A necessidade da teologia feminista no cristianismo como aspecto cultural e religioso

July 4, 2017 | Autor: Diego Martins | Categoria: Feminist Theory, Feminism, Teologia, Cristianismo, Teología feminista, Eclesiología
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A necessidade da teologia feminista no cristianismo como aspecto cultural e religioso1

Diego Marcell Ferreira Martins2

Resumo Esta é uma reflexão sobre o papel da mulher sob a ótica de uma probabilidade divina versus os conceitos históricos e culturais na sociedade e na religião onde segundo a construção de tradições impossibilitaram a liberdade das mulheres mesmo após mudanças sociais que já não caracterizariam tais atitudes evidenciando o problema que a tradição pode causar tanto no aspecto interno da religião quanto em suas conexões externas ao expor a imagem atrasada e causando na maioria dos casos uma espécie de autoanulação, um desserviço a ela mesma de acordo com seus objetivos ao não se atualizar diante do seu propósito de maior validade e essência.

Palavras chaves: Teologia feminista; feminismo; eclesiologia; tradição.

Iniciemos analisando o termo feminismo para depois tratarmos com mais clareza a mulher na religião e na sociedade principalmente ocidental, já que

de acordo com o lexicógrafo e ensaísta carioca Antonio Houaiss, Feminismo – ironicamente um substantivo de gênero masculino – é a doutrina que preconiza o aprimoramento e a ampliação do papel e dos direitos das mulheres na sociedade. De forma objetiva, este movimento critica o patriarcalismo, buscando a igualdade social, política, cultural e econômica entre os sexos. 3

1

Este artigo está inserido no livro Experiências neopentecostais e outros textos relacionados – no prelo (2015).

2

Formado em Teologia (UNIDA) e atualmente estudando Artes Visuais (FAP-UNESPAR) e especialização em Ensino de Filosofia no Ensino Médio (UFPR). 3

MEDEIROS; PEREIRA. Luta contra a opressão, p. 66.

1

Baseado nesta afirmação certifica-se a possibilidade de existir um feminismo teísta, ou sua razão de existir baseada e fundamentada na vontade divina se cremos, segundo o cristianismo que este Deus é justo e que criou a mulher da igualdade que segundo a tradição retirada da lateral (costela) do masculino, ou seja, como igual perante o mundo que se lhes apresentou. Infelizmente os movimentos perdem o foco objetivo e na maioria das vezes se transformam em fundamentalismo cego em questões contrarias, mas, além disso, ainda há outras implicações que talvez devam ser necessariamente tratadas antes, como ainda nos relatam as autoras Diana Medeiros e Rosilene Pereira4:

Alguns teóricos acham que a mulher apenas deixou de ser escrava do tanque para ser escrava do manequim 38, da cirurgia plástica e da obrigatoriedade de um excelente desempenho profissional e pessoal, que deixa a questão: para a mulher, terá apenas mudado o foco da submissão?

Muitas mulheres ainda são subjugadas por diversos signos da sociedade, mas principalmente as que se doam à religião tem isto ainda mais intensamente manifestos em suas vidas, mesmo porque muitos meios eclesiásticos insistem em manter uma postura retratada na Bíblia por alguns escritores, mas que a pouca exegese não os revela que não passam de contextos culturais de suas épocas e não a vontade nem mesmo do Deus que creem. Por exemplo, no cristianismo onde simplesmente desprezam o maior expoente da liberdade feminina que foi Jesus Cristo o revolucionário feminista de sua época, rompendo barreiras religiosas, políticas e culturais em seu contato e seu ensino às mulheres. Jesus restituiu o que foi perdido no decorrer da história (principalmente no contexto judaico), onde Deus criou homem e mulher um para o outro e não somente a mulher para o homem com alguma inferioridade, por mínima que seja em qualquer quesito na interpretação de alguns, seja ele sapiencial, espiritual, emocional ou outro qualquer, mas suas diferenças são completudes e não inferioridades, como pensam ainda alguns lideres religiosos, vide também que esta completude ser natural e não necessariamente transcendental pois recairia em outras normas que dariam vazão à religião. 4

MEDEIROS e PEREIRA, p. 73.

2

Vemos que estas deficiências causadas pela tradição influenciam até as mais recentes linhas cristãs, um exemplo é o pastor emergente Mark Driscoll muito conhecido no Brasil por seus vídeos no Youtube, ele expressou seu pensamento retrógrado e pouco profundo em um vídeo onde falava dos diferentes modelos de igrejas emergentes americanas, e que a dele em especial não aceitava mulheres porque Paulo em sua instrução à igreja não aceitava. Porém, como diz o escritor e professor de teologia e filosofia Israel Boniek em muitas de suas aulas: o que tem a cara de Deus e o que não tem nas expressões literais assumidas por certos meios eclesiásticos? E muito do que se atribui a Deus é puro sentimentalismo humano carregado de cultura de uma sociedade temporal; avaliar a situação da mulher, da criança, dos animais, das plantas, do mundo em geral apoiados em noções políticas, sociais e tradicionais de um mundo ultrapassado é regressar a aspectos desatualizados na vida prática e contemporânea, tanto no ambiente eclesial quanto na sociedade secular. Isto implica muitas vezes a libertação das mesmas em seus contextos sociais gerando empecilhos ao individuo no todo, exemplifico com a análise da escritora a seguir:

A feminilidade hoje é experimental e precária, algo mais definido pelo que não é do que por aquilo que é. Para algumas mulheres isso não é um problema. Elas superam as complexidades das projeções e dos equívocos da sociedade e agora pairam acima das nuvens. Para a maioria, entretanto, as resistências que encontraram quando tentavam alcançar as alturas foram tão fortes que suas asas agora pendem inertes, e elas não se aventuram mais. A feminilidade é uma dor coletiva de profundidade indescritível, e quando tentamos expressá-la, estamos sujeitas a ouvir, “Lá vêm vocês outra vez – reclamando!” Enquanto isso acontecer, nada menos que toda a humanidade estará impedida de prosseguir em sua jornada ao destino cósmico. Este destino está longe, muito longe, encontra-se em um lugar tão profundo dentro de nós que mal vislumbramos suas paredes externas. 5

Por isso ao cristianismo Deus vem revelar-se não simplesmente como homem, mas como ser humano em corpo masculino, porém redefinindo o padrão igualitário de homem e mulher como sendo ambos a representação a que o mundo fora criado em torno, e tendo em Jesus o exemplo máximo da justiça social naquele tempo, assim vemos na compreensão desta cosmovisão do teólogo contemporâneo alemão,

5

WILLIAMSON. O valor da mulher, 1995, p. 14.

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...a nova criação de todas as coisas já teve início com a ressurreição de Cristo dentre os mortos. Por isso nós não somos remidos do mundo, mas sim com o mundo. A experiência cristã do Espírito não nos separa do mundo. Quanto maiores as nossas esperanças para o mundo, tanto mais profunda passa a ser nossa solidariedade com seus sofrimentos e seus gemidos.6

Se “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou”7 criou ambos a sua imagem e semelhança, não no sentido físico ou mental, mas nos criou distintos dos animais pois todos no reino dos seres vivos são, mas somente o homem/mulher sabe que é, isso nos distingui e nos faz imagem de Deus, ou seja, representantes do Divino aqui na terra, isso gerando também responsabilidade à espécie. “Devemos destacar que, ao nos libertar da carne, Cristo não só nos recoloca em sintonia com toda a criação divina, como também na condição de representantes de Deus na criação”8. Vejamos o que Strong9 coloca em sua Teologia Sistemática:

Vemos também esta percepção na psicologia. O bruto é consciente, mas o homem é consciente de si mesmo. O bruto não objetiva o eu. “Se alguma vez o porco pudesse dizer ´eu sou um porco´, de uma vez por todas e, daí em diante, deixaria de ser um porco”. O bruto não se distingue a partir de suas sensações. O bruto tem percepção, mas somente o homem tem a percepção, i.e., percepção acompanhada por sua referencia ao eu a que ela pertence. O bruto apenas tem objetos de percepção; o homem tem também conceitos. O bruto conhece coisas brancas, mas não a brancura. Lembra coisas, mas não pensamentos. Só o homem tem poder de abstração, i.e., o poder de derivar ideias abstratas de coisas particulares ou experiências.

A carga preconceituosa e divisória que colocou a mulher num estágio inferior ao gênero masculino impediu muitos avanços, e principalmente o avanço individual do pensamento feminino. Marienne Williamson, em seu livro O valor da mulher fala que quem as aprisionou foi um monstro de três cabeças, que são: o passado, a insegurança e a cultura popular, deixo um destaque maior para a última “cabeça”, pois ela também exerce grande poder sobre as outras duas:

6

MOLTMANN in ZABATIERO. Fundamentos da teologia prática, 2005, p. 69-70.

7

Gn 1.27 BJ.

8

ZABATIERO. 2005, p. 69.

9

STRONG. Teologia sistemática, 2003, p. 1023.

4

A maioria dos filmes não aprecia a mulher, a maioria dos anúncios de publicidade não aprecia a mulher, a maior parte da indústria da moda não aprecia a mulher, e a maioria das letras de rock não aprecia a mulher (uma pena, esta última – antes apreciava). Como muitas esposas agredidas, procuramos incansavelmente o amor onde é totalmente impossível encontrá-lo. Devemos conscientemente decidir não fazer mais isso. Até decidirmos, o monstro nos manterá aprisionadas em sua masmorra. Bem no fundo de nós, entretanto, há um compartimento de escape inato. Nele o amor nunca termina nem vacila, não ganha dinheiro às nossas custas, não nos engana, nem estraçalha nossos corações. Ele é o âmago de nosso espírito. Nele vivemos como rainhas cósmicas: mães, irmãs, filhas do sol, da lua e das estrelas. Nesse reino, encontramos Deus, a deusa, e nossos amáveis egos. 10

A mulher, ao assumir-se na sociedade e impor seus direitos através da certeza e da segurança que agem nela, permite-se à exigência de o homem vê-la como igual. Segundo a mesma autora:

Quando a mulher compreende seu verdadeiro eu, ocorre um milagre e a vida em torno dela recomeça. O milagre de Maria foi dar à luz virgem, e a palavra virgem significa “mulher em si mesma”. A mulher realizada tem em si mesma o poder de dar à luz coisas divinas. Hoje temos oportunidades de dar à luz um mundo curado e transformado. 11

O ponto de vista soberano do papel da mulher jamais deve ser avaliado através da carga cultural determinando assim sua potência religiosa ou social, muito menos atribuir escritos religiosos temporais, a fala absolutamente desprovida de humanidade em Deus, sendo que a parte divina do discurso, na maioria das vezes se encontra justamente no detalhe não observado pelos fiéis, pois estes já trazem sua carga devocional defeituosa, distorcida e desprovida de certeza teológica tanto particular quanto pública na profissão de sua fé. “A natureza humana é muito mais rica, elástica e flexível do que aquela que aparece nas culturas”12, o autor deste aforismo prossegue com sua antropologia filosófica analisando questões culturais em nosso país:

10

WILLIAMSON. O valor da mulher, 1995, p. 16-17.

11

WILLIAMSON. 1995, p. 20.

12

COLOMBO. Pistas para filosofar – temas de antropologia, 1997, p. 69.

5

A cultura é certamente um fator condicionante do modo de ser masculino ou feminino. Como fator condicionante, ela não retira a liberdade das pessoas, mas influencia o seu modo de pensar, de agir. A cultura, incluindo as criações humanas como a arte, a filosofia, a ciência, os artefatos e o modo de produção, as instituições como o Estado, a família, as leis e a moral; e também os valores, tanto os tradicionais como os emergentes, determina uma certa atmosfera e uma certa ótica, através da qual nós tendemos a responder a todas as nossas questões. E se estas não são discutidas, formamse hábitos de pensar, esquemas mentais rígidos e incapazes de ver outros aspectos da realidade. A nossa cultura brasileira é patriarcal, androcêntrica e androcrática. Isto quer dizer que, entre nós, foi e é o homem a dar a cor e o tom às instituições e mesmo à pesquisa cientifica. Ele é o centro e o “lugar” do poder. E nesse contexto é possível que a mulher se pense como dependente, como menor e como necessitando da tutela do homem. É aí que a mulher brasileira vai se formando, com sua estrutura mental, sua psicologia e seu modo de pensar ou estar e de agir. 13

Este aspecto nem sempre foi assim na sociedade, porém desde quando se iniciou - com exceção de certas culturas tribais – ele tem predominado. Agora na entrada da pósmodernidade, da globalização e da ONU, não podemos mais permitir que ainda exista esta visão tão “irracional” dos direitos da mulher em paralelo ao homem. Como podemos ver no inicio da história, agora parece o momento propício para voltarmos aquela essência, não pelos mesmos motivos, mas com certeza para os mesmos fins, a transcender os valores, já que

a grande mudança na maneira como homens e mulheres se relacionam uns com os outros ocorreu com o começo do cultivo da terra. Quando nossos antepassados se estabeleceram ao longo das planícies do Crescente Fértil, no Oriente Médio, 8000 anos a.C. Com a invenção do arado, os povos se fixaram nas terras e a mulher perdeu sua antiga função de buscar alimentos. Perdeu sua independência econômica e seu principal papel passou a ser o de gerar filhos: pequenos agricultores, com mãos pequenas, que ajudavam na colheita dos vegetais. O papel dos homens tornou-se muito mais importante. Eram eles que guerreavam e aravam o solo, e aconteceu então uma virada – o que era uma igualdade entre os sexos transformou-se em mulheres subordinadas e homens dominadores. O casamento vira uma aliança entre povos, em que a prioridade passa a ser fundida. 14

Se no inicio, em decorrência da criação e submissão à Deus no plano comum da humanidade, a vivência justa em igualdade em todos os âmbitos (sejam eles monetários, religiosos ou sexuais) fazia da ordem natural da plenitude de ambos os sexos aspectos 13

14

COLOMBO. 1997, p. 67-68.

FISHER. Sexo milenar, 1993, p. 30-31.

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dignos, por que aceitamos por tanto tempo esta imposição manifesta pela força e pela falsa estrutura da necessidade de eras anteriores? Se ambos, falando em nossa realidade ocidental, possuem tal liberdade, por que imputarmos julgamentos salariais ou, por exemplo, religiosos para mulheres que querem exercer o sacerdócio, se em muitos campos da vida urbana principalmente já vem ocorrendo mudanças, por que não atualizarmos nossas concepções religiosas?

Hoje, podemos observar um retorno ao nomadismo e ao modo de vida da caça e da busca de alimentos. O que nos traz um retorno à sexualidade que nossos ancestrais cultivavam. O lar não é mais lugar de produção. Não criamos mais galinhas nem plantamos os brócolis que comeremos no jantar. Em vez disso, caçamos e buscamos comida no supermercado. Nossa tendência é migrar do trabalho para casa, para a escola, para a casa de veraneio. Somos muito mais nômades. 15

Ao se compreender as mudanças e saber aproveitá-las, gerar-se-ão relacionamentos muito mais amplos e potencializados em todas as áreas da igualdade sexual, lembrando que os dogmas se fizeram, mas não surgiram de cima, mas adentraram na religião pelos costumas locais.

Nós entendemos que as questões familiares são conjuntas, isto é, do homem e da mulher e que esta postura lhes será mais saudável para a maturidade afetiva e sexual, política e educacional do casal; isto permitirá aos casais uma nova experiência do que seja ser homem e do que seja ser mulher. E esta pode ser enriquecedora para a emancipação de ambos. É nesta perspectiva que entendemos a afirmação do apóstolo Paulo: “não há mais gregos nem judeus, nem livre nem escravo, nem homem nem mulher.” 16

Nas próprias Escrituras se revelam lapsos das mulheres de destaque na sociedade, além das clássicas histórias de Ester, Rute e Débora, no livro de Provérbios há um lindo poema que se fossemos analisar versículo por versículos iríamos nos prolongar em seus meandros coloquiais, já que ele trata praticamente todos os aspectos da vida de uma mulher virtuosa, desde seu relacionamento familiar, aos seus negócios na sociedade e seus empreendimentos que a fazem uma grande empresaria e 15

FISHER. 1993, p. 32.

16

COLOMBO. 1997, p. 70.

7

negociadora de alto nível num tempo que a nosso ver parece absurdo pela antiguidade deste poema (Pv 31.10-31); apesar disso, a grande maioria dos textos podem ser considerados machistas, importante é compreender que o texto em si não reflete o querer Divino, mas cultural. No contexto veterotestamentário, por exemplo, as relações giravam em torno de alianças que favoreciam herdeiros masculinos, o que dava direitos que hoje nossa sociedade condena,

porém outros textos também mostram o desaparecimento da tradicional e escrita divisão de papéis. No Cântico dos Cânticos, por exemplo, a mulher é apresentada como uma parceira em igualdade de condições, que toma a iniciativa no campo sexual. Mulheres como Ester e Judite salvam Israel do perigo, tornando-se, assim, parte da tradição das heroínas guerreiras como Débora e Jael (Jz 4; 5). O livro de Rute mostra que até mesmo uma estrangeira pode ser considerada um modelo de fidelidade ao grupo social. Dessa forma, provavelmente se combatiam as reservas existentes, na época pós-exílica, contra os matrimônios mistos. O relato de criação sacerdotal constata, em Gn 1.27, que homem e mulher foram criados à imagem de Deus. Assim, a diferença entre mulheres e homens foi, por fim, superada mentalmente com a noção monoteísta de Deus. Contudo, a prática de fé e vida não acompanhou esse processo.17

Após a vinda de Cristo e a chegada da era do Espírito, o cristão tem a necessidade de pensar a humanidade de forma igualitária, e viver de forma igualitária deixando como exemplo ao mundo, muitos teólogos analisam a simbologia do Espírito Santo como ente feminino, e muitos tem abordado na teologia contemporânea a nova relação do feminino com a religião, principalmente dentro de igrejas reformadas.

Dizer que o Espírito é o principio de afirmação de todo homem e de toda mulher não constitui aparentemente nenhuma novidade. A questão importante é perceber a dimensão feminina que ganha destaque como elemento afirmado pelo Espírito. Não se trata de repetir a formulação genérica – todos os homens – que tantas vezes encobre e perpetua certo androcentrismo eclesiástico; antes, afirmar todo homem e toda mulher. Isso significa recuperar a igual dignidade de homens e mulheres como filhos e filhas de Deus capazes de todas as expressões e funções doadas pelo Espírito para a construção do Reino, que a um só tempo abarca a igreja e o mundo.18

17

RÖSEL. Panorama do antigo testamento, 2009, p. 215.

18

ROCHA. Espírito Santo – aspectos de uma pneumatologia solidária à condição humana, 2008, p. 53.

8

Ainda falando de Genesis 1.27 onde Deus criou macho e fêmea, homem e mulher, à sua imagem, segue afirmando Alessandro Rocha19: “Nele, fonte de tudo, útero eterno, originou-se o homem e a mulher. Dessa fonte vital eterna, jorrou a masculinidade e a feminilidade. Nesse sentido, podemos dizer que nele está contido o masculino e o feminino, pois ele, como acabamos de afirmar, é a fonte de tudo”. Avaliamos assim fatos, que possuem mais a característica do Deus Uno expresso em Jesus, do que uma palavra morta na boca de homens dominadores de cargos religiosos que talvez defendam suas teses ultrapassadas por algum poder institucional, até porque

considerar os textos bíblicos como Palavra revelada por um Deus androcêntrico é conceber a complexidade e a realidade humana de forma insuficiente. Nesse sentido, uma hermenêutica bíblica feminista se distancia de uma consideração fundamentalista da Bíblia baseada em uma imagem masculina de Deus ditando, através de um texto, sua vontade suprema.20

Se alguma comunidade hoje quer ser relevante em sua fé, deve abolir seus pensamentos defeituosos da sua teologia e conectar-se com a realidade para realmente manifestar Deus no mundo em ações coerentes a Ele. Ver que o Ser Supremo é assexuado, portanto manifesta-se na mulher e no homem, e o que estes trazem de suas particularidades são obras daquele que cria, sendo possuidor de tais características. O frei Leonardo Boff diz que:

O Deus trino foi percebido na religião judaico-cristã como um ser masculino, pois essa imagem foi gerada numa sociedade em que havia o predomínio dos homens sobre as mulheres, e estas tinham um papel inferior e ficavam à margem da sociedade. Logo, nesse contexto, ergue-se e se sobrepõe a imagem de um Deus Pai, criador, juiz, redentor; de um Deus Filho, libertador, profeta, mestre – todas figuras masculinas, fruto de uma sociedade patriarcal. A revelação se dá em um momento histórico e obedece à condição sociocultural na qual se estabelece. O feminino, sendo considerado uma expressão do divino, pode nos comunicar uma face de Deus que muitas vezes fica oculta em razão da imposição masculinizante e masculinizadora. Portanto, o feminino surge como veiculo de revelação de Deus; ele pode nos comunicar o divino e, de fato, nos comunica. Quando percebemos nas Escrituras o Deus que se compadece, que consola, que não se esquece de seus filhos, o Deus que ensina, deparamos com o elemento feminino que comunica o divino. Todo o elemento de ternura, aconchego, 19

ROCHA. 2008, p.54.

20

GEABRA. Teologia feminista: uma expressão da contracultura na religião, p. 19.

9

derradeiro refugio da salvação de Deus é apresentado na tradição na linguagem feminina.21

Se na representação escrita de alguns manuscritos do Gênesis aparece a mulher sendo criada ao lado do homem, este passa a ter alguém que o equivale e o completa, e ambos têm o restante da criação como destinadas ao seu uso, cuidado e manutenção. Não podendo ser diferente na Religião como afirma o pastor Caio Fábio 22:

A imagem de Deus está presente na mulher do mesmo modo que no homem. Homem e mulher nivelam-se na sua capacidade de percepção de Deus, na sua necessidade do sagrado, no seu reflexo do divino, no seu sentir moral e na sua dignidade inerente. A “imago Dei” põe o homem e a mulher no mesmo “pódio” da criação, nivelados, e tendo percepções equivalentes.

Permitir-se ao pensamento desprovido de pré-conceitos e costumes eleva o ser ao retorno saudável à essência. Fazer uso do pensamento consistente e livre levou e leva o ser humano a verdades e a descobertas individuais ou referentes à vida e suas amplitudes, inclusive na religião. Assim como outros movimentos sociais que abolem a parte histórica em nome de uma “atualização” do discurso, não podemos emitir tal valor descontextualizando sua razão de ser, é importante sim fazer tais análises para corrigilas e não mais repetir, pois em muitos casos se tenta suprir tais valores ditos ultrapassados impondo outros, quanto a isso Nietzsche já nos advertia ao mostrar que mudar os objetos não é superá-los, no caso histórico onde o homem inserido em tal contexto não possui qualquer perspectiva que o permita perceber atrocidades que o são segundo nossa visão externa, que, porém muito provavelmente também somos vitimas e onde nosso tempo histórico estará passível das mesmas criticas no futuro, ao invés devemos a todo momento almejar isto que gosto de chamar de evolução, que nada mais é que a caminhada em busca da liberdade e da justiça que se farão presentes nas relações sociais e expressas no respeito entre os homens (neste caso, homens como antropos, como espécie), por isso não podemos esquecer que

21

in ROCHA. 2008, p. 54-55.

22

in ROCHA. 2008, p. 56.

10

o objeto do filosofar é o homem e suas relações com o mundo profano ou transcendente. É claro que filósofos justificaram coisas hoje consideradas desabonatórias como a escravidão, a guerra, a inferioridade da mulher e a superioridade da aristocracia laica ou religiosa. Mas ela está presente em toda a história. Nenhum filósofo verdadeiro e criador pretendeu voltar atrás no tempo. E isso indica o processo de libertação que se revela na superação da ignorância, na consolidação da verdadeira ciência e na implantação da justiça social. 23

Assim como o Feminismo, em sua expressão vocabular é a busca pela igualdade entre homens e mulheres, esta é vontade de Deus para a sociedade justa, e obrigatoriamente a igreja necessita atribuir esta questão às suas mais profundas efusões da seriedade de sua representação terrena da justiça de Deus. Fato que foi deixado de lado em praticamente toda história da igreja, o que foi prejudicial não apenas para nosso lado feminino, mas também para o masculino que não foi potencializado no decorrer da história. Se o Feminismo na sociedade, ou a teologia feminista na religião, não se deixarem infiltrar por questões mesquinhas, certamente irão encontrar seu merecido lugar na contemporaneidade, pois há uma evidente abertura para isto. Basta caminharmos juntos para o reconhecido valor das diferenças que geram o desenvolvimento não só tecnológico e social, mas principalmente o progresso das ideias, estas quando surgidas a partir do seu tempo, tendem a ser mais honestas com o mundo em questão, pois não vêm subjugadas por coisas desnecessárias que impedem o desenvolvimento livre e progressivo. Na teologia não é diferente, sendo que ela tem essa necessidade de ser contextual, já que “aquela que pretende ser universal e livre de seu contexto, simplesmente é uma teologia preconceituosa que não pode ver a própria contextualidade”24. A teologia feminista deve ser uma agregadora de valores femininos no seu contexto teológico local, quando este carece de base ou falha na leitura cosmológica, até que finalmente possamos esquecer que devem haver tais segmentos e nominações de gêneros, o grande objetivo e alcançar tal patamar de relação humana será finalmente poder abolir colocações classificatórias para que possamos apenas viver, e isto implica não haver mais imposições ou necessidades disso dentro já de cada ser 23

COLOMBO. 1997, p. 75.

24

GONZÁLEZ. Breve dicionário de teologia, 2009, p. 72.

11

humano, pois estando aptos a relevar as diferenças com a naturalidade da coisa em si, e não por obrigações ou objetos externos que tem que apresentar alternativas e até valores, já que como disse anteriormente, se há tal necessidade continuamos correndo o risco de cair nos mesmos problemas e de nunca poder superá-los pois estaremos ainda condicionados mentalmente para que haja um objeto exposto, onde não deveria ter nada ou quem sabe outra forma de concepção moral muito mais evoluída, portanto no presente momento ainda incapaz para tentarmos conceituar assim tão breve e de forma necessariamente rasa. Esperemos que a pós-modernidade, a globalização e os direitos humanos venham a fazer diferença também na teologia contemporânea ao perceber que se centrando na pessoa de Jesus Cristo ela encontra o modelo de ser humano que traz consigo a igualdade na relação da criatura com o seu Criador e também da relação justa e honesta entre todos na totalidade da criação como o exemplo, até mesmo nesta quebra de valores, sendo a figura do filho de Deus o grande transgressor dos valores que imperavam na época, era claramente o maior absurdo crer que aquela figura rebelde poderia ser o messias, ao fazer o que fez e ao dizer o que disse, ser cristão no inicio poderia ser comparável as coisas mais abomináveis na sociedade da época, mas infelizmente depois de tantos séculos nos acostumamos com a aceitação, aos conchavos e aos interesses políticos e culturais e o cristianismo deixou de ser a atitude revolucionária para se tornar o conservadorismo das ideias convenientes de lideranças, assim como o era aquele judaísmo dos estudiosos, portanto é fundamental se queremos de fato ter um Deus que dialogue com este mundo que esta religião se renove e se apresente como digna de tais desejos com a força recriadora do Espírito de Deus no mundo, ou seja, aquele que faz novo todas as coisas todos os dias, pois é preciso entender que a apresentação de Deus no tempo nunca é igual, não é estática, sendo peripatética pois o homem se realiza na cultura e esta é uma construção contínua, onde a maneira de enxergar o divino está subjugada à ótica do espectador que pertence ao momento, assim este Deus não é um fabricante de valores, como pensam ou querem pensar a maioria, mas sim um indicador da melhora de todas as possíveis condições entre homens e natureza para que o mundo perpetue sua contingente razão de ser, seja no mistério, seja na fé, ou em ambos lado a lado, o que não podemos é permitir que ainda se perpetue a visão distorcida (e podemos falar assim se entendemos esta concepção culturalmente) a carregar a imagem de representação daquele que deve estar 12

em cada um, não como ícone dos valores, repito, mas como inerente a cada filho do Deus. Diante disso tudo que podemos atrelar a concepção de cultura e religião é que nos permitimos discutir tais aspectos que ainda a muito se prolongarão, mas destacando que sim as mulheres tiveram muitas conquistas nos últimos tempos, mas sabemos que ainda há muito mais a se conquistar, porém destacamos que em se tratando de religião ainda estamos muito longe de ver o papel justo da mulher como atuante do meio religioso, salvo algumas religiões, mas em geral não apenas no cristianismo, mas em tantas outras vemos como elas são levadas à inferioridade nas relações sociais que se constituem a partir da visão religiosa. Tratemos, portanto de concluir pelo menos restringindo nossa problemática a religião cristã, onde percebemos o quão limitador é à mulher qualquer tentativa de emancipação dentro das igrejas, dentro das inúmeras instituições cristãs, que barram não apenas no exercício de cargos específicos como também (mas fique claro que não podemos generalizar, mas ver que cada linha cristã tem suas particularidades institucionais que devem ser analisadas separadamente, o que, porém, não é nosso intuito aqui) nas relações com os homens em determinados locais, ou as exigências colocadas sobre elas quanto a usos específicos de vestimenta ou restrições de todo tipo comportamental, sendo vergonhoso em pleno século XXI reatarmos laços de outras culturas e épocas a realidade brasileira, por exemplo, então, sendo assim, é necessário que de fato haja certa força motor sendo feita pelas teologias feministas diante das barbaridades machistas ocorridas com as mesmas nos locais onde elas acham digno de estar. Para tanto, é necessário mais expressividade destes grupos, que haja mais estudos e discussões para que outras mulheres possam despertar a causa, pois em muitos casos nem as mesmas tem clareza disso onde se encontram, ao terem acesso podem quem sabe encontrar o esperança para suas questões que justamente nestes locais/casos não devem ter vazão, sendo geridas principalmente pelo patriarcado cultural. De todo coração espero mesmo ver-se levantar mais mulheres a discutir a posição teológica nas diversas instituições para que em breve comecem a se abolir os sentimentos de escravidão mental que se formam, principalmente em linhas mais populares, sendo estas as principais expositoras do mau uso do exemplo religioso para a sociedade e sendo as mais apelativas tendem aos extremismos até pelo misto de 13

ignorância e jogo de poder, assim seria imprescindível ver a ação de mulheres embasadas com seus direitos e suas razões teológicas a questionar e por contra a parede o poderio da tradição em nome de alguma verdade digna de ser cristã. Achei por isso necessário fazer o preâmbulo sócio-histórico e suas pinceladas religiosas para que enfim entendêssemos que toda problemática não se dá ao acaso e à revelia no que tange às manifestações de direito, pois a religião ao representar um deus impõe formas a natureza dos indivíduos que ao invés de salvá-los podem em grande parte fazer o caminho contrário e anulá-los como filhos de Deus que possuem particularidades e características próprias devido suas naturezas; assim a teologia feminista se apresenta para mim um ponto crucial no mundo contemporâneo, mas ainda pouco explorado diante de tanta indignação e abuso realizado dentro das instituições em nome da tradição, lembrando que muitas vezes por ser a tradição não justificada ou digna de questionamento, é preciso então sempre por as duvidas sobre a mesa da nossa cultura e buscar entender sua construção para que possamos a partir daí encontrar saídas para os incômodos e soluções para os problemas apresentados, isso que fará a realização como modo de fato inerente e relevante ao contexto temporal/espacial das posições optadas ao agir no meio social, não só da mulher, mas também da religião e o que ela tem de bom a apresentar a humanidade em geral, pois um deus que se agarra às características de um tempo continua sendo apenas um deus de projeções humanas e subjugado às posições de desejos de lideres terrenos, quando bem sabemos que todas as suas intenções em essência e em tese foram outras e além disso o principio de religar homens e mulheres a Deus foi substituído pelo separar os mesmos.

Referências: BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. COLOMBO, Olírio Plínio. Pistas para filosofar – temas de antropologia. Porto Alegre: Evangraf, 1997. FISHER, Helen. Sexo milenar in Reflexões para o futuro – Veja 25 anos. São Paulo: Abril, 1993.

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GEABRA, Ivone. Teologia Feminista: uma expressão da contracultura na religião in Filosofia Ciência e Vida. São Paulo: Escala, ano II, Nº 17. GONZÁLEZ, Justo. Breve dicionário de teologia. São Paulo: Hagnos, 2009. MEDEIROS, Diana; PEREIRA, Rosilene. Luta contra a opressão in Filosofia Ciência e Vida. São Paulo: Escala, ano I, Nº 02. ROCHA, Alessandro. Espírito Santo – aspectos de uma pneumatologia solidária à condição humana. São Paulo: Vida, 2008. RÖSEL, Martin. Panorama do Antigo Testamento, história – contexto – teologia. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2009. STRONG, Augustus Hopkins. Teologia sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003. WILLIAMSON, Marianne. O valor da mulher. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. ZABATIERO, Júlio. Fundamentos da teologia prática. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.

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