A NATO no Paquistão em 2005: uma perspetiva portuguesa (2011)

September 24, 2017 | Autor: Nuno Lemos Pires | Categoria: Military History, NATO, Pakistan, Historia Militar
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Publicado em: atas do Seminário O Afeganistão, Lisboa, Programa D. Afonso Henriques e Imprensa Nacional – Casa da Moeda, pp. 83-98.

A NATO no Paquistão em 2005: uma perspectiva portuguesa Nuno Coreia Barrento de Lemos Pires https://academiamilitar.academia.edu/NunoPires

No âmbito do Seminário promovido pelo Programa D. Afonso Henriques tivemos a possibilidade de fazer uma conferência conjunta com o Sr. Coronel Correia sobre o empenhamento operacional português na região conhecida como de AfPak, mais concretamente, a região do Afeganistão e Paquistão. Para tal fizemos uso das nossas experiências pessoais em missões da NATO no Paquistão em 2005/06 e no Afeganistão em 2009/10. O objectivo foi o de apresentar as experiências vividas no âmbito mais vasto de operações conduzidas pela NATO mas focando a sua interpretação na perspectiva portuguesa de como foram vividas, e cumpridas, ou por outras palavras, utilizando o termo de John P. Cann, no Modo Português de o fazer1. Mas haverá uma forma portuguesa, modo português, verdadeiramente diferente de fazer? Sendo a presença portuguesa tão reduzida nos grandes contingentes internacionais a operar no Paquistão e no Afeganistão, poderemos identificar alguma diferença? E essa diferença poderá ser útil? Vamos tentar a responder a estas perguntas e recordar a única grande operação que a NATO fez até hoje no âmbito da NATO Response Force: NATO Disater Relief Operation in Pakistan 2005/2006. Portugal tem uma longa e reconhecida História. Na grande expansão global que conheceu, e que hoje a língua portuguesa (recordamos que o português é a terceira língua europeia mais falada no Mundo) é o testemunho mais vivo, foi sem 1

CANN, John P. (1998), Contra-Insurreição em África: O modo português de fazer a Guerra, 1961-1974, S. Pedro do Estoril, Edições Atena

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dúvida,

através

de

uma

forte

capacidade

de

estabelecer

um

correcto

relacionamento intercultural que Portugal se conseguiu afirmar nos quatro cantos do mundo. Nessa época, foi fundamental o papel dos cidadãos do nosso País, que longe da sua Pátria mãe, tiveram a responsabilidade de decidir em nome do País que representavam (sem o poderem consultar para obter a anuência das mesmas decisões). Pensamos que tal só foi possível por um certo Modo Português de estar no Mundo. Os portugueses habituaram-se, desde há muitos séculos atrás, que tinham de entender muito bem o que lhes era pedido, com grande capacidade de conhecimento e entendimento das realidades locais, capazes de motivar os seus concidadãos, companheiros de missão e aventura, e influenciar cidadãos de outros povos, outros credos, a anos de distância das suas terras distantes. Tinham de ser cultos, corajosos e esclarecidos. Tinham de ser humildes e com vontade de aprender. E assim se foi fazendo o português. Da fundação de Portugal aos nossos dias encontramos inúmeros exemplos da acção de portugueses espalhados pelo mundo, a muitos milhares de quilómetros de Lisboa. Enfrentaram enormes desafios, viveram entre culturas completamente diferentes, religiões e etnias, costumes, clima, alimentação, tão diferente do que conheciam e tomaram as decisões mais difíceis e, por vezes, sem apoio dos que com eles serviam. Tiveram que aprender a ser flexíveis, a adaptar, a negociar, a ajustar, a empenhar-se decisivamente por períodos longos de tempo. Aprenderam a saber usar, de forma judiciosa, os poucos homens com quem corriam riscos e os meios diplomáticos e militares que tinham ao seu dispor. Esta experiência foi crescendo de século a século e, à medida que aumentaram as dificuldades, quando muitos outros povos, especialmente europeus, começaram a competir directamente com as aventuras portuguesas, o engenho, a argúcia, a capacidade de tomar decisões difíceis, a responsabilidade de “saber ceder para poder manter”, cresceram também e, contra todas as probabilidades, Portugal foi se mantendo como Estado Global até ao final do século XX. Mas foi na Guerra de África, entre 1961 e 1974, que o Exército Português conseguiu finalmente reverter para doutrina o máximo de conhecimentos, regras e 2

ensinamentos para que qualquer soldado, em qualquer escalão de comando, soubesse decidir, e se necessário, isoladamente, de acordo com a intenção do seu comando. Foram publicados, entre 1963 e 1966, cinco volumes do Exército na Guerra Subversiva, que apontavam caminhos, estabeleciam técnicas e procedimentos, explicavam alguns dos fenómenos e que foram constantemente revistos e actualizados pelas lições aprendidas no conflito que continuava. Este exercício de escrita, de partilha, de pensar em português, não terminou com o fim da Guerra do Ultramar. Alguns dos militares que participaram na guerra, reflectiram sobre a mesma e escreveram doutrina para os novos conflitos que se adivinhavam. Hoje são essenciais as obras dos Generais Cabral Couto, Barrento, Loureiro dos Santos, entre muitos outros. Também surgiu (e continua a surgir) uma nova geração de Oficiais que tem reflectido na forma e modo português de pensar e, sem receio de pensar diferente, têm vindo a lume numerosas publicações de autores portugueses, reconhecidas de elevado mérito, de João Vieira Borges, Silva Ribeiro, Mendes Dias, Proença Garcia, etc. O modo português de pensar e de fazer continua e as missões no Paquistão e Afeganistão são disso um excelente exemplo. O Paquistão em 2005/062: De 24 de Outubro de 2005 a 08 de Fevereiro de 2006, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/ NATO), a pedido do Governo Paquistanês, efectuou uma Operação Humanitária de apoio às vítimas do terramoto que, no dia 8 de Outubro de 2005, assolou o nordeste da República Islâmica do Paquistão. Eram 08H50 locais (03H50 GMT), quando a referida região foi violentamente sacudida por um terramoto de magnitude 7.6 na escala de Richter, com epicentro

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Informações mais alargadas no artigo que serviu de base para este texto sobre o Paquistão: NATO Disaster Relief Team (NDRT) - A Primeira Missão de Ajuda Humanitária da NATO e da NRF - Paquistão Outubro 2005 – Fevereiro 2006, dos autores TCor Inf Nuno Lemos Pires, TCor Art João Silveira e PSar SGE António Rodrigues publicado no Jornal do Exército nº 551 de Maio de 2006.

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na região de Muzaffarabad, a capital da província de Kashmir, a 95 km da capital, Islamabad. Esta região do Paquistão é muito pobre e naturalmente as infra-estruturas, as casas, os edifícios, etc, não estão preparadas para enfrentar abalos desta magnitude. O terramoto provocou a destruição completa numa área de cerca de 30.000 km², nomeadamente ao longo da faixa sudeste-noroeste de Kashmir e parte do distrito de Bagh e de Abbottabad. Embora a dor e a perda não devam ser quantificados e/ ou qualificados, para a história ficaram os números, a estatística cilícia das pessoas que perderam a vida (a rondar 80.000), das que sofreram os mais variados ferimentos (mais de 100.000, entre elas cerca de 40.000 crianças), e de mais de 500.000 famílias (cerca de 3,3 milhões de pessoas) que ficaram sem casa. O Governo do Paquistão pediu então ajuda à comunidade internacional e também o fez à NATO. A NATO anuiu e foi então decidido enviar a sua força de alta prontidão, a NATO Response Force, que na altura se encontrava sob o comando do Allied Joint Command Lisbon, o comando aliado que tem o seu quartel-general em Oeiras, Portugal3. A

NATO

Response

Force

(NRF)

é

uma

forca

de

reacção

imediata,

tecnologicamente avançada e composta por várias componentes que incluem, entre outras, componentes terrestre, aérea, marítima, forcas especiais, capaz de ser utilizada pela Aliança em qualquer parte do mundo, num prazo mínimo de cinco dias, após decisão por parte do Conselho do Atlântico Norte (North Atlantic Council/ NAC). Em termos de emprego da NRF, esta força está orientada tanto para missões de combate e de paz, como também evacuação de nãocombatentes, contra-terrorismo, operações de embargo e de apoio a situações humanitárias resultantes de calamidades. 3

“When a devastating earthquake struck Pakistan-administered Kashmir in October 2005, the Pakistan’s rudimentary disaster-management mechanisms were unprepared; the only domestic institution capable of managing a response was the army. The massive international humanitarian response brought both domestic and foreign military assets close to the tense Lind of Control between the Pakistani- and Indian-administered portions of Kashmir. In the days following the disaster, the government approached NATO for assistance. NATO thus became involved in disaster relief outside the Euro-Atlantic area for the first time in its history” Stockholm International Peace Research Institute (2008), The Effectiveness of Foreign Military Assets in Natural Disaster Response, Suécia, SIPRI, p. 107

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A NRF, embora desenhada em função de cada situação em concreto, apresenta uma organização base. Em termos terrestres inclui uma força de escalão Brigada (incluindo forças especiais), onde deverão estar representados todos os sistemas de combate, apoio de combate e apoio de serviços. No que se refere à componente naval, tem a composição aproximada de uma Naval Task Force e no que diz respeito à componente aérea, deve garantir uma capacidade de até 200 missões de combate por dia. Está naturalmente desenhada e pensada para ser utilizada em missões de combate mas tem a suficiente flexibilidade para actuar em qualquer tipo das missões anteriormente assinaladas. A NRF possui um conjunto de características, consubstanciadas por uma organização flexível, uma doutrina coerente e um apoio inequívoco das nações participantes. É constituída e custeada a partir de diferentes contributos nacionais. Para o seu sucesso é fundamental um compromisso político inequívoco dos países participantes, na medida em que o seu emprego não pode estar condicionado por questões de natureza nacional. O seu ciclo de empenhamento cumpre-se em três fases: treino, certificação e prontidão. A rotação da força em imediata prontidão garante a participação de todos os Quartéis-generais de alta disponibilidade (terrestres, marítimos e aéreos), que incluem sempre as diferentes componentes da força conjunta e combinada. A fim de garantir a sua imediata intervenção em operações, as nações participantes deverão proceder à Transferência de Autoridade (TOA) das suas forças para a NATO (mais propriamente para o seu Comando Estratégico denominado de Allied Command Operations situado em Mons, na Bélgica) após a obtenção da certificação e antes do início do seu período de prontidão. Em Outubro de 2005, e pela primeira vez, elementos do comando Operacional de Oeiras (Allied Joint Command Lisbon) e dos seus componentes tácticos foram empregues numa missão, neste caso concreto, de Ajuda Humanitária. Durante o período da missão, a NRF adoptou a designação de NDRT (NATO Disaster Relief Team). No dia 6 de Novembro começou a voar o primeiro helicóptero da NRDT, no dia 9 o Hospital de Campanha da NATO começa a funcionar na área genérica da

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Caxemira, mais concretamente, em Bagh e, no dia seguinte, começaram os primeiros trabalhos de engenharia na região de Arja. A área de operações que o governo do Paquistão atribuiu à NATO para operar ficava situado no Vale de Jhelum e, das cerca de 3,3 milhões de pessoas estimadas que ficaram sem casa, mais de 364.000 encontravam-se aqui, nas encostas da grande zona conhecida como de Azad Kashmir junto à cordilheira dos Himalaias. Na área de operações atribuída, a NATO encontrou cerca de 65 povoações praticamente destruídas, mais de 140 outras povoações seriamente afectadas, 90% de todas as escolas, ou seja mais de 500 escolas, destruídas. Importa afirmar que muitos dos denominados grupos “fundamentalistas islâmicos” tinham sido dos primeiros a prestar auxílio às populações afectadas e que, nesta ajuda, também tinham sido levantadas inúmeras madrassas que acolhiam as crianças nas ruas. Se muitas destas madrassas ajudavam de facto as crianças outras, poderiam ser verdadeiros viveiros de fundamentalismo, o que importava tentar evitar – por isso, um dos pedidos que recebêramos do governo do Paquistão foi no sentido de construímos mais escolas. Também é relevante afirmar que o único Hospital da zona, situado em Bagh, estava parcialmente destruído e a estrutura remanescente apresentava perigo de ruína iminente, como as necessidades médicas eram gigantescas, outra das grandes prioridades que a NATO adoptou foi a prestação de cuidados médicos. A frase de ordem do Comandante da NRF 5, e também comandante do Allied Joint Command Lisbon (AJCL), Vice-Almirante dos EUA, John Stufflebeem, era muito clara: “Time is the enemy … NATO is delivering!”. Numa situação de catástrofe natural não havia tempo a perder e a NATO, com todas as suas capacidades e elevadíssima disponibilidade/ prontidão tinha de cumprir com o que se comprometia. O AJCL tinha recebido a missão do escalão superior para prestar apoio à República Islâmica do Paquistão. O Comado estratégico de onde Lisboa dependia - Supreme Headquarters Allied Powers Europe (SHAPE) deliniou a missão 6

genérica: “Conduct a NATO-led earthquake relief operation in order to provide valuable support in accordance with Pakistan requirements”. Recebida a missão do escalão superior, do nível estratégico, a mesma foi traduzida para o nosso nível operacional em Lisboa, como comando operacional conjunto: “Maintain airbridge (seabridge as required), provide restoration of roads, intratheatre lift, engineering and medical support”. O Almirante Stuflebeem, detalhou então a missão aos militares do seu commando e aos commandos de componente subordinados: “COM JCL, as the NRF and Joint Force Commander, will maintain air and sea aid bridges, and utilise assigned NATO capabilities for disaster relief to the Islamic Republic of Pakistan (IRP). This will be executed in co-ordination with the Government of Pakistan (GOP), United Nations agencies, contributing Nations, US AID and IO/NGOs until mission completion as determined by the NAC”. Mas acima de tudo, sabendo do tempo curto que disporíamos e, conscientes de que a NATO, só tinha sido autorizada a permanecer no território do Paquistão até 31 de Janeiro de 20064, foi muito importante que todos os participantes entendessem o que se pretenderia atingir no final, traduzido na nossa gíria militar como de “End State”. Assim, foi difundido que o objectivo final (End State) seria garantir: “The stabilisation and winterisation of the surviving population within the area of operations such that it can endure the winter season”. Lutávamos contra o tempo, em horas, mas também contra a descida rápida das temperaturas. As altitudes em que iríamos operar, junto à cordilheira dos Himalaias, levavam a que nos orientássemos para tudo fazer para ajudar os sobreviventes do terramoto a resistir ao Inverno que se aproximava. Sob a coordenação do Euro-Atlantic Disaster Response Coordination Centre (EADRCC), a Organização do Tratado do Atlântico Norte através do seu comando 4

Esta foi uma imposição de carácter político. Compreensivelmente a presença da NATO em território Paquistanês causou grande agitação entre os sectores mais radicais do País. Assim, o Presidente Musharaf anunciou que pedira ajuda à NATO mas, para que não houvesse dúbias interpretações sobre a missão que vinham desempenhar, apenas de ajuda humanitária, foi desde logo marcada uma data para todas as forças da NATO retirarem – 31 de Janeiro de 2006. Ou seja, pouco mais de 4 meses para cumprir o que nos era pedido. A título de curiosidade recordo que um dos últimos militares da NATO a retirar foi um português, Sargento-ajudante Rodrigues.

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operacional de Lisboa, esteve presente nesta operação com aproximadamente 1.200 militares, provenientes de 21 nacionalidades. A componente aérea (de comando francês) participou com aviões C-130 e C-160 de vários países, quatro helicópteros CH-53 alemães, um helicóptero do Luxemburgo e uma área de reabastecimento de combustível para helicópteros, proveniente da França. No que diz respeito aos meios da componente terrestre (de comando espanhol), foram enviadas para a zona de Bagh e Arja uma Companhia de Engenharia Ligeira de Espanha (Land Component Command/ LCC) e outra da Polónia, uma Companhia de Engenharia Pesada Italiana, um Esquadrão de Engenharia do Reino Unido, um Hospital de Campanha da Holanda – com efectivos médicos da República Checa, da França, do Reino Unido e de Portugal, um Hospital de Campanha do Canadá, Equipas de Purificação de Água de Espanha, da Lituânia e da Polónia e, igualmente, Equipas para a Cooperação Civil-Militar (CIMIC) provenientes da França e da Eslovénia. Através de uma efectiva ponte aérea, a NATO efectuou mais de 160 voos entre a Europa e o Paquistão, fazendo chegar ao terreno aproximadamente 3.500 toneladas de ajuda humanitária, incluindo 16.000 tendas, 500.000 cobertores, 40.000 sacos de dormir, 17.000 fogões e várias toneladas de medicamentos e de alimentos. A partir do aeroporto de Chaklala (Islamabad), helicópteros em permanente grau de prontidão transportaram mais de 1.700 toneladas de ajuda humanitária à região devastada, e encaminharam para as competentes autoridades paquistanesas mais de 7.000 pessoas deslocadas, doentes ou feridas. A equipa de reabastecimento de combustível, situada em Abbotabad, reabasteceu 1.095 helicópteros com 2.372 m³ de combustível. A Componente Terrestre materializou o seu apoio médico com a instalação de dois hospitais de campanha, tendo realizado cerca de 8.000 consultas, vacinado 2.300 crianças e observado 9.700 pessoas através de equipas médicas móveis transportadas via helicóptero, por viatura, e até com recurso à utilização de mulas, através das acidentadas montanhas da Caxemira.

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Em termos de apoio de engenharia, foram construídas 112 infra-estruturas (escolas e centros de saúde) acima dos 1.500 metros, que apoiaram 1.945 estudantes, permitindo que fossem atendidas perto de 1.700 pessoas por dia. Abaixo dos 1.500 metros de altitude, na região de Arja e Bagh, foram construídas 9 escolas para 525 estudantes e um Centro de Saúde apto a receber, diariamente, 200 pacientes. Relativamente à reparação e limpeza de estradas, foram feitos trabalhos numa extensão de cerca de 60 Km e removidos escombros num total de 41.500 m³, na área de Arja e Bagh. Em cooperação com algumas Organizações Não-Governamentais, a NATO apoiou o transporte e a montagem de 13 tendas escola, permitindo a sua utilização por parte de 1.500 estudantes. No final, cerca de 40.000 paquistaneses beneficiaram directamente da ajuda da NATO e 100.000 indirectamente. Portugal participou nesta operação com duas equipas médicas, na área de Ginecologia – sendo uma do Exército e outra da Marinha – e com militares do Estado-Maior do Allied Joint Command Lisbon (AJC Lisbon), tanto na fase de planeamento, como na condução da operação no Paquistão, nas áreas de Comando, Pessoal, Operações, Finanças, CIMIC (Civil-Military Cooperation/ Cooperação Civil-Militar) e Informação Pública. Que pudemos nós portugueses aprender e testemunhar como importantes nesta relevante missão? Primeiro gostaríamos de destacar alguns dos aspectos desta operação humanitária: •

Os desafios culturais – Tudo é diferente, desde o Olá até ao Adeus, não usando o cumprimento da mesma forma, não nos dirigindo às mulheres … passando

pelo

entendimento

do

conhecimento

das

posições,

responsabilidades, castas, pela forma como nos vestimos, o que comemos e bebemos, se cuspimos ou assoamos o nariz, de dirigimos palavras a quem não devemos – a preparação cultural é fundamental e o tempo foi muito pouco para a preparação;

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Respeitar as lideranças nacionais e locais – com tamanha urgência é normal querer fazer muita coisa em pouco tempo mas, no final, são os povos que lá ficam que continuarão a apoiar, temos de ter as lideranças nacionais do nossos lado, temos de entender as prioridades e ajudar a que o esforço local seja reconhecido e respeitado, não podemos nunca dar a ideia que só nós, os ocidentais, é que sabemos fazer as coisas;



As crianças e as mulheres – porque nesta cultura são de facto um caso à parte, desde o facto de as mulheres só poderem ser tratadas (assistidas por outras mulheres, que os homens estão proibidos de as contactar e que assim, sendo o acesso às crianças essencialmente obtido pelas mães, foi preciso uma grande capacidade de adaptação;



Escolas vs casas - as crianças foram um dos elementos usados na guerra do terrorismo, ao serem levadas em grande número para Madrassas que, em muitos casos, ensina o terrorismo e a intolerância. A pedido do governo Paquistanês

construímos

o

máximo

de

escolas

possíveis

para

contrabalançar esta tendência e assim equilibrar mais o esforço entre construir abrigos ou escolas; •

As mensagens de ingerência, a Jihad, os infiéis – trabalhar num ambiente de grande instabilidade (em algumas zonas verdadeiramente de guerra) como este é ser sujeito a pressões permanentes, a vigilância constante, a guerras de informação e perante um estado de ameaça muito elevado – obriga a uma liderança esclarecida, muito atenta, e constante, quantas vezes, os soldados animados pelo trabalho humanitário que executavam esqueciam as regras básicas de segurança e se expunham (entre outros relembro que o risco de raptos era elevado) ou, numa atitude de generosidade, criavam pequenos conflitos culturais que eram imediatamente explorados pelos media;



A eficácia dos meios militares na ajuda humanitária: tal como pudemos testemunhar no Haiti ou na nossa tragédia nacional da Madeira, as Forças Armadas têm uma variedade muito grande meios e capacidades que estão imediatamente disponíveis. O único factor limitador é o da decisão política, 10

entre e dentro dos Estados e Organizações internacionais. Uma vez dada a ordem às Forças Armadas, estas têm a capacidade de mobilizarem imediatamente homens e material para qualquer ponto do globo, para qualquer cenário. Os militares, estando preparados para combater nas mais exigentes situações de guerra estão, logicamente, preparados para agir em situações de elevado risco e com total dedicação. Além disso têm ainda a capacidade de garantir eficazes e seguros sistemas de comando e controlo e, se tal for necessário (não foi o caso no Paquistão, mas todos assistimos como foi importante no Haiti ou em Nova Orleães) ajudar a restabelecer a segurança nas áreas afectadas. Para nós portugueses, que tivemos o privilégio de participar em mais esta missão, pudemos constatar como as antigas lições aprendidas, seculares, ou também da recente Guerra de África, e sempre em actualização, continuam relevantes e actuais. Gostaríamos de concluir esta apresentação com os seguintes comentários: •

Práticas seculares de aproximação cultural – Não é de agora o jeitinho especial que os portugueses têm de se relacionar com outros povos, mesmo de culturas muito diferentes, é um processo geracional que faz parte da idiossincrasia do ser português. Na missão do Paquistão, a vertente cultural foi importantíssima para o cumprimento da mesma e, os portugueses presentes

foram

agentes

credíveis

na

execução

dum

correcto

relacionamento com as populações; •

O modo português de fazer – Autores internacionais reconheceram a forma diferente dos portugueses de fazer, destacamos a enorme preocupação no relacionamento com as populações, na necessidade de ensinar e explicar para poder delegar autoridade, liderar através de ordens esclarecidas que permitiam e encorajavam, as iniciativas locais. Nesta missão do Paquistão a sensibilidade portuguesa foi patente nos vários contactos que se estabeleceram e esta postura tem sido evidente, de uma forma geral, onde os militares portugueses cumprem missões, de Timor à Etiópia, dos Balcãs ao Afeganistão;

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Ajudar sem ofender e criar relações para o futuro – de Longo prazo, cometimento sério, os povos que nos recebem e que precisam de saber se vimos para ficar ou apenas passamos por lá; ajudar é acima de tudo respeitar as lideranças locais, os ritmos específicos, os estados culturais, não é possível mudar comportamentos de forma brusca, é através da persistência, da paciência, da aprendizagem permanente, de muita flexibilidade e de enorme humildade que conseguimos alterar a segurança para o futuro. A missão no Paquistão foi limitada no tempo mas, a postura flexível dos militares que nela participaram, a vontade de ajudar e a forma como foi cumprida a missão deixou uma imagem muito positiva da NATO que, recordamos, à partida, criara enormes desconfianças e percepções destorcidas do que viéramos fazer. Foi a boa conduta e o resultado eficaz no terreno que criaram as bases para uma futura cooperação que hoje tem os seus resultados mais visíveis, na coordenação de esforços entre as autoridades paquistanesas, afegãs e da NATO na luta contra os Taliban em ambos os lados das fronteiras da grande região AfPak;



Laboratório de Novas Doutrinas – Portugal na linha da frente - Portugal tem militares na linha da frente das novas doutrinas da NATO, nas novas tecnologias, práticas e procedimentos e além do inestimável valor da aprendizagem também podemos assim participar activamente na procura de soluções. A postura de Portugal como aliado credível, disponível para participar em missões em locais de elevado risco, como no Afeganistão e Paquistão e, reconhecidamente sem Caveats (na gíria militar significa que as forças portuguesas podem ser utilizadas sem limitações de emprego operacional) tem granjeado grande respeito entre os aliados que por isso mesmo, ainda que os contingentes sejam reduzidos em número, entregam cargos e funções de grande responsabilidade a militares portugueses. Assim participamos, aprendemos e também contribuímos para encontrar soluções – sempre – na linha da frente;



Relações com os Parceiros Locais - A preparação dos militares para estas missões é fundamental pois, uma acção menos própria de um pode arruinar o trabalho de toda uma equipa; 12



Projectos de longo prazo - e que requer enorme dedicação, grande determinação e paciência para que, no futuro, as Forças Armadas locais possam conduzir por si sós a sua missão na defesa e ajuda do seu povo. Por isso o esforço de coordenação com as Forças Armados do Paquistão. Por isso a permanente coordenação de esforços no combate aos Talibãs no Afeganistão e no Paquistão, sem colaboração e coordenação efectiva entre Afegãos, Paquistaneses, a NATO e a comunidade internacional, nunca poderá haver verdadeira paz e segurança na região do Afeganistão/ Paquistão.



Por último, referir que nas missões humanitárias, como nas mais exigentes missões de combate, os militares, portugueses ou aliados, têm sempre como farol a obtenção do sucesso, ajudar a viver, reconstruir a segurança, cooperar no bem-estar dos povos. Se soubermos ajudar onde for necessário garantiremos sempre nas nossas pátrias a segurança e bem-estar que devemos aos nossos concidadãos.

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