A Natureza da Nasalização em Português Europeu Padrão - The Nature of Nasalization in Standard European Portuguese

August 9, 2017 | Autor: S. Jorge A. Ramos | Categoria: Fonética, Linguística, Fonologia, Nasalização, Autosegmentos flutuantes, Segmentos Nasais
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FONOLOGIA II Recensão Crítica

“A Natureza da Nasalização em Português Europeu Padrão”

Docente: Curso e Ano: Disciplina: Discente: Ano Lectivo: Data:

Prof. Dr. António Emiliano Linguística, 4.º Fonologia II Jorge Manuel Amaral Ramos (6645) 2004-2005 Junho, 2005

Fonologia II

A Natureza da Nasalização em Português Europeu Padrão

OBJECTO DA RECENSÃO CRÍTICA Nome da Obra: Temas de Fonologia; Autor: D’Andrade, Ernesto; Ano: 1994; Local de Edição: Lisboa; Editora: Colibri; ISBN: 972-8047-20-7; Capítulo: “Fonologia Auto-Segmental e Nasais em Português”, 131-138. Capa:

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RESUMO Esta recensão incide sobre a hipótese do Dr. Ernesto de Andrade (1994), que advoga a existência de um auto-segmento flutuante, para explicar a natureza da nasalização em português europeu padrão. Para que a tese do autor seja melhor observada, são apresentadas inicialmente algumas hipóteses sobre a referida natureza, partindo-se depois para a recensão do seu texto, o qual, defende uma perspectiva bi-fonémica da nasalidade, de acordo com a observação do comportamento dos segmentos nasais, segundo determinadas condições relacionadas com a estrutura silábica e com alguns aspectos lexicais e morfológicos, a partir das quais, o autor faz uma divisão: onde ocorre difusão da nasalidade e onde não ocorre. Por fim, são feitas algumas observações onde se dá conta de algumas virtudes e lacunas na hipótese de Andrade, concluindo-se, com a perspectiva de serem necessários mais estudos sobre o tema, de forma a ser construída uma hipótese mais consistente.

1. INTRODUÇÃO Conseguir esclarecer a natureza das vogais nasais do português europeu (doravante PE), é um objectivo que alguns autores (portugueses e estrangeiros) têm almejado desde há alguns anos – todavia, não se dá conta de qualquer teorização consensual. Perspectivando a elaboração de uma recensão crítica a um texto sobre o tema supra-referido, por ser um dos mais conceituados fonólogos portugueses, Ernesto D’Andrade foi o autor escolhido. Uma parte de um capítulo (“Fonologia Auto-Segmental e Nasais em Português”) de um livro (Temas de Fonologia) publicado em 1994, será o objecto da recensão (conforme já supra-mencionado). Antes porém, talvez seja oportuno deixar expresso que as vogais nasais do PE se subsumem aos seguintes 6 segmentos fonéticos (ou fones):

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 Os que são observados mais vulgarmente: [], [], [], [] e [] em palavras como [.] «pinta», [.] «mundo», [.] «pente», [.] «manda» e [.] «ponte», respectivamente;  E o caso menos vulgar de [], que se observa em casos de crase intervocálica como em «A Antónia» com a representação fonética: [..] ou «A antologia» [...]. Por sua vez, formam o conjunto das consoantes nasais do PE, as seguintes três: [], [] e [] que se concretizam por exemplo numa forma como «maninha» [..]. Para que a tese advogada por Ernesto d’Andrade 1994, seja melhor observada, também me parece ser relevante apresentar de seguida, algumas das hipóteses existentes sobre a natureza das vogais nasais do PE, conforme artigo de Costa & Freitas 2001: a existência de vogais nasais fonológicas, o espraiar da nasalidade de uma consoante em coda silábica para a vogal do núcleo e a existência de um auto-segmento nasal flutuante. VOGAIS NASAIS FONOLÓGICAS – De acordo com o postulado de Freitas (1997), “o traço nasal encontra-se lexicalmente associado ao segmento vocálico” (Costa & Freitas, 2001), logo, estamos perante uma abordagem mono-fonémica da nasalização em PE, onde as vogais nasais são consideradas fonemas do inventário de segmentos fonológicos – algo que segundo os mesmos autores “é coerente com a sua natureza distintiva”. Tendo por base as produções orais de 10 crianças portuguesas, Costa & Freitas (2001) defendem que esta teoria “reduz o número de operações no processamento das vogais nasais, usando somente o nível segmental para a representação da nasalidade” {Costa & Freitas 2001:99} enquanto as outras duas hipóteses (que irão ser abordadas de seguida) operam de acordo com dois níveis de representação – uma desvantagem teórica relativamente à economia do sistema linguístico do PE. Mas vejamos quais são estas duas outras teorias… CONSOANTE NASAL EM CODA – Segundo esta proposta teórica, quando uma palavra contém uma vogal nasal ou um ditongo nasal, actuam duas regras: primeiramente, o espraiamento para a vogal, da nasalidade de uma consoante nasal em coda silábica (dentro da mesma rima onde a vogal ou ditongo ocorrem) e em consequência o apagamento da mesma consoante.

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Assim, a vogal assimila a nasalidade da consoante, tornando-se nasal. É uma teoria defendida, segundo Costa & Freitas (2001), por Morais Barbosa (1965), Maria Helena Mateus (1975), Ernesto D’Andrade (1977) e Leo Wetzels (1997). O AUTO-SEGMENTO NASAL – Esta hipótese advoga que sempre que se processa uma vogal ou ditongo nasais, ocorre a ancoragem de um auto-segmento nasal que se encontra associado ao núcleo silábico. Trata-se de uma teorização defendida por Mateus & Andrade (1997), iniciada pelo segundo autor em 1994, que nos dá uma perspectiva bi-fonémica da nasalização do PE.

Para conferir um pouco mais de transparência àquilo que as três hipóteses defendem, observese a representação diagramática de cada um…

Vogais Nasais Fonológicas

Consoante Nasal em Coda

Auto-Segmento Nasal

Note-se como o trio de representações é distinto: no primeiro, o traço [nasal] já associado à vogal; no segundo, o espraiar da nasalização da consoante para a vogal; no terceiro o autosegmento flutuante a acoplar-se ao núcleo silábico. E assim, com algumas informações sobre a natureza das vogais nasais do PE, vamos passar então à recensão do texto de Ernesto D’Andrade, em epígrafe…

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2. O AUTO-SEGMENTO FLUTUANTE Partindo do pressuposto teórico de que um auto-segmento flutuante nasal (doravante N) é um traço que não está ancorado (logo, é flutuante), Andrade inicia o seu artigo com a problemática questão “Como representar a nasalidade?” {Andrade 1994:131} para depois fazer um breve incurso histórico, desde a fonologia estruturalista, passando pela fonologia generativa, até chegar à fonologia auto-segmental que resolve o problema das duas correntes anteriores (as quais, questionavam-se sobre a necessidade de postular dois segmentos para representar a nasalidade), uma vez que possibilita a autonomização dos traços (autosegmentos) dos segmentos e a sua representação em vários níveis, na estrutura da sílaba. Sustenta então o autor, a sua tese sobre a natureza flutuante da nasalização do PE, recorrendo à observação do comportamento fonético dos segmentos nasais, concluindo que existe ou não difusão da nasalidade (da consoante nasal), segundo determinadas condições relacionadas com a estrutura silábica e com alguns aspectos lexicais e morfológicos, a serem observadas de seguida. DIFUSÃO DE ‘N’ – Andrade advoga então, que a difusão de N pode ocorrer nos três constituintes silábicos seguintes…  No Ataque, quando (conjuntivamente): 1. O núcleo é seguido de ataque nulo; 2. A palavra é derivada. Caso das formas «canino» [..] e «panito» [..].  No Núcleo, perante os seguintes dois contextos fonotácticos, disjuntivamente: 1. Em final de palavra (casos de «fim» [] e «lã» []); 2. Quando o núcleo é seguido de ataque preenchido lexicalmente (caso de «pança» [.]). Verifica também o autor, recorrendo à forma «pão» [], que ocorre difusão de N nos núcleos silábicos, onde estão ancorados os ditongos (formando-se ditongos nasais), “se a seguir não houver Ataque” {Andrade 1994:137}, na mesma palavra (salvo algumas excepções, como por exemplo «cãibra» [.]). 6

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 Na Coda: 1. Em casos excepcionais como os de «hífen» [.] ou por exemplo, «abdómen» [..]). NÃO DIFUSÃO DE ‘N’ – Por sua vez, o autor advoga que não existe difusão de N (não se realiza foneticamente, ou seja, mantêm-se flutuante), “não se associa quer no Ataque como também não se projecta sobre o Núcleo precedente” {Andrade 1994:135}, quando se está, conjuntivamente, perante as seguintes condições: 1. O núcleo é seguido de ataque nulo; 2. A palavra é simples (não derivada). Caso da forma «lua» [.]. Acrescenta ainda Andrade que em palavras do tipo «panu» [.] ou «ano» [.] não há difusão de N porque este está ancorado na representação lexical, à semelhança do «n» de «no» em «canino».

3. OBSERVAÇÕES Esta análise de Andrade tem a virtude de unificar duas entidades, as vogais nasais e as consoantes nasais, através do conceito de N, permitindo-nos assim distinguir o primeiro «n» da forma «canino» – uma entidade nasal, de certa forma abstracta, que pode concretizar-se foneticamente como em [..], ou não (caso das formas «cadelo» [..] que significa “cãozinho” ou “velhaco”, e «cainho» [..] que significa “canino”, “sovina” ou “mísero” {in Dic. Porto Editora 2004}) – do segundo «n» de «canino» – um verdadeiro «n» fonológico, ou // – “ancorado desde o nível de representação lexical” {Andrade 1994:136}. O autor dá assim conta de uma forma subjacente única – N – explicando-se as alternâncias, por intermédio de condições foneticamente motivadas. Parece porém observarem-se algumas lacunas na análise de Ernesto D’Andrade: 1 – Apesar da tese do autor explicar a não difusão de N em «lua» (dado que o núcleo é seguido de ataque nulo e a forma não é derivada), assim como explica as formas «lunático»

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[...] ou «lunar» [.] (uma vez que são palavras derivadas e os núcleos silábicos são seguidos de ataques nulos), não explica por exemplo, uma forma como «luar» [.] (que é uma palavra derivada e onde o núcleo da primeira sílaba é seguido de ataque nulo), onde se verifica que não ocorre difusão no ataque da segunda sílaba, como seria expectável segundo a hipótese de Andrade (uma vez que resultaria numa colisão homonímica com a forma «lunar» [.], tal como aconteceria com a forma «aluado» [...], que colidiria homonimicamente com a forma «alunado»). Poder-se-ia defender que os dois contra-exemplos apresentados, não são válidos (devido à colisão homonímica), todavia, se observarmos outras formas derivadas e onde o núcleo da sílaba seguinte (à de onde está ancorada a nasalidade, na forma simples) é seguida de ataque nulo, verifica-se o mesmo problema – são os casos das formas derivadas de «carvão», «trovão» e «bordão», respectivamente: «carvoeiro» [...], «trovoada» [...] e «bordoada» [...]. Este é um caso que fica por explicar na abordagem do autor. 2 – Relativamente à formação de ditongos nasais e depreendendo-se da hipótese de Andrade, que qualquer vogal nasal pressupõe a presença de um N, não é transparente na análise do autor, numa perspectiva bi-fonémica da nasalidade vocálica, como são formados os referidos ditongos nasais. Verifica-se que na representação subjacente, do exemplo que usa («pão» []), o que se encontra é /N/, uma sequência de consoante oral, vogal oral, consoante nasal, não sendo claro como é que desta sequência, surgem as duas vogais nasais, isto é, o ditongo nasal. 3 – O autor representa diagramaticamente a ligação da nasalidade (um traço distintivo, [+nas], que faz parte da estrutura interna dos segmentos, pertencente portanto, a um nível sub-segmental), ao núcleo silábico, uma estrutura supra-segmental (acima do nível esqueletal, da qual faz parte o nível interno da sílaba), não respeitando uma hierarquia prosódica (constituída por sete domínios, a saber: sílaba, pé, palavra prosódica, grupo clítico, sintagma fonológico, sintagma entoacional e enunciado fonológico), de acordo com a tese de Nespor & Vogel, 1986.

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Confunde-se assim a estrutura supra-segmental (onde Andrade ancora N), com a estrutura sub-segmental, onde se deveria ligar o traço distintivo ([+nas]) – a um nível melódico, isto segundo a concepção de ‘segmento’ no âmbito da Geometria de Traços, onde os traços distintivos (que codificam a informação articulatória relevante para dar conta das diferenças significativas de todas as línguas naturais), são autónomos e podem-se ligar a múltiplos segmentos. 4 – Conclui-se esta recensão com a perspectiva de serem necessárias reflexões mais finas, cuidadas e com mais exemplos (uma vez que Andrade apresenta muito poucos exemplos no seu postulado), sobre a natureza da nasalização em português europeu padrão, de forma a ser construída uma hipótese mais consistente e consensual, que dê conta de todas as excepções e respectivos padrões subjacentes.

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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Chaves da ordenação (ascendente): , .

BARBOSA, J. Morais, 1965, “Etudes de Phonologie Portugaise”, (Évora, Universidade de Évora). MATEUS, M. H., 1975, “Aspectos da Fonologia Portuguesa”, (Lisboa, INIC). d’ANDRADE, Ernesto, 1977, “Aspects de la Phonologie (Génerative) du Portugais”, (Lisboa, INIC). NESPOR, M. / VOGEL, I., 1986, “Prosodic Phonology”, (Dordrecht, Foris Publications). d’ANDRADE, Ernesto, 1994, “Temas de Fonologia”, (Lisboa, Colibri). FREITAS, M. J., 1997, “Aquisição da Estrutura Silábica do Português Europeu” –

Dissertação de Doutoramento, (Leiden University/HIL). WETZELS, W. L., 1997, “The Lexical Representations of Nasality in Brazilian Portuguese”, (Évora, Universidade de Évora). MATEUS, M. H. / d’ANDRADE, Ernesto, 2000, “The Phonology of Portuguese”, (Oxford, Oxford University Press). COSTA, João / FREITAS, Maria João, 2001, “Sobre a Representação das Vogais Nasais em

Português Europeu: Evidência dos Dados da Aquisição”, in HERNANDORENA, Carmen Lúcia, “Aquisição de Língua Materna e de Língua Estrangeira: Aspectos fonético-

fonológicos”, 87-109 (Pelotas, EDUCAT). PORTO EDITORA, Dicionário, 2004, “Dicionário da Língua Portuguesa 2004”, (Porto, Porto Editora).

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