A NOMEAÇÃO COMO COMPETÊNCIA DO JORNALISMO: UMA PRÁTICA TRANSVERSAL À DINÂMICA DO NEWSMAKING

May 22, 2017 | Autor: Eder Luis Santana | Categoria: Jornalismo, Gênero E Sexualidade, Jornalismo Impresso
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EDER LUIS CORDEIRO DE SANTANA

A NOMEAÇÃO COMO COMPETÊNCIA DO JORNALISMO: UMA PRÁTICA TRANSVERSAL À DINÂMICA DO NEWSMAKING

Projeto de pesquisa proposto à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBa), no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea (PósCom), como requisito obrigatório à seleção do curso de Doutorado, com ingresso previsto para 2017.1. Linha de pesquisa: Análise de produtos e linguagens da cultura mediática.

Salvador 2016

RESUMO Este projeto propõe que, a partir das Teorias da Comunicação, a prática da nomeação seja teorizada como competência do jornalismo localizada de modo transversal às etapas de produção da notícia (newsmaking). A discussão será amparada na análise de conteúdo de três jornais impressos e seus sites: Folha de S. Paulo, O Globo e A TARDE, ao longo de cinco décadas (1969 – 2019). O objetivo é analisar, a partir do frame e agenda-setting, o fato de os jornais serem ferramentas legitimadas para nomear pessoas e fatos. O conteúdo coletado estará ligado ao público LGBT, sigla que, ao longo deste texto, servirá para agrupar lésbicas, gays, bissexuais e o universo trans (travestis, transexuais, dentre outros fora do padrão heterossexual). O marco histórico é a Revolta de Stonewall, que aconteceu em junho de 1969 e tornou-se símbolo da luta pelos direitos LGBTs. A proposta é sistematizar as narrativas ao longo dos 50 anos, bem como os impactos das nomeações nas questões ligadas à sexualidade e gênero. É projetada a construção de um processo arqueológico capaz de contextualizar as estruturas socioculturais atreladas à construção das nomeações em determinado período. Leva-se em consideração que a notícia é o resultado de um “processo de produção, definido como a percepção, seleção e transformação de uma matéria-prima (os acontecimentos) num produto (as notícias)” (TRAQUINA, 1999). Assim, é possível avançar em uma perspectiva foucaultiana que amplie a notícia como elemento forjado em relações de poder norteadoras à produção do conteúdo. Os dois primeiros jornais foram escolhidos por terem a maior circulação no país, segundo o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), e o terceiro é o único centenário na Bahia. Em comum, todos têm duas peculiaridades: integram grupos de comunicação reconhecidos e contam com longa trajetória como veículos que narraram o passado e seguem narrando o presente. Palavras-chave: Jornalismo. Nomeação. LGBT. Frame. Agenda-setting.

1. INTRODUÇÃO “Comunico aos Srs. editores que a partir desta data fica proibida a publicação no jornal de notícias, notas, artigos, crônicas, comentários sobre homossexuais, gays ou que nome tenham, lésbicas e qualquer prática sexual anormal, inclusive sobre pessoas que a ela se dediquem. O jornal não pode estar sendo objeto de assuntos dessa natureza, uma vez que a sua leitura não é proibida nas casas de família, inclusive pelas crianças. O editor que aceitar e publicar tais matérias será responsabilizado pela direção do jornal”. O parágrafo acima reproduz um comunicado feito aos funcionários da redação do jornal A TARDE em 16 de agosto de 1989, assinado pelo então secretário de redação Cruz Rios. Uma cópia do documento está com o autor deste projeto desde outubro de 2014, quando estava imbuído com o mestrado. À época, optou-se por não utilizá-lo na pesquisa, pois a dissertação consistia na análise de conteúdo dos jornais A TARDE e Massa! a partir dos enquadramentos ligados aos LGBTs entre setembro de 2014 e 2015. A ideia é anexar o comunicado à tese do doutorado. Tê-lo como documento de pesquisa despertou no redator deste texto o anseio de pensar narrativas jornalísticas como meios de explicar a história. Se no mestrado o foco foi a produção da representação do LGBT na contemporaneidade, no doutorado há o objetivo de consolidar o papel da nomeação na produção noticiosa. Esse processo será traçado pelas notícias entre 1969 e 2019, cinquenta anos após a Revolta de Stonewall1. Partido do fato de que existe uma rotina da produção noticiosa e que as três etapas básicas desse processo são: seleção, ordenação dos eventos e nomeação (LAGE, 2002), há uma inquietação central neste projeto: A competência da nomeação no jornalismo pode ser revelada como algo transversal à produção das notícias (newsmaking)? A hipótese inicial é que a nomeação é competência do jornalismo, sendo formada de modo heterônomo, a partir de grupos sociais e políticos que querem projetar um conceito. Para aprofundar seu lugar na produção da notícia, é preciso identificar 1

Chamado de O Levante de Stonewall, o caso aconteceu em 28 de junho de 1969. De acordo com Flávia Péret (2011, p. 29 – 31), o bar Stonewall, em Nova York, era alvo constante de batidas policiais por vender bebidas sem alvará e apresentar shows de dançarinos nus. Naquela noite, um grupo de travestis se insuflou contra a polícia e, em seguida, mais pessoas se uniram contra o poder repressor do Estado. “Para a comunidade gay, além de representar a insubordinação e a reação de pequenos grupos de homossexuais – em sua maioria latinos, pobres e travestis – à truculência policial, Stonewall significou a irrupção do movimento de defesa dos direitos dos homossexuais nos Estados Unidos e, posteriormente, no mundo”.

elementos socioculturais responsáveis pelo surgimento do que há de ser nomeado. O Jornalismo, ao nomear, localiza sujeitos e ações na relação história-saber-poder. As palavras gay e homofobia, por exemplo, integram o conteúdo noticioso como forma de nomear, respectivamente, um sujeito e uma prática de violência. Antes de a palavra gay ser amparada na nomeação, foi preciso sua fundação na década de 50 (PÉRET, 2011). Em contrapartida, o termo homofobia surge em 1971, quando pesquisadores tentam apresentar os traços da personalidade dos que hostilizavam homossexuais (BORRILLO, 2010). Em ambos os casos, há relação de construção de saber e poder com a disseminação da nomeação pelo jornal diante do público. Duas outras interrogações são basilares neste projeto: Qual o mapa histórico a ser desenhado a partir do enquadramento ao longo dessas cinco décadas? As nomeações construídas em determinadas épocas estão compartilhadas com quais enquadramentos? Trabalha-se com a hipótese de que, por meio da agenda-setting e do framing, é possível traçar não apenas a história da luta pelo reconhecimento de direitos, mas revelar como essa parcela da sociedade foi alvo de diferentes nomeações demarcadoras à relação de subalternidade refletida no jornalismo. Pretende-se articular essa lógica à construção do processo arqueológico baseado em Michel Foucault (1926 – 1984). É por meio da arqueologia que se localizam “relações entre as formações discursivas e domínios não discursivos (instituições, acontecimentos políticos, práticas e processos econômicos)” (2014, p. 198). Projetar a análise arqueológica é estabelecer quais relações de poder são atravessadoras das dinâmicas de produção dos conteúdos. Foram selecionados três jornais impressos e seus respectivos sites para compor o corpus. O mais jovem é a Folha de S. Paulo, fundada em 1921 com objetivo de atrair “leitores das classes médias urbanas e da classe operária” (MANUAL..., 2011, p. 108). À época, o periódico se chamava Folha da Noite. Somente em 1960 o nome atual é implantado a partir de uma “linha editorial identificada com os interesses das classes médias urbanas do Estado” (idem, ibidem). Hoje, é o principal veículo do Grupo Folha. O segundo é O Globo, inaugurado em julho de 1925 pelo jornalista Irineu Marinho. Integra o quadro de produtos do Grupo Globo, um dos mais importantes conglomerados de mídia do país, e aparece como o segundo maior em circulação no Brasil. Por fim, o terceiro é o A TARDE, fundado em 1912 pelo jornalista e político

Ernesto Simões Filho. É o mais antigo jornal diário na Bahia, sendo o carro-chefe do Grupo A TARDE, que possui outras plataformas como a rádio A TARDE FM, a Agência de Notícias A TARDE, o portal A TARDE On Line, além do jornal Massa!.

2. OBJETIVOS

2.1 PRINCIPAL Analisar, a partir das Teorias da Comunicação, a nomeação enquanto prática e competência do jornalismo como elemento transversal às etapas de produção da notícia (newsmaking). Pretende-se compreender a noção de nomeação enquanto etapa de produção do jornalismo à medida que, pelo ato de nomear sujeitos e fatos, interfere-se nos processos de noticiabilidade e no valor-notícia dos acontecimentos.

2.2 ESPECÍFICOS >> Definir a nomeação como elemento transversal à dinâmica de produção de notícias (newsmaking). >> Apresentar como as nomeações de fatos e sujeitos, reproduzidas pelos jornais, estão atreladas a um processo heterônomo, construído por atores sociais e políticos interessados no sentido que se projeta a partir da representação nos mass media. >> Analisar agendamentos construídos por jornais de grande porte, e seus respectivos sites, a fim de contextualizá-los como instrumentos que revelam a evolução do movimento político e social de luta pelos direitos LGBTs.

3. JUSTIFICATIVA Ao longo do atual semestre, o autor deste projeto cursou a disciplina “Temas em Media e Cibercultura”, como aluno especial no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom). Na ocasião, foi possível identificar uma lacuna nos estudos do jornalismo: a não sistematização da nomeação enquanto parte da competência jornalística. Trabalha-se a noção de enquadramento, agendamento, os processos metodológicos com uso de palavras-chave na internet, porém, a ato de nomear na dinâmica profissional se apresenta como área a ser desbravada. Essa inquietação é crucial à elaboração deste projeto, que envolve ainda anseios de um profissional que há 14 anos transformou o jornalismo em sua área de atuação. O doutorado se coloca, então, como o novo desafio acadêmico depois de defender sua dissertação, em agosto de 2016, no Programa de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (PósCultura), na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Intitulada “Abjetos da primeira à última página: uma análise sistematizada do Jornalismo a partir dos Estudos Queer”, a dissertação foi divida em quatro capítulos (política, direitos civis, celebridades e violência), que analisavam o conteúdo de dois jornais do mesmo grupo de comunicação (A TARDE e Massa!). Para o doutorado, a meta é contribuir na produção de conhecimento capaz de apresentar a produção noticiosa como construção inserida em um processo histórico, haja vista o papel do jornalismo enquanto instituição legitimada para narrar (e nomear) o presente. Como a análise de produtos é a espinha dorsal do trabalho, considera-se crucial desenvolver a pesquisa no PósCom, onde existe qualificação necessária à orientação da futura tese. A linha de pesquisa “Análise de produtos e linguagens da cultura mediática” foi escolhida diante da necessidade de tornar a pesquisa um espaço de crítica ao papel dos mass media. É pensar a comunicação no jornal como narrativa formadora de subjetividades e espaço de disputa entre agentes sociais e instituições. No âmbito profissional, o autor deste projeto trabalha desde 2002 em jornais diários ou assessoria de comunicação. Em paralelo, é docente em cursos de Comunicação desde 2010. A trajetória é marcada por passagens pela Tribuna da Bahia e Grupo A TARDE, onde atuou como repórter, colunista, blogueiro e editor. Hoje, é assessor do Conselho Estadual de Cultura e docente na Faculdade de Tecnologia e

Ciência (FTC), além de ter executado trabalhos como freelancer da Folha de S. Paulo, Contigo! e Bravo. É possível identificar o jornalismo, em especial o de periodicidade diária, como campo de atuação e pesquisa deste autor. A consequência dessa relação é refletida na maturidade acadêmica, responsável pelo desejo de produzir conhecimento transversal entre jornalismo e seus impactos na sociedade. Justificar a importância deste projeto é o mesmo que apresentar as paixões de um sujeito que enxerga o jornal como revelador de problemáticas. Foram escolhidos três periódicos com dimensões nacional e regional, a fim de projetar reflexões atreladas às dimensões macro e micro, sem perder de vista o jornalismo como instituição a ser observada na lógica de poder e sociabilidade. Suas narrativas constroem o que Michel Foucault chama de regime de verdade.

4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A concepção teórica deste projeto de pesquisa tem como pressuposto o fato de o jornalismo ser considerado uma instituição social. Como explica Carlos Eduardo Franciscato, compreender o jornalismo desta maneira significa perceber que a “atividade jornalística opera com base em determinados princípios que singularizam e dão especificidade à sua prática e ao seu produto” (2003, p. 22). Projeta-se o jornalismo como instituição legitimada para narrar o presente. Analisar fatos históricos por meios de jornais é um meio de apresentar como o conteúdo veiculado em determinado período é forjado pelo mass media a partir de um contexto sociocultural, que precisa ser evidenciado como pano de fundo à produção. Franciscato assinala que o produto jornalístico funciona como “um documento público”. O conteúdo dissipado deixa de ser particular do sujeito e se projeta como fato que “rompe a esfera dos laços de intimidade da vida privada e se torna passível de circular socialmente com base num uso público desse conteúdo pela sociedade” (idem, p. 24). Assim, o Jornalismo não somente se consolida como instituição social, mas como existência materializada a partir de uma espécie de contrato firmado com o leitor, que aceita o posto de receptor diante da instância narradora dos acontecimentos. O vínculo do jornalismo com seu público é, dessa forma, um elemento de ordem da intersubjetividade que opera com percepções como credibilidade, confiabilidade e legitimidade, independentemente de considerarmos se o

leitor assume o papel de consumidor ou cidadão. Esta legitimidade social que a instituição jornalística conquistou para realizar um relato fiel das ocorrências cotidianas torna-se um alicerce ao mesmo tempo essencial e instável, pois é cotidianamente colocada em questão quando, a cada edição do jornal ou veiculação de programa telejornalístico, o indivíduo, ao exercitar a sua condição de cidadão ou de mero consumidor, opta por renovar este vínculo (FRANCISCATO, 2003, p. 27).

Essa relação prevê a existência de duas concepções: a do veículo de comunicação (uma organização dentro da instituição) e a do público, que acessa a história revelada no jornal. O foco deste projeto opera nas duas vertentes, à medida que sua meta é definir a nomeação como transversal ao newsmaking. Parte-se da nomeação como elemento que integra as “fases do processo de produção de uma notícia” (LAGE, 2002, p. 21). Após o acontecimento ser alçado ao posto de notícia, o jornalista inicia o processo que parte da seleção, da escolha de elementos do acontecimento que serão revelados. Em seguida, existe a ordenação, quando há hierarquização dos dados para facilitar a compreensão do ocorrido. Por último, existe a nomeação, quando os diversos aspectos do acontecimento ganham nomes para legitimar a existência (LAGE, 2002). O autor exemplifica como a nomeação opera a partir de um cadáver que se torna notícia. Há compromissos e sutilezas nos nomes que se atribuem às coisas. Corpo seria pouco específico no contexto, defunto retiraria um tanto da dramaticidade que o cidadão atônito pretende transmitir; presunto o desqualificaria socialmente, na ótica do interlocutor (idem, p. 21 – 22). A limitação do código – reduzindo tanto o número de itens léxicos (palavras e expressões) quanto de operadores (regras gramaticais) de uso corrente – aumenta a comunicabilidade e facilita a produção da mensagem, o que é útil no caso de um produto industrial como a notícia (idem, p. 22).

A nomeação, no entanto, ainda não aparece como objeto sistematizado nas práticas do jornalismo em obras dedicadas à temática. Mike Ward, ao traçar a prática jornalística, indica quatro etapas de trabalho: identificação, coleta, seleção e apresentação. A primeira consiste em identificar conteúdo atraente ao público, enquanto a segunda reúne material necessário à produção da narrativa. A terceira etapa (seleção) é fincada na noção de filtro dos dados, enquanto a última liga-se às técnicas que caracterizam o produto final dentro dos padrões da profissão (WARD, 2007). O desafio é inserir a nomeação (de fatos e sujeitos) enquanto prática do jornalismo que interfere na noticiabilidade, à medida que tem potencial de ampliar o valor-notícia dos fatos. A problemática deste projeto pretende compreender a nomeação

como fruto do processo de designação. Como explica Eduardo Guimarães (2003, p.54), a nomeação “é o funcionamento semântico pelo qual algo recebe um nome”. Por exemplo: os assassinatos de um gay e um morador de rua possuem impactos diferentes na seleção e hierarquização das notícias, a partir da nomeação iniciada na apuração até a construção da narrativa. A própria nomeação dos fatos será importante, como crime de homofobia ou briga entre moradores de rua. Guimarães (2003, p. 54) explica que, atrelada à nomeação, está a noção de designação, que consiste na “significação de um nome enquanto sua relação com outros nomes e com o mundo recortado historicamente pelo nome”. A designação apresentará como nomear os sujeitos e suas ações localiza a narrativa em determinado contexto social. Dar nome a algo [...] é dar-lhe existência histórica. Não é trivial a velocidade com que uma data, 11 de setembro de 2001, passou rapidamente para a categoria do nome de um acontecimento. E enquanto nome apresenta-se sob a forma condensada 11 de setembro, inclusive em sintagmas nominais correntes como o 11 de setembro. O nome aí aparece como um modo incontornável de erigir algo em acontecimento da história (idem, ibidem).

Ao nomear, o jornal aciona dispositivos integrantes à construção das relações sociais. Na perspectiva baseada em Guimarães (2003), o periódico pode ser tido como espaço de enunciação constituído politicamente e que reflete, pelas narrativas, conflitos e disputas de visibilidade. Em Michel Foucault (199, p.146), a nomeação terá início na linguagem, elemento responsável por “nomear, isto é, suscitar uma representação”. Como representação entende-se o sistema que gera significados pelos quais compreendemos o mundo e as relações sociais. A representação é formada a partir de relações ideológicas e práticas sociais expostas nas narrativas produzidas socialmente (HALL, 2003). Logo, a nomeação de sujeitos e ações no âmbito da sexualidade e do gênero segue um fluxo histórico que serve de análise a processos de formação. Flávia Péret explica que até o início da década de 1960, os veículos de comunicação abordavam a homossexualidade a partir de dois enfoques: “satirizando figuras públicas, principalmente por meio de charges e ilustrações, ou divulgando fatos policiais envolvendo homossexuais e travestis” (2011, p.11). Assim, será possível identificar a nomeação e o processo de conflito até novos modos de nomear serem legitimados, como o uso das expressões gay, homofobia, transfobia, dentre outras. Será possível desbravar a nomeação criminalizada no final da década de 60, a nomeação com o surgimento dos movimentos LGBTs na década de 70,

os estigmas criados pela linguagem com a AIDS nos anos 80, bem como a ressignificação a partir das contemporâneas noções identitárias. Mauro Wolf, ao trabalhar a sociologia dos emissores e o newsmaking, oferece pistas de como o nomeado fica em evidência aos emissores. O nome do personagem, a classificação do fato, dentre outros, são elementos demarcadores da “fragmentação da informação e noticiabilidade” (idem, p. 191). O autor assinala que valores-notícia são baseados em quatro pressupostos: as características das notícias (conteúdo), critérios relativos ao produto, relação com o público e noção de disputa diante da concorrência. Wolf (2001) pontua que o jornal é espaço de disputa de grupos e/ou movimentos sociais que passam a buscar estratégias de inserção midiática, criando, assim, uma tentativa constante de projetar temáticas a partir das representações desejadas. Tais movimentos começam a constituir notícia, a ultrapassar o limiar da noticiabilidade, quando se considera que se tornaram suficientemente significativos e relevantes para irem ao encontro do interesse do público ou quando dão lugar a acontecimentos planejados de proposito para irem ao encontro das exigências dos mass media. Isto é, estabelece-se uma integração entre as estratégias de noticiabilidade adoptadas pelos single issue movements e os valores/notícia aplicados pelos órgãos de informação (idem, p. 198).

Nesta pesquisa, será crucial nortear a análise em quadros noticiosos. A noção de enquadramento emerge na década de 70, baseada nos conceitos de frame e strip do sociólogo Ervin Goffman, com foco no processo de construção de sentido dos sujeitos nos eventos cotidianos. Posteriormente, com a noção de frame trazida à comunicação, parte-se do princípio de que inexiste transformação quando o acontecimento se torna notícia, assim como não necessariamente haverá correspondência entre acontecimento e história relatada no jornal (TUCHMANN, 1999). Assim, o frame será o enquadramento dado com as dinâmicas de produção do conteúdo. Já o strip representará o corte social, quando se ganha visibilidade ao tornar-se narrativa. Portanto, um frame é constituído pelos princípios de organização que governam os acontecimentos – pelo menos os sociais – e o nosso envolvimento subjetivo neles. Os frames organizam as strips do mundo quotidiano, entendendo-se por strip uma fatia ou corte arbitrário do fluxo da actividade corrente (TUCHMAN, 1999, p. 259).

É por meio do frame que os meios de comunicação conseguem introduzir determinados modos de encarar um fato agendado pela mídia. Desse modo, é possível ativar processos de leitura da realidade que levam a audiência a pensar, sentir e tomar atitudes a partir de determinados enquadramentos (ENTMAN, 2010).

We can define framing as the process of culling a few elements of perceived reality and assembling a narrative that highlights connections among them to promote a particular interpretation. Fully developed frames typically perform four functions: problem definition, causal analysis, moral judgment, and remedy promotion (ENTMAN, 2010, p. 336).

Atrelado ao conceito de frame estará o de agendamento (agenda-setting), aplicado ao jornalismo a partir da década de 70, quando Maxwell McCombs e Donald Shaw utilizam a cobertura política como corpus revelador da capacidade de a mídia agendar temas discutidos na sociedade. Trabalhar frame e agenda-setting de modo concatenado é um processo de análise não apenas do noticiado, mas das dinâmicas de produção do Jornalismo (rotinas produtivas) e seus impactos na sociedade (GUTMANN, 2006). Pensar media effects a partir da agenda-setting sugere a identificação de dois movimentos da agenda criada pela mídia. O primeiro é a inserção do tema, que é essência da terminologia, o segundo é a agenda-setting de atributos, ligada aos vários aspectos atrelados ao fato. Assim, o sistema entre emissão e recepção deve ser analisado sem perder de vista o vínculo do enquadramento e agendamento (GUTMANN, 2006). [...] o framing é pensado como parte de uma pauta, como herdeiro da hipótese do agenda-setting, uma vez que é razoável a constatação de que para construir uma “moldura” que influencie uma certa audiência é preciso que haja antes uma determinada pauta. Isto é: se o objetivo é verificar de que modo os enquadramentos oferecidos pela mídia têm impacto nos quadros de referência utilizados pelo público para interpretar determinados assuntos, é preciso que essas construções se refiram a um tema agendado pelos meios de comunicação. Para que o “aborto”, por exemplo, seja visto a partir de enfoques diferentes (“direito à vida” ou “liberdade de escolha”), é necessário que antes faça parte da agenda pública (idem, p. 39).

Se a notícia constrói a realidade pela narrativa e acontece na conjunção de acontecimentos e textos (TRAQUINA, 1999), ela é também gerada a partir de estruturas como a regra da pirâmide invertida, hierarquização das informações, dentre outras. A reflexão coaduna com a de Adriano Duarte Rodrigues ao problematizar o acontecimento como algo existente a partir da produção de sentido da narrativa, pois “é o próprio discurso do acontecimento que emerge como acontecimento notável” (1999, p.29). Com Michel Foucault (2014, p. 34) apreendemos que o acontecimento se manifesta em forma de discurso e deve-se considerar os enunciados que deixaram de ser ditos ou poderiam ser expressos de outro modo. Isso porque “não se busca, sob o que está manifesto, a conversa semissilenciosa de um outro discurso: deve-se mostrar por que não poderia ser outro”. Assim, todo enunciado é um acontecimento “que nem a língua nem o sentido podem esgotar inteiramente”.

Foucault (1988) reconhece no discurso a articulação poder-saber a partir da “polivalência tática”, estratégia que aguça o investigador a não trabalhar de modo limitado com a lógica de “um discurso admitido e o discurso excluído”, pelo contrário, é preciso encarar que dentro de cada item dessa dualidade existe o poder inserido. É necessário considerar que os sujeitos, em seus respectivos períodos históricos, são construídos também pelo conteúdo midiático que demarca os limites da sexualidade. Assim, a partir dos frames e agenda-setting almeja-se aprofundar as reflexões acerca da nomeação enquanto competência do Jornalismo. Pretende-se apresentar os elementos constitutivos da nomeação e, acima de tudo, esclarecer como nomear é também “fazer ver, é criar, levar à existência”, como explica Pierre Bourdieu (1997, p. 26), ao lembrar que palavras emitidas na produção jornalística, muitas vezes, são desconhecidas dos próprios jornalistas que pouco reconhecem o impacto do que é dito.

5. METODOLOGIA A metodologia selecionada para este projeto é a análise de conteúdo (AC). Entende-se aqui análise de conteúdo o mesmo que Heloiza Herscovitz define como o método que recolhe e analisa textos, sons, símbolos e imagens impressas, gravadas ou veiculadas em forma eletrônica ou digital encontrados na mídia a partir de uma amostra aleatória ou não dos objetos estudados com o objetivo de fazer inferências sobre seus conteúdos e formatos enquadrando-os em categorias previamente testadas, mutuamente exclusivas e passíveis de replicação. (HERSCOVITZ, 2010, p. 126 – 127)

O processo de análise terá início com a consulta às edições impressas dos jornais Folha de S. Paulo, O Globo e A TARDE, entre junho de 1969, após a Revolta de Stonewall, e junho de 2019, quando o fato completa 50 anos. O acervo da Folha está disponível no http://acervo.folha.uol.com.br, enquanto O Globo disponibiliza seu acervo no http://acervo.oglobo.globo.com. Por fim, o jornal A TARDE pode ser consultado na sede da empresa, na Avenida Tancredo Neves, em Salvador, ou em bibliotecas. Como orienta Herscovitz (2010), é crucial estipular a quantidade de edições analisadas e os aspectos do conteúdo. Em relação ao volume de periódicos, terá de ser traçada a amostra construída, alternativa que serve para “obter-se uma amostra variada, com distribuição equitativa e contendo o mínimo possível de distorções” (idem, p. 131).

O segundo momento é a coleta nos sites. A busca levará a nomeação ao posto de elemento crucial na busca a partir de elementos com títulos e palavras-chave. Sobre o conteúdo a ser coletado, a proposta é trabalhar o processo de codificação estruturado a partir da temática LGBT. O material será categorizado em três setores: informativo, opinativo e ilustrativo. No informativo serão agrupadas matérias, notas e reportagens, enquanto o opinativo será destinado às cartas de leitores, editoriais, artigos e outros conteúdos que expressem a opinião de um autor. Por fim, no ilustrativo serão arquivadas charges, ilustrações e outros elementos visuais. A pesquisa será conduzida com base na definição das unidades de registro (HERSCOVITZ, 2010). Aqui, as principais unidades de registro são a temática escolhida e as palavras-chave. Opta-se pela AC por estar atrelada à produção de dados quantitativos e qualitativos. Os aspectos numéricos são norteadores na composição da pesquisa, porém, é no qualitativo, com as inferências, que se projeta conhecimento. A inferência é o “momento mais fértil da análise de conteúdo, estando centrado nos aspectos implícitos da mensagem analisada” (FONSECA JÚNIOR, 2015, p. 298). No âmbito das inferências, são cruciais aspectos das Teorias da Comunicação e dos Estudos Culturais. Parte-se da noção de que os “Estudos Culturais entendem os produtos midiáticos como uma prática social significativa que constrói determinados discursos inseridos em uma formação discursiva composta pelo conjunto de significados hegemônicos de sua época” (GOMES et al., 2011). Entre o arcabouço teórico estarão referências dos Estudos Queer e das Subalternidades, como contribuintes da noção contemporânea ligada à sexualidade e gênero. A proposta é um processo diacrônico voltado à arqueologia do conhecimento. A perspectiva histórica de 50 anos não pode estar limitada na quantificação e inferência. É preciso narrar o processo de mudança no frame como um espelho que reflete as condições sociais gestoras do regime de verdade em relação aos LGBTs. Toma-se como base a proposta de Michel Foucault (2014, p. 204) ao explicar que a arqueologia “define as regras de um conjunto de enunciados”. Este projeto tem a ambição de revelar como o conteúdo reflete não apenas o modo como os LGBTs foram nomeados no jornal, mas o mapa das condições socioculturais fomentadoras da nomeação produzida. O processo arqueológico pretende mostrar

como uma sucessão de acontecimentos pode, na própria ordem em que se apresenta, tornar-se objeto de discurso, ser registrada, descrita, explicada, receber elaboração em conceitos e dar a oportunidade de uma escolha retórica. A arqueologia analisa o grau e a forma de permeabilidade de um discurso: apresenta o princípio de sua articulação com uma cadeia de acontecimentos sucessivos: define os operadores pelos quais os acontecimentos se transcrevem em enunciados. (FOUCAULT, 2014, p. 204)

A contribuição que se pretende deixar é uma análise que apresente a lógica social que coloca o LGBT enquanto subalterno, pontuando como diferentes representações foram construídas ao longo de 50 anos. Assim, é válido concluir: “O que a arqueologia tenta descrever não é a ciência em sua estrutura específica, mas o domínio, bem diferente, do saber” (idem, p. 236).

6. CRONOGRAMA DE TRABALHO

ATIVIDADES

Disciplinas Revisão bibliográfica Coleta do corpus Capítulo para qualificação Exame de qualificação Redação e revisão da tese Defesa e depósito da tese

2017.1

2017.2

2018.1

2018.2

2019.1

2019.2

2020.1

2020.2

7. REFERENCIAL TEÓRICO BORILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. ENTMAN, Robert M. Framing Media Power. In: Doing News Framing Analysis: empirical and theoretical perspectives. D´ANGELO, Paul; KUYPERS, Jim A (Orgs). Routledge: Taylor & Francis Group, New York and London, 2010 FONSECA JÚNIOR, Wilson Corrêa da. Análise de conteúdo. In: Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (Orgs.) 2ª ed., 8ª reimpr. – São Paulo: Atlas, 2015. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988. ______. Resumo dos cursos do Collège de France (1970 – 1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. ______. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8a ed., são Paulo: Martins fontes, 1999 ______. A arqueologia do saber. 8ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. FRANCISCATO, Carlos Eduardo. A atualidade no Jornalismo. Bases para sua delimitação teórica. Tese de doutorado. Salvador, 2003. Disponível em http://poscom.tempsite.ws/wp-content/uploads/2011/05/Carlos-EduardoFranciscato.pdf. Acesso em: 23 de agosto de 2016. GOMES, Itania M. M. et al. A sexualidade em Amor & Sexo: representação, discurso e regime de verdade. In: Iniciacom – revista brasileira de iniciação científica em Comunicação Social, v. 3, p. 1-19, 2011. Disponível em: http://portcom.intercom.org.br/revistas/index.php/iniciacom/article/viewArticle/616. Acesso em: 26 de outubro de 2016. GUIMARÃES, Eduardo. Designação e espaço de enunciação: um encontro político no cotidiano. In: Letras. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), n. 26, p. 53 - 62, 2003. Disponível em: http://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11880. Acesso em: 08 de setembro de 2016. GUTMANN, Juliana Freire. Quadros narrativos pautados pela mídia: framing como segundo nível do agenda-settin?. In: Contemporânea. Vol.4, n. 1, p. 25 – 50, 2006. Disponível em: portalseer.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/viewFile/3481/2538. Acesso em 30 de agosto de 2016.

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