joselaine, o sonho de uma viúva trabalhadora ....................................... 49 3.1.3.2 O caso “Aleixo boca torta”- 05/10/10 ............................................................... 51 3.1. 4 Considerações sobre a narrativa sensacionalista .................................................... 53 4. CONCLUSÃO ............................................................................................................... 58 5. REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 61 5.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 61 5.2 WEBGRAFIA ............................................................................................................. 62 5.3 VIDEOGRAFIA .......................................................................................................... 62 6. APÊNDICES ................................................................................................................. 63 6.1 ROTEIROS DE ENTREVISTAS................................................................................. 63

6.1.1 Roteiro de entrevista para a produtora do programa Tribuna da Massa, Rosane Freire ............................................................................................................................ 63 6.1.2 Roteiro de entrevista para o apresentador do programa Tribuna da Massa 2ª edição, Adilson Arantes .............................................................................................................. 9 6.2 TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS ...................................................................... 64 6.2.1 Entrevista com Rosane Freire ................................................................................ 64 6.2.2 Entrevista com Adilson Arantes ............................................................................. 74 6.3 ANEXO DE IMAGENS .............................................................................................. 78

LISTA DE IMAGENS

FIGURA 2.1 Feuilleton du Petit Journal .......................................................................... 15 FIGURA 2.2 Macabra Coincidência. ................................................................................. 18 FIGURA 2.3 Revista Fon –Fon “Folhetins” ....................................................................... 20 FIGURA 2.4 Revista Fon –Fon “Na Calçada” ................................................................... 21 FIGURA 2.5 – O Crime da Mala. ...................................................................................... 23 FIGURA 2.6 – Varias. ....................................................................................................... 26 FIGURA 2.7 – Varias “As barbas do vizinho”. .................................................................. 27 FIGURA 3.1 – Carta sobre o cavalo. .................................................................................. 47 FIGURA 3.2 – Carta sobre o cortador de grama ................................................................. 48 FIGURA 6.1 – No rastro do mistério ................................................................................. 78 FIGURA 6.2 – 10 + 10 = 2 ................................................................................................ 79 FIGURA 6.3 – 50 tiros, 4 mortos ....................................................................................... 80 FIGURA 6.4 – Monstro é apelido ...................................................................................... 81

RESUMO

O Fait Divers é um formato narrativo que assim como o romance de folhetim, nasceu no século XIX e fez muito sucesso. Ainda hoje suas características são visíveis em muitos gêneros, formatos e narrativas . Dessa forma, procuramos investigar através desse trabalho a relação entre a narrativa Fait Divers e o discurso do programa popular Tribuna da Massa, analisando sob quais aspectos e em que medida isso acontece, relacionando também os conceitos de sensacionalismo e estética do grotesco com o objetivo de estabelecer parâmetros. O estudo será feito através de uma análise do Fait Divers ao longo da história dos meios de comunicação e, por fim, através de estudos de casos mostrados no programa.

Palavas-chaves: Tribuna da Massa, Folhetim, Fait Divers, grotesco, sensacionalismo, narrativa.

7

1. INTRODUÇÃO Pretendemos,através desse trabalho, investigar a relação existente entre programas populares como o Tribuna da Massa, programa que mistura informação com entretenimento, e o Fait Divers, gênero narrativo do século XIX. Os casos, ou “crônicas”, Fait Divers surgem na oralidade como contos e causos do dia-a-dia e passam a ser publicados nas notas de rodapé dos jornais populares, inicialmente na França. Suas principais características são a abordagem enfática e dramatizada que, através de elementos como a causalidade aleatória dos fatos o qual reporta, pode levar ao exagero e às coincidências, configurando um acontecimento misterioso. Assim, o Fait Divers não é apenas uma notícia comum – é um fato curioso, inexplicável, e devido a isso leva à busca pelas respostas em suposições, crenças e no destino. Dessa forma, a linguagem do Fait Divers é inerente não só ao mundo factual, mas também ao ficcional. Portanto, procuraremos estudar a relação entre a linguagem do programa Tribuna da Massa, o qual mescla em sua narrativa o factual e o ficcional através de uma linguagem enfática, e o formato Fait Divers.(tirara palavra folhetinesco) O programa Tribuna da Massa apresenta um gênero misto de notícias policiais, atenção à comunidade e interação, além de outros quadros com conteúdos diversos os quais englobam curiosidades ocorridas na cidade de Curitiba, Região Metropolitana e em alguns casos no Paraná. Possui também caráter comunitário, de prestação de serviços, atendendo às necessidades da população. Procura trazer informações úteis à comunidade com os principais temas da cidade, com especial atenção para os bairros populares. Há também os quadros “Palco do Povo” e “Gente procurando Gente”. Serão estabelecidas comparações entre a narrativa do Fait Divers e a do programa, começando pela descrição do Fait Divers, de sua estrutura, características, origens, propagação para os principais meios de comunicação e adaptação às diversas linguagens, bem como uma análise de suas características segundo a estética do grotesco. Descreveremos esse caminho ao longo da história do jornal impresso, exemplificando através de notícias que causaram polêmicas devido ao seu conteúdo (como crimes, curiosidades, mortes e milagres) em jornais como o Commércio do Paraná, e O Diário da Tarde de 1918, entre outros que serão mencionados. Serão feitas também análises comparadas com manchetes do jornal local Tribuna do Paraná, o qual segue a mesma linha do programa Tribuna da Massa, para exemplificar como a narrativa do Fait Divers se insere no contexto atual dos jornais impressos.

8

Paralelamente, um formato semelhante, o romance de folhetim, será também estudado, sob a mesma ótica, contextualizando historicamente e investigando as principais características que fizeram dessa forma de narrar uma linguagem de tanto sucesso, através de imagens e textos da revista de variedades Fon-Fon do ano de 1908. Após descritos em suas qualidades, analisaremos de que maneira os dois formatos se relacionam, estabelecendo pontos em comum, como o discurso melodramático, entre outros pontos fundamentais para o entendimento da propagação e adaptação de tais narrativas. Partiremos então para uma análise do Fait Divers no rádio, mostrando características da linguagem de programas populares como “Aqui Agora” de Gil Gomes para exemplificar em que formatos radiofônicos a narrativa do Fait Divers se insere, e quais elementos se assemelham ao Tribuna da Massa, passando pela linguagem folhetinesca através das novelas e dos programas de auditório da rádio Mayrink Veiga. Passando para o gênero televisivo, serão analisados dois formatos: a telenovela e o telejornal, descrevendo momentos decisivos de cada um e analisando em quais deles as narrativas folhetinescas se fazem presentes. Um exemplo disto é a telenovela “Beto Rockefeller” de Braulio Pedroso, a qual inaugurou o gênero romântico realista para ilustrar o modelo ficção-realidade. Serão mencionados também programas como “O real e o sobrenatural” com o mesmo objetivo de contextualizar o Fait Divers e a narrativa ficçãorealidade nos programas atuais da televisão regional. Para realizar estas comparações, partiremos do pressuposto de que o Fait Divers, o romance folhetinesco e o melodrama se misturaram ao longo do tempo, segundo a teoria de Sonia Maria Lanza, permeando diversos outros gêneros e formatos, como a programação televisiva, a ponto de formatos ficcionais como a telenovela tornarem-se mais realísticos, de forma semelhante ao folhetim: o romance da vida, e formatos jornalísticos se tornarem ficcionais, semelhantes ao Fait Divers: a vida romanceada. No segundo capítulo serão feitas três análises, uma através do estudo de quatro casos mostrados no programa em forma de pauta, outra através de uma entrevista realizada com a produtora da emissora Rede Massa, Rosane Freire, sobre a estrutura do programa Tribuna da Massa e a terceira através do acompanhamento da gravação do programa durante uma edição. Na primeira análise faremos um pequeno estudo de caso de três pessoas que fizeram pedidos pessoais ao programa através de cartas e foram ajudadas, e um quarto estudo sobre uma notícia polêmica mostrada pelo programa. Dois dos estudos de caso serão baseados

9

somente nas cartas e os outros dois em vídeos produzidos, mostrados respectivamente nos dias 30/09/2010 e 04/10/10, contando a história dessas pessoas. O primeiro vídeo analisado é documental e retrata a história de Joselaine, a autora da carta, a qual pede a ajuda do programa para conseguir uma máquina de crepes para poder trabalhar. O segundo vídeo analisado se trata de uma matéria retratando o caso de “Aleixo boca torta” o qual gerou muita polêmica em torno de seus crimes e foi retratado também no jornal Tribuna do Paraná. Através das cartas procuraremos mostrar a relação de proximidade entre o programa Tribuna da Massa e os telespectadores, legitimando o conceito de programa popular e voltado à comunidade. Já através dos vídeos, procuraremos analisar a abordagem dada aos casos mostrados, assim como as características discursivas usadas para construir o conteúdo, esclarecendo quais delas se assemelham à narrativa do Fait Divers e ao sensacionalismo, partindo do pressuposto de que este formato utiliza em seu discurso o Fait Divers e a linguagem folhetinesca. Em seguida, será feita a entrevista para responder a perguntas relacionadas ao programa: como os assuntos priorizados pela redação, à realização das pautas, o discurso, o público do programa, à abordagem dada pelos apresentadores ao conteúdo, entre outras questões relevantes. Através dessas perguntas será possível definir com mais clareza o gênero do programa, que se caracteriza por um mistura de ficção e realidade, mas que necessita de um esclarecimento mais criterioso, para só então, analisarmos as características narrativas do programa, sob quais aspectos se assemelham à linguagem do Fait Divers e,conseqüentemente, ao sensacionalismo. Por

fim,

através

do

acompanhamento

de

um

dia

de

gravação

do

programa,analisaremos na prática questões como o roteiro, a ordem das matérias e das inserções publicitárias, a interpretação dos apresentadores ao vivo, entre outros elementos que constroem o discurso. Dessa forma, poderemos analisar também quais desses elementos estão enraizados na narrativa do Fait Divers e de que forma eles atendem a proposta do programa.

10

2. A ESTRUTURA DO FAIT DIVERS

2.1

FAIT

DIVERS:

UMA SÍNTESE

OBJETIVA PARA UMA ESTRUTURA

ENGENHOSA

Partindo do estudo de caso do programa de gênero popular Tribuna da Massa, o qual oferece uma programação variada de notícias policiais e do cotidiano, interatividade com o público e atenção à comunidade, podemos estabelecer uma comparação entre sua narrativa melodramática e o Fait Divers, forma narrativa de muito sucesso entre os leitores de folhetins no século XIX. Entre suas principais características estão: a abordagem romanceada e dramática, a causalidade aleatória (que muitas vezes leva ao exagero e às coincidências), além dos fatos misteriosos, que podem levar uma interpretação através de significados criados por meio de crenças e suposições míticas ou do destino. Assim, partimos do pressuposto de que a abordagem e os temas apresentados no programa se assemelham à narrativa do Fait Divers. Fala-se hoje em Fait Divers como um gênero que sempre existiu, um conceito que naturalmente se explica na medida em que pensamos em sua estrutura tão peculiar, por isso, é importante buscar suas origens para que seja apropriadamente delineado em sua totalidade. Segundo Meyer (1996, p. 98) sobre a origem do o Fait Divers: Surgiu em Le Petit Journal em 1836 e não consta que tivesse sido utilizada anteriormente. Até então, falava-se, como diziam Balzac ou Nerval, de “canards” ou de “fait Paris”, ou de “nouvelles” (...) O conceito de Fait Divers não se impõe portanto per si. É uma noção aproximada que deve ser manejada com cautela (...) assim, “a expressão Fait Divers não designa portanto somente uma atividade de distribuição das notícias entre a rubricas de um jornal, ou um tipo de informação, mas também, com uma conotação explicitamente pejorativa, uma categoria particular de acontecimentos”.(MEYER, 1996, p.98).

Pode-se começar a entender o Fait Divers a partir da oposição entre o nomeado e o inominado, pois como afirma Barthes (2009, p. 215), tal estrutura “só começaria a existir onde o mundo deixasse de ser nomeado, submetido a um catálogo conhecido (política, economia, guerras, espetáculos, ciências, etc)”, estabelecendo dessa forma, uma oposição em relação às notícias formais, classificadas dentro de um padrão temático, e que por conseqüência obedecem a uma estrutura coerente com o conteúdo. Assim, o Fait Divers, trata de temas generalizados, ou diversos, sem obedecer a uma ordem de conteúdo, mas seguindo

11

uma estrutura própria. Tal estrutura se caracteriza por um ciclo fechado, que segundo Barthes (2009, p. 216) “é uma informação total, ou mais exatamente, imanente, contém em sim todo o seu saber: não há necessidade de conhecer nada do mundo para consumir um caso do dia, ele não remete formalmente para outra coisa que não seja ele próprio”. Entende-se por isso que o Fait Divers não se desenvolve em forma de série, é único pois encerra onde começa, sem deixar qualquer tema que precise ser entendido ou desenvolvido fora de sua estrutura única. Em oposição a ele está a notícia política, caracterizada por fragmentos de romance os quais necessitam da continuidade para serem compreendidos. Como diz Barthes (2009, p. 216)

[...] o assassinato que escapa ao caso do dia sempre que é exógeno, vindo de um mundo já conhecido, pode-se então dizer que não tem estrutura própria suficiente, por que ele nunca é senão uma termo manifesto de uma estrutura implícita que lhe pré-existe: não há informação política sem duração, porque a política é uma categoria transtemporal , o mesmo acontece com todas as categorias vindas de um horizonte nomeado, de um tempo anterior. (BARTHES, 2009, p. 216)

O conteúdo do Fait Divers também obedece a uma estrutura. Ele constrói, por sua vez, a relação entre dois termos, ou seja, a informação é desdobrada em dois pontos principais, gerando uma problemática. Essa relação quase sempre pode ser quantificada, de modo que ao leitor, cause comoção e dramaticidade. Segundo Meyer (1996, p.99)

[...] é uma narrativa construída sobre uma relação que visa provocar espanto, e este nasce da estrutura própria ao Fait Divers, que parece sempre se enquadrar em dois tipos, diz Barthes: uma causalidade anormal, inesperada, ligeiramente aberrante ou uma relação de coincidência. (MEYER, 1996, p.99)

Essas relações podem, por repetição, gerar significado ou então levar ao exagero que, nesse caso, como diz a autora “cria um universo mítico que acredita em uma inteligência escondida, em outras palavras, num Destino”. A partir dessa afirmação é possível especular sobre a relação entre tal estrutura e o grotesco 1, uma vez que para Sanchez Vasquez apud Hoffman (2002, p. 287) “O homem prefere o pior dos terrores a explicar aquilo que, em sua opinião, pertence ao mundo dos fantasmas, de modo algum quer satisfazer-se com o nosso universo, deseja ver algo que dependa do outro mundo, capaz de manter-se sem a meditação do corpo”.

1

De acordo com Muniz Sodré e Raquel Paiva (2004, p. 25) “trata-se da mutação brusca, da quebra insólita de uma forma canônica, de uma deformação inesperada.”. Ao longo do estudo o termo “grotesco” será melhor explorado de acordo com as narrativas analisadas e seus meios de comunicação.

12

Ainda em “Convite a Estética” (2002, p.288) analisando o grotesco em Os Elixires do Diabo, Vasquez diz “não faz mais que potencializar a estranheza e o mistério da existência humana, ali onde a realidade se perde” No entanto, a relação de causalidade não é o único fator responsável para que as significações sejam construídas. Em muitos casos em que esta já é esperada e de certa forma considerada normal, o fator significante gerador de um suposto significado se transfere para o que se pode chamar de dramatis personae, ou as essências emocionais que comportam e vivenciam os estereótipos, de forma que o Fait Divers jamais deixa de provocar uma reação de espanto e de ligação com o sobrenatural. Outra característica resultante dessa estrutura causal é a efemeridade, ou seja, o Fait Divers devido ao seu conteúdo auto-explicativo, resoluto em apenas uma publicação não resiste ao tempo. Isso acontece porque o fator gerador do conflito não é concreto, espera-se uma causa e aparece outra, legitimando mais uma vez a anormalidade ligeiramente aberrante, que ressalta também o poder dos estereótipos presentes na trama. Assim, afirma Barthes (2009, p.220): “um crime sem causa é um crime que se esquece: o caso do dia desaparece então, precisamente porque na realidade sua relação

fundamental se extenua”.

Paradoxalmente à sua efemeridade está o curioso fato de que o Fait Divers nunca envelhece, com o passar do tempo seu formato foi se adaptando a diversos meios de comunicação, sem nunca deixar de existir e saciar as massas com seu conteúdo melodramático. Assim como afirma Meyer (1996, p. 99) É interessante notar que, num jornal, a página de Fait Divers é a única que não envelhece. Se é impossível, hoje, ao ler um jornal antigo, compreender algum fato político sem recorrer ao contexto (...) a leitura de um Fait Divers ainda pode, cem anos depois, causar os mesmos arrepios ou espanto (MEYER, 1996, p.99)

Intrínseco à relação estrutural está o elemento que pode-se chamar de “surpresas do número”, fator responsável pela possibilidade de quantificar a causa. Assim, entende-se que quanto menor e menos explicado for o acontecido maior serão os efeitos, como exemplifica Barthes (2009, p. 220)“Uma estudante americana tem de abandonar os estudos: o seu peito (104 cm) provocava galhofa” (...)“Um comboio descarrilha no Alaska: um veado tinha bloqueado a agulhagem”.

13

Essa relação de causalidade e quantificação da causa pode ser observada em manchetes de jornais populares como Tribuna do Paraná2, o qual segue a mesma linha do programa Tribuna da Massa, e utiliza os mesmos recursos de linguagem para construir uma abordagem dramática e folhetinesca em torno das notícias. Um exemplo e descrito através da manchete da figura 6.2, anexo 6.3 da página 79 que diz: “10+10=2” (dez minutos mais 10 tiros igual a 2 mortos), que através dos números, além de quantificar o crime, superdimensiona a fatalidade e a gravidade da situação, com a possibilidade de poder mensurar o acaso. Esses casos mostram que a banalidade de um acontecimento não diminui seu efeito, pelo contrário, amplia as conseqüências induzindo à construção de significados indiciais onde aparentemente não havia, evidenciando a potencialidade do Fait Divers para acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar. Contudo, a construção sígnica não se dá apenas pela causalidade ou pela quantificação de seus efeitos. Há outros dois fatores responsáveis pela articulação da estrutura e interpretação em sua totalidade: a coincidência e a repetição, como já mencionados anteriormente. A coincidência para Barthes é nada mais que a repetição de um acontecimento, e pode acontecer através da aproximação de dois temas distantes ou então da relação de questões improváveis e uma mesma problemática, de modo que acabam atreladas a um percurso único e paradoxal, de tal modo que, em muitos casos, ela inverte a situação ao trocar estereótipos de lugar, como exemplifica Barthes (2009, p. 223) “em Little Rock chefe de polícia mata a mulher” (...) “Há não só um assassinato, mas também esse assassino é o chefe da Polícia: a causalidade inverte-se em virtude de um desenho exatamente simétrico” Esse tipo de trama tem suas raízes na tragédia grega - era o que chamamos de cúmulo: expressava uma situação de má sorte que, assim como o Fait Divers, acontecia por um acaso neutro, necessitando da construção de um significado no qual está implícito a idéia de destino. Então , nota-se que a coincidência apesar de ininteligível (nas palavras de Barthes), não é de forma alguma infundada - ela se justifica exatamente na aleatoriedade da causa, que assim ordena a coincidência. Muito além da tragédia ou então da própria literatura, o Fait Divers permeia muitos meios e linguagens de tal forma que se define por uma “arte das massas”, pois se antecipa em buscar na sociedade as ambigüidades de gênero necessárias para a construção de signos e, 2

Ver figuras 2.2, 6.1, 6.3 e 64 nas páginas 18, 78, 80 e 81 respectivamente. Títulos retirados do

site: http://www.parana-online.com.br/. Acessado em: 28/09/2010.

14

consequentemente, de uma cultura. Acerca dessa consideração, Barthes diz que o homem, através do Fait Divers, apóia-se em uma cultura, pois qualquer sistema de significação expressa uma cultura. Assim, paradoxalmente na medida em que a preenche de signos, preenche de natureza, já que o sentido conferido aos acasos do Fait Divers não é resultante de um processo puramente racional, mas sim especulativo, partindo de pressupostos do campo do inexplicado, do mítico e das crenças.

2.2 OS CAMINHOS DO FAIT DIVERS 2.2.1 O Fait Divers e o antigo: consolidação e êxito no jornal impresso

Na medida em que a estrutura do Fait Divers se consolidou (através de um fator decisivo para seu sucesso através do tempo – o fato curioso), este passou a se adaptar a outros meios de comunicação e eternizar o modelo de narrar nascido no século XIX com o romance folhetinesco. Dessa forma, pode-se dizer que tal narrativa conquistou as massas oferecendo uma gama de paradigmas sentimentais, como acrescenta Lanza em seu artigo “Jornalismo: da origem folhetinesca à folhetinização da Informação”: “O melodrama é a referência de identificação imediata entre as narrativas e o leitor, é a catarse necessária” ao processo que Silvia Oroz3 (1999, p.13) chama de „educação sentimental das massas‟. O melodrama, no entanto, não esteve sempre vinculado ao folhetim. Veio como forma de narrar posterior à tragédia grega para, só então, permear com o tempo os meios de comunicação. Devido à sua estrutura simples, priorizava enredos sentimentais, temas maniqueístas como o bem e o mal e a busca pela justiça e a virtude. Dessa forma que o leitor pudesse tornar a vida romanceada, e assim, deixar a banalidade da rotina para outras narrativas. Pode-se dizer acerca disso que melodrama teve um papel decisivo no romance folhetinesco e, mais tarde, no Fait Divers. O romance contribuiu para que a tiragem dos jornais aumentasse e assim se tornassem veículos de massa. Através da estratégia comercial de fragmentar a trama em pequenos capítulos para criar suspense, fazendo com que os leitores – a fim de saber o final da história – continuassem a comprar jornais, o folhetim se consolidou e,junto com seu sucesso, a tradição do formato narrativo melodramático. 3

Segundo Sonia Maria Lanza p.03

15

Somente depois de consolidado o romance é que surge então o Fait Divers, por volta de 1850 na França, com a volta dos folhetins após a proibição por Napoleão, fazendo concorrência ao primeiro modo de ficção, como afirma Lanza apud Meyer (1996, p. 264) “É chegada a hora em que melodrama, fait divers, folhetim se entrelaçam numa „democratização‟ do crime e dos criminosos” Com o nascimento do Le Petit Jornal (figura 2.1) em 1836, começa a moda dos jornais populares e de baixo custo que, logo após se consolidar entre os franceses, lançou uma segunda edição voltada apenas para folhetins e Fait Divers (esse ilustrado nas capas chamativas e coloridas), chamada Nouvel Illustré. Assim, através do Le Petit Journal, o termo Fait Divers é batizado como tal, já que anteriormente era designado como conard, chronique ou então como nouvelle. Ao passo que vai se tornando cada vez mais popular, o Fait Divers extrapola os limites da nota de rodapé e começa a aparecer em páginas inteiras, nas capas dos folhetins e nos muros da cidade de Paris ao lado de reclames e cartazes além dos illustrés (jornais ilustrados e recreativos), em jornais femininos como o Petit Écho de La Mode e até mesmo em revistas católicas como a Veilée des Chaumières.

FIGURA 2.1 – Feuilleton du Petit Journal . Exemplo de romance de folhetim no jornal Le Petit : As Histórias Extraordinárias. Edição de 01/01/1864.

Atravessando os mares, em 1838 é conhecido o primeiro registro de um ensaio do gênero folhetinesco no “Jornal do Comércio do Rio de Janeiro por Alexandre Dumas: O Capitão Paulo’’. Aos poucos, a estrutura das edições vai sendo modificada conforme o crescente consumo de ficção no Brasil, como acrescenta Meyer (1996, p. 283) “E enquanto

16

continuam se sucedendo listas de antigas “moderníssimas novelas”, no rodapé do jornal vão se sucedendo as fatias de romance-folhetim traduzidas dia após dia do francês, introduzindo angústia e suspense com o fatídico “continua-se”. Em 1844 chegam finalmente, em português, às notas de rodapé Os Mistérios de Paris de Eugene Sue, aumentando gradativamente a quantidade das notas, ocupando a extensão de todas as colunas do jornal, até que se esgotasse a tiragem do jornal, a ponto de leitores colocarem reclames e cartazes nos muros a fim de comprar edições que não possuíam. Surge então em 1875, em oposição ao Jornal do Comércio, a abolicionista Gazeta das Notícias, através da qual ficaram conhecidos grandes nomes da literatura brasileira como Eça de Queirós, Machado de Assis, Ramalho Ortigão, entre outros. Por volta de 1877 o folhetim vai para as primeiras páginas, seguindo o modelo do jornal inglês Times. Mais tarde, em 1891, surge um novo jornal, de cunho político, mas que também possuía suas notas de rodapé, conforme os leitores estavam acostumados. Em meados do século XX começam a aparecer no Brasil as narrativas jornalísticas parecidas com as estruturas norte-americanas, que utilizavam o lead, uma linguagem clara, objetiva e com enunciados mais referenciais. Assim, cria-se uma mistura de narrativas, gerando uma terceira, própria à imprensa brasileira, como acrescenta Lanza Apud Lage, (1985, p. 07) O jornal moderno vai tentar combinar esta estrutura norte-americana à fórmula folhetinesca e cria a “folhetinização da informação”. Essa forma de apresentar tornou muito tênue a fronteira entre a imprensa marrom e os jornais “sérios”. Uma informação que apazigua e suscita a curiosidade de um público que gosta do excesso melodramático, além das técnicas do folhetim: fragmentação/corte que mantém a expectativa no leitor e faz desse processo uma técnica mercadológica. (LAGE, 1985, p. 07)

Assim, segundo Lanza, pode-se interpretar a relação próxima entre o Fait Divers e a folhetinização da informação, sendo ambas de narrativa rápida, através de um registro melodramático. Dessa forma que, a partir da modernidade, pode-se falar de um sincretismo ou hibridismo 4 das formas de narrar, fazendo de várias uma só, mesclando ficção e realidade, permeando e se adaptando aos meios de comunicação. 4

“O encontro de elementos culturais diversos em um mesmo espaço gera o que autores como Canclini (2000, p.19), Burke (2003, p. 39) e Gruzinsky (2001, p. 161) denominam hibridização ou hibridação. A tradução de elementos de um espaço cultural para outro acontece através da eliminação ou enfraquecimento das fronteiras. Quando se atenuam as diferenças entre elementos culturais distintos, obtém-se um terceiro elemento, híbrido, que conserva as características de cada um daqueles que contribuíram para sua formação.” (GABRIELLI E HOFF, 2006 p.8)

17

“No jornalismo, o espetáculo do sincretismo da realidade-ficção tem a fisionomia do fait divers (...) Os fait divers, com alta carga de emoção e de conflito, se nutrem dos mesmos ingredientes usados para homogeneizar as mensagens da indústria cultural” Rezende (2005 p. 06) Acerca dessa afirmação, podemos refletir rapidamente sobre a propagação dessa forma de construir as notícias em exemplos contemporâneos. São muitos os exemplos, mas de forma alguma todos têm a mesma postura. Já o jornal impresso Tribuna do Paraná, (sobre o qual fale-se em tom de ironia, “torce o papel e escorre sangue”) mescla uma narrativa semelhante ao Fait Divers, somada a uma abordagem melodramática e folhetinesca, explorando casos rotineiros como mortes, assassinatos entres outros acontecimentos populares e muitas vezes “anônimos”, que não entram na pauta dos jornais comuns. No exemplos abaixo é possível conferir essa analogia através do estudo da manchete e imagens e da escolha das palavras – que apelam para o sobrenatural – e para o impactante. Na manchete de julho de 2006 intitulada “Macabra Coincidência” (figura 2.2 página 18) a forma narrativa e os termos utilizados podem ser facilmente associados às características que definem o Fait Divers e à linguagem dramática do Folhetim. Outros exemplos de manchetes, anexados (apêndices), também ilustram essa relação, tais como “No rastro do mistério” (figura 6.1 página 78) de abril de 2008, que além da própria manchete altamente folhetinesca, traz na parte superior uma pequena curiosidade dizendo “fazendeiro troca esposa por cabra, pois reclama que sua mulher não podia dar lhe filhos”, através da qual podemos ver novamente a relação causal imprevisível que a estrutura do Fait Divers descreve. Na outra manchete (figura 6.2 página 79) “10+10=2”, também do mesmo mês e ano, e “50 tiros, 4 mortos” (figura 6.3 página 80) de janeiro de 2009, é possível reconhecer a “surpresa dos números” responsável por quantificar a causa, a relação com o sobrenatural, a coincidência, e a causa e efeito inesperados, conforme definição de Barthes sobre o Fait Divers, citada anteriormente na página 10.

18

FIGURA 2.2 – Macabra Coincidência. Capa do Jornal Tribuna do Paraná de 05/05/2006.

19

Em 1925, o Jornal do Comércio de São Paulo inaugura outro rodapé destinado a crítica literária, e o Correio Paulistano, jornal que apoiava o Partido Republicano Paulista, publicava diariamente uma coluna intitulada “Fatos Diversos”, que noticiava assaltos, crimes, suicídios, entre outros casos “não ligados a pessoas de destaque”, nas palavras de Meyer (1996, p. 364). É importante frisar também que, mesmo se tratando da década de vinte, com toda a divulgação e rebuliço feitos pelo modernismo e pelo que se chamava então de futurismo, o folhetim jamais deixou de ocupar a nota de rodapé, bem como é notável a mistura entre o “mau gênero”, ou o gênero popular junto à literatura considerada culta, em todos os tipos de jornais, ao contrário do que aconteceu na França, onde apenas jornais populares publicavam folhetins e Fait Divers. Só então a partir da década de trinta, época em que o Brasil passa por um surto editorial, é que os romances de folhetim saem dos jornais, de revistas como a famosa Fon-Fon5 e dos fascículos, para serem publicados em livros através de editoras “sérias ou não sérias” de modo que o folhetim deixou aos poucos de existir no jornal, mas não na vida dos brasileiros. Enquanto que o legado deixado pela forma de narrar folhetinesca, somado à influência norte-americana, permanecem até hoje nas imprensas nacionais e na forma de compreendermos uma notícia.

5

Revista Fon-Fon – Fundada em 1907 no Rio de Janeiro, como conteúdo trazia notícias do cotidiano e curiosidades, anúncios e costumes da sociedade na época. Ver figuras abaixo, páginas 20 e 21.

20

FIGURA 2.3 Revista Fon –Fon “Folhetins”. Publicada em 1908.

21

FIGURA 2.4 Revista Fon –Fon “Na Calçada”. Publicada em 1908.

22

A edição de janeiro de 1908 (figura 2.3), é um exemplo de como a revista trazia não só os próprios romances de folhetim em si, mas toda a narrativa da revista, desde notícias políticas até curiosidades, carregadas da linguagem folhetinesca. Nesse recorte abaixo, podemos ver uma coluna explicando a paixão das mulheres pelos romances de folhetim. “As senhoras, na sua maioria, só lêem as secções mundanas, o Binóculo e todas, sem exceção, morrem de amores pelos folhetins. E quanto mais violento, mais cheios de trágicas peripécias, mais o folhetim as absorve”. (FON-FON, ano II, n 39,1908). É interessante notar que, na edição da revista Fon-Fon de número 41 (figura 2.4), do mesmo ano (1908), há uma nota falando sobre a invasão das notas “mundanas” nos jornais e revistas da época, citando também a famosa coluna intitulada Binóculo, voltada para as cenas corriqueiras da sociedade na época, incluindo curiosidades e fofocas.

2.2.1.1 Os fatos que chocaram a sociedade e sua repercussão nos jornais

A exemplo do espaço que os contos e causos do dia-a-dia ganharam na vida pública, podemos citar crimes que, devido à importância adquirida, com o tempo geraram na sociedade um imaginário de superstições, milagres e misticismos em seu entorno, como por exemplo “ O Crime da Mala”6, acontecido em 1928, no qual o italiano José Pistone estrangulou sua esposa, Maria Féa, e a colocou em pedaços dentro de uma mala que embarcaria em um navio para a França. Na época, o crime chocou a sociedade principalmente porque não se ouvia falar em atrocidades do gênero, já que, as jovens capitais brasileiras não tomavam as atuais proporções populacionais, e seus habitantes não estavam acostumados a tais acontecimentos. Assim, algum tempo depois da descoberta do crime, o corpo de Maria foi devidamente enterrado em um cemitério, mas não demorou para que os visitantes começassem a atribuir a ela poderes milagrosos, conforme acrescenta Prado. A respeito desse túmulo, não se sabe como, a mártir, era milagrosa! O boato espalhou-se. E muita gente começou a ir acender velas no túmulo, a princípio isoladamente, depois em grupos, e afinal, em verdadeiras romarias” (...) “Maria Fea Pistone faz realmente milagres? __ e diante do novo mistério, agora sobrenatural, todos se calam respeitosamente, pois esta é uma resposta que não cabe aos homens darem. (PRADO, 1985, p. 153)

6

“O Crime da Mala” XAVIER Valêncio. Crimes à Moda Antiga (2004, p. 139). PRADO Ézio, Gil Gomes- O menino que sonhava com o rádio (1985,p.140). Ver figura página 23.

23

FIGURA 2.5 – O Crime da Mala.

24

O caso de Maria Fea foi ganhando espaço em quase todos os jornais de São Paulo e Rio de Janeiro, com maior destaque no Notícias Populares, jornal de cunho folhetinesco, chegando até a inspirar um filme, “O Crime da Mala” por Francisco Madrigano, e um episódio do programa Linha Direta em 2005. Mas o elemento curioso não foi o crime em si, mas o fato de Maria Fea ter se tornado um mártir após a morte e, seu túmulo, uma representação de entidade sobrenatural, que assim como afirma Prado (1985,p.153) um mistério diante do qual todos se calam respeitosamente pois não são capazes de explicá-lo. Assim, é possível ponderar a respeito desse fenômeno de acordo com estudos sobre a origem da superstição. Segundo Pereira apud Espinoza em Ciência e Vida – Filosofia (ano I n 05), a superstição é baseada em um preconceito, ou seja, um raciocínio sem um argumento que o sustente. Assim, para que a superstição se estabeleça como uma visão completa sobre a vida, ela deve ser baseada em dois aspectos: a transcendência e o medo. No entanto, esta visão completa surge de um processo natural, pois o ser humano só adquire conhecimento aos poucos, assim como o processo de significação. O problema acontece quando esse processo de significação encontra explicações sem fundamento para a vida como um todo, neste momento se configura a superstição. Entende-se por medo um sentimento que não só é gerado pela superstição, mas também, na mesma proporção, a gera. Dessa forma, o sujeito precisa encontrar uma resposta reconfortante que ao mesmo tempo anula e nutre o sentimento de medo pois, sem ele, a crença não se sustenta. Através dessa afirmativa, estabelece-se uma ponte entre o significado da superstição e da estética do grotesco. Não se pode dizer ao certo de que forma se relacionam, em que casos se vinculam, já que o grotesco pode, na maioria dos casos, conter elementos de construção sígnica que apelam para o sobrenatural, mas a superstição nem sempre está vinculada ao grotesco. De qualquer modo, esta relação passa a existir quando elementos provenientes da situação absurda, interpretada como “o acaso”, gera significados como o apelo ao sobrenatural, igualmente infundados. Assim, ainda nas palavras de Pereira, “tais acontecimentos do acaso são atribuídos às coisas incógnitas, que estão fora da compreensão humana (...) Uma pedra cai na cabeça de alguém e o mata . A razão aposta no acaso, já a superstição vai dizer que a pedra caiu para matar esse homem.” A partir disso ela conclui que a noção de acaso é estranha à mente humana e resistimos a aceitá-la até mesmo em situações improváveis, como, por exemplo, nos jogos de azar que, mesmo não podendo controlá-los, criamos métodos e estratégias para guiar a situação.

25

Baseado nessa idéia, é possível compreender melhor, ou até tentar elucidar o porquê, casos como o de Maria Fea tanto fervor causaram e ainda causam na sociedade e na imprensa, ainda que este não tenha sido o primeiro “crime da mala” acontecido no Brasil. O primeiro caso aconteceu em 1908 7, surpreendentemente semelhante ao caso de Maria, do mesmo modo o autor do crime, Miguel Trad, tentara embarcar a mala com a pessoa esquartejada em um navio e fora descoberto, gerando também muita polêmica nos jornais e inspirando o filme “A Mala Sinistra” de Antonio Leal. Outro caso de grande repercussão nos jornais foi o “Crime de Cravinhos” ou “ O Crime da Rainha do Café”8 em 1918 envolvendo uma fazendeira muito rica, conhecida como dona Íria em uma briga pelas terras do café. Na época, o caso foi fielmente reportado no jornal O Estado de São Paulo e, por sua vez, também inspirou um filme“O Crime de Cravinhos”, produzido por Gilberto Rossi, Arturo Carrari e pelo delegado do caso, Fiorini Silva. Na cidade de Curitiba também ouviu-se falar de casos curiosos. Um dos mais chocantes foi o de uma dupla de gângsteres9 que praticava roubos e assassinatos tanto na capital paranaense quanto em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, na década de 30. Os imigrantes Rudolph Kindermann e João Papst seguiam com suas trapaças até o momento em que a mulher de Rudolph, Martha Schamedeke, resolve entregá-los à polícia. Enquanto os dois comparsas esperavam o julgamento na Penitenciária do Ahú, organizaram um motim e assim começam uma revolta no dia 17 de maio de 1931. O episódio ficou conhecido como “A Revolta do Presídio” e inspirou um filme de mesmo nome, dirigido por Wallace Berry. O caso também foi reportado na Gazeta do Povo e no jornal Correio do Povo de Porto Alegre. O elemento curioso desse caso se concentra em uma personagem “mística” que ajudou a desvendar o mistério da identidade dos criminosos, a senhora Rosa Angliosi, na época conhecida por “Ceguinha”. Diziam que previa ao futuro em cartas mágicas e, para tentar esclarecer o caso, um repórter do Correio do Povo foi até ela. Dois meses após o ocorrido , os criminosos estavam presos, exatamente como previsto pela vidente. Assim como no Crime da Mala, novamente o mistério toma conta de uma notícia corriqueira e trás à tona as crenças e as superstições para eternizar fatos históricos curiosos,

7

8

“A Mala Sinistra”. XAVIER Valêncio, Crimes à Moda Antiga (2004, p.69)

“O Crime de Cravinhos ou O Crime da Rainha do Café”. XAVIER Valêncio, Crimes à Moda Antiga (2004, p.91) 9 “Gângsteres em um País Tropical”. XAVIER Valêncio, Crimes à Moda Antiga (2004, p. 157)

26

configurando um quadro no qual os meios de comunicação, as superstições e o absurdo se mesclam e convergem para uma mesma finalidade:especular o acaso. Outro fenômeno que por volta de 1918 repercutia nos jornais curitibanos O Commercio do Paraná e O Diário da Tarde, eram os óbitos causados pela Gripe Espanhola e as novidades da cidade, ainda provinciana. É interessante observar que, da mesma forma como os jornais de outras capitais, os jornais locais também comportavam suas colunas de variedades, fofocas, Fait Divers e linguagem folhetinesca. Um exemplo disso é a nota de rodapé intitulada VARIAS10 do jornal Commércio do Paraná, que noticiava óbitos e curiosidades locais.

FIGURA 2.6 – Varias.

10

Ver O Mez da Grippe (1998, p 28, 50) Valêncio Xavier. Ver figuras, páginas 26 e 27.

27

FIGURA 2.7 – Varias “As barbas do vizinho”.

2.2.2 O Fait Divers e contemporâneo: metamorfoses na televisão brasileira

Assim como no jornal impresso e na rádio, o Fait Divers presente na narrativa televisiva passou por um processo de hibridização, mesclando-se a outras narrativas e discursos e adaptando-se ao meio para passar sua mensagem: “seja como a vida romanceada, essência do fait divers, ou romance da vida, típico na narrativa folhetinesca hoje travestida como telenovela, o sincretismo da realidade e da ficção preserva a sua vitalidade na televisão brasileira.” (REZENDE: 2005, p. 01). Como afirma Sodré, a televisão expropriou o rádio de seu público [...] os programas humorísticos da TV-Rio (Canal 13) muito populares entre 19551962), foram literalmente copiados da Mayrink Veiga(...) a Globo apropriou-se manifestadamente da „gramática‟ de produção da rádio, concentrando-se ( além de filmes de longa-metragem dublados) em dramalhões folhetinescos (telenovelas) e programas de auditório(...) Na televisão, o auditório passou a exercer a mesma função que lhe garantia o grande sucesso na rádio: recriar a espontaneidade das festas e dos espetáculos públicos (...) e ao mesmo tempo, manipular os conteúdos „popularescos‟, pondo-os a serviço da competição comercial/publicitária pelo mercado de audiência. (SODRÉ, 2004, p. 114 e 115),

28

Sob esse ponto de vista, o telejornalismo hoje em dia não mais apresenta a informação de forma simples e imparcial mas, como afirma Rezende, encena a notícia com alta carga de emoção e conflito, características pertencentes aos Fait Divers e ao mesmo tempo ingredientes usados para homogeneizar a indústria cultural: “a cultura de massa é animada por esse duplo movimento do imaginário arremedando o real e do real pegando as cores do imaginário” (REZENDE, Apud MORIN, 2005 p.05). Assim, “o telejornalismo no Brasil se organiza como melodrama, para através da oferta do espetáculo “como se fossem produtos de puro entretenimento” criar “vinculo afetivo”, como afirma Rezende Apud Bucci, (2005, p.06). No entanto, estas características presentes no telejornalismo não surgiram diretamente na linguagem televisiva, pode-se dizer que foram influenciadas por elementos do gênero radiofônico. Assim, como afirma Sodré (2004, p. 114 e 115) a televisão se apropriou dos conteúdos popularescos, entre outras linguagens de sucesso, usados no rádio. Um exemplo deste gênero foi o programa apresentado pelo locutor Gil Gomes. Através de sua linguagem dramatizada, assuntos cotidianos se transformavam em histórias fantásticas e muitas vezes absurdas, provocando o espanto nos ouvintes.

Seu primeiro programa de

notícias policiais foi o Dramas da Cidade, da TV Record na década de 70. Começava a saga de Gil, um ícone do rádio, rumo aos dois milhões de ouvintes diários, com um jeito único de narrar. Segundo Prado (1985, p. 85) [...] estava criando um novo estilo de jornalismo, uma maneira toda especial de narrar um acontecimento policial através do rádio” (...) “ele tinha realmente uma técnica muito especial para aprender a atenção de seus ouvintes em suas narrativas. O suspense, o final melodramático. Uma maneira e um estilo todos pessoal! (PRADO, 1985, p. 85)

Sua narrativa consistia em diminuir os efeitos de distanciamento que os meios de comunicação provocam entre emissor e receptor, queria falar como se estivesse conversando cara a cara com os interlocutores, empregando toda sua sensibilidade ao retratar um caso que, sobretudo, envolvia pessoas, relações humanas, e merecia toda a ênfase nesse aspecto.

[...]falo ao microfone como se estivesse conversando. Há um contato direto com o público, a gente vibra, se emociona. Conto cada caso sob o impacto que me provoca. Sem sofisticação. O pessoal tem que entender que ser popular não é ser vulgar. Há tanta demagogia nesse país que quando você fala “povo” parece palavrão! E não é nada disso![...] (PRADO, 1985, p.14)

29

Segundo suas palavras, “O fato não é tão importante, mas sim, as pessoas envolvidas. “Eu valorizo o ser humano contando detalhes que ninguém sabe de fato, vou buscar os envolvimentos, os momentos daquela pessoa, coisas da vida mesmo” (PRADO, 1985,p.15). Assim, Gil Gomes construiu sua própria maneira de fazer rádio e, posteriormente, televisão, quando passou a apresentar o programa Aqui Agora no SBT em 1991, construindo um legado que influenciou muitos outros programas de gêneros policiais e jornalísticos que constituem a atual televisão brasileira. Retomando a questão da qual nos fala Rezende Apud Morin (2005, p.39) a afirmativa de que os telejornais se organizem como melodrama, através da oferta do espetáculo, nos remete à lógica da oferta e demanda de Dominique Wolton (2007, p.66/67) a qual afirma que, para facilitar o acesso à cultura, é preciso diversificar e ampliar a oferta cultural, de forma que as pessoas compreendam melhor o mundo, para à partir de então surgir a demanda, nesse caso, o vínculo afetivo que se estabelece com a narrativa do telejornal. Essa questão se torna importante para a compreensão da ficção televisiva a partir do momento em que, nas palavras de Rezende Apup Faerman (2010, p.06) pelo fato de ser uma troca permanente entre ficção e realidade, não mostra a realidade em si, ou seja, os fatos somente, mas faz com que compreendamos através da emoção as questões fundamentais dela, como a morte, a separação, as dificuldades, etc. O melodrama passou por muitos caminhos televisivos até que chegasse à forma como conhecemos hoje: diluído em varios os tipos de programação, de modo que até pouco tempo antes da década de sessenta, a TV brasileira não fazia mais do que repetir modelos melodramáticos latino-americanos. Foi só entre sessenta e oito e sessenta e nove com a novela Beto Rockfeller de Bráulio Pedroso que o gênero “romântico realista” se consolidou, transformando a televisão em um espaço onde a vida real e o imaginário se fundem em um só discurso. Outro exemplo de “vida real” mostrada na TV de forma chocante foi o episódio da apresentação da umbandista Cassilda de Assis, conhecida como “Seu Sete de Lira” (uma manifestação de Exu) nos programas de Sílvio Santos, Flávio Cavalcanti e Chacrinha. Na época, em 71, a população manifestou sua incredulidade ao ver refletido na telinha uma das características mais marcantes do povo brasileiro: o sincretismo religioso, mostrando, segundo as palavras de Sodré (2002, p.120) em uma única narrativa os diferentes e múltiplos aspectos da nação brasileira pela primeira vez na história. De certa forma, o episódio foi extremamente ousado e inovador ao quebrar uma longa tradição de negação da realidade

30

popular. O “insulto” foi tamanho que as imprensa não demorou a se manifestar, o jornal O Estado de São Paulo chamava o público do auditório de “multidão boçal”, entre outros comentários feitos por outros órgãos da imprensa, conforme cita Sodré (2004, p. 121) “A imprensa escrita fazia coro, verberando contra Seu Sete, por “explorar a credulidade pública mediante sortilégios, predição do futuro, explicação de sonhos ou práticas congêneres”. Assim, o episódio de Seu Sete chocou por mostrar a realidade dos populares, ao contrário de exemplos fictícios subseqüentes como Zé do Povo ou então Jeca Tatu de Monteiro Lobato, os quais nada tinham de verdadeiros, não por se tratarem de ficção, mas porque eram uma tentativa de representação por parte de visões elitistas, de forma que nas palavras de Sodré, não eram mais que simbolizações negativas, grotescamente risíveis. No entanto, é importante deixar claro que tanto em um caso como em outro (Seu Sete e Jeca Tatu), a relação com o grotesco está de fato presente, seja na representação “verdadeira” da realidade ou não, já que nas palavras de Sheila Rowbotham (2002, p.122) “a mídia é uma sala de espelhos transformada em casa maluca”, pode-se dizer então que as identidades são de fato refletidas, mas acabam distorcidas ao passar por um “filtro” do discurso e da narrativa televisiva, representando grotescamente identidades alteradas, distorções de figuras simbólicas. Depois de acalmados os ânimos da imprensa e da opinião pública, a maioria dos programas começou a seguir o modelo apresentado no polêmico episódio, fazendo da idéia de atender à demanda do grande público por conteúdos popularescos um objetivo televisivo, e por conseqüência, dando continuidade às representações grotescas presentes em tal programação. Não se pode deixar de perceber a presença do sobrenatural e do mítico contidos na representação grotesca da realidade nos programas populares. Segundo Sodré (2002, p.25), o grotesco simplesmente se configura pela catástrofe, ou seja, pela quebra e deformação brusca de uma forma canônica. Ele é composto por uma combinação de elementos heterogêneos envolvendo transgressões que, dependendo da forma como se combinam, tendem a gerar situações absurdas, sem uma explicação lógica, levando a uma compreensão que apela para o campo das crenças como forma de encontrar uma resposta. Como já citado, o homem de modo algum quer satisfazer-se com nosso universo – deseja ver algo que pertence a outro mundo e que o tire da condição do terreno e material. Através dessa análise, é possível enumerar muitos programas atuais que se encaixam nas seguintes características, como por exemplo, o programa O Real e o Sobrenatural da

31

emissora SBT. Seu gênero, o “docudrama”, apresenta documentários que mesclam a realidade, como casos vividos, depoimentos, notícias reconstituídas através de vídeos encenados, com elementos ficcionais. Assim, o docudrama reconstrói os fatos, fazendo com que deixem de ser puramente jornalísticos, de modo que o programa ressalta os aspectos sobrenaturais de situações reais, mostrando elementos que não fazem necessariamente parte do acaso. Segundo Fuenzalida (2008, p.161) o docudrama é um gênero ficcional híbrido e vêm ganhando espaço nas telas na América Latina nas últimas décadas.

[...]docudrama é um gênero híbrido, isto é,através da representação ficcional feita por atores, narra casos dramáticos de origem real. São situações cotidianas limites ou extremas, que aconteceram com pessoas comuns, mas não são narradas no formato de documentário nemde reality show, mas sim de modo ficcionalizado e mais livre. Não se restringem exatamente ao caso referencial e ocorre a introdução de elementos ficcionais. A utilização de música para emocionar o relato é um elemento importante dessa maior liberdade narrativa. (FUENZALIDA, 2008, p.162)

Assim, muitos dos episódios apresentados no programa O Real e o Sobrenatural se assemelham ao caso do “Crime da Mala”11 que, por sua repercussão em torno dos poderes milagrosos de Maria Fea, acabou virando uma lenda. Assim, ao assistir um episódio, o telespectador pode interpretar a história segundo suas próprias crenças e suposições, romantizando e fantasiando situações do acaso. Partindo dessa análise, podemos estabelecer uma ponte entre o conteúdo realísticoficcional presente na televisão brasileira, o qual nos explica Rezende, e o programa que mescla o jornalismo e entretenimento, Tribuna da Massa, da emissora Rede Massa, SBT. O gênero do programa se caracteriza como tal pois, além da parte jornalística, também são exibidos quadros com conteúdos diversos que englobam curiosidades ocorridas na cidade de Curitiba, Região Metropolitana e, em alguns casos, no Estado do Paraná. Curiosidades que não deixam de ser informativas, mas que, devido ao seu conteúdo e à sua abordagem, acabam construindo uma informação mais característica do entretenimento. Além de oferecer prestação de serviços e atender às necessidades da população, procura trazer informações úteis à comunidade com os principais temas da cidade, com especial atenção para os bairros e notícias locais. Há também o quadro “Gente procurando Gente”, através do qual as pessoas obtêm ajuda do programa para procurar seus parentes perdidos, reivindicar algo, reclamar, etc. 11

Ver página 22 e 23.

32

São essas características que fazem o Tribuna da Massa diferente de outros tantos jornais – o fato de que as notícias, em certa medida, também são um misto de realidade e ficção. Desde o conteúdo das pautas, o contexto das notícias, o discurso, a narrativa e a interpretação dos apresentadores, além dos quadros não jornalísticos, tornam o programa um misto de gêneros que tem em suas raízes uma fonte muito mais antiga: o Fait Divers, e os romances folhetinescos, uma vez que tornam a vida romanceada e o romance tão vivo quanto a realidade. Na década de 90, o modelo ficção-realidade continuou a se concretizar, porém fora do discurso popularesco, partindo para uma narrativa também melodramática e ficcional, mas abordando os problemas da sociedade na época, construindo um retrato bem diferente daquele delineado na década de 70. Um exemplo é o assassinato da atriz Daniela Perez por seu par amoroso na novela, nas palavras de Rezende (2005 p.09) a mídia se apropriou de forma folhetinesca do acontecido, parecendo encontrar nisso a possibilidade de mostrar celebridades surpreendidas pelos acasos de má sorte da vida real. Dessa forma, é possível dizer que a telenovela foi sendo permeada por fatos da vida real, tornando-se uma espécie de romance da vida, assim como o folhetim, e o telejornal na mesma proporção, se moldando com características ficcionais, desde a encenação das notícias até mesmo o próprio conteúdo, romanceando a vida, bem como o Fait Divers. Seguiram-se logo após esse episódio muitas novelas com temáticas da vida real, tal como Rei do Gado, na qual um dos personagens manifesta ser a favor da reeleição do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Outros roteiros semelhantes vieram a seguir com Laços de Família, O Clone, Mulheres Apaixonadas e mais recentemente Viver a Vida, repetindo mais ou menos o mesmo modelo das anteriores ao mostrar a luta de uma das personagens contra a paralisia, e a luta de pessoas comuns que davam seus depoimentos contando histórias de luta e superação em suas vidas, o que mostra mais uma vez, a constante adaptação do melodrama e das narrativas folhetinescas aos meios e linguagens de cada tempo.

2.3 ANÁLISES ESTÉTICAS: O GROTESCO E A NARRATIVA DO FAIT DIVERS

É possível estabelecer uma comparação entre a estrutura do Fait Divers, gênero narrativo do século XIX, e a estética do grotesco. Devido à sua relação de causalidade, entre outras características como o que chamamos de as “surpresas de número”, potencializadas

33

pela coincidência ou o exagero surgidos em tal estrutura, levam muitas vezes à construção de um retrato caótico, que não se explica pela razão. Assim, quem o interpreta pode criar significados que apelam para o campo das crenças e do mítico e a supor um destino como causador de tal situação. No entanto, esse retrato aparentemente fantástico e irreal esboça características de ambos os objetos em estudo, seja o Fait Divers, seja a estética do grotesco. O termo grotesco, segundo Sodré e Paiva (2004, p.28),vem de gruta (grotta em italiano). Surge no final do século XV quando em escavações no porão do palácio de Nero e nos subterrâneos das termas de Tito foram encontrados ornamentos estranhos e totalmente diferentes para a época na forma de vegetais, caracóis entre outras formas consideradas “fantásticas”. Não demorou muito tempo para a nova descoberta fazer sucesso e virar moda entre os arquitetos e pintores. No entanto, o que conferiu aos ornamentos um status de arte foi seu valor histórico, pois datavam do século de Augusto, carregando assim, uma aura gloriosa do passado. Pouco tempo depois, ainda na era Cristã, os mesmos ornamentos foram considerados “estapafúrdios” e sua beleza foi discriminada a ponto de ser classificada por Vitruvio em seu tratado estético De Architectura como “monstros” em lugar de representações naturais e verdadeiras. Já em fins do século XVII o grotesco foi definido como “aquilo que tem algo de agradavelmente ridículo” pelo dicionário de Richelet e também como “bizarro e extravagante” pelo dicionário da Academia Francesa. Com o passar do tempo foi ganhando novos significados e interpretações, entrando para a definição de categoria estética somente no século XIX. Ou seja, a partir da modernidade, o grotesco, assim como o belo e outras categorias, passou a ser analisado em sua relação com o homem e, levando em consideração a subjetividade da percepção e a experiência estética. Deixou de ser simplesmente uma qualidade objetiva e independente, como era considerado até o Renascimento, antes da definição por Kant. É importante deixar claro que a experiência estética hoje em dia acontece de forma diferenciada à dos séculos anteriores. A pós modernidade provocou uma fragmentação de valores, interferindo no modo de interpretar elementos artísticos e culturais, configurando assim, o que muitos autores chamam de “esteticidade difusa”. Segundo Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002, p. 19) [...] o grotesco atravessa de fato tempos diversos, à maneira de uma constante supratemporal, como aquela que o crítico de cultura Eugenio D‟Ors chamada de éon, isto é, categoria mística procedente do neoplatonismo e utilizada pelos

34

alexandrinos, que suprime a oposição entre o racional e o real e introduz a vicissitude da diferenciação histórica no que é permanente e estável. (SODRÉ; PAIVA, 2002, p. 19)

O elemento comum ao grotesco é o rebaixamento (ou bathos na retórica clássica), que pode ser definido como uma combinação deliberada e incongruente de idéias que provocam, aparentemente de forma não intencional, um aspecto humorístico. É composto por uma combinação de elementos heterogêneos envolvendo transgressões como animalidade humana, situações absurdas, deslocamentos/desvirtuamentos de sentido, partes baixas do corpo, fezes e dejetos. Caracterizando, assim, a desarmonia do gosto ou disgusto, termo cunhado pelos estetas italianos para designar manifestações artísticas grotescas, e que resultam em um mesmo conjunto de reações tais como o riso, o nojo, a repulsa e o espanto. Pode-se dizer que o movimento Barroco se assemelha em muitos pontos ao grotesco tais como a transgressão, a ligação com o mundo onírico, o externo e o interno ao corpo e a animalidade. Mas, apesar das semelhanças, há uma diferença fundamental que, segundo Deleuze (1991,p.17), se caracteriza pela humanidade orgânica e cerebral que permite ao estilo elevar-se em contraponto à animalidade que o aturde, eleva-o para além das variações da matéria corporal. Já o grotesco foge a esta elevação, uma vez que não opta por nenhuma moral progressista ou razão clássica, configurando-se simplesmente pela catástrofe, ou seja, pela quebra e deformação brusca de uma forma canônica. Essa característica defendida por Sodré faz com que o grotesco se assemelhe mais com o Maneirismo enquanto manifestação de crise e transição – que com o barroco propriamente dito. Como exemplo disso, é possível analisar a posição verdadeira e ao mesmo tempo sarcástica que ocupam os personagens de Tintoretto em O Juízo Final, e a posição antinatural e absurda que ocupam os personagens de Bosch em O Jardim Das Delícias. Ainda citando o mesmo exemplo, mas segundo Sanches Vasquez (1999, p. 290) “O predomínio do fantástico, do estranho, do insólito, não significa (...) que o grotesco não faça parte da realidade, não só porque toma dela os elementos que, ao serem combinados ou deformados, produzem esse mundo fantástico, estranho, irreal, mas também porque significa a desnaturalização dela”. Segundo essa afirmativa, é possível estabelecer uma comparação entre a estrutura do Fait Divers,que,devido sua relação de causalidade, entre outras características como as “surpresas de número”, as causas aparentemente simples que provocam grandes efeitos, tudo isso potencializado pela coincidência, muitas vezes levam à construção de um retrato caótico, que não encontra explicação pela razão, e devido a isso, leva quem o interpreta a criar

35

significados que apelam para o campo das crenças e do mítico, acreditando em um destino como causador de tal situação, que pode parecer fantástica, mas que, como afirma Vasquez, faz parte da realidade e do grotesco.

36

3. PROGRAMA TRIBUNA DA MASSA: UMA ANÁLISE NA PRÁTICA

3.1 ANÁLISES ESTRUTURAIS: DA REDAÇÃO À ESCOLHA DAS PAUTAS E À MONTAGEM DO ROTEIRO

Neste segundo capítulo dividiremos a análise estrutural do programa Tribuna da Massa em duas partes fundamentais: a análise descritiva da entrevista realizada e a análise interpretativa, listando os principais pontos abordados e dialogando com a temática apresentada no capítulo anterior, com o intuito de investigar uma possível legitimação da atual narrativa do programa através da estrutura do Fait Divers e a narrativa folhetinesca.

3.1.1 Análise estrutural: trajetória do programa Tribuna da Massa.

No dia 21 de setembro de 2010, fomos até a emissora da Rede Massa – TV Iguaçu, situada na cidade de Curitiba, para realizar uma entrevista com a produtora da emissora Rosane Freire, e com o atual apresentador do programa Tribuna da Massa, Adilson Arantes, conforme sugerido no roteiro de entrevista. A Rede Massa surgiu em março de 2008 com a aquisição das emissoras do Grupo Paulo Pimentel pelo empresário Carlos Massa (Ratinho). Na compra, foram incorporadas, além da TV Iguaçu sediada em Curitiba, as emissoras: TV Tibagi (Apucarana), TV Naipi (Foz do Iguaçu) e TV cidade (Londrina). Afiliada do SBT, além da retransmissão da programação nacional, também possui programas estaduais e locais. Dentre os programas locais da Tv Iguaçu temos o Show de Bola, Destaque e o Tribuna da Massa, programa o qual analisaremos. O Tribuna da Massa é um uma mistura de programa jornalístico com entretenimento que existe desde a época em que a emissora pertencia ao grupo Paulo Pimentel, porém com o nome de Tribuna na TV. É um programa que, além do jornalismo, apresenta outros quadros com conteúdos diversos que englobam curiosidades ocorridas na cidade de Curitiba, Região Metropolitana e, em alguns casos, no Paraná. Possui também caráter comunitário, de prestação de serviços, atendendo às necessidades da população. Procura trazer informações úteis à comunidade com os principais temas da cidade, com especial atenção para os bairros e

37

notícias locais. Há também o quadro “Palco do Povo” e o “Gente procurando Gente”, através dos quais as pessoas obtêm ajuda do Tribuna para receber doações e procurar seus parentes perdidos. Além disso, possui um número de assistência, através do qual as pessoas podem ligar durante o dia para fazer reclamações, relatar casos etc. O programa vai ao ar de segunda a sexta às 07h30 (primeira edição), às 12h30 (segunda edição) e aos sábados ás 12h45. Desde sua fundação, várias mudanças já foram feitas no programa, sempre guiadas por pesquisas qualitativas realizadas com o público, em sua maioria classe C. Essa constatação foi possível através de entrevista realizada com a produtora da Rede Massa Rosane Freire, que nos falou a respeito dos dados da emissora:

Pelo ibope a gente atinge a classe A, a classe B e a classe C. É com uma pitadinha às vezes até da classe A, mas não é o foco (...) então o publico normalmente é B, C e os outros, as classes D e E. (...) A classe C é a classe que consome, então a classe C é o nosso principal foco,(...) e os anunciantes. É o que faz vender né, então é interessante pela questão comercial por que dentro do programa tem os vários “merchans”, então pegando a classe C que é a classe que mais consome no pais, é por que é a classe maior, então acaba sendo nosso principal foco, mas não quer dizer que a gente não vá fazer reportagens que atinjam uma pitada da classe A ou que elas não tem interesse né, no tribuna então. (ENTREVISTA CONCEDIDA ÀS AUTORAS NO DIA 21/08/2010).

Tais mudanças foram guiadas também por tendências pelas quais os meios de comunicação vêm passando. Isso tem acontecido basicamente por dois fatores: a inclusão digital e o crescimento econômico da classe C. Este último permite a aquisição de computadores, acesso à internet e ao conteúdo digital, fazendo com que as pessoas habituadas com a TV como sua única fonte de cultura e contato com o mundo, passem a procurar conteúdos de interesse particular de forma mais específica no ciberespaço. Essa cultura resulta em uma diminuição do tempo passado em frente à TV, e também em um poder de escolha maior, já que a TV à cabo vem ganhando espaço nos lares do Brasil. Devido a essa possibilidade de acesso, surge o hábito de zapear, mudar de canal em canal para escolher a melhor opção, “compilando” programas para estabelecer uma grade horária muito mais pessoal do que antigamente, quando ao telespectador cabia apenas o papel de assistir a programação pouco diversificada da TV aberta, sem fixar preferências ou se encaixar em grupos e tribos adeptas de um tipo específico de cultura. Sobre isso, nos fala o atual apresentador do programa Tribuna da Massa, Adilson Arantes: São outros estilos, outra época [...]. Antigamente o apresentador chegava para apresentar tinha três matérias no programa, ele precisava falar [...] antigamente o apresentador chegava na televisão era personalista, o programa era ele. Ele era mais importante que o veículo, ele precisava falar [...] então hoje o mais importante

38

é a notícia, o mais importante é o veículo – não é o apresentador. (ENTREVISTA CONCEDIDA ÀS AUTORAS NO DIA 21/08/2010).

O programa iniciou seguindo esta linha e, por isso, permitia aos apresentadores expressarem suas opiniões e idéias, dando ênfase e dramaticidade ao assunto que, muitas vezes, era banal, corriqueiro, mas quando “personalizado” por quem apresentava, tornava-se algo semelhante aos dramalhões folhetinescos. Assim, o apresentador engrandecia as notícias, tornando-as sensacionais não só devido à narrativa em si, que pode ser interpretada como sensacionalista, mas pelo tempo destinado a um mesmo assunto de acordo com a estrutura dos blocos e do jornal, que eram maiores. Antigamente, até o ano de 2009, a interpretação dada às notícias pelos apresentadores era ainda mais enfática, utilizando um discurso trágico e apelativo, não somente pelas opiniões explícitas mas, principalmente, pela abordagem dada a essas opiniões. Eram comumente utilizados adjetivos marcantes, mostrando indignação excessiva e necessidade de julgamento – permitindo aos telespectadores a possibilidade de também julgar as fatalidades. Eram mencionadas também frases de apelo religioso como, por exemplo, “Deus sabe o sofrimento que essa mulher tem passado, e se Deus quiser será feita a justiça” com muito mais freqüência. Além desses artifícios, eram utilizadas trilhas sonoras dramáticas (geralmente músicas muito melódicas, trágicas e emocionantes) para enfatizar as matérias nas quais as pessoas pediam a ajuda do programa, provocando suspense e tensão nos telespectadores.

3.1.2 O programa Tribuna da Massa e a abordagem atual

Hoje, a estrutura do programa mudou, os apresentadores adaptaram a abordagem para uma versão mais dinâmica, devido a um maior número de pautas e de anunciantes. Também diminuíram a valorização da emoção em detrimento da emoção em seus discursos, encurtando o espaço para dar opinião entre uma matéria e outra. No entanto, a escolha das pautas, os assuntos priorizados, os quadros apresentados e a abordagem das matérias continuam seguindo a mesma linha. Ainda hoje, a narrativa atual do programa pode ser considerada em alguns pontos sensacionalista como, por exemplo, as trilhas sonoras utilizadas e o discurso dramático nas pautas. No entanto, é preciso esclarecer o que é uma

39

linguagem sensacionalista e em que pontos ela se encaixa no atual programa Tribuna da Massa. Considerando-se a proposta de emissora, que procura dialogar com as classes mais baixas (como já citado anteriormente, sendo que com a classe C, principalmente), essas características podem ser vistas sob duas óticas – portanto devemos equilibrar as duas e esclarecê-las. A primeira é fundamentada através do seguinte argumento, nas palavras de Angrimani (1995, p.16) “a linguagem sensacionalista não admite distanciamento, nem a proteção da neutralidade. Assim, através dessa narrativa o leitor é convidado a se envolver emocionalmente com o conteúdo apresentado, e por meio dela ter suas idéias e opiniões expressados e defendidos pelo apresentador, que se torna um porta-voz de seus anseios” Isso contribui para uma comunicação que aproxima o telespectador do veículo, torna-os amigos e confidentes, legitimando como nos afirmou, em entrevista, a produtora Rosane Freire, sobre a idéia da proximidade através da linguagem: A gente tenta deixar o mais próximo possível da população com linguagem mais simples, sem ser uma linguagem rebuscada sem termos, não é popularesco [...] sempre tem uma pitadinha de umas palavras mais populares e tal, mas a intenção é de aproximar o público da TV, aproximar o público dos programas. Então a linguagem é uma linguagem simples, é uma linguagem popular, quase falada [...] tanto que o nosso apresentador não tem bancada, ele dá opinião,e a opinião é dele mesmo, não é opinião do programa. Então é uma coisa mais autoral. (ENTREVISTA CONCEDIDA ÀS AUTORAS NO DIA 21/08/2010).

É importante deixar clara a diferença entre popular e popularesco, já que esse conceito faz parte da definição do gênero do programa. Segundo Mira (1994, p.127) Assim, é que algo pode ser caracterizado como popular ao conter os seguintes elementos que se relacionam entre si, porém diferenciando-se: a origem nas maiorias, no povo ou a ele esteja direcionado; o político como elemento de promoção de hegemonia desses setores sociais; o metodológico no sentido de animação do exercício para a cidadania crítica e geradora de ação; o ético expresso por princípios de solidariedade, tolerância e justiça; e o utópico, traduzido pela busca incessante de alternativas de vida e de felicidade. (MIRA, 1994, p. 127).

Dessa forma, o argumento de Rosane Freire, segundo depoimento, é condizente com o de Mira, uma vez que o programa Tribuna da Massa tem sua origem nas maiorias, não como uma manifestação popular, mas permitindo a participação dos telespectadores na construção das pautas, e tendo sua comunicação direcionada ao povo. No entanto, se formos examinar esse conceito como algo inerente as festas populares, ao circo e, posteriormente a este ambiente recriado nos programas de auditório, como também afirma Sodré (2004, p.106), Mira nos diz que esse conceito ficou no passado, o

40

objeto de estudo ficou obsoleto, de modo que, hoje em dia, pouco tem a ver com a realidade das classes populares “isolada no passado, e desvinculada da realidade das classes populares, a cultura popular acabou transformando numa espécie de mito: noção totalizante com possibilidade políticas quase infinitas” (1994, p.129). Assim, esse termo não seria suficientemente esclarecedor para nos referirmos ao conteúdo do programa Tribuna da Massa, mas para elucidar a oposição entre popular e popularesco citada por Rosane que, segundo Mira, popularesco é o termo utilizado pela crítica de espetáculos para definir o que é “vulgar”, “grosseiro”, “malicioso” ou pouco elaborado. Assim, o que hoje chamamos de popularesco parece ter pertencido exatamente a esse domínio popular que não encontrou lugar nem registro romântico-folclórico do “povo”, nem em seu registro político revolucionário. Várias de suas características podem ser remetidas à matriz cultural do “realismo grotesco” (MIRA, 1994, p. 139).

Partindo dessa ideia, podemos interpretar que o conceito de popularesco também se encaixa na programação do Tribuna da Massa, já que possui características do realismo grotesco e que, por sua vez, se relaciona com o Fait Divers e a linguagem sensacionalista. Também, por apresentar uma programação mista e diversificada, configura um gênero que não se pode classificar exatamente segundo um registro romatico-folclórico do “povo” como um todo. Assim, os conceitos de popular e popularesco, mesmo não sendo suficientes para definir a linguagem do programa (já que esta é muito mais complexa e de gênero misto entre ficção e realidade), se misturam e convivem lado a lado em uma mesma narrativa, contrariando o argumento da produtora da emissora Rosane Freire. No entanto, deve-se considerar a intenção e a visão de quem faz o programa, parte integrante do objeto de estudo, a qual é falar a linguagem do povo sem ser vulgar ou desrespeitar a capacidade de entendimento das pessoas. Isso implica em uma comunicação simplificada de artifícios, sem rebuscamentos ou retórica, apenas destinada a uma determinada classe social, utilizando a linguagem comum do dia-a-dia popular. Nas palavras de Gil Gomes, segundo Prado (1995, p.15), esse raciocínio é visualizado ao falar sobre sua forma de narrar e sua proximidade com o povo, “o pessoal tem que entender que ser popular não é ser vulgar. Há tanta demagogia nesse país que quando você fala “povo” parece palavrão! E não é nada disso!” (PRADO, 1985, p.14). Sobre isso também nos fala Angrimani:

41

A narrativa (sensacionalista) transporta o leitor; é como se ele estivesse lá, junto ao estuprador, ao assassino, ao macumbeiro, ao seqüestrador, sentindo as mesmas emoções. Essa narrativa delega sensações por procuração. Porque a interiorização, a participação e o reconhecimento desses papéis, tornam o mundo da contravenção subjetivamente real para o leitor. A humanização do relato faz com que o leitor reviva o acontecimento como se fosse ele o próprio autor do que está sendo narrado (ANGRIMANI Apud AUCALIR, 1995,p.17)

A segunda ótica observada nada mais é que o outro lado da primeira, dessa forma também diz respeito à linguagem utilizada pelo programa, mas mostrando suas ambigüidades. Assim, a linguagem considerada sensacionalista é classificada por Angrimani (1995, p.37) como uma linguagem clichê, (que será explicado com mais clareza nas considerações sobre a narrativa), e, por suas características, não serve para informar ou formar pessoas, pois quando extrapola o real e superdimensiona o fato, está na verdade afastando as pessoas de suas realidades, ao contrário do que muitos poderiam pensar. Para explicar melhor de que modo e em que medida essa narrativa é realizada, é preciso delimitar seus conceitos e também seus pré-conceitos. Sempre que se ouve falar em sensacionalismo, com freqüência o termo vem carregado de sentidos negativos, muitas vezes aplicados de maneira equívoca, o que implica dizer que é comumente confundido com audácia, irreverência, questionamento, imprecisão, erro na apuração, deturpação, distorção, etc, conforme nos fala Angrimani (1995, p.14). Ao qualificar determinado conteúdo como sensacionalista corremos o risco de afastá-lo do que é considerado “sério”, por isso é prudente que os conceitos aqui mencionados sejam meramente descritivos, desempenhando uma função pedagógica em relação ao conteúdo e isentos de qualquer sentido não acadêmico. Assim, o significado aproximado de sensacionalismo está nas palavras de Angrimani apud Pedroso (1995,p.15). “como um modo de discurso intensificado por processos que podem ser gráficos, temáticos, lingüísticos e semânticos e que podem conter elementos desproporcionais, acrescentados ou subtraídos em seu contexto”. Para esclarecer melhor, Pedroso estabelece algumas características principais que podem guiar essa identificação do “modo de produção sensacionalista” tais como: Intensificação, exagero e heterogeneidade gráfica; ambivalência lingüísticosemântica, que produz o efeito de informar através da não-identificação imediata da mensagem; valorização da emoção em detrimento da informação; exploração do extraordinário e do vulgar, de forma espetacular e desproporcional; adequação discursiva ao status semiótico das classe subalternas; destaque de elementos insignificantes, ambíguos, supérfluos ou sugestivos; subtração de elementos importantes e acréscimo ou invenção de palavras ou fatos; valorização conteúdos ou temáticas isoladas, com pouca possibilidade de desdobramento nas edições subseqüentes e sem contextualização político-econômico-social-cultural; discursividade repetitiva, fechada ou centrada em si mesma, ambígua, motivada,

42

autoritária, despolitizadora, fragmentária, unidirecional, vertical, ambivalente, dissimulada, indefinida, substitutiva, deslizante, avaliativa; exposição do oculto, mas próximo; produção discursiva sempre trágica, erótica, violenta, redemo-la, insólita, grotesca ou fantástica; especificidade discursiva de jornal empresarial capitalista,pertencente ao segmento popular da grande empresa industrial-urbana, em busca de consolidação econômica ao mercado jornalístico; escamoteamento da questão do popular, apesar do pretenso engajamento com o universo social marginal; gramática discursiva fundamentada no desnivelamento sócio-econômico e sociocultural entre as classes hegemônicas e subalternas. (ANGRIMANI, 1995,p.15).

No entanto, nem todos esses termos podem ou devem ser levados em consideração, uma vez que, para cada tipo de conteúdo midiático, há regras e exceções. No caso do Tribuna da Massa, os elementos que nos interessam são aqueles que podem ser considerados sensacionalistas por aproximação dos conceitos de Fait Divers e da narrativa folhetinesca. Assim, afirma Angrimani (1995,p.25): Fait Divers: Componente indissociável da imprensa sensacionalista, segundo o Grande Dicionário Universaldo Século XlX de Pierre Larousse, fait divers é uma rubrica sob a qual os jornais publicam com ilustrações as noticias de gêneros diversos que ocorrem no mundo: "pequenos escândalos,acidentes de carro, crimes terríveis, suicídios de amor, operários caindo do quinto andar, roubo a mão armada, chuvas torrenciais, tempestades de gafanhotos, naufrágios, incêndios, inundações,aventuras divertidas, acontecimentos misteriosos. execuções, casos de hidrofobia, antropofagia, sonambulismo, letargia. Ampla gama de atos de salvamento e fenômenos da natureza, como bezerros de duas cabeças, sapos de quatro mil anos, gêmeos xifópagos, crianças de três olhos, anões extra-ordinários. (ANGRIMANI,1995,p.25)

Assim, a narrativa sensacionalista tem em sua raiz o Fait Divers, mas não é a única fonte, sendo alimentado também por “lendas e crenças populares, personagens olimpianos (da realeza, cinema e TV, principalmente), política, economia, pessoas e animais com deformações, deficiências, também comparecem com igual peso na divisão do noticiário”, que em sua essência não deixam de ser características presentes na maioria dos casos de Fait Divers e do discurso folhetinesco. A seguir argumentaremos ponto por ponto os conceitos que descrevem o sensacionalismo segundo Pedroso (1995, pg 15), esclarecendo porque, e em que medida, podemos dizer quais deles cabem ou não ao programa Tribuna da Massa. Partimos do seguinte conceito: “a valorização de conteúdos ou temáticas isoladas, com pouca possibilidade de desdobramento nas edições subseqüentes e sem contextualização político-econômico-social-cultural”. Podemos dizer que se encaixa na temática de algumas pautas do programa, mas essa sentença não deve ser interpretada ao pé da letra, já que segundo a produtora da Rede Massa Rosane Freire, quando questionada sobre quais assuntos interessam ao programa, nos afirma que o assunto principal é a comunidade e o que interessa

43

a ela Como assuntos de interesse público e que ajudam às pessoas. Assim as pautas não deixam de seguir uma contextualização político-econômico-social-cultural, até porque uma das principais características do programa é a prestação de serviços a comunidade. Mas se surge um tema que mobiliza a comunidade porque a chocou, porque se tornou algo extraordinário, então eles optam por fazer a matéria sobre esse tema, e não sobre algo de utilidade pública como uma rua que precise ser asfaltada, ou um buraco que tomou conta dela: É o crime que chocou, então a gente vai atrás do crime que chocou ao invés de um buraco na rua. Porque? Porque chocou.[...] Mas se o buraco for crescendo, foi crescendo e tomou conta, e uma comunidade inteira está se mobilizando para conseguir fechar aquele buraco - uma cratera imensa - , a gente vai fazer a matéria da cratera então [...] Essa então é interessante, a gente acaba pegando pelo lado curioso, porque as pessoas gostam de ver o que é curiosidade. (ENTREVISTA CONCEDIDA ÀS AUTORAS NO DIA 21/08/2010).

Nesse sentido, o noticiário aproveita-se da curiosidade intrínseca ao assunto, que por si só é chocante, e o enaltece com uma pitada de emoção para que tome proporções de notícia. “O jornalismo sensacionalista extrai do fato, da notícia, a sua carga emotiva e apelativa e a enaltece. Fabrica uma nova notícia que a partir daí passa a se vender por si mesma.” (ANGRIMANI, 1995, p15). Nesse ponto, há uma semelhança entre a narrativa citada acima e a estrutura do Fait Divers e da linguagem folhetinesca. A partir do momento em que o jornal extrai do conteúdo a sua carga emotiva e a enaltece, formando uma terceira notícia, que não é nem só fato e nem só ficção, é possível reconhecer o fenômeno que Lanza chama de “folhetinização da informação”, e também, a partir do momento em que valoriza conteúdos de temáticas isoladas, que se assemelham à estrutura hermética e única do Fait Divers, pois normalmente não se desenvolve nas edições subseqüentes e não precisa de contexto histórico para ser entendida. Dessa forma, Angrimani (1995, p.26) reforça a idéia ao explicar o efeito da estrutura auto-suficiente do Fait Divers, e porque é usado como elemento sensacionalista: O sensacionalismo vai buscar no insólito e na extravagância do fait divers o ingrediente preponderante da manchete de capa: O fait divers, como informação auto-suficiente, traz em sua estrutura imanente uma carga suficiente de interesse humano, curiosidade, fantasia, impacto, raridade, humor, espetáculo, para causar uma tênue sensação de algo vivido no crime, no sexo e na morte. Conseqüentemente,provoca impressões, efeitos e imagens (que estão comprimidas nas formas de valorização gráfica,visual, espacial e discursiva do fato-sensação). A intenção de produzir o efeito desensacionalismo no fait divers visa atrair o leitor pelo olhar na manchete que anuncia um acontecimento produzido, jornalística ou discursivamente, para ser consumido ou reconhecido como espetacular, perigoso, extravagante, insólito,e por isso, atraente. (ANGRIMANI, 1995, p.26)

44

Assim, quando Rosane afirma que é mais interessante passar uma matéria simplesmente pelo fato de que “chocou”, pois as pessoas gostam de ver o que é curioso, é porque geralmente essas questões são tabus. De modo que, através dessas matérias, tudo o que é velado vem à tona, pode-se falar no assunto sem necessariamente falar sobre ele. Esse raciocínio é melhor esclarecido nas palavras de Angrimani Apud Maffessoli (1995, p.25): [...]o fait divers é uma informação quente e circunstancial, localizada [...] ele emana de um lugar datado, ele é carne e sangue em sua origem. acrescentando que “como o conto, o carnaval, o jogo pueril, o comentário do fait divers permite falar, sem falar, da morte, da violência, do sexo, das leis e de suas transgressões. (ANGRIMANI Apud MAFFESOLI, 1995, p.25)

Assim, para Angrimani Apud Auclair (1995, p. 31) há no interesse pelo Fait Divers a “satisfação simbólica” daquilo que foi denegado, e de viver ficticiamente a impossível transgressão da ordem social – a de roubar e matar em sonho. Usando as palavras de Freud, explica que a crônica de Fait Divers exerce uma função catártica e “terapêutica”, aliviando o imaginário das pulsões e instintos anti-sociais. Outro ponto a ser abordado, a fim de esclarecer seus tabus, é o “escamoteamento da questão popular”, ou o encobrimento com subterfúgios da real situação das massas populares, bem como tudo o que é inerente a essa questão como, por exemplo, o lado oposto do escamoteamento (com o qual é freqüentemente alternado de maneira desequilibrada nos noticiários ditos sensacionalistas), a superexposição à mídia. De modo que ao telespectador é oferecida a possibilidade de julgar e condenar as fatalidades, na maioria das vezes induzido pela própria linguagem exagerada, dramática e emocionalmente convidativa. Nesse sentido, não se pode dizer que o programa Tribuna da Massa refuta a temática, afinal, uma de suas principais características, pela qual é reconhecido, é a prestação de serviços, principalmente através do quadro “Gente procurando Gente” que acontece no quadro “Palco do Povo”. Através dele, pessoas que estão à procura de parentes perdidos podem ser auxiliadas ao vivo pela produção do programa e falar em frente às câmeras para tentar encontrar seu parente desaparecido. O Palco do Povo acontece na Praça Rui Barbosa, praça central da cidade de Curitiba, de segunda a sábado por volta das 12h40. Mas a prestação de serviços não se limita a isso, dentro do próprio quadro Palco do Povo é aberto um espaço para que as pessoas exponham suas necessidades, peçam aquilo que precisam no momento, expressem opiniões, reivindiquem melhorias em seu bairro e até mostrem seus talentos etc. Os pedidos variam, podem ser exames médicos, cestas básicas, equipamentos como cadeiras de

45

roda, andadores, roupas e utensílios domésticos, de modo que qualquer pessoa que esteja assistindo ao programa naquele instante poderá ligar para a produção e contatar a pessoa que está ao vivo fazendo seu pedido caso queira ajudá-la. Além desses serviços, existe um número para o qual os telespectadores podem ligar, seja durante o programa ou não, para expor suas opiniões sobre o assunto que está sendo mostrado, e da mesma forma que acontece no quadro Gente procurando Gente, reivindicar, reclamar, dar um recado, parabenizar alguém ou avisar que está fazendo aniversário e, principalmente, pedir ajuda do programa através de uma pauta voltada especialmente para expor seus problemas. Fora essas opções ainda há a possibilidade de sugerir pautas no site da emissora, ou seja, o telespectador pode também construir o conteúdo televisivo, diferencial que não existe em outras emissoras locais. Assim, a grande diferença entre o Tribuna da Massa e os outros programas jornalísticos semelhantes a ele, como o Balanço Geral12 na RIC TV (Record), é que permite aos telespectadores que participem de maneira mais direta. Um exemplo disso acontece quando as atendentes do programa recebem uma ligação de alguém que gostaria de fazer um pedido e muitas vezes essa pessoa é diretamente transferida para o estúdio do programa, de forma que, grande parte dos casos que são mostrados sequer passam por uma seleção na redação do programa. O roteiro é menos estruturado para possibilitar essas inserções e permitir que a pessoa fale com o apresentador e com as pessoas de casa, comunicando-se com todos de forma muito pessoal. Portanto, não há distanciamento entre o emissor e o receptor. Outro caso que acontece com freqüência são os pedidos que viram pautas produzidas que entram no roteiro do programa, ou seja, mesmo que a pessoa não seja atendida diretamente no momento em que ligou o seu pedido e sua história podem acabar virando uma matéria, que dessa vez passa pela redação e é elaborado um vídeo para o programa. Nesses momentos entra em cena a linguagem folhetinesca, que é facilmente identificada através da narrativa dos vídeos, os casos que podemos classificar como Fait Divers e, portanto, a notícia permeada de elementos ficcionais e sensacionalistas. Os pedidos são sempre mostrados através de um vídeo, em uma narrativa histórica, que reconstitui parcialmente a trajetória pela qual a pessoa passa e o que deseja alcançar. Mesclam elementos da realidade como a história da vida daquela pessoa, as dificuldades e o contexto da situação, com elementos ficcionais, que são acrescentados através da narrativa 12

Balanço Geral- Programa jornalístico da Rede Record (RIC TV) apresentado de segunda a sexta ao 12h40, que possui uma estrutura de blocos semelhante ao Tribuna da Massa, possuindo também um quadro de assistência social como o Gente procurando Gente, e também de cunho popular.

46

folhetinesca, dramatizando o sofrimento e tornando uma história que era factual em uma história sensacional, romantizada. Assim, é reconstituída por meio de uma linguagem altamente emotiva e dramática que pode ser verificada através de elementos como a escolha das palavras, pela fala do narrador (que fala com voz emocionada e mostra as dificuldades da situação pela qual a pessoa vem passando), pela trilha sonora que acompanha o vídeo, pela escolha das cenas (que priorizam recortes da pessoa em seu contexto de sofrimento) e a discriminação dessa situação.

3.1.3 Análise de casos mostrados no programa

Um exemplo real que virou pauta para o programa foi o caso do menino de onze anos de idade que pedia, através de uma carta, um cavalo. Contou sua história de modo comovente, utilizando palavras igualmente dramáticas, explicando que gostaria de ganhar um cavalo porque não havia ganhado presente algum em seu aniversário. Além disso, seu cavalo antigo havia morrido de velhice, e por querer tanto um novo, ficou doente e foi parar no hospital. Pediu encarecidamente ao Grupo Massa e ao programa Tribuna, o qual elogiou, que o ajudassem a realizar esse sonho. Assim que a carta chegou, imediatamente a produção se mobilizou e discutiu a possibilidade de levar ao ar aquela história em forma de pauta, e como aconteceu. Alguns dias depois foi providenciado o cavalo para o menino e a matéria foi ao ar, recentemente. Outro caso semelhante (que ilustra da mesma forma a proximidade do telespectador com a emissora e o programa) foi o de um senhor que enviou uma carta falando diretamente com o Ratinho (Carlos Massa). Ele contava sua história, dizendo estar desempregado e sem condições de encontrar outro emprego, pedia ao Ratinho que o ajudasse doando uma máquina de cortar grama para que pudesse limpar terrenos e trabalhar novamente para poder sustentar sua família. Da mesma maneira que o menino, o senhor foi ajudado pelo programa e ganhou a empatia de todos. Os dois exemplos acima podem ser observados através das cartas listadas abaixo, nas figuras 3.1 e 3.2. Pode-se observar dois pontos interessantes, o fato de que muitas pessoas ainda mandam cartas (e não e-mails) para o programa, e também o relacionamento próximo com a emissora, que se mostra não só através da intenção dos produtores, mas sim de uma resposta dos telespectadores.

47

Figura (3.1) Carta do menino que pediu ao Tribuna da Massa um cavalo e teve seu pedido atendido. Esse foi mais um dos muitos casos que virou pauta para o programa e comoveu os telespectadores.

FIGURA 3.1 – Carta sobre o cavalo.

Figura (3.2) Caso do senhor que pedia encarecidamente ao Ratinho (Carlos Massa), dono da emissora Rede Massa, em um tom de proximidade, uma máquina de cortar grama

48

para que pudesse trabalhar. Também é um caso de um pedido que foi atendido, e que causou comoção.

FIGURA 3.2 – Carta sobre o cortador de grama

Através do exemplo a seguir, podemos ver com mais clareza a linguagem dramática e, em partes, sensacionalista, mostrada pelo programa nas pautas de ajuda à comunidade. A matéria intitulada “O Sonho de uma viúva trabalhadora” foi ao ar no dia 30 de setembro de 2010. A história é contada através de um vídeo emocionante, da mesma forma como descrito

49

nos outros casos acima. Através dele é possível delinear criteriosamente os pontos abordados e enfatizados pelo programa.

3.1.3.1 O caso Joselaine, o sonho de uma viúva trabalhadora. A reportagem “O sonho de uma viúva trabalhadora” do dia 30/09/10 conta a história de Joselaine de Paula, uma viúva que trabalha para sustentar seus três filhos e fez um pedido via carta para Adilson Arantes, apresentador do Tribuna da Massa. Já na introdução sobre a matéria, o apresentador Adilson Arantes porta uma voz com tom dramático e é usada uma música para acentuar essa dramaticidade – destacando o assunto específico do conteúdo geral do programa. A matéria em questão trata de Joselaine de Paula, que escreveu uma carta para o programa pedindo ajuda para conseguir uma máquina de fazer crepe. Uma matéria inteira (reportagem de Marc Souza) foi feita sobre o caso, utilizando a situação da mulher e sua família como conteúdo. Podemos identificar uma ambivalência lingüístico-semântica, que produz o efeito de informar através da não-identificação imediata da mensagem quando o assunto principal (Joselaine querer uma maquina de crepe), só é revelado após toda uma introdução carregada com um discurso trágico (presente em toda a reportagem) e uma visita à casa da família. Na primeira parte, o repórter, na rua da casa de Joselaine, mostra a carta para a câmera e afirma que a visita tem o propósito de conhecer a história da mulher e saber o porquê do “pedido especial” que ela fez à produção. Quando Joselaine é filmada, uma música comovente (um coro de vozes em tom celestial que santifica a imagem da mulher trabalhadora) entra de fundo. Com narração em off, o repórter a introduz como “ uma entre várias brasileiras que lutam, e lutam muito para sobreviver com seus três filhos menores e mora em uma casa inacabada”. De modo que, apesar de Joselaine ser o foco da questão, o narrador se utiliza de argumentos que enfatizam exageradamente muito mais o seu contexto, e constrói um discurso apelativo, como por exemplo, a pobreza através do termo “casa inacabada”, o sofrimento através do termo “sobreviver” com três filhos, e a imagem da mulher trabalhadora através da frase que a introduz como uma mulher que luta, e luta muito. Enquanto o narrador a descreve, aparecem cenas de partes da casa como a entrada através das grades do portão -, o banheiro, que se observarmos com cuidado veremos que não está inacabado, já que possui os itens fundamentais de um banheiro como a pia, o vaso

50

sanitário e um chuveiro ( o único item faltando são os azulejos no chão, que de certa forma não influenciam drasticamente na qualidade de vida da família). Na cena seguinte, a câmera mostra o telhado de eternit, que, aparentemente cobre toda a casa, no entanto falta o pedaço que deveria cobrir a parte exterior da casa, logo em cima da janela, e que também não influencia na segurança e conforto na parte interna da casa, já que o resto do telhado está completo. Em seguida entra a descrição da rotina de Joselaine, que segue a mesma linha: “Acorda todos os dias às 4 horas da manhã, prepara seus salgadinhos, duas garrafas de café, se “ajeita como pode” e sai para buscar o sustento da família”. Do mesmo modo que as outras narrações, essa está carregada de expressões de efeito como quando fala o horário em que ela acorda pela manhã, induzindo o espectador a se sensibilizar com seu esforço e trabalho como se fosse algo fora do comum, extraordinário. Em seguida usa a expressão “se ajeita como pode”, dando a entender que em sua condição ela não tem a opção de se vestir bem, como se lhe restasse apenas aceitar o que tem e fazer o pouco que pode para mudar essa situação. No entanto, se observarmos bem, Joselaine não está mal vestida, ela usa uma calça jeans, artigo usado e acessível à todas as classes sociais, e uma jaqueta de inverno marrom bem revestida, também comum e acessível à todas as classes sociais. De modo que, se fossemos imaginar sua indumentária apenas ouvindo a narração, poderíamos pensar que Joselaine se veste com trapos, roupas velhas e finas, mas não é o que acontece. Joselaine leva uma vida normal, assim como tantas outras brasileiras que passam por dificuldades, precisam criar os filhos com um salário insuficiente e trabalham muito por isso, portanto, um caso comum. Analisando as cenas da reportagem, a situação de Joselaine é visivelmente incongruente com o discurso e escolha lexical usados para descrevê-la, ou seja, sua situação real não é de modo algum extraordinária ou exageradamente trágica conforme mostrado em vídeo. O discurso é fundamentado no suposto fato de desnivelamento sócio-econômico e sociocultural da família de Joselaine , o que expõe sua condição de vida e seu contexto muito mais do que seu problema em si e, assim, fundamenta os argumentos para que Joselaine seja ajudada. Durante toda a reportagem é visível a “valorização da emoção em detrimento da informação”, utilizando uma “discursividade repetitiva, fechada e centrada em si mesma” e de forma espetacular e desproporcional”. Assim, pode-se dizer que a reportagem é compatível com os conceitos de sensacionalismo segundo Pedroso e, portanto, com a estrutura do Fait

51

Divers devido a discursividade repetitiva e fechada em si mesma, além da narrativa enfática e extraordinária.

3.1.3.2 O caso “Aleixo boca torta”Alexandre Nunes Pereira, de 33 anos, conhecido como “Aleixo Boca Torta”, é preso acusado de estuprar uma menina de 4 anos e também de necrofilia, no município de Araucária, região metropolitana de Curitiba. O avô das crianças deixou os três netos em casa para fazer compras e tomar duas cervejas. Quando voltou mais tarde para conferir, os três haviam saído procurar por ele. Aleixo, um conhecido do avô, os encontrou na rua e levou para um bosque onde teria estuprado a menina na frente dos dois irmãos, causando lesões corporais graves à criança. O acusado de estupro também é suspeito de abuso sexual do cadáver de Maria Inglate Rosa, 74 anos, que estava sepultada no Cemitério Municipal Jardim Independência, além de ter participado do assassinato de uma jovem, ambos os atos ocorridos em Araucária. Antes mesmo da matéria sobre o caso entrar no ar e da divulgação do nome do acusado, Adilson Arantes já o chama de “traste” e “lixo” quando imagens de Alexandre aparecem na tela. A matéria é rodada e aparecem imagens com o relato do avô e de um policial. Quando é a vez de Aleixo ser entrevistado, o apresentador do programa começa a bradar no estúdio: “Tira do ar, tira do ar, tira do ar! Bandido aqui não fala, eu já não falei? Eu falo grego aqui, gente?”, fazendo com que a matéria seja interrompida. Adilson, portando uma voz de indignação e raiva, segura a câmera e a chacoalha, continuando a insultar o acusado “Esse lixo, traste, estuprador! Apanhou pouco! Ahh, mas meu Deus do céu, se eu tivesse junto! Ele apanhou pouco! Calma aí, to me acalmando aqui.” Através dessa atitude do apresentador, podemos perceber que, em casos como o de Aleixo, ele se exalta, opinando exageradamente e julgando o acusado de forma a transferir esse julgamento para o telespectador. A interpretação que o apresentador dá à matéria se encaixa na linguagem sensacionalista quando super expõe o tema oculto através de uma produção discursiva trágica, violenta e em determinados momentos grotesca e fantástica ao chamar Aleixo de lixo, traste entre outros adjetivos que o desumanizam. Essa relação pode ser exemplificada também através da manchete do jornal impresso Tribuna do Paraná, figura 6.4 na página 81, a qual

52

diz: “monstro é apelido” para se referir a Aleixo. Dessa forma, segundo Angrimani (1995, p.40), a linguagem sensacionalista julga os fatos, e leva o julgamento ao telespectador “O ideal é assumir o papel de “superego” e ser bastante agressivo com o transgressor, usando o microfone, as imagens e as perguntas como um chicote punitivo (esse exemplo se encaixa nas entrevistas que eram feitas pelo repórter Gil Gomes no telejornal “Aqui Agora”). Enquanto o apresentador se revolta, uma trilha enfática, como a de um filme de ação, faz o fundo musical, transmitindo ao telespectador a adrenalina da situação e a indignação do apresentador. Em seguida, Adilson pede para os pais tirarem as crianças da sala e revela: “ele também é suspeito de abrir a barriga de uma jovem em busca de uma pedra de crack”. As surpresas do número também estão presentes no caso quando as duas primeiras acusações tornam-se insólitas, e quando o apresentar fixa incessantemente a idade da menina “somente 4 anos” e do cadáver “já com 74 anos”. O apelido “Aleixo Boca Torta”, bem como o discurso usado para dar a notícia, tendem a estereotipar Alexandre como um “Homem-Monstro”. Podemos identificar também na notícia, elementos que caracterizam o grotesco como o rebaixamento, a combinação incongruente de idéias envolvendo transgressões como partes baixas do corpo, animalidade humana e a própria morbidez. Baseado nessas histórias, perguntamos à produtora Rosane Freire a respeito do envolvimento dos funcionários da emissora com os casos vividos ali dentro, e ela nos respondeu dizendo que, freqüentemente, acabavam envolvidos emocionalmente com os casos. A gente tem o caso do Mateus, um menino que tinha uma doença rara, a gente fez uma campanha, normalmente a gente faz campanha, e muita gente se empenhando em colocar várias reportagens sobre o assunto. [...] Então muitas vezes a gente acaba se envolvendo nesse sentido [...] então de certa forma quando tem campanhas assim a gente acaba se envolvendo e muitas vezes também, quando tem lá aquela praça do povo que as pessoas pedem, muitas vezes o próprio apresentador ou alguém aqui da redação, ou da suíte mesmo, doam as coisas por que acabam se envolvendo também nesse sentido[...] O envolvimento sempre acaba acontecendo né? Porque você se compadece com a causa de certa forma. (ENTREVISTA CONCEDIDA ÀS AUTORAS NO DIA 21/08/2010).

Assim, pode-se dizer que há uma relação ambígua, pois o programa, ao mesmo tempo que, se volta e se põe a serviço da comunidade, se utiliza dela para a construção do conteúdo, de um discurso específico, fundamentado na sua superexposição, e do programa em si. Nesse caso então, a sentença proposta por Pedroso que descreve a produção do discurso sensacionalista como um “escamoteamento da questão popular”, não é verdadeira, mas sim a questão da exploração e exposição da mesma.

53

Essa é uma questão relativa e não se pode generalizar, ao passo que suas características e conceitos variam de programa para programa e de emissora para emissora. Mas nesse caso especificamente, estamos falando de um programa atípico se comparado com outros jornais ou até mesmo programas de entretenimento, pois o Tribuna da Massa constrói de forma mista sua programação, de modo que não se pode observá-lo sob uma só ótica, seja ela do sensacionalismo, seja do Fait Divers ou da linguagem folhetinesca. Não se pode classificá-lo em um só gênero televisivo, já que há uma mistura de muitos elementos, que se completam de forma imbricada. Nesse sentindo, é fundamental esclarecer quais são os pontos superficiais desse imbricamento e, principalmente, quais são os pontos mais profundos, as raízes dessa narrativa complexa, dentre elas o próprio Fait Divers e o romance de folhetim, que serão explorados mais aprofundadamente nas considerações a seguir. Essa questão pode ser legitimada também através do seguinte depoimento de Rosane Freire, a partir do questionário sugerido: Pergunta:-Podemos considerar que isso (matérias com tema inusitado, curioso) entra no entretenimento? Uma mistura de entretenimento e jornalismo? Resposta:- Isso. É uma mistura. O Tribuna é uma mistura de entretenimento com jornalismo. Ele não é 100% jornalístico. Ele entra como, mas ele migra, ele transita entre os dois gêneros. (ENTREVISTA CONCEDIDA ÀS AUTORAS NO DIA 21/08/2010).

Através desse depoimento é possível notar que o programa oferece também uma programação em muitos aspectos ficcional, por exemplo, quando mostra quadros de curiosidades, sejam elas referentes às comunidade ou não, entre outras categorias que não entram necessariamente no jornalismo. Um exemplo claro disso são os vídeos mostrados que contam a vida de pessoas que foram ajudadas pelo Tribuna da Massa, como é o caso de Joselaine, e que acrescentam elementos incongruentes com o real contexto da pessoa em foco, exagerando sua real condição e, devido a isso, mostrando um conteúdo em partes factual, em partes ficcional. Por essas características, a linguagem pode ser considerada sensacionalista nos momentos em que acrescenta esses elementos ficcionais e cria um gênero misto entre jornalismo, entretenimento, e auxílio à comunidade.

54

3.1.4 Considerações sobre a narrativa sensacionalista

Então, pode-se interpretar que essa narrativa assume duas características muito peculiares: a proximidade com o povo, e a possibilidade de participação direta na estrutura do programa, o que por um lado, auxilia as pessoas em suas necessidades e as oferece uma ajuda muitas vezes negada ou dificultada pelos órgãos públicos, e ao mesmo tempo a superexposição dos fatos através de uma abordagem sensacionalista. No entanto, essa dualidade gera uma pergunta, também questionada por Pedroso e respondida de acordo com a produtora do programa em entrevista. Pode-se dizer que a mídia e, mais especificamente, a linguagem sensacionalista, usa e explora as necessidades populares de forma inverossímil para se vender? De que maneira isso se dá, sob quais aspetos podemos analisar essa questão, e em que casos ela está recorrendo a artifícios folhetinescos e ao Fait Divers para construir essa notícia de forma “sensacional”? Segundo Angrimani (1995, p.17) “o meio sensacionalista aparece como agente catártico das instâncias psíquicas, determinadas pela psicanálise. Meio, como artifício de realização, por procuração, do inconsciente”, e, portanto, não é correto julgar a mídia como um sistema aproveitador das desigualdades sociais e das fatalidades, simplesmente pelo fato de que as utiliza para ganhar audiência. Na mesma linha de raciocínio, Rosane Freire nos fala que é fácil julgar a emissora, e principalmente o programa como exploradores das “mazelas da sociedade”. Mas ela contraargumenta dizendo que os próprios telespectadores, participantes e envolvidos com o programa de alguma forma, gostam e procuram essa exposição. Isso acontece porque, segundo ela, eles gostam de sentir que não estão sozinhos, seja quando suas próprias histórias aparecem na TV, seja quando uma história semelhante, de alguém como elas, aparece, de forma que acabam se identificando com as situações vividas e com as pessoas ali presentes por meio de projeção e catarse, além de serem ajudadas. No entanto, Angrimani Apud Marcondes Filho (1995, p.15) explica tal fenômeno descrevendo-o através de uma ideologia contrária à de Rosane. Em sua visão, o sensacionalismo não serve para informar ou formar pessoas pois, quando extrapola o real e superdimensiona o fato, está na verdade afastando as pessoas de suas realidades, ao contrário do que muitos poderiam pensar, e ao contrário do que Rosane nos diz, não representa a realidade dessas pessoas ao passo que o ato de identificação

55

com os casos mostrados no programa se torna possível através da comoção e do envolvimento emocional causado pelo discurso. Para fundamentar esses argumentos é preciso entender o mecanismo da linguagem sensacionalista, que é classificada por Angrimani (1995, p.39) como uma linguagem “clichê”. É uma linguagem que obriga o leitor a se envolver emocionalmente com o texto, e que, segundo Angrimani Apud Prokop (1995, p. 35) se caracteriza por uma contra-pressão incessante. “Aquilo que é recalcado no clichê tenta retornar, busca encontrar uma saída para a consciência e expressa-se no agir cênico sempre repetido”. Sobre clichês, Marcondes Filho diz o seguinte: Contrariamente ao signo, em que o telespectador não sente a violência das mensagens televisivas, porque mantém um escudo contra elas, aqui, ele se entrega à estória, sente emoção, se entristece, chora, sente saudade, vive com a personagem. Ou seja, se na linguagem dos signos ele se separa da emoção, na linguagem dos clichês ele se funde com ela, se entrega a ela. O que distingue essa fusão dos sentimentos reais, das emoções verdadeiras, é seu caráter de clichê, que significa que as tristezas, as dores, as lágrimas relembram inconscientemente ao telespectador momentos emocionalmente fortes de sua vida. Essas emoções, entretanto, permanecem mentais, platônicas e não retornam à realidade atual; funcionam como sonhos secretos. Vários são os clichês que aparecem nos produtos de televisão e que apeiam para os sentimentos das pessoas, fazendo-as se emocionar [...]. Enquanto no signo o indivíduo isola, racionaliza (dá explicações falsas), intelectualiza suas emoções, no clichê o acesso à lembrança é espontâneo e natural. O clichê retrata o emocional, que busca insistentemente uma saída para a consciência, caracterizada pela forma repetitiva de agir [...] É também característica do clichê que essas imagens de felicidade, de agressividade, com as quais o receptor se identifica, não se aproximem da experiência real vivida pelas pessoas: no momento de sua expansão elas são interrompidas e desviadas para as imagens ou esquemas convencionais, que descarregam essa tensão. (ANGRIMANI 1995,p.37).

Assim, para que a linguagem sensacionalista se caracterize como tal, deve ser mesclada com a vida do espectador, suas lembranças, emoções, sonhos e anseios, e ao mesmo tempo, interrompida, desviada da experiência real vivida, já que, como explica Marcondes Filho na citação acima, no momento de sua expansão, quando deve ser esclarecida a fatalidade, ela é desviada para representações convencionais, contornando qualquer efeito de dúvida, incredulidade, ou mesmo respostas que sejam diferentes daquelas pré-fabricadas pelo discurso sensacional, que a tudo julga, a tudo condena e a tudo classifica de modo apaixonado. Para Angrimani apud Lorenzer (1995, p.36) “as descargas pulsionais integradas com clichês estão estritamente determinadas. É tão estreita sua ligação com o estímulo acionador cênico que se fala em compulsão de repetição”. Desse modo, o espectador de uma linguagem sensacionalista, ao ser influenciado por ela, tende a aderir ao meio de maneira incognoscível e não determinada, moldando suas emoções e “suas” atribuições sígnicas

56

conforme o meio o conduz. Isso não implica dizer que o receptor da mensagem é influenciável e que os meios de comunicação interferem em sua formação e sua visão de mundo. Não se deve encarar e julgar a mídia e o discurso midiático com olhos de uma vítima, de um refém do sistema, afinal, a mensagem midiática é feita por pessoas, pessoas que como todas as outras, têm seus anseios e suas necessidades, e que refletem em meio a necessidade catártica daqueles que a recebem, os espectadores. Como já mencionado, nas palavras de Angrimani, o meio sensacionalista aparece como agente catártico de instâncias psíquicas, e o espectador, buscando a realização, o faz por procuração do inconsciente. Do mesmo modo funciona a estrutura do Fait Divers, sua narrativa se situa fora do contexto histórico, pois é permeado de conceitos atemporais como as paixões, o destino, os sonhos, medos, tabus, instintos, os perigos, etc. E, desse modo, produz dentro de seu próprio conteúdo uma carga de interesse suficiente para emocionar o receptor da mensagem.

O que parece preponderar nesse gênero é a influência do meio como catarse ainda que as preocupações críticas em relação ao conteúdo mediático, partindo principalmente de leigos temerosos das possíveis influências negativas desses veículos, tenham sempre como ponto de partida a mimese. (ANGRIMANI, 1995, p.17).

Dessa forma, tanto o leitor e o telespectador de um jornal mais conservador, quanto o de um jornal sensacionalista, se interessa pelos temas como crimes, catástrofes, etc. O que os difere é apenas a linguagem clichê que, no sensacionalismo, é equilibrada com elementos gráficos, semânticos, entre outros, com o objetivo de destacar determinadas características e tornar a compreensão mais explícita, para que a leitura seja melhor compreendida. Assim, pode-se afirmar que a linguagem sensacionalista expõe o conteúdo mostrado com elementos que provocam o exagero no ato de sua representação. Portanto, pode-se dizer que esses elementos do exagero tornam a realidade mostrada em partes fictícia, caracterizando, como já citado anteriormente, um fenômeno que se fundamenta na intensificação e exagero, além da ambivalência lingüístico semântica, que produz o efeito de informar através da não identificação imediata da mensagem. Isso pode ser interpretado sob a seguinte ótica: a mensagem, ou o fato em si, não é identificado em primeiro plano, de modo que só depois de passar por uma carga emocional e dotada de significados pré-formulados é que o espectador da mensagem poderá chegar ao centro da questão a qual é mostrada. Segundo tal afirmativa, podemos dizer que a linguagem sensacionalista, de fato, não visa informar ou formar o telespectador, mas apenas adequar a mensagem a uma linguagem

57

de fácil entendimento, já que apela para o lado emocional, subestimando a compreensão das classes populares, e se utilizando dela para a produção de um discurso vendável. No caso do Tribuna da Massa, no que diz respeito ao fato de ser um programa voltado para a comunidade, que visa levar até ela informações úteis sobre o que acontece nos bairros, entre outras informações de utilidade pública, não se encaixa em uma produção sensacionalista. No entanto, isso acontece no momento em que analisamos a linguagem do programa como uma linguagem clichê, de abordagem enfática, de modo que, se o programa utiliza de elementos como o exagero, o trágico, o drama, entre outros que claramente pertencem às narrativas do Fait Divers e do romance de folhetim, isso se deve à abordagem utilizada, à forma de narrar, mostrar e representar um fato. Isso pode ser legitimado através do seguinte argumento segundo a entrevista de Rosane Freire, o qual mostra que além de as notícias serem relevantes quando são de utilidade e interesse público, também existe a ideia de mostrar um conteúdo chocante, curioso, como tragédias, etc. Fatos que normalmente atraem a atenção das pessoas, e que, como diz Rosane, aumentam a audiência e fazem vender: Pergunta– Como sãs escolhidas essas pautas? Vocês priorizam algumas? Resposta– Os critérios são basicamente assim, o de interesse maior, o que vai mudar para a pessoa saber aquilo ou não. Então,eu vou dar essa noticia aqui, vai dar impacto? as pessoas precisam saber? O que vai mudar minha vida se eu souber disso? Entendeu? Mas também existe a medição que é o ibope, (...) a gente tem noção do que o público está gostando ou o que não está gostando. Então com base nisso, a gente fez matérias sobre um drama, o problema da mulher que perdeu a casa queimou todos os móveis, (...) “será que as pessoas gostaram ou não gostaram dessa matéria?”(...) daí a gente faz a avaliação “ah, o que será que foi? Foi muito apelativa?” A gente errou nisso, errou naquilo. Então vamos dar uma parada, a gente não vai fazer matéria assim, ou quando for fazer, vamos fazer com um outro enfoque para que surta o resultado que a gente espera. Por que na verdade, (...) o que faz isso e move é a audiência, a gente tem toda essa questão social, mas o que move é a audiência.(ENTREVISTA CONCEDIDA ÀS AUTORAS NO DIA 21/08/2010).

Assim, retomando a pergunta feita anteriormente, sobre uma possível exploração das necessidades populares através da produção sensacionalista, podemos concluir que o programa utiliza das questões populares para construir seu conteúdo, e necessita dele para se vender. No entanto, isso não significa que, necessariamente, as explora através da linguagem sensacionalista, já que essa, segundo as palavras de Angrimani citadas anteriormente, exercem uma função catártica. Mas no que diz respeito à abordagem conferida às matérias, nesse ponto é provável dizer que a linguagem, em muitos momentos, se torna sensacionalista

58

ao utilizar de atributos de forma espetacular e desproporcional à realidade das classes populares, ao subtrair elementos importantes ou acrescentar palavras ou fatos que interferem de forma ficcional nos relatos dos casos, e através da exposição do oculto e da produção discursiva sempre trágica, erótica, violenta, grotesca ou fantástica, que por suas características, se assemelham a uma produção discursiva permeada pela narrativa do Fait Divers.

59

4. CONCLUSÃO

Os formatos narrativos do Fait Divers e do romance folhetinesco sem dúvida representam um grande legado para os meios de comunicação. Através de um discurso melodramático, intenso e humano, passaram a traduzir os sentimentos e anseios da sociedade, a representar seus fatos e a comunicar seus pensamentos de forma tão bem sucedida que, ao longo dos séculos, foram adaptando-se conforme as mudanças da sociedade e dos meios de comunicação a ponto de eternizarem seus modos de passar uma mensagem. Assim, pode-se dizer que hoje em dia ainda encontramos vestígios desse legado ao nosso redor e, se olharmos a fundo, é possível identificá-los em quase tudo que nos é inerente, pois os formatos narrativos estão presentes a todo momento quando ligamos a TV, lemos um jornal, ouvimos o rádio e até navegamos na internet. É essa busca apurada e criteriosa que se fez presente nesse trabalho, uma investigação histórica, social, estética e comunicacional através do formato narrativo Fait Divers, delineando seus conceitos, bem como seus congêneres como a narrativa folhetinesca, sem deixar de notar suas mutações e adaptações históricas. Descrevemos, portanto, suas principais características que, em momentos pertinentes, pudemos estabelecer uma analogia com as características da estética do grotesco, buscando entender de que forma elas se relacionam, como e em que medida isso aconteceu. Neste trabalho, especificamente, o estudo que se procurou fazer foi a investigação da possível relação entre o formato Fait Divers e o objeto de estudo, a narrativa do programa Tribuna da Massa, que ao longo das análises, se mostrou provável. Partindo de uma linha de raciocínio cronológica, começando século XIX com as primeiras edições dos jornais populares na França, os quais deram um lugar e um nome ao Fait Divers (que anteriormente ficava apenas na oralidade), passando por vários momentos dessa narrativa, comparando-a ao romance de folhetim e aos formatos de variedades situados nas notas de rodapé dos jornais. Procuramos sempre identificar os jornais populares, dentre um dos mais importantes temos o Le Petit Journal, o pioneiro das massas, que mostrou de que forma foi o início e desenvolvimento desses formatos narrativos. A partir de então, muitos outros jornais seguindo o mesmo padrão começaram a surgir e a figurar o Fait Divers e o romance de folhetim à sua maneira, de modo que apareceram novas versões que mesclavam os dois gêneros em edições inteiramente voltadas para o que ficou conhecido como “variedades”.

60

A partir desse momento pudemos detectar o fenômeno a que Sonia Maria Lanza classifica como “folhetinização da informação”, termo usado posteriormente para falar dos jornais modernos e da convergência dos gêneros ficcionais e jornalísticos em um só meio, mas que teve seu início muito antes do jornal moderno, com o próprio surgimento dos editoriais populares na França do século XIX. Passamos então a uma análise desses editoriais no Brasil e no Paraná (mais especificamente na capital, Curitiba), e percebemos uma influencia direta e profunda em jornais antigos como o Commércio do Paraná, o Correio Paulistano, e O Commercio do Rio de Janeiro, e jornais modernos como o local Tribuna do Paraná, o qual segue a mesma linha do programa televisivo Tribuna da Massa, e que pudemos perceber, através de elementos gráficos e lingüísticos, uma clara influência das crônicas Fait Divers. Esses foram apenas alguns nomes, já que quase todos os editoriais antigos possuíam suas notas de rodapé. A influência no Brasil foi tão grande que, como já dito, quase todos os jornais publicavam notas de Fait Divers e principalmente romances de folhetim, narrativa de maior sucesso no Brasil. Isso fez com que a diferenciação entre imprensas “sérias” ou “não sérias” se tornasse tênue, proliferando a narrativa folhetinesca e a popularizando, enquanto que os romances de folhetim originais migraram dos jornais para os livros, “elitizando” um formato originalmente popular. Em seguida passamos para o meio rádio, com o objetivo de identificar também esse legado folhetinesco no discurso de programas populares como, por exemplo, o icônico “Aqui Agora”de Gil Gomes que, assim como os jornais locais, também utilizava elementos trágicos, de suspense e drama herdados dos editoriais populares e policiais, construindo um jeito único de narrar casos policiais que tanto fervor causavam nos ouvintes e causam até hoje. Por fim, chegamos ao meio TV, analisando narrativas de telejornal, programas de auditório, e de telenovelas. Nesse momento histórico e nesse meio observamos uma mescla de gêneros narrativos e o fenômeno já citado “folhetinização da informação”, que se mostrou imperante. Assim, a mídia se apropriou de forma folhetinesca de fatos reais, tornado a ficção (telenovela) cada vez mais realística, encantada com a possibilidade de surpreender suas celebridades com o acaso, enquanto que a realidade (telejornal) se tornou cada vez mais ficcional. Essa característica foi encontrada predominantemente em jornais populares, que permeiam suas notícias de elementos sobrenaturais, deixam transparecer opiniões religiosas, e afastam a racionalização do fato.

61

A partir disso chegamos então ao nosso objeto de estudo, o programa Tribuna da Massa. Através de uma entrevista realizada na emissora Rede Massa – TV Iguaçu (SBT), investigamos em primeiro plano a natureza do gênero que se apresenta, e chegamos parcialmente ao conceito de sensacionalismo. Isso se deve ao fato de que o recorte analítico se restringe às semelhanças entre o gênero Fait Divers e o discurso do programa, de modo que algumas características do gênero sensacionalista se relacionam diretamente com o gênero Fait Divers e que, por sua vez, é encontrado na abordagem do programa. No entanto, isso implica em dizer que nem todas as características observadas no Tribuna da Massa puderam ser classificadas como sensacionalistas. Feita essa análise, partimos para um diálogo entre o conteúdo da entrevista realizada e os conceitos de sensacionalismo. Com isso, percebemos dois pontos de visão diferentes, um partindo dos produtores do programa e, portanto, um olhar partindo de que emite a mensagem midiática e analisa o resultado de acordo com espectadores já adeptos de tal mensagem, e outra com o olhar de quem recebe e analisa, baseado nos conceitos sobre sensacionalismo de acordo com Danilo Angrimani Sobrinho. Após esse diálogo, foi possível perceber as peculiaridades do programa Tribuna da Massa, dentre elas a prestação de serviços à comunidade que, apesar da abordagem trágica e dramática, se mostrou contrária aos conceitos de sensacionalismo. Essa análise foi legitimada de forma empírica através do estudo de quatro casos mostrados no programa (duas cartas e dois vídeos). Em todos os casos as pessoas envolvidas foram beneficiadas em suas necessidades e, dessa forma, concluímos a seguinte sentença: o programa é voltado para a comunidade, mas não se resume a isso, vai além dos gêneros jornalístico e ficcional, sendo um misto que tem em sua raiz o legado da linguagem folhetinesca e, principalmente, dos casos Fait Divers, utilizando-os para construir uma abordagem, em muitos casos, sensacionalista.

62

5. REFERENCIAS 5.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGRIMANI, Sobrinho Danilo. Espreme que sai sangue. Summus, 1995.

BARTHES, Roland. Ensaios Críticos. São Paulo: Edições 70, 2009. DELEUZE, Gilles. A Dobra – Leibniz e o Barroco. Papirus, 1991. FUENZALIDA, Valério – O docudrama televisivo. Matrizes. 2008, ano II, n1

LANZA, Sonia Maria. Jornalismo: da origem folhetinesca à folhetinização da informação. Disponível em: http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/artigos/1144.html. Acesso em: 25/06/2010. MIRA, Maria Celeste. Circo Eletronico, Silvio Santos e SBT. Olho d‟agua, 1994.

MEYER, Marlyse. Folhetim. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

PEDROSO, Rosa Nívea. A construção do discurso de sedução em um jornal sensacionalista. Annablume, 2001.

PRADO, Ézio. Gil Gomes: o menino que sonhava com o rádio. Grupo Editorial Gama II, 1985.

SODRÉ, Muniz. O Império do Grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.

VASQUES, Adolfo Sanches. Convite à Estética. São Paulo: Civilização Brasileira, 1992.

WOLTOM, Dominique. A Internet e Depois? Porto Alegre: Sulina, 2007.

XAVIER, Valêncio. Crimes à moda antiga. Publifolha,2004.

63

XAVIER, Valêncio. O mêz da grippe. Cia. Das Letras, 1998. Ciência e Vida- Filosofia – A origem das superstições. ano I, n 05.

5.2 WEBGRAFIA: Acervo online jornal Le Petit Jornal- Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k54894418.image.r=le+petit+journal.f4.langPT

Acesso

em: 28/09/2010. Arquivo online capas do jornal Tribuna do Paraná – Disponível em: http://www.parana-online.com.br/capas/tribuna-do-parana/ Acesso em: 28/09/2010. Acervo online revista Fon-Fon – Disponível em: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/fonfon/fonfon_anos.htm.

Acesso

em

20/09/2010. Acesso em: 10/09/2010.

HOFF, Tania; GABRIELLI, Lourdes. Hibridização: as retóricas da democracia e de corpo no discurso publicitário. Disponível em: http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Hoff_Gabrielli.PDF Acesso em: 10/06/2010.

REZENDE, Guilherme Jorge. Discurso Jornalístico e o discurso ficcional na televisão http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/16818/1/R1957-1.pdf. Acesso em: 25/06/2010. 5.3 VIDEOGRAFIA – DVDS em anexo O caso “Aleixo boca torta”- Disponível em: http://www.redemassa.com.br/programa.php?id_programa=34&id_canal=1&data_cadastro=0 5/10/2010 Acesso em: 05/10/2010. O caso “Josilaine”- Disponível em: http://www.redemassa.com.br/programa.php?id_canal=1&id_programa=34 Acesso em: 05/10/2010.

64

6. APÊNDICES

6.1 ROTEIROS DE ENTREVISTAS

6.1.1 Roteiro de entrevista para a produtora do programa Tribuna da Massa, Rosane Freire

1. Que tipo de casos interessam ao programa, quais assuntos? 2. Como sãs escolhidas essas pautas? Vocês priorizam algumas? 3. Que tipo de abordagem vocês procuram dar as matérias? 4. Que tipo de fontes vocês costumam consultar para enriquecer a reportagem? 5. Existe algum bairro que tenha maior envolvimento com o programa? 6. Teve algum caso que vocês se envolveram de alguma forma? Uma pessoa que estava precisando muito de ajuda e que aquilo acabou saindo da pauta e vocês acabaram se envolvendo com a população? 7. Que tipo de telespectador vocês visam atingir? 8. Já teve algum caso de a pessoa ligar e falar: “Olha eu to tentando conseguir ajuda de vocês e não consigo”? 9. Que tipo de produto vocês anunciam com mais freqüência? 10. Vocês procuram casos curiosos para mostrar no programa? Isso dá audiência? 11. Da para considerar o programa como uma mistura de entretenimento e jornalismo? 12. A parte policial da bastante audiência? 13. Como ocorre a participação do publico no programa? Por telefone? E-mail? 14. Tem algum motivo especial para o apresentador gastar mais tempo em determinadas noticias? 15. Existe bastante participação do público? 16. A emissora impõe algum limite ao apresentador? 17. A linguagem que o apresentador usa, uma vez que ele é locutor também, veio do rádio? 18. Existe algum problema no horário do programa uma vez que o seu público está fora de casa nessa hora?

65

6.1. Roteiro de entrevista para o apresentador do programa Tribuna da Massa. Adilson Arantes

1. Qual é o público do programa? 2. Qual linguagem você usa para falar com o público? 3. A linguagem trazida do rádio te ajuda na hora de se comunicar com o público? 4. Existe alguém em quem você se inspira na hora de apresentar? 5. O modo como você apresenta o programa é diferente do apresentador anterior, existe algum motivo para isso?

6.2 TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

6.2.1 Entrevista com Rosane Freire

Entrevista realizada na sede da Rede Massa no dia 21/08/2010 com a produtora do programa Tribuna da Massa, Rosane Freire:

Pergunta – Que tipo de casos interessa ao programa, quais assuntos? Rosane Freire: – O perfil geral, se você pegar o jornal né, o Tribuna de um dia...você vai ver que a o assunto principal é a comunidade, é tudo que interessa a comunidade né, vai desde o policial a problemas de comunidade mesmo la, o asfalto é o problemas que é comum pra um grupo de pessoas, que interessa para aquelas pessoas que tem uma linguagem bem próxima do que as pessoas tem no dia-a-dia e é o espaço que elas tem voz e vez né, é até um dos lemas que você tem voz e vez, e que antigamente era uma comunicação elitizada, era uma comunicação de massa mais elitizada, então o tribuna tem essa característica de...de ser popular não no sentido popularesco mas no sentido de aproximar as pessoas que estão em casa que tão no bairro e as dificuldades e problemas pra trazer as dificuldades dela pra..pra TV né. Então elas é um espaço onde elas tem voz e vez né, então as pautas que tem interesse são normalmente as pautas...o que as pessoas querem saber? O que as pessoas querem saber? O que que elas querem saber de policial, então vai ter coisas de policial, então assim...é o crime que chocou então a gente vai atrás do crime que chocou ao invés de um buraco na..na

66

rua, porque? Porque chocou...ahh um latrocínio, na verdade roubo seguido de, qualquer pessoa pode esta sujeito a um latrocínio por que é roubo seguido de morte né, então a gente vai optar por isso a fazer um buraco na rua, mas se o buraco for crescendo...for crescendo e tomou conta e uma comunidade inteira ta se mobilizando para conseguir fechar aquele buraco uma cratera imensa, a gente vai fazer a cratera então ou a gente vai se dividir e fazer o latrocínio e a cratera entende? Então são assuntos que tem haver com a comunidade e de interesses das pessoas, a gente se baseia basicamente nisso por que a gente tem o 3568-1010 as pessoas podem ligar e fazer as reclamações dela, daí a gente analisa essas ligações tem os contatos a gente liga pras pessoas, conversa, a gente faz também ver o que as outras emissoras tão fazendo né , é o que mais, tem um levantamento assim...ai a gente fala também da noticia ah isso também é curioso, e dai então a gente vai... opa! Essa então é interessante a gente vai e AC aba pegando pelo lado curioso, que as pessoas gostam de ver o que é curiosidade, gostam de ver realidade né, atualidades, coisas do interesse do dia-a-dia que vai mudar e fazer diferença ou não pra aquela pessoa, ela saber que...O que vai fazer diferença pra aquela pessoa ah o que você...saber a mudança da conversão na rua tal, é importante por que milhares de pessoas vão fazer, então a gente vai fazer matéria sobre isso ou ta acontecendo muitos acidentes naquele local a gente vai fazer então matéria mostrando que tem esses acidentes naquele local que as autoridades tão fazendo pra mudar aquilo lá, então a intenção é ser um braço também pra a comunidade e mostrar o que ta acontecendo e também tem essa cobrança é uma cobrança social do que esta sendo feito pra aquilo pro controle daquela situação né, a gente tem vários blocos, tem quadros como blitz da saúde que é uma coisa de interesse social também né, tem o quadro você repórter que é aonde você tem voz e vez que a pessoa pega o microfone e fala o problema da minha rua...nánáná e tem a gente faz em formato de matérias mesmo que é contando a historinha varias pessoas falando e tal daquele problema daí a gente corre... e vê o outro lado o que é que a prefeitura ou o estado esta fazendo em prol daquilo pra solucionar aquele problema. Pergunta – Como sãs escolhidas essas pautas? Vocês priorizam algumas? Rosane Freire: – Os critérios são basicamente assim...o de interesse maior, o que vai mudar de interesse pra pessoa saber aquilo ou não, é então que que vai...eu vou dar essa noticia aqui vai dar impacto?as pessoas precisam saber? O que vai mudar minha vida se eu souber disso? Entendeu? Mas também existe a medição que é o ibope, a gente recebe todo o dia o ibope e a gente tem minutado o que foi pro ar e a gente tem noção do que o publico ta gostando ou o

67

que não esta gostando, então com base nisso a gente fez matérias sobre um drama, o problema da mulher que perdeu a casa queimou todos os móveis, as pessoas é, será que as pessoas gostaram ou não gostaram dessa matéria?a gente tem como avaliar isso ah o ibope lá deu ah caiu a nossa audiência no momento em que a gente estava fazendo essa reportagem, ah daí a gente faz a avaliação ah o que será que foi? Foi muito apelativa? A gente é...é errou nisso errou naquilo então vamo... então vamo dar uma parada, a gente não vai fazer matéria assim, ou quando for fazer vamos fazer um outro com outro enfoque para que aquilo surta o resultado que a gente espera, por que na verdade assim é infelizmente a gente vive e quer audiência então o que faz isso e move é a audiência, a gente tem toda essa questão sócia, mas o que move é a audiência, então essa é a...realmente como funciona comercialmente né pros donos de emissoras o que funciona é tem ou não, dá ou não ibope e o social é o segundo ou terceiro, não o da gente mas o da emissora, todos né comerciais são assim né. Os critérios são basicamente esses que eu tinha falado de realidade, de fatalidade né o que é fatual ou não é fatual e se é de interesse de quanto, pra que grupo social né, pra ajudar a essa reportagem ou não. Pergunta – E que tipo de abordagem vocês procuram dar as matérias? Por que a noticia é um fato em si, mas quando ela vai para o programa ela passa através de uma ... Rosane Freire: – A gente tenta deixar o mais próximo possível da população com linguagem mais simples, sem ser uma linguagem rebuscada sem termos...é e tenta não ser popularesco, a gente tenta deixar uma coisa...sempre tem uma pitadinha, acaba dando uma pitadinha de umas palavras mais populares e tal, mas a intenção é de aproximar o público...é da TV, aproximar o público mesmo da...dos programas, então a linguagem é uma linguagem simples, é uma linguagem popular é uma linguagem quase que falada, não é aquela coisa pomposa, tanto que o nosso apresentador não tem...não é de bancada, ele dá opinião sobre...a opinião é dele mesmo, não é opinião do programa, então ele tem...é uma coisa mais autoral. Então as reportagens elas seguem mais ou menos a linha jornalística de dar os fatos na...com quem ta vendo, por que na verdade quem da a noticia ele tem a visão diferente, apesar da gente falar da imparcialidade, não existe a imparcialidade no jornalismo, então quem dá a noticia vai dar com a visão que ele teve, com as informações que ele teve e tal...mas a roupagem é de quem ta dando a noticia, agora a questão quando vai pro apresentador ele faz a questão autoral, ele falando o que ele acha daquilo daquela situação né, então fica mais próximo que é o que as pessoas gostariam de dizer em casa, entendeu? Ele vai falar claro a opinião dele, mas é o que

68

normalmente as pessoas querem, por que normalmente o que acontece é jornal de bancada que você dá a noticia e você tem que concluir,ah eu gostei , eu não gostei, aqui no caso da tribuna não, ele vai dar a opinião dele né e é a opinião dele mesmo a opinião do apresentador, as vezes não é a opinião assim...é uma ponderada né, mas é a opinião do apresentador que muitas vezes a gente já fez pesquisas quali que é o que as pessoas querem, elas querem a opinião. Quando elas vão pra esse tipo de programa elas querem a opinião, por que é o que elas queriam estar dizendo, por isso que elas buscam esse tipo de...tanto que é...é emissoras como a rede globo por exemplo ta buscando fazer mais essa coisa de dá a sua opinião de ancora né, que é uma coisa que no jornalismo brasileiro tem bem pouco..é eles tão buscando então o jornal também estão expressando as opiniões deles, embora as opiniões não sejam opiniões pessoais mas sim opiniões do grupo, mas eles também estão buscando isso por que hoje em dia as pessoas querem é...é querem se indignar e querem ouvir né, como se fosse a expressão delas a extensão delas falando aquilo ou se manifestando sobre um fato indignante ou uma coisa...é desse sentido. Pergunta – Que tipo de fonte vocês costumam consultar para enriquecer a reportagem? Rosane Freire: – Que tipo de fontes vocês querem saber? Então são as pessoas que viram que presenciaram são as testemunhas, a gente conversa com a policia que são as fontes oficiais e não oficiais né, a gente tem contato...acaba fazendo contato por que você... no bairro quando vai muito você acaba ficando muito em contato com as pessoas...as pessoas ligam, então é muitas pautas nossas vem pelo 3568-1010 que é o contato direto com a população né, elas ligam, falam, reclamam, ah reclamam de várias coisas daí a gente seleciona o que a gente tem interesse então nossa fonte também é a população que ta no bairro, a nossa fonte também são os policiais, as nossas fontes também são os oficiais os governamentais né e além disso também as fontes de acessória né que a gente tem, então são...a gente na verdade tenta diversificar nesse sentido assim...com essas fontes as oficiais e as não oficiais pra comparar e mostrar que opa não é bem assim. Pergunta – E tem algum bairro algum grupo de bairros assim que se destaca mais por que o pessoal participa mais, o pessoal ta mais envolvido com isso? Rosane Freire: – A região Sul da cidade eles ligam bastante por que também é mais populosa da cidade né, região sul ubara, sitio cercado, CIC, então eles ligam bastante assim, mas a gente nunca fez realmente uma estatística pra dizer assim olha realmente a CIC a região

69

sul...eu acho que...que eu to dizendo assim do achometro mesmo por que a gente nunca fez esse levantamento mas por dedução a gente acredita que participa mais por que é mais populoso. Pergunta – Teve algum caso que vocês se envolveram de alguma forma? Uma pessoa que estava precisando muito de ajuda e que aquilo acabou saindo da pauta e vocês acabaram se envolvendo com a população? Rosane Freire: – Ah a gente acaba fazendo umas...uma coisas assim, ah principalmente quando é de mobilização de...ah precisa de ajuda, a gente tem o caso do Mateus um menino que tinha uma doença rara...um câncer raro de pele, é na verdade não era na pele, era células que formam a pele, a gente fez uma campanha, normalmente a gente faz campanha e muita gente...gente empenhado em colocar várias reportagens sobre o assunto, voltar sobre o caso então muitas vezes a gente acaba envolvendo nesse sentido, se envolvendo nesse sentido, e daí o menino foi pra Alemanha conseguiu achar um médico, ela conseguiu, ela precisava de 24 mil reais as doações vieram e na verdade é, foram pra conta dessa família né e depois eles prestaram conta, então de certa forma quando tem campanhas assim a gente acaba se envolvendo e muitas vezes também quando tem lá aquela praça do povo que as pessoas pedem, muitas vezes o próprio apresentador ou alguém aqui da redação, ou da suíte mesmo doam as coisas por que acabam se envolvendo também nesse sentido, e o envolvimento sempre acaba acontecendo né por que você se compadece com a...a causa de certa forma. Pergunta – Que tipo de telespectador vocês visam atingir? Rosane Freire: – Então ah...pelo...pelo ibope a gente atinge a classe A, a classe B e a classe C é com uma pitadinha as vezes até a classe A, mas não é o foco, não atingi por que eles...classe A ta mais voltada pra globo né, ta mais...então o publico normalmente então é B, C e os outros né as classes D e E. Assim se der pra a gente pegar um pouquinho da classe A a gente beliscar...por que é interessante a classe A por que elas consomem, elas é...são formadoras de opinião, a classe C é a classe que consome, então a classe C é o nosso principal foco por que é a classe consome e os anunciantes é o que faz vender né, é então é interessante pra a questão comercial por que dentro do programa tem os vários merchans né, então pegando a classe C que é a classe que mais consome no pais, é...por que é a classe maior né então acaba sendo nosso principal foco, mas não quer dizer que a gente não va fazer

70

reportagens que atinjam uma pitada da classe A ou que elas não tem interesse né, no tribuna então.

Pergunta: Já teve casos assim da pessoa ligar e falar: “Olha eu to tentando conseguir um.. uma ajuda um auxilio, eu preciso disso, daquilo, um exame, alguma coisa assim e não consigo”? Rosane Freire: Ixi vários. Todos os dias acontece isso na praça do povo (risada), no palco do povo né. Pergunta: Não, mas digo com relação a vocês assim, por exemplo, ligar assim ó: “to tentando a ajuda da Rede Massa há um tempo e não to obtendo”. Alguém reclamou assim “eu não consegui esse auxilio”? Rosane Freire:: Aaaa siim. Aí o público, povo, acha que é o terceiro poder né. Você.. é.. o... é o quarto poder que eles chamam, terceiro não, quarto poder. Porque “aaa vocês não tão atrás desse caso, mas porque vocês não tão indo, eu já liguei pra vocês da minha rua, o buraco, o buraco da minha rua é tal, porque vocês não vieram aqui, ta acontecendo tal coisa aqui, porque vocês não tão aqui, que que ta acontecendo”... e a gente tem questão de estrutura também né. A gente não tem 24 equipes para trabalhar 24 horas e atender a tudo né. Então você tem que avaliar, isso realmente vale? Isso não vale. E Vários... Todos os dias tem alguém falando “a não vocês tem que fazer tal coisa, por que vocês não fizeram tal coisa”? “Por que que caiu um negocio aqui e é mais importante que o outro lá”? Mas essa avaliação quem faz é realmente a gente né. A gente não vai deslocar uma equipe para fazer um buraco sendo que ta acontecendo um acidente, sei lá, aconteceu um acidente com 15 pessoas feridas. Isso é questão de, po, bom senso né. Só que eles, como eles pensam que mandam né, e a gente é que tem que fazer “não mas vocês tem que cobrar”. Só que tem um limite né, a gente expõe a noticia, o fato, e daí a cobrar isso é uma outra questão, uma outro estância né. Você coloca as vistas da população ai ela também tem que fazer a parte dela e os outros órgãos tem que fazer a parte deles né.

Pergunta: É eu queria de saber que tipo de produto que geralmente vocês anunciam no Tribuna da Massa, que tem interesse em anunciar por causa do publico de vocês.

71

Rosane Freire: Procura, olha tem colchão, o que que tem hoje: colchão ortopédico, tem... produtos para emagrecer, produtor de saúde normal, questão de saúde. Luto, porque assim como a gente noticia muitas coisas assim de... morte, então acho que eles acharam que era um filão de mercado para anunciar para esse publico. Tem listerine, tem coisas mais, é... é o mais assim, o mais elitizado que eu achei até agora foi esse da Listerine, que é um produto que não é muito característico de anunciar aqui. Tem a sopa Knorr também, teve uma época que eles tavam anunciando. Tem, que mais, deixa eu lembrar aqui o que mais que tem de assim, bem inusitado... a acho que o mais inusitado foi essa assim do luto, pra mim foi tragicômico né, ter um anunciante de plano de luto dentro de um programa que também tem o policial né, a gente não vai negar que tem o policial. Tem uma pitada porque é comunitário tem essa questão também de setor policial.

Pergunta: E vocês procuram coisas curiosas de alguma forma? Rosane Freire: Sim. Sim, as pessoas gostam muito de matérias de animais, de curiosidades né, de pontos, de coisas inusitadas mesmo assim que a gente também é levado a fazer pautas assim, reportagens assim. Porque o que é inusitado é sempre curioso e as pessoas querem saber né.

Pergunta: Da bastante audiência? Rosane Freire: Dá. A gente fez umas ma terias de curiosidades de bichinhos.. a uma matéria de animais que precisavam agora no frio, materiais especializados para eles não passarem frio, locais com pedrinha que era aquecida para a cobra. Então teve uma repercussão legal, então a gente acaba fazendo matérias assim. Ou um quase acidente, imagens de internet que impressionam. É o que ta na atualidade.

Pergunta: Da para considerar que isso entra no entretenimento? Uma mistura de entretenimento e jornalismo? Rosane Freire: Isso. É uma mistura. O Tribuna é uma mistura de entretenimento com jornalismo. Ele não é 100% jornalístico. Ele entra como, mas ele migra, é uma... ele transita entre os dois gêneros.

Pergunta: Essa parte do policial, do crime, por ser mais trágico, também atrai bastante ibope?

72

Rosane Freire: Atrai. As mulheres, bastante na quali. A gente pensa que as mulheres não tem interesse nisso. Ah, o nosso grande publico também são as mulheres 30+, classe C+ e 30+, mulheres acima de 30 anos. E elas gostam de saber né, na quali elas falaram “a gente gosta de ta informado do que ta acontecendo”. Então gosta de ta informado inclui também a questão policial. O que eu posso saber, o que ta acontecendo... para alertar o meu filho. Então elas querem saber, por isso a gente acaba tendo... informando isso.

Pergunta: E essa participação ela acontece, por exemplo, tem o site de vocês que da pra entrar, mas é mais por telefone? Por e-mail? Rosane Freire: O pessoal entra mais em contato por telefone. E-mail... são bem poucos os emails recebidos. Porque é uma questão cultural né. Além disso tem a questão de ter o computador em casa e a questão cultural, as vezes você pode ate ter, mas o telefone é tão mais próximo. A ligação é tão mais quente. Você pode meter a boca e falar. Né? Do que até você chegar lá, até você escrever toda aquela sua emoção já passou né. Voce transformar aquilo em emoção.

Pergunta: E, digamos assim, você passar literalmente o que você ta sentindo, imagine é, como você falou, uma questão cultural. Uma pessoa classe C as vezes ela escreve, ela passou a informação mas não quer dizer bem aquilo que ela disse. Rosane Freire: É não expressou o que ela gostaria a indignação. Acredito que acaba sendo mais próximo o telefone. E as pessoas ligam mesmo. Elas não têm ligação o dia inteiro, a gente acaba tendo até as 4 da tarde pessoa atendendo. Mas se tivesse 24 horas, tinha 24 horas. Eles ligam avisando a gente. A gente pegou um caso a semana passada, que teve uma séria de tragédias la no Umbará, não sei se vocês ficaram sabendo. Um atropelamento de uma criança, ai gerou uma manifestação a tarde, uma manifestação a noite, ai a noite o cara que participou da manifestação, que era primo, morreu assassinado. Depois uma morreu uma outra mãe, vó, na mesma rua. Isso gerou, o que que aconteceu? Quem que ligou para a gente e a gente foi de manha? E só a gente tinha isso? E as outras emissoras não tinham esse protesto? Foram as pessoas que moram no bairro. Ligaram para cá e a nossa equipe foi para la e fez a reportagem. Acompanhou ne. É a proximidade. Acaba gerando aquela confiança “eu vou ligar para a Rede Massa porque eles vão fazer”, “Porque eles fizeram para um caso”.

Pergunta Eles acham que com isso vai ser resolvido de alguma forma, alguma coisa.

73

Rosane Freire: Isso, porque eles na cabeça deles, eles acreditam que nós somos o quarto poder. Muitas vezes acaba acontecendo que expõe o problema e a prefeitura vê aquilo lá e não quer denegrir a imagem da prefeitura do trabalho delas. Então acaba fazendo. A gente até criou um selo do compromisso. Vai lá mostra o caso da rua que não tem lombada e tal. A população reclamando, teve acidente, teve isso, teve aquilo. Ai mostrou as pessoas reclamando. Ai conversou com a prefeitura, a prefeitura disse que tal dia ia arrumar, daí a gente volta la tal dia “olha não arrumou ainda aqui”. Ai volta, ai a prefeitura “olha a gente já arrumou” ou a própria população liga “ó agora já tem lombada aqui”. Ai a gente vai la e coloca “compromisso”. Por quê? Isso acaba dando proximidade, confiança no trabalho que a gente faz.

Pergunta: E assim, quando vocês passam noticias, e o apresentador fica um tempo maior assim naquela noticia, é por algum motivo especial? Rosane Freire: Não, é como eu falei, é questão outoral, se o apresentador acha que aquele fato, ele acha que é importante ter relevância. Isso o apresentador e o editor chefe, o Fábio é o editor chefe. Ele fala: “vamos dar uma atenção especial nisso porque isso choca a população, isso as pessoas gostam de ouvir, isso as pessoas querem saber, isso também chocou”. Faz uma avaliação na redação e acaba tomando mais tempo daquela ou da outra matéria. Ou questão as vezes de tempo mesmo, de time “hoje tem muita noticia olha” as vezes ele mesmo fala “não, eu tenho que comentar isso aqui”, não sei se vocês já viram, “eu preciso comentar isso aqui. Eu tenho pouco tempo mas eu preciso comentar”. Então assim é tudo questão no dia, eu tenho muito espaço para, eu tenho muitas noticias, eu tenho pouca noticia, isso aqui choca, isso aqui não choca. Isso aqui vai dar repercussão ou não. Isso a gente vai continuar batendo na tecla. Isso é importante ou não. Isso da ou não ibope. Então tudo isso pesa quando você ta colocando o programa no ar. “As pessoas tão ligando?” as vezes o editor chefe ta la, colocou a matéria, e daí já entra ali perguntando para a menina que fica atendendo “e ai as pessoas tão ligando? Tão querendo falar sobre esse caso?” Entendeu? Então ele já sabe se vai dar mais ênfase para aquele assunto ou não.

Pergunta: Então existe muita participação das pessoas né? Elas já ligam na hora. Rosane Freire: Existe.Na hora. Elas se indignam na hora, elas querem ajudar na hora. É muito legal. Essa parte é muito legal mesmo. Se tivesse um canal, facilidade, que as pessoas pudessem interagir mais, ela interagiriam mais, eu acredito. Mecanismos técnicos, para fazer.

74

Então assim se tivessem coisas técnicas que elas pudessem participar, eu acredito que elas participariam mais ainda. Bom o palco do povo é uma forma também delas participarem. Eles vão lá, tem interação la no palco, que é ao vivo, tem interação por telefone, tem e-mail que a pessoa pode mandar. Tem gente que manda cartinha, de carta, gente! É tão bonitinho as cartinhas, bem bonitinho as cartinhas pedindo as coisas ou contando uma historia. Uma transformação que a gente fez no dia dos pais. Ela insistiu tanto queria tanto fazer a reportagem. A gente tem um quadro que se chama “transformar” só que isso a gente não faz sempre. E daí tava parado o quadro, e daí ela ligou, ela mando e-mail e ela resolveu mandar uma carta. E a historinha dela era muito comovente e a gente acabou pegando como uma transformação. Ela queria fazer uma transformação para o marido no dia dos pais. Como se fosse uma homenagem. Então ela contando como ela conheceu ele, no caso, o amor deles, porque os dois perderam os respectivos na mesma época, se encontraram, ele acabou adotando os filhos dela como filhos. E como ele era trabalhador, ele era carregador de gás, ele era sofrido, ela queria mudar o visual. Então assim um exemplo de participação de participação inclusive por carta. A gente pensa “a as pessoas vão mandar carta?” as pessoas mandam carta.

Pergunta: Então mesmo com a internet o pessoal ainda liga e manda carta mais do que manda e-mail? Rosane Freire: Isso, questão cultural mesmo e questão de acesso. Costume, acesso. Porque assim o computador ta bem fácil, mil reais, parcela em doze vezes você consegue tira um computador. Mas o traquejo para usar é outro né. Você pode ter o equipamento e não usar. Por questões culturais, democratização mesmo do equipamento, da informação. Domínio da maquina.

Pergunta: E como você falou, o apresentador ele da a opinião dele, ele aborda aquele assunto do jeito que ele acha mais sensato, mas vocês.. tem um limite. Rosane Freire: Tem uma linha, ele não vai sair, ele sabe até onde ele pode ir. A casa normalmente pensa assim, então ele vai se expressar. Como as vezes ele vai sair fora daí vão ser chamado atenção. Mas ele sabe de uma linha, ele tem uma linha. Como ele sabe a linha do programa ele vai saber onde argumentar, como argumentar. Sem chocar, sem é... fazer proximidade. O apresentador atual do Tribuna da Massa, ele ta a 20 anos, 25 anos de jornalista e são mais de 10 anos de radio. Então radio é muito mais próximo ainda né. Então o

75

feeling dele do que comentar, quando comentar é bem diferente de alguém que não tem esse contato do dia-a-dia. Então ele sabe...

Pergunta: Ele sabe o que a pessoa quer ouvir, qual a indignação que a pessoa ta sentindo. Rosane Freire: Isso, porque, alem da Tv, ele tem com o radio que é muito mais próximo das pessoas, o radio...

Pergunta: Ele trouxe essa linguagem do radio? Rosane Freire: É na verdade assim, o primeiro apresentador do Tribuna foi uma pessoa também do rádio. Então a linguagem é quase uma extensão, essa coisa popular né. É a mistura de Tribuna, também do tribuna lá embaixo, não é só crime mas tem uma pitada de crime, uma pitada de entretenimento. A gente que também dar muita matéria de mulher porque a gente sabe que o nosso publico também são mulheres, nosso publico é mulher 30+ né. Então tem tudo. Vai dosando, as vezes fica mais policial, por exemplo: segunda-feira sempre vai ter mais policial, porque o final de semana é sempre mais violento. Aconteceram muitas noticias né, então em média tem final de semana que são 30 mortos em uma cidade como Curitiba, 2 milhões de habitantes, Curitiba e região metropolitana... 30 mortos se você comparar e mais que uma guerra que acontece lá no Iraque, por exemplo.

Pergunta: Você sente algum problema com o horário do programa, sendo que a classe C trabalhadora, ta trabalhando no horário do programa? Rosane Freire: Olha o publico como são mulheres né, classe C, tem, pode conquistar mais ainda, porque é o horário do almoço e muita gente ainda vai para casa almoçar.

6.2.2 Entrevista com Adilson Arantes

Entrevista realizada na sede da Rede Massa no dia 21/08/2010 com o apresentador do programa Tribuna da Massa 2ª edição, Adilson Arantes, também locutor da Banda B:

Pergunta: Não não, é só porque a gente tá vendo que o maior público da Tribuna é Classe C né… Adilson Arantes: É

76

Pergunta: Como você faz pra falar com as pessoas ? Adilson Arantes: Aqui nós temos que falar com todos os públicos né. As pesquisas mostram que tem classe A, tem classe B, C (em grande número né – a maioria é classe C), D e E. Mas você tem que usar uma linguagem universal. Você tem que falar de economia pra classe A, que já sabe, e você tem que usar uma linguagem já traduzida pra Classe C. Déficit! Pouca gente sabe, aí você tem que usar: Tá devendo, né… Você traduz imediatamente. E esse é o segredo da comunicação na verdade né. Vocês tão estudando, vocês vão vivenciar isso né, todo dia… Quando vocês saírem de lá você não pode focar num público, a comunicação é universal, não adianta, você tem que falar pra todas as classes, todas, se não você vai ter só aquele nicho – a não ser que você queira isso, e eu duvido que tenha um jornalista que queira só falar pra “aquilo” – aí não é jornalismo, pra mim não é jornalismo. Jornalismo, né, ele é abrangente. Esse é o segredo do programa, tanto aqui quanto na rádio banda B, onde eu trabalho também – a gente usa a linguagem universal, já traduz, não tem voltas né. Pergunta: E a rádio te ajuda também na… Adilson Arantes: Muito. Aliás, a rádio é minha grande escola né. A rádio é a grande escola, foi… É uma linguagem… A televisão não usava isso. Se você perceber, de uns anos pra cá que as televisões começaram a fazer programas populares. Comunitários. Porque antes nós tinhamos programas policiais, né. Vocês eram pequenas ainda, crianças, e vocês já ouviam programas policiais na televisão. Hoje, que vocês observam, que vocês assistem, são programas comunitários – issó é jornalismo comunitário – que tem claro, a violência, que tá inserida no nosso dia-a-dia no cotidiano nosso. Experimenta cruza o centro da cidade 8 da noite – vai ser caso de polícia , vai virar reportagem aqui. Isso é comunidade, também, como um buraco na rua, como falta de um médico no posto de saúde. E a gente gosta de fazer isso.

Pergunta: Cê tem algum referencial assim que você se inspire na apresentação, na rádio ou aqui? Adilson Arantes: Ahhh, em todos. Eu vejo tudo, ouço todos. Um específico não, não. Porque seria cópia. É complicado né, você ficar copiando, não dá certo, não é legal. Claro, você tem que assistir todos, ouvir todo mundo, assim no rádio como na TV também. Mas um específico não tem não.

77

Pergunta: O apresentador antigo, por exemplo, ele expressava muito mais a opinião dele, fazia assim… dava uma abordagem, um enfoque assim, até, digamos assim, até mais exagerado… Adilson Arantes: Isso. Sabe por que? Tá Gravando? Pergunta: Tá. Adilson Arantes: É assim, é diferente. São outros estilos, outra época. Se eu chegar, abrir a câmera pra mim aqui, e eu ficar… Eu tenho 1h15 de programa, agora por causa da propaganda política eu tenho 1h. Antigamente o apresentador chegava pra apresentar e ele tinha 3 matérias no programa e ele precisava falar – esse é o primeiro item. Segundo item: antigamente o apresentador chegava na televisão e ele era personalista, o programa era ele. Ele era mais importante que o veículo, ele precisava falar. Segundo item… Terceiro item: antigamente os apresentadores iam pra televisão (hoje também, a maioria) pra se promover, pra dar opinião deles sobre determinada coisa, pra… Já pensando numa futura campanha política. Eu não sou político, muitos que eu conheço não são políticos – são jornalistas. Ninguém tá aqui atrás de voto, então o mais importante é a notícia, o mais importante é o veículo – não é o apresentador. Amanhã se me der uma dor de barriga, uma dor de cabeça ou eu saio da emissora, quem é que vai apresentar? Acaba o programa? Assim como não acaba/não vai acabar, como não acabou quando o anterior saiu daqui. Porque o programa, a marca, o jeito, ele tem que continuar. Ninguém é eterno e ninguém é político né. Ninguém é candidato a nada. Essa é uma diferença básica. A outra diferença: quanto mais você fala mais você dá bom dia pra cavalo, mais você vai tá sugeito a falar mais besteiras. E é um risco né, porque a linha ela é tênue né, ela… Pra você tá numa linha de… pra pular pra cometer injustiças, destruir a vida de alguém num comentário que se empolgou, porque precisa falar, porque não tem material, não tem produção, é num instante. Então essas são as diferenças básicas né. Mudou muito. Nossa, é uma diferença… Não pode falar um monte. Você não quer ver ninguém falando pra você. Você já viu a matéria! Dez segundos, é o suficiente… É a opinião tua (ok, - opa, ele pensa isso! Ok.) Agora, ficar… né… fica chato, você muda de canal. Antigamente não mudava porque tinha pouca opção – hoje em dia todo mundo tem TV à cabo (muda! Pode fazer o teste.) Isso é a evolução da comunicação Curitibana, Paranaense. Tem outras capitais e tem os estilos deles. Florianópolis é diferente, Nordeste é diferente, São Paulo é diferente. Em São Paulo o Datena fica lá, o Datena: blá blá… Tem gente que não aguenta! E tem gente que adora. Entendeu? A linha ela é bem fininha né.

78

6.3 ANEXO DE IMAGENS

FIGURA 6.1 – No rastro do mistério. Capa do Jornal Tribuna do Paraná de 15/04/2008.

79

FIGURA 6.2 – 10 + 10 = 2. Capa do Jornal Tribuna do Paraná de 04/08/2008.

80

FIGURA 6.3 – 50 tiros, 4 mortos. Capa do Jornal Tribuna do Paraná de 15/04/2008.

81

FIGURA 6.4 – Monstro é apelido. Capa do Jornal Tribuna do Paraná de 05/10/10, referente ao caso “Aleixo boca torta”.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.