A noção de fundamento hermenêutico na filosofia de G. Vattimo

May 30, 2017 | Autor: F. Pieper Pires | Categoria: Religion, Gianni Vattimo, Religião, Pós-Modernidade
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A noção de fundamento hermenêutico na filosofia de G. Vattimo Frederico Pieper

Muitas suspeitas pensam sobre o pensamento hermenêutico desenvolvido no decorrer do século XX. Ele é tido como filosofia que acaba por desaguar num mar de irracionalismo, relativismo ou, ainda, seria mera defesa de conformismo à tradição, impossibilitando a crítica às ideologias1. Em grande parte, estas suspeitas se justificam nas considerações hermenêuticas de temas centrais da tradição filosófica, tais como fundamento e verdade como proposição. Se Heidegger e Gadamer, eixos da hermenêutica filosófica contemporânea, ainda buscam manter certo resguardo em levar suas concepções às últimas conseqüências, o mesmo não ocorre com Vattimo. Em primeiro lugar, ele concebe sua filosofia como radicalização da hermenêutica, tirando conseqüências vislumbradas, mas nunca desenvolvidas, por Heidegger e Gadamer. Esta radicalização se realiza sob a inspiração de Nietzsche, considerado filósofo da interpretação, que teria indicado os alcances da assunção do caráter interpretativo na constituição do mundo. Além disso, Vattimo também assume o famigerado termo niilismo como conceito central de sua filosofia. Ainda que não confira a esta palavra o sentido corrente, a sua escolha indica que a efetivação das potencialidades hermenêuticas conduz ao niilismo. Contribui ainda mais para essas suspeitas, certa inconsistência terminológica no pensamento de Vattimo, bem como o caráter engajado de seu filosofar que o obriga a radicalizar posicionamentos diante de debates situados. Especialmente mais recentemente, diante da discussão suscitada na Itália por Bento XVI e seus ataques ao relativismo contemporâneo, tem feito Vattimo se posicionar com mais veemência em alguns aspectos. Diante deste quadro, Vattimo tem sido considerado por vários intérpretes como espécie de relativista. O reconhecimento do caráter interpretativo de toda e qualquer proposição, que confina a verdade ao âmbito das experiências estéticas e retóricas, seria a

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A título de exemplificação, na sua resenha sobre Verdade e método, afirma Habermas: “A substancialidade do que é historicamente pré-dado não permanece sem ser afetado quando é submetido à reflexão (...). O pré-juízo de Gadamer pelo direito dos pré-juízos certificados pela tradição nega a o poder da reflexão”HABERMAS, J. A Review of Gadamer’s Truth and Method. In: DALLMAYR, T.; McCARTHY, T. (eds.). Understanding and Society Enquiry, p. 358.

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demonstração da pertinência desta adjetivação2. No entanto, se estas leituras se sustentam no recorte de determinadas passagens dos textos de Vattimo, elas não se mantém quando se observa de modo mais amplo os textos do filósofo de Turim. Se Vattimo fosse apenas um relativista, que prega que toda verdade é interpretação, pouco teria a contribuir. Além do mais, a contradição é aqui evidente: se tudo é interpretação, esta afirmação também é interpretação ou há de se reconhecer que nem tudo é interpretação. Diante de flagrante contra-senso, restariam poucos motivos para levá-lo a sério. No entanto, o ataque à concepção de verdade proposicional é apenas uma face de sua noção de niilismo. Ela deve ser entendida a partir do eixo central de seu pensamento: a noção de “fundamento hermenêutico”. Como se observará, é a partir daqui que Vattimo opera a desconstrução de temas caros à modernidade: sujeito, história, verdade, enfim, fundamentos últimos, mas sem incidir, necessariamente, em posição de cunho relativista.

1. Não há fatos, somente interpretação. Crítica à verdade como correção Em Para além da interpretação, afirma Vattimo: “(...) não se dá a experiência da verdade a não ser como ato interpretativo”3. Em poucas palavras, para Vattimo a verdade não se reduz à correta correspondência entre enunciado e coisa, com base numa pretensa proximidade entre o que se diz e aquilo sobre o que se enuncia, mas toda proposição é uma interpretação. Como Vattimo justifica esta compreensão de verdade? Na sua abordagem sobre esta tópica, ele apenas reitera posicionamentos já antecipados por Heidegger e Gadamer. Neste ponto, Vattimo costuma a ser bastante econômico. Os desenvolvimentos do Heidegger após a viragem (Kehre) são determinantes para sua filosofia, mas ele já busca indicar como certas intuições do Heidegger tardio estariam presentes em Ser e tempo, lendo este texto sob a luz dos desenvolvimentos tardios. Heidegger, em sua obra magna, critica o que julga a concepção tradicional de ente. Esta compreensão afirma que o ente é uma substância independente, possuidora de 2

Por exemplo, GRONDIN, Jean. “Vattimo’s Latinization of Hermeneutics. Why did Gadamer Resists Postmodernins”. In: ZABALA, S. Weakining Philosophy. Essays in Honor of Gianni Vattimo. SCOPINHO, Sávio Desan. Filosofia e sociedade pós-moderna. Crítica filosófica de G. Vattimo ao pensamento moderno. Porto Alegre, Puc-RS, 2004, capítulo 3.; ANTONELLO, Pieraolo. Introdução. In: GIRARD, R. VATTIMO, G. Cristianismo e relativismo. Verdade ou fé frágil?, p.12. 3 VATTIMO, G. Para além da interpretação, p.16.

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propriedades e que poderia ser descrita por uma razão que se coloca para além da temporalidade. Os entes já estão aí manifestos, de modo que caberia ao sujeito do conhecimento apenas encontrar as proposições corretas para se referir ao que está sempre presente. A pergunta pelas condições de possibilidade de manifestação destes entes não é levantada. Parte-se do pressuposto de que o sujeito encontra os entes de já manifestos, restando à linguagem a função de descrevê-los de maneira mais acurada. No entanto, é preciso dar um passo atrás. Antes da verdade como correspondência, há de se tratar do modo como estes entes se manifestam. Para que haja relação entre sujeito e objeto, é condição que se estabeleça um espaço que torne possível este encontro. Se para haver correspondência entre o enunciado e a coisa é preciso que os entes se manifestem, é pertinente que se pergunte pelo modo como estes entes se mostram. O movimento aqui é devedor, em certa medida, da fenomenologia. A pergunta mais fundamental não se coloca somente no âmbito da relação sujeito e objeto, mas se questiona pelo modo de doação destes entes e do próprio sujeito. O sujeito não encontra o objeto num vazio, de maneira pura. Antes, a relação pressupõe um “espaço” que torna possível este encontro. Ainda que se refira a Ser e tempo, Vattimo pressupõe a noção de mundo expressa por Heidegger em A essência do fundamento, onde mundo é definido nos seguintes termos: “1) Mundo quer dizer antes um como do ser do ente do que o próprio ente. 2) Esse como determina o ente em sua totalidade. Ele é em última análise a possibilidade de cada como em geral enquanto limite e medida. 3) Esse como em sua totalidade é, de certa maneira, prévio. 4)Esse como prévio, em sua totalidade, é ele mesmo relativa ao ser-aí humano”4. Ainda que não seja escopo deste texto desenvolver esta importante concepção, gostaria de fazer alguns comentários, pois estas noções se mostram fundamentais na crítica de Vattimo à noção tradicional de verdade. Em primeiro lugar, este mundo, esta estrutura prévia a partir de onde os entes podem ser manifestar, não revela como estes entes são em si mesmos, mas desvelam como o ser destes entes se mostra. Em outros termos, o mundo se configura como um modo de doação dos entes. Para Vattimo, ao invés de oferecer acesso a como eles efetivamente são, o mundo indica um modo pelo qual o ser destes entes se dá, isto é, um modo de

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HEIDEGGER, M. A essência do fundamento. In: Marcas do caminho, p.155.

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doação. De um ponto de vista mais hermenêutica, o mundo permite certo acesso ao ser constituindo como uma visada interpretativa. Em segundo lugar, o mundo se constitui como totalidade de sentido. Os entes não se dão de maneira isolada, mas pressupondo uma relação, constituindo uma totalidade. Deste modo, um ente nunca é tomado de maneira isolada, mas já se pressupõe uma rede de relações que lhe conferem sentido. O mesmo é válido para a noção de verdade como proposição. Determinada afirmação somente pode ser tida como verdadeira a partir da sua inserção nesta totalidade, que também oferece os critérios de verificação. A unidade do mundo aponta para o caráter holista da concepção hermenêutica. Há uma estrutura, de modo que os entes são acessíveis somente enquanto inseridos nesta totalidade. Em terceiro lugar, esta totalidade é tida como anterior e relativa ao Dasein. Vattimo, numa crítica às filosofias da consciência, enfatiza que o Dasein já se encontra inserido nesta totalidade, que é anterior a ele.

Neste ponto, a linguagem se mostra como

importante. Vattimo endossa a concepção heideggeriana e gadameriana como desveladora do mundo. Antes de ser simples meio de comunicação, a linguagem constitui o mundo a partir de onde os entes aparecem. A proposição, com seus modos próprios de referência, não possui este poder de desvelar, mas de apenas se referenciar aos entes que se manifestaram. Assim, se a linguagem num sentido mais amplo (diria Heidegger, poético) desvela, a proposição estabelece correspondência numa totalidade já desvelada. Isso significa dizer que determinada proposição, em si mesma, não é falsa nem verdadeira. Ela é apenas interpretação. Ela é considera como falsa ou verdadeira a partir da interpretação prévia, isto é, a partir dos critérios de verificação fornecidos por esta totalidade anteriormente dada5. Em outros termos, o enunciado predicativo sobre um ente pressupõe o pré-predicativo. Para Vattimo, este pré-predicativo não é interpretado como referência a algo misterioso, que se coloca para além da linguagem. Antes, o ser é identificado com a linguagem, uma vez que é ela que instaura a abertura onde o Dasein se move. Não há ser para além da linguagem, mas é ela quem determinada os limites dos horizontes hermenêuticos. Uma vez que o Dasein é finito, ele não pode transcender esta rede de significados, que lhe é anterior e que lhe permite com que os objetos apareçam. Eles somente podem se

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Este sentido de a priori é desenvolvido por Heidegger em Die Grundprobleme der Phänomenologie, GA 24, p.461.

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manifestar por meio da linguagem, melhor dizendo: os objetos se manifestam num certo como. Este manifestar significa que o Dasein já se relaciona com os objetos conferindolhes sentido a partir de uma abertura. A conseqüência desta assunção é a de que não se pode tornar este desvelar enquanto tal da linguagem de maneira objetiva. O ser se constitui como esta luz que permite com que os entes apareçam, mas esta luz mesma não pode ser considerada de maneira objetiva. Para que isso fosse possível, o Dasein teria de negar sua finitude constitutiva e se colocar para além da rede de significações em que se encontra lançado. Para ilustrar o que está em jogo neste ponto, vale o recurso a um exemplo utilizado pelo próprio Heidegger ao comentar o mito da caverna de Platão. Segundo ele, para que se possa reconhecer um objeto como um livro, já se deve ter uma compreensão prévia do que é um livro. Caso não se tenha esta compreensão anterior à própria “experiência”, não poderia reconhecer um livro como livro. O olho apenas poderia captar cores, brilho, claridade, textura, etc. Mas, o olho não pode ver um livro, constituindo-lhe como objeto. Desta maneira, há certo modo de “saber” que antecede o encontro com os objetos e que se configura como condição de possibilidade para que eles sejam reconhecidos. Em termos heideggerianos, a compreensão de ser é anterior e condição de possibilidade para o reconhecimento dos entes6. Somente se pode ter acesso aos entes por meio de compreensão prévia do ser, que não é estável, mas se constitui na temporalidade com as diversas aberturas históricas.

A partir disso, Vattimo propõe a universalização da hermenêutica. Ao reconhecer a sua inserção numa abertura, não cabe ao cientista demonstrar a validade do conhecimento produzido com base numa maior proximidade com relação ao objeto enquanto tal. Tanto o cientista como o “objeto” a ser conhecido pertencem e compartilham um mesmo horizonte7. Neste ponto, Vattimo pensa na distinção que Dilthey ainda mantinha entre as Geistwissenschaften e as Naturwissenschaften. Ele havia pontuado as distinções e respectivo valor de cada âmbito do conhecimento, de modo que não caberia às ciências do espírito procurar adotar o método das ciências da natureza. Dilthey 6

HEIDEGGER, M. Sein und Wahrheit, GA 36/37, pp. 148-153. [Ser e verdade. pp.157-162]. É interessante ressaltar que este exemplo se dá justamente num comentário a um texto de Platão. Neste sentido, J. Macquarrie parece estar correto ao sustentar que “Heidegger se insere na tradição neoplatônica. O que Heidegger diz a respeito do status do ser é notadamente similar ao que Erígena diz sobre Deus. Erígena usou o adjetivo „supraessencial‟ para Deus (...)” (MACQUARRIE, John. Heidegger and Christianity, p.99). 7 VATTIMO, G. As aventuras da diferença, p.31; Etica de la interpretacción, p.24-25.

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justificou a validade daquelas, sem atacar a pretensão de objetividade destas. Mesmo não sendo objetivas, nos termos das Naturwissenschaften, as ciências do espírito teem seu lugar garantido. Entretanto, esta distinção lança um problema para Vattimo. Como a verdade pode ser interpretação e a ontologia hermenêutica se generalizar, se na base da distinção de Dilthey está o reconhecimento do caráter não interpretativo das ciências da natureza? Vattimo, seguindo os passos de Gadamer, afirma que também as ciências devem reconhecer sua dependência da verdade como desvelamento. Isto é, os enunciados científicos, por mais objetivos que pareçam, são interpretação e somente podem ser compreendidos dentro de determinada abertura. Isto significa dizer que o habitar estético é condição para a ciência e a distinção entre ciências da natureza e ciências do espírito se dilui no reconhecimento do aspecto interpretativo de ambas. Os critérios de conformação e verificação das ciências são compreendidos à luz do horizonte hermenêutico ao qual pertencem. Assim, segundo Vattimo, “não existe verdade fora de um horizonte aberto por um anúncio, por uma palavra transmitida. Não se pode opor à palavra transmitida a verdade dos objetos que se dão em presença (a distinção clássica entre ciências da natureza e ciências do espírito, entre explicações e compreensões), visto que até mesmo este dar-se é tornado possível graças a uma abertura que é a linguagem, e, portanto, palavra transmitida e propagada, proveniência”8.

Outro aspecto hermenêutico derivado desta crítica à noção de verdade é a linguisticidade do ser. Neste sentido, por diversas vezes, Vattimo se refere à afirmação de Gadamer em Verdade e método: “Sein, das verstanden werden kann, ist Sprache”. Ao destacar a linguisticidade, pode-se dizer que o sentido determina a referência. Em outros termos, não se tem acesso aos fatos enquanto tais, mas somente ao que eles significam. Com isso, Vattimo entende que há rompimento da distância entre fato e sentido. Obviamente, não se está afirmando uma espécie de idealismo lingüístico tacanho. Antes, indica-se que uma vez que o acesso aos entes em determinada abertura 8

VATTIMO, G. Depois da Cristandade, p. p. 85. Numa outra formulação Vattimo afirma: “A validade da hermenêutica de Gadamer requer a tese de que as coisas são realmente o que elas são dentro da interpretação (...). A Hermenêutica mostra de forma convincente que a estabelecida objetividade dos objetos, também e especialmente dos objetos das ciências, somente pode ser obtida dentro de uma moldura herdada (poder-se-ia dizer dentro de um paradigma kuhniano), o qual deve ser responsavelmente e explicitamente assumido pelo intérprete ou, como ocorre nos domínios da pesquisa científica experimental, pela comunidade dos intérpretes” (VATTIMO, G. Gadamer and the Problem of Ontology. In: MALPAS, Jeff et alli (ed.). Gadamer‟s Century. Essays in Honor of Hans-Georg Gadamer, p.304).

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se dá por meio da linguagem, o que se compreende dos entes é seu sentido, e não o que eles efetivamente são. Em termos mais nietzschianos, aos quais Vattimo também recorre, “não há fatos. Somente interpretação” 9.

Deste modo, o conceito tradicional de verdade como conformidade entre o enunciado e a coisa (entre julgamento e julgado) supõe estrutura ainda mais fundamental. Este mais originário é aquilo que nos permite discernir se o enunciado está numa relação de conformidade ou não. Para que haja relação de conformidade é preciso que ocorra o encontro entre sujeito e objeto, proporcionado pelo acontecer da abertura, deste horizonte instituído pela linguagem e de significação que permite com o que os entes se manifestem e que se coloca numa relação de anterioridade ao Dasein e aos entes.

Deste modo, retomando elementos desenvolvidos por Heidegger e Gadamer, Vattimo entende que a primeira face do niilismo compreende o reconhecimento de que a verdade possui caráter retórico, uma vez que ela se funda numa abertura que lhe é mais originária. E estas aberturas históricas não são passíveis de serem classificadas como falsas ou verdadeiras, uma vez que elas fornecem os parâmetros de verificação. 2. Isto já é uma interpretação. A radicalização da hermenêutica Entretanto, é preciso dar um passo adiante no sentido de radicalização da hermenêutica. Vattimo expressa isto ao afirmar que: “A hermenêutica não é apenas uma teoria da historicidade (dos horizontes) da verdade; é ela mesma uma verdade radicalmente histórica”10. Ao conceber este segundo aspecto do niilismo como tarefa da hermenêutica, Vattimo aponta para seu caráter desfundamentador. Como observado, a partir do acontecimento das aberturas históricas, Vattimo sustenta que toda verdade como proposição é interpretação. No entanto, como a hermenêutica pode legitimar seu lugar? Seria claramente contraditório a defesa de que ela descreve de maneira mais verdadeira a realidade contemporânea ou mesmo a condição humana. Se a hermenêutica diz que tudo é interpretação, como ela mesma ainda poderia se furtar ao reconhecimento de sua própria postura interpretativa? Em segundo lugar, se a concepção de Vattimo de que tudo é interpretação fosse tida como verdadeira, ele 9

NIETZSCHE, F. Der Wille zur Macht. § 481. VATTIMO, G. Para além da interpretação, p.19.

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haveria de reconhecer que há pelo menos uma exceção à linguisticidade da compreensão do ser: a afirmação de que tudo é interpretação. Neste caso, a noção de verdade como adequação estaria reabilitada, retornando triunfante para seu lugar de destaque. Até mesmo para manter a coerência de seu pensamento, Vattimo sugere que não se conceba a hermenêutica como se fosse espécie de uma filosofia pura que atesta o relativismo da multiplicidade das culturas no mundo contemporâneo. Antes, ela deve ser destituída de seu lugar de metateoria, ao reconhecer que também é uma interpretação. A sua legitimidade não se pode fundar numa defesa da melhor adequação entre suas proposições e um suposto estado de coisas. Este reconhecimento parece conduzir Vattimo a caminhos sem saída. Em primeiro lugar, como ele mesmo afirma no início da obra Niilismo e emancipação, “A primeira coisa a notar (...) é que os termos „niilismo‟ e „hermenêutica‟ são usados aqui como sinônimos. Eu interpreto „niilismo‟ nos sentidos dados por Nietzsche: a dissolução de algum fundamento último, a compreensão de que na história da filosofia, da cultura ocidental em geral, „Deus está morto‟, e „o mundo verdadeiro se tornou uma fábula‟”11. A radicalização da hermenêutica acaba por conduzir à situação na qual nem ela mesma possa se afirmar como fundamento último, isto é, como se não estivesse ela mesma inserida numa abertura histórica. Neste ponto, estamos diante do segundo sentido de niilismo em Vattimo. Há a completa destituição de fundamentos últimos. Para Vattimo, a percepção de que tudo é interpretação e de que o mundo verdadeiro se tornou uma fábula é algo positivo. Este niilismo hermenêutico significa a redução da violência imposta por um fundamento forte, característico da tradição metafísica. Nenhuma interpretação pode ser considerada como mais verdadeira (no sentido de adequação do enunciando à coisa) do que outra. Pelo contrário, ela deve reconhecer sua historicidade e seu estatuto de interpretação. A difusão das interpretações e das imagens do mundo impede a imposição de um absoluto transcendente que se pretende exterior ao jogo interpretativo e a partir do qual a realidade é descrita e não interpretada. A partir disso, o pensamento deve reconhecer sua debilidade, visto ser sempre interpretação. Aqui reside a importância do pensamento de Nietzsche para a hermenêutica: ele leva a hermenêutica a reconhecer sua vocação niilista. Se por um lado o excesso de interpretações conduz à morte de Deus, o niilismo hermenêutico somente é possível porque Deus está morto, 11

VATTIMO, G. Nihilism and Emancipation, p. XXV.

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não havendo um princípio único capaz de organizar as múltiplas interpretações. Se não há mais um fundamento último organizador das interpretações, elas estão liberadas para se multiplicarem por quantas forem as vozes num mundo plural, sempre mantendo relações umas com as outras. No entanto, como pensar sem fundamentos? Estamos condenados às argumentações meramente estéticas? Em segundo lugar, este sentido niilismo de Vattimo parece confirmar seu relativismo. A partir do momento em que não se possui nenhum fundamento último, também caem por terra os critérios que permitiriam julgar determinada proposição como mais pertinente do que outra. Uma vez que todas são interpretação, inclusive isto também é interpretação, há de se reconhecer a validade de toda e qualquer enunciado, que conduz ao conformismo, quando não ao absurdo. Em suma, Vattimo estaria enterrando qualquer possibilidade de haver pensamento crítico ou mesmo de se pensar uma ética. Desta perspectiva, parece que os críticos da hermenêutica teem razão: ela acaba por incidir num irracionalismo e relativismo, com todos os problemas práticos e epistemológicos que estas posições trazem consigo. 3. Niilismo como história Diante destes impasses, como Vattimo legitima a pertinência da hermenêutica? Se não se pode mais afirmar a validade de sua perspectiva defendendo-a como descrição mais exata de um estado de coisas, como justificar que a hermenêutica se constitui como “melhor” teoria? A resposta a esta questão nos conduz para o terceiro sentido de niilismo em Vattimo: o niilismo possui dimensão historicamente direcionada, indicando o destino do Ocidente como processo de dissolução de todas as estruturas fortes da metafísica, que inclui a noção de verdade ancorada em fundamentos últimos que não reconhecem sua historicidade. O niilismo, portanto, retoma o nexo entre ontologia e história, de maneira que o ser se consome a si mesmo, faz-se fraco, dissolve-se. A partir disso, pode-se notar que niilismo em Vattimo não pode ser tomado como sinônimo de relativismo, tendo em vista que envolve também uma história, uma narrativa, capaz de conceder unidade às diversas verdades contemporâneas. Neste ponto, a afirmação de Gadamer, “O ser, que pode ser compreendido, é a linguagem”, é retomada ressaltando tanto o caráter mediatizado da experiência (i.e., ela ocorre sempre por meio de um horizonte aberto, por meio de um conjunto de significações herdado), mas também é experiência do ser. Isto é, não é apenas experiência de entes, de

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verdades, etc., mas de certa unidade que se expressa por meio da história do ser. No entanto, esta unidade não se coloca como última, mas reconhece-se como legatária de uma herança, de uma história. Deste modo, a hermenêutica, entendida no sentido da constituição de uma ontologia da atualidade, somente pode se legitimar como melhor interpretação recorrendo a uma narrativa, como resposta a um legado. Em termos mais precisos, o que resta à hermenêutica é a rememoração (An-denken) da história do ser conduzido pelo niilismo, cujo ápice é a morte de Deus. Duas observações devem ser levadas em consideração. Em primeiro lugar, esta reconstrução não possui a força das filosofias da história de matriz moderna, especialmente positivistas. É um retomar que pensa a diferença ontológica enquanto diferença, não no sentido de fazer esta diferença presente, mas de mantê-la enquanto tal12, constituindo-se como uma interpretação e não como a reconstrução do passaod enquanto tal. Ao reconhecer o caráter histórico da abertura a partir da qual nos movemos, é possível a constituição de uma unidade a fim de conceder sentido às múltiplas interpretações. Esta totalidade se mostra importante, para que simplesmente não se caia numa afirmação da interpretação pela interpretação, mas se entenda o fundo comum a partir de onde as interpretações podem ser constituídas. Elas somente pode se mostrar discordantes ou próximas por pressuporem um âmbito comum. Assim, esta narrativa também não é apenas recurso estético, tendo em vista que é a resposta a uma proveniência, a uma herança. Em segundo lugar, está em operação aqui a noção de círculo hermenêutico. O reconstruir desta história não significa se colocar para além dela. Antes, é reconhecendo-se como parte do processo, como pertencentes à ela, é que se pode rememorá-la(An-denken). Neste sentido, a hermenêutica se constitui como resposta (mas também como parte do processo) que compreende o Ocidente como marcado pelo niilismo, isto é, como se constituindo a partir da tendência ao enfraquecimento das estruturas fortes da metafísica. A partir desta narrativa, Vattimo possui um critério a partir de onde se pode julgar determinadas interpretações como melhores do que outras. Aquelas interpretações que acentuam e seguem o destino niilista são possuidoras de maior plausibilidade do que as proposições que buscam resgatar a referência imediata ao ser, entendo-o como estrutura disponível capaz de ser captada pela razão e expressa pela linguagem, apelando a um 12

Vattimo utiliza os termos Verwindung e An-denken, empregados para Heidegger especialmente para se distanciar da noção de rememoração hegeliana. (O fim da modernidade, p????)

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fundamento último. Deste modo, a abertura histórica se revela como “uma vocação para a redução, para a dissolução dos caracteres fortes, que se apresenta como possível fio condutor de interpretações escolhidas, até mesmo opções morais, bem além da pura e simples afirmação da pluralidade dos paradigmas”13. Mais especificamente, Vattimo identifica o cristianismo como elemento niilista operante no interior da metafísica. O cristianismo é compreendido a partir do mito da encarnação, no qual Deus assume a debilidade como possibilidade, destituindo-se das características fortes e violentas do sagrado ao se manifestar na condição humana. A caritas se torna o critério para o diálogo com a tradição bem como com outras aberturas. A partir destas considerações, Vattimo afirma a noção de fundamento hermenêutico. Se tomamos fundamento no sentido tradicional, como lugar (que se configura no limite como não-lugar) necessário, eterno e imutável, estamos diante de um oximoro. Nesta compreensão, fundamento é justamente o lugar que se furta à historicidade, colocandose para além dela, mas a determinando. Para tanto, não pode ser revestido de caráter hermenêutico, mas deve funcionar como centro controlador da diferença e estabelecendo critérios últimos para o fluxo das interpretações. No entanto, fundamento nesta expressão se aproxima mais da noção de solo (Boden) do que propriamente de fundamento

(Grund)14.

Como

lançados-no-mundo,

estamos

desde

sempre

comprometidos com certos valores e critérios, que nos são anteriores e determinam o modo de doação dos entes e do próprio sujeito. É a partir deste solo que se pode emitir juízos sobre as coisas, pois a abertura nos fornece conjuntos de significações que permitem qualquer tipo de “experiência”. No entanto, o caráter hermenêutico do fundamento revela sua desfundamentação. Uma vez que estas aberturas são historicamente constituídas, elas não podem advogar para si necessidade, eternidade e imutabilidade, atributos metafísicos da noção de fundamento. Antes, as aberturas revelam certo interesse e comprometimento com determinadas perspectivas que, enquanto legatárias de uma tradição, acabam sendo assumidas. Não se pode também imputar a Vattimo a acusação de tradicionalismo, uma vez que se reconhecer como legatários de uma tradição não significa a harmoniosa inserção neste horizonte já constituído. Há apenas a afirmação de que estamos inseridos e pensamos a partir deste horizonte já instituído, mas, que também está submetido aos ventos da história. Mesmo

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VATTIMO, G. Para além da interpretação, p. 134. Cf. VATTIMO, G. As aventuras da diferença, p. 128.

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a oposição e a crítica a elementos desta tradição, uma vez que receber uma herança implica também em recusa, ainda se dá em relação à ela. Pode-se afirmá-la ou recusá-la. Mas, em ambos os caos, a relação com a tradição é ainda pressuposta. Ela é referência. Este comprometimento com determinada abertura, indício da finitude, mostra a impossibilidade do relativismo. Além dos problemas de ordem epistemológica e práticos, Vattimo concebe o relativismo como espécie de metafísica negativa. Isso significa dizer que estão em operação aqui os mesmos princípios que regiam a afirmação de princípios últimos, mas com simples inversão. Se a afirmação de fundamentos últimos pressupunha o não reconhecimento radical da finitude, concebendo que os entes já estão desde sempre presentes, o mesmo ocorre com posições relativistas. Afinal, somente se não se reconhece a inserção numa abertura é que todas as proposições são igualmente válidas. Expresso de outra maneira: é a partir de um ponto de vista universal que se pode considerar todos os posicionamentos como relativos, uma vez que não se reconhece o pertencimento a uma abertura e a sua determinação de critérios. Deste modo, como Vattimo lembra constantemente, somente Deus pode ser autenticamente relativista15. Deste modo, Vatimo radicaliza a hermenêutica em duas direções. Em primeiro lugar, retira as conseqüências niilistas das críticas à noção de verdade como correspondência. Por outro lado, retomando Heidegger, acentua a importância da história do ser, tendo como eixo o niilismo16. Para tanto, Vattimo há de fazer certas alterações nas perspectivas de Nietzsche e Heidegger para estabelecer positivamente certa unidade para a experiência atual. Se Heidegger enfatizava a relação Grécia-Alemanha17, de modo que a partir da década de 30 o cristianismo é abordado a partir da perspectiva crítica sob a insigne de ontoteologia, Vattimo retoma a importância da herança cristã a partir da Kénosis, cada vez mais acentuada por Vattimo a partir de meados da década de 90. Assim, Vattimo resgata noção de história do ser concebendo não mais seu eixo em Atenas, mas em Jerusalém. Além disso, se em Heidegger o niilismo possui dimensão histórica, mas conotação negativa, Vattimo inverte este juízo. Num mundo plural, as vias de emancipação residem no niilismo. Em relação a Nietzsche, o acento moral da leitura do cristianismo como moral de escravos, é ausente de sua leitura. Aliás, Vattimo 15

VATTIMO, G. Emancipation and Nihilism, p. 42. Cristianismo e relativismo, p. 50. Como o próprio Heidegger reconhece, Nietzsche pensa “o niilismo como a „lógica intrínseca‟ da história ocidental” HEIDEGGER, M. A palavra de Nietzsche: Deus morreu, p. 258. 17 sacada do Derrida. há um correio entre Grécia e Alemanha, com envio de mensagens. 16

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sequer se dedica a uma análise mais detalhada da questão da moral em Nietzsche, o que demonstra o quão heideggeriano é seu Nietzsche, não obstante suas reservas a determinadas críticas. No entanto, não se livra de concepções metafísicas tão facilmente. Cabe perguntar em que medida Vattimo não retoma um procedimento de legitimação bastante conhecido da modernidade: as metanarrativas. Lyotard, já em fins da década de 1970, relatava este papel importante da narrativa. O “meta” de metanarrativas aponta para sua pretensão de universalidade, como modo de organização de toda a experiência humana. Na leitura de Vattimo, há aqui certo salto do particular para o universal, disseminando-se a violência por meio da imposição de princípios que nada mais são do que fruto da absolutização de determinado horizonte histórico. No entanto, Vattimo não realiza este mesmo procedimento? Ao afirmar a caritas, Vattimo é cauteloso para não incidir no ponto que ele mesmo crítica. A caritas, enquanto critério para o diálogo, é compreendida como revestida de um aspecto formal, visto não ordenar nada de específico. Sua indeterminação permite com que seu conteúdo seja inventado continuamente no diálogo. Novamente, estamos diante de um círculo hermenêutico: A caritas é constituída pelo diálogo, mas já se parte para o diálogo tendo este princípio, pois pertencermos a este horizonte que valoriza que se rege por esta herança à dissolução. Em outras passagens, Vattimo procura diferenciar a caritas do imperativo categórico kantiano. Segundo ele, “tal pietas18 não obedece certamente a nenhum princípio, não se rege por nenhum imperativo categórico metafisicamente fundado e necessário. Se libera, pelo contrário, e se volta possivelmente, como a única via razoável a se recorrer” (EI, p. 11). Mas, não estaria Vattimo simplesmente universalizando um a priori de determinada tradição? Prova disto estaria na atenção que Vattimo tem dado cada vez mais ao cristianismo na sua produção mais recente, buscando destacar suas especificidades. No entanto, esta crítica é aceitável caso se conceba a localização histórica dentro de uma tradição como limitação. No diálogo, parte-se de certos pressupostos. Como inserido em determinada abertura, somente se pode ressaltar aquilo que constitui esta abertura. Tentar encontrar um critério trans-histórico seria impossível. Deste modo, falando a partir de um determinado lugar é que Vattimo destaca a caritas como critério. Sua indeterminação tem como consequência possibilitar a atenção ao

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Nos seus escritos, Vattimo não diferencia caritas e pietas. Ambos os termos se referem ao amor, sendo utilizados indistintamente por ele.

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particular. No entanto, esta indeterminação também gera problemas, sintetizados por Sergio Givone ao afimar que, “Se ela [caritas/pietas] é seletiva então não é pietas, não é mais círculo de pertença real, não é mais horizonte verdadeiramente fundador, dentro do qual todos nos sentimos unidos pela nossa mortalidade. Mas se a pietas não é seletiva e vale igualmente para as vítimas e para o carrasco, que fazer com o escândalo do mal: o inserimos no círculo da pietas ou não? Este me parece o problema ao qual o pensamento fraco deve responder”

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. Diante desta situação, a pietas exigiria a

afirmação de algum princípio primeiro que regulamentasse sua aplicação para explicar o escândalo do mal. Além deste caráter universalizante, estamos diante de “narrativas”. Enquanto discurso, a narrativa reúne em si os diversos gêneros e nomes. Ao contrário de um discurso analítico que se volta para um aspecto específico da realidade, a narrativa pode conceder sentido à totalidade, legitimando práticas sociais. Não lhe interessa o fragmento, mas o todo. Neste sentido, “É por meio dos mitos [enquanto narrativos] que os homens são suspensos acima de suas capacidades cotidianas, alcançam visões poderosas do futuro e realizam tais visões”20. Enquanto os diversos gêneros discursivos se ocupam de aspectos pontuais, as narrativas tentam pensar o sentido da totalidade da experiência, articulando as partes num todo. Deste modo, a narrativa possui o poder de conceder unidade, uma vez que reúne em si os diversos gêneros discursivos e nomes e, em virtude disso, possui certo poder de legitimação, constituindo-se como autoridade. Nas palavras de Lyotard, “Como eu disse, legitimidade é assegurada pela força do mecanismo narrativo: Ele ultrapassa a multiplicidade de famílias de frases e de gêneros possíveis do discurso; ele envolve cada nome; é sempre atualizada e sempre tem sido; ambos: diacrônico e paracrônico, ele exerce o domínio sobre o tempo e também sobre a morte e sobre a vida. A narrativa é a autoridade mesma” 21. Segundo a leitura de Lyotard, na modernidade, o saber científico se legitima a partir de discursos narrativos de emancipação ou narrativas filosóficas de realização da ideia. Vattimo, ao citar Lytoard, enfatiza que ele constatou o fim de grandes narrativas,

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GIVONE, Sergio. Debole e tragico”. In: Aut-Aut 37.238 (1990). Vale lembrar também a crítica de W. R. Darós, especialmente no que concerne à inocente confiança de Vattimo numa pretensa bondade humana. DARÓS, W. R. Posmodernidad y educación em Gianni Vattimo. In: Anthropos 2 (1998): 7-26 20 BERGER, Peter. As pirâmides do sacrifício. 21 LYOTARD, J.F. Postmodern explained, p.33.

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abrindo possibilidade para o reconhecimento das narrativas locais em sua autonomia22. No entanto, não se mostra atento para o papel legitimador da narrativa na modernidade e o vínculo intrínseco que há entre narrativa e totalidade. Como observado, para Vattimo, a narrativa da dissolução do ser a partir do impulso do cristianismo evita com que a tradição se constitua como mera sequência de esquemas conceituais ou como caos de luta entre verdades. Antes, as diversas aberturas e épocas possuem conexões intrínsecas. Diante disso, cabe pergunta se, no limite, a legitimação da hermenêutica não acaba tendo de recorrer a um artifício amplamente utilizado pela modernidade. Em outros termos, estaria Vattimo dizendo que a hermenêutica, para se legitimar, tem de recorrer a uma meta-narrativa, capaz de conceder amálgama e unidade às diversas verdades? Ao que parece, o próprio Vattimo reconhece as similaridades ao afirmar: “O Ge-Schick conserva, assim, alguma coisa do Grund metafísico e da sua capacidade de legitimação; mas só na forma paradoxal, niilista, da vocação para o esvanescimento, vocação que não pode, exatamente por isso, apresentar-se com uma coerção do tipo metafísico, mas que representa, todavia, uma possível racionalidade para o pensamento, uma possível „verdade da abertura‟”23. A novidade da hermenêutica em relação às narrativas anteriores está na afirmação de que há uma racionalidade no devir histórico, mas que conduz à dissolução.

Conclusão A crítica à noção de verdade como correspondência a partir do reconhecimento da historicidade revelam as dificuldades de se libertar de determinadas noções.

O

reconhecimento das aberturas históricas como condição de possibilidade da verdade como correspondência se mostra bastante pertinente. No entanto, há de se lidar também com as conseqüências que advém desta crítica. Uma vez que Vattimo pretende radicalizar alguns aspectos da hermenêutica, mas sem cair num relativismo ou irracionalismo, recorre a fundamentações com caráter interpretativo. No entanto, para legitimar a pertinência desta posição, sem recorrer a fundamentações últimas, Vattimo faz uso de um procedimento já conhecido: legitimação por meio das narrativas. No entanto, o discurso narrativo, por seu próprio caráter, tem certas pretensões de

22 23

VATTIMO, G. A sociedade transparente, p.11ss. VATTIMO, G. Além da interpretação, p. 132.

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totalidade. Para escapar do caráter violento desta totalidade, Vattimo ressalta a indeterminação da Caritas, tida como critério para o diálogo. Mas, esta indeterminação também revela seus limites: ela deve ser seletiva ou, no limite, acaba não sendo mais critério.

Enfim, a crítica radical à noção de verdade como conformidade traz

importantes conseqüências. O mérito de Vattimo está considerá-las, ainda que, ao final, pareça ser obrigado a retomar procedimentos “metafísicos” para legitimar sua posição.

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