A Nova face da CPLP

September 7, 2017 | Autor: M. Mongiardim | Categoria: Politics
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A nova face da CPLP Maria Regina de Mongiardim Abril de 2014 Resumo A evolução da conjuntura internacional após o fim do sistema bipolar e a vitória do neoliberalismo, auxiliada pela globalização, permitiram que, tanto o Brasil, como Angola, se afirmassem regional e internacionalmente. Dotados de importantes recursos energéticos e de uma localização geoestratégica privilegiada, estes dois países-membros da CPLP constituem, atualmente, o principal eixo estratégico da organização, cuja balança de poder se deslocou para o Atlântico Sul. A ligação ao Atlântico Norte, feita através de Portugal por via da língua e da cultura comuns, perdeu consistência perante os interesses energéticos que consubstanciam a cooperação sul-sul fora e dentro da CPLP, cujo perfil se descaracterizou pelos mesmos imperativos energéticos. Abstract The evolution of the international situation after the end of the bipolar system and the victory of neoliberalism, aided by globalization, allowed that Brazil and Angola could assert themselves regionally and internationally. Both endowed with vast energy resources and a priviledge geoestrategic location, these two member States of the CPLP are currently the main strategic axis of the organization, whose balance of power shifted to the South Atlantic. The connection to the North Atlantic, represented by Portugal and based on the portuguese language and the common culture, lost consistency before the energy interests that, nowadays, consubstantiate the southsouth cooperation, inside and outside the CPLP. Also, the profile of CPLP was deeply misread by the same energy requirements.

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1. Introdução Com o fim da bipolaridade leste-oeste, causado pela implosão da URSS, e o surgimento de uma nova ordem mundial, anárquica e imprevisível, onde a balança do poder ficou submetida aos ditâmes do neoliberalismo económico e onde cada Estado passou a constituir preocupação para os demais, as questões económicas, de segurança e de defesa, tornaram-se uma prioridade das agendas políticas internacionais. Neste contexto, os agrupamentos de Estados, com marcado pendor na cooperação económica regional, na convergência de interesses ou na partilha de uma identidade comum, redesenharam o mapamundi do poder politico e influência das potências à escala global. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, constituída no dealbar dessa nova ordem mundial (em 1996) e filiada na partilha da língua portuguesa comum, tem pretendido afirmar-se mediante um património geocultural único no mundo, contribuíndo para a governança global, assente no multilateralismo, e para a segurança e o desenvolvimento de cada um dos seus membros. Neste sentido, a CPLP tem representado, para cada Estado-membro, um vetor estratégico da sua política externa e, bem assim, um instrumento de poder e de influência num mundo fortemente competitivo e assimétrico. Dada a sua natureza e os seus fundamentos, a CPLP inscreve-se nos critérios do “soft-power” (Joseph Nye, 2004), tanto mais acentuados quanto é grande a desigualdade dos seus membros no que respeita aos respetivos níveis de desenvolvimento económico, social e humano, recursos, potencial de riqueza e democratização. Mesmo em termos de Poder, a CPLP não pode competir com outros agrupamentos de Estados, a nível mundial, não obstante a evolução positiva registada na última década de alguns dos seus membros, como o Brasil ou, até, Angola. A CPLP tem carácter político, diplomático e jurídico para representar os seus membros em fóruns internacionais, e é dotada de autonomia administrativa e financeira. É, ainda, um organismo vocacionado para o estreitamento das relações entre os países lusófonos. Ao ser uma comunidade - conceito que engloba conteúdos económicos, políticos, sociais, culturais, etc., que geram complementaridades e, consequentemente, várias formas de solidariedade, e que se rege pela igualdade e pelo consenso - a CPLP está ainda longe de ser uma instituição consolidada. Segundo  

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Adelino Torres, parece faltar ainda, essencialmente, à CPLP um projeto que subordine, de alguma forma, os interesses particulares dos Estados a uma estratégia que os supere ou a um realismo geopolítico determinante (Adelino Torres, 2001). E acrescenta ser preferível erradicar a concepção romântica de uma “desinteressada” e singular “irmandade”, confinada a um espaço histórico e linguístico sui generis, já que tal pretensão é uma falácia, enquanto instrumento conceptual, e pouco mais do que uma inutilidade, enquanto meio de ação (Adelino Torres, 2001). Junta-se a este facto o chamado “défice democrático”, que o regime de decisão por consenso permite –comum, aliás, a todas as organizações governamentais internacionais -, patente, quer no alheamento das populações relativamente à organização, quer nas suas orientações estratégicas, comandadas, em regra, pelos Estados com maior poder e capacidade de influência. Esse “denominador comum” – a concepção romântica de uma história partilhada e de uma língua comum - foi, porém, o elemento de coesão possível entre os países lusófonos, membros da CPLP, que ajudou a superar o estigma da colonização, alimentou planos de convergência de interesses em cenários internacionais mais vastos e serviu de rampa de lançamento para projetos estratégicos de maior alcance, que o estritamente nacional ou comunitário. Para tanto, contribuíram a evolução da conjuntura mundial, os riscos e desafios regionais, o desenvolvimento económico de alguns dos seus membros, hoje classificados como potências emergentes, e a consciência do seu potencial estratégico, em função do posicionamento geográfico dos países lusófonos. A tendencial descaracterização da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, por via do acesso de países que não pertencem à lusofonia, e a consolidação da deslocação do seu centro de gravidade para o Atlântico Sul, foram uma consequência da conjugação de todos esses factores. 2. O novo século O triunfo do neoliberalismo e a sua expansão à escala global, se bem que tenha aprofundado as desigualdades, proporcionou, também, a liberdade de acesso ao mercado internacional dos países mais pobres, designadamente, os países do Terceiro Mundo. Desta forma e ajudados pelo fim do sistema bipolar, muitos desses países foram-se libertando, paulatinamente, do jugo das ditaduras políticas internas e  

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aproveitando as pulsões do desenvolvimento económico que o seu ingresso no mercado internacional e a globalização lhes facultavam. O caminho vinha já sendo traçado desde décadas anteriores pelos programas de cooperação para o desenvolvimento Norte-Sul e Sul-Sul. A política comercial externa da Comunidade Europeia assume, neste domínio, também, um especial protagonismo e um papel de facilitador deste processo. A primeira década do século XXI viu, assim, a consolidação de um mundo multipolar, a transformação de países em vias de desenvolvimento em potências emergentes, a decadência de grandes e médias potências, a deslocação do centro de gravidade do poder mundial para zonas do planeta, antes consideradas marginais ou periféricas, a economia subsumir a política, a democracia ser validada pela circulação de capitais e liberdade de consumo, e a paz ser como uma via de transporte internacional, por onde circulam mercadorias, capitais e consumidores, sem obstáculos, impedimentos, agitações ou perturbações, envolta no ténue véu da segurança contra os párias da sociedade internacional, os extorsores de seres humanos e os inimigos do modelo neoliberal. Se nenhuma das principais potências mundiais é capaz de igualar os Estados Unidos na sua capacidade militar, elas já desafiam o predomínio norte-americano de várias formas. A China e a Rússia, em especial, proporcionam armas aos países em vias de desenvolvimento produtores de petróleo e gás, ao mesmo tempo que têm vindo a melhorar a sua capacidade militar em zonas-chave de produção energética. A ofensiva chinesa para o acesso à reservas fora do seu território tem sido evidente em África, onde Pequim estabeleceu vínculos com os governos produtores de petróleo da Argélia, Angola, Chade, Guiné Equatorial, Nigéria e Sudão. A China tem procurado acesso às abundantes reservas minerais africanas, designadamente, as reservas de cobre da Zâmbia e do Congo, de cromo no Zimbabwe e uma panóplia de diferentes minerais na África do Sul. Em cada caso, os chineses têm conquistado o apoio destes países, mediante uma diplomacia ativa, ofertas de planos de assistência para o desenvolvimento e empréstimos com juros baixos, chamativos projetos culturais e, em muitos casos, com armamento. Além disso, tal como os EUA, a China tem complementado as suas transferências de armamento com acordos de apoio militar, o que requer uma presença constante de instrutores, conselheiros e técnicos chineses na zona, competindo com os seus homólogos norte-americanos pela lealdade dos oficiais militares africanos.  

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Esta competição não é mais do que parte da competição mundial pelo controlo da energia, em que têm vindo a envolver-se as potências emergentes, com a aquiescência dos países pobres, fontes primordiais desses produtos. Esta é, presentemente, a situação no delta do Níger, na Nigéria, em Darfur e no Sudão do Sul, nas zonas produtoras de urânio do Níger, no Zimbabwe e na província de Cabinda, em Angola (onde se situa a maior parte do petróleo do país), e em muitas outras zonas que sofrem o que tem sido denominado como a “maldição dos recursos”, pelos riscos de conflito armado que acarretam e pela corrupção que geram. Ainda com poucos anos de existência, a CPLP iria sofrer os efeitos de todas estas perturbações, em especial, no tocante às alterações experimentadas pelos seus membros, quer no domínio do desenvolvimento das economias nacionais, quer na respetiva capacidade de influência na região em que se inserem, quer, também, no plano das relações de poder intra-comunitárias. Os oito países membros da CPLP – Angola, Brasil, Cabo Verde, GuinéBissau, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste) distribuem-se geográfica e estrategicamente por quatro continentes (África, América, Ásia e Europa), por três oceanos (Atlântico, Índico e Pacífico), reunindo cerca de 250 milhões de pessoas, num espaço físico territorial de 10,7 milhões de km2 e marítimo de 7,6 milhões de km2, com vastas plataformas continentais, muito ricas e de possível extensão. Face a esta realidade, a necessidade de a CPLP se afirmar de forma institucional, de fazer ouvir a sua voz nos grandes areópagos internacionais e de preservar os interesses nacionais dos seus membros, conferiu-lhe uma nova consciência sobre o seu potencial estratégico, designadamente, sobre a importância estratégica do mar para todos e cada um dos Estados-membros, quer ao nível dos recursos, quer em termos de segurança. Perante os desafios da nova ordem mundial, com acento tónico na mudança climática, nas necessidades energéticas, no esgotamento de recursos naturais, nas vulnerabilidades da segurança e no fenómeno da globalização, mormente no que concerne à reconfiguração das relações de poder, o mar tornar-se-ia um factor incontornável e uma constante na lista de assuntos e preocupações das agendas das diversas organizações internacionais, tendo sido valorizado em termos geoestratégicos e geopolíticos. Tratando-se a CPLP de uma comunidade marítima, é este vector – o da “maritimidade” - que mais tenderá a aprofundar as relações intra-comunitárias, que  

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maior convergência de interesses pode despertar e o que mais influirá nas relações de poder entre os seus membros, com reflexos numa alteração do equilíbrio interno e na própria descaracterização da sua natureza originária: a lusofonia. Da mesma forma, já não será apenas o Atlântico, com atual prevalência para o Atlântico Sul, mas, igualmente, o Índico e o Pacífico, onde se encontram as maiores potências emergentes. Nas suas margens, começaram a posicionar-se países não lusófonos, que, por laços históricos (as comunidades indianas e sua coeva influência em Moçambique, e, hoje, em dia, a forte presença chinesa), pela proximidade geográfica, pela heterogeneidade religiosa da sua população (lembremos a minoria católica nos países ribeirinhos do Índico e do Pacífico, nomeadamente, em Moçambique, e o amplo leque de populações religiosamente filiadas no islamismo, hinduísmo e budismo), e pelos respetivos interesses estratégicos, ambicionam “ter uma posição de destque e uma palavra a dizer” no seio desta Comunidade, que diga fundamentalmente respeito às questões da energia, tanto no plano da sua exploração, como no capítulo da sua exportação/importação, sem riscos de transporte elevados. No caso da Índia e da China, não poderá negligenciar-se o facto de o gasoduto que ligaria o Irão, o Afeganistão, o Paquistão e a Índia, não apresentar, por razões de segurança, qualquer viabilidade, pelo que as jazidas de gás e de petróleo aparecidas em África e, em especial, nos países da CPLP, suscitam grandes ambições. O mesmo raciocínio poderá aplicar-se, igualmente, a Timor-Leste, no Pacífico. 3. Os novos equilíbrios internos da CPLP Países responsáveis pela constituição da CPLP, Portugal e o Brasil foram mantendo um tandem na orientação estratégica da organização, se bem que com distinto empenhamento e frágeis resultados, em qualquer dos casos. Dependentes da ajuda externa e ainda sob os efeitos da recente história da descolonização, a que em alguns casos se somou a desestruturação provocada por guerras civis (Angola e Moçambique, e os golpes de Estado na Guiné-Bissau), nenhum dos parceiros de África ou da Ásia apresentava condições de assumir uma tal função, não obstante a rotatividade das presidências da Organização. Portugal, sendo um país membro da UE, viu a sua política externa condicionada às decisões maioritárias e aos consensos adoptados em Bruxelas. Ter que compatibilizar os compromissos ou as visões estratégicas relativos à CPLP com as  

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obrigações decorrentes da sua pertença à UE, influíu na margem de manobra do país na prossecução de uma política autónoma no quadro geográfico e multicontinental da lusofonia. Uma limitação reforçada pelas suas débeis condições económicas, se bem que sempre tenha sido, politicamente, defendida a dupla vantagem de Portugal pertencer às duas organizações, como uma mais-valia para ambas, de que o país sempre poderia beneficiar. A crise financeira e económica de 2008, que duramente atingiu a Europa e, em especial, Portugal, cerceou de forma drástica o peso e a influência externas, quer da UE, quer do país. Prova destas nocivas circunstâncias, foram, também, os recentes contenciosos bilaterais com a Guiné-Bissau, com Angola e com Moçambique, bem como os escassos resultados da última cimeira Europa-África (abril de 2014), em Bruxelas, com as partes a manifestarem posições contrárias sobre o modelo de cooperação para o desenvolvimento (ajuda versus investimento) e com um único tema de agenda a merecer a atenção dos media europeus: a emigração ilegal. Nestas circunstâncias, o papel de impulsionador estratégico da CPLP que, desde a sua criação, Portugal procurara chamar a si, tem-se visto fortemente delapidado, vendo-se, inclusive, na contingência de ter que aceitar a adesão da Guiné Equatorial, como membro de pleno direito da CPLP, não obstante as suas objeções por causa da pena de morte e do desrespeito pelos direitos cívicos alí vigentes. Este abandono, por Portugal, de princípios que eram seu apanágio arvorar na cena internacional, significa uma rendição aos interesses dos seus parceiros lusófonos mais poderosos e, concomitantemente, o “enterrar” da visão mítica e romântica da CPLP. Uma visão que foi, em simultâneo, força e fraqueza da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, mas que já terá sido substituída por outras visões estratégicas, não necessariamente coincidentes com o apelativo da “lusofonia”. Já com o Brasil, a situação é inversamente proporcional ao desenvolvimento económico do país, ao peso que foi adquirindo a nível internacional e à moderna projeção da sua diplomacia para outros azimutes (BRICS, IBAS). Escassamente comprometido com a dinâmica da CPLP e mais propenso a uma ação externa donde retirasse rapidamente dividendos, sobretudo comerciais, o Brasil estava vocacionado para, dotado de maiores condições objetivas, fazer progredir e consolidar a organização. Condições essas de que Portugal não dispunha, mas que procurava compensar com a sua participação na UE e com a demonstração de uma vontade política que, num plano mais objetivo, não conseguia obter os resultados  

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desejados, nem mesmo quanto a influir numa maior motivação e empenho politico por parte do Brasil. Os ventos de mudança da CPLP chegariam quase dez anos volvidos sobre a sua criação e soprariam da Ásia, com a penetração da China em África, especialmente em Angola, e a sua competição económica e energética com a Índia. O desembarque africano da China e o manifesto interesse de Pequim na CPLP, fizeram despertar o Brasil do adormecimento em que caíra a sua política externa africana, durante a década de noventa, pela convicção de que a África se tinha tornado um continente de oportunidades perdidas e que o futuro estava, sobretudo, na integração regional latino-americana para fazer de contrapeso à UE. Este afropessimismo1 brasileiro seria, então, posto à prova pelo dinamismo chinês em África, para que concorreram o fim do apartheid na África do Sul, o termo da guerra civil em Angola e os processos de transição democrática em grande parte do continente africano. Sem contar com a criação da CPLP - em grande parte, fruto do empenho pessoal do presidente Fernando Henrique Cardoso, sob a inspiração “culturalista” de Gilberto Freyre -, um importante sinal deste despertar do Brasil para a África surge com a constituição do IBAS, pela “Declaração de Brasília”, que reuniria, a partir de 2003, três potências emergentes: a Índia (principal rival da China), o Brasil e a África do Sul. A coordenação política, a cooperação sectorial e o Fundo IBAS (2011) seriam os principais instrumentos deste agrupamento para a prossecução de uma política externa coordenada em torno das grandes questões internacionais, da nova arquitectura mundial e, em particular, dos problemas africanos, visando, simultaneamente, constituir uma barreira para a China em África. A constituição dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), em 2006 - a que se juntaria a África do Sul, em 2011, dando forma aos BRICS –, como espaço informal de diálogo e concertação no cenário internacional e caixa de ressonância dos cinco países sobre temas da agenda global, em particular, os económico-financeiros, deu                                                                                                                 1  O Brasil e a África no Atlântico Sul: uma visão de paz e cooperação na história da construção da cooperação africano-brasileira no Atlântico Sul -Prof. Dr. José Flávio Sombra Saraiva, Universidade de Brasília, Brasil, e Irene Vida Gala, Ministério das Relações Exteriores, Brasil

 

2  As  “novas  ameaças”  estão  inscritas  na   Declaração  sobre  Segurança  nas  Américas  de  2003  e  no  

 conceito   de   “segurança   multidimensional”   elaborado   no   âmbito   da   Organização   dos   Estados  

Americanos   (OEA).   Entre   estas   “novas   ameaças”,   foram   identificadas:   o   terrorismo;   o   crime   organizado  transnacional  e  o  problema  mundial  das  drogas;  a  corrupção;  a  lavagem  de  ativos;  o  

 

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impulso político para a identificação e o desenvolvimento de projetos conjuntos em setores estratégicos como o agrícola, o da energia e o científico-tecnológico. Os BRICS passavam a imprimir um novo realce à política brasileira para a África, desta vez já com a presença chinesa, cujo domínio seria, porém, compensado pela presença de dois velhos aliados, designadamente na contenção chinesa, a Rússia e a Índia. Coincidiu a constituição dos BRIC com a proposta portuguesa de adesão de Macau à CPLP, com o estatuto de Observador Associado. O dinamismo da política brasileira para a África dava um novo sinal com a Cimeira América do Sul–África (ASA), inaugurada em 2006, por iniciativa dos presidentes do Brasil e da Nigéria, que até hoje exercem a função de coordenadores regionais do mecanismo. Os seus membros procuram contribuir para uma reforma da estrutura do poder mundial e para o estabelecimento de uma ordem menos centralizada, mais multipolar e mais democrática, exercendo, simultaneamente, uma mais vigorosa aproximação estratégica entre os dois continentes. A III Cimeira ASA, cujo tema foi "Estratégias e Mecanismos para reforçar a Cooperação Sul-Sul", realizou-se em 22 de fevereiro de 2013, em Malabo, na Guiné Equatorial, próximo país a ingressar na CPLP, como membro-pleno, sob proposta de Angola. Tratava-se de mais um importante passo na visão estratégica do Brasil, que esteve na base da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS). Formalizada em 1986, e relativamente esquecida nos anos seguintes, a ZPCAS voltou a reunir em 1990, 1994 e 1998, para reforço da ideia de preservar o Atlântico Sul como a região mais desmilitarizada do mundo. Neste sentido, a ZOPACAS e a Cimeira ASA conjugavam-se na intensificação da dimensão atlântica do relacionamento entre os dois lados, pela via da preservação da paz e do empreendimento de projetos comuns, designadamente, na área da defesa do meio-ambiente. Por outro lado, estas iniciativas respondiam à criação pelos EUA, em 2008, de uma força naval específica para vigiar a região do Atlântico Sul e Caraíbas, a chamada Quarta Frota. Criada em 1943, durante a II Guerra Mundial, esta frota havia sido desmobilizada em 1950, tendo sido recriada no último ano do governo Bush (2008). Foi, igualmente, criado um Comando para coordenar as operações militares norte-americanas em África, o AFRICOM. Na percepção do Brasil, as ameaças no Atlântico Sul decorrem, para além das

 

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instabilidades locais e das “novas ameaças”,2 da probabilidade de conflitos por áreas marítimas mais restritas devido à presença de potências externas à região e das riquezas naturais existentes nas plataformas continentais dos países sul-atlânticos, ainda em processo de delimitação. Perante isso, o novo conceito estratégico da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) aprovado no documento “NATO 2020: Assured Security, Dynamic Engagement”, em 2010, suscitou debates a respeito da segurança no Atlântico Sul. O documento enfatiza a necessidade de diálogo com organismos internacionais e regionais, além de sugerir a coordenação de exercícios militares com países não pertencentes ao limite geográfico da organização. Nesse sentido, o ex-ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, manifestou preocupação com a possibilidade de associação entre Norte do Atlântico e o Sul do Atlântico, ressaltando a existência de características particulares na região do Atlântico Sul que conformam uma comunidade de interesses autónoma. Numa intervenção na Conferência Internacional sobre o Futuro da Comunidade Transatlântica, realizada em setembro de 2010 no Instituto da Defesa Nacional, em Lisboa, Jobim ressaltou que as questões de segurança relacionadas com as duas esferas do oceano Atlântico são distintas, pelo que requerem respostas diferenciadas. Posteriormente, na XII Reunião de Ministros da Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em Brasília em novembro de 2010, Jobim mostrou de novo a sua preocupação face a ações políticas concretas, como a Iniciativa para o Atlântico Sul, lançada em 2009 por Espanha e Portugal. Esta proposta tinha por objetivo promover a concertação política entre os países da costa atlântica da América do Sul, África e Europa, com o propósito de impulsionar o papel do Atlântico Sul na governança mundial, identificando possíveis temáticas de cooperação. Alegando o facto de muitos países africanos da orla marítima atlântica ainda não terem delimitado as suas plataformas continentais, o ministro da Defesa                                                                                                                 2  As  “novas  ameaças”  estão  inscritas  na   Declaração  sobre  Segurança  nas  Américas  de  2003  e  no   conceito   de   “segurança   multidimensional”   elaborado   no   âmbito   da   Organização   dos   Estados   Americanos   (OEA).   Entre   estas   “novas   ameaças”,   foram   identificadas:   o   terrorismo;   o   crime   organizado  transnacional  e  o  problema  mundial  das  drogas;  a  corrupção;  a  lavagem  de  ativos;  o   tráfico   ilícito   de   armas;   a   pobreza   extrema;   os   desastres   naturais   e   os   de   origem   humana;   o   HIV/AIDS   e   outras   doenças;   o   tráfico   de   seres   humanos;   os   ataques   à   segurança   cibernética;   a   possibilidade   de   que   surja   um   dano   em   caso   de   acidente   ou   incidente   durante   o   transporte   marítimo   de   materiais   potencialmente   perigosos,   incluindo   o   petróleo,   material   radiativo   e   resíduos  tóxicos;  a  possibilidade  do  acesso,  posse  e  uso  de  armas  de  destruição  em  massa  e  seus   sistemas  vetores  por  terroristas. “Política  Externa  Brasileira  para  o  Atlântico  Sul:  A  Expressão  da   Diplomacia  e  da  Defesa”,  Camila   Cristina   Ribeiro   Luis   Mestranda   em   Relações   Internacionais   “San   Tiago  Dantas”  UNESP/UNICAMP/PUC-­‐SP,  2011,  Brasil.  

 

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brasileiro defendeu, pelo contrário, a importância da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, como iniciativa de cooperação no âmbito das Nações Unidas que engloba todos os Estados situados nas margens do Atlântico Meridional, no sentido da preservação de um ambiente livre de tensões geopolíticas. No documento de Política Nacional de Defesa (Brasil, 2005), está claramente inscrito o interesse brasileiro em consolidar a África ocidental como área de influência, “buscando aprofundar seus laços de cooperação, o país visualiza um entorno estratégico que extrapola a massa do subcontinente e incluiu a projeção pela fronteira do Atlântico Sul e os países lindeiros da África”, donde o mal-estar provocado por quaisquer iniciativas de países estranhos à região. Nesse sentido, a CPLP oferece ao Brasil a capacidade de servir de ponte para os seus objetivos estratégicos, tanto mais que Portugal, apesar da sua posição geoestratégica, não suscita demasiados temores. De destacar que, em 2010, a CPLP aprovou a sua Estratégia para os Oceanos. Segundo o Balanço de Política Externa (BRASIL, 2011c), o documento oferece uma visão integrada para a promoção do desenvolvimento sustentável dos espaços oceânicos sob as respectivas jurisdições nacionais e preconizou iniciativas específicas, como a elaboração de “Atlas dos Oceanos da CPLP”, a dinamização da cooperação para desenvolvimento dos respectivos projetos de extensão da plataforma continental, bem como da investigação científica e proteção ambiental associadas. Como é facilmente verificável, nos últimos anos, o Brasil procurou reforçar a sua presença no Atlântico Sul por via do incentivo institucional às atividades de pesquisa e produção oceânicas, da ampliação dos acordos de cooperação no cenário das relações Sul-Sul, da reativação da indústria naval nacional, do fortalecimento de programas inter-regionais na área de Defesa, etc. Esta postura evidencia o interesse do Brasil em alargar a sua zona de influência político-económica para além do cenário sul-americano, procurando incluir a costa ocidental da África no seu entorno estratégico. Ao fazer isso, o Brasil está a projetar poder sobre um espaço onde a cada dia cresce a atuação de poderosos players na geopolítica internacional. Desta forma, o país entra numa esfera de atuação onde os projetos expansionistas de grandes potências e de potências emergentes interagem e se chocam, sendo certo que, nesta esfera, o Brasil se defronta, sobretudo, com a supremacia anglo-saxónica (EUA e GrãBretanha). Por detrás e como suporte de todas estas ações da política externa brasileira  

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esteve o assinalável desenvolvimento económico do país, experimentado após a transição para a democracia. Com maior poder nacional, maior território, maior população e mais recursos do que qualquer outro parceiro da CPLP, o Brasil conseguiu guindar-se ao estatuto de potência emergente, cujo progresso dependia, não apenas, de assegurar uma hegemonia no continente sul-americano, mas, também, de garantir idêntica hegemonia no Atlântico Sul e laços estratégicos com os países africanos da orla atlântica. Neste desiderato, diplomacia e defesa constituem os alicerces da presença do Brasil em África e da preservação dos interesses nacionais na bacia do Atlântico Sul, razão pela qual a componente da cooperação militar, a venda de armamento a países africanos (Angola, Guiné Equatorial e Namíbia) e o desenvolvimento de projetos científicos e de alta tecnologia militar (África do Sul) têm um lugar de destaque na projecção do poder do Brasil na região. Se estava em causa a segurança do Atlântico Sul para o transporte marítimo de mercadorias entre os hemisférios Norte e Sul, obviando os estrangulamentos dos canais do Suez e do Panamá, estava, sobretudo, em causa a questão energética, que faria com que o Atlântico Sul assumisse um papel central na geoestratégia brasileira, especialmente, após a descoberta do petróleo do pré-sal. Presentemente, o Atlântico Sul possui duas importantes zonas petrolíferas: no litoral do Brasil, a região da Bacia de Campos e o chamado pré-sal; no litoral africano, especialmente na zona do Golfo da Guiné, existem várias bacias petrolíferas offshore, sendo a Nigéria e Angola os dois maiores produtores de petróleo da África Subsaariana. Idêntica perspetiva estratégica sobre o Atlântico Sul seria, também, adotada por Angola por razões inerentes ao seu posicionamento geoestratégico, similares e em consonância com o Brasil, seu tradicional aliado. Com ambições hegemónicas no continente africano, Angola joga aí um papel fundamental, que se repercute na CPLP, noutros agrupamentos regionais africanos (CEEAC, SADC e Comissão do Golfo da Guiné) e nos seus vizinhos da África Central e da África Austral, sobretudo, os mais vulneráveis em termos económicos, políticos e de segurança (RDC, República Centro Africana). As questões relacionadas com a defesa e a segurança em África têm servido de bandeira para a diplomacia angolana, em que o poder militar assume um papel decisivo. Volvidos doze anos sobre o fim da guerra civil (2002), Angola conseguiu colocar-se no centro da diplomacia africana. A sua localização geográfica, a sua dimensão territorial e a sua extensa orla  

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costeira, constituem uma poderosa fonte de poder. Munida de uma política externa pragmática, Angola do pós-guerra civil encontrou na China e no Brasil os apoios necessários ao desenvolvimento das suas infra-estruturas, que os tradicionais países doadores lhe recusaram, e procurou garantir a segurança das suas fronteiras, para evitar auxílios externos à UNITA, mediante o seu empenho e participação em iniciativas para a segurança regional. A cooperação Sul-Sul e a integração regional seriam os principais instrumentos dessa política externa pragmática, que a economia petrolífera de Angola haveria de executar. Verdadeira “ponta de lança” dessa política, a dupla Sonangol/BAI tem tido uma dinâmica de intervenção de grande calado, quer nos países vizinhos, quer no âmbito dos parceiros da CPLP, designadamente, em Portugal, através da aquisição de instituições financeiras e outras importantes empresas; no Brasil, mediante a participação na exploração do pré-sal; e na GuinéBissau, através de grandiosos projectos de infraestruturas portuárias e ferroviárias, da hidroeléctrica e da exploração de minérios. Estes projectos, de parceria com o Brasil, mantêm-se em carteira, na sequência da suspensão do programa de reestruturação das forças armadas da Guiné-Bissau, que Angola, em coordenação com Portugal, deveria implementar. Esta suspensão foi ditada, entre outros motivos, pela falta de convergência entre a CEDEAO e a CPLP, pelo retorno da intervenção francesa em África e pelo recente conflito diplomático com Portugal, que congelou a parceria estratégica Portugal-Angola. A ascensão de Angola nos domínios económico,3 político e militar, alterou, profundamente, o equilíbrio de forças dentro da CPLP. A seguir ao Brasil, Angola é, actualmente, a segunda potência da organização, em termos de riqueza, de recursos naturais e energéticos, e de projeção de poder, formando, precisamente, com o Brasil um binómio, que enlaça o Atlântico Sul num esquema de segurança, através Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS, 1986),4 e de predomínio de ambos os países sobre a exploração petrolífera, mediante a Comissão do Golfo da Guiné (2007) e a colaboração no pré-sal brasileiro. Nascida sob o beneplácito da ZOPACAS, a Comissão do Golfo da Guiné defende os interesses da economia petrolífera dos países                                                                                                                 3  Angola poderá ultrapassar a RAS, até 2016, como a maior economia africana, sendo já, hoje, o 2º maior país africano em volume de investimentos e o 4º em dimensão. 4 A ZOPACAS nasceu de um acordo entre o Brasil e Angola que se contrapunha à proposta sulafricana de criação do Pacto do Atlântico Sul, idealizado à imagem e semelhança do Pacto do Atlântico Norte. A opção angolana-brasileira por um modelo de segurança e desmilitarização, em lugar de um modelo de militarizado, teve, também, como objetivo reduzir a proeminência da África do Sul na região.

 

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da região, mormente, da Guiné Equatorial que, desta forma, se aproximou de Angola e se afastou da Nigéria e dos interesses francófonos. Angola, Guiné Equatorial, Nigéria e S. Tomé e Príncipe, formam o chamado “quarteto estratégico” na configuração do sistema petrolfero internacional, sendo que dois países desse “quarteto estratégico” são membros fundadores da CPLP e um terceiro – a Guiné Equatorial5 – se tornou o nono membro da organização, à matgem da lusofonia. As circunstâncias descritas são o sustentáculo da estratégia de Angola ao propôr a adesão da Guiné Equatorial à CPLP, com o beneplácito do Brasil, mesmo sob o risco de descaracterizar a sua natureza e de colocar entre parêntesis um dos valores fundamentais por que se rege a organização: os direitos humanos.6 Ignorando denúncias e acusações de vários atores da comunidade internacional sobre a questionável democraticidade e transparência do regime de Luanda, Angola fez prova, uma vez mais, do seu pragmatismo em política externa, priorizando os interesses estratégicos relacionados com o petróleo (que representa 80% da receita pública; 90% da exportações; e 47% do PIB de Angola) e salvaguardando a sua posição dominante no Golfo da Guiné. É a Realpolitik em todo o seu esplendor.7 O apoio explícito do Brasil a esta estratégia vem na senda da cooperação entre os dois países e de interesses partilhados no sector energético. O espírito da cooperação Sul-Sul, agindo como um imperativo estratégico, acabaria por se impor nos demais parceiros não-europeus, que se somaram a esse apoio. Aliás, os interesses estratégicos relacionados com a energia fóssil estão bem presentes, quer em Moçambique, quer em Timor-Leste. No caso de Moçambique, refira-se que o país poderá tornar-se um produtor                                                                                                                 5

A Guiné Equatorial tem o maior PIB per capita do continente africano. A Guiné Equatorial decidiu, em 2007, adotar o português como língua oficial para ascender, plenamente, ao estatuto de membro permanente da CPLP. Aprovada essa medida em Outubro de 2011, a Guiné Equatorial permanece à espera da sua aceitação na CPLP, sendo os principais obstáculos, à sua adesão, a pena de morte e a ausência de direitos civis. Na Cimeira de Julho (2014), em Timor-Leste, deverá ser finalmente aprovada a sua adesão, já que Portugal levantou as suas objeções. 6

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mesmo Portugal parece estar ausente deste espírito da Realpolitik, no que à questão da Guiné Equatorial e à adesão deste país à CPLP dizem respeito. Senão vejamos: sabe-se que a GuinéEquatorial é firme candidata à compra do Banif, a cujo conselho de administração pertence o exministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, entretanto, nomeado para vicepresidente da Comissão preparatória da Cimeira da CPLP, que terá lugar em Timor-Leste, em julho de 2014. Não será esta conjugação de cargos um indício da Realpolitik do governo português, uma vez “forçado” a retirar as suas reservas à adesão da Guiné-Equatorial à CPLP?

 

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energético de importância global. Para além desta circunstância e do crescimento exponencial da sua economia (entre 7,5% e 10%), Moçambique tem ainda uma importância estratégica não negligenciável, como porta de entrada no Índico para o acesso aos grandes mercados asiáticos dos BRICS (China e Índia) e, por essa via marítima, de ligação a Timor-Leste. 4. A deslocação para sul do eixo de gravidade da CPLP Esta unanimidade dos países lusófonos do hemisfério sul e a sua progressiva afirmação na cena internacional, graças ao tão cobiçado poder energético, não deixa de conferir um novo perfil à CPLP, onde a influência, em declínio, do único paísmembro do norte – Portugal - corre o risco de se tornar irrelevante ou de ficar confinada, apenas, aos planos cultural e linguístico. É uma ideia que parece ser reforçada pela recente adoção do Plano de Ação de Lisboa, resultante da II Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa, no Conselho Extraordinário de Ministros, em fevereiro de 2014, em Maputo. Aí, os ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores dos Estados membros da CPLP afirmaram encarar o futuro da língua portuguesa no sistema mundial com realismo e, também, com ambição global. Uma afirmação que, se não contradiz as potencialidades do poder de baixa intensidade da língua portuguesa, confirma as distintas cosmovisões dos seus membros, as diferentes prioridades estratégicas e um progressivo ajustamento dos princípios iniciais da organização às realidades com que se debatem os seus membros, tanto mais acusado, quanto a sua dinâmica interna tem sofrido o impacto do primado do neoliberalismo económico e da conjuntura internacional em mudança, e a sua composição se tem tornado mais diversificada e heterogénea. Mais diversificada, pelos diferentes países-membros, e pela identidade política e cultural dos seus muitos e dispersos observadores; mais heterogénea, pelos recursos e pela capacidade de afirmação internacional dos respetivos membros. Sem as características de um modelo de integração – ele próprio em perda de velocidade perante o recrudescimento dos velhos ideais da “nação”, tal como vem acontecendo com a UE -, a CPLP tem estado submetida ao interesse nacional de cada Estado-membro e à reduzida capacidade de os seus membros cooperarem entre si, sem reservas, ou de atuarem conjuntamente, criando, desta forma, um espaço mais propício para diferentes dinâmicas de crescimento, para o parcelamento de  

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solidariedades, mais verticais do que horizontais, e para o diretório. Acresce a convicção de que a CPLP, tendo tido um importante papel como facilitador da integração dos países lusófonos mais pobres na cena internacional, é mantida relativamente à margem das grandes opções estratégicas dos seus membros, que optam por desenvolver tais opções pela via bilateral ou, até, fora do enquadramento da organização. Sendo multicontinental, são também múltiplas as estratégias que coabitam no seio da CPLP, o que sendo um factor de potencial engrandecimento e prestígio é, também, fonte de vulnerabilidade. Fruto destas condições, verifica-se uma deslocação para sul do centro de gravidade do poder no seio da CPLP, onde o Brasil e Angola se afirmam, na atualidade, como potências diretoras. O Atlântico Sul surge, pois, como o eixo geoestratégico vital deste diretório da CPLP, de onde irradiam outros eixos geoestratégicos que conectam com o Atlântico Norte, através de Portugal, e com o Índico e o Pacífico, através de Moçambique e de Timor-Leste, respetivamente. Se a norte, são as potencialidades de mercado e a tecnologia que determinam a sua importância, a sul é, sobretudo, a demografia e o setor da energia que assumem maior relevância. Uma relevância acrescida, dada a dependência energética dos países ricos do norte em relação às fontes primárias situadas a sul; dependência essa que, também, afeta duas das grandes potências emergentes, como a China e a Índia, ambas parceiras do Brasil (BRICS e IBAS) e com os olhos postos em África. Nestas circunstâncias, a CPLP não deixa de ser para o Brasil uma espécie de contraforte e uma mais-valia nos quadros internacionais de diálogo e cooperação, designadamente, dos BRICS e do IBAS, como o é para Angola, na SADC e na CEDEAO, cujos efeitos conjugados repercutem na respetiva inserção e afirmação internacional, e nos seus objetivos de hegemonia regional. Já quanto a Moçambique - igualmente membro da Commonwealth -, é de acreditar que a perspetiva de Angola vir a situar-se como a maior economia africana, em 2016, ultrapassando a África do Sul (também já anteriormente ultrapassada em termos estratégicos de segurança no Atlântico Sul pelo eixo Brasília-Luanda), possa influenciar uma maior intervenção de Maputo nas orientações estratégicas da CPLP, uma vez que detém aí a “chave de entrada” no Índico e de acesso ao Pacífico. Semelhante posição de Moçambique, aliada ao seu rápido crescimento económico e riqueza energética e a uma progressive estabilização política interna, só poderá  

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significar a consolidação do centro de gravidade do poder da CPLP no hemisfério sul, dando igualmente azo a uma eventual maior descaracterização da organização, por via de novas adesões estratégicas. Em suma, impõe-se a Portugal uma reflexão estratégica sobre o futuro da CPLP, a sua organização e dinâmica internas, e o seu papel na Organização, que ultrapasse, sem o desclassificar ou subestimar, o fundamento prioritário da lusofonia, apostando no mar, seus recursos e segurança, e no desenvolvimento de energias alternativas que, amigas do ambiente, diminuam a extrema dependência do petróleo e do gás, sobretudo, quando é sabido que os custos de exploração já começam a não ter resultados compensatórios, e quando os EUA têm assegurada a sua autonomia energética.

Bibliografia Brozoski, Fernanda Pacheco de Campos – “A Revalorização Geopolítica e Geoeconómica do Atlântico Sul no Sistema Internacional”, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013 Fonseca, Carmen – “O Brasil e a Segurança no Atlântico Sul”, Revista Nação e Defesa, nº 128, 5.a Série, IDN, Lisboa, 2011 Leandro, Roberto Pacheco - “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Espaço Estratégico para Afirmação do Prestígio Militar do Brasil, Rio de Janeiro, 2011 Luis, Camila Cristina Ribeiro - “Política Externa Brasileira para o Atlântico Sul: A Expressão

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