A necessidade de licitação prévia para entrega de medicamentos determinada judicialmente

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Saúde Coletiva
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Nº CNJ RELATOR AGRAVANTE AGRAVADO ADVOGADO ORIGEM

: 0012219-38.2009.4.02.0000 : DE SE MBARGADOR FE DE RAL SE RGIO FELTRIN CORREA : UNIAO FEDERAL : WALTER JOSE BARBOSA : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO : VIGÉSIMA SEGUNDA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200951010130940) RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto pela UNIAO FEDERAL em face de WALTER JOSE BARBOSA, buscando a reforma da seguinte decisão (v. fls. 17/19): Trata-se de ação ordinária com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, proposta por WALTER JOSE BARBOSA em face da UNIÃO FEDERAL, do ESTADO DO RIO DE JANEIRO e MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, objetivando a condenação dos entes réus ao fornecimento dos medicamentos necessários ao tratamento da doença oftalmológica que acomete o autor; denominada glaucoma (CID H 40.0). Inicial em fls. 02/14, instruída com laudos atestando a urgente necessidade do uso do medicamento prescrito. Informa que é usuário contínuo dos remédios TRAVATAN COLÍRIO e COMBIRAN COLÍRIO e que, entretanto, não possui condições financeiras para adquiri-los. O autor fundamenta seu pleito de tutela de urgência no fato de que a ausência do tratamento adequado, através do consumo dos referidos medicamentos, poderá ocasionar o agravamento de seu quadro clínico, podendo a permanência de tal situação levá-lo à cegueira. É o breve relato dos fatos. Passo, então, a decidir. Compulsando-se os autos, verifica-se que a tutela pleiteada se esteia no direito à saúde, cuja matriz constitucional é o artigo 196 da CRFB/88.

Ao assegurar proteção a este direito, a Constituição buscou resguardar, por via reflexa, o direito à vida, cuja preponderância dentre os direitos constitucionalmente tutelados é pacifica, tanto em sede doutrinária como jurisprudencial. Também não restam dúvidas quanto à classificação do direito à saúde como direito fundamental de 2ª dimensão, cuja proteção depende, necessariamente, da ação do Poder Público no sentido de assegurar-lhe o gozo e o exercício. No caso em voga, a saúde do autor está condicionada à obtenção dos medicamentos TRAVATAN COLÍRIO e COMBIGAN COLÍRIO os quais caso não utilizados pelo requerente poderá culminar com sua cegueira. Ora, ante a indispensabilidade destes para controle da doença que acomete o autor, o qual, de certo, será prejudicado pelo não-fornecimento da substância. Patente, pois, a plausibilidade das alegações do autor, restando evidente a presença de um dos requisitos indispensáveis à concessão da medida pleiteada, qual seja, o fumus boni iuris. Vislumbro, outrossim, o periculum in mora, definido como o risco de irreversibilidade dos danos advindos do eventual indeferimento, na medida em que é verossímil a assertiva de que o não agravamento do quadro clínico apresentado pela parte autora somente é controlada mediante a utilização dos medicamentos reclamados. Ante o exposto DEFIRO a antecipação dos efeitos da tutela pleiteada, para fins de assegurar ao autor a obtenção dos medicamentos TRAVATAN COLÍRIO e COMBIGAN COLÍRIO, nos termos e moldes MENSAIS, conforme requerido na inicial. E por conseguinte, determino: Que seja expedido mandado de citação e intimação dos Réus para ciência da presente e efetivo cumprimento. Sem prejuízo, intime-se com urgência o Diretor da Central de Atendimento a Demandas Judiciais – CADJ (IASERJ), com vistas ao imediato fornecimento dos medicamentos requeridos na quantidade necessária para o tratamento enquanto o mesmo perdurar.

Advirto, desde já que constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição o descumprimento das determinações judiciais ou a criação de embaraços ao cumprimento das mesmas, sujeitos os responsáveis às sanções criminais, civis e processuais cabíveis, bem como à aplicação de multa; Sustentou a Agravante ilegitimidade passiva ad causam, bem como não ser possível a entrega do produto de saúde no prazo cominado, tendo em vista a necessidade da realização de licitação (v. fls. 02/15). Em contrarrazões, afirmou o Agravado sofrer de glaucoma há mais de 5 anos, sendo necessário o tratamento com os remédios travatan colírio e combiran colírio (v. fls. 51/57). É o relatório. Peço dia para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado VOTO O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Primeiramente, cabe consignar que é solidária entre os entes da Federação e tem assento constitucional a responsabilidade pelo fornecimento dos produtos e serviços públicos de saúde, o que não tolera exceções por lei e tampouco por normas administrativas, as quais se limitam a distribuir responsabilidades internamente e não servem de fundamento para negar direitos perante os interessados (STF, SL 47 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJ 30.04.2010). É papel do Poder Judiciário delimitar o núcleo duro dos direitos fundamentais, apontando quais produtos ou serviços de saúde são essenciais. Nesse contexto, o direito à saúde é judicialmente exigível da Administração, não apenas por omissão administrativa (em que o dever de prestação está prevista em lei), mas também por omissão legislativa, sempre que a essencialidade da prestação (mínimo existencial) estiver demonstrada. Porém, com efeito, o fenômeno da judicialização da saúde pública nem

sempre diz respeito à jurisdição constitucional, porque grande parte dos conflitos referentes à oferta de produtos ou serviços de saúde se relaciona com a efetivação, pela Administração, de políticas de saúde já existentes em lei (STF, Segunda Turma, AI 734487 AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ. 20.08.2010). Cabe consignar que a necessidade de observância à regras de licitação, para a entrega de produtos determinada judicialmente, não afasta o dever da Administração Pública de cumprir decisões judiciais de urgência, especialmente em matéria de direito público à saúde, em que, se necessário, a tutela judicial efetiva deve compreender a execução forçada, desde que respeitada a continuidade de serviço público essencial (TRF 2ª Região, Sexta Turma Especializada, AMS 62515, Rel. Desembargador Federal Frederico Gueiros, DJU 05/08/2008; TJ/SP, 13ª Câmara de Direito Público, Rel. Desembargadora Cristina Cotrofe, DJ 24/08/2011). O juízo a quo constatou, diante dos documentos médicos apresentados e não impugnados no presente recurso, estarem preenchidos os requisitos necessários para o deferimento da tutela antecipada, pois o demandante comprovou sofrer de glaucoma, sendo necessário o tratamento com os remédios travatan colírio e combiran colírio (v. fls. 17/19): “Inicial em fls. 02/14, instruída com laudos atestando a urgente necessidade do uso do medicamento prescrito”. Ademais, a própria União Federal reconhece o direito do Agravado aos medicamentos, que “são indicados para o tratamento de glaucoma e são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde/SUS, estando contemplados na tabela de procedimentos” (v. fl. 43). Assim, nego provimento ao Agravo de Instrumento. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO À SAÚDE. EXIGIBILIDADE DO DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE PELO FORNECIMENTO. LICITAÇÃO. PROVA TÉCNICA NÃO IMPUGNADA. 1. É solidária entre os entes da Federação e tem assento constitucional a

responsabilidade pelo fornecimento dos produtos e serviços públicos de saúde, o que não tolera exceções por lei e tampouco por normas administrativas, as quais se limitam a distribuir responsabilidades internamente e não servem de fundamento para negar direitos perante os interessados (STF, SL 47 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJ 30.04.2010). 2. É papel do Poder Judiciário delimitar o núcleo duro dos direitos fundamentais, apontando quais produtos ou serviços de saúde são essenciais. Nesse contexto, o direito à saúde é judicialmente exigível da Administração, não apenas por omissão administrativa (em que o dever de prestação está prevista em lei), mas também por omissão legislativa, sempre que a essencialidade da prestação (mínimo existencial) estiver demonstrada. Porém, com efeito, o fenômeno da judicialização da saúde pública nem sempre diz respeito à jurisdição constitucional, porque grande parte dos conflitos referentes à oferta de produtos ou serviços de saúde se relaciona com a efetivação, pela Administração, de políticas de saúde já existentes em lei (STF, Segunda Turma, AI 734487 AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ. 20.08.2010 3. A necessidade de observância à regras de licitação, para a entrega de produtos determinada judicialmente, não afasta o dever da Administração Pública de cumprir decisões judiciais de urgência, especialmente em matéria de direito público à saúde, em que, se necessário, a tutela judicial efetiva deve compreender a execução forçada, desde que respeitada a continuidade de serviço público essencial (TRF 2ª Região, Sexta Turma Especializada, AMS 62515, Rel. Desembargador Federal Frederico Gueiros, DJ 05.08.2008; TJ/SP, 13ª Câmara de Direito Público, Rel. Desembargadora Cristina Cotrofe, DJ 24.08.2011). 4. Prova técnica quanto a necessidade do produto ou serviço de saúde não impugnada no recurso apresentado. 5. Negado provimento ao Agravo de Instrumento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao Agravo de Instrumento, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Rio de Janeiro, 31de janeiro de 2012.

RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

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