A NARRATIVA INTERATIVA SURREAL E O SIGNIFICADO DA ESCOLHA NO INDIE-GAME STANLEY PARABLE

October 8, 2017 | Autor: Lucas Tunes | Categoria: Narrative, Literature and cinema, Video Games, Narratology, Audiovisual
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL CINEMA E AUDIOVISUAL

LUCAS TUNES BARBOSA

A NARRATIVA INTERATIVA SURREAL E O SIGNIFICADO DA ESCOLHA NO INDIE-GAME STANLEY PARABLE

NITERÓI DEZEMBRO / 2013

LUCAS TUNES BARBOSA

A NARRATIVA INTERATIVA SURREAL E O SIGNIFICADO DA ESCOLHA NO INDIE-GAME STANLEY PARABLE

Trabalho de conclusão para a disciplina Cinema

Audiovisual

e

Literatura

I,

da

Universidade Federal Fluminense, Instituto de Artes e Comunicação Social, curso de Cinema e Audiovisual.

Professor Maurício de Bragança Professora Lucía Caminada Rossetti

NITERÓI DEZEMBRO / 2011 2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................4 1. SOBRE STANLEY PARABLE..................................................................................5 1.1 Obra autoconsciente..............................................................................................6 2. TERRITORIALIDADES DENTRO DA NARRATIVA INTERATIVA..........................8 CONCLUSÃO: a primeira escolha.............................................................................13 BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………………..14

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INTRODUÇÃO

Será analisado aqui o jogo eletrônico Stanley Parable. Como obra narrativa, será destacado qual é a sua estrutura literária e de que maneira se desenvolve a estória. A escolha por um videogame como objeto de estudo se deu por conta das possibilidades que, como uma mídia recente, este propõe para abordar as territorialidades herdadas de diversas outras formas de arte, como o cinema e a literatura, que se somam a uma característica a mais, que é o lúdico dos jogos. Do cinema, existe a problematização da imagem (e do som) que conta uma estória, e na questão de quais são os elementos diegéticos e não diegéticos. Da literatura, Stanley Parable possui a narração como elemento principal no desenvolvimento da parábola. Stanley Parable é um jogo rico para esse tipo de análise, principalmente por ter como objetivo a problematização das questões referentes à própria linguagem e mecânica dos videogames. Essa abordagem temática menos convencional de um game ocorre, em parte, pois esse jogo é um indie-game, ou seja, um jogo independente. Por ser desenvolvido em uma produtora independente, assim como ocorre muitas vezes no cinema, possui maior liberdade de criativa e política de abordagem temática, podendo inclusive criticar a indústria dos games e suas convenções formais. Mesmo assim, o game conquistou em pouco tempo um relativo sucesso com o público e um sucesso ainda maior com a crítica especializada com praticamente nenhuma nota abaixo de 90% de aprovação.

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1. SOBRE STANLEY PARABLE

Stanley Parable é um game desenvolvido pela produtora independente Galactic Cafe, e foi lançado para download online dia 17 de outubro de 2013. Seu desenvolvedor e idealizador é Davey Wreden, que decidiu fundar a produtora depois de ter criado a primeira versão do jogo, em julho de 2011, baseado em um mod (versão modificada) de outro game chamado Half-Life 2. O jogo se apresenta em primeira pessoa, na qual o jogador/espectador assume o papel de Stanley e seu ponto de vista literal dos acontecimentos, ou seja, enxerga o jogo “através dos olhos” deste. Contudo, o jogo apresenta também um narrador em terceira pessoa, que exibe, durante a parábola, o foco narrativo atrelado à Stanley, acompanhando-o, como que para compensar seu mutismo. De acordo com a descrição apresentada pelo narrador do jogo, sobre Stanley: “Essa é a história de um homem chamado Stanley. Stanley trabalha para uma companhia num grande prédio onde ele é o empregado número 427. O trabalho do empregado número 427 é simples - ele senta na sua mesa na sala 427, e aperta teclas no teclado. Ordens são dadas por um monitor na sua mesa, mostrando a ele quais teclas apertar, por quanto tempo apertá-las, em que ordem. Isso é o que o empregado 427 faz todo dia de todo mês de todo ano, e apesar de muitos acharem o trabalho bastante ruim, Stanley adorava cada momento em que as ordens vinham, como se tivesse sido feito exatamente para esse trabalho. E Stanley era feliz.” O jogo começa com um evento “inesperado”: Stanley esteve esperando durante muito tempo em sua sala, aguardando ordens, porém elas não chegavam. Ele percebe estar sozinho no escritório, nenhum de seus colegas de trabalho havia aparecido, nem mesmo seu chefe, e então decide investigar o ocorrido, levantandose de sua escrivaninha em direção à sala de reuniões. Toda ação no jogo é descrita pelo Narrador, que fornece as direções e decisões que Stanley deve tomar, as quais por consequência o jogador deve seguir, para que a “estória” progrida. Feito isso, sem nenhum desvio, é possível chegar ao “final feliz” do jogo em aproximadamente 7 minutos, porém, esse final é intencionalmente insatisfatório, sem responder nenhuma das dúvidas que Stanley (e o jogador) possui no início do jogo, como “onde estão todos os seus colegas?” ou “porque todas as salas eram monitoradas 5

daquela maneira?”. Por conta disso, o game retorna imediatamente ao início, convidando a ser jogado novamente. Um jogador desatento pode achar que já conseguiu finalizar o jogo e se desinteressar por um novo round, porém Stanley Parable foi desenvolvido esperando como resposta a curiosidade de ser explorado repetidamente e, principalmente, o atrevimento do jogador de desobedecer aquilo que o Narrador dita, para que seja possível descobrir ainda mais o que o game pode oferecer.

1.1 Obra autoconsciente.

À medida que a narrativa de Stanley Parable progride, percebe-se que o Narrador não é apenas um descritor da estória, mas também uma personagem, em relação a qual se pode discordar e desafiar. Apesar da difícil classificação, o Narrador é o mais próximo de um antagonista nesta narrativa, ao mesmo tempo em que é o próprio narrador. Ele narra e ajuda o protagonista, mas também, se este o desobedece, coloca diversos obstáculos, limitações próprias da interface do game, ou seja, assume diversas funções narrativas no decorrer da parábola. Esse personagem também fala diretamente à Stanley, a partir de certo momento, consciente de que este possa ouvi-lo, por meio dos ouvidos daquele que joga o game. O Narrador, em pé de igualdade com o jogador, “sabe” que faz parte de um jogo, é autorreferente, citando a si próprio de forma metalinguística e, inclusive, reivindicando a autoria dessa obra, como se pode observar em diversos momentos onde se atribui, por exemplo, “Sorry, but you are in my story now!” (“Desculpe, mas você está na minha estória agora!”). Stanley Parable brinca com as situações, não ignorando o fato de ser um game, jogando com as possibilidades que esse tipo de plataforma lhe permite. No início da estória o Narrador “se faz de sonso”, como se não soubesse que a mesma pessoa que ouve sua narração também controla o protagonista desta, atribuindo a Stanley uma consciência postiça de sua situação. Assim, o Narrador brinca com essa condição e, dissimuladamente, fica surpreso com “descobertas” feitas por Stanley, como quando este “advinha” uma senha secreta que acabara de ser 6

mencionada pelo próprio Narrador: “O que ele não poderia saber era que o teclado, atrás da mesa do chefe, guardava a terrível verdade que seu chefe escondera dele por muito tempo. Protegido por uma senha numérica extremamente secreta, 2 8 5 4. Mas é claro, Stanley não teria como saber disso. [pausa para o jogador digitar os números] Incrivelmente, apenas apertando números aleatórios no teclado, Stanley acertou a sequência correta, por pura sorte.”. Superada essa fase inicial de aparências, existem os primeiros desvios em relação à estória previamente planejada pelo Narrador. A partir desse momento, este personagem abandona em parte a função narrativa que lhe dá nome, a qual já parecia ser um grande esforço manter, e passa a se dirigir diretamente à Stanley: “Veja, Stanley, eu acho que começamos com o pé errado aqui, eu não sou seu inimigo, realmente não sou.”. Obviamente, Stanley – quem, nesse texto, pode ser considerado como um pseudônimo do próprio jogador, ou mesmo sua extensão virtual – já poderia esperar esse tipo de reação, na medida em que é possível desconfiar do Narrador quando este parece lançar indiretas em vários momentos do game. Por exemplo, no momento em que o jogador tem a opção de entrar num corredor

onde

está

escrito “escape” (“fuga”), ao invés de seguir o caminho orientado, narrase:

“Apesar

dessa

passagem apresentar a ‘fuga’

palavra

escrita

nela, a verdade era que, no final desse corredor, Stanley encontraria sua morte Uma

violentamente.”. clara

ameaça

disfarçada de descrição imparcial.

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2. TERRITORIALIDADES DENTRO DA NARRATIVA INTERATIVA

Stanley Parable é uma parábola cíclica, sempre voltando ao início, na sala 427, depois de inúmeros “finais” insatisfatórios, causando uma claustrofobia angustiante, especialmente na esfera narrativa. A estória parece nunca evoluir, sendo interrompida e reiniciada repetidas vezes, contra ou com a vontade do jogador. Porém, o início, assim como os finais, não é sempre o mesmo, mas também não diverge muito, existe sempre um pequeno detalhe, alguma coisa diferente, ou então muita coisa diferente, mesmo que se passe teoricamente ainda no mesmo espaço. Pode-se querer identificar nesse ponto uma intenção de algum tipo de nãonarrativa, uma estória na qual muito acontece, mas praticamente nada evolui. Quanto mais se tenta desvendar e investigar sobre a estória e o espaço, mais essa busca parece sem sentido, com fim em si mesmo, ou até mesmo sem fim, um perfeito labirinto narrativo, onde as escolhas do personagem/espectador o levam sempre a um beco sem saída, no qual a única escapatória é voltar ao início ou desistir do jogo. Porém, pequenas novas possibilidades instigam o jogador a continuar explorando. De acordo com a própria publicidade do game: “Você vai jogar como Stanley, e você não vai jogar como Stanley. Você vai seguir uma estória, você não vai seguir uma estória. Você vai ter uma escolha, você não terá escolha. O jogo vai acabar, o jogo nunca vai acabar. Contradição segue contradição, as regras de como os jogos deveriam funcionar são quebradas, e então quebradas novamente. Este mundo não foi feito para você entender. Mas à medida que você explorar, lentamente, começará a surgir significados, os paradoxos podem começar a fazer sentido, talvez você seja poderoso, afinal. O jogo não está aqui para lutar contra você, ele está convidando você para dançar.” Definitivamente a arquitetura do edifício onde se passa o game contribui de forma essencial para a sensação de claustrofobia que se procura aplicar no jogador. Qualquer passagem que pareça ser uma saída ou é intangível, ou falsa. Mesmo as janelas nunca mostram uma paisagem do lado de fora, a maioria delas simplesmente apresente uma forte luz branca do outro lado, como que para evidenciar a artificialidade do cenário. Este, aliás, preocupa-se em ser bastante verossímil em certos pontos, ao mesmo tempo em que pretende ser muito 8

inverossímil, com um toque de absurdo, para confundir ainda mais aquele que se propõe a jogar. Um exemplo desse ambiente quase onírico de verossimilhança absurda é a sala de reuniões. Ela se parece como qualquer outra sala de reuniões, com uma grande mesa, muitas cadeiras, um projetor de slides, diversas lousas brancas com anotações. Porém, numa observação mais profunda, identifica-se outro nível da narrativa dentro desse mesmo espaço virtual que evidencia uma inverossimilhança latente: nenhuma das anotações nas lousas, nos papéis em cima da mesa, ou até na apresentação de slides parece fazer sentido, pelo

contrário,

são

uma

coleção

de

comentários nonsense, metalinguísticos

ou

que reflitam a mais absurda

burocracia

kafkiana. Stanley Parable faz uso brilhante de sua condição como jogo eletrônico e apresenta uma espacialidade virtual ao mesmo tempo confusa e instigante, que convida a transpor o habitual ambiente do escritório e levar o personagem/jogador a outros lugares ainda mais interessantes, sem mesmo precisar sair do edifício onde se encontra. Tal como o artista gráfico holandês M. C. Escher, o game faz uso da própria lógica espacial de quem joga para desconstruir a cartografia e formular uma arquitetura virtual supreendentemente engenhosa e surreal. Cada porta que se atravessa é uma decisão importante, pois existe sempre a possibilidade de o aposento que acabara de ser abandonado não esteja mais ali quando o jogador voltar. Como consequência de algumas decisões tomadas pelo personagem, Stanley pode entrar em um percurso cíclico, à medida que avança por ambientes idênticos, enquanto o Narrador descreve seus pensamentos, as diversas ideias que teoricamente se passam pela mente de Stanley naquele momento. Essa é uma situação ilustrativa do que esse game procura oferecer. Nesse momento o jogador se torna um mero ouvinte, na medida em que não tem real escolha, nem sobre o percurso que toma na narrativa, nem mesmo sobre quais são os pensamentos de 9

Stanley (e por extensão os seus próprios). Conforme a narração avança, observa-se externalizado no ambiente virtual aquilo que antes parecia pertencer exclusivamente ao ambiente psicológico da personagem. O Narrador descreve que Stanley julga estar sonhando, que começa a se imaginar fora dali, no espaço, flutuando, e simultaneamente o jogador literalmente vê essa projeção diante da tela do computador, a sala virtual se enchendo de estrelas e o personagem se elevando. Em diversos momentos como esse, o Narrador demonstra ter um poder maior que o próprio jogador sobre essa narrativa interativa. Entretanto, assim como todos os games se propõem a oferecer (em maior ou menor grau), aquele que joga é também uma peça essencial na construção da narrativa, atuando como um performer, na medida em que pode tomar esse ou aquele caminho durante a exploração do ambiente virtual. A narrativa se constrói a partir das escolhas tomadas pelo jogador, que, dessa forma, subjuga o Narrador como um personagem com inteligência artificial controlada por certa quantidade de algoritmos que determinam o que ele deve dizer e quando. O personagem/jogador, porém, segue na maior parte do tempo um script pré-determinado pelos desenvolvedores do game, ou seja, a ilusão de um livre-arbítrio virtual é apenas a execução de um caminho anteriormente planejado, onde existe apenas uma determinada coleção de escolhas limitadas que já são esperadas. Essa é uma questão já bastante discutida entre os diversos especialistas em games, a qual Stanley Parable tem o mérito de abordar de forma acessível e muito interessante dentro da própria narrativa. Em um momento da parábola, surge uma segunda narradora, com o poder de pausar o jogo e comentar, além de Stanley, o próprio Narrador. Ela se apresenta como uma figura ainda mais poderosa que o Narrador, e, após uma das diversas mortes de Stanley durante a narrativa, comenta: “Faltavam poucos minutos para Stanley recomeçar o jogo. De volta ao seu escritório. Vivo como nunca. O que exatamente o Narrador pensava que ele ia conquistar? Quando cada passo que você dá já fora criado para você muito antes, a morte passa a perder o seu sentido, fazendo o mesmo da vida. Você vê agora? Você vê que Stanley já estava morto desde o momento em que ele apertou ‘START’? Ah, olhe para esses dois. Como eles desejam destruir uma ao outro. Como eles desejam controlar um ao outro. Como ambos queriam ser livres. Você pode ver? Consegue ver o quanto eles precisam um do outro? Não, talvez não. Algumas vezes essas 10

coisas não podem ser vistas. Mas me escute. Você ainda pode salvar esses dois. Você pode parar o programa antes que ambos falhem. Aperte ‘ESC’ e selecione ‘QUIT’. Não existe outra maneira de vencer esse jogo. Enquanto você seguir em frente estará fazendo o caminho de outra pessoa. Pare agora! É a única escolha verdadeira que você pode escolher! Não deixe o tempo escolher por você...”. Nessa

narração,

a

interlocutora

se

dirige

diretamente

ao

jogador,

desvinculado do personagem Stanley, e comenta a relação deste com o outro personagem do game, o Narrador. Esta é uma situação completamente diferente de todo resto do jogo, pois o Narrador nunca se dirige diretamente ao jogador, mas sim a Stanley, como que se desconhecesse a existência de um mundo além do virtual (e de fato desconhece). Esse é o momento quando um elemento externo, uma narradora, interrompe a narrativa cíclica que está em curso e convida o jogador a refletir sobre o próprio game em um ambiente totalmente novo e deslocado. Esse ambiente novo, onde se passa a narração transposta acima, tem a aparência de um museu metalinguístico, com suas paredes completamente brancas e neutras para não competir visualmente com as obras expostas. É metalinguístico, pois a exposição presente nesse “museu” é sobre o próprio jogo Stanley Parable. Veem-se expostas como obras de arte, deslocadas de seu ambiente “natural”, além de maquetes do jogo, ilustrações e protótipos, diversos itens e quadros que decoram a salas e compõem o cenário do game, todos eles acompanhados de seus “títulos” e convenientes bulas explicativas. Esses elementos características de um museu convidam à reflexão, principalmente por meio do distanciamento. O jogador pode permanecer nesse ambiente, investigando-o e examinando cada item o tempo que desejar, nesse

porém “museu”

possível

é

perceber

uma atmosfera de extrema

ironia,

tanto em relação ao vazio desse tipo de experiência

em

comparação com a vivência daqueles objetos em seus ambientes originais dentro do game, quanto em 11

relação a própria tentativa de legitimação do um jogo de videogame como obra de arte por meio da inserção desse dentro de um museu. Ao abandonar esse lugar, ouve-se a última parte da interlocução, onde a narradora parece tentar conscientizar o jogador da inutilidade em prosseguir com o jogo, que a situação entre Stanley e o Narrador não pode ser resolvida por quem joga, até mesmo clamando para que o jogador desligue o jogo, demonstrando uma “consciência” artificial da existência de um mundo além do virtual. O “museu” não é o único ambiente evidentemente deslocado do escritório no decorrer do game. Apesar de quase tudo nesse jogo parecer deslocado da normalidade, algumas territorialidades merecem destaque, como é o caso do momento narrativo quando o Narrador está em conflito com Stanley, pois este parece insatisfeito com as limitações impostas por aquele. Nesse momento, desobedecendo as ordens do narrador, Stanley passa a ser conduzido a partes do jogo ainda em construção, com texturas e recintos inacabados, uma estética diferenciada que mistura algo de uma programação elementar. Nesse ambiente, o Narrador propõe a Stanley, visto a insatisfação de deste em relação ao game, que jogue então outro jogo, apresentando então um mini-game absurdo cujo objetivo é evitar que um bebê falso se queime nas chamas. Depois que Stanley falha nesse jogo, são apresentadas mais duas referências de games que de fato existem fora do universo de Stanley Parable,

o

game

independente

de

maior sucesso nos últimos cinco anos, Minecraft e, um do principais

game

puzzle em primeira pessoa, primeiro

Portal. é

O

muito

conhecido pela virtual infinidade de possibilidades que o jogo oferece, ao passo que também é muito simples, e consiste em um mundo aberto virtual composto de cubos de proporções idênticas e diversos materiais, com os quais se pode construir aquilo que desejar, análogo à um Lego virtual. Ironicamente, quando o Narrador transporta 12

Stanley para esse outro jogo, não permite que o personagem/jogador efetivamente o jogue, fazendo tudo por ele, automaticamente, enquanto narra. Mesmo com essas limitações, o Narrador se mostra insatisfeito em jogar Minecraft por ser muito aberto e transporta Stanley novamente, para outro jogo. Em Portal, o Narrador evidencia sua satisfação em ver o personagem aprisionado, e garante que este não avance no game, transportando-o em seguida para a primeira versão de Stanley Parable (2011) antes de leva-lo de volta ao início do jogo, novamente. Essa sequência evidencia o fato de que, mesmo que o próprio ambiente do jogo se coloque como um labirinto para o jogador, o principal conflito do game é, independente de qualquer ambientação, a disputa pelo poder entre Stanley e o Narrador. Essa disputa por sua vez é inútil, pois nenhum dos dois, na condição de personagens, tem poder algum, na medida em que eles são, por sua vez, apenas metáforas que representam o jogador/espectador e o desenvolvedor/programador do game.

CONCLUSÃO: a primeira escolha

Finalmente, toda a filosofia que perpassa a narrativa interativa de Stanley Parable pode ser ilustrada por uma das mais repetidas e simples imagens do jogo: a primeira escolha, quando, pela primeira vez no game, o jogador tem a possibilidade de escolher entre a porta da esquerda ou da direita. É a partir desse momento que um leque de finitas possibilidades se abre diante de quem joga, tudo resumido na simplista decisão entre esquerda ou direita, mesmo que todas essas escolhas já 13

tenham sido antecipadas pelo autor do game. Essa decisão, por extensão, significa, dentro da narrativa em que se constrói, obedecer ou desobedecer ao Narrador. Esse tipo decisão também é possível dentro de uma obra literária, na medida em que qualquer leitor pode pular de capítulo em capítulo, e até mesmo de página em página, desobedecendo à ordem dos acontecimentos imposta pelo narrador. Porém, a linguagem do videogame permite que exista, ainda que pré-programada, uma resposta do narrador a esta desobediência. É exatamente com isso que Stanley Parable brinca para que o jogador perceba o real significado de suas escolhas dentro da narrativa, e quão limitadas elas são. Para isso, faz uso de diversos recursos emprestados de diferentes linguagens, como a existência de um narrador literário - mesmo que não tradicional, visto sua ambígua classificação narrativa - que se faz presente por meio de uma voice-over cinematográfica, a cenografia da imagem virtual verossímil inspirada na herança fotográfica e a arquitetura impossível surreal que tem origem referente às artes plásticas, além da própria linguagem de jogo, que trabalha com o universo das escolhas e possibilidades. Assim como todos os games nesse formato, a cartografia e exploração das territorialidades pelo jogador, tanto em nível narrativo quanto cenográfico, faz parte essencial da apreciação da obra audiovisual. A presença e importância do jogador para o avanço da narrativa, independente de em qual direção, é indiscutível, e mesmo que a todo o momento o game tente convencer o jogador que ele é um mero espectador, o próprio jogo não pode funcionar e a narrativa nem ao menos existiria se não fosse por aquele que joga.

BIBLIOGRAFIA

RYAN, M.-L. Narrative As Virtual Reality. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2001. JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. GOMES,

Renata.

Narratologia

&

Ludologia:

um

novo

round.

SIMPÓSIO

BRASILEIRO DE GAMES, 8, Anais... São Paulo: Centro Universitário SENAC, 2009. 14

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