A nova forma da Esplanada de Santo Antônio: o Projeto Urbano na área central do Rio de Janeiro no século XXI

June 3, 2017 | Autor: Adriana Sansão | Categoria: Urban Design, Projeto urbano
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROURB – FAU / UFRJ

A NOVA FORMA DA ESPLANADA

DE SANTO ANTÔNIO

O Projeto Urbano na área central do Rio de Janeiro no século XXI

ADRIANA SANSÃO FONTES

2004

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Letras e Artes / Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-graduação em Urbanismo – PROURB

A NOVA FORMA DA ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO O Projeto Urbano na área central do Rio de Janeiro no século XXI

Autora: Adriana Sansão Fontes

Rio de Janeiro, 2004

A nova forma da Esplanada de Santo Antônio O Projeto Urbano na área central do Rio de Janeiro no século XXI Adriana Sansão Fontes

Dissertação de Mestrado submetida ao corpo docente da Coordenação do Programa de Pós-graduação em Urbanismo – PROURB da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M. Sc.) em Urbanismo.

Aprovada por:

Prof. Pablo Cesar Benetti (Dr.) – Orientador

Profa. Lúcia Maria Sá Antunes Costa (PhD) – Co-orientador

Prof. Guilherme Lassance dos Santos Abreu (Dr.)

Prof. José Ripper Kós (PhD)

Rio de Janeiro, RJ – Brasil Abril / 2004

Resumo da dissertação de Mestrado apresentada ao PROURB / FAU / UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciência (M. Sc.) em Urbanismo.

A nova forma da Esplanada de Santo Antônio O Projeto Urbano na área central do Rio de Janeiro no século XXI Adriana Sansão Fontes Abril, 2004.

Orientador: Prof. Pablo Cesar Benetti (Dr.)

Co-orientador: Profa. Lúcia Maria Sá Antunes Costa (PhD) Linha de Pesquisa: Estruturação, forma e projeto do espaço urbano Essa dissertação tem como objetivo a especulação a respeito dos atuais critérios de intervenção em áreas centrais, através da elaboração de duas propostas para a ocupação e desenvolvimento de trecho do centro do Rio de Janeiro: a Esplanada

de Santo Antônio - área ainda inacabada, porém, diversas vezes idealizada dentro da história urbanística da cidade. Através

das intervenções, deseja-se explorar as visões compreendidas entre a idéia da 'repetição da cidade' e da 'poética do caos', ambas presentes nas discussões e intervenções urbanas contemporâneas. Para fundamentar as propostas, é elaborada uma discussão sobre os novos papéis dos centros dentro da totalidade da cidade, sobre a mudança dos paradigmas de

intervenção e a atual produção dos espaços urbanos, hoje muito mais relacionada às idéias de heterogeneização, fragmentação e dinâmica dos fluxos, em contraposição à idéia da cidade estável e planejável, e sobre as variadas visões acerca do local de intervenção - território fragmentado, incompleto e paradoxal.

Abstract of the dissertation submitted to PROURB / FAU / UFRJ as part of the necessary requisits for obtaining the Master in Science degree (M. Sc.) in Urbanism.

Esplanada Santo Antônio: a new form Urban Design for downtown Rio de Janeiro area in the Twenty-first Century Adriana Sansão Fontes April, 2004.

Thesis supervisor: Prof. Dr. Pablo Cesar Benetti Research Line: Urban space: structuring, form and design This dissertation aims to speculate about the urban intervention standards in downtown areas, using as a mean the

presentation of two design alternatives for Esplanada Santo Antônio. Located in Rio de Janeiro, this area, still unfinished, historically has been many times idealized. The design exercise follows a theoretical exploration of the boundaries between the concepts of "city repetition" and "chaos poetry", both present in the debates about contemporary urban interventions. To

fundament this path, there are three preceding discussions: about the new roles for downtown areas as functional parts of the whole city; paradigm changes of urban intervention and production, today strongly related to the concepts of heterogeneity, fragmentation and dynamic flows (as opposed to the idea of a stable and planned city); and, finally, a conceptual exploration of visions about Esplanada Santo Antônio, a fragmented, incomplete and paradoxical territory.

Ao Rio de Janeiro: quem mais precisa de dedicação! “Cidade maravilhosa És minha O poente na espinha Das tuas montanhas Quase arromba a retina De quem vê” Chico Buarque de Holanda

AGRADECIMENTOS

[orientação] Pablo Benetti Lúcia Costa [estímulo] Maria Helena Sansão João Fontes Alexandre Sansão Fontes Eduardo Pegurier Maria Fernanda Lemos Washington Fajardo [ensinamentos] Alder Catunda Flavio Ferreira Héctor Viggliecca [paciência] Celso Rayol Cláudia Miranda [colaboração] Almir Fernandes Ricardo Esteves Roberto Anderson Magalhães Margaret Lica Chokyu Fernando Sérgio Teixeira Renato Barandier Verônica Natividade Vinicius Machado [apoio moral e financeiro] Helena, Lúcia e Isabela Maria Lúcia, Marisol e Pablo Turma e amigos CNPQ

SUMÁRIO Lista de Ilustrações Introdução 1. O Projeto Urbano no Centro – Critérios e propostas 1.1 O retorno ao centro? 1.1.1 O esvaziamento do centro 1.1.2 O retorno ao centro 1.1.3 Sistematização Imagens 1.2 Conceitos e critérios atuais de Projeto Urbano 1.2.1 Conceitos de Projeto Urbano 1.2.2 Critérios de intervenção na cidade contemporânea 1.2.3 Definição das categorias de análise Imagens Tabela-resumo 1.3 Projetos Urbanos recentes 1.3.1 Potsdamer Platz 1.3.2 Margem Esquerda do Sena (Paris Rive-Gauche) 1.3.3 Centro Urbano de Almere 1.3.4 Kop van Zuid 1.3.5 Operação Urbana Faria Lima 1.3.6 Considerações finais Imagens Tabela-resumo Tabelas e Mapas 2. A Esplanada de Santo Antônio e sua história – Visões sobre o local 2.1 Histórico da evolução urbana Imagens 2.2 Projetos existentes 2.2.1 O Plano Agache 2.2.2 Projeto de Sabóia Ribeiro 2.2.3 Projeto de Affonso Eduardo Reidy 2.2.4 Projeto de José de Oliveira Reis 2.2.5 Projeto Flavio Ferreira, Cláudio Taulois e Sérgio Magalhães 2.2.6 Considerações finais Imagens Tabela-resumo Tabelas e Mapas 2.3 Análise da realidade atual 2.3.1 A Esplanada no Centro

1 5 10 11 11 13 19 22 25 25 31 40 43 46 47 48 51 55 59 63 66 68 73 74 85 86 89 93 94 97 100 103 105 107 109 113 114 124 124

2.3.2 2.3.3

Análise da área de projeto Considerações finais Imagens Tabela-resumo Tabela e Mapas

125 135 137 147 148

3. A nova Esplanada de Santo Antônio – Como ainda poderá ser? 3.1 Desafios, diretrizes projetuais e programa 3.1.1 Desafios 3.1.2 Diretrizes Projetuais 3.1.3 Programa 3.2 Propostas de Intervenção 3.2.1 Pontos de partida comuns 3.2.2 Propostas 3.2.3 Comparação entre propostas Imagens Tabela-resumo Tabela e desenhos Proposta 1 Tabela e desenhos Proposta 2 Acupunturas Tabela Geral Projetos

154 155 155 155 156 158 158 159 171 173 175 176 186 196 199

Conclusão

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Referências Bibliográficas

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LISTA DAS ILUSTRAÇÕES

LISTA DAS ILUSTRAÇÕES FIG. 01 – Transferência do centro colonial para São Cristóvão (croquis da autora) FIG. 02 – Reflorescimento da área central com a abertura da Av. Central (croquis da autora) FIG. 03 – Atração dos novos bairros da zona sul e norte (croquis da autora) FIG. 04 – Nova centralidade localizada na Barra da Tijuca (croquis da autora) FIG. 05 – Centro do Rio e Esplanada de Santo Antônio (interferência sobre foto aérea) FIG. 06 – Principais vias do centro e conexões com o exterior (interferência sobre foto aérea) FIG. 07 – Limites do território do centro e principais referências urbanas (croquis da autora) FIG. 08 – Cenário da AP1 com a localização do Teleporto (croquis da autora) FIG. 09 – Projeto Morro da Conceição (desenho Celso Rayol) FIG. 10 – Três centros do Rio (croquis da autora) FIG. 11 – Projeto de reabilitação de cortiços – Projeto de Fábrica Arquitetura / Cooperativa, Rua Sacadura Cabral (foto da autora) FIG. 12 – Projeto Rio Cidade Avenida Rio Branco FIG. 13 – Equipamentos culturais do centro do Rio FIG. 14 – Primeira Era – cidade tradicional compacta FIG. 15 – Segunda Era – cidade modernista FIG. 16 – Terceira Era – Quarteirão aberto FIG. 17 – Cerdà – quadra aberta do plano de Barcelona FIG. 18 – IBA – Projeto de Aldo Rossi para reconstrução de quadra em Berlim FIG. 19 – Concurso Berlin Morgen – Proposta de Norman Foster FIG. 20 – Concurso Berlin Morgen – Proposta de Bernard Tschumi FIG. 21 – Projeto vencedor do concurso da Potsdamer Platz – Heinz Hilmer e Cristoph Sattler FIG. 22 – Projeto de Rem Koolhaas para Melun Sénart FIG. 23 – ‘Bigness’ de Koolhaas FIG. 24 – Shopping-center – ‘Bigness’ FIG. 25 – Shopping-center – exemplo de novo domínio público FIG. 26 – Aeroporto FIG. 27 – Columbushaus – Eric Mendelson FIG. 28 – Concurso Potsdamer Platz – vencedores Renzo Piano e Christoph Kohlbecker FIG. 29 – Potsdamer Platz - Marlene Dietrich Platz FIG. 30 – Potsdamer Platz - Galeria coberta N-S FIG. 31 – Potsdamer Platz - Forte definição domínios público e privado, e alguns pontos de tensão FIG. 32 – Paris Rive-Gauche - Bairro isolado entre o Rio Sena e a malha ferroviária FIG. 33 – Paris Rive-Gauche - Biblioteca Nacional da França FIG. 34 – Paris Rive-Gauche - Canteiro da construção do recobrimento da malha ferroviária FIG. 35 – Paris Rive-Gauche - Área de lazer marginal ao rio FIG. 36 – Paris Rive-Gauche - Gabarito constante e ponto focal na Biblioteca FIG. 37 – Centro de Almere - Corte da laje inclinada FIG. 38 – Centro de Almere - Áreas vazias destinadas ao projeto FIG. 39 – Centro de Almere - Plano de Massas do OMA FIG. 40 – Centro de Almere - Skyline elevado da área empresarial FIG. 41 – Centro de Almere - Baixa altura de grande parte da intervenção FIG. 42 – Kop van Zuid - Ponte Erasmus, de Van Berkel & Bos FIG. 43 – Kop van Zuid - Vias desprovidas de espaços de permanência

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LISTA DAS ILUSTRAÇÕES

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FIG. 44 – Kop van Zuid - Novos e antigos edifícios FIG. 45 – Kop van Zuid - Edifício do cinema FIG. 46 – Kop van Zuid - Verticalização do Píer FIG. 47 – Faria Lima - Ed. Birmann 31, de Skidmore, Owings & Merrill FIG. 48 – Faria Lima - Ed. Maria Cecília Lara Campos, de AIC Arquitetura e Gerenciamento FIG. 49 – Faria Lima - Ed. Faria Lima Financial Center, de Hellmuth, Obata + Kassabaum (HOK), Fernando Iglesias Arquitetos e Collaço & Monteiro Arquitetos FIG. 50 – Pintura de Grimm (1846-1887) retratando a partir do Morro de Santa Tereza o panorama do Centro, com o Morro de Santo Antônio em segundo plano FIG. 51 – Convento da Ajuda (já no século XX) FIG. 52 – Teatro Real de São Carlos (atual João Caetano) FIG. 53 – Vista do alto do Morro de Santo Antônio FIG. 54 – Favela do Morro de Santo Antônio, manteve-se até a demolição do morro FIG. 55 – Morro de Santo Antônio no início do século XX FIG. 56 – Chafariz do Largo da Carioca FIG. 57 – Edifício da Tribuna da Imprensa, já demolido, adjacente à escadaria do Convento de Santo Antônio FIG. 58 – Avenida Central, Convento da Ajuda e Palácio Monroe FIG. 59 – Cinelândia recém construída FIG. 60 – Arcos da Lapa - 1758 FIG. 61 – Arcos da Lapa - 1858 FIG. 62 – Arcos da Lapa – 1906 FIG. 63 – Arcos da Lapa - 1958 FIG. 64 – Arcos da Lapa – 1988 FIG. 65 – Projeto de Grandjean de Montigny para a área do Morro FIG. 66 – Plano Agache – trecho do Morro de Santo Antônio FIG. 67 – Praça de Santo Antônio – Alfred Agache FIG. 68 – Quadras executadas do Plano Agache na área do Castelo FIG. 69 – Paris de Haussmann FIG. 70 – Plano Diretor de 1940 – previsão da ligação diagonal no centro FIG. 71 – Projeto de Sabóia Ribeiro - maquete FIG. 72 – Comparação das quadras do Castelo com as propostas por Sabóia FIG. 73 – Projeto de Reidy FIG. 74 – Desenho de Le Corbusier FIG. 75 – Área resultante do desmonte do Morro FIG. 76 – Destino da terra – Aterro do Flamengo FIG. 77 – Projeto de José de Oliveira Reis FIG. 78 – Avenida Chile recém inaugurada FIG. 79 – Perspectiva da Avenida Chile cortando a área do Morro FIG. 80 – Projeto de Reis – manutenção da via N-S FIG. 81 – Projeto de Ferreira, Taulois e Magalhães FIG. 82 – Robert Krier – projeto para Rotebühlplatz, em Stuttgart – continuidade da cidade e contextualização FIG. 83 – Rodrigo Perez de Arce – adensamento do centro monumental de Chandigarh FIG. 84 – Entorno da Esplanada: multiplicidade de malhas (croquis da autora) FIG. 85 – Área de projeto (croquis da autora) FIG. 86 – Eixo L-O do centro (foto da autora) FIG. 87 – Av. República do Paraguai (foto da autora)

LISTA DAS ILUSTRAÇÕES

FIG. 88 – Av. Chile (foto da autora) FIG. 89 – Rua Evaristo da Veiga (foto da autora) FIG. 90 – Rua Senador Dantas (foto da autora) FIG. 91 – Rua do Lavradio (foto da autora) FIG. 92 – Rua dos Arcos (foto da autora) FIG. 93 – Rua Silva Jardim (foto da autora) FIG. 94 – Fluxo de pedestres Largo da Carioca (foto da autora) FIG. 95 – ‘Triangulação’ Largo da Carioca (foto da autora) FIG. 96 – Praça Tiradentes (foto da autora) FIG. 97 – Sebos na esquina da Rua da Carioca com República do Paraguai (foto da autora) FIG. 98 – Feira esotérica na Cinelândia (foto da autora) FIG. 99 – Passagem de pedestres dentro do edifício do Teatro Nelson Rodrigues (foto da autora) FIG. 100 – Calçadão de acesso à torre comercial (antigo BNH) (foto da autora) FIG. 101 – Rua do Lavradio (foto da autora) FIG. 102 – Restaurantes Rua Lélio Gama (foto da autora) FIG. 103 – Rua Álvaro Alvim (foto da autora) FIG. 104 – Playground Igreja Presbiteriana (foto da autora) FIG. 105 – Praça do Lavradio (foto da autora) FIG. 106 – Vazios urbanos (foto da autora) FIG. 107 – Área verde inacessível atrás do quartel (foto da autora) FIG. 108 – Área verde inacessível dentro do terminal de bondes (foto da autora) FIG. 109 – Cinelândia (foto da autora) FIG. 110 – ‘Praça’ em frente à Catedral (foto da autora) FIG. 111 – Casario neoclássico da Rua da Carioca (foto da autora) FIG. 112 – Arcos da Lapa (foto da autora) FIG. 113 – Igreja Presbiteriana (foto da autora) FIG. 114 – Convento de Santo Antônio (foto da autora) FIG. 115 – Catedral Metropolitana (foto da autora) FIG. 116 – Topografia acidentada (foto da autora) FIG. 117 – Colina remanescente do Morro original (foto da autora) FIG. 118 – Visada dos Arcos da Lapa (foto da autora) FIG. 119 – Terminal de bondes (foto da autora) FIG. 120 – Barreira física (foto da autora) FIG. 121 – Barreira física (foto da autora) FIG. 122 – Cruzamento em nível – áreas mortas (foto da autora) FIG. 123 – Uso residencial transitório (hotel) (foto da autora) FIG. 124 – Comércio informal (foto da autora) FIG. 125 – CIEP (foto da autora) FIG. 126 – Teatro Carlos Gomes (foto da autora) FIG. 127 – Quartel da Polícia Militar (foto da autora) FIG. 128 – Estacionamento (foto da autora) FIG. 129 – Estacionamento (foto da autora) FIG. 130 – Alto e baixo (foto da autora) FIG. 131 – Histórico e moderno (foto da autora) FIG. 132 – Alto e baixo (foto da autora) FIG. 133 – Síntese do local

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LISTA DAS ILUSTRAÇÕES

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FIG. 134 – Terreno vazio da PM ao lado do quartel – desperdício de 50% do potencial da via (foto da autora) FIG. 135 – Funções que não contribuem para a animação urbana (foto da autora) FIG. 136 – Diferença de formatos (foto da autora) FIG. 137 – Área do quartel e terminal de bondes destinada à universidade (foto da autora) FIG. 138 – Área para a realização de pequena correção ou acupuntura (foto da autora) FIG. 139 – Calçada elevada de muita utilização – potencialidade (foto da autora) FIG. 140 – Passagem subterrânea existente a ser aproveitada nos projetos (foto da autora) FIG. 141 – Diferença de formatos – adoção de formato para as novas torres com proporções semelhantes ao edifício do antigo BNH (croquis da autora) *As bases dos mapas de análise dos 5 projetos existentes (Agache, Sabóia, Reidy, Reis e Ferreira, Taulois e Magalhães) foram retiradas da dissertação de Cláudia Miranda, que consta da bibliografia.

INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO Uma boa formação profissional exige que se investigue e ensine o projeto não como é praticado habitualmente, mas como não se pratica. A formação profissional não deve ser atual; devemos ensinar como já não mais se exerce a profissão, e também como ainda não a exercemos. O conteúdo desse ensino deve ser, ao mesmo tempo, anacrônico e vanguardista. Deve estar à margem, quando não à frente, do mundo da eficácia, da aplicabilidade, da rentabilidade e do mercado.1 A presente dissertação tem como objeto de estudo as áreas centrais, visando à especulação a respeito dos atuais critérios de intervenção nesses territórios. Objetiva a elaboração de propostas para a ocupação e desenvolvimento de trecho da área central do Rio de Janeiro - a Esplanada de Santo Antônio - como estudo de caso para reflexão sobre o tema central: Projeto Urbano em áreas centrais no século XXI. Ela está baseada no afinamento entre as abordagens teóricas, históricas e críticas sobre o tema, que fundamentarão as propostas de intervenção específicas elaboradas. A abordagem teórica está relacionada à busca do entendimento e da aplicabilidade de teorias pertinentes ao tema, a histórica se dirige à sua contextualização arquitetônica, cultural e socioeconômica, e a crítica se baseia na análise de exemplos pertinentes.2 A PROBLEMÁTICA O problema tratado nesta dissertação envolve diferentes eixos de investigação que concorrem para a sua complexidade e relevância, e estão apresentados a seguir. Os centros urbanos a partir da década de 60 sofreram crises de esvaziamento e perda de funções decorrentes do processo de suburbanização e do rápido crescimento das cidades. No Rio de Janeiro o fenômeno não foi diferente, tendo como fato agravante a transferência da capital para Brasília, bem como a migração de muitas sedes de empresas para São Paulo, acarretando a perda de uma série de funções antes concentradas no centro. O processo de requalificação do centro do Rio iniciou-se no final da década de 70, intensificou-se na década de 90 e prolonga-se até hoje, com séries de projetos urbanos pulverizados por toda a área, além da adoção de instrumentos de preservação do patrimônio de forma constante. Porém, as funções do centro alteraram-se, estando ele hoje mais relacionado a atividades como a cultura e ao retorno dos espaços de moradia, apresentando quedas nas atividades ligadas a grandes empresas. Foi com grande intensidade, também na década de 90, que os projetos urbanos assumiram parte fundamental nesses processos de requalificação, como ferramentas ágeis, particulares e dinâmicas, em substituição aos antigos modelos de planejamento urbano. As mudanças dos paradigmas de intervenção nas cidades refletem o dinamismo do mundo contemporâneo e a perda das certezas absolutas, características da superada era moderna. E este fato tem um rebatimento na produção dos espaços urbanos nos dias atuais, produção esta muito mais relacionada às idéias de heterogeneização, fragmentação e dinâmica dos fluxos, em contraposição à idéia da cidade estável e planejável. MAHFUZ, Edson da Cunha. “O projeto de arquitetura e sua inserção na pós-graduação”. Vitruvius Portal de Arquitetura. Arquitextos n° 22, mar/2002, p. 3. Disponível em: www.vitruvius.com.br. Acessado em 10/01/2004. 2 Idem 1

INTRODUÇÃO

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Em paralelo às questões gerais relativas ao centro e aos novos paradigmas de intervenção na cidade contemporânea, a especificidade do sítio escolhido como estudo de caso contribui para a complexidade do problema abordado na dissertação. A Esplanada de Santo Antônio é um trecho de área central ainda inacabado, porém, não faltam na história da arquitetura e do urbanismo carioca idéias para a sua ocupação, inspiradas em modelos de cidade diversos, durante o século XX. A realidade que lá hoje se apresenta é resultante de várias intervenções urbanas isoladas, não orientadas dentro de um plano de ocupação definido e executadas ao longo dos últimos 50 anos. Dentro desse cenário, a relevância da dissertação está ligada às possibilidades que um projeto urbano em área central como esta - que já foi objeto de várias intervenções e propostas no passado pode trazer para pensar a cidade nos dias de hoje, de acordo com todas estas leituras contemporâneas aqui anunciadas. Assim, a elaboração do projeto urbano no centro do Rio de Janeiro no século XXI envolve a discussão de uma série de temas, tais como: § O processo de esvaziamento dos centros urbanos e o surgimento de novas centralidades, e o processo de retorno e revalorização dos mesmos nas últimas décadas do século XX (caso do Rio e dos grandes centros urbanos mundiais); § Os novos papéis do centro dentro da cidade, as permanências e rupturas a ele associadas, o que se mantém em funcionamento e o que se pode introduzir de novo; § Os conceitos de Projeto Urbano, os novos paradigmas de intervenção na cidade, a relação entre planos e projetos urbanos, a relação estado - sociedade e as parcerias público – privado; § Os atuais critérios de intervenção na cidade contemporânea, as visões compreendidas entre a idéia da ‘repetição da cidade’ e da ‘poética do caos’, e os espíritos das novas intervenções na cidade; § A evolução histórica do Rio de Janeiro, sobretudo da sua área central; § As diferentes visões da cidade do Rio de Janeiro ao longo do século XX, e as influências e inspirações de cidade que originaram os projetos já pensados para a área de estudo; § A análise pormenorizada da área de projeto, e a leitura da heterogeneidade acumulada na área durante seu processo de evolução urbana. Objetivos da dissertação O objetivo principal é elaborar uma proposta de intervenção em área central, discutindo – à luz de critérios atuais e estudos de casos recentes - quais os princípios e propostas de intervenção em uma área como a Esplanada, recuperando as iniciativas anteriores e trazendo à tona os critérios e modelos de cidade ou de área central pensada em cada caso. A contribuição da dissertação está voltada para o campo do pensamento sobre a arquitetura e a cidade contemporânea, auxiliando na reflexão sobre temas como: (1) como intervir nos centros (o que priorizar? Espaços públicos? Continuidade dos tecidos?); (2) como lidar com o patrimônio ali instalado (destacar e valorizar?); (3) como ocupar áreas vazias, de expansão ou resultantes de intervenções marcantes (adensar? Quanto? Que critério utilizar?); (4) que programa determinar para a ocupação do centro 24 horas por dia (mistura de funções?); (5) como implementar os projetos (quem paga a conta?); (6) como priorizar as ações no tempo.

INTRODUÇÃO

seguintes perguntas:

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Questionamento central Em função dos objetivos acima descritos, o questionamento central está contido nas (1) Como é a formatação da ocupação de áreas centrais no mundo, isto é, quais são a(s) estratégia(s) de implantação utilizada(s) em casos do gênero? (2) Qual é o critério para a definição do programa? (3) Qual é o critério formal–espacial-estético ou o espírito dos projetos urbanos em áreas centrais no século XXI? (4) É possível criar espaços e formas que se mantenham entre a ‘repetição da cidade’ e a ‘poética do caos’? É possível uma lógica híbrida?

A METODOLOGIA A metodologia adotada para esta dissertação está fundamentada no cruzamento dos eixos da teoria, crítica, história e projeto. Ela está estruturada da seguinte forma: (1) No primeiro momento, será colocada a discussão das visões sobre os centros e a revisão dos conceitos e critérios de projeto urbano, baseado na visão de um campo de autores, discriminados a seguir (arcabouço teórico da pesquisa); (2) Em seguida, serão determinadas as categorias de análise e projeto a serem utilizadas em toda a dissertação, a partir das conclusões da etapa teórica; (3) Posteriormente, será realizada a análise de projetos recentes de características semelhantes, à luz das categorias concluídas anteriormente (posicionamento crítico); (4) Finalmente, será apresentado o estudo de caso, estruturado de forma a aplicar os conceitos concluídos nas etapas anteriores. Ele envolve a revisão da evolução histórica do local, a análise de projetos existentes para a área à luz das mesmas categorias retiradas do texto teórico, a análise da realidade atual e as novas reflexões e propostas para o futuro na forma de projetos (história, crítica e proposições para o futuro). Revisão da literatura sobre o tema O capítulo 1 representa o arcabouço teórico da dissertação, e utiliza-se de um extenso campo de autores contemplando os três temas abordados: centro, projeto urbano e atuais critérios de intervenção na cidade. A primeira parte do capítulo é conduzida pelas visões de autores como Solà Morales (2001), que, falando de centros, defende idéias como a troca constante de energia do centro com o exterior (conectividade e permeabilidade) e a continuidade dos espaços públicos e coletivização dos espaços privados; Ascher (2001), que coloca a idéia do centro como o local mais acessível e como nó de atividades; Huet (2001), que chama a atenção para a importância dos espaços públicos e da continuidade física dos centros; Vaz (1996 e 2002), que atenta para o patrimônio de moradia nas áreas centrais, e Magalhães (2001), que em sua dissertação investiga o processo de requalificação do centro do Rio de Janeiro.

INTRODUÇÃO

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Na segunda parte, relativa ao projeto urbano, Portas (1996) ressalta o desgaste dos modelos de planejamento urbano e a sua substituição pelos projetos urbanos e estratégias nas últimas décadas; Tsiomis (1996) defende a articulação das diferentes disciplinas para o domínio do destino aberto da cidade, ou seja, as intervenções sobre o imprevisto; Santos (1988) se utiliza de metáforas para definir o projeto urbano como um jogo envolvendo agentes, estratégias, a cidade e os elementos urbanos; Panerai (1994) chama a atenção para o contexto específico de atuação do projeto urbano (lugar) e para as relações entre espaços públicos e privados, e Del Rio (1993) introduz a idéia do ‘catalisador’ como peça fundamental para a partida das operações de ‘revitalização’ urbana. Sobre os novos critérios de intervenção, ainda na segunda parte, buscou-se apresentar as idéias de autores e arquitetos contemporâneos, nem sempre unânimes, colocando-as em confronto, inclusive com as visões contextualistas sobre a cidade. Schulz (2003), em sua tese, ressalta a idéia da dinâmica e da heterogeneidade da cidade contemporânea, em oposição à cidade estável associada ao classicismo e ao modernismo; Fernández (2000) chama a atenção para as diferentes lógicas na prática das intervenções urbanas e a sua coexistência no cenário atual; Portzamparc (1997) faz experiências com o conceito do ‘quarteirão aberto’ como forma de síntese entre as duas superadas eras da cidade (cidade do século XIX e cidade modernista); Moreira (2002) salienta a emergência de se pensar a cidade na perspectiva de futuro; Libeskind (1992) defende a recusa à arbitrariedade do resgate ou valorização da memória, e a aceitação da heterogeneidade de todos os momentos históricos do lugar e da pluralidade resultante; Koolhaas (2002) está interessado na heterogeneidade resultante da combinação de sistemas e de formas descontínuas, desinteressado na valorização das identidades; Abalos & Herreros (1997) discursam no sentido da correspondência dos espaços com o novo sujeito nômade contemporâneo; Rogers (1998) evidencia a transformação dos edifícios, que não mais simbolizam a ordem hierárquica estática, mas funcionam como contenedores flexíveis para uma sociedade dinâmica. Determinação dos exemplos pertinentes Após a determinação das categorias de análise a partir dos resultados da revisão bibliográfica, a terceira parte do capítulo 1 destina-se à crítica de projetos de características semelhantes ao objeto de estudo. Os critérios para a escolha dos projetos recentes analisados são os enfoques semelhantes que variam entre área central, nova centralidade e área de expansão urbana, os diferentes espíritos associadas a cada um, as diferentes estratégias de implantação e a data de realização recente (década de 90). Não foi levado em consideração para a seleção a localização de cada projeto, porém foi a intenção incluir pelo menos um projeto do Brasil. Os projetos são analisados segundo os mesmos critérios, textual e graficamente. Recorte espacial para o estudo de caso A área escolhida para estudo de caso, apresentado nos capítulos 2 e 3, é a Esplanada de Santo Antônio, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Ela está localizada entre a Av. Rio Branco, a Rua do Lavradio, a Rua da Carioca e a Av. Mem de Sá. Esta área foi resultante do desmonte parcial do Morro de Santo Antônio - um dos morros do quadrilátero que delimitava a ocupação da cidade do Rio de Janeiro ocorrido em 1953. Ela foi desde o início do século XX objeto de diferentes projetos urbanos. Nenhum foi integralmente executado, e a área da Esplanada é ainda, por este fato, um local não consolidado. Localizada entre duas malhas compactas - o centro tradicional “Rio Antigo” (Rua do Lavradio e adjacências) e o centro da cidade propriamente dito, a “city” simbolizada pela Av. Rio Branco, ou seja, situada na transição entre a

INTRODUÇÃO

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ACN3 e a zona periférica do centro, a Esplanada pode ser definida como um vazio urbano pontuado de edificações isoladas executadas à margem de um planejamento global. Descrição dos capítulos Os quatro eixos de abordagem estão organizados em três capítulos. A divisão está baseada na aproximação com o tema, do aspecto geral (Centro e Projeto Urbano) para o particular (Estudo de Caso da Esplanada – análises e projeto). O capítulo 1 - O Projeto Urbano no Centro: critérios e propostas - discute as idéias e visões relacionadas aos temas centro, projeto urbano e critérios de intervenção na cidade contemporânea. Conforme já descrito, representa o arcabouço teórico da dissertação, e a partir dele será possível identificar as teorias e lógicas do pensamento da arquitetura e urbanismo atual, complementado pela abordagem crítica representada pela análise de projetos urbanos recentes. São as conclusões retiradas deste capítulo que possibilitarão a determinação das categorias de análise e projeto adotadas posteriormente na totalidade da dissertação. O capítulo 2 – A Esplanada de Santo Antônio e sua história: visões sobre o local - faz a aproximação da área de intervenção, de forma a compreender a sua história, explorar as diferentes visões e os projetos já realizados, e fazer a análise da realidade atual do local, resultante de várias intervenções ao longo dos últimos 50 anos. Nele, unem-se às teorias colocadas no capítulo 1 a história e a crítica expostas neste capítulo. O capítulo 3 – A nova Esplanada de Santo Antônio: como ainda poderá ser - objetiva o fechamento do trabalho, através da exposição das propostas de intervenção urbana para a área. Representa a conclusão do pensamento presente desde os capítulos 1 e 2, expressa os desafios relacionados a uma intervenção desse porte, expõe as diretrizes projetuais e o programa adotado e apresenta as duas propostas para o local. A opção pela elaboração de duas propostas ao invés de somente uma deseja expor variadas respostas possíveis a determinado problema baseadas nos mesmos conceitos, considerando a conclusão dessa dissertação como parte inicial de um projeto urbano completo, com interfaces e negociações que partirão das idéias aqui determinadas. Dentro desse particular, as duas propostas indicam a negação da adoção de um novo modelo de intervenção com pretensões de ‘universalização’. As propostas seguem a mesma estrutura textual e gráfica, e, no término, é realizada uma comparação pormenorizada entre elas. O que se espera do processo de aprendizado ao longo de um curso de pós-graduação em arquitetura centrado no projeto é que o conhecimento adquirido através da prática projetual, entrelaçada com atividades de teoria, história e crítica, possa contribuir para evitar a Arbitrariedade e resultar na Forma Pertinente que nos escapa com tanta facilidade.4

3 4

Área Central de Negócios MAHFUZ, op. cit.; p. 1

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CAPÍTULO 1 O PROJETO URBANO NO CENTRO Critérios e propostas Este capítulo é dedicado à discussão das idéias e visões relacionadas aos temas centro, projeto urbano e critérios de intervenção na cidade contemporânea. Está dividido em três etapas, onde: (1.1) A primeira está direcionada ao entendimento do papel dos centros dentro da dinâmica das cidades contemporâneas, suas permanências e rupturas, sua importância histórica, social e econômica, sua capacidade de atração de atividades e investimentos e as suas novas potencialidades; (1.2) A segunda faz a revisão dos conceitos de projeto urbano e dos atuais critérios de intervenção na cidade contemporânea, de onde será possível identificar as teorias e lógicas do pensamento da arquitetura e urbanismo atual; (1.3) A terceira traz a análise detalhada de 5 projetos urbanos recentes, somando assim às teorias uma crítica do que vem sendo pensado no que concerne à intervenções urbanas nos centros, fazendo então uma fusão das duas etapas anteriores. Dentro da totalidade da dissertação, este capítulo representa o arcabouço teórico que orientará as propostas projetuais apresentadas mais adiante no capítulo 3.

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1.1

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O RETORNO AO CENTRO?

Falar de centro nos dias de hoje significa discutir seus novos papéis dentro da cidade, quais as permanências e rupturas a ele associadas, e investigar o que se mantém em funcionamento e o que se pode introduzir de novo dentro desse contexto consolidado. Significa identificar as suas diferenças no tempo e trabalhar a partir de então com as suas novas potencialidades. Sobre estas questões deseja tratar a primeira etapa da dissertação, de forma a contextualizar o tipo de intervenção a que se propõe a pesquisa e a explicar o programa que será adotado para o projeto. Ela está estruturada no cruzamento das duas dimensões relevantes para a pesquisa, que são (1) a discussão contemporânea sobre áreas centrais e (2) o caso do Rio de Janeiro, e será apresentada da seguinte forma: § A primeira parte trata em linhas gerais do processo de esvaziamento dos centros urbanos e do surgimento de novas centralidades; § A segunda parte analisa o processo de retorno e revalorização dos centros iniciado nas últimas décadas do século XX. 1.1.1 - O ESVAZIAMENTO DO CENTRO O grande processo de suburbanização ocorrido a partir da década de 60 na Europa, motivado pelas inovações técnicas como os transportes e comunicação à distância, provocaram a proliferação de dois tipos de implantação opostos: a concentração periférica em torno de pólos de atração, como as metrópoles, provocando o despovoamento progressivo do centro e dos núcleos históricos; e a dispersão em forma de urbanização linear ao longo de costas e rios, ou pontual em torno de aeroportos, centros de pesquisa ou universidades5. A cidade passava a experimentar novas formas de urbanização diferentes da tradicional, marcada por forte mono-centralidade, enquanto que o centro tradicional ia de forma gradativa perdendo as suas funções e entrando em processo de decadência. Na década de 90, a discussão de teóricos da arquitetura e urbanismo gira em torno da morte do centro pela extensão ilimitada da cidade e pelo fenômeno da Cidade Genérica6. Na visão de Choay, a cidade que se produziu ao longo de um século - a que conhecemos hoje - é a ‘última cara da urbanidade’7, esta no sentido do ajuste recíproco de uma forma de tecido urbano com uma forma de convivência: Não é chegado então o momento de admitir, sem sentimentalismos, a desaparição da cidade tradicional, e de perguntar sobre o que a substituiu, isto é, sobre a natureza da urbanização e sobre a não-cidade que parece ser o destino das sociedades ocidentais?8 A visão de Koolhaas sobre a morte do centro segue caminho semelhante: A cidade genérica é liberada do cativeiro do centro, da camisa de força da identidade. A cidade genérica quebra com esse ciclo destrutivo da dependência: ela não é nada além de um reflexo da necessidade e capacidade presentes.9 CHOAY, Françoise. “Nueva Babel: El Reino de lo Urbano y la Muerte de la Ciudad”. Arquitetura Viva, n° 35 p. 16. Madrid: Março-Abril/1994. 6 KOOLHAAS, Rem & MAU, Bruce. Office for Metropolitan Architecture. “Cidade Genérica”. In: Small, Medium, Large, Extra Large. N.Y.: The Moncelli Press, 1995. Conceito criado por Koolhaas para caracterizar as novas megalópoles mundiais. 7 CHOAY, op. cit. 8 Idem; p. 15 9 KOOLHAAS, 1995; op. cit. 5

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Alguns teóricos como Ascher10, ainda nos anos 90, rechaçaram a hipótese de que as novas tecnologias acarretam a dispersão territorial, afirmando justamente o contrário, que elas levam a novas concentrações e polarizações, e que inclusive recompõem as centralidades das antigas cidades, negando assim as teses da pós-cidade. De fato, constatou-se recentemente que as cidades globalizadas induzem a uma maior centralização, ocorrendo nelas uma concentração de empresas e serviços avançados. Movimentos de grandes cidades indicam a busca atual da recuperação dos centros urbanos, como no caso por exemplo de São Paulo. Todas essas visões, embora diversificadas, atestam as transformações ocorridas nos últimos 50 anos conseqüentes do rápido crescimento das cidades, e o surgimento de novas centralidades urbanas, caracterizando um novo tipo de cidade, muito extensa, descontínua e com mais de uma centralidade. Este fator irreversível conduz à procura das novas finalidades dos antigos centros, a possibilidade de se readaptarem a funções empresariais e de serviços dentro dessa nova lógica, ou a potencialização de novos usos complementares, deixando as novas centralidades exercerem as antigas funções. Rio de Janeiro No caso do Rio de Janeiro, o centro atravessou fases diversas e grandes transformações de usos e atividades que resultam na sua condição atual. O início das grandes transformações data ainda do século XIX11, quando a chegada da Corte Portuguesa gerou uma transferência de centralidade do centro colonial para São Cristóvão, acarretando um empobrecimento inicial do centro, antes sede do poder colonial e centralizador de todas as funções da cidade. (fig. 01) Porém, a reforma de Pereira Passos no início do século XX12, com a abertura da Av. Central, provocou um novo deslocamento de centralidade e acarretou o reflorescimento da área central, entretanto com novas funções, já que anteriormente era uma área mista de residências e atividades comerciais, e após a reforma assumiu funções comerciais, culturais e de serviços, com um radical aumento das áreas públicas, reduzindo o uso residencial. (fig. 02) Os novos bairros da zona sul e os da zona norte paralelamente atraíram grandes parcelas da população residente13, ficando o centro marcado como o local dos deslocamentos diurnos e noturnos e de grande vitalidade, sem contudo ser um local de moradia. Com o passar do tempo, o centro reunia funções de serviços comerciais, administrativos, culturais e políticos. Esse quadro persiste até a década de 50. (fig. 03) É então na década de 60 que o quadro se modifica, com o início do esvaziamento político e econômico do Rio. O esvaziamento de funções decorrente da perda da capital, transferida para Brasília14, provoca um forte impacto no centro do Rio, dando início ao processo de esvaziamento econômico. Alguns fatores contribuíram para a continuidade desse fenômeno, como o decreto 322 de 1976, que proibia a instalação de novos usos residenciais na ACN15, e a gradativa perda de poder econômico em relação à São Paulo. Hoje, a Barra da Tijuca, nova sub-centralidade carioca, vem absorvendo muitas atividades comerciais e empresariais antes localizadas no centro. (fig. 04) ASCHER, François. Metapolis, acerca do futuro da cidade. Oeiras: Ed. Celta, 1998. MAGALHÃES, Roberto Anderson de Miranda. A Requalificação do Centro do Rio de Janeiro na década de 1990. Tese Mestrado PROURB-FAU/UFRJ. Rio de Janeiro, 2001. 12 BENETTI, Pablo. Projetos de Avenidas no Rio de Janeiro (1830-1995). Tese Doutorado FAU/USP. São Paulo, 1997. 13 MAGALHÃES, op. cit. 14 Idem 15 Área Central de Negócios 10 11

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Observamos que o centro de hoje é bem diferente do centro do início do século XX, quando era palco dos acontecimentos culturais e sociais e lazer obrigatório dos cidadãos. Hoje os subúrbios são muitas vezes maiores que os centros que envolvem, e geram em seu interior novas centralidades. Muitas funções antes por ele exercidas hoje estão diluídas pelos bairros. Dentro desse cenário, cabe perguntar-se quais as novas funções urbanas do nosso centro nesse século que se inicia. 1.1.2 - O RETORNO AO CENTRO Por que a requalificação dos centros? A requalificação dos centros urbanos, entre outras questões, está ligada a fatores como o processo de competitividade entre cidades para a atração de investimentos estrangeiros dentro do mundo globalizado16, como já descrito. No caso específico do Rio de Janeiro, está associado ao reforço dos investimentos já feitos ao longo dos anos em edificações e infra-estruturas na área, à democratização do acesso a bens na cidade, à valorização da cultura, ao esvaziamento econômico ocorrido nas últimas décadas e à questão do afrouxamento do controle social17. O processo iniciou-se no final da década de 70 com o Corredor Cultural e as leis de preservação, porém foi na década de 90 que intensificou-se com as intervenções urbanas mais voltadas para o ”marketing” e para a competitividade entre as cidades, denominadas terceira geração de Projetos Urbanos18, ou “Revitalização Urbana”, distintamente do início da década anterior marcada por projetos de preservação do patrimônio ou por intervenções de viés contextualista. Foi um período marcado também pelas ações de controle urbano, através da criação da Subprefeitura19 do Centro, e pela busca de parcerias com a iniciativa privada para a viabilização dos projetos. Para Magalhães20, a utilização de instrumentos tradicionais como leis de preservação associados a intervenções da terceira geração de projetos urbanos pode ser considerada uma complexa abordagem de intervenção na cidade. Os centros são territórios de características favoráveis para assumirem a posição de destaque dentro dos processos de requalificação urbana. Foram destacadas nesse texto algumas visões comuns sobre o local, que auxiliam na construção de seu perfil do século XXI, tais como: centro como território, centro como nó, centro como história, centro como novidade, centro como moradia, centro como espaço público e centro como espaço da cultura. Essas visões já são uma categorização retirada da leitura de uma série de teóricos e arquitetos que trabalham e pensam os centros. A descrição do processo de requalificação do centro do Rio não será apresentada de forma cronológica, mas classificada em função dos sete temas acima destacados. Centro como território Esta visão está relacionada com a delimitação geográfica do centro como ‘solo no qual se produz certa condensação de atividades e certos desequilíbrios’21. Solà-Morales coloca uma sugestão MAGALHÃES, op. cit. Idem 18 Idem A respeito dos modelos de intervenção urbana posteriores ao Movimento Moderno, a primeira geração de Projetos Urbanos equivale ao primeiro período de crítica ao Modernismo, durante a preparação para o 10° C.I.A.M. realizada pelo grupo Team X. A segunda geração, que também pode ser definida como fase contextualista pela preocupação de valorização do “lugar”, diferenciava-se da primeira, de ideais mais “abstratos” e “universais”, pela realização de intervenções pontuais e fragmentárias na cidade. 19 As Subprefeituras foram instrumentos de descentralização política criados na primeira gestão do Prefeito César Maia (1993-1996). 20 MAGALHÃES, op. cit. 21 SOLÁ-MORALES, Manuel. “Ações estratégicas de reforço do centro”. In: O Centro da Metrópole: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Viva o Centro: Imprensa Oficial do Estado, 2001; p. 111. 16 17

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inicial para as intervenções nos centros: a possibilidade da ruptura de seus limites. Segundo ele, o aumento da superfície de intercâmbio com o exterior é a garantia da continuidade da vida do centro, pois um centro fechado, com limites rígidos, não sobrevive. Sendo assim, eles devem ter limites imprecisos, sendo o mais permeáveis possível ao entorno, criando o efeito de osmose entre centro e zona periférica. Seria a “lei do intercâmbio”, ou seja, de troca de energia com o exterior. O centro é, por definição, ao meu juízo, uma situação de desequilíbrio. Se esse desequilíbrio não se mantém com um intercâmbio constante de energia com o exterior, para falar em termos de bioquímica, o centro se estrangula, morre.22 Portas23 participa de opinião semelhante quando coloca que há que se afastar a síndrome do centro bem delimitado e como hierarquia de estruturas homólogas. Para ele, a centralidade supõe alguma geometria variável e denota um conjunto de eventos diversificados e complementares. No caso do Rio de Janeiro, os limites do centro são hoje difíceis de identificar com precisão. Há os que o consideram como uma mancha que se espalha até São Cristóvão, outros, que se entende até a Penha. Já o recorte utilizado por Magalhães24 considera o centro da cidade definido pela legislação – a AP1, e estaria dividido em dez setores, dos mais periféricos aos mais “centrais”25. Vale destacar que grande parte do seu perímetro está em contato com a baía e outra grande parte em contato com o Morro de Santa Tereza, tendo a área plana o desenvolvimento na sua direção oeste. A Esplanada de Santo Antônio localiza-se no ‘miolo’ do centro do Rio, ligado à ACN26 e às zonas mais periféricas, sendo facilmente identificável morfologicamente, porém com limites ainda não formatados por estar até hoje muito desocupada. (fig. 05) Centro como nó Segundo Ascher27, de 20 anos para cá, as operações de requalificação esforçam-se para combinar o reforço das funções econômicas estratégicas e dos serviços qualificados com as funções como comércio e lazer, e a volta da população mais favorecida para essas áreas, processo denominado de gentrification, ou “elitização”. O posicionamento dessas funções no centro responde à maior acessibilidade que ele ainda representa para a cidade, aliado à quantidade de infra-estrutura implantada que oferece. O que é um centro? O centro é por definição aquilo que está no meio. É neste meio geográfico da cidade que se agrupavam antigamente as atividades que precisavam de maior acessibilidade. Com o aprofundamento da divisão do trabalho, o número das atividades que precisavam dessa maior acessibilidade aumentou, o que acarretou ao mesmo tempo o adensamento e a multifuncionalidade dos centros. (...) Com isso, foram atraídas as novas infra-estruturas de transporte, realimentando o adensamento e a centralização.28 Idem; p. 111 PORTAS, Nuno. “As políticas de reforço das centralidades”, In: O Centro da Metrópole: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Viva o Centro: Imprensa Oficial do Estado, 2001. 24 MAGALHÃES, op. cit. 25 Dentro da AP1, os setores por ele definidos são: (1) Praça XV; (2) Lapa; (3) Saara / Praça Tiradentes; (4) Marechal Floriano / Praça Mauá; (5) Rua de Santana; (6) Cruz Vermelha; (7) Cinelândia / Castelo; (8) Aeroporto; (9) Esplanada de Santo Antônio; (10) Quadrilátero Financeiro. 26 Área Central de Negócios 27 ASCHER, François. “Metropolização e transformação dos centros das cidades”, In: O Centro da Metrópole: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Viva o Centro: Imprensa Oficial do Estado, 2001; p. 59-67. 28 Idem; p.63 22 23

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Seria a visão do centro como nó - de comunicações, de transportes, de telemática, de conexão, uma visão mais funcional do centro, como ponto de condensação ou convergência de relações diversas. Dentro dessa lógica, as cidades mais privilegiadas são as mais conectadas às redes internacionais de trocas e de comunicação. Maricato29, por sua vez, afirma que a questão da recuperação do centro histórico é política, por ele ser o local de maior acessibilidade para toda a população da cidade. E a mobilidade representa uma questão central de qualidade de vida. No Rio de Janeiro, o centro é a área da cidade melhor servida de infra-estruturas de transporte e serviços, embora sofra de problemas como trânsito dificultado e carência de estacionamentos, ou de desequilíbrios entre áreas densas e áreas vazias. O Projeto Teleporto30, implantado parcialmente na década de 90 e ainda em expansão, trouxe como novidade a injeção de nova infra-estrutura de telecomunicações para uma área de expansão do centro da cidade, ou zona periférica, o que representa novas ofertas de espaços empresariais que necessitem de tecnologia de ponta. (fig. 06, 07 e 08) A Barra da Tijuca hoje atrai muitos investimentos públicos e empresas privadas por conta da quantidade e qualidade dos espaços disponíveis, mas ainda é uma área de acesso dificultado devido à insuficiente rede de transportes públicos, tendo como meio de transporte predominante o automóvel particular. Centro como história Bernard Huet31 defende que, simbolicamente, os centros ainda são a referência máxima para o cidadão, morador ou estrangeiro. Eles dão o caráter às cidades, as qualificam espacialmente. Segundo ele, a apreciação de uma cidade por alguém de fora se dá da na seguinte ordem: (1) reconhecimento do centro, através de sua continuidade, densidade, diversidade de escolhas e acessibilidade; (2) reconhecimento dos espaços públicos, que são indissociáveis do centro; (3) reconhecimento da arquitetura existente, que compõe as frentes dos espaços públicos; finalmente, (4) reconhecimento dos monumentos. A cidade é continuidade, é permanência. Continuidade no tempo, o tempo da cidade não tem nada a ver com o tempo da arquitetura.(...) O tempo da cidade a coloca no espaço, não há possibilidade de centro ou de espaço público sem continuidade física.32 A idéia do centro como patrimônio é uma discussão iniciada há 30 anos na Europa, como coloca Solà-Morales33, e que determinou uma série de experiências importantes desde então. Segundo ele, “o patrimônio é uma idéia de centro que tem a ver com a apreciação da história, o valor da memória e a qualidade estética-arquitetônica dos edifícios”34. E estaria também ligada à idéia do patrimônio de moradia, como será descrito a seguir. Vivemos em cidades que foram construídas sobre elas mesmas (Europa de modo geral, no caso de Huet, e Rio de Janeiro), gerando assim acúmulos de história dentro delas. São cidades mestiças, onde dessa mistura surge a sua identidade. E essa mistura representa um grande desafio para as novas intervenções. MARICATO, Ermínia. In: O Centro da Metrópole: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Viva o Centro: Imprensa Oficial do Estado, 2001; p. 93-97. 30 Projeto cujo Plano de Urbanização foi elaborado pela Prefeitura do Rio de Janeiro – IPLANRIO, estabelecendo parâmetros para a futura ocupação da área da Cidade Nova. 31 HUET, Bernard. “Organização e requalificação dos espaços públicos em Paris”. In: O Centro da Metrópole: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Viva o Centro: Imprensa Oficial do Estado, 2001; p. 153-165. 32 Idem; p. 158 33 SOLÁ-MORALES, op. cit. 34 Idem; p. 110 29

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No que concerne à preservação do patrimônio, os primeiros passos para a requalificação do centro do Rio de Janeiro surgiram com o Corredor Cultural35, em fins da década de 70, no Governo Israel Klabin (1979-1980). A ação compreendia a revitalização do patrimônio de antigos sobrados situados em diversas ruas do centro do Rio, e baseava-se na manutenção da multifuncionalidade desses setores, com a valorização da articulação dos programas boêmia / cultura / comércio / turismo, visando a preservação do patrimônio. Essa ação foi revolucionária por marcar uma mudança de percepção sobre as áreas de urbanização mais antiga da cidade. O Corredor Cultural consistiu em um programa de requalificação de caráter legislativo, que se utilizava não de intervenções físicas mas de instrumentos legais para sua implantação, e foi consolidado através da lei n° 506 de 17/01/84. Esse programa inclusive posteriormente originou a criação de várias outras áreas de preservação no centro durante os anos 80, como Rua da Carioca, Saúde, Santo Cristo e Gamboa, Cruz Vermelha, entre outras. Alguns projetos de reurbanização no centro foram executados no início dos anos 90, principalmente em áreas protegidas pelo patrimônio, como o Largo da Lapa e a Rua Uruguaiana36, esta última transformada em boulevard de pedestres e rua de serviço, obras realizadas já no Governo Marcelo Alencar (1989-1992). Estas intervenções são consideradas de preservação do patrimônio ou de viés contextualista. Os projetos mais recentes de valorização do patrimônio são os Projetos Praça 37 Tiradentes e Morro da Conceição38, de 2002. (fig. 09) Centro como novidade Paradoxalmente, o centro, ao mesmo tempo em que representa o mais antigo, sempre carregou consigo a imagem do novo, da novidade urbana. A cidade de São Paulo, por exemplo, teve um crescimento caracterizado pela substituição de centralidades39, onde cada novo centro significava uma idéia inovadora ou um progresso. A Av. Paulista e a nova centralidade Faria Lima-Berrini comportaram-se dessa forma quando foram criadas. No que se refere ao centro do Rio, este formou-se através de um processo de substituição de centralidades, ocorrido desde o século XVII com a ocupação da planície entre morros. Segundo Sisson, caracteriza-se pela seqüência de três centralidades40, associadas às questões de poder político ou econômico. Porém, foi um processo que embora inaugurasse uma nova vitrine de cidade, não representava uma decadência para as centralidades anteriores, mas sim uma transformação. O centro manteve-se geograficamente no mesmo local, formado por uma rede cada vez mais extensa de múltiplas pequenas centralidades articuladas. (fig. 10) Essas novas vitrines de cidade movimentavam a sociedade e a economia, ilustradas por novas arquiteturas e estilos, do neoclássico aos modernos edifícios altos, passando pelo ecletismo e art nouveau, e atraindo novos usuários que desejavam estar no centro, sinônimo de prestígio. Podemos associar as reformulações urbanas ocorridas no centro do Rio - como a reforma Passos, o quarteirão Serrador com seus arranha-céus de uso misto e o desmonte do Morro do Castelo - à essa visão do novo, da valorização da terra e das novas lógicas do mercado imobiliário.

MAGALHÃES, op. cit. Idem 37 Projeto do escritório Studio XV Arquitetura 38 Projeto do escritório Flavio Ferreira Arquitetura e Urbanismo – Arquitetos Flavio Ferreira, Adriana Sansão, Celso Rayol e Cláudia Miranda. 39 FRÚGOLI JR., Heitor. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo: Cortez: EDUSP, 2000. 40 SISSON, Raquel. “Os Três Centros do Rio”. Revista Municipal de Engenharia. Rio de Janeiro: Out/Dez/1983; p. 55-71. 35 36

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Centro como moradia Essa é uma recuperação histórica do papel do centro até o fim do século XIX, quando concentrava todas as atividades da cidade reunidas em torno do binômio moradia / trabalho. A visão do centro como patrimônio de moradia deseja resgatar o estoque de habitação existente que valha a pena ser preservado como tal, ou mesmo potencializado através da atração de novos moradores. Segundo Vaz41 O mais importante elemento do ambiente construído é, sem dúvida, a habitação. Ocupando parcela substancial do solo urbano, a habitação constitui um elemento básico da reprodução da força de trabalho e um elemento privilegiado de investimento do capital na cidade. Entretanto, a história do urbanismo do Rio é marcada pelo contínuo afastamento da população residente das áreas centrais. A ocupação da área central por camadas mais pobres ocorreu paralelamente ao movimento das elites para áreas mais nobres da cidade, ainda no século XIX, com a expansão do tecido urbano para as zonas Norte e Sul. O início da expulsão dessas camadas ocorreu com a reforma Passos, no início do século XX42. Posteriormente, o desmonte do Morro do Castelo eliminou a tradicional área residencial originária da cidade, situação agravada pela abertura da Av. Presidente Vargas, grande operação de demolição do patrimônio residencial no centro43. Processos evolutivos seguintes, menos intensos, mantiveram o mesmo caráter de redução da função residencial. Nos dias de hoje, o miolo do centro é marcado pela modernização e verticalização, com a manutenção do passado habitacional nas zonas periféricas, decadentes e heterogêneas, que mesclam setores deteriorados, renovados, preservados e arrasados44, o que revela uma contradição: muita gente que precisa morar versus imóveis residenciais abandonados na zona periférica do centro. Sobre o patrimônio construído, Maricato45 vai em defesa do processo de requalificação do centro de São Paulo quando afirma que é mais barato recuperá-lo do que criar novas centralidades. E esta observação se refere também ao patrimônio de moradia. Depois de quase vinte anos de proibição do uso residencial, a Lei do Centro, de 1994, volta a permitir a habitação na ACN. Essa lei representou a segunda grande alteração da legislação urbanística do centro, após a Lei do Corredor Cultural, e uma medida fundamental, embora pouco aplicada, para acompanhar os processos de requalificação do centro. A partir dessa década, alguns projetos habitacionais já foram implantados no centro, principalmente aproveitando-se do patrimônio construído ou preenchendo áreas vazias ou degradadas. Alguns projetos nesse sentido são o Projeto Sás, o Projeto Habitacional da Saúde e a Reabilitação de Cortiços46. (fig. 11)

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VAZ, Lilian Fessler. Modernidade e moradia – habitação coletiva no Rio de Janeiro séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002; p. 17. ABREU, Maurício de Almeida. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLAN-RIO/Zahar, 1988. Idem VAZ, Lilian Fessler. “Barrios Céntricos de Inquilinato en Rio de Janeiro. El barrio de Lapa”. In: HARMS, Hans; LUDEÑA, Wiley; PFEIFFER, Peter (Editores): Vivir en el “Centro”. Viviendas e inquilinato en metrópolis latinoamericanas. Hamburgo: Technische Universität Hamburg-Harburg, 1996. MARICATO, op. cit. Este último iniciativa do Programa Novas Alternativas, da Secretaria Municipal de Habitação.

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Centro como espaço público A importância do espaço público não está, certamente, em ser mais ou menos extenso, quantitativamente dominante ou protagonista, simbólico, senão referir entre si os espaços privados fazendo também deles patrimônio coletivo.47 A idéia de centro e de espaço público estão diretamente ligadas. Segundo Huet48, espaços públicos são a “carne” da cidade. São eles que garantem a continuidade, já que todas as operações são descontínuas. Não há possibilidade de centros sem continuidade espacial, e essa continuidade é garantida pela qualidade de seus espaços públicos. Para ele, os espaços públicos têm sido definidos como o oposto dos espaços privados, o que lhes confere um caráter de espaço residual. É necessária uma inversão na forma de se conceber esses espaços, para que eles passem a comandar os espaços privados e a ordenar os objetos arquitetônicos. “Os espaços públicos reúnem e associam o que é separado”.49 Borja50 compartilha de posição semelhante quando afirma que: As infra-estruturas e os sistemas de transporte não garantem a mobilidade, mesmo sendo indispensáveis. A criação de um conglomerado de atividades do terciário qualificado não produz automaticamente centralidade. Somente a existência de espaços e equipamentos públicos, acessíveis, seguros, polivalentes, dotados de qualidade estética e de carga simbólica, quer dizer, culturalmente significativos, cria centralidade.51 metropolitana.

Para ele os espaços públicos são o objetivo chave da construção da cidade

No Rio de Janeiro, o Projeto Rio Cidade representou o reconhecimento da importância da requalificação desses espaços. No centro foi representado pelo Rio Cidade Avenida Rio Branco52, ocorrido na primeira gestão do Prefeito César Maia, projeto para recuperação da avenida mais importante da história da cidade e sua revalorização como espaço público de qualidade. O Projeto Rio Cidade teve continuidade na administração posterior do Prefeito Luís Paulo Conde, contemplando inclusive a Avenida Presidente Vargas, projeto até hoje ainda não executado. O projeto da Frente Marítima também representa um importante passo para a requalificação dos espaços públicos, devolvendo à cidade o contato com a baía e contribuindo para a integração dessa área à rede efetiva de espaços públicos do centro. (fig. 12) Somam-se a esses projetos maiores outras tantas pequenas ações físicas pulverizadas na área central, as chamadas acupunturas urbanas, que formam um conjunto de intervenções. São elas a recuperação de praças, ruas de serviço substituindo calçadões (objetivando o fim dos estacionamentos e redução do tráfego de veículos), ampliação das áreas de calçadas, implantação de canteiros centrais, deslocamento de terminais de ônibus, valorização dos monumentos, instalação de esculturas e quiosques nos espaços públicos, instalação de frades, relocação e redimensionamento de bancas de jornal e relocação 47

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SOLÁ-MORALES, Manuel. “Espaços públicos e espaços coletivos”. In: O Centro da Metrópole: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Viva o Centro: Imprensa Oficial do Estado, 2001; p. 103. HUET, op. cit. Idem; p. 158 BORJA, Jordi. “Urbanização e centralidade”. In: O Centro da Metrópole: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Viva o Centro: Imprensa Oficial do Estado, 2001. Idem; p. 71 Projeto do escritório Taulois e Taulois arquitetos associados, 1994.

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de telefones públicos. Essas pequenas ações tem o sentido da contaminação positiva, ou seja, o tratamento de um ponto da cidade que pode contribuir para o melhor funcionamento de uma área de influência muito maior. Em paralelo a essas ações, juntam-se as já ditas intervenções de “controle urbano”, como ordenação dos ambulantes e estacionamentos e retirada da população de rua, ações que estão também relacionadas à qualidade dos espaços públicos. Centro como espaço da cultura e lazer A visão do centro como o espaço da cultura e lazer está associada à idéia do patrimônio histórico. O centro representa o mais antigo da cidade, assim, carrega forte papel ‘educativo’, sendo normalmente local de concentração de museus, teatros, bibliotecas e casas de espetáculos ocupando edifícios antigos, facilitado pela acessibilidade que o local oferece para toda a cidade. A rede de edifícios antigos igualmente estimula o circuito turístico através da área central. Este fato pode ser observado nos centros das cidades européias antigas, por exemplo. Sobre esse tema, é válida a exposição da tese de Solà-Morales53 sobre os espaços coletivos: eles são a riqueza civil, arquitetônica, urbanística e morfológica de uma cidade, os espaços públicos e privados ao mesmo tempo, ou seja, os locais onde se desenvolve a vida coletiva. Dentro desse particular, os espaços de lazer e cultura, em oposição a atividades como residências e escritórios, seriam locais voltados para a disseminação da coletivização dos espaços privados. Esses espaços estariam também ligados à idéia das grandes atuações estratégicas. 54 Segundo Borja , estas permitem dar um salto qualitativo quanto à acessibilidade e mobilidade do espaço urbano e à geração e reconversão de centralidades. Assim, os equipamentos culturais e turísticos podem hoje ser considerados infra-estruturas econômicas, contribuindo para a competitividade da cidade no meio econômico mundial. A valorização da cultura e lazer na área central do Rio de Janeiro nas últimas décadas foi fato marcante, utilizando-se dos espaços como museus, centros culturais e livrarias como âncoras para atração de público em horários não comerciais. Em paralelo, a vida noturna e boêmia está da mesma forma disseminada em vários segmentos do centro, ocupando muitas vezes edifícios antigos e de forma intensa os espaços públicos. Dentre os espaços voltados para a cultura e lazer no centro do Rio implantados nas últimas décadas podemos destacar o Centro Cultural Banco do Brasil, o Espaço Cultural dos Correios, a Casa França-Brasil, o Paço Imperial, o Centro Cultural da Justiça Federal, o Centro de Artes Hélio Oiticica, o Novo Cinema Odeon, o Centro Cultural Carioca, o novo Circo Voador (ainda em construção) entre outros. (fig. 13) Alguns projetos ainda não implantados são o Terreirão do Samba e o Píer Mauá, com o projeto para o Museu Guggenhein. 1.1.3 - SISTEMATIZAÇÃO O contexto da dissertação – o centro da cidade do Rio de Janeiro em sua totalidade – é uma realidade extremamente diversificada, desde o ponto de vista da arquitetura, da densidade de ocupação do solo, das atividades, até da qualidade dos espaços públicos. Para concluir esta etapa, foi formulada uma sistematização do conjunto de idéias que caracterizam o contexto da área central carioca retiradas das sete visões destacadas, que darão origem ao programa da nova proposta a ser apresentado no capítulo 3. 53 54

SOLÀ-MORALES, op. cit. BORJA, op. cit.

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1- Território O centro do Rio apresenta uma grande diversidade de contextos e densidades de ocupação do solo, em virtude do seu processo de evolução histórica e da dinâmica da valorização das áreas da cidade. Observamos muitas áreas vazias ou indefinidas em alguns trechos do centro, como a Av. Presidente Vargas e a própria Esplanada de Santo Antônio. Em contrapartida, outras extremamente densas, como a região do Quadrilátero Financeiro (quadras localizadas entre a Av. Presidente Vargas e a Rua da Carioca, ao redor da Av. Rio Branco) e a Cinelândia. Sua posição geográfica o coloca em contato com o ‘exterior’ de variadas formas, como no contato com a Baía de Guanabara (em vários trechos), com os morros, e com as zonas sul e norte, estendendo-se pela parte plana. A Esplanada, por estar no ‘miolo’ dessas distintas realidades, tem o potencial de se tornar uma importante ‘costura’ para a área central, solucionando os limites ainda não concluídos. 2- Nó É um bairro que detém grande vitalidade durante o horário comercial, e em alguns pontos específicos, como Cinelândia, Lapa e Praça Tiradentes, durante a noite, em função das atividades desempenhadas. Conserva alta acessibilidade, através da maior infra-estrutura de transporte da cidade, e funciona como conector de vários bairros através de alguns eixos, como o elevado do Túnel Santa Bárbara, a Av. Rio Branco e a Av. República do Paraguai no sentido N-S, e a Av. Presidente Vargas e Mem de Sá no sentido L-O. A Esplanada localiza-se muito próxima, mais precisamente no centro, das quatro áreas de maior vitalidade (Praça Tiradentes, Largo da Carioca, Cinelândia e Lapa), podendo no futuro fazer parte desse nó animado. 3- História Destaca-se na paisagem construída a forte presença do antigo e do novo coexistindo. E o antigo na realidade é composto por gradientes de antigo, ou seja, antigos de várias épocas. Pode ser considerado um centro de caráter mestiço, resultante de sucessivas intervenções e transformações em um mesmo espaço construído. Carrega o patrimônio mais antigo e as mais importantes intervenções urbanas da cidade, e daí vem a sua forte identidade cultural. Apresenta construções com potencial inclusive para serem utilizadas com novas funções, caso seja do interesse do processo de requalificação a transformação de uso de algum equipamento. A Esplanada reúne provavelmente o maior intervalo histórico do centro do Rio, do período colonial à década de 90, e ainda não está terminada. 4- Novidade Desde o início do século XX até a década de 50, o centro carregou a imagem de status e prestígio com o impacto provocado pela abertura da Av. Central, acarretando uma excepcional valorização da terra. Hoje, apresenta áreas muito densas provenientes dessa valorização e outras que não se desenvolveram com o mesmo sucesso, embora tenham potencial para a implantação de novos usos. A Esplanada, por ser uma área de ‘reserva’ ou expansão, possivelmente se tornará a nova vitrine do século XXI, considerando que o centro ainda tem o que crescer e oferecer de novo.

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5- Moradia Caracterizada no passado como área residencial, a área central concentra um imenso estoque de imóveis residenciais vazios ou decadentes nas áreas periféricas degradadas, ocupadas hoje pela população de baixa renda. Paralelo às áreas degradadas com potencial de revitalização, as já mencionadas grandes áreas vazias se prestam para a implantação de novas edificações e para a ocupação de diversas camadas da população carioca, em função da possível oferta diferenciada de imóveis. A Esplanada é uma área que oferece essa nova possibilidade, o que seria fundamental para a sua vitalidade fora do horário comercial. 6- Espaço Público A área central possui espaços públicos de várias naturezas e tamanhos, desde os exemplos de parques públicos como o Campo de Santana e o Passeio Público até pequenas praças de vizinhança e ruas de pedestres. O sistema de espaços públicos é marcado pela continuidade, salvo em alguns momentos específicos de permeabilidade interrompida pela existência de vazios urbanos que ‘repelem’ o trânsito de pedestres. Um desses casos é a Esplanada de Santo Antônio. A quase totalidade do centro estabelece conexões francas entre suas partes. Em alguns trechos a densidade é tão alta que os espaços públicos tornam-se exíguos para a quantidade de transeuntes concentrados. Nesses momentos percebe-se a importância da requalificação da rede de conexões de pedestres para a manutenção da vitalidade do centro. O processo de requalificação revelou, além dos grandes projetos urbanos como o Rio Cidade, o sucesso de uma série de pequenas ações, as acupunturas urbanas, para a sobrevida dos seus espaços. A Esplanada é um trecho do centro cortado por poucas vias de veículos. Os espaços vazios revelam a potencialidade de novas conexões privilegiando os espaços públicos para os pedestres. 7- Espaço da Cultura e lazer A potencialidade cultural é representada pela concentração de equipamentos focados neste uso na área central. E eles estão organizados em espécies de ‘bolsões culturais’ localizados na Praça XV, na Cinelândia, na Praça Tiradentes e na Lapa, para citar alguns exemplos. Observam-se também áreas para eventos ao ar livre, como a Praça Cardeal Câmara, na Lapa e o Aterro do Flamengo. A concentração de monumentos e edifícios antigos preservados ou tombados pelo patrimônio estimulam o circuito cultural, turístico e boêmio, e formam uma rede cultural. Os principais edifícios culturais funcionam como espécies de âncoras para atração de público, como é o caso por exemplo do Centro Cultural Banco do Brasil, que motivou o desenvolvimento de toda a área adjacente. Dada a sua aptidão para a atração de público, o equipamento cultural ou de lazer tornase um forte candidato para animar as áreas vazias e tristes da Esplanada de Santo Antônio.

O CENTRO DO RIO São Cristóvão

Abertura Av. Central

Centro Colonial

01

02 FIG. 01 – Transferência do centro colonial para São Cristóvão

Zona Norte

FIG. 02 – Reflorescimento da área central com a abertura da Av. Central FIG. 03 – Atração dos novos bairros da zona sul e norte

Zona Sul

FIG. 04 – Nova centralidade localizada na Barra da Tijuca

03

Barra da Tijuca

04

O CENTRO DO RIO

05

06

FIG. 05 – Centro do Rio e Esplanada de Santo Antônio

Saídas da cidade

Rodoviária

FIG. 06 – Principais vias do centro e conexões com o exterior

Esplanada Aeroporto e Marina Santa Tereza Praias zona sul

FIG. 07 – Limites do território do centro e principais referências urbanas FIG. 08 – Cenário da AP1 com a localização do Teleporto

07

Teleporto

08

O CENTRO DO RIO

2Centro Imperial

3Centro Republicano

09

1Centro Colonial

10 FIG. 09 – Projeto Morro da Conceição FIG. 10 – Três centros do Rio, segundo Sisson FIG. 11 – Projeto de reabilitação de cortiços , Rua Sacadura Cabral 55

FIG. 12 – Projeto Rio Cidade Avenida Rio Branco FIG. 13 – Equipamentos culturais do centro do Rio 11

13

12 55

Projeto de Fábrica Arquitetura / Cooperativa

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1.2

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CONCEITOS E CRITÉRIOS ATUAIS DE PROJETO URBANO

Esta segunda etapa do capítulo 1 é dedicada à revisão dos conceitos de Projeto Urbano e à exposição dos atuais critérios de intervenção na cidade contemporânea, de onde será possível identificar as teorias e expressões do pensamento da arquitetura e urbanismo atual. Esse levantamento pretende sistematizar um campo de autores cujas idéias comporão o arcabouço teórico para as intervenções na Esplanada de Santo Antônio. § Conceitos de Projeto Urbano: No primeiro momento, serão apresentadas as visões de alguns arquitetos e urbanistas, como Nuno Portas (1996), Yannis Tsiomis (1996), Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1988), Phillippe Panerai (1994), Vicente Del Rio (1993), e Manuel de Solà-Morales (2001) sobre os novos paradigmas de intervenção na cidade, a relação entre planos e projetos urbanos e o planejamento estratégico. O objetivo é mostrar de que forma o pensamento urbano modificou-se nas últimas décadas, privilegiando ações físicas em áreas estratégicas que visem à requalificação dos espaços, em detrimento do domínio e regulação total do território urbano através de planos urbanísticos. Ainda neste particular, observar como se dá a relação estado - sociedade e as parcerias público privado, que pressupõem lidar com interesses imobiliários. § Critérios de intervenção na cidade contemporânea: Em seguida, será introduzida a discussão sobre os critérios formal-espacial-estéticos em pauta que persigam uma maior correspondência com o momento histórico de virada de século. Que visões estão compreendidas entre a idéia da ‘repetição da cidade’ e da ‘poética do caos’? Quais as expressões desejadas nas novas intervenções na cidade? Serão confrontadas as idéias de Sônia Schulz (2003), Roberto Fernández (2000), Christian de Portzamparc (1997), Daniel Libeskind (1992), Rem Koolhaas (2002), Abalos & Herreros (1997), Richard Rogers (1998), e as visões contextualistas sobre a cidade. § Definição das categorias de análise: Após a exposição dos fundamentos teóricos, serão determinadas as categorias de análise e projeto que perpassarão todas as próximas etapas da dissertação. 1.2.1 - CONCEITOS DE PROJETO URBANO Segundo Nuno Portas, o projeto urbano, por um lado, a estratégia do desenvolvimento da cidade, por outro, estão “bombardeando” o sistema dos planos tal como o herdamos. 56 Essa constatação inicial é uma ilustração dos novos conceitos de intervenção nas cidades que refletem uma superação do antigo modelo adotado no decorrer do século XX, fruto do pensamento urbanístico do Movimento Moderno no período pós Segunda Guerra. O desgaste da idéia do planejamento urbano e a sua real ineficiência no controle da forma física da cidade alteraram o entendimento da sua abordagem física e normativa nas últimas décadas. O recorte histórico feito por um plano vai de encontro à mobilidade e dinâmica presentes na cidade contemporânea (De qual sociedade estamos falando? De qual cidade?). A certeza dessa dinâmica leva à reflexão e à adoção de processos mais ágeis e flexíveis de definição da forma urbana. E, voltando à citação de Portas (1996), esses processos seriam o Projeto Urbano e as Estratégias. Para abrir a discussão desta etapa do capítulo 1, vale transcrever a definição completa de Tsiomis a respeito do projeto urbano: 56

PORTAS, Nuno. “Urbanismo e sociedade: construindo o futuro”, In: MACHADO, Denise B. Pinheiro e VASCONCELLOS, Eduardo Mendes (organizadores). Cidade e Imaginação. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROURB, 1996; p. 30.

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é um urbanismo de correção, mas também de gênese do novo. Ele corrige o antigo e produz o novo. Por essa razão nós precisamos tanto da história quanto da imaginação; é um urbanismo de articulação. Ele articula o antigo e o novo, o social e o espacial; é um urbanismo localizado e um urbanismo de contexto. Cada lugar demanda um tratamento particular. Por isso é um urbanismo que recusa modelos formais; trata-se de um urbanismo temático, quer dizer, que desenvolve temas sociais e espaciais abstratos, mas temas que se transcrevem sempre no espaço; trata-se de um urbanismo de atores, de participação em termos de confrontação, de negociação e parceria. Quer dizer, trata-se de um urbanismo de ações coordenadas e também de expressão contraditória de estratégias divergentes, de um urbanismo de expressão das diferentes estratégias e dos diferentes atores, mas também de definição de uma estratégia global; projeto urbano é um urbanismo que considera a duração no tempo. Ele hierarquiza as ações no tempo – o urgente, o médio e o longo prazo. Para negociar é preciso tempo e o tempo é estratégia; enfim, trata-se evidentemente de um urbanismo de articulação dos agentes econômicos e financeiros, um urbanismo de coordenação das ações públicas e privadas.57 Nesse momento são introduzidos os termos que serão repetidamente utilizados nesse trabalho, classificados em função da leitura dos autores anteriormente descritos: tempo / agentes / normativas / desenho. E é do complexo cruzamento dessas variáveis que surge então o projeto urbano. 1-Tempo Segundo Tsiomis, nós recolocamos hoje a questão da modernidade recusando a possibilidade de dominação do caos urbano, assumindo a complexidade das formas sociais e espaciais e as suas imbricações, e trabalhando com a complexidade da leitura das diferentes lógicas que produzem, pensam e analisam a cidade. Portanto, é necessária a articulação do conhecimento das várias disciplinas para o domínio do destino aberto da cidade, ou seja, uma disponibilidade de intervenção sobre o imprevisto58, que é o próprio dia-a-dia. Dessa forma, vão-se construindo os conceitos de Projeto Urbano, que para Portas59 “É um projeto em que entra o fator tempo e que incorpora diferentes lógicas de fazer cidade”. Para ele, o projeto urbano não é como um projeto de arquitetura grande que trabalha com um programa totalmente definido, mas pressupõe uma dose de incertezas e definições que se darão ao longo do tempo, por outras pessoas, ou seja, trabalha com probabilidades. É um produto, fruto do desenho, mas também de normativas e de uma multiplicidade de agentes, ou seja, produto da conjugação de ambos tipos de intervenção, as físicas (projetos) e as não-físicas (políticas extensivas)60. Essas exigências, como o quem (agentes – arquitetos, clientes, população, 57

58 59

60

TSIOMIS, Yannis. “Projeto Urbano, Embelezamento e Reconquista da Cidade”, In: MACHADO, Denise B. Pinheiro e VASCONCELLOS, Eduardo Mendes (organizadores). Cidade e Imaginação. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROURB, 1996; p.27. Idem PORTAS, Nuno. “Do vazio ao cheio”, In: Caderno de Urbanismo, n°2. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Urbanismo – SMU, 2000; p. 10. PORTAS, Nuno. “As políticas de reforço das centralidades”, In: O Centro da Metrópole: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Viva o Centro: Imprensa Oficial do Estado, 2001.

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investidores), o quando (tempo) e o para quem (oportunidades) vão conduzir o projeto urbano a um maior pragmatismo. 2-Agentes Articulação do conhecimento e multiplicidade de agentes. Hoje nos vemos distantes da realidade de meados do século XX, durante o planejamento do Movimento Moderno, quando os urbanistas trabalhavam sobre os planos, prospectando intervenções de longo prazo através de iniciativas exclusivamente estatais. Estamos acostumados, na prática profissional, a trabalhar com projetos urbanos complexos envolvendo interfaces com outros profissionais, dentro de um ambiente de multidisciplinaridade, e que se inscrevem dentro de estratégias políticas das mais diversas que envolvem muitas vezes papéis da iniciativa privada. Segundo Portas, hoje, a iniciativa pública não é mais soberana. Ela busca parcerias, seja na habitação, seja em equipamentos ou infra-estrutura. Essas estratégias determinadas nesse sistema de parcerias muitas vezes entram em choque com os antigos planos61. Carlos Nelson Ferreira dos Santos já havia ilustrado alguns anos antes a relação da produção das formas urbanas quando comparou o projeto urbano a um jogo de cartas62, onde as táticas correspondem às estratégias, a mesa corresponde à cidade, os jogadores aos agentes do desenvolvimento urbano (governo, empresas, população), e as cartas aos elementos manipulados, como os espaços públicos e privados. Os agentes do desenvolvimento urbano envolvem o pensamento e a ação, representados pelos arquitetos, urbanistas e demais profissionais envolvidos na concepção das idéias, assim como os responsáveis pela sua implementação, como o governo e as empresas privadas. Portanto, a requalificação dos espaços centrais, ou o reforço das centralidades - dentro de uma lógica de projetos urbanos, além da articulação projetos/políticas, conforme já mencionado - são alcançados através do uso de recursos públicos e privados simultaneamente. A nova modalidade de intervenção pressupõe que público e privado são complementares e edificados ao mesmo tempo supondo uma sinergia entre ambos, onde ocorre uma mútua valorização. 3-Normativas Ainda faz parte do jogo urbano a definição das regras, ou normas. E a experiência dos planos nos ensina que sua carga de definição deve ser revista. Segundo Portas, é necessário definir a forma das intervenções na cidade, ou seja, relacionar o “ordenamento de referência” com o “projeto de ação”63. Porém, o “plano”, ou seja, essa definição de regras, nos dias de hoje, caracteriza-se pela negativa: os planos se resumem a dizer o que se pode ou não fazer, não mais o que se tem que fazer. A determinação das regras do jogo baseadas nas particularidades locais, ao invés de parâmetros rígidos, permitem o gerenciamento negocial64. Portas defende a inclusão da negociação e da adaptabilidade como processos integrantes do planejamento. Dessa forma, através da articulação desses processos, o projeto urbano pode concretizar-se de fato, principalmente em um contexto difícil, como um vazio em área central que sofra com uma legislação desfavorável. Esse sistema também possibilita que se aproveitem as oportunidades que podem vir a surgir de um determinado acontecimento ou contexto político, e que possam trazer benefícios a esta ou aquela área da cidade. Panerai65, por sua vez, defende que as decisões devem levar em conta os caracteres diferenciados dos espaços públicos. Na sua visão, espaços públicos têm que ser pensados juntamente com as construções que os limitam. O projeto urbano é que deve ser o responsável pela fixação das regras mínimas que ligam a construção ao espaço público, ou seja, deve definir os domínios público-privado, como alinhamentos e gabaritos. A legislação restritiva deve ser aplicada somente em locais estratégicos, e não de 61 62 63 64 65

PORTAS, 1996; op. cit. SANTOS, Carlos Nelson Ferreira. A cidade como um jogo de cartas. Niterói: EDUFF, 1988. PORTAS, 1996; op. cit. PORTAS, 2000; op. cit. PANERAI, Phillippe. “O retorno à cidade”. In: Revista Projeto, p. 78-83. Rio de Janeiro, Abril/1994.

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forma generalizada para toda a cidade, e, assim, as decisões específicas ficam a cargo dos projetos urbanos, respeitando-se as particularidades e avaliando-se cada lugar, caso a caso. Assim, as regras arquitetônicas aplicadas aos edifícios vão estar diretamente ligadas aos espaços públicos que junto com eles compõem a cidade. 4-Desenho Por fim, o projeto urbano tem como característica fundamental voltar-se para as intervenções físicas na cidade. Aí entra o componente desenho urbano. O desenho dos espaços, sua requalificação física como componente capital da requalificação urbana, tema em pauta nas últimas décadas mundo afora, e, no Rio de Janeiro, com grande intensidade na década de 90. Vicente Del Rio classifica a revitalização urbana66 como o quarto paradigma de intervenção na cidade, desde o século XIX até os dias de hoje67. Ela busca uma revalorização do patrimônio instalado na cidade, contudo sem congelá-lo como monumento, ao contrário, reutilizando-o para a promoção de transformações físico-espaciais, culturais, sociais e econômicas nos centros históricos. Ele coloca que, para que esses programas ganhem impulso inicial, é necessária a existência de um “catalisador”, que pode não garantir sozinho o sucesso da revitalização, mas é fundamental como ponto de partida da operação. Salienta entretanto que alguns cuidados devem ser tomados, como por exemplo a inserção de um elemento catalisador que mate o potencial dos espaços exteriores e se volte para o interior, como os shopping-centers, ou a exacerbação de certos aspectos que causem o abandono da população local, como a total substituição dos usos originais pelos usos comerciais, ou ainda a repetição ao extremo de algum aspecto, levando os espaços à homogeneização e ao simulacro, caso da Disneylândia. Entretanto, dentro desse particular, destaca-se o valor da pequena escala ou dos pequenos projetos – a constatação da necessidade das pequenas ações disseminadas para se intervir nas cidades (além do grande evento) como declara textualmente Solà Morales68. Outra visão semelhante é a de Campos Venuti69, que classifica a revitalização como a terceira geração de projetos urbanos70. Seria o urbanismo mais voltado para a inserção das cidades dentro de um contexto de globalização, e que envolve atenção especial aos vazios urbanos e áreas degradadas, principalmente nos centros, trabalhando com intervenções pontuais ou acupunturas urbanas71. Esse urbanismo visa tornar a cidade atraente ao capital estrangeiro através da requalificação dos espaços urbanos e valorização do solo, proporcionando a melhoria da qualidade de vida urbana. Esses empreendimentos, dentro da lógica da revitalização urbana, procuram misturar atividades como comércio, empresas, cultura, lazer e moradia, e eventualmente envolvem a reciclagem de antigas estruturas, adaptando-as a novos usos. ‘Revitalização’ ou ‘Reanimação’, segundo a fonte: MERLIN, Pierre e CHOAY, Françoise. Dictionnaire de l’urbanisme et de l’aménagement. Paris: Presses Universitaires de France, 1988, significa ação de restituir uma alma, de retornar a vida a monumentos com mudança de uso ou a conjuntos urbanos ou rurais em vias de desaparecimento. 67 DEL RIO, “Revitalização de centros urbanos: o novo paradigma de desenvolvimento e seu modelo urbanístico”. In: Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU/USP, n° 4. São Paulo: FAU/USP, dezembro, 1993. Segundo ele, o primeiro seria o modelo de embelezamento e saneamento, praticado no século XIX, o segundo o modelo da cidade modernista, século XX, e o terceiro o modelo da preservação histórica e do conservadorismo, praticado nos anos 60 e 70. 68 SOLÁ-MORALES, Manuel. “Ações estratégicas de reforço do centro”. In: O Centro da Metrópole: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Viva o Centro: Imprensa Oficial do Estado, 2001. 69 “La terza gerazione dell’urbanistica”. Milão. Franco Angeli, 1987/1994. In: Otilia Arantes; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000; p. 18. 70 º Onde a primeira seria o urbanismo que envolvia a visão do grupo Team X, na preparação para o 10 C.I.A.M., e a segunda o contextualismo. 71 ARANTES, Otília. Urbanismo em fim de linha. São Paulo: EDUSP, 1998. 66

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A questão da mistura ou não de funções e a sua determinação no projeto urbano é assunto de grande importância, que cabe aqui tratar. Programa A mistura de funções envolve o tema da vitalidade durante todos os períodos do dia. A monofuncionalidade leva à inutilização ou à subutilização dos espaços públicos fora dos horários de atividade da função definida, ocasionando a sua insegurança. A discussão da multifuncionalidade nos atuais projetos é quase uma unanimidade, porém é importante a determinação do quê misturar, ou, quais os programas que vão funcionar como os tais catalisadores (ou âncoras ou ímãs, como se referem alguns autores) e as que estarão a eles associadas. Segundo Portas72, as atividades do setor terciário empresarial e de consumo são hoje os setores hegemônicos e em crescimento na cidade. Entretanto, o centro atualmente é o espaço de consumo e sociabilidade, não estando mais concentrando de forma veemente as instalações produtivas e os serviços variados, em virtude da dificuldade de lá encontrar espaços acessíveis pelo rigor das medidas de proteção ambiental e do patrimônio. Essas funções então acabaram descentralizando-se nos últimos anos. Então, questiona sobre o que se fazer com este uso. Na opinião de Vázquez73, a relevância de espaços para o ócio, comércio e cultura aumentou na sociedade contemporânea, tornando-as hoje ‘catalisadores’ de muitos projetos, enquanto os escritórios e moradias estão em transformação, demandando espaços mais flexíveis para adaptarem-se a um ou outro uso, ou ambos simultaneamente, retomando o conceito da multifuncionalidade em um mesmo edifício. Estratégia E a estratégia urbana, termo tão comum no vocabulário urbanístico atual? Segundo Portas, estratégia é escolha do modo de se chegar aos fins dentro de um ambiente de incertezas74. Isso perpassa a determinação da ordem dos fatores, que, no caso do projeto urbano, pode alterar o produto, e que dependerá de interesses diversos. E a esses fatores está ligada a presença do “catalisador” a que se referia Del Rio, que pode dar origem a uma série de projetos interligados e articulados a essa estratégia global, o chamado efeito de contaminação positiva. Em resumo, a estratégia definirá as áreas de projeto, e está ligada às oportunidades, porque nem tudo no território do plano tem o mesmo grau de oportunidade, nem tudo tem o mesmo grau de probabilidade de alteração do status quo, ou seja, nem tudo tem o mesmo grau de incerteza.75 CONCLUSÕES Para concluir este tema, apresenta-se uma sistematização do que aqui se colocou sobre Projeto Urbano, que, baseado nas particularidades da área de estudo (centro + esplanada) irá direcionar a elaboração das propostas no capítulo 3. O projeto urbano desenvolve-se no tempo, de acordo com estratégias e oportunidades indicadas pelo mercado ou por políticas de desenvolvimento urbano. Envolve prioridades – o urgente, o médio e pouco urgente - e é flexível a ponto de adaptar-se às mutações diárias da cidade. Ele envolve multidisciplinaridade, e viabiliza-se muitas vezes através de parcerias público – privado. Pode desenvolver-se em etapas, onde cada uma está associada a um agente. PORTAS, 2001; op. cit. VÁZQUEZ, Carlos García. Berlín – Potsdamer Platz. Metrópoli y arquitectura en transición. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 2000. 74 PORTAS, 1996; op. cit. 75 Idem; p. 35 72 73

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As regras devem compreender parâmetros pouco rígidos e relacionar-se às oportunidades. Devem ser particulares, não genéricas, e estar ligadas ao caráter que se quer transmitir ao espaço público. O fator fundamental do desenho dos espaços públicos é lidar com o patrimônio construído e estar relacionado com o contexto. Pode envolver a grande ou a pequena escala, volta-se para a requalificação urbana e está associado à melhoria da qualidade de vida. Para isso, deve introduzir novos elementos nesse contexto a recuperar. Está baseado na multifuncionalidade dos espaços urbanos e pode dispor de elementos âncora como ponto de partida da operação de requalificação. Os conceitos acima resumidos são indicativos de como se tem trabalhado a requalificação das áreas centrais no Brasil e no mundo. Entretanto, cada local no qual pretende-se intervir enseja uma determinada atitude projetual, que estará ligada a disponibilidade de recursos, à questões políticas e estratégicas e principalmente ao contexto de intervenção. Para a Esplanada de Santo Antônio, as determinações que podem ser resgatadas preliminarmente são: Tempo – As ações podem estar divididas em etapas, tendo como primeira prioridade a implantação das âncoras e de um bom sistema de transportes local e regional. Aos poucos serão implantadas as demais atividades menos urgentes conseqüentes das primeiras, de acordo com a demanda gerada no momento inicial. Agentes – O primeiro momento envolve o estudo inicial (apresentado no capítulo 3) com interfaces com profissionais de transportes e do patrimônio. Posteriormente, envolvem-se o poder público e as demais disciplinas, além da realização de consultas à comunidade. É fundamental a verificação das oportunidades do mercado e dos interesses privados em trocas e parcerias. A elaboração do plano geral final se dará após a aglutinação dos interessados, e, posteriormente, serão elaborados os projetos arquitetônicos e de espaços públicos específicos. Normas – O plano de massas inicial define os espaços públicos e as massas construídas – alinhamentos, altura e fluxos. Os usos não serão restringidos nem determinados lote a lote, com exceção das âncoras, que estarão mais voltadas a determinadas funções, recebendo estímulos para a sua implantação nesses locais estratégicos. Desenho – A intenção do projeto da Esplanada é dividir a área em duas frentes - uma grande intervenção geral e várias pequenas intervenções localizadas (acupunturas), promovendo a requalificação urbana nos dois níveis. A introdução de novos elementos permitirá variadas relações com o patrimônio construído existente, com a paisagem natural e com o contexto geral do centro da cidade.

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1.2.2 - CRITÉRIOS DE INTERVENÇÃO NA CIDADE CONTEMPORÂNEA O questionamento central da dissertação, ou o que a motivou, foi a possibilidade de compreender que idéias de cidade estão por trás das intervenções urbanas atuais, neste caso nas áreas centrais, e como elas se concretizam de fato, ou seja, que espírito elas desejam transmitir. Isto passa pela compreensão de que as idéias hoje encontram-se compreendidas entre os gestos de ‘repetição da cidade’ e ‘poética do caos’, ou seja, muitas saídas são possíveis e praticadas quando tem-se a possibilidade de operar uma grande intervenção urbana em contexto consolidado ou mesmo em área de expansão. A futura intervenção na Esplanada de Santo Antônio pressupõe a fundamentação teórica a respeito dessas idéias, sobretudo as que buscam pôr em prática uma maior correspondência com o momento histórico de virada de século XXI. Portanto, com o objetivo de subsidiá-la, seguem-se as reflexões de alguns arquitetos e teóricos sobre o tema76. PANORAMA DA CIDADE CONTEMPORÂNEA A cidade contemporânea, segundo Schulz, está intrinsecamente ligada à idéia da dinâmica, ao contrário da cidade estável associada ao classicismo e mesmo ao modernismo77. A estética contemporânea está relacionada à falência da fixidez formal e funcional das estruturas urbanas e à ruptura de uma identidade urbana estável: Na cidade do século XXI, as harmonias são sempre precárias e transitórias, pois os simulacros invadem os espaços urbanos desestabilizando as estruturas permanentes (...). Pluralismo, transparência, interferência e velocidade das imagens promovem dinamismo formal e instabilidade funcional. As flutuações de escala, as rupturas das seqüências espaciais lineares, as simultaneidades temporais remetem a desterritorializações ou desestratificações para flexibilizar articulações e estimular recombinações de formas e funções.78 A aproximação das idéias nietzscheanas baseadas na superação da racionalidade científica e da verdade universal através da exploração dos potenciais da sensibilidade artística, resgatada nas últimas décadas do século XX, desencadeou a atual multiplicidade de interpretações que levam à criação do que ela denomina de mundos diferenciais na cidade. A compreensão da cidade como o espaço em movimento e em constante transformação, que não pode ser considerada definitiva ou pronta, conduz o pensamento a afrontar a realidade caótica, ilimitada, desorganizada e informe79, e a aceitar o contexto urbano como uma malha fragmentada, e não mais como um todo homogêneo. 76

Tema inclusive já trabalhado por três arquitetos, seja na forma de dissertação de Mestrado (MOREIRA, Clarissa da Costa. A cidade contemporânea entre a Tábula Rasa e a preservação: Cenários para o Porto do Rio. Tese Mestrado-PROURB-FAU/UFRJ. Rio de Janeiro, 2002), tese de Doutorado (SCHULZ, Sônia Hilf. Mundos diferenciais na cidade – a urbanidade como experiência estética. Tese Doutorado FAU/USP. São Paulo, 2003) ou seminário (FERNANDEZ, Roberto. Las lógicas del proyecto. Revisión critica de procedimientos proyectuales contemporáneos. Versão do Seminário ministrado em Mar del Plata, FAUD/UNMdP. Colegio de Arquiyectos Prov. Bs. As., Abril/Novembro 2000), os quais serviram de base para este capítulo. 77 Segundo Schulz, o idealismo platônico na estética das cidades persistiu de forma hegemônica, embora descontínua, desde o classicismo até o modernismo. Hoje, através da interação com o pensamento de filósofos de inspiração nietzschiana, como Deleuze e Foucault, novas idéias direcionam a estética das cidades. 78 SCHULZ, Sônia Hilf. Mundos diferenciais na cidade – a urbanidade como experiência estética. Tese Doutorado FAU/USP. São Paulo, 2003; p. 212 79 Idem

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Portanto, dentro desta condição, as respostas da arquitetura e urbanismo contemporâneos estão fundamentadas ora na reação, ora na resistência à ideologia modernista ‘universal’, dividindo-se então em duas correntes80: os neo-conservadores (reação), que defendem a revivificação histórica e a aproximação nostálgica do passado, e os críticos da cultura oficial (resistência), que propõem a inserção dos sinais da contemporaneidade no contexto da cidade, e trabalham baseados na recusa da forma como método de homogeneização. Sobre os últimos: Resistir ao modernismo implica trocar verdades absolutas por verdades relativas, rejeitar tanto a tabula rasa como a nostalgia, considerar a cidade contemporânea um agenciamento de fluxos heterogêneos que jamais se rendem à homogeneização.81 Muito pelo contrário: projetar retirando subsídios do próprio excesso de heterogeneidade, ao invés de tentar controlar ou neutralizar os sistemas. De forma semelhante, Fernández82 afirma que estamos vivendo um momento histórico caracterizado pela perda das certezas acumuladas durante o movimento moderno. Este momento particular determina uma pluralidade de lógicas e abordagens na prática das intervenções urbanas e arquitetônicas, ou seja, origina diferentes lógicas projetuais83, ou diferentes construções de sentido. Ele ressalta a tensão existente entre as lógicas voltadas para a superação das tradições mimética e sublime, esta segundo ele a visão hoje hegemônica, e as lógicas mais complacentes com as características de continuidade histórica (como a contextualista e a estruturalista), além das outras lógicas mais preocupadas com a entronização do hiper - capitalismo84. Dentro do primeiro bloco estariam as lógicas deconstrutivista e fenomenologista, as quais apresentam aspectos diversos, não formando um bloco homogêneo: estando a deconstrutivista preocupada na disseminação do analítico, sem a obrigação da reconstrução, ou seja, sem trabalhar com o componente sintético (ex: Daniel Libeskind), e a fenomenologista priorizando a crise do objeto, ligada à arquitetura débil ou ao eventual (ex: Rem Koolhaas). Ele ressalta, no entanto, que esse conjunto de lógicas coexiste de uma forma relativamente estável, não configurando nenhuma verdade universal consolidada. Considerando a ausência de um campo único de pensamento, o desenvolvimento da pluralidade de lógicas de fazer cidade e a existência, dentro desse universo de espíritos, da tensão entre as duas correntes mais ou menos antagônicas, cabe destacar alguns temas da contemporaneidade a serem explorados nesse capítulo, que estão interligados e originam-se das leituras dos autores enunciados anteriormente. São eles: a superposição de idades da cidade (contrastes, paradoxos, hibridismo) / a fragmentação (heterogeneidade, vazios) / os fluxos (mobilidade, dinâmica) / a forma aberta (relação formafunção, não controle da forma). Estes temas serão tratados sempre contrapostos a visões de outras lógicas. TEMAS DA CONTEMPORANEIDADE 1-Superposição de idades Algumas teorias a respeito desse tema já foram exploradas, como o “Quarteirão Aberto”, de Christian de Portzamparc85. Ele classifica a cidade contemporânea dentro do conceito de “Terceira Era da Cidade”, onde a primeira era corresponde à cidade tradicional compacta do século XIX e a Idem Idem; p. 198 82 FERNANDEZ, Roberto. Las lógicas del proyecto. Revisión critica de procedimientos proyectuales contemporáneos. Versão do Seminário ministrado em Mar del Plata, FAUD/UNMdP. Colegio de Arquiyectos Prov. Bs. As., Abril/Novembro 2000. 83 Lógica projetual - sistema de conceitos experimentais que organizam certos resultados projetuais – intermediário entre método e teoria. 84 Tecnologista e comunicacional. 85 ‘ilot ouvert’ em PORTZAMPARC, Christian de. “A terceira era da cidade”. In: Revista Oculum n° 9. Campinas: Faupuccamp, agosto/1997. Pag 34-48. 80 81

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segunda à cidade modernista. Ele observa que, por ser a cidade uma sobreposição de lógicas múltiplas e variadas e estar ainda inacabada, ela necessita de uma síntese entre essa dupla herança. Sugere então uma mescla entre a primeira e a segunda eras, na tentativa de elaborá-la. (fig. 14 e 15) As idéias acima se materializam no “Quarteirão Aberto”. Nele, os edifícios seguem os alinhamentos conformando as quadras, porém não estão organizados colados uns nos outros, formando um continum edificado, mas implantados mais livremente, criando pátios, ruas internas e micro-espaços públicos, com características hierarquicamente diferentes das ruas principais. Segundo ele, “Falar de uma terceira era consiste em afastar a idéia de morte da cidade, anunciada e conjurada regularmente a partir dos anos 60.” (fig. 16) É importante lembrar que Cerdà já havia trabalhado com idéia semelhante ainda no século XIX, antes da ruptura ocasionada pelo Movimento Moderno. No plano de expansão para Barcelona, criava quadras abertas formadas por vários edifícios organizados segundo os mesmos alinhamentos externa e internamente, gerando generosos espaços públicos no interior como praças e jardins. (fig. 17) No caso do centro do Rio de Janeiro, os paradoxos observados por Portzamparc ficam evidentes, e a própria área da Esplanada de Santo Antônio é um exemplo de como essas duas eras se tocam, e ainda não foram sintetizadas devidamente. Parece que é impossível dentro dessa realidade resistir à solução híbrida como uma possibilidade arquitetônica. Portas86 compartilha de opinião semelhante, quando afirma que “nem o paradigma tradicional nem o modernista nos ajudam muito em nossa leitura da cidade de agora”. Para ele, a eterna repetição do urbanismo tradicional é praticada pois ainda não elaboramos outros conceitos para substituir os anteriores. “Mudaram as funções, as velocidades e os modos de perceber esse espaço”, e no entanto, continuamos nos espelhando nos mesmos modelos passados. Na visão de Moreira87, em concordância com os autores do bloco anterior sobre Projeto Urbano, o momento atual deflagra a emergência de pensar a cidade na perspectiva de ‘futuro’, já que os modelos urbanos do passado não são capazes de abrigar todas as complexas relações contemporâneas. Paralelamente, coexiste com esta emergência o desejo também da preservação. Entretanto, os atuais processos de preservação muitas vezes não deixam evidente qual a memória que se deseja fixar em meio ao processo de transformação contínuo diário da cidade. Porém, memória, identidade e preservação nem sempre são preocupações unânimes nesses processos. As idéias de Koolhaas não descartam a adoção de ferramentas de revolução urbana como a tabula rasa, aqui não necessariamente utilizada no sentido de partir do vazio, mas de decidir o que preservar desses espaços construídos, o que destruir e o que construir em seu lugar, colocando sinais novos não ligados à história. Idéias essas comparadas por Moreira às idéias Corbuseanas de “uma nova condição cheia de promessas e de possibilidades para a vida urbana”88. No sentido preservacionista, a visão contextualista, que defende que a arquitetura deve ser deduzida das macro-formas urbanas, através da correta interpretação das últimas, fundamenta-se na resistência às transformações ou na alusão nostálgica à cidade anterior, independentemente das suas qualidades89, buscando uma contínua regeneração dos tecidos da cidade histórica, a já denominada repetição da cidade.

PORTAS, 2001; op. cit.; p. 129 MOREIRA, Clarissa da Costa. A cidade contemporânea entre a Tabula Rasa e a preservação: Cenários para o Porto do Rio. Tese Mestrado-PROURB-FAU/UFRJ. Rio de Janeiro, 2002. 88 MOREIRA, Clarissa. “Desconstruindo Koolhaas – parte 1: P, MP, M [Pouco, Muito Pouco, Mínimo]”. Vitruvius Portal de Arquitetura. Arquitextos Especial n° 123, abr / 2002. Disponível em: www.vitruvius.com.br. 89 FERNÁNDEZ, op. cit. 86 87

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Exemplos dessas idéias estão no IBA90, com as ações disseminadas de recompor tecidos e costurar vazios, segundo a interpretação da Berlim compacta do século XIX. (fig. 18) 2-Fragmentação A grande cidade hoje é o resultado de séculos de intervenção do homem. As transformações moveram-se e movem-se por naturezas diversas, intencionais ou resultantes de processos econômicos e sociais, que continuam em curso todos os dias. A cidade continua se expandindo e se esgarçando, gerando situações de vazios ou de degradação em seu interior, predominantemente nos centros. A fragmentação é proveniente do rápido crescimento e do processo de superposição de lógicas que atuam dentro do universo de renovação ou transformação da cidade. Sobre a cidade fragmentada, já afirmara textualmente Daniel Libeskind que devemos criar os lugares do nosso tempo baseado em uma visão otimista do século XXI, ou seja, repensando radicalmente os paradigmas herdados do Movimento Moderno e apresentando em seu lugar abordagens mais complexas. Especificamente sobre o projeto da Potsdamer Platz, Libeskind sustenta que a identidade de Berlim não pode ser refeita através da reconstrução de um passado arbitrariamente selecionado (qual memória é importante?), pois isso não solucionará os conflitos atuais. A identidade se reconstruirá através da junção de todos esses fragmentos da memória acumulados durante o século XX (inclusive as do muro!). “Uma realidade heterogênea e pluralista é o objetivo”.91 O centro perdido não pode ser ligado de novo como se fosse um membro artificial ligado a um velho corpo, mas deve gerar uma transformação geral na cidade. 92 O contexto da citação é o concurso de projetos para a reconstrução da Potsdamer Platz, em Berlim, no ano de 1991. Para a contextualização dessas idéias, cabe aqui mencionar as suas origens: O concurso Berlim Amanhã - Idéias para o coração de uma grande cidade93, que originaria em seguida o concurso para a Potsdamer Platz, no mesmo ano, foi a primeira oportunidade de discussão sobre o futuro de Berlim após a queda do muro. Consistia na apresentação de idéias para a reestruturação do centro da cidade, envolvendo 25 equipes de arquitetos mundialmente conhecidos. Berlim representava nesse momento a última metrópole da Europa a sofrer uma intervenção desse porte antes da virada do milênio. A oportunidade de se expressar um pensamento investigador era tentadora. As premissas do concurso eram as seguintes: potencializar o caráter multicentral da cidade, consolidar a fragmentação cultural e arquitetônica existente, evitar o caráter monofuncional, manter o setor residencial no centro e absorver o crescimento sem dispersar em demasiado a cidade. Por trás dessas questões específicas, colocavam-se outras mais complexas, a saber: evitar a alta especulação do solo (metade era de propriedade pública), assumir o conceito de mutação urbana (rápidas transformações da cidade) e assumir a impossibilidade do controle da cidade através do planejamento tradicional. As propostas apresentadas mostraram-se preocupadas com a busca de alternativas formais e espaciais para representar a condição urbana contemporânea, pelo que se pode observar nos projetos, porém, o que se seguiu (o concurso da Potsdamer Platz) teve um resultado contraditório à expectativa criada pelo concurso Berlim Amanhã, com a destinação do prêmio a um projeto extremamente

Internationale Bauausstellung – exposição ocorrida em Berlim oriental na década de 80 LIBESKIND, Daniel. City without Plan. Lisboa: Editorial Blau, 1992; p. 4. 92 Idem; p. 4 93 Berlin Morgen. Idee für das Herz einer Grobstadt. 90 91

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convencional, reprodução nostálgica do “modelo europeu de cidade”94. Dentro desse contexto está localizada a crítica de Libeskind. (fig. 19, 20 e 21) Para Koolhaas, o passo decisivo é entender a cidade não como um tecido contínuo, mas como uma coexistência de formas quase sempre descontínuas ou desarticuladas95, e propor novas alternativas formais que conduzam essa coexistência independente. Dentre elas, destaca-se o projeto para Melun-Sénart, onde um sistema de vazios lineares com variadas funções – preservação da natureza, preservação dos sítios históricos, valorização de elementos arquitetônicos - interpenetra-se com os espaços construídos, criando inesperadas relações espaciais. O que se espera é a heterogeneidade resultante da combinação dos sistemas. Declarou ele: “Talvez devêssemos parar de procurar uma cola que mantenha a unidade das cidades”96. (fig. 22) Sob o viés contextualista, ou segundo alguns autores, pró-contextual, baseado na idéia de que a cidade é muito mais importante que a arquitetura e que esta deve submeter-se à primeira, a forma urbana é direcionada a uma maior homogeneização, posto que evitam-se as bruscas rupturas formais ou a presença de vazios urbanos. Está ligado portanto à idéia do ‘todo’, e não à do fragmento. Dentro desse particular, a idéia do todo esbarra também na visão da arquitetura e cidade como temas indissociáveis, como defende Rossi97. 3-Fluxos Os fluxos estão para a cidade contemporânea assim como o movimento está para a cidade moderna. Em função das novas tecnologias, a condição urbana contemporânea introduz essa nova variável, que embute o movimento físico e não físico – a idéia de estar em movimento no tempo, contra o movimento da cidade moderna equivalente a uma função urbana física. A forma urbana e a arquitetura, portanto, modelam-se em um entorno dinâmico caracterizado por forças, tensões e energias, por um universo estável que ela terá que representar. Ele põe em crise os valores de estabilidade que tradicionalmente caracterizavam a forma urbana, valores que vem a ser suplantados por inter-relações, justaposições, estruturas móveis, morfologias abertas, representação dos intercâmbios, etc.98 Dessa maneira, é impossível ignorar o impacto dessas novas variáveis no projeto dos espaços urbanos, onde agora, além da complexidade do próprio sistema de transportes, que envolve trens, metrôs subterrâneos ou de superfície, automóveis, VLTs99, ônibus, somados ao trânsito de pedestres, temos que adicionar os fluxos não físicos que necessitam também de uma infra-estrutura considerável. É a “sociedade dos fluxos”, como diria Borja e Castells 100, a sociedade em que a base material de todos os processos é feita de fluxos: os fluxos financeiros, os fluxos de informação, os fluxos de criação de imagem, os fluxos de tecnologia. Porém, paralelamente a esse sistema, continua existindo, como em toda a história da arquitetura e do urbanismo, o dito “espaço dos lugares”101. Ele representa a forma de organização do cotidiano da grande maioria dos indivíduos – o local. A forma de articulação do espaço dos 94

Esse projeto será analisado na próxima etapa, não cabe detalhá-lo neste momento ZAERA, Alejandro. “Encontrando Libertades: Conversaciones con Rem Koolhaas”, In: El Croquis – OMA / Rem Koolhaas 1987-1993. Madrid: n. 53, 1994. 96 KOOLHAAS. Conversa com estudantes. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 2002; p. 39. 97 ROSSI, Aldo. La Arquitectura de la Ciudad. Barcelona: Gustavo Gili, 1982. 95

VÁZQUEZ, Carlos García. Berlín – Potsdamer Platz. Metrópoli y arquitectura en transición. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 2000; p. 192. (tradução da autora) 99 Veículo Leve sobre Trilhos 100 CASTELLS, Manuel & BORJA, Jordi. Local y Global. La gestión de las ciudades en la era de la información. Madrid: Santillana, S.A. Taurus, 1997. 101 Idem 98

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fluxos (global) com o espaço dos lugares (local) vai definir o sucesso das relações espaciais na cidade contemporânea. A valorização do lugar, das particularidades e identidades é a forma de fortalecer o sentido de “pertencer” a uma sociedade concreta, o que é caro para os indivíduos. Sobre esta problemática, Panerai nos coloca um desafio: Como reunir em grandes empreendimentos trens, metrô, vias rápidas de superfície e passeios evitando o efeito de corte? Como articular de maneira satisfatória circulação rápida e espaços residuais? Como conciliar a continuidade do espaço público e a descontinuidade das construções? (...) São questões que não podem ser satisfeitas com uma imagem esteriotipada da cidade do século XIX. 102 Imerso (e criador) nos ditos espaços da contemporaneidade está o ser contemporâneo. Segundo Abalos e Herreros103, não é possível trabalhar sobre o espaço público e privado hoje sem iniciar pela construção de um novo sujeito, pela construção intelectual de um perfil do sujeito contemporâneo - pois o ser moderno já não serve para explicar os fenômenos sociais atuais. Esse sujeito carrega a imagem de nômade, que demanda a criação de uma idéia alternativa de espaço em sintonia com essa imagem da mobilidade. As atitudes baseadas na resistência de uma velha ordem não vão satisfazer suas novas necessidades. Assim como os modernos a partir do positivismo e do evolucionismo, a partir de Comte y Spencer, idealizaram um novo homem, uma nova idéia de homem com a qual compreende-se as transformações sociais e as novas necessidades, hoje devemos fazer uma operação semelhante, se bem que distante do mecanicismo então empregado, aprendendo com as suas limitações e erros.104 Diante de uma realidade fragmentária, sugerem a introdução de estratégias projetuais que se instalem dentro da turbulência, ou seja, sistemas que operem dentro da instabilidade, indo contra a visão da fabricação das formas construtivas estáveis, assumindo a mobilidade como ponto de partida. Isso pode se traduzir em uma arquitetura efêmera, ou na fabricação de espaços para a realização do imprevisto. A visão contextualista das formas urbanas, por outro lado, assume um caráter antagônico, na medida em que busca a unidade e a homogeneidade, transmitindo uma imagem estática de cidade. 4-Forma aberta Como se comporta dentro desse debate a relação forma-função, tão antigo na história da arquitetura? Segundo Rogers, A ordem clássica do simbolismo arquitetônico não é mais relevante. O espectador não é mais capaz de ler as funções dos edifícios: a igreja, o tribunal, o palácio, o mercado, a fábrica. Os edifícios não mais simbolizam uma ordem hierárquica estática, ao contrário, eles tornaram-se contenedores flexíveis para uso de uma sociedade dinâmica. Entretanto, é o arranjo dos edifícios no espaço – a rede da cidade como um todo - que vêm sendo o reflexo dominante da sociedade urbana moderna105.

PANERAI, 1994; op. cit.; p. 82. ABALOS, Iñaki e HERREROS, Juan. Áreas de impunidad. Barcelona: Actar, 1997. 104 Idem; p. 191 105 ROGERS, Richard. Cities for a Small Planet. Westview Press, 1998; p. 164. (Tradução da autora) 102 103

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Paralelamente, a visão de Koolhaas a respeito desse tema está exposta no texto/manifesto do Bigness106, que afirma: quando o edifício ultrapassa certo tamanho, a distância entre o núcleo e a pele torna-se tão grande que não se pode mais esperar que o exterior revele o que acontece no interior. “Rompe-se a relação humanista entre exterior e interior baseada na expectativa que o exterior fará revelações e esclarecimentos sobre o interior”107. Estas grandes estruturas que hoje são observadas em muitas cidades contém variadas funções que se superpõem criando uma fração de cidade em seu interior. (fig. 23) Devido a essa nova condição, o caráter dos espaços públicos está entrando em transformação. A permeabilidade e transparência motivada pelas estruturas mais leves dos edifícios permitirá que os pedestres movam-se através deles, não mais ao lado ou ao seu redor, como na forma clássica das quadras. Porém, Rogers ressalta a importância da rede de espaços públicos de qualidade como elemento de conexão entre esses elementos, tendo sempre como alvo os contatos humanos e a interação. Solà-Morales108 levanta questão semelhante, quando coloca que a noção de domínios público e privado, como propriedades opostas, está superada. Para ele, a cidade hoje comporta uma maior fluidez desses domínios, e a meta do urbano cada vez mais é a coletivização do privado, ou seja, a interferência na estrutura rígida do domínio privado através de formas que permitam maior fluidez e interação do pedestre através delas. A ordem é uma ilusão na visão de Koolhaas. A explosão de escala das cidades nas últimas décadas tirou o controle da forma das mãos dos arquitetos. O caos é um fato consumado, e a única saída é trabalhar com ele, ora na tentativa de minimizá-lo, ora fazendo seu uso. Entretanto nunca optando pela mimetização. A nova forma não se submete a hierarquias ou regras na articulação dos elementos, e não existe um sistema lógico de referências. O que se observa são as interações inesperadas e a instabilidade formal, ao invés do controle espacial. Já a lógica contextualista, segundo Fernández, está ligada à idéia da arquiteturização da cidade, onde a arquitetura pretende exercer parâmetros de controle de diversas naturezas109. Dentre elas estão as atuações nos centros históricos, a generalização da mundialização da cidade histórica européia (repetição da cidade européia) e as tentativas de recompor tecidos urbanos decompostos. Pode-se inserir também nessa categoria as propostas recentes do New Urbanism110 com as tentativas de controle dos espaços urbanos e conflitos sociais nas áreas suburbanas americanas. Os estruturalistas, por sua vez, trabalham com as regras de estruturação, buscando a essência ou a origem dos objetos. Estão ligados ao princípio da ordem que advém da vontade monumental, estando desta forma distanciados da idéia das formas instáveis. Cidade Genérica? Conceito elaborado por Koolhaas, a cidade genérica é o resultado do acelerado processo de suburbanização que deslocou o desenvolvimento urbano do centro para as periferias, processo este observado na maioria das metrópoles mundiais, especialmente nas cidades do terceiro mundo. “Seria a cidade contemporânea como os aeroportos, todos iguais?”111 Segundo Koolhaas, a acelerada urbanização do território cria a cada dia novas cidades desprovidas de um passado. 106

Grandeza - Conceito criado por Koolhaas para definir as super-estruturas urbanas, a escala extra-grande (XL). 107 KOOLHAAS, 2002, op. cit.; p.14. 108 SOLÁ-MORALES, 2001, op. cit. 109 FERNÁNDEZ, op. cit. 110 Movimento criado no final da década de 70 por um grupo de arquitetos, urbanistas e planejadores americanos, na tentativa de resgate da identidade do território, da valorização do pedestre e do resgate da qualidade cultural e ambiental do espaço público, em contraposição ao ‘urban sprawl’ crescente. 111 KOOLHAAS, Rem & MAU, Bruce. Office for Metropolitan Architecture. Small, Medium, Large, Extra Large. N.Y.: The Moncelli Press, 1995; p. 1249.

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Delas (Cidades Genéricas) estariam abolidas identidade, história, centralidade, unidade e memória, referenciais tradicionais da história da arquitetura e do urbanismo. A eterna busca desses atributos é paralisante, pois o mundo caminha na direção deste tipo de aglomeração - o ‘futuro das cidades’ - onde o domínio público é radicalmente diferente do ‘passado’ da rua e da praça. “Ele (o domínio público) está sendo reinventado em termos mais populistas ou mais comerciais”112. (fig. 24, 25 e 26) O indivíduo da cidade genérica não estará vinculado à idéia do lugar como o sujeito que foi culturalmente educado sob a urbanidade da cidade tradicional. A cidade genérica é também uma recuperação do espírito moderno, no que este tinha de reação à tradição, à memória, ao passado. Mas é uma reação a esse mesmo espírito moderno por não desejar o controle da ‘condição urbana’, ao contrário, por submeter-se a ela sem qualquer expectativa transformadora.113 Lugar? Em contraposição à citação anterior, a lógica projetual contextualista relaciona-se à qualidade apriorística da cidade. Está ligada à consolidação da idéia de identidade como delimitação e consciência das diferenças de uma comunidade ou cultura em relação à condição global114. Ela propõe lugares deduzidos de lugares, baseado na crença de que estes são todos singulares, particulares e específicos. É alheia às pretensões universais e sempre define relações de afeto entre a nova arquitetura e a cidade preexistente. EM BUSCA DE NOVOS ESPÍRITOS Conforme exposto nas páginas anteriores, as práticas projetuais contemporâneas tensionam-se entre os caminhos da poética do caos / superação do mimético, e da contextualização / conservadorismo nostálgico / repetição da cidade. Persiste portanto a dificuldade na construção de outras possibilidades urbanas concretas que criem um campo de interseção dessa oposição. Não é objetivo nem pretensão deste trabalho criar um novo modelo de intervenção urbana, mas de expressar um pensamento que é fruto da complexidade da observação da cidade contemporânea, e que está ciente das suas variadas abordagens e visões, e aplicado em um contexto determinado, reclamando assim escolhas e recortes específicos dentro do universo dos pensamentos aqui expostos. Dentro dos temas da contemporaneidade destacados, segue-se a conclusão pessoal, objetivando a retirada dos elementos e categorias que, baseadas nas particularidades da área de estudo (centro + esplanada), darão origem às novas propostas para a Esplanada de Santo Antônio. Cada item abaixo relacionado é conclusivo, e apresenta as justificativas das opções de projeto adotadas em seguida para a Esplanada. Elas estão apresentadas na forma de um conceito geral, e posteriormente estão aplicadas no caso de estudo específico. 1- Superposição de idades As cidades contemporâneas, enquanto contextos mestiços, possuem uma grande variação de tempos históricos presentes nos seus espaços. Assim, a abordagem projetual deve procurar captar todas essas memórias do lugar, ao invés de determinar um passado aleatório ou esteriotipado para comandar o espírito da intervenção. A aceitação e reforço do hibridismo temporal implica na não ruptura com o passado e na resistência à tabula rasa. KOOLHAAS, 2002; op. cit.; p. 43 MOREIRA, op. cit.; p. 75 114 FERNÁNDEZ, op. cit. 112 113

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Em paralelo, a costura dos tempos históricos pode (ou deve) introduzir a novidade, a perturbação e o desenho característicos dos tempos contemporâneos. Para o caso da Esplanada de Santo Antônio, isto significa lidar inclusive com a memória da natureza e do vazio, que lá sempre existiram desde os tempos da presença do morro. E considerar e valorizar no novo desenho a contradição existente entre os dois formatos arquitetônicos predominantes. 2- Fragmentação A constatação do centro como um território de fragmentos temporais e espaciais marcantes revela a necessidade de se explorar a diversidade dos seus elementos construídos nas novas abordagens projetuais. A busca da continuidade e conexão dos espaços públicos não necessariamente exige a homogeneização das massas construídas. Portanto, não fugir das diferenças, dos paradoxos e da complexidade representa adotar uma postura mais verdadeira e coerente de intervenção. Para a Esplanada, isto representa trabalhar com a presença dos vazios, não tentando eliminá-los todos, ou mesmo com a relação polarizada torre x sobrado, criando a partir dessa matéria-prima complexa novas possibilidades espaciais. 3- Fluxos A cidade contemporânea como espaço de fluxos requer uma abordagem baseada na observação das diversas naturezas de fluxos existentes e na evidenciação das suas soluções no espaço urbano. Ela também está voltada para a presença da efemeridade nos espaços, ligada à idéia da mobilidade do ser contemporâneo e da real instabilidade da cidade. A criação de sentido no espaço não está vinculada à construção de formas estáveis. A invenção de elementos fortes de desestabilização pontuais inscritos dentro de uma estrutura coerente (que tenha sentido espacial) bem responde ao tema da dinâmica da cidade atual. Na Esplanada, isto significa valorizar os espaços de fluxos e conexões de pedestres através da área e evidenciar soluções criativas para os transportes, interrompendo a ditadura estabelecida pelo sistema de veículos. O espaço para a manifestação da efemeridade (feiras, eventos ao ar livre) pode estar relacionado ao ponto de potência, ou elemento forte projetado, enfatizando a sua importância dentro do cenário contemporâneo. 4- Forma aberta O fim da polarização entre os domínios público e privado conduz à sua mais complexa articulação, buscando ao máximo a coletivização dos espaços privados. A flexibilização dos padrões de controle das massas edificadas é fundamental para o surgimento de soluções diferenciadas e originais de espaços urbanos e arquitetônicos. A hierarquia, embora não seja mais imprescindível como instrumento de composição, pode existir como forma complementar de reforço pontual de determinada característica espacial. No caso da Esplanada, este fato conduz à exploração das possibilidades de interpenetração dos domínios e da interferência dos espaços públicos através dos espaços privados, auxiliando na coletivização do sistema. Cidade Genérica x Lugar A abordagem projetual deve evitar o esvaziamento do contexto, ou seja, deve estar voltado ao respeito às particularidades do lugar, contudo sem buscar a mimetização. Isso inclui a não negação do valor da rua através da implantação de grandes estruturas que criam cidade exclusivamente no seu interior.

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A criação de elementos surpreendentes no espaço não está vinculada à idéia do esvaziamento das formas anteriores. Os novos elementos devem fazer sentido na solução da problemática colocada, e não somente criar um impacto formal inconsistente e gratuito para marcar a intervenção. Para a Esplanada, isto representa a possibilidade da introdução de uma solução espacial original, forte e consistente, relacionada a um determinado problema, que valorize o contexto e suas potencialidades. 1.2.3 - DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE Ao fim da exposição do arcabouço teórico e precedendo as análises críticas e projetos, é necessária a definição das categorias de análise que irão perpassar todas as próximas etapas da dissertação. Elas originam-se dos três eixos anteriores: centro / projeto urbano / critérios de intervenção na cidade contemporânea. Assim, os temas destacados são os seguintes: Capítulo 1.1 (centro): § Articulação e acessibilidade dos espaços § História § Novidade urbana § Moradia § Espaço público § Cultura e lazer Capítulo 1.2 (projeto urbano): § Tempo, estratégias e oportunidades § Lugar / contexto § Catalisador / âncora § Pequenas ações / acupunturas § Antigo e novo § Agentes e parcerias § Normativas / regras § Multifuncionalidade Capítulo 1.2 (critérios de intervenção): § Superposição de idades § Fragmentação / hibridismo / paradoxos § Fluxos (efemeridade / nomadismo) § Forma aberta § Elemento forte seguinte forma:

A determinação das categorias surge da aproximação das idéias por grupos, da 1- Articulação e acessibilidade dos espaços + fluxos (efemeridade / nomadismo) – idéias ligadas ao sistema de fluxos 2- Articulação e acessibilidade dos espaços + espaço público + elemento forte – idéias ligadas aos espaços públicos 3- História + lugar / contexto + antigo e novo + superposição de idades – idéias ligadas aos elementos preexistentes

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4- Articulação e acessibilidade dos espaços + novidade urbana + catalisador / âncora + elemento forte – idéias ligadas à estrutura interna de funcionamento dos espaços projetados 5- Novidade urbana + moradia + cultura e lazer + multifuncionalidade – idéias ligadas à variação de usos do solo 6- Normativas / regras + fragmentação / hibridismo / paradoxos + forma aberta – idéias ligadas às massas construídas 7- Tempo, estratégias e oportunidades + agentes e parcerias + elemento forte – idéias ligadas às estratégias de implantação dos projetos Assim, determinam-se as sete categorias de análise e projeto utilizadas nas próximas etapas, com seus desdobramentos internos: 1- SISTEMA DE FLUXOS Viário Pedestres Transportes 2- SISTEMA DE ESPAÇOS PÚBLICOS Várias escalas Áreas vivas (Quentes) Áreas mortas (Frias) 3- PREEXISTÊNCIAS Urbanísticas Arquitetônicas Monumentos Marcos Barreiras Topografia 4- ESTRUTURA INTERNA Pontos focais Forças Visadas 5- VARIAÇÃO DE USOS Principais Complementares 6- MASSA EDIFICADA Disposição Domínios público e privado Alto e baixo Acessos Taxa de ocupação 7- ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO Operação urbana Viabilização Agentes Tempo Parcerias

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Acupunturas Normativas O Programa, que está ligado à variação de usos, será destacado a parte como a oitava categoria, e será um resumo dos usos ilustrado com as respectivas porcentagens, para uma melhor comparação entre propostas. Uma nona categoria foi criada para resumir a forma em que o partido do projeto é expressado espacialmente, ou seja, o critério formal-espacial-estético da intervenção. Representa os conceitos do projeto concretizados formalmente, e que daremos o nome de Espírito do Projeto. Ele se relaciona com as idéias destacadas na última etapa: superposição de idades + fragmentação / hibridismo / paradoxos + fluxos (efemeridade / nomadismo) + forma aberta + elemento forte. As categorias serão utilizadas nas análises dos projetos recentes e existentes, na análise da realidade atual e nos novos projetos. Porém, uma categoria refere-se somente a projetos novos estratégias de implantação (não utilizada nas análises dos projetos existentes) e naturalmente não servirá para a análise da área de estudo. Outra refere-se somente aos projetos – estrutura interna – não sendo válida também para a análise da área de estudo. O Programa e o Espírito do Projeto também só servirão de categorias para as análises dos projetos.

CRITÉRIOS DE INTERVENÇÃO

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FIG. 14 – Primeira Era – cidade tradicional compacta FIG. 15 – Segunda Era – cidade modernista FIG. 16 – Terceira Era – Quarteirão aberto FIG. 17 – Cerdà – quadra aberta do plano de Barcelona

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CRITÉRIOS DE INTERVENÇÃO

18 19 FIG. 18 – IBA – Projeto de Aldo Rossi para reconstrução de quadra em Berlim FIG. 19 – Concurso Berlin Morgen – Proposta de Norman Foster FIG. 20 – Concurso Berlin Morgen – Proposta de Bernard Tschumi FIG. 21 – Projeto vencedor do concurso da Potsdamer Platz – Heinz Hilmer e Cristoph Sattler

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FIG. 22 – Projeto de Rem Koolhaas para Melun Sénart

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CRITÉRIOS DE INTERVENÇÃO

23 FIG. 23 – ‘Bigness’ de Koolhaas Imagens da Cidade Genérica FIG. 24 – Shopping-center – ‘Bigness’ FIG. 25 – Shopping-center – exemplo de novo domínio público 24

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FIG. 26 - Aeroporto

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QUADRO RESUMO DA METODOLOGIA DE PROJETO – PARTE 1 REFERÊNCIA TEÓRICA

CATEGORIA

Articulação/acessibilidade dos espaços Fluxos (efemeridade / nomadismo)

SISTEMA DE FLUXOS VEÍCULOS PEDESTRES TRANSPORTES

Articulação/acessibilidade dos espaços Espaço público Elemento forte

SISTEMA DE ESPAÇOS PÚBLICOS VÁRIAS ESCALAS ÁREAS VIVAS ÁREAS MORTAS

História Lugar / contexto Antigo e novo Superposição de idades

PREEXISTÊNCIAS URBANÍSTICAS ARQUITETÔNICAS MONUMENTOS MARCOS BARREIRAS TOPOGRAFIA

Articulação/acessibilidade dos espaços Novidade urbana Catalisador / âncora Elemento forte

ESTRUTURA INTERNA PONTOS FOCAIS FORÇAS VISADAS

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade

VARIAÇÃO DE USOS PRINCIPAIS COMPLEMENTARES

Normativas / regras Fragmentação / hibridismo / paradoxos Forma aberta

MASSA EDIFICADA DISPOSIÇÃO DOMÍNIOS PÚBLICO/PRIVADO ALTO/BAIXO ACESSOS TAXA DE OCUPAÇÃO

Tempo, estratégias e oportunidades Agentes e parcerias Elemento forte Acupunturas

ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade Elemento forte

PROGRAMA

Superposição de idades Fragmentação / hibridismo / paradoxos Fluxos (efemeridade / nomadismo) Forma aberta Elemento forte

ESPÍRITO DO PROJETO

CAPÍTULO 1 - O PROJETO URBANO NO CENTRO

1.3

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PROJETOS URBANOS RECENTES

Depois de contextualizada a área de intervenção do projeto e revisadas as teorias sobre projeto urbano e critérios de intervenção na cidade contemporânea, parece essencial o cruzamento dos dois eixos. A síntese se dará sob a forma de crítica do que vem sendo pensado em intervenções urbanas recentes. É objetivo desta última etapa do capítulo 1 a análise de alguns projetos urbanos recentes de características que apresentem semelhanças com a área central em estudo, para que se possa compreender como vem ocorrendo as intervenções, seja em área central (com ou sem relevância histórica), seja em uma nova centralidade ou mesmo em área de expansão urbana, e desta forma orientar a nova proposta de intervenção para a Esplanada de Santo Antônio. Os critérios para a escolha dos projetos foram os enfoques semelhantes que variam entre área central, nova centralidade e área de expansão urbana, os diferentes espíritos de cada um deles, as diferentes estratégias de implantação e a data recente (década de 90). Não foi levado em consideração para a seleção a localização de cada projeto, porém foi a intenção incluir pelo menos um projeto do Brasil. A seleção inicial contava com 13 projetos, depois reduzidos para 8 (eliminando os projetos de frente marítima), e finalmente para os 5 mais relevantes entre eles. Os projetos selecionados são: 1. Potsdamer Platz (Berlim – 1992) – Arquitetos Renzo Piano e C. Kohlbecker – Nova centralidade - Projeto de reconstrução de antigo coração da cidade, visando a “reunificação” da Alemanha. 2. Margem Esquerda do Sena (Paris Rive-Gauche) (Paris – 1991) – Arquitetos Christian Devillers e Jacques Lucan – Expansão urbana - Projeto de requalificação de antiga área industrial isolada, propõe conexões, marcos urbanos e novos usos. 3. Centro Urbano de Almere (Almere – 1994) – OMA - Arquiteto Rem Koolhaas – Área Central - Projeto de criação de um centro urbano para uma nova cidade. 4. Kop Van Zuid (Rotterdam – 1987) – Arquiteto Teun Koolhaas – Área Portuária e nova centralidade - Projeto para área portuária abandonada, propõe integração com o centro existente. 5. Operação Urbana Faria Lima (São Paulo - 1995) – Arquiteto Júlio Neves – Sistema viário e nova centralidade - Operação Urbana realizada através de parceria público-privado, propõe extensão da Av. Brig. Faria Lima, criando novo eixo viário. A análise dar-se-á da seguinte forma: § Dentro de cada projeto, será contextualizada historicamente a intervenção. § Posteriormente, será feita uma caracterização do projeto utilizado os critérios destacados na etapa anterior, como sistema de fluxos, sistema de espaços públicos, preexistências, estrutura interna, variação de usos e massa edificada. § Serão destacados para cada projeto a estratégia de implantação utilizada, o programa determinado e o espírito transmitido por cada proposta. § Finalmente, será feita uma análise crítica da proposta.

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1.3.1 - POTSDAMER PLATZ A Potsdamer Platz, situada no fim do século XIX em posição estratégica entre o centro histórico e governamental e o cinturão comercial e residencial, que abrigava restaurantes, hotéis e incluía em uma de suas esquinas a Columbushaus, edifício de Eric Mendelsohn, representou o coração de Berlim até a década de 1930. Porém, segundo Vázquez115, sofrera durante o século XX quatro “destruições” consecutivas. (fig. 27) A primeira teria ocorrido em 1940, com a proposta do eixo monumental norte-sul realizada por Albert Speer, afetando diretamente o entorno da praça. A segunda, em 1941, com o início dos bombardeios dos aliados na área, durante a Segunda Guerra Mundial, intensificados pouco a pouco até a sua quase total destruição. A terceira, com a construção do “Muro da Vergonha”, em 1961, que tinha seu traçado passando pela praça, transformando o que antes fora coração em periferia. A quarta e última teria ocorrido com a criação da zona cultural da cidade, em 1963, onde em 1966 foi construída a Staatsbibliothek que “matava” a antiga Potsdamer Strasse. A partir de então a área já decadente virou definitivamente um deserto. A idéia do concurso, realizado em 1991, era retomar o caráter de centralidade que o local já detivera no passado, e que hoje seria denominado de “espaço de sobrecentralidade116”, por embutir a idéia de concentrar as sedes de grandes corporações financeiras e industriais em um único ponto de convergência dos fluxos de informação. A área equivalia a 15 ha de terreno, onde metade seria destinada a escritórios A organização do concurso definiu como diretrizes a incorporação da zona à estrutura da cidade, a mescla de funções para a garantia da vitalidade urbana, a conservação dos monumentos existentes, a reconstrução da trama histórica e o desvio do tráfego rápido que circulava pelo local117. Embora algumas propostas tenham levantado temas da contemporaneidade, como a complexidade, os fluxos e a superposição de momentos históricos, o projeto vencedor, de Hilmer e Satter, apresentava um projeto convencional de repetição da cidade tradicional, com quadras tradicionais e alturas iguais, que segundo Vázquez era “incompatível com a importância emblemática do local”. (ver fig. 20) O projeto não foi executado, e posteriormente Richard Rogers foi contratado diretamente pelo cliente, no caso o dono dos terrenos, para a elaboração de novo estudo, que também não saiu do papel. Decidiu-se então pela organização de um novo concurso, em 1992, tendo o projeto vencedor como base. Os vencedores foram Renzo Piano e Christoph Kohlbecker. (fig. 28) CARACTERÍSTICAS DO PROJETO O projeto vencedor de Piano e Kohlbecker definia as seguintes pautas: (A) Potencialização dos espaços públicos (ruas corredor, alamedas arborizadas, praças, passagens de pedestres e lâminas d’água); (B) Edificações em quadras fechadas de mais de 50 m de lado; (C) Mescla de atividades; (D) Altura média de 22 metros, correspondente à imagem da cidade de Berlim. O projeto consiste na revalorização da antiga Potsdamer Strasse, esquecida durante os últimos 50 anos, tornando-a articuladora de dois importantes espaços públicos – a própria Potsdamer Platz e a Marlene Dietrich Platz. Sistema de Fluxos O sistema viário é composto pelas vias principais existentes, além da recuperação do traçado original da antiga Potsdamer Strasse, agora um boulevard porticado e arborizado, e de novas vias VÁZQUEZ, Carlos García. Berlín – Potsdamer Platz. Metrópoli y arquitectura en transición. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 2000; p. 151. 116 Idem 117 Idem 115

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corredores secundárias de veículos ou pedestres. Uma pesada infra-estrutura de metrô trafega pelo subsolo, acessada em vários pontos do conjunto. O projeto preocupou-se em conectar a nova malha à malha existente de vias principais. A antiga Potsdamer Strasse, com traçado original resgatado, forma aproximadamente a bissetriz das duas vias marginais. As vias secundárias de penetração ao interior do terreno encontram a antiga Potsdamer Strasse, formando um traçado espinha de peixe. Esse desenho permite uma permeabilidade peatonal grande, sem abrir mão dos diferentes tipos de quadras e das surpresas ocasionadas por esse fato. Sistema de Espaços Públicos Os espaços públicos principais são a própria Potsdamer Platz e a Marlene Dietrich Platz, espaço público que pode ser considerado o novo centro vital, conformado por edificações culturais e comerciais. (fig. 29) Houve uma preocupação em se definir uma balanceada distribuição de espaços livres públicos na proposta. Eles pontuam os vértices do polígono de intervenção, estando os dois principais formando uma linha desviada até a Leipziger Platz, e os outros de menor importância nos vértices opostos, com uma ou outra característica particular. A galeria coberta é uma rua exclusivamente de pedestres, e segundo Powell118, inspirase nas arcadas do século XIX. As ruas comerciais transversais à arcada também são exclusivas de pedestres.. Preexistências A memória da Potsdamer Strasse do século XIX, assim como a da Leipziger Platz foram resgatadas no projeto através da reconstrução dos seus traçados originais. Além da presença da Biblioteca, foram identificadas no local duas edificações antigas, que não representam exatamente monumentos, porém podem ser considerados “monumentos da resistência”, por terem sido os únicos edifícios antigos a resistirem a todos os difíceis episódios sofridos pela área no decorrer dos anos. Ambos foram preservados no projeto, um deles integrando-se às novas quadras. Estrutura Interna Três pontos focais articulam o espaço. Um deles é a própria praça, agora marcada pelas três torres nas esquinas, por amplo espaço de pedestres e pelo acesso à rede de transportes subterrânea. O segundo é a Marlene Dietrich Platz, novo coração da área e espécie de ‘âncora’ da intervenção. O terceiro, com menor importância projetual mas de enorme sucesso, é a atração comercial, a galeria coberta norte-sul: um espaço fechado, que incorpora o espírito do mall e alimenta o consumo contemporâneo. (fig. 30) As visadas de interesse provocadas são várias: os três eixos principais de penetração, focando a Marlene Dietrich Platz, a perspectiva da galeria coberta e a perspectiva da rua secundária focando a edificação antiga, próxima à praça. Variação de Usos O uso do solo é bem variado, composto por escritórios, habitações, comércio, hotel, cinemas, teatro e cassino, além dos dois espaços públicos principais já mencionados e da via comercial coberta, que corta o conjunto no sentido norte-sul. Evitou-se a concentração de escritórios ao redor da Marlene Dietrich Platz, dando prioridade a atividades que gerassem mais vitalidade urbana, como hotéis, restaurantes, residências, comércio, cassino e teatro119.

POWELL, Kenneth. La transformación de la ciudad. 25 proyectos internacionales de arquitectura urbana a principios del siglo XXI. Buenos Aires: La Isla, 2000. 119 VÁZQUEZ, op. cit. 118

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Massa Edificada As edificações apresentam uma grande variação de formas e linguagens arquitetônicas, porém todas elas têm uma forte definição entre os domínios público-privado e a preocupação com a conformação dos espaços públicos. Os gabaritos são contínuos, exceto nos dois pontos de tensão do conjunto: as esquinas que conformam a Potsdamer Platz e o vértice sul do conjunto, marcado por uma torre de escritórios. (fig. 31) O conjunto apresenta uma alta densidade, sendo caracterizado pela negação do vazio. A taxa de ocupação do solo é de aproximadamente 43% de construções e 33% de vias. Estratégia de Implantação A estratégia de implantação utilizada no projeto Potsdamer Platz consistiu na venda dos terrenos públicos vazios para quatro empresas privadas, para que estas pudessem promover os concursos, contratar os projetos e operar as construções, agilizando o processo de execução. Essa formatação foi questão polêmica na época, por conta do baixo valor da venda, e pelo claro interesse das empresas no empreendimento. O prazo determinado para a execução foi de 4 anos. O plano geral de massas foi executado por um escritório, e o projeto arquitetônico dos edifícios foi destinado a diferentes arquitetos, premiados em algum dos concursos realizados para a área120. Programa A escolha do programa de um projeto urbano deve levar em conta as novas necessidades da cidade contemporânea não somente no nível funcional, como também no nível simbólico. A relevância de espaços para o ócio, comércio e cultura aumentou, tornando-as hoje funções âncora para muitos projetos121. Não é à toa que o centro nervoso do projeto da Potsdamer Platz seja a Marlene Dietrich Platz, definida por edifícios destinados a essas funções. Reforçando essa constatação, no trecho de enorme sucesso do empreendimento, a galeria coberta, concentram-se espaços comerciais e serviços como restaurantes e bares ativos dia e noite, destinados ao novo sujeito urbano, o consumidor – de comércio, cultura, gastronomia e novidades. Serão provavelmente esses edifícios os novos ícones do século XIX. Enquanto isso, os locais para escritórios e moradias está em plena transformação, demandando espaços mais flexíveis para adaptarem-se a um ou outro uso, ou ambos simultaneamente. Segundo Vázquez, “o grande arranha-céu sede de empresa, tão característico da década de oitenta, parece ter entrado em sério declínio nos noventa”122 (mudaram os ícones), enquanto que pequenos módulos para aluguel de pequenas empresas vêm ganhando espaço no mercado. Dessa forma, as imagens associadas a esses usos tendem a ficar menos evidentes ou claras, ficando os edifícios cada vez mais anônimos, ou menos informativos sobre o que ocorre no interior. A pele se distancia da essência, desestruturando a relação função-imagem. O programa conta então com os seguintes números: 56% de escritórios, 19% de habitações, 11% de comércio, 9% de hotéis, e o restante para ócio e cultura. Vale ressaltar que a intervenção estava voltada para a aquisição somente pelas classes altas devido ao alto padrão dos empreendimentos. O que se observa na Potsdamer Platz hoje habitada é a falta de mistura social123. Espírito do Projeto A intervenção na Potsdamer Platz transmite a idéia do resgate da forma da cidade européia compacta do século XIX. Na opinião de Vázquez, o resultado do projeto deixa evidente a “negação 120 121 122 123

Idem Idem Idem; p. 231 Idem

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da mutação”124, ou seja, a transformação repentina, radical e acelerada de grande parte do tecido urbano devido a algum fator excepcional. Ela não fica evidente, ou é camuflada pela simulação de um processo evolutivo, através da continuidade do tecido, da variação de fachadas, da mescla de atividades e das leves interrupções do discurso arquitetônico predominante. Tudo isso gerado por uma operação que envolve 15 ha de cidade. Associado a esse fator estaria a negação da terrain vague125, a negação total do vazio que já caracteriza a área há décadas, e que indubitavelmente faz parte da memória da Potsdamer Platz. Em zonas como a Potsdamer Platz, surgidas por mutação, de repente e sem transição, é necessário assumir a evidência do vazio. Nem a integração, nem a coerência, nem a síntese são argumentos viáveis.126 ANÁLISE CRÍTICA A intervenção na Potsdamer Platz foi o resultado de uma escolha, seja dos organizadores do concurso, seja dos arquitetos vencedores, seja da comunidade berlinense, entre o resgate da forma da cidade européia compacta e a adoção de uma diferente lógica de projeto, mais comprometida com a realidade urbana contemporânea e com os próprios aspectos intrínsecos da história recente de Berlim. O resultado final está relacionado à primeira idéia. A não exclusão de um ou outro critério, mas a soma de suas vantagens, poderia ter enriquecido e complexificado o projeto. Dentro desse particular, segundo Vázquez, o resultado da intervenção evidencia a “negação dos fluxos”127. A implantação do projeto acarretará um aumento de usuários na ordem de 50 000 pessoas, onde as infra-estruturas de transporte serão vitais para o seu sucesso. O projeto reduz o tráfego particular quando evita as vias de automóveis no interior do conjunto, criando uma imensa rede de transporte público subterrâneo, porém esta não fica evidente no exterior. A sua presença só é notada através de dois cubos de vidro instalados na Potsdamer Platz. Essa característica dota o projeto de uma estaticidade, que contradiz a realidade da cidade e da sobrecentralidade inicialmente almejada. Ponto crítico do projeto é o resgate de uma memória específica no tempo. A reconstrução da Potsdamer Platz se deu segundo a memória do momento histórico de início do século XX, não sendo considerados no projeto os outros tantos momentos posteriores tão marcantes ocorridos no local. Tudo o que é “negativo” foi apagado da memória do “centro” de Berlim para que a materialização da cidade nostálgica ‘positiva’ fosse possível. 1.3.2 - MARGEM ESQUERDA DO SENA (PARIS RIVE-GAUCHE) O projeto Paris Rive-Gauche, ou Margem Esquerda do Sena, consiste na recuperação e integração à malha urbana de parte da 13º arrondissement 128, que se apresentava isolado entre o Rio Sena e a malha ferroviária advinda da Estação de Austerlitz. (fig. 32) A área caracteriza-se pelo grande desenvolvimento industrial ocorrido no século XIX, quando da construção da Gare de Austerlitz e de diversas indústrias no local. Esta concentração de vias férreas, fábricas e armazéns, com a modernização das instalações ocorrida no século XX, ficou obsoleta, acarretando o declínio da área durante este século. Mesmo nos anos de pleno funcionamento, esta região Idem Idem. Expressão para denominar os vazios urbanos Idem, p. 219 127 Idem 128 Distrito ou bairro, que na cidade de Paris organiza-se de forma circular em relação ao centro da cidade. 124 125 126

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nunca foi uma área rica da cidade. Este trecho de bairro nasceu e cresceu isolado entre as vias férreas e o rio, sem possibilidade de franca integração com o resto do centro metropolitano129. Porém, apesar da decadência urbana do leste de Paris, esta área tinha algumas qualidades que indicavam um potencial para a sua requalificação. Apresentava boa infra-estrutura de transportes, como boas vias de carros, linhas de metrô, trem e RER. Sua localização próxima ao centro – somente a 2 Km de Notre Dame – também facilitava a sua exploração. Suas áreas vazias representavam uma alternativa para criação de espaços empresariais, controlados no centro histórico e permitidos somente em áreas periféricas130. A área apresentava então potencial para transformar-se em uma nova centralidade parisiense. O concurso internacional para a Biblioteca Nacional da França, encomendado pelo então Presidente François Mitterrand, foi a pedra fundamental para o projeto de requalificação da margem esquerda. Mitterrand desejava construir um novo edifício que pudesse abrigar uma vasta coleção que cobrisse todos os campos do conhecimento. O concurso ocorrido em 1989 premiou o projeto do então jovem arquiteto francês Dominique Perrault, que consiste em uma quadra edificada por quatro torres idênticas de 79 pavimentos nas quatro extremidades, formando uma praça central invisível da rua. O término das obras ocorreu em 1996, ano de sua inauguração131. (fig. 33) A ZAC132 Paris Rive Gauche foi criada em 1991, ainda com o nome de Seine Rive Gauche. O projeto urbano foi executado pelo APUR133 e as negociações financeiras e jurídicas (gerenciamento) ficaram a cargo da SEMAPA134. Este projeto determinava diretrizes gerais para a ocupação da extensa área de 130 Ha. Foram realizadas consultas com várias equipes de arquitetos para a definição dos princípios de composição urbana, como altura, tipologia dos imóveis e largura das vias. Posteriormente, a área foi dividida em três setores ou bairros - Austerlitz, Masséna e Tolbiac (este último o primeiro a ser construído), e realizadas consultas internacionais ou concursos para a urbanização dos trechos135. Os coordenadores dos três grandes setores foram Christian Devillers (Austerlitz1995), Roland Schweitzer (Tolbiac-1991-95) e Christian de Portzamparc (Masséna-1995-96). A área limítrofe de Chevaleret ficou a cargo do arquiteto Bruno Fortier. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO A cidade de amanhã não será mais uma cidade de especialização, porque surge, ao contrário, uma exigência nova de proximidade entre as diferentes funções econômicas, científicas, sociais e culturais, compatível com as possibilidades de uma informação disponível e acessível imediatamente em toda a parte.136 A operação urbana Paris Rive Gauche aborda, segundo François Grether, um número de temas comum para muitas metrópoles atuais137: (A) o contato com o rio; (B) o porto e as áreas ferroviárias; (C) a Integração do centro empresarial à vida da cidade. POWELL, op. cit. Idem Idem 132 Zone d’aménagement concerté – zona de planejamento consorciado - Procedimento operacional criado na França em 1967, consiste em operação consorciada entre o Estado, os proprietários de terras e os planejadores, que objetiva o desenvolvimento de uma determinada área através de acordos envolvendo troca de potencial construtivo e habitações de interesse social. 133 Atelier Parisien d’Urbanisme (Atelier Parisiense de Urbanismo) 134 Société d’Économie Mixte d’Aménagement de Paris (Sociedade de economia mista de planejamento de Paris) 135 POWELL, op. cit. 136 CORNIL, Thérèse. “Un processus de conception continu”. In: Revue Urbanisme, Paris: n. 17, juillet / août 2002, p. 28. (tradução da autora) 137 MASBOUNGI, Ariella. ‘Paris Rive Gauche’. In: Projets Urbains en France. Paris: 2002; p. 138-143. 129 130 131

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Por outro lado, tem como primeira prioridade, ou ponto de partida para que o esforço tenha sucesso, a provisão de infra-estruturas para uma área encarada como de ‘expansão’ da cidade, o que define a criação por exemplo da nova linha de Metrô (Météor). Sistema de Fluxos A proposta urbanística tem como eixo estruturador a nova Avenue de France, com 40m de largura e 2.500m de extensão, materializada em forma de laje de 26 ha, aproximadamente 9 metros elevada sobre a malha ferroviária de Austerlitz. O recobrimento da malha ferroviária tem a finalidade de promover a continuidade e permeabilidade entre o rio e as quadras existentes do 13º arrondissement, à oeste da linha férrea. A nova avenida, um boulevard arborizado no estilo francês, faz a ligação da Gare com os subúrbios do sul138, atravessando os três bairros componentes da ZAC: Austerlitz, Masséna e Tolbiac. (fig. 34) O objetivo do sistema viário proposto é conectar a área anteriormente isolada no sentido norte-sul (longitudinal) e leste-oeste (transversal), inclusive com o outro lado do rio. Essa lógica ocorre também com o sistema de transportes subterrâneo, como metrô e RER. As vias geradas por essa grande avenida estruturam-se através dos quatro eixos transversais existentes. Novos eixos transversais paralelos são criados, como a ponte Charles de Gaule e a nova ponte de pedestres que liga a Biblioteca aos jardins de Bercy, sempre procurando criar uma maior permeabilidade no sentido transversal. Longitudinalmente, a via marginal divide-se em dois níveis – um para os pedestres, junto ao cais, e outro para os veículos, mais elevado. As demais vias são secundárias e inscrevem-se dentro dessa geometria triangular alongada. Sistema de Espaços Públicos O projeto mantém a tradição dos espaços livres públicos sempre presentes por toda a cidade, e destina uma grande quantidade de locais para esse uso, embora em pequenas extensões. Praças ocorrem entre os edifícios e marcando eixos de interesse. A principal encontra-se no centro do edifício da Biblioteca, acessado pelo interior da mesma, sem ligação franca com a avenida ou com as ruas do entorno. A margem do rio também foi tratada como área de lazer linear pedestralizada, no nível inferior, fortalecendo a sua relação com a cidade. (fig. 35) Preexistências As preexistências como o famoso Hospital Pitié-Salpêtrière foram valorizadas, e algumas estruturas industriais antigas localizadas na faixa entre o rio e a malha ferroviária incorporadas ao projeto com novos usos, como os Grands Moulins e o Mercado de Farinhas, transformados para uso universitário, conservando assim um pouco da história do lugar. Estrutura Interna O ponto focal principal do projeto é a Biblioteca, pela sua monumentalidade, espaços públicos e programa também de uso público. O outro ponto focal, a estação de Austerlitz, está diretamente relacionado com o rio através da esplanada triangular criada, e é o ponto de partida do eixo da avenida. Ambos funcionam como ‘âncoras’ de atração de público. A implantação da laje elevada cria uma relação particular das novas edificações com o rio, valorizando a sua presença. Surgem visadas entre os edifícios, que partem da laje na direção do rio, em toda a extensão da intervenção. Outras visadas interessantes são as da via marginal em dois níveis, as da Rue de Chevaleret em direção à laje, e as do eixo da Avenue de France.

138

Idem

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Variação de usos O uso do solo proposto é muito variado, composto por edificações residenciais para diversas classes sociais, comércio local, espaços empresariais, além de outras funções diversificadas e complementares. Massa Edificada As edificações organizam-se em tipologias variadas, porém com o conceito de conformação de ruas comum. Nos bairros Austerlitz e Tolbiac, as edificações ocupam mais as quadras, enquanto que em Masséna, utiliza-se o conceito de quarteirão aberto, de Portzamparc, onde a ocupação é por volta dos 50%. O gabarito proposto respeita o gabarito predominante da cidade, por volta de 8 pavimentos, sendo rompido unicamente pelas quatro torres da Biblioteca, ponto focal principal do projeto. (fig. 36) A existência da laje elevada cria uma faixa de edifícios entre o rio e a avenida que forma um balcão elevado139, em posição privilegiada, debruçado sobre o Sena. O desenho urbano proposto procura ser coerente com a escala da Paris existente, tanto no sistema viário caracterizado pelas grandes avenidas, como também pela massa edificada contínua intercalada por espaços públicos de lazer distribuídos em grandes quantidades. A costura urbana entre os tecidos antigo (presente no restante do 13º arrondissement, a oeste da intervenção) e novo é feita através da Rue de Chevaleret, rua que no passado só tinha edificações de um dos lados, voltadas para o muro da rede ferroviária. A taxa de ocupação do solo com construções está na faixa 40%, e por vias na faixa de 41%. Estratégia de Implantação A Operação Paris Rive Gauche foi conduzida pela Prefeitura de Paris, que financiou 80% dos custos, tendo outros acionistas minoritários contribuindo com outros 20%. A SEMAPA ficou responsável pelas transações comerciais com os investidores privados após a transformação dos terrenos para as construções. Caracterizou-se como um processo de criação em vários níveis. No primeiro, definiu-se a localização dos grandes eventos e as soluções para a via férrea, infra-estrutura de transportes, sistema viário, divisão de bairros e parâmetros gerais de ocupação do solo. No segundo, elaborou-se o desenho urbano dos três setores com definição das massas edificadas, sem contudo conter a definição precisa das arquiteturas. Finalmente, no terceiro, elaborou-se os projetos arquitetônicos. Foi intenção do projeto a evidenciação de três bairros bem distintos, com suas particularidades, porém inseridos dentro das mesmas estratégias de implantação. Daí a contratação de três coordenadores diferentes e a execução em etapas. O projeto contou com a intervenção e participação comunitária durante as negociações, além de todas as interfaces multidisciplinares que caracterizam projetos desse porte. As primeiras mil residências construídas foram destinadas à habitação social, programa que faz parte do regulamento das ZACs. Programa Os principais eventos que caracterizam o programa são: (A) Biblioteca Nacional da França; (B) Grands Moulins (antiga fábrica transformada em universidade) e (C) Remodelação da Gare de Asterlitz (para abrigar estação de TGV). Essas três principais funções, associadas à criação da nova linha de metrô, inaugurada em 1998, criaram focos de interesse e utilização distribuídos por toda a extensão do projeto140. 139 140

Idem Idem

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A grande parcela da área disponível forma um pólo de múltiplo uso, constituindo uma nova centralidade na cidade, composto por residências (5 000 apartamentos), escritórios (900 000 m2), espaços públicos (300 000 m2), áreas industriais e de artesanato (150 000 m2), edifícios para a universidade (distribuídos em um dos setores sem configurar um campus), comércio local, escolas, bibliotecas, cinemas e parque, além de três portos. Espírito do Projeto A rejeição ao caos141 da cidade contemporânea também caracteriza a intervenção francesa. O critério utilizado no projeto inspira-se no espírito da Paris Hausmaniana, com desenho partindo da definição do grande eixo, com edifícios formando massas contínuas de gabarito uniforme conformando ruas tradicionais. Realizaram-se quatro propostas diferentes, uma para cada setor do projeto, porém todas elas fundamentadas na valorização da rua como espaço de convívio. Em alguns trechos a ocupação com construções aconteceu de forma mais compacta (Tolbiac e Austerlitz) e em outros menos densa (Masséna), com os quarteirões abertos, onde os edifícios estão sobre o alinhamento das quadras, porém intercalados com espaços abertos criando pequenas praças, ruas estreitas e menor densidade. ANÁLISE CRÍTICA A conectividade criada é o fator fundamental do possível sucesso do projeto. O sistema de fluxos implantado tirou da área o estigma de vazio urbano e integrou a superfície e o subsolo com a vida do resto da cidade, ultrapassando inclusive os limites do rio. O projeto assumiu a continuidade da cidade em toda a sua potencialidade. Característica interessante foi a evolução do projeto no que se refere à conservação dos vazios. A participação comunitária e de arquitetos solicitou que se criasse mais áreas verdes no projeto142, como referência à característica marcante da área durante toda a sua história, pouco ocupada devido à existência da malha ferroviária. Daí a presença de muitos espaços públicos articulados com os edifícios. O ponto crítico principal do projeto é a Biblioteca. Embora destaque-se na paisagem pela sua monumentalidade, não se relaciona diretamente com o desenho urbano proposto. A grande avenida não faz nenhuma referência à quadra da Biblioteca, que por sua vez, devido ao embasamento elevado, também não é convidativa ao pedestre. 1.3.3 - CENTRO URBANO DE ALMERE O Projeto para o Centro da Cidade de Almere insere-se dentro do atual debate sobre o resgate da identidade do centro da cidade, e sua importância como tarefa cultural do século XXI143. Almere localiza-se na área mais povoada da Holanda, a poucos quilômetros de Amsterdam e Utrech. É uma cidade jovem, entre 20 e 30 anos, que foi construída sobre um lago na área de expansão dos pôlderes144 holandeses. Uma cidade portanto sem centro e contexto históricos145. É uma cidade de desenho polinuclear, onde os bairros foram construídos um a um em função das necessidades do momento, como bairros autônomos, sem um elo ou um centro prefigurado146. Cada um deles com áreas verdes ao redor, e conectados por linhas de ônibus e ciclovias. Idem Idem 143 KOOLHAAS, Rem; COLENBRANDER, Bernard; PROVOOST, Michelle. Dutchtown: A City Center Design by OMA/Rem Koolhaas. Rotterdam: NAI Publisher, 2000. 144 Definição do Dicionário Aurélio – Século XXI - Planície que, inundada ou sujeita a inundação pelo mar ou rios, é protegida por diques e dessecada continuamente com o fim de torná-la utilizável na agricultura e/ou na habitação. [Grande parte do território da Holanda é constituído de pôlderes] 145 KOOLHAAS, Rem; COLENBRANDER, Bernard; PROVOOST, Michelle, op. cit. 141 142

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Pela localização favorável, próxima à área densa e infra-estruturada de Amsterdam, Almere teve um crescimento muito rápido, chegando a 150 mil habitantes em menos de 30 anos. Para acompanhar esse crescimento da população residente, era necessária a criação de infra estrutura, cultura, serviços e opções de lazer para que Almere passasse do status de cidade dormitório para se transformar em uma cidade de fato. O concurso realizado em 1994 tinha como objetivo a criação de um centro real que pudesse unir e dar identidade a todos esses fragmentos. Segundo Powell, sentia-se a “necessidade de um centro comercial e oferta cultural que ajudassem a definir a existência urbana”147. Quatro equipes foram convidadas a participarem do concurso – Gert Urhahn, Bureau Quadrat, Teun Koolhaas e OMA. As autoridades de Almere optaram pela interpretação tradicional na qual o centro é geograficamente e programaticamente o coração da cidade148. O escopo do projeto pedia um centro reconhecível, algo especial e diferente - a criação de forte centralidade e concentração - definindo algumas áreas vazias para localização dessas atividades, entre elas as áreas junto ao lago. O vencedor do concurso foi Rem Koolhaas, com o OMA149. (fig. 38 e 39) CARACTERÍSTICAS DO PROJETO A intenção de Koolhaas foi criar uma grande forma capaz de ‘mostrar’ a intervenção, criando um ponto de orientação e identificação na paisagem da cidade. O Plano de Massas elaborado pelo OMA concentrou as funções em dois locais, ocupando metade da área sugerida e conferindo maior centralidade, concentração e status para o centro. Essa concentração de programas (...) possibilitará criar uma forma nova e reconhecível, contrastando com os elementos existentes, às vezes modestos, que fazem de Almere o que ela é hoje. 150 Os locais escolhidos foram as áreas próximas à estação e ao lago, deixando uma reserva de terrenos vazios das outras áreas para futuras intervenções. Nas áreas próximas ao lago o projeto cria uma grande área de comércio, cultura e entretenimento, adjacente ao pequeno centro existente. Nas áreas da estação, um grande business center ocupa as áreas vazias151. Sistema de Fluxos A solução adotada pelo OMA foi a criação de uma grande estrutura em forma de placa ligeiramente inclinada que separa os fluxos de veículos do fluxo de pedestres. Ela contém e organiza os fluxos de veículos no nível térreo (da cidade existente) e cria um ‘segundo nível térreo’ reservado ao fluxo de pedestres, 6 metros acima, que se conecta à cidade através das próprias inclinações da placa. (fig. 37) O sistema viário existente caracteriza-se por vias largas e ortogonais, que quando alcançam a área de intervenção, somem por debaixo da placa. Por sobre a placa, localizam-se vários blocos organizados de forma a quebrar a ortogonalidade da malha existente, e criar uma ligação diagonal predominante entre o lago e a Praça da Prefeitura. As demais vias de pedestres variam de largura e comprimento, criando situações variadas e eixos diferenciados. Os acessos ao nível superior da placa se dão através de rampas e escadas rolantes que partem do nível das vias existentes. Municipality of Almere. “Almere”. In: Planum - The European Journal of Planning on-line. Disponível em www.planum.net/4bie/main/m-4bie-almere.htm 147 POWELL, op. cit.; p. 108. 148 KOOLHAAS, Rem; COLENBRANDER, Bernard; PROVOOST, Michelle, op. cit. 149 Office for Metropolitan Architecture – Escritório para Arquitetura Metropolitana 150 Disponível em http://www.oma.nl (página oficial do OMA). Acessar Projects – Almere City Center. 151 Não foi possível totalizar a área de intervenção por não estar esta informação disponível nas fontes pesquisadas 146

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Sistema de Espaços Públicos O espaço público mais importante criado é a área pública marginal ao lago, uma espécie de boulevard cultural, caracterizada também como local de eventos. Esta área é bastante arborizada e contrapõe-se às outras em escala. O nível superior da placa é toda uma área para pedestres, e que configura espaços públicos de diferentes características. O principal espaço público existente é a Praça da Prefeitura, que corresponde ao fim do eixo diagonal que parte da área de lazer do lago. A via existente transversal ao lago, com generoso canteiro central arborizado, também é um espaço público de impacto. Preexistências Koolhaas não parte da idéia da mimetização nem da relação morfológica com a cidade existente. A intenção do projeto foi de contrapor-se formalmente à ela, criando relações livres entre os novos edifícios e os preexistentes. As relações com o lugar observadas referem-se à idéia dos pôlderes e à imagem da dinâmica inerente a eles – o projeto de certa forma faz referência a este modelo de ‘construção’ tipicamente holandês. Estrutura Interna Os pontos focais observados no projeto são a área da estação e seu denso e elevado skyline, além do boulevard cultural, francamente aberto para as variadas visões e acontecimentos do lago. Esse último espaço funciona como um grande ‘atrator’ de público. (fig. 40) A visada do eixo da via existente em direção ao museu e as variadas visões da placa também são pontos de destaque. Variação de Usos Os usos propostos para o Centro de Almere dividem-se em pólo empresarial (business center), área de cultura e entretenimento (boulevard cultural do lago) e centro comercial (no miolo da área de intervenção), complementados pelo uso habitacional. A intenção do projeto foi criar multiplicidade de funções próximas umas às outras nos dois sentidos - horizontal e vertical, isto é, quadras próximas com funções diferentes (horizontal) ou funções superpostas no mesmo edifício (vertical)152. Na área ao norte da estação central, o projeto define um grande complexo de edifícios de escritórios (business center) formando uma massa densa e verticalizada, onde localiza-se o edifício do World Trade Center com 120 metros de altura. A opção por localizar o pólo empresarial próximo à estação permite liberar os terrenos da parte sul (perto do lago) para os edifícios de uso público. Na área do lago, o boulevard cultural abrange não só teatro e museu mas eventos diversos, caracterizando o local como também de experimentação. O comércio está distribuído em vários blocos, ao longo de toda a intervenção sul. Os usos residenciais também estão distribuídos em toda a área, mas em maior quantidade no miolo central. Sob a placa inclinada, estão previstos os estacionamentos e serviços diversos, além das pistas de tráfego de veículos. Massa Edificada A massa edificada proposta tem dois momentos distintos: (1) Torres isoladas de grande altura organizadas próximas umas às outras; (2) Grande estrutura sobre as ruas existentes (placa), criando dois níveis com edifícios em forma de quadras de formas variadas.

152

KOOLHAAS, Rem; COLENBRANDER, Bernard; PROVOOST, Michelle, op. cit.

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No momento 1, as construções configuram um skyline que se contrapõe a uma grande área livre – Parque Nelson Mandela. No momento 2, blocos de diferentes formas se articulam, por cima da placa, criando espaços diferenciados, abertos ou fechados, onde o público e o privado se mesclam. O domínio público atravessa os blocos, muitas vezes de uso comercial ou espécies de shoppings. Algumas torres mais altas marcam pontos específicos, como algumas esquinas, proximidades de espaços públicos mais generosos ou nos edifícios-píer que avançam no lago. Porém, o conjunto é de altura predominantemente baixa. (fig. 41) A idéia de Koolhaas foi criar estruturas complexas que criem conexões verticais, e vazios que dêem coerência visual ao conjunto153. A taxa de ocupação do solo com construções é de aproximadamente 45%, e o restante se divide em vários tipos de espaços públicos, a maioria para pedestres, sobre a placa. Estratégias de Implantação O processo de implantação do Projeto do Centro da Cidade de Almere envolveu diversas camadas de interessados - o poder público, os investidores privados, os urbanistas e os interessados na compra dos imóveis. Para a melhor operacionalização, o poder público criou uma organização – a Corporação de Desenvolvimento do Centro da Cidade. Após a definição do Plano de Massas, o desenvolvimento dos projetos de arquitetura dividiu-se por blocos. Vários arquitetos - internacionais ou jovens arquitetos holandeses - ficaram responsáveis pela elaboração dos projetos. Rem Koolhaas desenhou o bloco 6, que consistia na articulação de três programas de uso público – comércio, cinemas e restaurante. A implantação do projeto dividiu-se em três frentes: (A) Revitalização do restante do centro da cidade existente; (B) Construção do business center; (C) Construção da área de comércio, cultura e entretenimento154. Os prazos para conclusão dos setores têm tetos variados, mas a data final para totalização das obras é em 2010. Programa Como já descrito, a intervenção está dividida em duas grandes áreas: (A) business center; (B) Área de comércio, cultura e entretenimento. A área A compreende uso empresarial (130 000 m2), 1400 vagas para automóveis e a ampliação da estação existente. A área B compreende teatro (8 000 m2), sala de concertos (2 000 m2), biblioteca (8 000 m2), escola de artes (7 000 m2), residências (1100 unidades), comércio (53 000 m2), hotel (100 quartos), hospital (32 000 m2 e 600 vagas), áreas de lazer (9 000 m2), 4300 vagas de automóveis, 1 Km de frente marítima e serviços diversos. Espírito do Projeto Foi atitude do projeto transmitir forte contraste com a realidade existente através de dois únicos gestos, um para cada área de intervenção. Gesto da área da estação – contraste através da súbita mudança de gabaritos. Gesto da área do lago – contraste pela forte presença de uma estrutura compreendendo toda a área de intervenção. Esta super estrutura é uma forma recorrente nos projetos de Koolhaas, e pretende abranger a totalidade dos ‘problemas’ diagnosticados através da força de uma forma que gere cidade dentro dela. O projeto não propõe uma clara definição dos domínio público-privado, determinando a interpenetração dos domínios como um critério em toda a área de intervenção, criando então situações urbanas diversas da estrutura tradicional. Por ser Almere uma cidade nova, com construções modernas e malha de ruas generosas, esse contraste se encaixa com maior facilidade e com impacto menor se comparado a intervenções em áreas mais antigas ou históricas. (fig. 40) 153 154

Idem Municipality of Almere, op. cit.

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ANÁLISE CRÍTICA Há situações de ruptura e fragmentação em algumas cidades (como o caso de Paris analisado anteriormente) que demandam respostas projetuais de impacto mais ‘violento’ para que sejam revertidas em espaços com qualidade urbana (como a iniciativa de cobrir a malha ferroviária para que os dois lados pudessem conectar-se). Porém, há outras situações que são satisfeitas com intervenções menos marcantes e mais modestas, ou mesmo simples, para que a qualidade seja alcançada. Almere, por suas características de cidade nova, de porte médio e sem muitos problemas da ordem de densidade populacional, se encaixa no segundo grupo. Embora necessite de um centro urbano bem identificado, não necessita de uma grande revolução para que este seja demarcado. A atitude de Koolhaas de criar uma super-estrutura (bigness) contendo todas as funções contempladas no programa é mais que a mera solução de um problema, mas a decisão de contrapor-se à cidade existente criando um novo sentido para os espaços, sentido este afinado com as suas idéias a respeito da cidade contemporânea e com os critérios utilizados para intervir sobre ela. Segundo Goldhagen155, a composição urbana que Koolhaas adotou em Almere não vitaliza ou revitaliza a metrópole. Ela a mata, no momento em que ‘vira as costas’ para o existente. E que por mais que a vida contemporânea seja diferente de épocas passadas, continuamos dependendo do nosso corpo para a locomoção, por essa razão, a cidade deve ser pensada para as pessoas que irão usá-la. A adoção da única estrutura potente ‘contendo cidade’ tem o potencial de negar o valor da rua e pode ser um instrumental urbano perigoso. Por outro lado, as relações estabelecidas entre esta estrutura e o lago são ricas e agradáveis, como se o objetivo fosse negar a cidade e se abrir para ele. 1.3.4 - KOP VAN ZUID A cidade de Rotterdam teve seu crescimento ligado ao desenvolvimento da atividade portuária. Nos dias de hoje ela é considerada um dos maiores portos do mundo. A área do Kop van Zuid156 situa-se na margem sul do rio Nieuwe Maas, oposto ao centro da cidade, que localiza-se na margem norte157. A área divide-se em diversos distritos. No passado, foi o centro do porto de Rotterdam, que funcionou nestas instalações até a década de 60. Com a perda das funções nas décadas de 60 e 70 devido à obsolescência das instalações, as áreas ficaram abandonadas158. A partir de 1978, planos começaram a ser pensados para o local, que passou a ser visto como de expansão do centro da cidade. Via-se a oportunidade de se criar um novo setor para casas de alto padrão e empresas. Data de 1986 o início do programa de revitalização econômica da área de Kop van Zuid e adjacências, envolvendo 125 Ha. O programa caracteriza-se pela mescla de interesses públicos e privados para a sua implantação. O arquiteto e urbanista Teun Koolhaas ficou responsável pela elaboração do Plano de Uso do Solo, em 1987. Para partes especiais do projeto, outros urbanistas foram chamados a colaborar. Por ser um processo de implementação a longo prazo e envolvendo a dinâmica da cidade contemporânea, foi solicitado um projeto flexível, que pudesse sofrer mudanças, caso necessário159. O Plano de Massas final, 155

GOLDHAGEN, Sarah Williams. “Kool Houses, Kold Cities”. In: The American Prospect online. Vol 13, Iss. 11, 2002. Disponível em: http://www.prospect.org.

Significa ‘Cabeça do Sul’ MIEDEMA, Frank; ENGBERINK, Gerard Oude; VAN DER AA, Paul. “Rotterdam - The Netherlands - Kop van Zuid”. In: URSPIC (Urban Redevelopmente and Social Polarisation in the City). Disponível em: http://www.ifresi.univ-lille1.fr. 158 POWELL, op. cit. 159 Idem 156 157

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elaborado a partir do Plano de Koolhaas, porém com pequenas mudanças, foi finalizado em 1991 pelo Departamento de Desenvolvimento Urbano de Rotterdam. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO Kop van Zuid emergiu da poeira no final do século XX como uma ampliação real da cidade, não como um lugar a parte. Deste modo, parece que os sonhos dos construtores do porto do século XIX, que evaporaram-se nos anos pós guerra, podem finalmente ser desfrutados.160 Os objetivos do projeto Kop van Zuid são: (A) Criar um centro acessível, permitindo a integração total do novo bairro com o centro existente na margem norte e com os bairros do lado sul (integrar norte e sul, desequilibrados social, econômica e culturalmente); (B) Estimular a economia dos bairros adjacentes do sul; (C) Criar um ambiente internacional, para o estabelecimento de residências, comércio, empresas e lazer, isto é, enfatizar os usos mistos; (D) Gerar boa qualidade arquitetônica161. Sistema de Fluxos A solução para a ruptura do isolamento da área se dá com a criação da Ponte Erasmus, peça chave do plano de Koolhaas e projetada por Van Berkel & Bos, que além de promover a ligação entre margens, funciona como símbolo da revitalização e da cidade, carregada de forte imagem internacional162. A ponte é a continuação de uma das principais avenidas de Rotterdam norte, e se converte na avenida principal que atravessa a área de projeto e conecta com duas avenidas de Rotterdam sul. (fig. 42) A inauguração das novas linhas de bonde e metrô, além da nova estação de metrô e da ampliação da estação de trens em local próximo, com a ligação de KvZ com os demais troncos, também são um forte fator de conexão com o restante da cidade. O sistema viário é formado por vias paralelas à ponte, mais largas, cortadas por vias transversais mais estreitas e menos importantes. No píer a situação se inverte, estando as vias de maior importância transversais à ponte. Foi também a intenção do projeto estabelecer relações sócio-econômicas entre KvZ e os bairros vizinhos, criando redes de conexões de diferentes naturezas com o restante da cidade163. Sistema de Espaços Públicos Os espaços públicos caracterizam-se como vias e calçadas desprovidas de espaços específicos para permanência ou convívio, sendo mais vias de conexão entre as atividades, para veículos ou pedestres. Destacam-se as vias marginais do rio, que tem um panorama privilegiado da cidade. (fig. 43) Preexistências O projeto Kop van Zuid, no que se refere às preexistências, utilizou elementos originais da época do porto como os galpões antigos, integrando-os aos novos edifícios, e conservou estruturas históricas, como por exemplo o Edifício HAL164, que hoje tem novo uso hoteleiro165. (fig. 44) Poucas casas existentes foram demolidas para a implantação do projeto. Estrutura Interna O ponto focal principal do projeto é a ponte. Ela se destaca na paisagem construída e natural da cidade e cumpre a função de marco da intervenção. As torres do píer também constituem um ponto focal pela força das linhas paralelas que conformam, criando uma centralidade na área de projeto. Nesse caso, os pontos focais estão ligados mais à questão formal do que aos usos. POWELL, op. cit.; p. 122. MIEDEMA, Frank; ENGBERINK, Gerard Oude; VAN DER AA, Paul, op. cit. 162 POWELL, op. cit. 163 MIEDEMA, Frank; ENGBERINK, Gerard Oude; VAN DER AA, Paul, op. cit. 164 Holland America Line – empresa de navegação norte-americana. 165 POWELL, op. cit. 160 161

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parcerias PP, que concretizavam o antigo desejo de se unir forças, na medida que a comunidade empresarial sempre foi vista como um grande parceiro para projetos urbanos. O projeto dividiu-se em três fases após a definição do Plano de Massas: (1) execução da infra estrutura principal, (2) execução das construções principais e (3) construção do Píer Whilhelmina, ou seja, dos principais edifícios de escritórios. A previsão de término das obras é no ano de 2010169. Programa O programa detalhado conta com espaços para escritórios (400 000 m2), residências (5 300 unidades), espaços comerciais (35 000 m2), serviços (30 000 m2), espaços educacionais, incluindo universidade (30 000 m2), funções especiais (45 000 m2), uso industrial leve (90 000 m2), áreas culturais e de lazer, incluindo teatro e cinema. Espírito do Projeto O projeto transmite uma forte imagem através de um elemento principal, um ‘gancho’, representado pela ponte. Esta remete à idéia da contemporaneidade e do símbolo universal e globalizado. Está relacionado à idéia da prosperidade econômica que caracteriza a Holanda e a sua arquitetura. Como um segundo ponto focal figura o píer, com sua massa vertical bem marcada que simboliza também prosperidade e universalização, porém comtemporizada com as edificações existentes recuperadas, criando relações de contraste e adição características da cidade contemporânea. Não há no projeto uma ruptura marcante. Ele se insere e até contextualiza com a cidade de Rotterdam, uma cidade marcada pela arquitetura contemporânea ‘experimental’. ANÁLISE CRÍTICA A intervenção em Kop van Zuid não apresenta muitos pontos geradores de polêmica, por ser uma atuação, embora ambiciosa e de forte caráter renovador, de impacto formal ‘modesto’. O que talvez seja um ponto negativo é a concepção dos espaços públicos. O projeto não cria diversidade de espaços públicos e tampouco explora o potencial do contato com o rio. O plano poderia ter melhor articulado usos com espaços urbanos, de forma a criar pontos de atração internos e diferentes relações de edifícios com espaços públicos e paisagem. Dentre os objetivos traçados, segundo Miedema, Engberink e Van der Aa170, algumas constatações já podem ser destacadas a respeito da implantação do projeto: (1) A área de Kop van Zuid foi ocupada mais por Rotterdam norte que por Rotterdam sul, o que representa de certa forma uma manutenção da dicotomia entre o setor mais rico e o mais pobre da cidade; (2) O número de empregos gerados foi pequeno, já que as empresas não contrataram os desempregados para a construção civil. Por outro lado, o reforço e estímulo das atividades econômicas nos distritos vizinhos parece ter sido o fator determinante para a geração de empregos; (3) A acessibilidade da área de fato melhorou; (4) Todas as residências construídas foram vendidas; (5) Na prática, só 30% das residências construídas foram para a baixa renda; (6) Não se conseguiu atrair fortemente o comércio e as empresas privadas como se esperava. A maioria das empresas são públicas; (7) A presença do grande supermercado esvaziou o pequeno comércio de rua; (8) Ocorreu um certo esvaziamento dos bairros que perderam as funções públicas que migraram para Kop van Zuid; (9) Poucos benefícios foram observados nos bairros vizinhos até o momento; 169 170

Idem Idem

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(10) Até o momento não houve nem aumento nem diminuição da exclusão social. 1.3.5 - OPERAÇÃO URBANA FARIA LIMA Na década de 80 foi criado o conceito ‘Operação Urbana’, introduzido na proposta do Plano Diretor 1985-2000. Consistia em “inversões conjuntas dos setores privado e público, por iniciativa deste, destinadas a produzir transformações urbanas localizadas”171. Isto se deu devido ao gradativo escasseamento dos recursos públicos ocorridos nesta fase, que levou o Estado a promover ações de forma mais localizada segundo uma forma de gestão mais incentivadora, ao invés de subsidiar todas as intervenções urbanas como já ocorrera no passado. A implantação das Operações Urbanas aproveitou a experiência das Operações Interligadas, criadas também na década de 80, e que representavam uma forma de flexibilização da legislação que privilegiava a gestão como modelo de intervenção e implicava em um novo padrão de relação entre os setores público e privado para intervenções na área urbana172. Representava a adequação do instrumental de intervenções na cidade às novas tendências de desenvolvimento urbano. Porém, as Operações Interligadas tratavam de intervenções pontuais lote a lote, não se inscrevendo dentro de uma estratégia voltada à recuperação ou potencialização de determinada área urbana173. As Operações Urbanas são operações que envolvem venda ou troca de potencial construtivo, ou seja, a iniciativa privada compra o direito de construir parcelas maiores não previstas na legislação de zoneamento (adensamento construtivo), e com esta contrapartida o estado pode financiar as obras de infra-estrutura e equipamentos necessárias, tornando a operação autofinanciável. Diferentemente das Operações Interligadas, a Operação Urbana é um plano de renovação para setores com potencial de desenvolvimento, que representa interesses dos setores público e privado simultaneamente, e não mais intervenções isoladas caso a caso174. Para que essas ações conjuntas possam ocorrer, é necessária a elaboração do projeto urbano, a definição dos procedimentos econômicos e administrativos e a distribuição dos benefícios futuros, custos e encargos envolvidos175, dentro de uma filosofia de que “todos ganham e ninguém perde”. A inclusão do instrumento urbanístico ‘Operação Urbana’ no plano diretor se deu na gestão de Jânio Quadros (86-88), e a primeira experiência ocorreu em 1991, com a Operação Urbana Anhangabaú. A Operação Faria Lima data de 1995. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO Mas não há unanimidade. A Faria Lima, como cicatriz de uma operação irreversível, significa para uns perda e estranhamento; para os jovens, uma ação comum que vai ligar um bairro a outros, diminuindo o tempo de percurso até a escola, à casa dos amigos, ao shopping-center; para outros, “ela ficou bonita e o progresso é assim mesmo”; é mais difícil para os velhos, que construíram uma história no bairro, com o ritmo dos seus passos.176

Prefeitura de São Paulo. Um novo instrumento na construção da cidade: A parceria entre os setores Público e Privado, 1997. (folheto promocional) 172 Idem 173 Idem 174 Idem 175 Idem 176 CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-tempo na metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001; p. 212. 171

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A geometria recortada do sítio cria variadas visões da cidade, facilitadas pela franca ligação das vias marginais com o rio. Variação de Usos Os usos sugeridos pelo plano são residencial, empresarial, comercial, educacional, cultural e de lazer. (fig. 45) No que se refere ao uso residencial, 50% das residências deveria estar destinada à população de baixa renda. Porém, o mote era mesmo a criação de residências de luxo, que atingiram um grande sucesso de vendas. O uso empresarial é a ‘menina dos olhos’ do projeto. Alguns edifícios são os focos de interesse do conjunto de torres empresariais, como o WPC (World Port Center), torre de 32 pavimentos, projeto de Norman Foster, e o Belvedere Tower, de Renzo Piano. A cidade fez o possível para atrair para o local empresas internacionais, porém a maioria dos edifícios foi ocupado por empresas públicas166. O uso comercial se divide em pequeno comércio e um grande supermercado. O uso educacional conta com uma universidade e o cultural e de lazer com teatro e cinema. Massa Edificada A massa edificada caracteriza-se por duas abordagens distintas: (A) Edificações compondo espécies de quadras, formando uma massa mais horizontal com alguns marcos verticais, na predominância da área de projeto; (B) Torres isoladas próximas umas às outras no Píer Wilhelmina. As edificações mais baixas organizam-se de forma a harmonizar com a cidade existente, não criando ruptura morfológica ou impacto marcante. As novas torres do píer preenchem os espaços vazios entre algumas edificações existentes que foram preservadas e reutilizadas. Essa verticalização do píer produz um marco no skyline da margem sul da cidade. (fig. 46) A taxa de ocupação do solo está na faixa de aproximadamente 39% de construções para 35% de vias. Estratégias de Implantação Um documento firmado entre o Governo Federal e a Prefeitura deu origem ao projeto Kop van Zuid. Nele ficava estabelecido que o Governo Federal se comprometia a financiar a infra-estrutura e as residências sociais, enquanto os outros investimentos ficariam a cargo da Prefeitura e da iniciativa privada. “A melhor maneira de se promover revitalização econômica local e regional é a atração de atores, empresas ou novos moradores, externos à área de projeto ou adjacentes a ela”167. Portanto, o projeto reuniu um rol de atores como bancos, universidade, organizações municipais, porto, empresas privadas e consultores arquitetônicos e econômicos para a sua viabilização e implantação. Contou também com um time de arquitetos estrangeiros - ingleses, japoneses e italianos – além dos holandeses - para execução dos projetos arquitetônicos, muitas vezes escolhidos por concursos. Uma organização foi criada pelo poder público para gerenciar a totalidade do projeto. Foi um projeto realizado dentro do conceito PPP, ou Parceria Público-Privado, onde o poder público e parceiros privados dividem custos de implantação e vantagens. No caso KvZ, por exemplo, a prefeitura pagou os custos da nova estação de metrô e a iniciativa privada construiu o edifício de escritórios acima dele. Ou mesmo a execução do Píer, onde foi firmado um consórcio168. Não houve oposições sérias para a implantação do projeto. Isto se deve às campanhas pré-implantação, que defendiam o projeto como chave para o desenvolvimento local e nacional, e às

MIEDEMA, Frank; ENGBERINK, Gerard Oude; VAN DER AA, Paul, op. cit. Idem; p. 8. (Tradução da autora) 168 Idem 166 167

CAPÍTULO 1 - O PROJETO URBANO NO CENTRO

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A Avenida Faria Lima pode ser considerada a terceira centralidade paulistana177, responsável pelo deslocamento do centro de serviços e finanças de São Paulo da Avenida Paulista. Localizase na parte sudoeste da cidade, área de mercado imobiliário bastante dinâmico. A operação envolve 450 Ha. Sistema de Fluxos O sistema de fluxos parte da Avenida como âncora do desenvolvimento de toda a operação. Pode ser considerado um projeto voltado para o uso do automóvel, devido à escala e proporção do sistema viário. Caracteriza-se pelo prolongamento da Av. Faria Lima, via de 8 pistas (4 para cada sentido + ciclovia), conectando-a a outras avenidas do entorno e criando uma continuidade viária antes inexistente, paralela à Marginal Pinheiros, aliviando o intenso fluxo diário de veículos que por esta trafega. A nova Avenida corta três bairros – Pinheiros, Itaim e Vila Olímpia, tornando os limites desses bairros, antes bem definidos, em limites fluidos e imprecisos. Segundo Carlos178, “a avenida cria um obstáculo no tecido urbano”, ou “a avenida é um abismo para os pedestres”, e as pessoas afastaram-se das ruas, locomovendo-se de automóvel, sempre em fluxos ‘de passagem’. Sistema de Espaços Públicos Os espaços públicos previstos são somente as calçadas da via. Não foi preocupação do projeto criar áreas específicas para lazer ou permanência dos pedestres. As calçadas são pouco utilizadas devido à ênfase dada aos deslocamentos motorizados. Preexistências A operação é marcada pela substituição das estruturas existentes por novas formas de ocupação dos espaços. Portanto, não pode ser considerada uma proposta ‘contextual’ de intervenção na cidade. Isto vai da substituição dos sobrados por torres de escritórios, hotéis, flats e shoppingcenters179, o que no final representa a demolição de 380 casas, um colégio, uma escola, uma igreja, restaurantes e lojas, além da remoção de uma área favelada e de uma praça, absorvida pelo novo sistema viário180. Enquanto a operação não se concretiza como um todo, o que pode se observar são casas abandonadas, restos de terreno remanescentes de demolições ou desapropriações e vazios urbanos. Estrutura Interna O projeto caracteriza-se pelas bruscas mudanças na morfologia dos três bairros, antes mais voltados ao uso residencial, e agora expoentes de uma nova centralidade paulistana, voltada ao uso empresarial181. Ele não está baseado nas relações particulares com os três contextos urbanos existentes, mas com a homogeneização de uma artéria principal, onde as relações são basicamente da natureza da conexão urbana de veículos. Variação de Usos O novo uso do solo caracteriza-se pela presença de grandes empresas multinacionais e de edifícios de escritórios. Dentro dos bairros, o que se observa é a seguinte tendência para os usos periféricos: Pinheiros – comércio de rua para poder aquisitivo mais baixo; Itaim – verticalização residencial e lazer de alta renda; Vila Olímpia - edifícios de escritórios no lugar das casas antigas182. FRÚGOLI JR., Heitor. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo: Cortez: EDUSP, 2000. 178 Idem, p. 223 179 FIX, Mariana. “A fórmula mágica da parceria: Operações urbanas em São Paulo”. In: Cadernos de Urbanismo. Secretaria Municipal de Urbanismo, RJ, ano 1 / no. 3, 2000. 180 CARLOS, op. cit. 181 Idem 182 Idem 177

CAPÍTULO 1 - O PROJETO URBANO NO CENTRO

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O programa de investimentos inclui, além das obras viárias, um novo terminal de ônibus e habitações de interesse social (para a população carente das redondezas), habitações multifamiliares (também para a população das redondezas), praças e equipamentos institucionais para comportar o súbito aumento populacional. Massa Edificada As massas edificadas são caracterizadas pelas torres isoladas de escritórios que não formam uma massa contínua, mas sim dispersa espacialmente. A Operação Urbana não definiu um plano de massas para a ocupação da área, ficando a cargo dos projetos dos edifícios as relações entre os domínios público e privado183. (fig. 47, 48 e 49) O projeto sofreu muita resistência da população em função das demolições e da modificação do caráter dos espaços, antes predominantemente residenciais. Após negociações, os moradores conseguiram restringir ao menos a altura dos edifícios propostos. Estratégias de Implantação A Operação Urbana Faria Lima está diretamente ligada à idéia da valorização imobiliária de uma área determinada. O sistema de parceria estabelecido entre o poder público e a iniciativa privada neste caso visa os seguintes objetivos, conjuntos ou isolados, por parte da iniciativa privada184: 1- Aumentar a área construída do imóvel; 2- Aumentar a ocupação do terreno; 3- Implantar usos e atividades não previstas no zoneamento; 4- Anexar área remanescente de desapropriação; 5- Obter cessão do espaço público aéreo ou subterrâneo. Dentre as características da operação realizada, destaca-se os incentivos para o remembramento dos lotes e para destinar, no térreo dos edifícios, áreas de circulação e atividades de uso público, da mesma forma em troca do aumento de potencial construtivo. Os recursos captados através da venda de potencial construtivo adicional advindo das ações acima servem para financiar as obras de infra-estrutura, o que representa a contrapartida paga à prefeitura, interessada na viabilização da transformação. Vale ressaltar que o potencial adicional a ser adquirido tem limite de metragem, sendo consentido um aumento de até 4 vezes a área do lote185. Os recursos da venda de potencial construtivo, ao invés de serem aplicados em HIS (habitação de interesse social), como nas Operações Interligadas, são em geral destinados para obras e serviços dentro da própria área definida para a operação. Fator importante é que a captação dos recursos se dá antes da execução das obras, não tendo o poder público que investir capital antecipadamente nas obras de infra-estrutura para vir a lucrar a longo prazo. A operação está programada para durar 20 anos. Programa A área de intervenção dividiu-se em dois setores: um setor diretamente e outro indiretamente beneficiado pela operação. O primeiro contempla os lotes voltados para a Faria Lima e as ruas principais transversais. O segundo, os lotes voltados para as demais vias dentro do perímetro da operação186. As atividades criadas ou potencializadas foram os usos de escritórios, comércio e serviços. Proliferaram-se estacionamentos ocupando os terrenos vazios e ao longo das vias. 183

Não foi possível identificar a taxa de ocupação do solo através das fontes pesquisadas, sobretudo devido à ausência de um plano de massas definindo a forma final da avenida. 184 CARLOS, op. cit. 185 FIX, op. cit. 186 Prefeitura de São Paulo. Op. cit.

CAPÍTULO 1 - O PROJETO URBANO NO CENTRO

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Os usos reduzidos foram as residências, substituídas pelos usos acima descritos, devido à evasão da população ocasionada pela brusca mudança das características do espaço urbano. Espírito do Projeto Operação de renovação urbana que propõe a desapropriação de grandes áreas construídas para a implantação de grande eixo de conexão urbana, que não tem como prioridade a formalização dos espaços coletivos e está relacionado às propostas rodoviaristas ocorridas em épocas passadas em várias grandes cidades brasileiras. ANÁLISE CRÍTICA A Operação Urbana Faria Lima tem como problema fundamental ‘abrir mão’ da concepção geral das massas edificadas e espaços públicos como forma de direcionar os projetos arquitetônicos. A ausência de forma na elaboração da operação gerou a mesma ausência de forma no resultado final. A ‘cirurgia urbana’ acarretada pelo traçado da nova via criou um quarto contexto, diferente dos três contextos iniciais. Uma abordagem diferenciada dos espaços da nova avenida associado à determinação de um plano de massas traria enormes benefícios aos novos espaços. Podemos observar que o projeto, no que se refere à operação de parceria, apresenta aspectos positivos e negativos (gerais e específicos) a saber: (Positivos) (1) A parceria público-privado possibilita a implementação de propostas mais ambiciosas, por não estar o orçamento vinculado à receita do poder público; (2) A Operação Urbana permite que a legislação de determinada área - que ser apresente como oportuna para investimentos de requalificação ou desenvolvimento - seja revista ou flexibilizada, impedindo o seu congelamento. (Negativos gerais) (3) Se o ‘empreendimento’ der lucro, este é dividido entre estado e iniciativa privada, porém se der prejuízo, o estado paga a conta; (4) As intervenções destro desse sistema pressupõem o interesse do mercado imobiliário, o que gera investimentos não necessariamente em áreas prioritárias, mas em áreas privilegiadas. Com isso, a operação urbana não impede a concentração de renda, criando uma cidade própria de acordo com os interesses privados; (Negativos específicos) (5) A operação gerou “limpeza social”, ou seja, a expulsão de milhares de pessoas residentes, que muitas vezes migraram para as favelas. 1.3.6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Os cinco projetos recentes analisados – todos executados no marco da década de 90 – demonstram as diferentes escolhas conceituais que caracterizam a era contemporânea, desde as propostas de resgate da cidade tradicional (Berlim e Paris) até a proposta de forte impacto formal (Almere), passando pela proposta da imagem globalizada de cidade (Rotterdam) e pela intervenção de cunho rodoviarista (São Paulo). Essas propostas, embora com alguns pontos de interseção, têm espíritos contraditórios. As propostas que caracterizam-se pelas negações de sinais da contemporaneidade (fluxos, mutação, vazios, contrastes, caos) transmitem imagens de maior estaticidade e estão vinculadas à imagem nostálgica de um passado de ‘qualidade urbana insuperável’ (Berlim e Paris). A proposta de mais forte ligação com a dinâmica

CAPÍTULO 1 - O PROJETO URBANO NO CENTRO

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da cidade contemporânea precisa fazer uso de uma forma de grande impacto espacial para transmitir esse espírito (Almere). A proposta focada na idéia da cidade globalizada (Rotterdam), embora bem resolvida conceitual e formalmente, carece de complexidade na interpretação de variáveis como áreas públicas e privadas e suas novas relações, ficando o resultado resumido à concentração de novas edificações de variados usos ocupando uma área de expansão, sem maiores atrativos urbanos. Fora da polarização conceitual está a proposta de renovação urbana (São Paulo), que, por prescindir de partido espacial definido, se resume à lenta locação de edifícios isolados monofuncionais que pouco contribuem para a recuperação e vitalidade dos espaços públicos da cidade.

POTSDAMER PLATZ

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28

FIG. 27 – Columbushaus – Eric Mendelson FIG. 28 – Concurso Potsdamer Platz – vencedores Renzo Piano e Christoph Kohlbecker FIG. 29 – Marlene Dietrich Platz FIG. 30 – Galeria coberta N-S FIG. 31 – Forte definição domínios público e privado, e alguns pontos de tensão

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MARGEM ESQUERDA DO SENA

32 33 FIG. 32 – Bairro isolado entre o Rio Sena e a malha ferroviária FIG. 33 – Biblioteca Nacional da França FIG. 34 – Canteiro da construção recobrimento da malha ferroviária

do

FIG. 35 – Área de lazer marginal ao rio FIG. 36 – Gabarito constante e ponto focal na Biblioteca

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36 35

CENTRO URBANO DE ALMERE

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FIG. 37 – Corte da laje inclinada proposta

FIG. 38 – Áreas vazias destinadas ao projeto

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FIG. 39 – Plano de Massas do OMA

FIG. 40 – Skyline elevado da área empresarial

FIG. 41 – Bloco de baixa altura predominante 39

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KOP VAN ZUID

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FIG. 42 – Ponte Erasmus, de Van Berkel & Bos FIG. 43 – Vias desprovidas de espaços de permanência FIG. 44 – Novos e antigos edifícios FIG. 45 – Edifício do cinema 44

FIG. 46 – Verticalização do Píer

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OPERAÇÃO URBANA FARIA LIMA

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FIG. 47 – Ed. Birmann 31, de Skidmore, Owings & Merrill

FIG. 48 – Ed. Maria Cecília Lara Campos, de AIC Arquitetura e Gerenciamento

FIG. 49 – Ed. Faria Lima Financial Center, de Hellmuth, Obata + Kassabaum (HOK), Fernando Iglesias Arquitetos e Collaço & Monteiro Arquitetos

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QUADRO RESUMO DA METODOLOGIA DE PROJETO – PARTE 2 REFERÊNCIA TEÓRICA

CATEGORIA

PROJETOS DE REFERÊNCIA (CRÍTICA)

Articulação/acessibilidade dos espaços Fluxos (efemeridade / nomadismo)

SISTEMA DE FLUXOS VEÍCULOS PEDESTRES TRANSPORTES

Potsdamer/Paris/KvZ – permeabilidade de pedestres Paris – conexão entre os dois lados antes separados Paris/KvZ – ampliação do sistema de transportes Almere – placa elevada sobre as vias

Articulação/acessibilidade dos espaços Espaço público Elemento forte

SISTEMA DE ESPAÇOS PÚBLICOS VÁRIAS ESCALAS ÁREAS VIVAS ÁREAS MORTAS

História Lugar / contexto Antigo e novo Superposição de idades

PREEXISTÊNCIAS URBANÍSTICAS ARQUITETÔNICAS MONUMENTOS MARCOS BARREIRAS TOPOGRAFIA

Articulação/acessibilidade dos espaços Novidade urbana Catalisador / âncora Elemento forte

ESTRUTURA INTERNA PONTOS FOCAIS FORÇAS VISADAS

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade

VARIAÇÃO DE USOS PRINCIPAIS COMPLEMENTARES

Normativas / regras Fragmentação / hibridismo / paradoxos Forma aberta

MASSA EDIFICADA DISPOSIÇÃO DOMÍNIOS PÚBLICO/PRIVADO ALTO/BAIXO ACESSOS TAXA DE OCUPAÇÃO

Tempo, estratégias e oportunidades Agentes e parcerias Elemento forte Acupunturas

ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade Elemento forte

PROGRAMA

Superposição de idades Fragmentação / hibridismo / paradoxos Fluxos (efemeridade / nomadismo) Forma aberta Elemento forte

ESPÍRITO DO PROJETO

Paris – espaços públicos entre edifícios Potsdamer – rua comercial de pedestres coberta Almere – boulevard cultural

Paris – preservação monumentos Potsdamer – valorização da memória urbana Paris/KvZ – novos usos para antigos edifícios Paris – preservação da idéia do vazio

Potsdamer/Paris/Almere/KvZ – mais de um ponto focal

Potsdamer/Paris/Almere/KvZ/Faria Lima – residências Potsdamer – atividades de maior vitalidade no espaço principal Potsdamer/Paris/Almere/KvZ – uso de lazer Paris – uso universitário Almere – cruzamento de funções vertical e horizontalmente Potsdamer – forte definição dos domínios Paris – quarteirão aberto conformando as ruas e espaços públicos Almere – mescla dos domínios público e privado

Potsdamer/Almere/KvZ – plano de massas feito por 1 escritório e edificações por vários arquitetos Paris – projeto dividido em várias etapas Paris/Almere/KvZ/Faria Lima – vários atores envolvidos KvZ – grande divulgação do projeto Potsdamer – funções âncora – ócio, comércio e cultura Paris – funções principais – cultural, universidade e terminal Almere – valorização da cultura e lazer em área destacada Paris – valorização da rua e conceito de quadra aberta Almere – interpenetração dos domínios público e privado criando novas relações espaciais KvZ – projeto como símbolo da contemporaneidade

POTSDAMER PLATZ LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

BERLIM RENZO PIANO/C. KOHLBECKER 1992 15 Ha NOVA CENTRALIDADE

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Recuperação traçado da antiga Potsdamer Strasse Vias corredores de veículos e pedestres em espinha de peixe Pesada infra-estrutura de metrô Grande permeabilidade peatonal

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Duas praças de importância unidas pela Potsdamer Strasse Rua comercial de pedestres Vias apropriadas à escala dos pedestres Espaços de convívio bem distribuídos

3- PREEXISTÊNCIAS

Edificações existentes preservadas Projeto parte das preexistências urbanísticas, como as duas praças Memória mais recente e ‘negativa’ do local desconsiderada

4- ESTRUTURA INTERNA

5- VARIAÇÃO DE USOS

6- MASSA EDIFICADA

7- ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Três pontos focais articulam o espaço – Potsdamer Platz+Marlene Dietrich Platz+Rua comercial coberta Visadas de interesse surgem da relação entre edifícios/espaços públicos

Forte definição dos domínios públicoprivado e espaços públicos Gabaritos contínuos com pontos de tensão estratégicos 43% construções / 33% vias

8- PROGRAMA

Estabelece como funções âncora: ócio, comércio e cultura 56% escrit. / 19% res. / 11% com. / 9% hotéis / restante lazer e cultura

Escritórios / habitações / comércio / hotel / cinemas / teatro / cassino Atividades de maior vitalidade concentradas em torno da Marlene Dietrich Platz

Venda dos terrenos para empresas privadas Estas promoveram concursos e tocaram as obras Plano de massas realizado por um escritório Edificações projetadas por diversos arquitetos

9- ESPÍRITO DO PROJETO

Resgate da forma da cidade européia compacta Simulação do processo evolutivo com a continuidade do tecido, variação de fachadas, mescla de atividades e leves interrupções do discurso arquitetônico principal Negação do vazio

MARGEM ESQUERDA DO SENA LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

PARIS C. DEVILLERS / J. LUCAN 1991 130 Ha EXPANSÃO URBANA

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Eixo estruturador é a nova Avenida sobre a linha férrea Conexões N-S e L-O para pedestres e veículos Nova linha de metrô Grande permeabilidade peatonal

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Boulevard no estilo francês Grande espaço público no centro da Biblioteca Via marginal ao rio para lazer Várias praças distribuídas por toda a área de intervenção

3- PREEXISTÊNCIAS

4- ESTRUTURA INTERNA

Dois pontos focais principais – Biblioteca + Estação de Austerlitz Relação direta das novas edificações e dos espaços públicos com o rio

6- MASSA EDIFICADA

Sempre conforma a rua Conceito da quadra aberta Gabaritos de acordo com a cidade Ponto focal com gabarito marcante 54% construções

8- PROGRAMA

Funções principais: biblioteca, universidade e estação TGV 5 mil res. / 900 mil m2 escrit. / 300 mil m2 esp. públicos / 150 mil m2 industr. comércio / escolas / cinemas / portos

Edifícios importantes existentes mantidos com novo uso Preservação da idéia do vazio, na forma de praças associadas aos edifícios

5- VARIAÇÃO DE USOS

Biblioteca / universidade / estação / edificações residenciais para diversas classes / comércio / espaços empresariais / atividades complementares

7- ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Prefeitura - 80% dos custos / outros acionistas - 20% a 1 etapa – localização grandes eventos e solução linha férrea, transportes, divisão de bairros, sistema viário e a parâmetros urbanísticos gerais / 2 etapa – desenho das a massas edificadas / 3 etapa – projetos arquitetônicos

9- ESPÍRITO DO PROJETO

Espírito da Paris Haussmaniana – grande eixo com edifícios como massas contínuas de gabarito uniforme conformando ruas tradicionais Valorização da rua e conceito da quadra aberta Negação do caos

CENTRO URBANO DE ALMERE LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

ALMERE OMA – REM KOOLHAAS 1994 25 Ha (*) ÁREA CENTRAL

(*) área aproximada, referente somente ao trecho da placa

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Grande estrutura (placa elevada) separa fluxos pedestres e veículos Ligação diagonal conecta as praças Vias de pedestres variáveis Escadas rolantes e rampas conectam os dois níveis

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Principal é boulevard cultural do lago Espaços públicos da placa para pedestres Contemplados alguns espaços públicos existentes de importância

3- PREEXISTÊNCIAS 4- ESTRUTURA INTERNA

Baseada no modelo do pôlder holandês Dois pontos focais - área da estação + Boulevard cultural do lago Visadas de interesse na placa e na relação com o rio

6- MASSA EDIFICADA

Trecho de torres isoladas Trecho da placa com edificações mais baixas Mescla do público e privado 45% construções

8- PROGRAMA

Dois setores: Business center + área de comércio, cultura e entretenimento 130 mil m2 empr. / teatro / concertos / bibl. / escola de artes / 1100 res. / 53 mil m2 com. / hotel / hospital / 9 mil m2 área de lazer / serviços / estac.

Contraposição à cidade existente Preexistências não são relevantes Relações livres entre o novo e existente

5- VARIAÇÃO DE USOS

Empresas / cultura e entretenimento / comércio / habitação / serviços Cruzamento de funções horizontal e verticalmente Pólo empresarial concentrado Placa com atividades de uso público

7- ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Processo envolveu diversas camadas de interessados, além do poder público Master Plan de Koolhaas Projetos de arquitetura de vários escritórios Resto do centro da cidade também revitalizado

9- ESPÍRITO DO PROJETO

Dois gestos projetuais marcantes para mostrar a intervenção Forma de impacto para ‘criar’ cidade Interpenetração dos domínios público-privado Forte contraste com a cidade existente

KOP VAN ZUID LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

ROTTERDAM TEUN KOOLHAAS 1987 125 Ha

ÁREA PORTUÁRIA / NOVA CENTRALIDADE

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Ponte como elemento de conexão com a cidade Malha de vias ortogonais conectam todos os pontos Novas linhas de bonde e metrô Grande permeabilidade do sistema

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Vias sem muitos espaços de convívio Destaque para as vias marginais ao rio, com privilegiado panorama da cidade

3- PREEXISTÊNCIAS

Estruturas originais do porto preservadas com novos usos Edificações históricas preservadas

4- ESTRUTURA INTERNA

5- VARIAÇÃO DE USOS

6- MASSA EDIFICADA

7- ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

8- PROGRAMA

9- ESPÍRITO DO PROJETO

Dois pontos focais – Ponte e Píer Ponte cria marco simbólico Píer cria centralidade Relação direta com o rio através da geometria recortada

Residencial (luxo e social) / empresarial / comercial / educacional / cultural / lazer Píer concentra edifícios empresariais

Massa horizontal compondo ‘quadras’ Sistema de Parceria Público – Privado (PPP) Torres altas isoladas no Píer Vários atores envolvidos 39% construções / 35% vias Campanhas pré-implantação divulgando o projeto como chave do desenvolvimento local e nacional Arquitetos holandeses e estrangeiros para as edificações

Uso empresarial como mote 400 mil m2 escrit. / 5300 res. / 35 mil m2 com. / 30 mil m2 serv. / 90 mil m2 ind. leve / espaços educacionais / funções especiais / teatro / cinema

Projeto como símbolo da contemporaneidade, globalização e prosperidade econômica Relações internas de contraste e adição características da cidade contemporânea Integração à cidade existente

OPERAÇÃO URBANA FARIA LIMA LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

SÃO PAULO JÚLIO NEVES 1995 450 Ha SISTEMA VIÁRIO / NOVA CENTRALIDADE

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Avenida como âncora do desenvolvimento da operação Avenida expressa para melhor conectar a cidade Voltada ao tráfego de veículos e desfavorável para os pedestres

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Exclusivamente as calçadas Despreocupação do projeto com esta categoria

3- PREEXISTÊNCIAS

Grandes demolições das estruturas existentes ‘Cirurgia’ urbana Brutal alteração de contexto

4- ESTRUTURA INTERNA

5- VARIAÇÃO DE USOS

6- MASSA EDIFICADA

7- ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

8- PROGRAMA

9- ESPÍRITO DO PROJETO

Projeto voltado para a conexão de veículos, não estabelece relações espaciais internas ou externas relevantes

Ausência de plano de massas definindo as relações entre domínios Torres isoladas sem relação com os espaços públicos

Principais atividades – escritórios, comércio e serviços O aumento dessas atividades provocou redução do uso residencial

Empresas / habitação social / residências / praças / equipamentos institucionais

Operação Urbana de parceria entre poderes público e privado Envolve venda de potencial construtivo Com esses recursos são financiadas as obras infraestruturais Captação de recursos antes de iniciar as obras Operação de renovação urbana Caráter rodoviarista Baseada na substituição dos contextos existentes

O Morro de Santo Antônio no início do século XX

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CAPÍTULO 2 A ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO E SUA HISTÓRIA Visões sobre o local A finalidade deste capítulo é fazer a aproximação na área de intervenção de forma a compreender a sua história, explorar as diferentes visões e os projetos já realizados, e fazer a análise da realidade atual do local. Está dividido em três etapas, onde: (2.1) A primeira traça um breve histórico da evolução urbana da Esplanada; (2.2) A segunda analisa os projetos existentes para o local, de forma a expor as diferentes visões dos arquitetos ao longo do século XX sobre a forma de ocupação da área remanescente do desmonte do Morro de Santo Antônio e elaborar a crítica a respeito delas. Foi elaborada uma narração cronológica contemplando todos os fatores relevantes da historia do século XX; (2.3) A terceira faz a análise detalhada da situação atual, resultante de várias intervenções ao longo dos últimos 50 anos, para tornar possíveis as proposições do próximo capítulo. Dessa forma, unem-se às teorias colocadas no capítulo 1 a história e a crítica colocadas neste capítulo, estabelecendo assim as três bases indispensáveis para a elaboração das propostas de intervenção.

CAPÍTULO 2 – A ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO E SUA HISTÓRIA

2.1

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HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO URBANA São ruas surgidas, cada uma a seu tempo, como um fio que se fosse estendendo da praia para os campos mais distantes, no Rio colonial.187

O interesse da primeira etapa desse capítulo é narrar em linhas gerais a evolução urbana do entorno do Morro de Santo Antônio e o surgimento dos seus principais espaços e monumentos, relacionando-os com os alguns momentos históricos do centro do Rio de Janeiro. Portanto, todas as informações das antigas ruas que encostam, contornam ou modificam o Morro serão importantes para o entendimento, nas páginas seguintes, das propostas de intervenção realizadas no século XX. A evolução urbana do centro do Rio ocorreu no sentido L-O, a partir do mar, tendo como primeira centralidade o Largo do Paço188, sede do poder colonial e local de concentração de edifícios politicamente representativos dessa fase histórica, como o Palácio dos Governadores (Paço Imperial). A Construção do Convento de Santo Antônio iniciou-se no começo do século XVII, no lugar de uma antiga ermida de mesmo nome. Nessa época, o Morro ainda não havia sido ocupado, por encontrar-se cercado por lagoas que o isolavam geograficamente. Só havia o caminho de acesso ao Convento. Caminhos percorriam as bordas e cercanias do Morro, como o caminho da Bica e o Mata-Cavalos (atual Riachuelo), ainda não configurados como logradouros regulares189. (fig. 50) A malha urbana regular e consolidada desde o início da ocupação da cidade ainda se encontrava contida entre o quadrilátero dos morros do Castelo, São Bento, Santo Antônio e Conceição, além do núcleo inicial no alto do Morro do Castelo, embora já ensaiasse uma expansão através dos ditos caminhos irregulares, margeando essas áreas alagadiças190. A Rua da Ajuda foi uma dessas vias que iniciou a expansão além-morros. Margeando a lagoa de Santo Antônio, ela direcionava-se para a baía e para os lados do Morro de Santa Teresa (ou do Desterro, como já foi denominado). A lagoa de Santo Antônio, que localizava-se na área que se estende hoje do Largo da Carioca até a Cinelândia, foi aterrada em 1712, dando início a uma série de transformações a que se prestariam as bordas do Morro de Santo Antônio nos anos seguintes. Outros conventos foram gradualmente surgindo no local, como o da Ajuda, Lapa e Santa Teresa, responsáveis pela consolidação do sistema de caminhos que cortavam essa região entremorros. Enquanto isso, as ruas da malha regular também começavam a estender-se, uma delas ‘encostando’ no Morro de Santo Antônio, a Rua São José, no eixo do Convento191. (fig. 51) A atual Rua Treze de Maio, antiga Bobadela, ou Guarda-Velha, também surgiu depois do aterramento da lagoa de Santo Antônio. Um beco que a ligava à Rua da Ajuda se transformaria na atual Rua Almirante Barroso, que de seu prolongamento surgiria no século XX uma das duas principais vias que cruzam a Esplanada de Santo Antônio192. Outra pequena via ligava as duas maiores (Ajuda e Bobadela), a Travessa de Santo Antônio, hoje Rua Bethencourt Silva, que abriga a estação de Metrô Carioca. GERSON, Brasil. História das ruas do Rio. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 2000; p. 108. SISSON, Raquel. “Os Três Centros do Rio”. Revista Municipal de Engenharia. Rio de Janeiro: Out/Dez/1983, p. 58. Segundo o texto, o primeiro eixo de deslocamento na várzea era o eixo N-S, que ligava o núcleo inicial do Morro do castelo até o centro religioso no Morro de São Bento, ficando o Largo do Paço no meio do caminho. 189 SABÓIA RIBEIRO, José Otacílio. “Urbanização da Esplanada de Santo Antônio”. In: Revista Municipal de Engenharia. Rio de Janeiro: Janeiro/1944. 190 BARREIROS, Eduardo Canabrava. Atlas da Evolução Urbana da Cidade do Rio de Janeiro – Ensaio 1565-1965. Rio de Janeiro: IHGB, 1964. 191 SABÓIA RIBEIRO, op. cit. 192 GERSON, op. cit. 187 188

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A Rua da Carioca (ou do Piolho) surgiu como um prolongamento da Rua da Assembléia, ainda na segunda metade do Seiscentismo. Mas foi no século XVIII que se transformou em uma rua com edificações dos dois lados. Só no período Pereira Passos ela adquiriria a configuração que ela tem hoje, mais larga e com arquitetura eclética. A Rua Evaristo da Veiga surgiu ainda no século XVIII como consolidação de um dos caminhos dos conventos, e no início do século XIX já se instalaria ali a Polícia Militar. Foi no período dos Vice-Reis, a partir de 1765, que a expansão desse miolo inicial da cidade ocorreu de forma mais intensa. Logradouros mais largos que os 30 palmos das ruas mais antigas inauguram novas áreas de expansão urbana, como a Rua do Riachuelo, Rua dos Arcos, Rua do Lavradio e Rua Visconde do Rio Branco. Pântanos e lagoas aos poucos seriam dominados pela malha viária, e a cidade se expandiria na direção oeste, para além da Rua da Vala, atual Uruguaiana193. O trecho entre o Morro de Santo Antônio e o Morro do Senado tem ocupação desse período, delimitado pelas ruas do Lavradio e dos Inválidos. O desenvolvimento do centro sobre o eixo L-O ‘desviou-se’ do Morro de Santo Antônio e consolidou áreas mais distantes do mar, além do Campo de Santana194. O período Imperial constituiu uma nova centralidade nesta área, que também concentrava uma série de edifícios representativos deste período. O Passeio Público foi construído sobre o aterro da Lagoa do Boqueirão. Os jardins foram concebidos por Mestre Valentim, adepto da escola francesa, ainda no final de século XVIII, encomendados por um dos Vice-Reis. Posteriormente, Glaziou, em 1860, foi encarregado da reforma dos jardins já um tanto abandonados, dando a eles as linhas inglesas que tem hoje195. A Praça Tiradentes, antigo largo do Rocio, no prolongamento da Rua da Carioca, tornou-se, com a construção do Teatro Real de São Carlos (atual João Caetano) no início do século XIX, um centro de grande vitalidade e significação cultural196. As ruas Pedro I e Silva Jardim, ambas na costa do Morro, são do mesmo período, e a Igreja Presbiteriana ali localizada data de 1863. A Rua Senador Dantas foi uma das últimas ruas do entorno a ser aberta, em 1886, como mais uma alternativa de saída para a zona sul. (fig. 52) O entorno do Morro reunia dois dos principais monumentos do Brasil colonial, os Arcos da Lapa, aqueduto construído no século XVIII para trazer água do Rio Carioca através de Santa Teresa até a cidade baixa, e o Convento de Santo Antônio, já descrito. Em 1895, é inaugurada a linha de bondes puxados a burro que partia da Rua da Carioca até Santa Teresa (Companhia Ferro Carril Carioca), passando por sobre os Arcos197. (ver fig. 60 a 64 – evolução histórica dos Arcos da Lapa) A maior parte das terras do Morro pertencia ao Convento. Não existiam quase ruas percorrendo seu interior, praticamente só o seu acesso e a linha de bondes que ligava o Largo da Carioca até Santa Teresa. Surgiu no final do século XIX uma favela no local, mantendo-se até o desmonte198. O sistema viário permaneceu quase que inalterado até a data da sua demolição, já no Século XX. (fig. 53, 54 e 55) O Largo da Carioca, que já existia como espaço público desde a época do aterramento da Lagoa de Santo Antônio e teve várias configurações diferentes, foi ampliado por Pereira Passos no início do século XX. SABÓIA RIBEIRO, op. cit. Segundo Sisson, o Campo de Santana, assim como o Largo do Paço, representava uma encruzilhada de caminhos significativos, sendo o eixo L-O o caminho para o Paço de São Cristóvão. 195 GERSON, op. cit. 196 Idem 197 Idem 198 ABREU, Maurício de Almeida. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLAN-RIO/Zahar, 1988; p. 88. 193 194

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Foi essa reforma que mudou a fisionomia da cidade no início do século passado com a abertura da Av. Rio Branco. Nela estão as origens da ligação N-S da cidade através do centro materializada pela Av. Central (atual Rio Branco) - que durante o século XX foi tema de discussão e diferentes propostas, que serão analisadas na etapa seguinte. Por este fato, a Reforma Passos merece uma ênfase especial. (fig. 56 e 57) Reforma Urbana Pereira Passos A Reforma Passos estava baseada em atributos como eficácia, saneamento, limpeza, novas construções e beleza, que caracterizariam a cidade capital da República no século XX. Voltado também para a política de imigração, incluía, além da abertura de ruas, as obras no porto - porta de acesso dos estrangeiros ao Brasil199. (fig. 58) A reforma previa a ligação do Porto à zona sul, a maior comunicação entre os bairros da cidade e o franqueamento do acesso ao centro da cidade, que não era até então muito imediato. Estabelecia como eixo prioritário a ligação N-S – a Av. Central com seus importantes equipamentos públicos - do Porto aos novos bairros da zona sul, localizando no eixo L-O as áreas industriais e o primeiro conjunto residencial para baixa renda, no caminho dos bairros da zona norte. Dessa forma, contribuiu para a polarização zona sul x zona norte. Os usos da avenida mesclavam o cultural, comercial e bancário-financeiro divididos em três setores, vedando o uso residencial. Portanto, nesta fase republicana, a reforma consolidou o eixo N-S novamente como o principal vetor de desenvolvimento do centro da cidade, sendo a Praça Marechal Floriano a nova centralidade200. O Morro de Santo Antônio estava ali, adjacente a este novo ‘core’, representando uma nova área de expansão para o centro. (ver fig. 10) A Av. Mem de Sá também foi uma obra de Pereira Passos, aberta após o desmonte do Morro do Senado, no início do século XX, como uma ligação direta diagonal da Lapa à Rua Frei Caneca. Por fim, a construção da Cinelândia e do quarteirão Serrador data da década de 1920, no terreno remanescente do antigo Convento da Ajuda, demolido. Esta foi a área de grande efervescência cultural do Rio de Janeiro até a década de 50. (fig. 59) Assim estava constituída a malha viária e os principais espaços públicos do entorno da futura Esplanada de Santo Antônio até meados da década de 1920, data em que começaram a surgir as propostas de maior relevância para retirada do Morro e ocupação da área resultante. A etapa seguinte tratará da evolução da área no século XX, a partir do Plano Agache (fim da década de 20), marco do urbanismo da cidade, e se concentrará nas propostas de intervenção para a área da Esplanada.

BENETTI, Pablo. Projetos de Avenidas no Rio de Janeiro (1830-1995). Tese Doutorado FAU/USP. São Paulo, 1997. 200 SISSON, op. cit. 199

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FIG. 50 – Pintura de Grimm (1846-1887) retratando a partir do Morro de Santa Tereza o panorama do Centro, com o Morro de Santo Antônio em segundo plano FIG. 51 – Convento da Ajuda (já no século XX) FIG. 52 – Teatro Real de São Carlos (atual João Caetano)

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FIG. 53 – Vista do alto do Morro de Santo Antônio FIG. 54 – Favela do Morro de Santo Antônio, manteve-se até a demolição do morro

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FIG. 55 – Morro de Santo Antônio no início do século XX FIG. 56 – Chafariz do Largo da Carioca FIG. 57 – Edifício da Tribuna da Imprensa, já demolido, adjacente à escadaria do Convento de Santo Antônio FIG. 58 – Avenida Central, Convento da Ajuda e Palácio Monroe FIG. 59 – Cinelândia recém construída 57

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61 FIG. 60 – Arcos da Lapa - 1758 FIG. 61 – Arcos da Lapa - 1858 FIG. 62 – Arcos da Lapa – 1906 FIG. 63 – Arcos da Lapa - 1958 FIG. 64 – Arcos da Lapa - 1988

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Os Arcos da Lapa retratados pelo cartunista Jano

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2.2

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PROJETOS EXISTENTES Nesses acontecimentos urbanísticos está registrado que, desde os projetos de Gandjean de Montigny, Passos, Agache, Reidy e Sabóia Ribeiro, até as alterações propostas pelo IPHAN e pela Prefeitura nas décadas de 1970 e 1980, essa área do Centro foi projetada e sempre consolidada com a intenção de constituir um setor alternativo para o crescimento da cidade.201

Cada momento histórico teve uma forma de expressão diferente na cidade. O centro do Rio já foi pensado de várias formas, segundo influências e inspirações de cidade diversas. A Esplanada de Santo Antônio foi criada a partir do vazio, um exemplar de Tabula rasa do século XX. A atitude de ocupar uma área vazia reclama critérios que estão ligados a essas diferentes visões de cidade ao longo do tempo. É objetivo desta etapa narrar cronologicamente os projetos oficiais202 existentes para a Esplanada de Santo Antônio, expor as suas principais características e as diferentes visões dos arquitetos ao longo do século XX sobre como ocupá-la, e elaborar a análise crítica e comparativa entre eles. Os projetos analisados são: 1. Plano Agache (1930) 2. Projeto de Sabóia Ribeiro (1941) 3. Projeto de Reidy (1948) 4. Projeto de Reis (1956) 5. Projeto de Ferreira, Taulois e Magalhães (1986) Os textos estruturam-se da seguinte forma: § Cronologicamente, serão expostos os vários projetos já pensados para a área. § Dentro de cada projeto, há uma contextualização dos conceitos gerais com o pensamento urbanístico predominante em cada época. § Posteriormente, a caracterização do projeto dar-se-á contemplando as mesmas categorias destacadas no capítulo 1 e utilizadas nas análises dos projetos recentes: sistema de fluxos, sistema de espaços públicos, preexistências, estrutura interna, variação de usos e massa edificada. § Em seguida, serão destacados para cada projeto o programa determinado e o espírito transmitido por cada um. § Finalmente, será feita uma análise crítica da proposta. É importante ressaltar que a maioria dos projetos foi elaborado anteriormente ao desmonte do morro, porém o último deles foi pensado três décadas depois, o que altera o conceito da proposta de intervenção. Cada exposição tentará evidenciar o contexto urbano de cada época, levando em conta as transformações da cidade no decorrer dos anos, e a abrangência e recorte de cada projeto. As primeiras propostas de intervenção na área do Morro de Santo Antônio datam ainda do início do século XIX. Foi Grandjean de Montigny203 quem elaborou o primeiro projeto para o local prevendo a retirada parcial do Morro, dentro do plano de “Beaux Arts” elaborado para o Rio de Janeiro. Ele propunha uma ligação direta entre o antigo Largo do Rocio, atual Praça Tiradentes, e o Largo da Ajuda, atual GUIMARAENS, Cêça. Paradoxos Entrelaçados: as torres para o futuro e a tradição nacional. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002, p. 235. 202 Oficiais no sentido de terem sido encomendados por sucessivos governos. 203 Professor e Arquiteto (1776-1850), membro da Missão Artística Francesa de 1816. 201

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Cinelândia, denominada Avenida Imperial204, ligação que seria impossível sem esta intervenção radical. A avenida terminaria em uma enorme praça para desembarcadouro junto ao mar. Segundo Donato Mello Júnior, se executada, essa idéia causaria grave conseqüência: a mutilação parcial do Passeio Público em benefício da grande composição urbanística, e a condenação do Convento da Ajuda205. (fig. 65) Grandjean sonhou um projeto de grandeza napoleônica.206 Porém, foi no século XX que sucederam-se os diversos projetos para a reformulação da área. Primeiramente, durante a administração do Prefeito Rivadávia Corrêa (1914 a 1915), foi pensada uma intervenção que não contemplava sua demolição: foram projetados dois túneis que se cortariam perpendicularmente, tendo no cruzamento uma praça circular. Associado a esta intervenção, estava prevista outra, de melhoramento do Morro, que criava novas vias percorrendo-o207. Alguns anos depois, no início da década de 20, é aprovado o Projeto de Embelezamento do Morro de Santo Antônio208, elaborado pela Companhia Industrial Santa Fé, proprietária das terras. Consistia em via que galgava o Morro até conformar no topo uma praça elíptica. Esse projeto foi sofrendo modificações, até ser arquivado em virtude do desmonte que teria se iniciado na administração de Henrique Dodsworth (1937-45). Porém, algumas obras de melhoramento do morro foram realizadas por esta companhia209. 2.2.1 - O PLANO AGACHE A cidade do Rio de Janeiro, com a sua inigualável moldura, a sua cabeleira de florestas, o seu colar de pérolas elétricas, o espelho d’água no qual se mira, está, contudo, sob a ação de certo enfraquecimento; tendo-se desenvolvido rapidamente, acusa todas as mórbidas manifestações de um crescimento que não foi previsto nem guiado. (...) Por que esta oposição entre o seu vasto território e tão lenta evolução? É que a cidade não foi moldada sob um plano concorde com o promissor futuro que a espera.210 Durante a administração do prefeito Prado Júnior, o arquiteto francês Alfred Agache é contratado para elaborar o Plano de Remodelação, Extensão e Embelezamento do Rio de Janeiro, no período de 1927 a 1930, o qual seria o primeiro plano diretor para a cidade do Rio de Janeiro e realização máxima da sua administração. A cidade do Rio de Janeiro tinha na época quase 2 milhões de habitantes. TRAÇOS GERAIS O plano deveria responder ao aumento populacional e à crescente industrialização que 211 alcançava a cidade . Segundo Abreu, era um plano de controle do desenvolvimento da forma urbana

204

Croquis do M.N.BA (n°6538). MELLO Jr, Donato. Rio de Janeiro – Planos, Plantas e Aparências. Rio de Janeiro: Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio, 1988. 206 Idem; p. 122 207 P.A n° 946, de 10/01/16 208 P.A n° 1390, de 14/02/21 209 REIS, José de Oliveira. O Rio de Janeiro e seus Prefeitos: Evolução Urbanística da Cidade. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Editora Lidador, 1977. (IPP) 210 AGACHE, 1930. In: BRITO, Alfredo; NOBRE, Ana Luiza e KOSOVSKI, Lídia (concepção e coordenação geral). O Rio Jamais Visto (Catálogo da exposição). Rio de Janeiro: Out./98 a Jan./99; p. 13. 211 REZENDE, Vera. “Planos e regulação urbanística: a dimensão normativa das intervenções na cidade do Rio de Janeiro”, In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cidade: História e Desafios. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002. 205

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carioca212, mais concentrado no centro e zona sul. Tinha como característica marcante a interdisciplinaridade, ou seja, tratava de assuntos como saneamento e circulação viária, onde inclusive propunha soluções como o metrô para resolver os problemas de trânsito no centro da cidade. Agache tocava ainda em assuntos como as favelas, que para ele deveriam ser erradicadas. A forma urbana idealizada baseava-se nas grandes avenidas arborizadas, nos jardins públicos e nas quadras com edifícios “art déco” colados nas divisas, de igual gabarito, liberando pátios internos comuns para uma melhor ventilação e iluminação das unidades. As calçadas dentro de galerias cobertas tornou-se a marca registrada do seu plano, e podemos observá-las executadas na Esplanada do Castelo e no trecho inicial de Avenida Presidente Vargas, próximo à Candelária. (fig. 66) O plano teve poucas obras realizadas. O Estado Novo engavetou, ao longo da década de 30, as idéias de Agache, assim como tudo que dissesse respeito à república velha, que foi sendo revogado. Entretanto, segundo Rezende, “A grande contribuição do plano encontra-se no nível da produção do conhecimento urbanístico”213. Por muitos, é considerado o plano precursor do modernismo, justamente por abordar a interdisciplinaridade da cidade de maneira justaposta. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO PARA A ESPLANADA A demolição dessa protuberância argilosa é uma conseqüência lógica do arrasamento dos morros do Senado e do Castelo e impõe-se cada vez mais como indispensável para o futuro da cidade, tanto sob o ponto de vista estético como sob os pontos de vista higiênico e econômico. Com esse arrasamento a cidade ganhará algumas centenas de milhares de metros quadrados necessários a criação de seu centro monumental.214 Agache em seu plano propunha a total demolição do Morro de Santo Antônio por razões estéticas, higiênicas e econômicas, conforme descrito na citação acima (o que inclusive já vinha sendo pensado desde antes da demolição do Morro do Castelo) para ali criar uma grande esplanada empresarial. Essa área até então tinha sobrevivido às reformas urbanas realizadas anteriormente na cidade. Sistema de Fluxos Para a área central, o plano consistia em uma rede de eixos e nós para conexão de todo o centro da cidade. Em Santo Antônio, três eixos e duas praças definiam a ocupação. O plano propunha uma praça semelhante à projetada para a Esplanada do Castelo (centro de negócios), denominada Praça de Santo Antônio (centro monumental), que se localizaria no cruzamento de dois novos eixos: A ligação nortesul, paralela à Av. Rio Branco, que partiria da Praça Tiradentes e alcançaria os Arcos da Lapa e a nova Avenida Independência, e a ligação leste-oeste, um eixo de interligação de duas importantes rótulas: A Praça do Castelo e a Praça do Senado (atual Praça da Cruz Vermelha), eixo este que conteria a nova Praça de Santo Antônio já descrita. A nova Avenida Independência, terceiro eixo estruturador, partiria da Praça de Entrada do Brasil, na baía, seguindo paralela à Avenida Mem de Sá. (fig. 67) As demais vias secundárias inscrevem-se dentro da lógica do cruzamento desses eixos, criando uma malha com uma série de paralelismos. Os fluxos de pedestres acontecem nessa rede de vias, sempre dentro de galerias cobertas. Sistema de Espaços Públicos Agache propunha no plano um sistema de espaços públicos integrados, estando dentro da área da Esplanada duas praças: a Praça de Santo Antônio e a praça ligada aos Arcos da Lapa. A primeira 212

213 214

ABREU, Maurício de Almeida. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLAN-RIO/Zahar, 1988. REZENDE, op. cit.; p. 261. AGACHE, Alfred. Cidade do Rio de Janeiro, extensão – remodelação – embelezamento. Paris: Foyer Brézilien, 1930; p. 176.

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e principal caracterizava-se pela forte delimitação espacial e pela monumentalidade dos edifícios circundantes. A segunda, de menores proporções, articulava-se aos Arcos. Criava também um sistema de galerias, ou calçadas cobertas interligando todos os eixos projetados. É inovadora a forma de articulação dos espaços livres públicos propostos, em forma de sistema, reforçando a característica já particular do centro do Rio da existência de muitos largos, praças e parques. Agache transforma os Arcos da Lapa em espaço público quando cria superiormente uma ligação peatonal entre Santo Antônio a Santa Tereza. Preexistências O plano previa a substituição total do tecido urbano colonial existente nas áreas de intervenção por uma nova tipologia de ocupação das quadras, com edifícios colados, porém em lotes maiores e conformando pátios internos comuns. Com relação aos dois principais monumentos existentes, propôs a evidenciação visual do Convento de Santo Antônio e da Igreja da Ordem Terceira da Penitência, que ficariam intactos sobre a colina destacada das novas quadras, e criou uma interessante ligação peatonal ao bairro de Santa Teresa, através de elevador partindo da Praça dos Arcos e esteira rolante atravessando o aqueduto. Estrutura Interna Dentro dessa nova malha articulada, ele criava dois pontos focais de interesse na Esplanada: a Praça de Santo Antônio e a praça ligada aos Arcos, na perspectiva da nova avenida. A primeira caracteriza-se pela monumentalidade através da criação de torres em pontos das quatro quadras conformadoras da praça. A segunda valoriza-se pela própria presença do aqueduto, e da sua nova função, lúdica, contribuindo para a sua utilização além de simplesmente um monumento de contemplação. Algumas visadas de interesse destacam-se na sua proposta: o eixo da Avenida Independência, focando o aqueduto, e as visadas dos dois eixos perpendiculares, focando a Praça de Santo Antônio. A barreira identificada no novo projeto é a quadra localizada antes do Largo da Carioca, que impede a visualização mais panorâmica do Convento. Variação de Usos O uso do solo proposto no plano consistia na ocupação unicamente por prédios de escritórios com galerias comerciais no térreo. Massa Edificada Baseava-se em um tecido homogêneo de quadras semelhantes às novas quadras da Av. Rio Branco e Esplanada do Castelo, caracterizadas por edifícios colados nas divisas e de gabaritos constantes conformando áreas internas comuns. A malha de quadras tem forte definição dos domínios público e privado. O gabarito contínuo só é quebrado nos pontos das torres, localizadas ao redor da Praça de Santo Antônio. (fig. 68) A taxa de ocupação do solo proposta por Agache está na faixa de 35% de vias para 45% de edificações. Programa O programa proposto por Agache tinha o caráter da monofuncionalidade por propor edifícios exclusivamente de escritórios com comércio no térreo, configurando o centro da cidade como um local unicamente de trabalho, e não de moradia. Característica marcante do Plano foi o seu caráter multidisciplinar, ou seja, a abordagem simultânea de várias disciplinas complementares, como saneamento e circulação viária. Espírito do Projeto O plano apresentava traços da École de Beaux-Arts de Paris no que diz respeito ao caráter monumental das intervenções, influências dos higienistas franceses, como Haussmann, e também do

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movimento City Beautiful, devido ao caráter ordenado, monumental e formalizado215. Seu projeto era a expressão do “modelo europeu de cidade” nos trópicos, com alguns tantos anos de atraso. (fig. 69) Ao mesmo tempo, estava comprometido com as idéias de um novo urbanismo, no sentido da não utilização de padrões “envelhecidos”, o que colocava uma questão crucial que até hoje perseguimos: a de como ocupar um área vazia da cidade, tema que lotou a imprensa na época do desmonte do Morro do Castelo, gerador de grande polêmica. ANÁLISE CRÍTICA O Plano Agache, por ser um projeto que contemplava toda a área central, difere-se dos projetos posteriores para a Esplanada que enfocavam áreas menores. Isso faz com que ele atinja certas qualidades intrínsecas que talvez inexistam nos demais, como por exemplo a total conexão de ruas e avenidas, a imagem recorrente das rótulas como pontos focais e a continuidade total do tecido do centro da cidade. Com relação às preexistências, Agache preservava em seu plano os monumentos de inegável valor arquitetônico e as intervenções arquitetônicas mais recentes, como os edifícios da Cinelândia, porém não preservava nada do traçado urbano original. Com isso, foi levado a eliminar, por exemplo, a Rua dos Arcos, via de traçado diagonal à malha predominante, muito antiga (aproximadamente de 1805)216, e que hoje é o endereço da Fundição Progresso, marco referencial do lazer e cultura da região. O Passeio Público, Jardim público do final do século XVIII, também sofre forte intervenção, quando Agache propõe fatiá-lo em duas partes para a passagem da nova Avenida. As perspectivas criadas por Agache geraram vários novos focos de interesse. Porém, a distribuição das quadras em forma de malha não tirou partido, por exemplo, da perspectiva da rua Senador Dantas em direção ao Convento, propondo uma quadra interrompendo sua visualização. 2.2.2 - PROJETO DE SABÓIA RIBEIRO Na década de 40, o urbanista Otacílio Sabóia Ribeiro, colaborando com o Serviço Técnico do Plano da Cidade217, encarregou-se de elaborar novo projeto para a Esplanada218, uma vez que o Plano Agache não havia sido executado pelo Estado Novo. Seu projeto foi aprovado na administração de Henrique Dodsworth, e deu origem ao início do financiamento das obras do desmonte do Morro219. O Plano Diretor elaborado em 1940 pela comissão do Plano da Cidade220 previa a ligação diagonal Lapa - Praça da República, que mais tarde seria negada pela nova concepção de ligação NS idealizada por Reidy. O projeto de Sabóia adotava a primeira opção na sua proposta para a Esplanada. (fig. 70) CARACTERÍSTICAS DO PROJETO PARA A ESPLANADA De dois modos tem sido proposta pelos urbanistas a correção das falhas de planos antigos, obsoletos diante das modernas necessidades urbanas. (...) O segundo método aplicável, em particular, às cidades de planos ortogonais, consiste em superpor ao mesmo um sistema de novas vias de largura e orientação convenientes, ligando, entre

REZENDE, op. cit. GERSON, op. cit. Departamento da Prefeitura do Distrito Federal, criado pelo prefeito Dodsworth, em 1938, encarregado de retomar os estudos e planos urbanísticos propostos por Agache, para readaptá-los às novas condições da cidade. Depois, veio a denominar-se Departamento de Urbanismo. 218 O projeto foi aprovado como P.A n° 3612, em 31/07/1941 219 REIS, op. cit. 220 Comissão reestabelecida pelo prefeito Henrique Dodsworth que contava com profissionais da prefeitura e colaboradores externos, um dos quais Sabóia Ribeiro. 215 216 217

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si, os pontos mais importantes da cidade. É ponto pacífico, entretanto, que a formação ideal de cidade é a que se aproxima do traçado rádio-concêntrico.221 Segundo Sabóia Ribeiro, apesar da abertura de várias ruas, o tráfego em direção aos novos bairros de expansão da área central continuava concentrado no pescoço entre os Morros de Santo Antônio e Santa Teresa. O Morro de Santo Antônio significava portanto um obstáculo, cuja remoção traria enormes benefícios para a cidade, como havia mostrado a urbanização da outra esplanada adjacente, a do Castelo222. Sistema de Fluxos Sabóia defendia a adoção de vias diagonais para a interligação de pontos importantes em meio ao traçado xadrez. Sua proposta tem como geratriz uma grande avenida na diagonal, que interligaria o Passeio Público à Presidente Vargas e Campo de Santana. Outra via importante seria o prolongamento da Rua Almirante Barroso, que atravessaria o Largo da Carioca remodelado, e desembocaria num largo na nova diagonal. (fig. 71) As demais vias, mais estreitas, determinam paralelismos com os dois eixos principais. Os fluxos de pedestres ocorreriam ao longo e transversalmente às vias, através de passagens de pedestres entre os edifícios. Sistema de Espaços Públicos Os espaços livres públicos localizam-se em pontos estratégicos, como ao redor do Convento e na resultante do encontro esconso de quadras, no miolo da intervenção. A criação das pequenas praças entre os edifícios incentiva uma permeabilidade peatonal independente dos eixos de tráfego de veículos. Preexistências Sua atitude em relação aos monumentos foi semelhante à de Agache. A colina do Convento e Igreja permaneceria destacada, com grandes arrimos e largas ruas à sua volta, facilitando sua apreciação. Nota-se que, nessa época, o Largo da Carioca praticamente ainda não relacionava-se com a Avenida Rio Branco, existindo entre os dois um grupo de edifícios propostos antes por Agache, e posteriormente mantidos por Sabóia. Os Arcos receberiam um complemento transversal paralelo à diagonal, e seriam acessados através de escadarias. Para a implantação da diagonal, seria necessária a demolição de uma série de edificações localizadas neste trajeto. Sabóia desconsiderava também em seu projeto o casario antigo da Rua da Carioca, na encosta do Morro, e propunha outras interferências, como a retirada de uma pequena fatia do Passeio Público, igualmente para a implantação da nova diagonal. Estrutura Interna Os pontos focais da proposta de Sabóia acontecem em seqüência ao longo da diagonal. Na Esplanada, esse ponto principal se materializa no encontro da diagonal com o prolongamento da Rua Almirante Barroso. Essa nova forma permitia o surgimento de algumas visadas interessantes, como as perspectivas de todas as vias no entorno do Convento, e a própria diagonal, com sua perspectiva monumental. O traçado da Diagonal provoca também variações interessantes nas perspectivas das vias, com ângulos diferenciados nas esquinas. A barreira identificada no projeto de Sabóia é o grupo de edificações antes dos Arcos, que impede a sua visualização de longe. SABÓIA RIBEIRO, José Otacílio. “Urbanização da Esplanada de Santo Antônio”. Revista Municipal de Engenharia. Rio de Janeiro: Janeiro/1945; p. 10. 222 SABÓIA RIBEIRO, José Otacílio. “Urbanização da Esplanada de Santo Antônio”. In: Revista Municipal de Engenharia. Rio de Janeiro: Janeiro/1944. 221

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Variação de Usos O uso do solo proposto consistia em edifícios de escritórios, serviço e comércio, mesmas atividades propostas por Agache. Massa Edificada A massa edificada seria composta de edifícios de concreto armado enfileirados que dispensariam a formação de quadras, muitos deles com esquinas em ângulos agudos, e de gabaritos definidos de acordo com o zoneamento de usos. Essa organização permitia espaços públicos mais reservados entre os edifícios. Consistia em uma releitura atualizada da quadra da Esplanada do Castelo, tornando-a mais permeável ao exterior, e com uma superfície maior de lojas. Dessa forma, ele estabelecia um diálogo com essas quadras, quase suas contemporâneas. Tirava partido também da variação dos gabaritos nos blocos para enfatizar a monumentalidade do novo eixo. (fig. 72) Sabóia cria relações diferenciadas entre os domínios público e privado. Ao mesmo tempo em que os edifícios criam sempre um paralelismo com as vias, definindo claramente as calçadas, surge uma malha transversal de pedestres que ‘penetra’ nessa massa linear de construções, gerando uma permeabilidade maior no sistema. A taxa de ocupação do solo da proposta caracteriza-se por 40% de vias para 30% de edificações. Programa O programa proposto por Sabóia era o mesmo de Agache – monofuncional, configurando o centro da cidade como um local unicamente de trabalho, e não de moradia. Espírito do Projeto Projeto influenciado pelos esquemas radio-concêntricos, como o plano de Cristopher Wren para a reconstrução de Londres e o plano de L’Enfant para a cidade de Washington, transmitindo grande caráter monumental223. Teve como fonte de inspiração as já existentes quadras do Castelo, reinterpretadas no novo projeto224. ANÁLISE CRÍTICA A abrangência do projeto de Sabóia, comparada ao Plano Agache, era pequena. Seu projeto contemplava a área compreendida entre o Largo da Carioca, Rua Senador Dantas, Rua Evaristo da Veiga, Rua dos Arcos, Rua do Lavradio, Rua Visconde do Rio Branco e Rua da Carioca, e áreas adjacentes, como Lapa, Praça Tiradentes e Largo da Carioca. Somente o eixo da Diagonal estenderia-se até o Campo de Santana. Apesar disso, Sabóia conseguiu articular o sistema viário proposto à malha viária existente sem a necessidade de muitas alterações na estrutura urbana, permitindo a conectividade da cidade existente com o trecho novo. Algumas alterações nas relações com as preexistências, como o Convento e os Arcos da Lapa, refletiram-se em ganhos e perdas de qualidade, respectivamente. O Convento apresenta-se com as perspectivas mais livres, e pode ser visualizado de diferentes posições, e com maior distanciamento. Por exemplo, pode ser visto fechando a perspectiva da Rua Senador Dantas. Por outro lado, o complemento dos Arcos da Lapa forma uma barreira visual para quem trafega na nova avenida. Para a implantação da avenida diagonal, seria necessária também a intervenção no Passeio Público, que perderia uma pequena fatia. Sabóia não se preocupou em criar uma nova estrutura que dialogasse com a cidade antiga. A ocupação que idealizou consistia em edifícios organizados linearmente, e que da sua organização se formassem massas longas e estreitas, definidas não através de edifícios colados uns aos outros, mas 223 224

SABÓIA RIBEIRO, Janeiro/1945; op. cit. SABÓIA RIBEIRO, José Otacílio. “Urbanização da Esplanada de Santo Antônio”. In: Revista Municipal de Engenharia. Rio de Janeiro: Julho/1945.

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através da repetição de uma tipologia de bloco autônomo, ocasionando forte contraste com a cidade existente. 2.2.3 - PROJETO DE AFFONSO EDUARDO REIDY O Arquiteto Affonso Eduardo Reidy trabalhou como arquiteto da Prefeitura no Serviço Técnico do Plano da Cidade, posteriormente Departamento de Urbanismo, órgão de que inclusive foi diretor. Teve a oportunidade de trabalhar em vários projetos urbanísticos para o Rio de Janeiro, como a Esplanada do Castelo, Aterro do Flamengo e Esplanada de Santo Antônio225. O projeto para a Esplanada foi elaborado no Departamento de Urbanismo em 1948 por Reidy e Hermínio Andrade e Silva226, e aprovado depois de algumas adaptações solicitadas pelo Prefeito Mendes de Moraes. Este projeto não pode ser lido como uma intervenção isolada. Estava inserido em um contexto maior de intervenção no Rio, e envolvia a articulação das zonas norte, centro e sul através do eixo N-S (Av. República do Paraguai), e da construção do Aterro do Flamengo e das vias perimetrais que auxiliariam nesta interligação da cidade. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO PARA A ESPLANADA A urbanização da área resultante do desmonte do Morro de Santo Antônio consiste problema de grande responsabilidade, devido à repercussão que terá na vida desta Capital. Trata-se da última oportunidade de introdução de um elemento totalmente novo, no seu centro de gravidade, cujas conseqüências poderão ser de incalculável benefício para a mesma, ou irreparavelmente funestas.227 Reidy julgou fracassadas as intervenções anteriores para os dois morros demolidos, Senado e Castelo. Sua proposta para Santo Antônio contesta as duas antecessoras, de Agache e de Sabóia, utilizando-se dos conceitos difundidos pelo Movimento Moderno. (fig. 73) Sistema de Fluxos Considerando que um dos maiores problemas da cidade seria a circulação228, ele propõe uma via N-S que interligaria as zonas norte e sul da cidade, partindo da Av. Presidente Vargas e desembocando na Av. Beira Mar, em dois níveis, um de alta e outro de baixa velocidade. A implantação desta via implicaria em uma série de desapropriações em imóveis do trecho que vai da Rua da Carioca até o Porto, e de imóveis na Rua da Lapa e cercanias. A via no sentido ortogonal seria também o prolongamento da Rua Almirante Barroso. Essa proposta se contrapunha à idéia anterior de Sabóia de implantar o eixo principal fazendo uma ligação diagonal no centro. Os dois eixos seriam as duas únicas vias de circulação veículos, havendo outras vias de serviço e acessos à estacionamentos sem saída. Para os fluxos de pedestres foram destinadas grandes áreas livres entre os edifícios sem uma definição rígida de trajetos, sendo todas áreas de uso público, desvinculadas da malha de vias de veículos. Sistema de Espaços Públicos Os espaços livres públicos são fluidos, e correspondem a todas as áreas ao redor dos edifícios isolados, em toda a área de projeto. Sua proposta é a mais generosa com as áreas livres, embora não defina percursos ou hierarquias específicas além do espaço público principal que seria o Centro Cívico. BONDUKI, Nabil (organizador). Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editorial Blau Ltda, 2000. O projeto foi aprovado como P.A n° 5028, em 08/02/49 227 REIDY, In: BONDUKI, op. cit.; p. 118. 228 Idem 225 226

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Preexistências Com relação aos monumentos existentes, Reidy ressalta a importância da preservação do Convento, dos Arcos da Lapa, do Passeio Público e da Igreja da Lapa, e da valorização dos mesmos em uma ambiente adequado, com áreas verdes sempre que possível. Sobre o traçado existente propõe uma ruptura total, fruto do pensamento reinante na década pós-visita de Le Corbusier ao Rio de Janeiro e da difusão dos conceitos do Movimento Moderno: inversão entre cheios e vazios evidenciando novas visões da cidade. As demolições associadas ao projeto de Reidy estariam localizadas no Saara, para a implantação da via N-S, no casario antigo da Rua da Carioca e em alguns outros pontos isolados do entorno. Estrutura Interna O ponto focal proposto por Reidy é o Centro Cívico, que reúne edifícios de formas variadas, uma delas a ser concebida por Le Corbusier. Porém, destaca-se o grande edifício residencial que atravessa a avenida, provocando uma interessante perspectiva. Outra visada destaca-se na proposta, a esquina da Avenida Chile com o Largo da Carioca, focando o Convento. As barreiras identificadas no projeto são o grupo de edifícios em ‘L’ na quadra do Convento, impedindo a sua relação com a via L-O, e o viaduto proposto que prejudicaria a visualização dos Arcos da Lapa. Variação de Usos Reidy introduz outros usos, como o residencial e o cultural, provocando uma maior mistura de funções, entretanto seguindo um forte zoneamento: cada edifício com sua função específica era o que defendia. Edifícios públicos, como Prefeitura, Biblioteca, Museu e Câmara de Vereadores, estavam previstos para o centro cívico. O centro comercial compreenderia escritórios, lojas e serviços. O edifício residencial estaria localizado na Rua do Lavradio, com capacidade para 8.000 habitantes229. Ele previa os estacionamentos em praças de veículos, fora das vias de circulação, acessados através de vias sem saída, e sempre associados aos edifícios a que iriam atender. Massa Edificada Reidy ocupa muito menos a esplanada com edificações, liberando áreas livres e verdes para a recreação. O centro cívico estaria situado no cruzamento dos eixos e conteria o edifício da Prefeitura de 30 pavimentos que dominaria todo o centro urbano230. O centro comercial compreenderia blocos altos e edifícios menores. O grande edifício residencial seria um bloco em forma de fita em ziguezague. A característica principal da massa edificada é o tipo de relação entre os domínios público e privado. Os edifícios não formam massas construídas homogêneas com uma forte definição entre as áreas públicas e privadas, mas estão dispostos de forma isolada uns dos outros, dentro de áreas verdes generosas, de uso público. O projeto de Reidy previa uma taxa de ocupação do solo na ordem de 11% para vias e 20% para edificações. O projeto inicial foi modificado posteriormente por Reidy, a pedido do Prefeito Mendes de Moraes, por propor um baixo aproveitamento do solo para construções. Na versão posterior, consta um maior número de edifícios comerciais e a exclusão do Centro Cívico e do Museu da Cidade. Mesmo assim, posteriormente foi excluído da aprovação o viaduto pensado para o eixo Norte-Sul. Vale ressaltar que a proposta viária de Reidy considerava via de tráfego rápido somente a nova Avenida Norte-Sul, liberando as vias do aterro do Flamengo para tráfego local, prescindindo da via rápida perimetral, implantada posteriormente pelo governo Negrão de Lima.

229 230

Idem Idem

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Programa O programa caracteriza-se pela mistura de funções segundo um forte zoneamento. É composto por edifícios públicos institucionais e culturais, edifícios comerciais e de serviços e edifício residencial com 8 mil unidades. Espírito do Projeto Projeto baseado nos conceitos do Movimento Moderno. Introduz novos conceitos de ocupação dos espaços caracterizados pela inversão dos cheios pelos vazios, ou dos edifícios isolados sobre áreas verdes. Deseja transmitir uma forte contraposição com a cidade existente e expressar uma nova lógica de projetar a cidade. (fig. 74) ANÁLISE CRÍTICA A proposta de Reidy para a Esplanada, embora limite-se à ocupação das áreas resultantes do desmonte do morro, está inscrita em um projeto maior de alcance metropolitano. Daí talvez se extraia a sua maior contribuição para o urbanismo carioca. O deslocamento da via de tráfego rápido do perímetro para o centro toca no ponto fraco do Rio de Janeiro atual, que é a existência da Avenida Perimetral, hoje condenada pelos urbanistas. A conectividade com a cidade existente sob o ponto de vista do tráfego de veículos foi resolvida, porém a falta de conectividade peatonal parece ser o problema gerado, a partir do momento que as ruas do entorno não tem uma continuidade através da área do projeto. As quatro grandes quadras, no lugar de quadras menores, impedem a continuidade das calçadas das ruas do entorno com o novo traçado, e a fluidez dos espaços públicos não é convidativa ao passeio, embora o objetivo de Reidy fosse o contrário, o de justamente deixar maiores áreas livres para os pedestres. Sobre as preexistências, a preservação dos monumentos para Reidy significou valorizálos com a destinação de áreas livres ao seu redor, porém a abordagem tornou-se por vezes escultórica, pois não os integrou ao convívio da cidade, e em alguns momentos até criou barreiras para a sua contemplação. Por exemplo, os Arcos da Lapa perdem toda a sua função, a de via de bonde ou mesmo a peatonal criada pelas propostas anteriores. A própria presença do viaduto prejudica a sua contemplação. O Convento, fazendo parte de uma quadra muito maior, isola-se da Avenida Chile, ocultado pelos novos edifícios. A Igreja da Lapa, embora mantida, teria um viaduto passando na sua frente. OBRAS DE DESMONTE As obras de desmonte do Morro de Santo Antônio estavam até esse momento em curso lento, e ganharam impulso após a criação da SOST (Superintendência das Obras do Santo Antônio), em 1952, na administração Dulcídio Cardoso (1952-1954), quando o Morro foi dividido entre várias construtoras para que o desmonte ocorresse de forma mais eficiente231. (fig. 75 e 76) Segundo Abreu232, as obras de desmonte: (...) permitiriam tanto a criação de terrenos valorizadíssimos em plena área central, como forneceriam a ‘matéria-prima’ necessária à construção de um grande aterro que, acompanhando o traçado da antiga Avenida Beira Mar, serviria de base à construção de vias expressas ligando o Centro a Copacabana.

231 232

REIS, op. cit. ABREU, Maurício de Almeida. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLAN-RIO/Zahar, 1988; p. 131.

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2.2.4 - PROJETO DE JOSÉ DE OLIVEIRA REIS Alguns anos mais tarde, em 1956, o engenheiro José de Oliveira Reis, também funcionário do Departamento de Urbanismo, assumiu a autoria de um novo projeto para a área. Reis era antigo servidor da Comissão do Plano da Cidade, e já elaborara anteriormente, em 1945, uma alternativa ao projeto de Sabóia Ribeiro, onde propunha que o Morro não fosse todo derrubado. Para ele, o desnível de 6 metros poderia ser utilizado para que a circulação se dividisse em dois diferentes níveis. Em relação ao Convento, Reis discordava do muro de arrimo proposto por Sabóia, que para ele tiraria o caráter do conjunto. Em oposição, ele sugeria que se conservasse um pedaço maior de morro. Propunha também a demolição das “casas velhas” do lado ímpar da Rua da Carioca, para uma melhor visualização do Convento. Sobre o uso do solo, Reis se opunha à criação de mais lotes comerciais, já disponíveis na Avenida Rio Branco e Presidente Vargas, para então criar edifícios administrativos, culturais e educacionais, com áreas ajardinadas ao redor. Propunha para o canteiro central da diagonal uma linha de metrô, ora enterrada e ora de superfície233. (fig. 77) Posteriormente então ao projeto de Reidy, em 1956, Reis elaborou seu segundo 234 projeto , aprovado pelo Prefeito Sá Freire Alvim. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO PARA A ESPLANADA José de Oliveira Reis estava envolvido como urbanista no conjunto das grandes obras viárias do “Plano de Realizações”235 de 1957. Seu projeto para a Esplanada de Santo Antônio bem ilustra esse momento da história da cidade. Sistema de Fluxos Seu projeto mantém a posição das avenidas principais, sendo uma delas, a Norte-Sul, em dois níveis, como já propusera Reidy. Porém, Reis fragmenta a área em um maior número de quadras, criando eixos secundários. Rótulas solucionam as passagens de nível nos cruzamentos. A Avenida Norte-Sul começaria além da Avenida Presidente Vargas, na Rua Senador Pompeu, e seguiria até o Largo da Lapa, terminando em uma praça. O viaduto desenharia o mesmo trajeto que Reidy já propusera, desencadeando uma série de desapropriações. (fig. 80) Os pedestres transitariam dentro das galerias cobertas, paralelamente às vias de tráfego de veículos. Sistema de Espaços Públicos Os espaços públicos propostos por Reis são as calçadas e algumas poucas praças, como a Praça dos Arcos, reduzida de tamanho em relação ao projeto de Reidy, a rótula da Rua do Lavradio e a praça triangular da Lapa, próxima ao Passeio Público. Ele também cria galerias cobertas para o fluxo dos pedestres. Preexistências Os monumentos foram tratados da mesma forma de Reidy, com áreas livres ao redor. O Largo da Carioca neste momento passava a relacionar-se com a Avenida Rio Branco, através do P.A. definindo o encontro oblíquo entre a Rua da Carioca e a Avenida Rio Branco, resultando na hoje denominada Praça Estado da Guanabara, de forma triangular. O projeto propõe a substituição total dos imóveis da Rua do Lavradio para a acomodação da nova via mais larga, várias demolições para a implantação do eixo N-S e demolições na Rua da Carioca e na Lapa. REIS, José de Oliveira. O Morro de Santo Antônio. Revista Municipal de Engenharia. Rio de Janeiro: Jul.Set./1948. 234 O projeto foi aprovado como P.A n° 7214, em 26/07/58 235 Nesse plano estão incluídas as obras da Avenida Beira-Mar, Avenida Perimetral, Avenida Presidente Vargas, Avenida Radial Oeste, Túnel Catumbi-Laranjeiras, entre outras. 233

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Estrutura Interna Os pontos focais do projeto de Reis deslocam-se das áreas de convívio, como previra Reidy, para as vias de tráfego. O que mais atrai a atenção na sua proposta são as grandes rótulas viárias no encontro das avenidas. Não há hierarquias nos espaços destinados aos pedestres. As visadas de interesse ficam restritas à apreciação do Convento, a partir do Largo da Carioca e eixo da Rua Treze de Maio, e à nova perspectiva da Rua do Lavradio, repleta de galerias comerciais. A barreira identificada é o mesmo prédio em ‘L’ proposto por Reidy. Variação de Usos O uso do solo proposto eliminava o uso residencial e institucional propostos por Reidy em seu primeiro projeto, assemelhando-se mais à sua segunda proposta, mais densa, com uso de escritórios, serviços, comércio, cultura (teatro) e lazer. Massa Edificada Os edifícios estariam organizados repetidamente ao longo dos eixos, em forma de “U”, criando praças de estacionamentos voltadas para as vias secundárias, ficando as vias principais confrontadas com edificações mantendo o mesmo alinhamento. Galerias cobertas conformam os espaços dos pedestres. Os gabaritos altos aconteceriam em todos os blocos, no seu corpo central. O limite entre os domínios público e privado na proposta de Reis é mais determinado através da criação de áreas de transição – as galerias – que são áreas públicas, porém que ajudam na definição dos territórios. Reis eleva a porcentagem da ocupação por vias para 35%, enquanto as edificações ficam na faixa de 24%. Programa O programa é composto basicamente por edifícios comerciais e de serviços, muitos estacionamentos e espaços para lazer. Espírito do Projeto O projeto tem o espírito das grandes intervenções viárias do Rio de Janeiro, em curso na época da sua elaboração. ANÁLISE CRÍTICA O projeto de Reis, com um recorte semelhante e baseado no projeto de Reidy, apresenta ganhos e perdas com relação a ele. O sistema viário, concebido da mesma forma, ganha um peso muito maior com as avenidas duplicadas, o que significa uma perda de qualidade do espaço urbano. No entanto, a maior fragmentação das quadras gera uma conectividade maior com a cidade para pedestres e veículos, o que representa um ganho. Os espaços livres públicos, ao que tudo indica, resultam do traçado viário e das edificações, e não parecem ter sido pensados em conjunto com os demais elementos de projeto. A solução não cria um sistema balanceado, resultando em algumas vias não contempladas com novos espaços de lazer, enquanto outras estão próximas a mais de um. Sobre as preexistências, Reis encarou-as da mesma forma. Arcos da Lapa sem função, Convento desconectado da Avenida Chile, com barreira de edifícios interrompendo sua apreciação, viaduto sobre a Rua da Lapa. A ocupação mais densa conforma melhor os espaços públicos, embora gere situações controversas, como as vias secundárias que são praticamente todas tomadas com acessos aos estacionamentos, em ambos os lados, pouco contribuindo para a qualidade urbana. A demolição dos imóveis da Rua do Lavradio abre mão do interessante contraste que poderia ser alcançado do lado antigo x lado novo da via. A forma da ocupação entra em choque com a cidade existente, embora em menor intensidade.

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ESPLANADA Finalmente, em janeiro de 1959 foi inaugurada a Avenida Chile pelo então Presidente Juscelino Kubitschek. Essa obra foi beneficiada pela lei 899, que permitiu a aplicação de grandes somas de dinheiro em obras públicas, e fez parte do primeiro ano de obras da SURSAN236, criada em 1957 pelo então Prefeito Negrão de Lima237. (fig. 78 e 79) Posteriormente, em 1963, foi aprovado pelo governador Carlos Lacerda projeto para a Esplanada238 localizando áreas para a Estação de Bondes de Santa Tereza, para o Edifício Sede da Petrobrás, para a Catedral Metropolitana, supressão da Avenida N-S, entre outras definições. Esse projeto foi substituído sucessivamente até a década de 70. O Projeto que vigora até hoje é o P.A n° 9091, de 1971, modificado em parte no fim da década de 80 pela preservação comandada pelo Corredor Cultural. Nesse meio tempo, em 1965, o Plano Doxiadis239, nas análises da meso-escala da cidade, cita o plano viário elaborado no Departamento de Urbanismo por José de Oliveira Reis, último projeto aprovado até então, indicando as Avenidas N-S e a Chile nos mapas. Entretanto, não está clara a sua inserção dentro das propostas de micro-escala do plano. Em 1966 outro projeto para a área é elaborado pelos arquitetos Hermínio de Andrade Silva e Ewaldo J. Pereira240, que estabelece a localização e volume das construções, as áreas livres, os estacionamentos e a superfície viária, sem contudo modificar os quatro elementos fundamentais já estabelecidos por projetos anteriores, como a localização da estação de bondes, a posição das duas principais avenidas, a preservação dos monumentos históricos e a preservação da área já cedida à Catedral Metropolitana.241 2.2.5- PROJETO FLAVIO FERREIRA, CLÁUDIO TAULOIS E SÉRGIO MAGALHÃES Já no fim da década de 80, o último projeto oficial para a área foi desenvolvido pelos três arquitetos membros da Secretaria Municipal de Urbanismo, secretaria recém criada da Prefeitura carioca. Tratava-se porém de uma realidade diferente. O Morro já não mais existia, e já estavam construídas as principais edificações que hoje ilustram a área na nossa mente: o Edifício Sede da Petrobrás, o BNDES e a Catedral Metropolitana. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO PARA A ESPLANADA O estudo procurou integrar as construções existentes, novas e antigas, criando espaços agradáveis, praças, largos e pátios em meio ao grande quarteirão da Catedral. Pretende-se, também, estabelecer uma transição entre os grandes prédios da área central e os antigos quarteirões já preservados próximos à Lapa e a Rua do Lavradio.242 A última intervenção contemplou as quatro grandes quadras ao longo das duas avenidas, não se estendendo nos vazios das quadras menores. A proposta não cria nenhuma nova via, mas procura adensar as quadras existentes, de modo a tornar o local ‘de qualidade habitável’243. Superintendência de Urbanização e Saneamento - Órgão executivo de um plano de obras urgentes para o desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro. 237 REIS, op. cit. 238 O projeto foi aprovado como P.A n° 8049, em 31/07/63. 239 Plano elaborado em 1965 pelo escritório grego Doxiadis Associates, para o Governo do Estado da Guanabara, denominado “Guanabara: um plano para o desenvolvimento urbano”. 240 ANDRADE SILVA, H. & PEREIRA, E. J.. “Urbanização da Esplanada de Santo Antônio”. In: Revista de Engenharia do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: Jan.-Dez./1966, p. 55-57. 241 Este projeto não foi analisado com profundidade por conta do pouco material encontrado a seu respeito. 242 FERREIRA, Flavio; TAULOIS, Cláudio; e MAGALHÃES, Sérgio. Centro / Cidade Nova. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, 1986; p. 14. 243 Idem 236

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Inserido em época de crítica do Movimento Moderno, o que se buscou foi a aproximação morfológica da área da Esplanada à malha urbana compacta da cidade, pelo menos nas relações entre os espaços públicos e privados e nos gabaritos. (fig. 81) Sistema de Fluxos O projeto não prevê novas vias de veículos ou de pedestres dentro das grandes quadras existentes, mas procura reforçar o potencial das duas avenidas através das novas edificações. Para os pedestres, foram idealizadas galerias cobertas dentro dos novos edifícios, ao longo das vias existentes, para proporcionar maior conforto para o passeio. Sistema de Espaços Públicos Os autores propuseram a criação de duas pequenas praças conformadas por edificações, uma em frente à Catedral, aproveitando-se das áreas vazias existentes, e outra com ligação com a Rua dos Arcos, interna ao edifício novo. Os outros espaços públicos são as galerias cobertas e as calçadas, além dos espaços públicos existentes que foram redefinidos através das novas edificações. Preexistências Os monumentos existentes não foram alterados. Os marcos arquitetônicos já constituídos, como os três principais edifícios da década de 70, objetos autônomos executados à margem de um projeto global, sofreram interferências, não na forma, mas na sua situação urbana. A intenção do projeto foi ocupar os vazios com edificações que melhor conformassem os espaços públicos. Portanto, novas construções complementariam os grandes afastamentos, criando uma ou outra situação de recuo especial, quando interessante. O projeto visava minimizar a ruptura morfológica entre os trechos adjacentes do centro. Não interessava criar impacto formal, mas abrandá-lo. Estrutura Interna Os pontos focais do projeto são os trechos inicial e final da Avenida Chile, resolvidos através de torres ou recuos no alinhamento, o acesso à Catedral e à nova praça da Rua dos Arcos. O Largo da Carioca, agora conformado como espaço livre público, permite a total valorização do Convento com diferentes visadas interessantes: da Rua Senador Dantas, da Rua Treze de Maio e da Avenida Rio Branco. Outra visada de interesse seria a da Rua dos Arcos, focando o aqueduto, e a visão oposta da Rua Evaristo da Veiga, assim como a nova perspectiva da Avenida Chile. Variação de Usos O uso do solo proposto é bem variado: edifícios de escritórios, serviços, comércio, uso institucional, residencial, cultural e de lazer, além de grandes áreas de estacionamento subterrâneo. Massa edificada O início da Avenida Chile, eixo observado como o principal e mais bem estruturado, seria marcado por duas torres altas. As edificações ao longo da Avenida teriam galerias cobertas para os pedestres. Próximo ao Largo da Carioca, os edifícios teriam um fechamento de perspectiva semelhante. O projeto também propunha uma marcação vertical de torre ao lado da Catedral. Destaca-se a intervenção ao redor da Catedral, com acesso marcado na avenida Chile através de duas linhas de edifícios. Esse grupo de edifícios abre-se também para a Rua dos Arcos, através de um edifício com praça interna. A intervenção na Rua dos Arcos traria de volta a animação para o local, com o grande número de fachadas voltadas para ela. O resultado é a conformação de calçadas contínuas nas quatro quadras objeto da intervenção. O objetivo das novas edificações foi fazer uma definição mais precisa entre as áreas públicas e as privadas, limite este antes inexistente.

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Sobre a porcentagem já existente de ocupação por vias de 10% da área, o novo projeto prevê um adensamento das construções, levando a ocupação do solo com construções para 32%. Programa O programa proposto caracteriza-se pela grande variação de usos, que são de escritórios, serviços, comércio, instituições, residências cultura e lazer. É um projeto que tem como conceito a busca da multifuncionalidade. Espírito do Projeto Situa-se no momento histórico de crítica do Movimento Moderno, portanto, busca a aproximação morfológica com as malhas antigas do entorno, a valorização das avenidas e a hierarquização dos espaços e das massas edificadas. É um projeto de adição e adensamento de uma área de baixa taxa de ocupação do solo com construções, e figura como a única proposta que não idealiza uma ruptura formal-espacial-estética, mas trabalha sobre a matéria prima existente de forma a reparar, ou aperfeiçoar, o contexto. (fig. 82 e 83) ANÁLISE CRÍTICA Apesar do adensamento e da valorização do passeio e da utilização dos pedestres, o projeto não se preocupou em melhorar a conectividade peatonal através, por exemplo, da criação de ruas internas às quadras que pudessem interligar-se às ruas existentes no entorno, permitindo a criação de mais espaços de convívio. A respeito dos espaços livres públicos, como mencionado anteriormente, o projeto poderia ter melhor explorado os miolos das quadras com um percurso de pedestres, gerador de novos espaços de lazer mais reservados, que também responderiam a fluxos de outras origens, que não as das próprias ruas e avenidas. ÚLTIMAS AÇÕES NA ÁREA Após a elaboração e não execução do último projeto, o Corredor Cultural determinou a preservação de grande área de sobrados nas imediações da Esplanada, através do P.A n° 10600, de 1987. O projeto preservou imóveis da Rua dos Arcos (Fundição), ruas do Lavradio, Mem de Sá, Riachuelo, Visconde de Maranguape, da Lapa e do Passeio. A área, deste momento em diante, permanece intacta até a elaboração do último e recente P.A n° 11679, de 2001, que prevê a criação de novas vias de veículos e pedestres na quadra da Catedral, e localiza algumas futuras praças (entre elas a Praça do CIEP, já executada). 2.2.6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Os cinco projetos elaborados para a Esplanada de Santo Antônio durante o século XX exemplificam cinco abordagens distintas, cada uma relacionada a um momento histórico ou a um ideal de cidade determinados. As idéias vão desde os traços do caráter monumental da École de Beaux-Arts de Paris, das influências dos higienistas franceses e do movimento City Beautiful, transmitindo o “modelo europeu de cidade” nos trópicos (Plano Agache), do traçado influenciado pelos esquemas radio-concêntricos de caráter monumental (Sabóia), passando pelo esquema racionalista do Movimento Moderno (Reidy) e pelo espírito rodoviarista da década de 50 (Reis) até culminar na crítica do Movimento Moderno e na valorização de tecidos tradicionais, espaços públicos e adições no contexto existente (Ferreira, Taulois e Magalhães). Passadas todas essas etapas da evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, o século XXI reclama novas soluções para a área, pensadas na forma de um projeto urbano global, e não através de algumas iniciativas isoladas resultantes da implantação de um ou outro elemento.

CAPÍTULO 2 – A ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO E SUA HISTÓRIA

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Para isto, é necessária então uma nova avaliação do local com o olhar do século XXI, para que as idéias que estão sendo trabalhadas desde o capítulo 1 possam se transformar em um critério consistente para a intervenção na Esplanada.

PROJETOS EXISTENTES

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66 FIG. 65 – Projeto de Grandjean de Montigny para a área do Morro FIG. 66 – Plano Agache – trecho do Morro de Santo Antônio FIG. 67 – Praça de Santo Antônio – Alfred Agache FIG. 68 – Quadras executadas do Plano Agache na área do Castelo FIG. 69 – Paris de Haussmann

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PROJETOS EXISTENTES

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FIG. 70 – Plano Diretor de 1940 – previsão da ligação diagonal no centro FIG. 71 – Projeto de Sabóia Ribeiro - maquete FIG. 72 – Comparação das quadras do Castelo com as propostas por Sabóia FIG. 73 – Projeto de Reidy FIG. 74 – Desenho de Le Corbusier

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PROJETOS EXISTENTES

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FIG. 75 – Área resultante do desmonte do Morro FIG. 76 – Destino da terra – Aterro do Flamengo FIG. 77 – Projeto de José de Oliveira Reis FIG. 78 – Avenida Chile recém inaugurada FIG. 79 – Perspectiva da Avenida Chile cortando a área do Morro 77

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PROJETOS EXISTENTES

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FIG. 80 – Projeto de Reis – manutenção da via N-S FIG. 81 – Projeto de Ferreira, Taulois e Magalhães FIG. 82 – Robert Krier – projeto para Rotebühlplatz, em Stuttgart – continuidade da cidade e contextualização FIG. 83 – Rodrigo Perez de Arce – adensamento do centro monumental de Chandigarh

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QUADRO RESUMO DA METODOLOGIA DE PROJETO – PARTE 3 REFERÊNCIA TEÓRICA

CATEGORIA

PROJETOS DE REFERÊNCIA (CRÍTICA)

Articulação/acessibilidade dos espaços Fluxos (efemeridade / nomadismo)

SISTEMA DE FLUXOS VEÍCULOS PEDESTRES TRANSPORTES

Articulação/acessibilidade dos espaços Espaço público Elemento forte

SISTEMA DE ESPAÇOS PÚBLICOS VÁRIAS ESCALAS ÁREAS VIVAS ÁREAS MORTAS

Agache – sistema integrado de espaços públicos Sabóia/Paris – espaços públicos entre edifícios Reidy – centro cívico como ponto focal Potsdamer – rua comercial de pedestres coberta Almere – boulevard cultural

História Lugar / contexto Antigo e novo Superposição de idades

PREEXISTÊNCIAS URBANÍSTICAS ARQUITETÔNICAS MONUMENTOS MARCOS BARREIRAS TOPOGRAFIA

Agache – ligação de pedestres sobre os Arcos Agache/Sabóia/Reidy/Reis/FTM/Paris – preservação monumentos FTM – resistência às demolições Potsdamer – valorização da memória urbana Paris/KvZ – novo uso para antigos edifícios Paris – preservação da idéia do vazio

Articulação/acessibilidade dos espaços Novidade urbana Catalisador / âncora Elemento forte

ESTRUTURA INTERNA PONTOS FOCAIS FORÇAS VISADAS

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade

VARIAÇÃO DE USOS PRINCIPAIS COMPLEMENTARES

Normativas / regras Fragmentação / hibridismo / paradoxos Forma aberta

MASSA EDIFICADA DISPOSIÇÃO DOMÍNIOS PÚBLICO/PRIVADO ALTO/BAIXO ACESSOS TAXA DE OCUPAÇÃO

Tempo, estratégias e oportunidades Agentes e parcerias Elemento forte

ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade Elemento forte

PROGRAMA

Superposição de idades Fragmentação / hibridismo / paradoxos Fluxos (efemeridade / nomadismo) Forma aberta Elemento forte

ESPÍRITO DO PROJETO

Agache – rede de conexões interligando o sistema Agache/Reis/FTM – galerias cobertas de pedestres Sabóia/Potsdamer/Paris/KvZ – permeabilidade de pedestres Paris – conexão entre os dois lados antes separados Paris/KvZ – ampliação do sistema de transportes Almere – placa elevada sobre as vias

Agache/FTM/Potsdamer/Paris/Almere/KvZ – mais de um ponto focal Reidy – ponto focal no espaço com as principais edificações Reidy – edifício cruzando avenida cria interesse especial FTM – ponto focal em frente à Catedral Reidy – uso cultural Reidy/FTM/Potsdamer/Paris/Almere/KvZ/Faria Lima – residências FTM – grande variação de usos e estacionamentos subterrâneos Potsdamer – atividades de maior vitalidade no espaço principal Potsdamer/Paris/Almere/KvZ – uso de lazer Paris – uso universitário Almere – cruzamento de funções vertical e horizontalmente Agache/Potsdamer – forte definição dos domínios Paris – quarteirão aberto conformando as ruas e espaços públicos Almere – mescla dos domínios público e privado

Potsdamer/Almere/KvZ – plano de massas feito por 1 escritório e edificações por vários arquitetos Paris – projeto dividido em várias etapas Paris/Almere/KvZ/Faria Lima – vários atores envolvidos KvZ – grande divulgação do projeto Agache – interdisciplinaridade do projeto FTM – multifuncionalidade Potsdamer – funções âncora – ócio, comércio e cultura Paris – funções principais: cultural, universidade, terminal Almere – valorização cultura e lazer em área destacada Paris – valorização da rua e conceito de quadra aberta Almere – interpenetração dos domínios público e privado criando novas relações espaciais KvZ – projeto como símbolo da contemporaneidade

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

RIO DE JANEIRO ALFRED AGACHE 1930 40 Ha ÁREA CENTRAL

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Rede de eixos e nós que se cruzam para conexão do centro Três eixos principais e vias secundárias formando rede Fluxo de pedestres dentro de galerias

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Sistema integrado de espaços livres públicos Praça de Santo Antônio (Centro Monumental) Calçadas dentro de galerias cobertas

3- PREEXISTÊNCIAS

4- ESTRUTURA INTERNA

Dois pontos focais – Praça de Santo Antônio e Praça dos Arcos Visadas de interesse para os Arcos e nos dois eixos perpendiculares

6- MASSA EDIFICADA

Edifícios colados nas divisas de igual gabarito formando quadras fechadas com pátios internos comuns Prédios mais altos marcando as esquinas na praça 45% construções / 35% vias

Substituição total do tecido colonial Fatiamento do Passeio Público Destaque do Convento e Igreja sobre a colina Ligação peatonal sobre os Arcos

5- VARIAÇÃO DE USOS

Prédios de escritórios e serviços com galerias comerciais no térreo Pouco variado

7- PROGRAMA

Aborda a interdisciplinaridade do projeto Programa monofuncional – edifícios mistos de comércio, serviços e escritórios

8- ESPÍRITO DO PROJETO

Traços da Escola de Belas Artes de Paris no caráter monumental Influência dos higienistas franceses como Haussmann Influência do movimento City Beautiful no modelo do belo Intenção de criar novo modelo de urbanismo

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

RIO DE JANEIRO OTACÍLIO SABÓIA RIBEIRO 1941 35 Ha ÁREA CENTRAL

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Grande via diagonal para interligação de dois importantes pontos Prolongamento da via L-O existente desembocando na diagonal Outras vias secundárias Fluxo de pedestres através das quadras

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Largo da carioca remodelado Pequenos espaços reservados entre edifícios criando uma malha independeste de pedestres

3- PREEXISTÊNCIAS

Interferência no Passeio Público Destaque do convento e Igreja sobre a colina Arcos completados transversalmente

4- ESTRUTURA INTERNA

5- VARIAÇÃO DE USOS

6- MASSA EDIFICADA

7- PROGRAMA

Pontos focais seqüenciais na grande avenida Visadas de interesse do Convento e da avenida

Edifícios autônomos enfileirados sem formar quadras e com esquinas marcadas Gabaritos contribuem para a monumentalidade 30% construções / 40% vias

Escritórios / serviços / comércio Pouco variado

Programa monofuncional – edifícios mistos de comércio, serviços e escritórios

8- ESPÍRITO DO PROJETO

Inspirado nos esquemas radio-concêntricos Monumentalidade Contraposição à cidade colonial e alusão às quadras do Castelo

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

RIO DE JANEIRO AFFONSO EDUARDO REIDY 1948 31 Ha ÁREA CENTRAL

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Via prioritária N-S de dois níveis interligando zonas Norte e Sul da cidade + via L-O Separação entre fluxos de pedestres e veículos Pouca permeabilidade de pedestres com o entorno

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Centro Cívico é o principal Espaços verdes fluidos ao redor dos edifícios

3- PREEXISTÊNCIAS

4- ESTRUTURA INTERNA

Ponto focal – Centro Cívico Destaque para o edifício residencial que atravessa a avenida

6- MASSA EDIFICADA

Edifícios isolados sobre áreas verdes Gabaritos de acordo com funções 20% construções / 11% vias

Desapropriações para a via N-S Ruptura com traçado existente Preservação ‘escultórica’ do Convento, Arcos, Passeio Público e Igreja da Lapa

5- VARIAÇÃO DE USOS

Centro cívico / comércio, serviços e escritórios / residências / equipamentos culturais

7- PROGRAMA

Mistura de funções segundo forte zoneamento Cada edifício tem uma função definida Prefeitura / Câmara de Vereadores / Biblioteca / Museu / Edifícios de comércio, serviços e escritórios / 8 mil residências

8- ESPÍRITO DO PROJETO

Projeto baseado nos conceitos do Movimento Moderno Introduz novos conceitos de ocupação dos espaços caracterizados pela inversão dos cheios pelos vazios, pelos edifícios isolados sobre grandes áreas verdes Forte contraposição com a cidade existente

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

RIO DE JANEIRO JOSÉ DE OLIVEIRA REIS 1956 35 Ha ÁREA CENTRAL

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Duas vias principais N-S e L-O Outras vias secundárias ortogonais conferem maior conectividade para o projeto Fluxo de pedestres dentro de galerias

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Galerias cobertas para os pedestres Espaços de pedestres não constituem um sistema articulado e hierárquico

3- PREEXISTÊNCIAS

4- ESTRUTURA INTERNA

Pontos focais são os nós viários Visada do Convento a partir do Largo da Carioca

6- MASSA EDIFICADA

Edifícios em forma de ‘U’ com praças internas de estacionamentos Edificações mantém os alinhamentos constantes 24% construções / 35% vias

Desapropriações para a via N-S Substituição das edificações da rua do Lavradio Monumentos destacados com áreas livres ao redor

5- VARIAÇÃO DE USOS

Escritórios / serviços / comércio / cultura e lazer / estacionamentos

7- PROGRAMA

Elimina o uso residencial e institucional do projeto anterior

8- ESPÍRITO DO PROJETO

Relacionado às grandes obras viárias do Rio de Janeiro Contraposição com a cidade existente

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

RIO DE JANEIRO FERREIRA, TAULOIS E MAGALHÃES

1986 25 Ha ÁREA CENTRAL

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Sistema de fluxos de veículos já constituído a não alterado Potencialização dos fluxos de pedestres pelas calçadas, sem contudo aumentar a permeabilidade

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Novas galerias cobertas para pedestres Nova praça interna da rua dos Arcos

3- PREEXISTÊNCIAS

Nada foi demolido ou alterado Único projeto que não propõe uma ruptura com a realidade existente

4- ESTRUTURA INTERNA

5- VARIAÇÃO DE USOS

6- MASSA EDIFICADA

7- PROGRAMA

Pontos focais: extremidades da Av. Chile + acesso à Catedral + praça da rua dos Arcos Visada da rua dos Arcos em direção do aqueduto

Adensamento dos vazios com massas contínuas paralelas às vias Gabarito de baixa altura Prédios altos marcam pontos específicos 32% construções / 10% vias

Escritórios / serviços / comércio / institucional / residencial / cultural / lazer / estacionamentos subterrâneos

Busca a multifuncionalidade

8- ESPÍRITO DO PROJETO

Situa-se no momento histórico de crítica do Modernismo Aproximação morfológica com as malhas antigas do entorno Ordenação formal e busca de hierarquias Trabalha com a adição de elementos no contexto

CAPÍTULO 2 – A ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO E SUA HISTÓRIA

2.3

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ANÁLISE DA REALIDADE ATUAL

Diferentemente dos planos elaborados no passado a partir do ‘papel em branco’, hoje a heterogeneidade que se acumulou na área de estudo requer uma análise pormenorizada. Afinal, quais são os pontos fortes (potencialidades), e os pontos críticos (problemas) da área em questão? Esta etapa se propõe à análise da situação atual, realidade resultante de várias intervenções urbanas isoladas, não orientadas dentro de um plano de ocupação definido, executadas ao longo dos últimos 50 anos pós desmonte do Morro, e à caracterização das potencialidades e dos problemas. Ela está estruturada em três partes: § A primeira parte trata da relação entre a Esplanada de Santo Antônio, o centro e o resto da cidade; § A segunda parte equivale à análise da área de projeto, que se dará através das mesmas categorias destacadas no capítulo 1 e utilizadas nas análises dos projetos recentes e existentes: sistema de fluxos, sistema de espaços públicos, preexistências, variação de usos e massa edificada. (A categoria Estrutura Interna não se aplica a este caso, pois não se trata de um novo projeto e sim de uma área sem planejamento) § A terceira parte relaciona as potencialidades e problemas da área, como uma conclusão da etapa anterior de análise e uma introdução do capítulo do projeto. 2.3.1 - A ESPLANADA NO CENTRO A discussão acerca do sentido de crescimento do centro da cidade, iniciada na etapa 2.1 desse capítulo, culmina na atual configuração da Esplanada de Santo Antônio. O vetor prioritário de desenvolvimento N-S foi estabelecido pela abertura da Av. Rio Branco, no início do século, ficando o eixo LO voltado à implantação das áreas industriais. O Plano Agache, em 1931, reforçou essa estrutura, criando no campo das idéias o sistema de eixos ortogonais interligando todo o centro. No Plano de 1940, entretanto, a alternativa da ligação diagonal no centro ganha força, através do grande eixo monumental idealizado por Sabóia. Posteriormente, Reidy volta a propor a ligação N-S como prioritária, negando a proposta anterior. É da evolução da proposta de Reidy que surge a atual estrutura viária da Esplanada. Porém, as duas avenidas principais se resumem a trechos curtos que não contribuem para a conexão efetiva da cidade, como idealizado no passado. A Esplanada, embora representasse durante todo esse processo evolutivo uma nova área de expansão para o centro, ainda permanece incompleta até hoje, e isto deveu-se à própria idéia de esvaziamento do centro, processo iniciado alguns anos depois do desmonte, e à gradual expansão para a Barra da Tijuca. O entorno da Esplanada é hoje muito consolidado, sendo a leste verticalizado, apresentando uma grande renovação de edificações, e usos definidos de acordo com a determinação da Reforma Pereira Passos, ou seja, usos comerciais, culturais, empresariais e serviços, sem uso residencial, e à oeste uma massa de edificações baixas de épocas mais antigas, de uso comercial e residencial, mais degradada. É uma área marcada pelo conflito da ausência histórica de ‘vocação’ residencial com o esforço de retomada dessa atividade, dentro de um contexto marcado por grandes edifícios institucionais ‘perdidos’ entre duas áreas de usos distintos. (fig. 84)

CAPÍTULO 2 – A ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO E SUA HISTÓRIA

125

A Esplanada representa hoje a área de reserva e ‘renovação’ do centro da cidade244, renovação não no sentido de substituição, mas no de introdução de novas leituras dentro do contexto ainda em construção. 2.3.2 - ANÁLISE DA ÁREA DE PROJETO A área de projeto está compreendida dentro do polígono formado pelas seguintes vias: Rua do Lavradio, Rua da Carioca, Av. Rio Branco, Rua Evaristo da Veiga, Av. República do Paraguai e Av. Mem de Sá, e totaliza 37 ha. A área analisada extrapola um pouco esse polígono, quando da existência de algum fato relevante no seu entorno. Tem como característica marcante ser uma área de ligação entre duas malhas compactas de muita vitalidade. A área de projeto é um pouco mais extensa do que a área da Esplanada em si (ou seja, extrapola a área remanescente do desmonte do moro), por haver dentro do polígono delimitado pontos críticos que, embora não necessitem de intervenções de grande porte, necessitariam de algum pequeno projeto de correção pontual. (fig. 85) Segundo o zoneamento da cidade do Rio de Janeiro, está dentro da AP1 (Área de Planejamento 1), e corresponde à 2ª RA (2ª Região Administrativa). Os Projetos de Alinhamento (PAs) em vigor para o local são o PA 9.091 de 1972, válido para a Av. Chile, PA 10.600 de 1987, que faz parte do Projeto Corredor Cultural e consiste em uma grande preservação da Lapa e cercanias, e PA 11.679 de 2001, projeto recente da Secretaria Municipal de Urbanismo que define novas vias no entorno da Catedral. Foi considerada nessa análise a existência de alguns projetos recentes para a área, que ainda são passíveis de serem executados, a saber: Projeto VLT, da Prefeitura do Rio de Janeiro, Plano de Expansão do Metrô, Projeto de extensão do Bonde de Santa Tereza, Projeto de Revitalização da Praça Tiradentes245, Projeto de edifício comercial de duas torres na Av. Chile246, projeto arquitetônico de dois hotéis na esquina da R. Silva Jardim com Rua da Carioca e Projeto do novo Circo Voador247. Sistema de Fluxos (ver mapa correspondente) O sistema de fluxos divide-se em três tipos: (1) veículos, (2) pedestres e (3) transportes. (1) Sistema de veículos – divide-se em eixos de conexão urbana, vias principais, vias secundárias e vias locais. O sistema viário de veículos é composto por duas avenidas que se cruzam em ângulo reto em dois níveis. A Av. República do Paraguai, no nível superior, faz a ligação norte-sul, ou seja, liga a Av. Presidente Vargas, através da Avenida Passos, com a Avenida Beira-Mar, e a Av. República do Chile, no nível inferior, faz a ligação leste-oeste, ou seja, dos bairros da zona periférica do centro, como Cruz Vermelha, Bairro de Fátima e Cidade Nova com a Avenida Rio Branco. (fig. 86, 87 e 88) (A) Eixos de conexão urbana A Av. Rio Branco é a principal avenida da área de análise. Ela liga o centro no sentido N-S e é uma rua de grande vitalidade, que concentra atividades comerciais, empresariais e de serviços, institucionais, culturais e de lazer. Por ela passam 69 linhas de ônibus municipais. Pode ser denominada eixo de conexão urbana. A Av. República do Paraguai é hierarquicamente a mais importante depois da Av. Rio Branco do ponto de vista viário, por ser uma ligação prevista ainda no projeto de Affonso Eduardo Reidy para o centro, antes da construção da Av. Perimetral, que resolvia uma ligação de escala urbana mais abrangente 244

Retirado da conversa com Maria Helena MacLaren, arquiteta do Escritório Técnico do Corredor Cultural Projeto do Studio XV Arquitetos Associados, de 2002 246 Projeto do escritório paulista Affalo e Gasperini Arquitetos Associados 247 Projeto de DDG Arquitetura, de 2002 245

CAPÍTULO 2 – A ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO E SUA HISTÓRIA

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(embora tenha sido parcialmente implantada, quando sua extensão prevista originalmente ligaria a Área Portuária ao Aterro). Denominaremos esta via também eixo de conexão urbana. (B) Vias principais A Av. Chile é uma via curta, ligação entre a Rua da Relação e a Almirante Barroso, que desempenha uma função de caráter mais local, comparável à conexão exercida pelas ruas da Carioca e Riachuelo e Av. Mem de Sá. Denominaremos estas quatro de vias principais, por serem vias de tráfego de ônibus e fluxo intenso de automóveis. Outra via que faz o limite da área de intervenção é a Rua Evaristo da Veiga. Embora curta, esta via também apresenta tráfego intenso por ser de deságue da Av. República do Paraguai em direção ao Castelo, caracterizando-se também como via principal. As Ruas Senador Dantas e do Passeio também inserem-se nessa categoria, por terem tráfego intenso e muitos ônibus. (fig. 89 e 90) (C) Vias secundárias A Rua do Lavradio é uma via de tráfego menos intenso, por isto é denominada via secundária, assim como as Ruas do Senado e Pedro I. (fig. 91) (D) Vias locais As vias locais são as vias de pouco tráfego e de pequena importância dentro do sistema viário. São elas as Ruas dos Arcos, Silva Jardim e das Marrecas. Existe uma via paralela à descida da Av. República do Paraguai, porém com cota mais baixa, que liga o acesso do estacionamento da Catedral com a Rua dos Arcos, também classificada como via local. (fig. 92 e 93) As vias de tráfego restrito e as vias de pedestre serão analisadas dentro da categoria de espaços públicos, por serem vias de maior interesse para o fluxo de pessoas do que para o trânsito de veículos. As duas únicas vias importantes criadas após o desmonte do morro de Santo Antônio foram os dois eixos perpendiculares, além da Rua Lélio Gama, via que pode ser considerada como de serviço, e da pequena Rua Silva Jardim. (2) Sistema de pedestres – divide-se em fluxos e áreas de permanência. (A) Fluxos Os fluxos dividem-se em intenso (I), médio (M) e pequeno (P). Os fluxos intensos ocorrem nas margens do polígono, onde estão localizadas as áreas de provavelmente maior concentração de pessoas da área central: Largo da Carioca, Cinelândia, Praça Tiradentes e Lapa. Cada um desses quatro espaços tem as particularidades que fazem deles locais de grande vitalidade. As ruas próximas a esses quatro espaços, como as ruas da Carioca e Treze de Maio e Av. Mem de Sá são as mais movimentadas. As ruas de concentração de muitas atividades comerciais e de serviços, como a Avenida Rio Branco, principal avenida do centro da cidade, e a Rua Senador Dantas, também têm fluxos intensos de pedestres. (fig. 94) Alguns fluxos intensos foram observados em direção aos pontos de ônibus localizados na Avenida República do Paraguai, com origem ou destino no Largo da Carioca. O fluxos médios acontecem nas ruas comerciais de menor atividade, como a Rua do Lavradio. Apesar de concentrar muitos imóveis comerciais, o comércio é temático (antigüidades) e muitos imóveis estão fechados. Fluxos menos intensos foram identificados em vias com pontos de ônibus, como a Rua do Senado e Pedro I, ou em vias de serviço que concentram restaurantes, como a Lélio Gama e Álvaro Alvim. A passarela que liga o edifício sede da Petrobrás e o BNDES também apresenta fluxos de intensidade média durante o dia, principalmente nos horários de pico. Os pequenos fluxos observam-se na Rua dos Arcos, onde os usos restringem-se a estacionamentos, sendo utilizada quase que totalmente por esse público. A primeira quadra da Avenida Chile

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também tem baixa utilização das calçadas, principalmente na inferior. A passarela sobre esse trecho é praticamente deserta durante todo o dia. As calçadas da Avenida República do Paraguai próximas aos arcos também são muito vazias, só ficando mais utilizadas próximo ao cruzamento com a Av. Chile, onde estão os pontos de ônibus mais próximos das atividades do Largo da Carioca e dos edifícios comerciais. Estas calçadas sofrem também com a descontinuidade causada pelos acessos aos vários estacionamentos. (B) Áreas de Permanência As áreas de permanência são de diferentes naturezas. Observam-se permanências em locais de concentração de mesas de bares e restaurantes, bancas de jornal, feiras, próximo a camelôs, pontos de ônibus, áreas de lazer, em torno de algum evento de rua ou em alguma calçada específica. A concentração em torno de algum evento de rua é um processo denominado por Whyte de triangulação248, causado quando algum estímulo externo promove a ligação entre pessoas que estão na rua mas não necessariamente se conhecem. É o caso por exemplo do Lago da Carioca, onde músicos, animadores ou performers atraem a atenção dos transeuntes. (fig. 95) O volume maior de pessoas concentradas em alguma atividade acontece principalmente nas ruas próximas à Avenida Rio Branco, como no Largo da Carioca, Rua Treze de Maio, Cinelândia e ruas e becos adjacentes e Rua Lélio Gama. No restante da área as permanências concentramse nos pontos de ônibus ou nas áreas de lazer, como a Praça do Ciep e a Praça Lavradio (em determinados horários). A conclusão retirada do sistema de pedestres é a identificação da áreas vivas e áreas mortas resultantes de todas as questões levantadas acima. A identificação de onde estão as pessoas e por quê é fator fundamental para o novo projeto urbano. Já dizia Jane Jacobs sobre as calçadas: A calçada por si só não é nada. É uma abstração. Ela só significa alguma coisa junto com os edifícios e os outros usos limítrofes a ela ou a calçadas próximas. 249 Ou ainda: Devem existir olhos para a rua, os olhos daqueles que podemos chamar de proprietários naturais da rua. Os edifícios de uma rua preparada para receber estranhos e garantir a segurança tanto deles quanto dos moradores devem estar voltados para a rua. Eles não podem estar com os fundos ou um lado morto para a rua e deixá-la cega.250 (3) Sistema de transportes – divide-se em ônibus, metrô, bonde e VLT. (A) Ônibus Na área de análise estão projetadas duas paradas terminais de ônibus, como resultado do Projeto de Revitalização da Praça Tiradentes. Elas estão localizadas uma na primeira quadra da Avenida Chile, na pista em direção à Praça Tiradentes, e outra na Rua do Passeio. Trajetos de ônibus passam por todas as ruas da área de projeto, com exceção da Rua das Marrecas e das vias de tráfego restrito. (B) Metrô A linha 1 do metrô passa subterrânea às ruas Uruguaiana, Treze de Maio e sob a Cinelândia, tendo 2 estações com 6 saídas na área de projeto. O Projeto de Expansão do Metrô prevê duas intervenções na área central. A primeira e mais urgente é a ligação Estácio-Carioca como um prolongamento WHYTE, William H. The Social Life of Small Urban Spaces. New York: Project for Public Spaces, 1980; p. 94. 249 JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000; p. 29. 250 Idem; p. 35 248

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da linha 2, prevista desde a construção da linha 1, que tem parte do leito já executado sob a Avenida Chile. A segunda é o traçado alternativo da linha 4, que ao invés de ligar a estação Humaitá com o Morro São João (Shopping Rio Sul), seguiria até a Av. Chile através de Laranjeiras, encontrando com a linha 2 próximo à Rua do Lavradio. Foi levada em consideração a implantação do traçado alternativo, embora seja pouco provável que este seja executado. (C) Bonde A linha de bondes faz terminal na Rua Lélio Gama. Porém há previsão de extensão da malha de bondes até a esquina da Rua Francisco Muratori com Rua do Riachuelo, onde inclusive os trilhos já estão executados. (D) VLT O Projeto VLT, elaborado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, prevê a construção da linha 1 – LAPA – passando pela área de projeto. O trajeto da linha, que tem sentido Cruz Vermelha – Passeio Público, segue pela Rua do Senado, Rua Pedro I, Praça Tiradentes, Rua sete de Setembro, Rua Uruguaiana, Largo da Carioca, Rua Treze de Maio, Cinelândia, Rua do Passeio, Av. Mem de Sá, Rua dos Arcos, Rua do Resende e Praça da Cruz Vermelha, envolvendo a área de projeto. A linha 2 tangencia a 1 no trecho que vai da Uruguaiana até o Passeio., também interferindo na área. As ciclovias existentes nos arredores estão no Aterro do Flamengo, e ainda não atingem o centro da cidade. Sistema de Espaços Públicos (ver mapa correspondente) Os espaços públicos, na definição de Stephen Carr251, são os espaços abertos, públicos e acessíveis, onde as pessoas vão praticar atividades individuais ou em grupos. Segundo ele, os espaços públicos contemporâneos podem dividir-se em uma grande quantidade de categorias diversas que são o resultado de sua evolução histórica. Observa-se na área uma grande quantidade de espaços públicos de diferentes naturezas e escalas, que refletem as formas de utilização do espaço da cidade e inclusive definem certas hierarquias. No caso da área de estudo, a partir de Carr252, foi detectada a existência dos seguintes tipos, dentro das escalas da cidade, do bairro e do cotidiano: (1) Parque central – parque verde, histórico ou contemporâneo, localizado na área central – Passeio Público; (2) Praça central – parte da história da evolução urbana, mantida pelo estado – Praça Tiradentes, Cinelândia e Largo da Carioca; (fig. 96) (3) Praça de eventos – praça com grande porção de espaço livre para realização de algum tipo de evento – Praça Cardeal Câmara; (4) Praça corporativa – praça construída e mantida por corporações, porém de uso público – Praça Ed. Rio Metropolitan e Praças do BNDES; (5) Praça de vizinhança – praça construída próxima à residências, para lazer de bairro – Praça Av. Chile; Praça República do Paraguai. (6) Feiras e mercados – ruas ou praças utilizadas temporariamente como feiras - Rua do Lavradio, Cinelândia, calçada esquina Rua da Carioca com República do Paraguai e Rua Heitor de Melo; (fig. 97 e 98) (7) Calçadas – áreas de pedestres que conectam a cidade - toda a malha de calçadas da área; 251

252

CARR, Stephen; FRANCIS, Mark; RIVLIN, Leanne G.; STONE, Andrew M. Public Space. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. Idem

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(8) Ruas (comerciais ou não) de pedestres – ruas proibidas para veículos, calçadões – passarelas Av. Chile, servidão entre o prédio da Caixa Econômica e Igreja, escadaria Rua do Senado, becos da área Serrador, Rua Bethencourt da Silva, Rua Pedro Lessa, Travessa dos Artistas de Calçada e passagem dentro do Teatro Nelson Rodrigues; (fig. 99 e 100) (9) Ruas de tráfego restrito – ruas com pequeno tráfego de veículos, onde a prioridade é do pedestre – Rua Álvaro Alvim, Rua Alcindo Guanabara, Rua Treze de Maio, Rua Manoel de Carvalho, Rua Vieira Fazenda, Rua Heitor de Melo, Rua da Ajuda, Rua Lélio Gama, trecho inicial Rua do Lavradio e via dentro do BNDES; (fig. 101, 102 e 103) (10) Playgrounds – praça em vizinhança residencial, com brinquedos – Praça do Ciep e Praça da Igreja Presbiteriana; (fig. 104) (11) Praça de lazer escolar – praça para realização de atividades escolares – Praça Lavradio; (fig. 105) (12) Átrio e galeria comercial – áreas comerciais privadas de acesso público no interior de edifícios - Galerias Ed. Avenida Central; (13) Áreas apropriadas – áreas públicas utilizadas para permanência – canteiro central da Rua do Lavradio; calçadas da Lapa, Rua Álvaro Alvim e becos adjacentes, calçadas da Cinelândia, Rua Lélio Gama e áreas com mesas de bares na calçada de maneira geral. (14) Vazios urbanos – terrenos vazios ou residuais, de acesso público – entorno da Catedral, estacionamentos; (fig. 106) (15) Áreas verdes inacessíveis – áreas verdes e inacessíveis devido ao relevo ou à propriedade privada - pequeno morro dos Arcos, Jardins sobre a laje do BNDES e sobre o restante do morro e Jardins do Terminal de Bondes. (fig. 107 e 108) Dentro de todas essas categorias, existem gradientes de utilização e importância dos espaços. Há locais de grande concentração de pessoas, que são responsáveis pela irrigação da rede de espaços públicos ao seu redor. Na área de estudo foram identificadas quatro áreas com essas características, que seriam as áreas vivas, descritas anteriormente. São elas: (A) Praça Tiradentes – praça histórica cercada, uso cultural e comercial ao redor, terminais de ônibus. Uso de lazer e ócio no interior. (B) Largo da Carioca – largo histórico aberto, uso comercial e empresarial ao redor, estação de metrô. Fluxo intenso de passagem e apropriação do espaço por camelôs e artistas de rua. (C) Cinelândia – praça histórica aberta, uso institucional, cultural e de lazer (bares e restaurantes) ao redor, pontos de ônibus e estação de metrô. Fluxo intenso de passagem, uso de lazer e ócio, uso eventual de feiras e eventos políticos. (fig. 109) (D) Lapa – calçadas, uso de lazer (bares e restaurantes), utilização intensa à noite e fins de semana. Eventos culturais na Praça Cardeal Câmara, em frente. Por outro lado, observam-se áreas com características contrárias aos quatro principais espaços – são os espaços que não deram certo, e que estão sempre vazios, ou seja, as áreas mortas. Sobre a qualidade e utilização dos espaços públicos, os elementos indispensáveis, segundo William Whyte são o ‘espaço sentante’, árvores, água, comida e contato com a rua:

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‘Espaço sentante’ é apenas uma das muitas variáveis. (...) Mas ele é certamente um pré-requisito. O chafariz mais atraente, o design mais bem sucedido, não podem induzir as pessoas a sentarem se não há local para sentar.253 Árvores deveriam estar muito mais diretamente relacionadas aos espaços sentáveis do que elas normalmente estão.254 Água é outro elemento agradável. (...) A melhor parte em relação à água é olha-la e senti-la. (...) Outra é escutar o seu som.255 Se você quer semear um lugar com vitalidade, coloque comida. Comida atrai pessoas que atraem mais pessoas.256 Agora chegamos ao espaço chave para a praça. Ele não está na praça. Ele é a rua. As outras amenidades que discutimos são sem dúvida importantes. Mas elas podem ser adicionadas. A relação com a rua é essencial, e está além do fator de desenho.257 São áreas mortas a Praça Ed. Rio Metropolitan, a Praça Avenida Chile e a Praça República do Paraguai. A área em frente ao Teatro Nelson Rodrigues também é subutilizada, embora seja um jardim bonito e bem cuidado. Todos eles foram espaços criados para o encontro e permanência, porém carecem de um ou outro elemento fundamental para a sua vitalidade. (fig. 110) A Praça Cardeal Câmara também é um espaço muito vazio. É uma área árida que não tem ambientes de estar, não tem usos definidos e não é um espaço orientado para a passagem, ficando a sua utilização restrita aos eventos noturnos ou diurnos esporádicos, além de desempenhar a função estética de criar uma perspectiva livre dos Arcos da Lapa. A área de chegada da Catedral Metropolitana, pela ausência de delimitações laterais, se mistura com os vazios dos estacionamentos, ficando imperceptível como um espaço de ritual que deveria ser importante. Ninguém a reconhece como um espaço público pertencente à Catedral. Preexistências (ver mapa correspondente) (...) o passado é em parte experimentado agora, e que, desde o ponto de vista da ciência urbana, pode ser este o significado das permanências: elas são um passado que ainda experimentamos.258 As preexistências estão divididas em (1) urbanísticas, (2) arquitetônicas, com destaque para os (3) monumentos, (4) topografia, e aspectos visuais do sítio como (5) marcos referenciais, (6) visadas significativas, (7) barreiras, (8) pontos focais e (9) linhas de força. (1) Urbanísticas Datam de várias épocas distintas, como já descrito no capítulo do histórico do local. São espaços públicos surgindo no tempo, desde a Rua da Ajuda, passando pelo surgimento da Rua Treze de Maio, Rua Bethencourt da Silva, Largo da Carioca, Rua da Carioca, Rua Evaristo da Veiga, Rua das WHYTE, op. cit; p. 28 Idem, p.46 255 idem, p.47 256 idem, p.50 257 idem, p.54 258 ROSSI, Aldo. La Arquitectura de la Ciudad. Barcelona: Gustavo Gili, 1982, p. 99. 253 254

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Marrecas, Rua do Riachuelo, Rua dos Arcos, Rua do Lavradio, Rua Visconde do Rio Branco, Praça Tiradentes, Av. Mem de Sá, Passeio Público, Rua Senador Dantas, Av. Rio Branco até a criação da Cinelândia. Elas configuram diferentes malhas. A malha mais antiga data da passagem do século XVIII ao XIX (Malha Rio Antigo) e corresponde ao trecho das ruas da Carioca, Lavradio, Senado, Resende e Inválidos, ruas ainda caracterizadas pelos lotes de testadas estreitas e grandes profundidades. Outra malha data do início do século XX e corresponde às quadras criadas após o desmonte do Morro do Senado com proporções mais generosas. O quarteirão Serrador data da década de 1920 e caracteriza-se pelos edifícios altos conformando quadras com becos muito estreitos. As quadras do Plano Agache datam da década de 1930, formando uma configuração diferente das anteriores, com prédios altos formando galerias cobertas e ruas largas. A Esplanada caracteriza-se por uma ocupação totalmente diferente. Sua concepção define a ocupação por edifícios isolados com áreas verdes ao redor. Devido a essa implantação, e como muitos terrenos não foram ocupados até hoje, a área conserva-se muito vazia. (2) Arquitetônicas Elas também datam de várias épocas. O que torna-se evidente após uma rápida visita ao centro é a quantidade de edifícios de diferentes épocas presentes em seu território. São representadas pelo casario neoclássico do lado ímpar da Rua da Carioca, do século XVIII, pela arquitetura Eclética da virada do século XX, na Av. Mem de Sá e Rua da Carioca, lado par, pelos edifícios altos de Serrador, da década de 1920 em diante, que hoje têm como vizinhos os edifícios modernistas das décadas de 60 e 70, e das últimas décadas do século XX, como o Ed. Rio Metropolitan. (fig. 111) Alguns edifícios destacam-se no conjunto arquitetônico, como a Escola de Música da UFRJ, a Sala Cecília Meireles e a Fundição Progresso. (3) Monumentos Algumas das preexistências são consideradas monumentos, pelo seu valor arquitetônico excepcional. As persistências evidenciam-se através dos monumentos, os signos físicos do passado, mas também através da persistência dos traçados e do plano.259 O entorno da Esplanada preserva monumentos que são exemplares do período colonial, como o Convento de Santo Antônio (1620), os Arcos da Lapa (1750), e a Igreja da Lapa do Desterro (1751), e monumentos do início do século XX, como o Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes e a Biblioteca Nacional, que convivem com o monumento mais recente que é a Catedral Metropolitana, edifício polêmico, porém construído para ser um monumento religioso, e que é querido pela população local. (fig. 112, 113, 114 e 115) (4) Topografia A topografia é um aspecto fundamental a ser analisado. Enquanto os outros dois morros demolidos na história da cidade do Rio de Janeiro deixaram áreas quase que exclusivamente planas para a execução de um novo traçado, o desmonte do Morro de Santo Antônio resultou em um relevo acidentado. O platô onde se localiza o convento era o trecho mais baixo do morro, e foi preservado. O eixo L-O chegou até a cota 5.00, concordando com as vias existentes, porém o N-S aproveitou-se de parte do morro para a sua implantação. Hoje, os quatro quadrantes resultantes do traçado viário têm topografia distinta: o primeiro (Convento) é uma colina natural com um trecho artificial formado pela laje inclinada BNDES; o 259

Idem; p. 99

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segundo (Teatro) possui várias cotas - cada lote está em um nível diferente (cota em função da divisão fundiária); o terceiro (Catedral) tem desnível brando concordando com as ruas vizinhas; o último (Petrobrás) é interrompido pela existência do Quartel que forma uma espécie de muro de contenção do trecho de cota mais alta, que é o terreno do terminal de bondes. Por estas razões, é uma topografia de difícil manipulação. (fig. 116 e 117) (5) Marcos referenciais Para a definição dos marcos referenciais, foi utilizado o conceito de Kevin Lynch: Os marcos são um tipo de referência externa, ou seja, o observador não entra neles. Em geral são um objeto físico definido de maneira muito simples: edifício, sinal, loja, montanha. 260 Os marcos se tornam mais fáceis de identificar e mais passíveis de serem escolhidos por sua importância quando possuem uma forma clara, isto é, se contrastam com seu plano de fundo e se existe alguma proeminência em termos de sua localização espacial. O contraste entre figura e plano de fundo parece ser o fator principal.261 Os marcos identificados no local são os Arcos da Lapa, pela imponência, a Catedral, o edifício da Petrobrás e o BNDES pelas formas fortes, o edifício Rio Metropolitan pela altura contrastante, a Igreja Presbiteriana pela posição destacada, o edifício Avenida Central pelo embasamento marcante e o Convento, pela implantação destacada. Ou seja, a área da esplanada é salpicada de edifícios marcantes, demonstrando a intenção de se criar avenidas monumentais em detrimento da expansão da cidade como extensão de tipologias já existentes. (6) Visadas significativas As visadas que merecem ser exploradas são as perspectivas de ambos os lados dos Arcos da Lapa, as visadas do casario da Rua do Lavradio, da Praça Tiradentes em direção à Igreja vendo ao fundo a Catedral e o edifício da Petrobrás, da Av. Rio Branco em direção ao Convento através da ponta triangular do Largo da Carioca (Praça Estado da Guanabara), da Rua Senador Dantas em direção ao Convento, da Rua Lélio Gama em direção à Catedral, da Rua Treze de Maio em direção ao Convento, da Av. República do Paraguai em direção à Av. Rio Branco e da Rua Evaristo da Veiga em direção aos Arcos. (fig. 118) (7) Barreiras Em contraponto às visadas, as barreiras existentes eliminam algumas possibilidades de conexão. São elas o grande desnível entre a Av. República do Paraguai e a Estação de Bondes, ocultando a sua existência, e a presença do Quartel da Evaristo da Veiga, que além de não contribuir para a animação urbana, a sua extensão impede a conexão física e visual desta rua com os acontecimentos da Rua Lélio Gama. (fig. 119) Podem ser consideradas barreiras as escadarias que ligam os desníveis entre terrenos na quadra do Teatro Nelson Rodrigues, que não contribuem para a atração dos transeuntes, assim como a via paralela à descida da Av. República do Paraguai, na lateral da Catedral, que atua como fosso que isola a calçada do terreno da Catedral. (fig. 120 e 121) (8) Pontos focais Recorreremos também a Lynch para a definição dos pontos focais ou pontos de interesse do projeto, que ele denomina de pontos nodais:

260 261

LYNCH, Kevin. The Image of the City. Cambridge, Mass: The MIT Press, 1969; p. 53. Idem; p. 88.

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(...) podem ser meras concentrações que adquirem importância por serem a condensação de algum uso ou de alguma característica física.262 O ponto focal principal de um espaço como a Esplanada deveria ser o cruzamento de seus dois eixos estruturadores. Porém, o cruzamento em dois níveis não contribui para a criação de um ponto de convergência e costura, e sim de fragmentação em quatro áreas isoladas. Outro ponto focal de menor importância, porém significativo, deveria ser a ‘praça’ defronte à catedral. Porém, conforme analisado no tema Espaços Públicos, essa praça não se materializou na prática. (fig. 122) Portanto, os pontos focais continuam externos à Esplanada, como já eram antes da sua criação, ou seja, os já descritos quatro pontos irradiadores de fluxos: Praça Tiradentes, Largo da Carioca, Cinelândia e Lapa. (9) Linhas de força As linhas de força observadas são o eixo virtual da Catedral, a partir da calçada oposta da Av. Chile, a conexão direta da avenida Mem de Sá com a Rua do Senado, passando pela passarela existente, além dos eixos evidentes das duas avenidas. Variação de Usos (ver mapa correspondente) Os usos identificados na área de estudo estão agrupados por trechos. Variam dos usos residencial (permanente e transitório), comercial (formal e informal), serviços e empresas, organizados também na forma mista – comércio / residências, comércio / empresas, comércio / empresas / residências, comércio / serviços / empresas, até usos culturais e de lazer, institucionais religiosos, educacionais e de segurança, estacionamentos, terminais de ônibus e estações de metrô e bonde. (fig. 123, 124 e 125) A Rua do Lavradio apresenta uso comercial e residencial, com uso institucional escolar (Ciep) e uso de lazer noturno, que se conecta com os mesmos que ocorrem na Av. Mem de Sá e Praça Tiradentes, formando uma mancha de atividades culturais e de lazer. A Lapa concentra uso comercial, residencial, cultural e de lazer, principalmente à noite, com casas de show, boates, bares e restaurantes, que se estende até a Rua dos Arcos, na Fundição Progresso e futuramente no novo Circo Voador. A Rua da Carioca também é uma rua comercial, com alguns outros usos como cinema e teatro, e religioso da Igreja Presbiteriana. (fig. 126) A Av. Rio Branco concentra os usos comercial, serviços e empresarial, além do Convento e das Igrejas (no Largo da Carioca), conectados com os usos culturais e de lazer que ocorrem na Cinelândia, inclusive durante a noite. São eles o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes, o Centro Cultural da Justiça Federal, o Cinemas Odeon, além de diversos bares e restaurantes e das festas do Cordão do Bola Preta. No trecho Serrador existem alguns cinemas, um teatro e uma casa de shows. A Rua Evaristo da Veiga caracteriza-se pela presença do Quartel da Polícia Militar, que ocupa praticamente um lado inteiro da rua, e uso comercial e serviços. A Senador Dantas tem uso comercial, serviços e empresarial. (fig. 127) A Av. Chile apresenta uso empresarial e institucional religioso (Catedral), além do uso cultural no subsolo do BNDES. A Av. República do Paraguai não apresenta muitos usos, pois só tem um edifício com acesso voltado para ela - o Teatro Nelson Rodrigues e a torre de escritórios anexa. Entretanto, o uso que talvez mais caracterize a área da Esplanada seja o de estacionamentos. São diversos estacionamentos consecutivos ocupando os terrenos vazios da Rua dos Arcos, Lavradio, Av. Chile, Av. República do Paraguai, Rua Pedro I e Rua Silva Jardim. (fig. 128 e 129) 262

Idem; p. 53

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Também está presente na área o comércio informal, que acontece na Av. Chile, Largo da Carioca, Rua Treze de Maio, Av. Rio Branco e Rua da Carioca. O uso comercial ocorre também na forma de feiras: de antigüidades, de livros ou esotéricas. Existem algumas construções relacionadas à infra-estrutura da cidade, como as áreas operacionais da Telemar e da Light, que são caixas que não se relacionam com o espaço exterior. As estações de metrô localizam-se no Largo da Carioca, Av. Rio Branco, Cinelândia e Rua do Passeio, enquanto que o terminal de bondes localiza-se na Rua Lélio Gama. Embora a gama de programas seja bem variada, as atividades estão organizadas segundo um zoneamento que não permitiu que o uso residencial, por exemplo, ocupasse as grandes avenidas, nem que o uso comercial se estendesse nas duas avenidas da Esplanada. Atualmente existem dentro da área de intervenção aproximadamente 58 mil m2 de estacionamentos, 15 mil m2 de espaços comerciais, 465 mil m2 de empresas e serviços, 65 mil m2 de usos institucionais e 23 mil m2 de espaços para cultura e lazer. Massa Edificada (ver mapa correspondente) Dentro do tema edificações foram analisados os seguintes aspectos: (1) disposição, (2) domínios público e privado, (3) tipologias, (4) acessos e (5) taxa de ocupação. (1) Disposição Consiste na relação entre os edifícios e os espaços públicos no que se refere à implantação. Detectamos a coexistência das duas malhas predominantes: a trama histórica, representada pelos edifícios colados nas divisas, onde há a predominância dos cheios, e a cidade dos objetos, ilustrada pelos edifícios soltos no terreno, onde há a predominância dos vazios. Esses cortes ocorrem entre a malha compacta do Plano Agache e a dispersão da área da Esplanada, como entre a malha compacta do século XIX e a dispersão da Esplanada. Ou mesmo entre a malha Serrador e a dispersão da Esplanada. (2) Domínios público e privado As relações entre os domínios público e privado acompanham essas diferentes manifestações formais. As malhas compactas existentes definem a separação entre os dois domínios – o que está além do alinhamento é privado. O que está entre alinhamentos é público. Porém, essa lógica permite pequenas variações. Como no caso da vila da Rua do Lavradio, que cria um gradiente de privacidade – não é tão pública, mas também não é privada. Ou mesmo nos quarteirões Agache, quando os miolos de quadra viram áreas comuns, ocupadas por estacionamentos. Já nas grandes quadras da Esplanada a situação se inverte. Os lotes muito grandes são ocupados no centro deixando as áreas ao redor livres. Essas áreas fazem parte dos lotes privados, porém integram-se às demais áreas públicas, criando uma indefinição dos domínios. E surgem também situações do tipo: áreas de propriedade privada, porém de uso público, como o caso da Praça Ed. Rio Metropolitan e das galerias do Ed. Avenida Central; ou áreas de propriedade pública, porém de uso restrito, como os jardins do Terminal de Bondes, ao lado da Petrobrás; ou ainda áreas de propriedade pública e de uso público, mas que estão ‘dentro’ de algum edifício, como a Praça do BNDES, deixando dúvidas para os pedestres, pois fecham no horário noturno (3) Tipologias O Centro do Rio caracteriza-se como um território concentrador de paradoxos de diferentes naturezas onde o resultado é a fragmentação formal, se analisarmos o conjunto dos seus setores. Na Esplanada de Santo Antônio isto torna-se evidente. Essa fragmentação primeiramente é observada nas tipologias dos edifícios: Os contrastes entre o histórico e o moderno e entre o alto e o baixo. (fig. 130, 131 e 132)

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(A) Histórico/Moderno - A variação dos ‘estilos’ dos objetos arquitetônicos, como já descrito no tema das preexistências, abarca um período de mais de 200 anos (desde o início do século XVII, com a construção do Convento, até os dias de hoje, século XXI, com a breve inauguração do novo Circo Voador). E essas articulações entre elementos de diferentes tempos históricos permitem ricas relações de contraste e complementação, como no exemplo do novo Circo com os Arcos da Lapa como pano de fundo, numa rigorosa proximidade. E outras situações podemos citar. Que tal a perspectiva do Largo da Carioca com o Convento e o edifício da Petrobrás ao fundo? E algumas negativas, como o caso do novo edifício de escritórios da Rua do Lavradio, lâmina incrustada dentro da seqüência de baixos sobrados, com recuo obedecendo a uma legislação obsoleta 263. (B) Alto/baixo - Coexistindo com a malha histórica de edificações tombadas ou preservadas de épocas passadas, reside o sistema de edifícios altos de diferentes décadas, desde os arranha-céus de Serrador, da década de 1920, passando pelos edifícios altos do Plano Agache, das décadas de 30/40 e pelas torres surgidas ainda em fins da década de 50, como o Edifício Avenida Central até exemplares da década de 90, como o Rio Metropolitan. Exemplo paradigmático é a concha formada pelas altas torres do Largo da Carioca sobre a massa horizontal, embora elevada, do Convento. Ou então, a estreita relação entre o edifício Rio Metropolitan com os sobrados da Rua do Lavradio. (4) Acessos A posição dos acessos é fundamental para a garantia da vitalidade da rua. Observa-se que a Av. República do Paraguai só dá acesso principal a um edifício, que é o do Teatro Nelson Rodrigues e torre de escritórios anexa. Os demais edifícios estão todos voltados para as outras vias, inclusive o Terminal de Bondes. Ela dá acesso a quatro estacionamentos – Catedral, BNDES, Petrobrás e Esdi (Escola Superior de Desenho Industrial) e à entrada secundária da Igreja Presbiteriana, que funciona para carga e descarga e estacionamento. Os edifícios da Avenida Chile abrem-se diretamente para a sua calçada superior. Os demais edifícios da área de análise são acessados diretamente pelas suas respectivas calçadas, auxiliando na manutenção das suas atividades, com exceção do edifício da Telemar, que ‘dá as costas’ para as três ruas, sendo acessado pela servidão lateral. (5) Taxa de ocupação As diferentes taxas de ocupação do solo surgem através das diversas disposições entre massa construída e espaços abertos. A taxa de ocupação do solo na área de intervenção está na faixa de 25% por construções e 11% por vias. 2.3.3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Como conclusão desta etapa, é oportuno destacar os maiores problemas e potencialidades encontrados da área, os quais servirão de base para a elaboração das diretrizes projetuais e do programa para as propostas futuras. Problemas Um dos maiores problemas encontrados no local é o próprio traçado das duas vias largas e curtas cruzando-se em dois níveis, fator que contribui para esvaziar as ruas, interfere no fluxo dos pedestres e cria áreas mortas no ponto do cruzamento. Esta rua está fora da área de abrangência do Corredor Cultural, por isso a ocorrência de situações desse tipo. 263

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Os espaços públicos de pouco uso ou abandonados detectados na área refletem a falta de propósito dos mesmos, certamente em função da falta de atividades a eles associados e da baixa qualidade dos ambientes projetados. Associado a este fator, a falta de um sistema verde nas vias e espaços públicos provoca uma evasão dos usuários em dias mais quentes. A topografia acidentada e os arrimos determinando diferentes platôs dificulta a unidade e conexão dos espaços, sendo necessária no futuro uma movimentação de terra para a acomodação das novas conexões. A má localização da estação de bondes, escondida em uma via de pouca evidência, subutiliza seu potencial turístico e de conexão. Sobre os usos e atividades, algumas funções não contribuem para a animação urbana, como o Quartel da Polícia Militar, que ocupa toda a calçada de uma das vias. Os estacionamentos e áreas vazias também não motivam a utilização dos espaços nem para a passagem. Os poucos usos relacionados com as duas vias principais (praticamente só uso empresarial) não auxiliam na vitalidade dos espaços. A ausência do uso residencial na área e de usos de maior vitalidade nas avenidas, como comercial e cultural, agrava o seu esvaziamento. A falta de atividades voltadas para a Av. Rep. do Paraguai fortalece o seu caráter de eixo simplesmente viário. Potencialidades O que se pode resumir após as análises apresentadas, dentro do assunto Fluxos e Conexões, é que a posição da Esplanada ‘no centro do centro’ e no centro dos fluxos é privilegiada e favorável à sua vitalidade futura, evidentemente relacionada à ocupação das áreas vazias e à oferta de novos usos e atividades. Algumas conexões entre as áreas inclusive já se insinuam, merecendo serem reforçadas. A existência de muitas áreas vazias, fato considerado um problema, representa entretanto a possibilidade da criação de muitas novas áreas públicas e a maior liberdade para a definição do critério de intervenção. A previsão do incremento do sistema de transportes para o centro também é um fator favorável, e a oferta de áreas vazias facilita o desenvolvimento dos novos trajetos através da área. Sobre o tema Espaços Públicos, a área em frente à Catedral demonstra ser a mais favorável para se tornar o centro de ebulição do projeto, em virtude da sua função de ritual e de estar ligada às duas vias e ao monumento. As áreas apropriadas observadas são também indicações de tipos de atividades que ‘dão certo’ quando associadas aos espaços públicos. No que se refere às preexistências, os monumentos da área e os contrastes entre épocas históricas representa um desafio para as futuras propostas de intervenção. Juntamente, o potencial turístico é um elemento chave do centro, que tem a possibilidade de se estender para a área da Esplanada. Sobre os usos e edificações, a presença da cultura e do lazer noturno no entorno é fator que facilita a contaminação da Esplanada. A variação de formatos arquitetônicos observada, igualmente à questão das diferentes épocas históricas, é talvez o maior desafio a ser solucionado. (fig. 133)

O LUGAR

85 84 FIG. 84 – Entorno da Esplanada: multiplicidade de malhas FIG. 85 – Área de projeto FIG. 86 – Eixo L-O do centro FIG. 87 – Av. República do Paraguai FIG. 88 – Av. Chile 86

87

88

O LUGAR

89 90 FIG. 89 – Rua Evaristo da Veiga FIG. 90 – Rua Senador Dantas FIG. 91 – Rua do Lavradio FIG. 92 – Rua dos Arcos FIG. 93 – Rua Silva Jardim 91

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FIG. 94 – Fluxo de pedestres Largo da Carioca FIG. 95 – ‘Triangulação’ Largo da Carioca FIG. 96 – Praça Tiradentes FIG. 97 – Sebos na esquina da Rua da Carioca com República do Paraguai FIG. 98 – Feira esotérica na Cinelândia 96

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O LUGAR

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FIG. 99 – Passagem de pedestres dentro do edifício do Teatro Nelson Rodrigues FIG. 100 – Calçadão de acesso à torre comercial (antigo BNH) FIG. 101 – Rua do Lavradio FIG. 102 – Restaurantes Rua Lélio Gama FIG. 103 – Rua Álvaro Alvim 101

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O LUGAR

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FIG. 104 – Playground Igreja Presbiteriana FIG. 105 – Praça do Lavradio FIG. 106 – Vazios urbanos FIG. 107 – Área verde inacessível atrás do quartel

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FIG. 108 – Área verde inacessível dentro do terminal de bondes

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O LUGAR

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FIG. 109 – Cinelândia FIG. 110 – ‘Praça’ em frente à Catedral FIG. 111 – Casario neoclássico da Rua da Carioca FIG. 112 – Arcos da Lapa FIG. 113 – Igreja Presbiteriana 111

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O LUGAR

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FIG. 114 – Convento de Santo Antônio FIG. 115 – Catedral Metropolitana FIG. 116 - Topografia acidentada FIG. 117 – Colina remanescente do Morro original FIG. 118 – Visada dos Arcos da Lapa 116

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O LUGAR

119 120

FIG. 119 – Terminal de bondes FIG. 120 – Barreira física FIG. 121 – Barreira física FIG. 122 – Cruzamento em nível – áreas mortas FIG. 123 – Uso residencial transitório (hotel) 121

122 123

O LUGAR

125 124

FIG. 124 – Comércio informal FIG. 125 – CIEP FIG. 126 – Teatro Carlos Gomes FIG. 127 – Quartel da Polícia Militar FIG. 128 – Estacionamento

126

127

128

O LUGAR

129

130

FIG. 129 – Estacionamentos FIG. 130 – Alto e baixo FIG. 131 – Histórico e moderno FIG. 132 – Alto e baixo FIG. 133 – Síntese do local

131

132

133

QUADRO RESUMO DA METODOLOGIA DE PROJETO – PARTE 4 REFERÊNCIA TEÓRICA

CATEGORIA

Articulação/acessibilidade dos espaços Fluxos (efemeridade / nomadismo)

SISTEMA DE FLUXOS VEÍCULOS PEDESTRES TRANSPORTES

Articulação/acessibilidade dos espaços Espaço público Elemento forte

SISTEMA DE ESPAÇOS PÚBLICOS VÁRIAS ESCALAS ÁREAS VIVAS ÁREAS MORTAS

História Lugar / contexto Antigo e novo Superposição de idades

PREEXISTÊNCIAS URBANÍSTICAS ARQUITETÔNICAS MONUMENTOS MARCOS BARREIRAS TOPOGRAFIA

Articulação/acessibilidade dos espaços Novidade urbana Catalisador / âncora Elemento forte

ESTRUTURA INTERNA PONTOS FOCAIS FORÇAS VISADAS

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade

VARIAÇÃO DE USOS PRINCIPAIS COMPLEMENTARES

Normativas / regras Fragmentação / hibridismo / paradoxos Forma aberta

MASSA EDIFICADA DISPOSIÇÃO DOMÍNIOS PÚBLICO/PRIVADO ALTO/BAIXO ACESSOS TAXA DE OCUPAÇÃO

Tempo, estratégias e oportunidades Agentes e parcerias Elemento forte

ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade Elemento forte

PROGRAMA

Superposição de idades Fragmentação / hibridismo / paradoxos Fluxos (efemeridade / nomadismo) Forma aberta Elemento forte

ESPÍRITO DO PROJETO

PROJETOS DE REFERÊNCIA (CRÍTICA)

ANÁLISE DO LOCAL (HISTÓRIA)

Agache – rede de conexões interligando o sistema Agache/Reis/FTM – galerias cobertas de pedestres Sabóia/Potsdamer/Paris/KvZ – permeabilidade de pedestres Paris – conexão entre os dois lados antes separados Paris/KvZ – ampliação do sistema de transportes Almere – placa elevada sobre as vias

Muitas áreas vazias Grande infra-estrutura de transportes Fluxos intensos no entorno da área

Agache – sistema integrado de espaços públicos Sabóia/Paris – espaços públicos entre edifícios Reidy – centro cívico como ponto focal Potsdamer – rua comercial de pedestres coberta Almere – boulevard cultural Agache – ligação de pedestres sobre os Arcos Agache/Sabóia/Reidy/Reis/FTM/Paris – preservação monumentos FTM – resistência às demolições Potsdamer – valorização da memória urbana Paris/KvZ – novo uso para antigos edifícios Paris – preservação da idéia do vazio

Agache/FTM/Potsdamer/Paris/Almere/KvZ – mais de um ponto focal Reidy – ponto focal no espaço com as principais edificações Reidy – edifício cruzando a avenida cria interesse especial FTM – ponto focal em frente à Catedral Reidy – uso cultural Reidy/FTM/Potsdamer/Paris/Almere/KvZ/Faria Lima – residências FTM – grande variação de usos e estacionamentos subterrâneos Potsdamer – atividades de maior vitalidade no espaço principal Potsdamer/Paris/Almere/KvZ – uso de lazer Paris – uso universitário Almere – cruzamento de funções vertical e horizontalmente Agache/Potsdamer – forte definição dos domínios Paris – quarteirão aberto conformando as ruas e espaços públicos Almere – mescla dos domínios público e privado

Potsdamer/Almere/KvZ – plano de massas feito por 1 escritório e edificações por vários arquitetos Paris – projeto dividido em várias etapas Paris/Almere/KvZ/Faria Lima – vários atores envolvidos KvZ – grande divulgação do projeto Agache – interdisciplinaridade do projeto FTM – multifuncionalidade Potsdamer – funções âncora – ócio, comércio e cultura Paris – funções principais – cultural, universidade e terminal Almere – valorização da cultura e lazer em área destacada Paris – valorização da rua e conceito de quadra aberta Almere – interpenetração dos domínios público e privado criando novas relações espaciais KvZ – projeto como símbolo da contemporaneidade

Várias naturezas de espaços públicos Quatro espaços de grande vitalidade no entorno Área vazia defronte à Catedral

Diferentes malhas no entorno Arquiteturas de diferentes épocas Muitos monumentos

Mais de um local com potencial de criar novidade Topografia ajuda a criar relações diferenciadas com a paisagem

Variação de usos, porém organizados em função de um zoneamento Muitos estacionamentos Algumas funções desfavoráveis

Duas malhas predominantes – trama histórica e cidade dos objetos Diferença entre formatos Diferença entre gabaritos

Propriedades de vários donos, inclusive públicas

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO LOCAL DATA ÁREA ENFOQUE

RIO DE JANEIRO 2004 37 Ha ÁREA CENTRAL SITUAÇÃO ATUAL

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Duas avenidas que se cruzam em dois níveis Poucas vias de veículos Grande infra-estrutura de transportes Fluxos de pedestres variáveis em função das atividades

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Espaços públicos de diversas escalas Áreas vivas – Pça. Tiradentes, Lgo. da Carioca, Cinelândia e Lapa Áreas mortas estão associadas à falta de atividades

3- PREEXISTÊNCIAS

4- VARIAÇÃO DE USOS

Diferentes malhas no entorno Arquiteturas de diferentes épocas Muitos monumentos Topografia marcante Marcos visuais – edifícios de formas fortes Ausência de pontos focais efetivos

5- MASSA EDIFICADA

Comercial (formal e informal) / Duas malhas predominantes – trama serviços / empresarial / cultural / histórica e cidade dos objetos lazer / institucional / estacionamentos Diferentes relações entre os domínios público / privado Diferentes formatos arquitetônicos 25% construções / 11% vias

154

CAPÍTULO 3 A NOVA ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO Como ainda poderá ser? O capítulo 3 objetiva o fechamento do trabalho através da exposição das duas propostas de intervenção urbana para a Esplanada de Santo Antônio. Está dividido em duas etapas, onde: (3.1) A primeira expressa os desafios relacionados a uma intervenção desse porte e expõe as diretrizes projetuais e o programa adotado para as propostas; (3.2) A segunda finalmente apresenta as duas propostas de intervenção para o local, expostas segundo as mesmas categorias das análises realizadas nos capítulos anteriores. Ele representa a conclusão de um pensamento que vem sendo colocado desde o capítulo 1, através das idéias e teorias sobre centro e projeto urbano e dos critérios de intervenção na cidade contemporânea, e capítulo 2, com a leitura histórica e a crítica dos projetos existentes para o local. As conclusões téorico-histórico-críticas dos capítulos anteriores servem de base para a formulação das propostas de projeto que ora apresentamos.

CAPÍTULO 3 – A NOVA ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

3.1

155

DESAFIOS, DIRETRIZES PROJETUAIS E PROGRAMA

Passados 50 anos do desmonte do Morro de Santo Antônio, e constatada a não concretização de todas as idéias já pensadas para a ocupação da Esplanada resultante, é iminente a colocação de novas idéias compatíveis com a realidade do centro do Rio no século XXI e com as idéias sobre arquitetura, urbanismo e sociedade nos dias atuais, idéias estas diferentes do que se pensou no passado. É objetivo desta etapa introduzir a gênese das duas propostas elaboradas para a Esplanada de Santo Antônio, isto é, seu ponto de partida, e será apresentada da seguinte forma: § A primeira parte destaca os principais desafios gerais e específicos de se trabalhar em um contexto intrincado como o da Esplanada; § A segunda parte faz a construção das diretrizes projetuais que orientarão igualmente as duas propostas, relacionando as ações de projeto com as idéias destacadas nos capítulos anteriores e as categorias definidas a partir delas, estabelecendo-se assim o esqueleto dos projetos; § A terceira e última parte descreve o processo de definição do programa adotado para ambos os projetos. 3.1.1 - DESAFIOS Três eixos básicos dirigem esta dissertação, e representam os desafios gerais de se intervir em um contexto central: (1) Como será a formatação da ocupação, ou seja, a estratégia de implantação adotada? (especulação esta baseada nas intervenções em áreas centrais no mundo analisadas anteriormente); (2) Qual será o critério para a definição do programa? (3) Qual será o critério formal–espacial-estético, ou, para utilizar o termo adotado na dissertação, o espírito do projeto? (isto relacionado à idéia do papel em branco: como ocupar?) Somados aos desafios gerais, há alguns específicos da Esplanada de Santo Antônio: (1) A relação do pequeno com o grande formato arquitetônico, paradoxo presente na área; (2) As preexistências: como trabalhar com as diferentes memórias - da natureza, do morro, do vazio, do traçado dos séculos XVIII e XIX, dos monumentos como Arcos da Lapa e Convento de Santo Antônio. (3) A presença de elementos fortes e fixos, como: § A circulação viária em dois níveis estabelecida no projeto implantado, fator gerador de áreas mortas; § A Catedral Metropolitana, projeto de qualidade arquitetônica questionável, porém um dos símbolos do centro da cidade; § Os edifícios isolados do BNDES e Petrobrás e suas formas marcantes. Os desafios acima descritos percorrerão todas as decisões projetuais deste capítulo. 3.1.2 - DIRETRIZES PROJETUAIS As diretrizes projetuais partem das conclusões relativas às áreas centrais (1.1), conceitos e critérios atuais de projeto urbano (1.2) e projetos urbanos recentes (1.3), além da análise da

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156

realidade atual (2.3) colocadas nos capítulos anteriores. (ver quadro resumo da metodologia de projeto – parte 4) Elas estão organizadas em seqüência, construindo o esqueleto do projeto passo a passo, e mostram como as idéias destacadas nas etapas anteriores se traduzem na prática. São elas: 1ª ação: Fomento da conectividade com o entorno (relacionada ao Sistema de Fluxos) Conectar as áreas irradiadoras de fluxos existentes no entorno, permitindo a penetração ou cruzamento dos mesmos na área de projeto. 2ª ação: Articulação dos espaços livres públicos (relacionada ao Sistema de Espaços Públicos) Articular os espaços livres públicos existentes com o centro da área de projeto, utilizando as novas possibilidades de conexão. Promover o balanceamento entre áreas livres e ocupadas. 3ª ação: Valorização dos monumentos (relacionada às Preexistências) Destacar os monumentos existentes através do uma ou outra intervenção, fazendo sua correspondência com os espaços livres públicos definidos anteriormente. 4ª ação: Definição dos elementos fortes de atração (relacionada à Estrutura Interna) Determinar e localizar o(s) elemento(s) “catalisador(es)”, que desencadearão através da sua importância o restante das intervenções na área. 5ª ação: Estimulação do entrelace funcional (relacionada à Variação de Usos) Permitir a combinação das vertentes habitação, empresas, transportes, cultura, lazer e comércio/serviços, os três últimos particularmente responsáveis pela grande vitalidade dos espaços urbanos. 6ª ação: Ocupação dos vazios (relacionada à Massa Edificada) Ocupar os vazios segundo a lógica desejada, de acordo com as idéias contemporâneas destacadas nos capítulos anteriores. Relacionar essas novas massas aos espaços públicos e aos usos. 7ª ação: Olhar estratégico (relacionada às Estratégias de Intervenção) Verificar as interferências e implicações para que toda essa lógica se concretize: mudança de uso, relocação de algum equipamento, desapropriação, etc. Determinar as ações no tempo: definir o urgente, o médio e o pouco urgente. Definir as grandes e as pequenas intervenções. Essas sete ações são as diretrizes comuns às duas propostas que se seguem, e introduzem as primeiras soluções para a requalificação da área de estudo. 3.1.3 - PROGRAMA Finalmente, a definição do programa para o local passa por quatro etapas: (1) Determinação do ‘catalisador’, ou seja, o elemento forte de atração, ou mesmo a novidade do centro - Ponto fundamental para alavancar a implantação gradativa do projeto; (2) Manutenção e potencialização das atividades que já têm sobrevida no centro; (3) Eliminação ou minimização das funções que não contribuem para a animação do local e comprometem a qualidade dos espaços;

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157

(4) Criação de programas complementares, promovendo uma maior mistura, para a plena ocupação dos vazios existentes e potencialização da urbanidade do local. (1) Determinação do ‘catalisador’: A área vazia em frente à Catedral Metropolitana apresenta potencial para se tornar um espaço público de grande vitalidade pela concentração de vários atributos complementares: situar-se em posição central na área de projeto, localizar-se razoavelmente eqüidistante dos demais espaços públicos de importância do centro, relacionar-se diretamente com as duas vias principais, e ser um espaço voltado ao ritual religioso, capaz de concentrar eventualmente muitas pessoas, além da própria importância da Catedral como um monumento da cidade. Entretanto, o uso religioso eventual precisa estar ligado a outras atividades de uso permanente e prolongado para que de fato contribua para a vitalidade do espaço a ele associado. A alternativa encontrada foi a criação neste espaço vazio de outras funções atrativas de público permanente ou de passagem, capazes de transformar este local em um ponto focal. São elas o Terminal Integrado de Transportes Públicos (VLT, bonde, metrô e ônibus), as atividades culturais (cinemas e centro cultural) e comerciais e a atividade hoteleira. O terminal, além de gerar fluxos no centro da área de intervenção, representa a fusão dos novos (VLT) e antigos (bonde) meios de transporte urbanos. O espaço gerado por essa ‘quadrangulação’ de novas funções fica melhor conformado para a realização de eventos relacionados ou não ao uso religioso, sendo portanto as funções ‘âncora’ as três acima descritas (comércio, cultura e transportes), além da habitação transitória. Outra função capaz de impulsionar a ocupação dos espaços da Esplanada é a universidade - programa gerador de fluxos e permanências nos períodos diurno e noturno, e que representa uma função em crescente aumento em áreas centrais. Todas essas funções tem em comum o caráter coletivo, ou seja, embora sejam eventualmente de propriedade privada, são espaços de proveito público, o que é de grande importância para o reforço da centralidade do local. (2) Manutenção e potencialização das atividades existentes: A maioria das atividades existentes na área e seu entorno apresentam potencial para manutenção ou mesmo ampliação dos domínios atuais. Neste grupo se encaixam o uso cultural, comercial, empresarial, religioso, de serviços e de lazer, todas funções de proveito diurno e/ou noturno. (3) Eliminação das funções prejudiciais: Neste grupo está o Quartel da Polícia Militar da Rua Evaristo da Veiga, que domina 50% de uma importante via de conexão do centro, prejudicando a sua animação urbana durante todo o dia. (fig. 134) Os pátios de estacionamento situados em diversas ruas ocupam a porcentagem de 15% do solo da área de projeto, comprometendo a sua vitalidade durante todo o dia. Outras funções infra-estruturais como o prédio de operações da Telemar e a subestação da Light, localizados próximos um do outro, também comprometem a animação das vias nas quais se inserem, e seria interessante recorrer a meios que minimizem seus impactos urbanos nocivos. (fig. 135) (4) Criação de programas complementares: O principal programa a ser criado, e em alguns logradouros aumentado, no centro do Rio, são as residências, sejam elas de caráter permanente ou transitório (hotéis e apart-hotéis). O uso residencial é a função capaz de garantir movimentação noturna permanente nas áreas centrais. Programas já existentes, porém formatados de maneira diferente, seriam o uso de lazer, que neste caso poderia estar associado ao uso turístico do Convento e à colina sobre a qual está localizado, e o uso de serviços rápidos, que poderiam estar espalhados por toda a área em forma de pequenas estruturas repetidas.

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3.2

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PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO

Cada projeto já realizado para a Esplanada esteve relacionado às idéias de cidade vigentes nas respectivas épocas de sua idealização. Houve um pensamento que orientou, mesmo que de forma incompleta, a construção da Esplanada do jeito que ela é hoje, há 50 anos atrás. As especulações intelectuais aqui apresentadas são a tentativa de progredir na produção e aplicação de idéias sobre a cidade, considerando o que já foi pensado e executado no passado, porém visando tornar interessante esta área por tantos anos inacabada. Trata-se em certo sentido de completar várias e sucessivas intervenções que nunca foram inteiramente concluídas. Cabe perguntar-se então de que forma intervir, hoje, em uma área que é resultado de tantas intervenções interrompidas sucessivamente ao longo deste século. Esta segunda etapa do capítulo 3 pretende expor duas propostas de intervenção formuladas para a Esplanada de Santo Antônio. A decisão pela elaboração de mais de uma proposta objetiva expor a existência de várias respostas para o mesmo problema, em detrimento à crença no modelo único, embora essas respostas estejam embasadas nos mesmos conceitos e critérios. Não obstante, muitas outras alternativas seriam possíveis e viáveis além das duas apresentadas aqui, cada uma delas transmitindo um diferente espírito. As propostas serão apresentadas da seguinte forma: § Inicialmente, serão expostos os pontos de partida comuns entre as duas propostas, como uma conclusão das diretrizes projetuais e programa apontados na etapa anterior; § Em seguida, as duas opções de propostas serão apresentadas segundo as mesmas categorias utilizadas nas análises de projetos nos capítulos anteriores, tais como sistema de fluxos, sistema de espaços públicos, preexistências, estrutura interna, variação de usos, massa edificada, estratégias de implantação, programa e espírito da proposta; § Finalmente, será feita uma comparação entre as propostas, ressaltando as suas diferenças e semelhanças, e de que forma essas diferenças são responsáveis pela definição das suas diferentes expressões, ou espíritos. 3.2.1 - PONTOS DE PARTIDA COMUNS As ações de projeto indicadas nas diretrizes projetuais são pontos de partida comuns para as duas propostas, que embora tenham um resultado espacial diverso, são a materialização dos mesmos conceitos e idéias já trabalhados no decorrer deste trabalho. São pontos comuns entre as propostas: a malha permeável de pedestres confirmando o seu privilégio dentro dos novos espaços, (relacionado ao sistema de fluxos); a criação de locais de encontro distribuídos por toda a área, tendo como espaço público principal a praça em frente à Catedral (relacionado ao sistema de espaços públicos); a valorização dos monumentos existentes como a Catedral e o Convento, e a escusa às demolições (relacionado às preexistências); a criação de ponto focal concentrando os programas de caráter coletivo provedores de vitalidade na mesma área defronte à Catedral (relacionado à estrutura interna); a introdução de funções variadas e sua distribuição pela área de projeto (relacionado à variação de usos) e o propósito de trabalhar com o contraste entre os dois formatos existentes na área (relacionado à massa edificada). (fig. 136) O programa adotado também é comum, e está baseado na variação de usos, na concentração das atividades coletivas de maior vitalidade (comércio, cultura e lazer/eventos) em um ponto

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central, e na introdução do uso universitário na área do quartel da PM (que será transferido para outro local da cidade) e do uso residencial temporário (hotel), além da exploração da colina do convento como uma área turística ligada ao patrimônio. (fig. 137) As estratégias de implantação são uma questão especial que não será totalmente definida neste trabalho. Ela depende da definição da formatação que se deseja para a implementação do projeto (se será realizada desapropriação total ou parcial, troca de terrenos, se haverá incentivos, etc.) o que não é uma decisão possível de ser tomada neste momento. Nesse plano de massas inicial não há de fato o diálogo com os atores que estariam envolvidos na implementação do projeto, como os proprietários dos imóveis, o poder público, a iniciativa privada e a população, e nem tampouco pode ser determinado o capital imobiliário disponível para se estimar a temporalidade do processo. O que se pode sugerir, entretanto, é a determinação de áreas para grandes intervenções ou para acupunturas urbanas e a divisão das intervenções em etapas. Comporá a proposta inicial um Plano de Massas para a área, contemplando as áreas públicas e privadas existentes, sendo através dele definidos os espaços públicos e a massa construída dos espaços privados. Os projetos urbanos parciais (de um ou outro espaço público) e os projetos arquitetônicos serão objeto de uma etapa posterior, e poderão ser definidos através de concursos. E essas definições são comuns às duas propostas. (fig. 138) Por fim, é ponto comum a rejeição da valorização dos eixos das avenidas assim como da tentativa de ordenação e controle das contradições das formas existentes ou criadas. 3.2.2 - PROPOSTAS Para compreensão das origens das idéias expostas a seguir, vale uma consulta ao quadro resumo da metodologia de projeto, onde estão distribuídas esquematicamente as referências de cada atitude projetual adotada. PROPOSTA 1 Idéia Central (ver croquis idéia) A proposta parte do vazio e dos contrastes existentes entre gabaritos no entorno e na área de projeto. Estas são duas características marcantes observadas no local, as quais a proposta deseja metaforizar. Consiste no grande vazio poligonal conformado pelas torres existentes na Esplanada e reforçado por novas torres. Ele se materializa através de grande placa no nível superior (Av. Rep. do Paraguai) unindo os dois lados da Av. Chile e cobrindo parcialmente esta via. ‘Braços’, ou vias arborizadas, interligam o ‘vazio’, agora denominado Grande Praça, aos pontos de maior concentração de fluxos do centro da cidade – Praça Tiradentes, Largo da Carioca, Cinelândia e Lapa. Essa idéia central está relacionada aos conceitos de superposição de idades, fragmentação/paradoxos e fluxos, expostos anteriormente no capítulo 1.2 e no quadro resumo da metodologia de projeto. Sistema de Fluxos (1) Veículos As vias de veículos não sofreram alterações significativas, exceto na adaptação às alterações das linhas de bonde, VLT e ciclovias, e ao alargamento dos canteiros centrais.

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A Rua Silva Jardim foi transformada em via de pedestres, e os retornos da Av. República do Paraguai, junto à Igreja Presbiteriana, foram eliminados por terem fluxo de veículos quase nulo, e pela existência de alternativa para seus percursos pela Praça Tiradentes. (2) Pedestres (ver croquis fluxos de pedestres) A malha de pedestres é predominante no projeto. Porém, como as vias exclusivamente para pedestres apresentam inconveniências como o impedimento de carga e descarga e de acesso a estacionamentos, é prevista faixa de rolamento nivelada e balizada para atender somente a esses fins, quando possível (mediante a permissão da topografia, por vezes acidentada). A nova malha consiste em três novas vias principais de penetração na área com origens na Praça Tiradentes, Lapa e Cinelândia (esta última atravessando o antigo quartel, agora universidade), e destino à Grande Praça, além da valorização da calçada superior da Av. Chile no trecho em frente ao BNDES, ligando também o Largo da Carioca à Praça. (fig. 139) As novas ligações exigem a potencialização das vias existentes, como a Evaristo da Veiga, Pedro I e Arcos, através do alargamento das calçadas, novas edificações e arborização. Outras vias de penetração secundárias complementam a malha de pedestres. Elas se aproveitam de servidões já existentes, insinuações de ligações diretas ou de eixos visuais de interesse e da passagem subterrânea existente sob a Av. República do Paraguai para a sua materialização. (fig. 140) (3) Transportes (ver croquis fluxos de transportes) A nova malha de transportes é formada pela alteração do traçado do bonde, que desce dos Arcos, passa a seguir direto pela Av. República do Paraguai (descendo) até o nível da Grande Praça. De lá volta pela nova via até a Rua Mem de Sá, de forma a alcançar a subida para Santa Tereza pela Rua Francisco Muratori. O traçado do VLT também é alterado, subindo pela nova via em direção à Praça, depois descendo pela Rua do Lavradio até as Ruas do Senado e Gomes Freire, quando retorna ao percurso original. A ciclovia do Aterro do Flamengo penetra na área através da Av. Rep. do Paraguai com destino à Praça Tiradentes, descendo também pela Av. Chile nos dois sentidos. O projeto contempla a implantação da extensão da linha 2 do metrô (ligação EstácioCarioca) seguindo percurso original pelo leito subterrâneo da Av. Chile, tendo aí uma saída, e leva em consideração o percurso alternativo da linha 4 (que talvez não seja executado) chegando também na Av. Chile pela Rua do Lavradio. Sistema de Espaços Públicos (ver croquis sistema de espaços públicos) O projeto está baseado nos espaços públicos e no transporte coletivo para a locomoção dos usuários no centro da cidade. O espaço público mais importante da área é a Grande Praça de comércio, cultura e eventos conectada ao Terminal Integrado de Transportes Públicos. Uma grande linha verde une a Praça Tiradentes com o Aterro do Flamengo, incorporando a Praça Cardeal Câmara e a Grande Praça, e está polvilhada de pequenas estruturas de serviços isoladas, porém que formam uma rede integrada. Pequenas praças locais (existentes e novas) relacionam-se aos novos e antigos edifícios, distribuídas nos quatro quadrantes (agora interligados). Ruas de pedestres cortam toda a área, estando algumas delas atravessando o térreo dos edifícios ou sob o viaduto da Av. Rep. do Paraguai.

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Outra novidade é a conexão com as Igrejas e o Convento a partir da Av. República do Paraguai. Um acesso de escadas rolantes permite alcançar a via sobre a colina com destino no Convento, tendo acesso também pelos jardins do BNDES. Preexistências (ver croquis preexistências) O projeto está assentado também na idéia da valorização dos monumentos existentes através das novas intervenções. A Catedral Metropolitana, monumento da metade do século XX, é valorizado no momento da criação da Grande Praça e dos principais edifícios defronte. O Convento, mesmo voltado para o Largo da Carioca e sem relação direta com as duas avenidas, é valorizado através da criação de trilha para visitação a partir da nova área. Os Arcos da Lapa beneficiam-se da criação de atividades na Praça Cardeal Câmara e na Rua dos Arcos. O Passeio Público, mesmo um pouco distante, ganha ligação direta com a área de projeto através da nova via que prolonga a Rua das Marrecas. As preexistências urbanísticas, como o traçado de vias antigas - Ruas dos Arcos, Senado e Pedro I - foram fortalecidas através da recomposição periférica das respectivas quadras. O projeto está vinculado sobretudo à idéia da ponderação das várias memórias do lugar, buscando a união da memória antiga à memória dos últimos 5 minutos. Assim, origina-se da preservação do vazio que ali sempre existiu, desde os tempos do morro até os dias atuais, para a sua concepção. Está relacionado também à manutenção dos eixos visuais de interesse e à eliminação das barreiras visuais e físicas entre os espaços. Isto se dá com o abrandamento dos desníveis entre platôs, com a mudança de uso do prédio do quartel e com a relocação do terminal de bondes. Para que todas essas ações possam se concretizar, foram determinadas duas demolições, que ocorrerão no prédio anexo do CIEP (de 1 pavimento) e no terminal de bondes de Santa Tereza. Estrutura Interna (ver croquis estrutura interna) A proposta é marcada pela forte centralidade exercida pela Grande Praça, principal ponto focal e ‘âncora’ da intervenção. Ela exerce uma força centrípeta sobre todos os espaços e atividades da área de intervenção. Linhas de força também são os ‘braços’, ou vias arborizadas, que unem a praça aos pontos focais externos à Esplanada. Outros espaços de relevância são a rua dos restaurantes, as praças cercadas de novas edificações e a praça universitária. As pequenas estruturas de serviços espalhadas principalmente pela linha verde e na Grande Praça auxiliam na ‘liga’ do projeto, associando visualmente os novos espaços entre si. As visadas especiais criadas pelo projeto são a contemplação da área central do alto da colina do Convento através da trilha, a nova visual aberta a partir do Passeio Público e as visões em direção à placa, entre outras de menor impacto. Variação de Usos Os usos previstos no projeto são o Terminal Integrado de Transportes, cinemas, centro cultural, universidade, hotéis, edifícios para fins educacionais, edifícios comerciais e de serviços, edifícios de uso misto (residenciais / comerciais / empresariais / serviços), edifícios exclusivamente residenciais, parque / mirante e estacionamentos subterrâneos sob a placa elevada, além das pequenas estruturas de serviços que podem ter usos variados, como abrigos de ônibus, quiosques de comida ou de flores, pequenos restaurantes, sanitários públicos, bancas de jornal, postos de informação, entre outros. Está prevista a mescla de funções horizontal e verticalmente (ou seja, dentro do mesmo edifício e entre edifícios adjacentes) como um critério geral do projeto.

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A estimativa inicial mostra a possibilidade da oferta de 18 mil m2 de espaços comerciais de rua, 800 unidades residenciais, 5 mil m2 de espaços para a cultura, 35 mil m2 para uso hoteleiro, 130 mil m2 de escritórios, 50 mil m2 de instalações universitárias, 2 mil m2 de estruturas de serviços, além do terminal com aproximadamente 3 mil m2 e de 20 mil m2 para outras atividades. Massa Edificada (ver croquis massa edificada) As massas edificadas apresentam quatro momentos distintos: (1) Torres concentradas ao redor do polígono da Grande Praça, conformando seus espaços, com o gabarito de 25 pavimentos, e em geral ligadas a edifícios mais baixos. (2) Edifícios mais baixos organizados formando quadras permeáveis ao redor das torres da Grande Praça, com o gabarito de 8 pavimentos. Estes edifícios por vezes associam-se a outros existentes deixando sempre áreas públicas como ruas ou praças entre eles. (3) Edifícios colados nas divisas reconstituindo as quadras antigas existentes nas bordas da área de intervenção, com o gabarito de até 3 pavimentos. Esta compactação da malha na periferia faz a união da área de projeto com as malhas antigas do entorno. (4) Pequenas estruturas isoladas formando rede, presentes em toda a área de projeto, sobretudo na linha verde e na Praça. Estas estruturas soltas fazem a ligação virtual dos espaços e têm diversas funções, onde uma delas (a maior) é o Terminal. A origem da proporção das novas torres está na oposição entre os formatos extremos existentes – a torre de grandes proporções da Petrobrás e o pequeno sobrado. A não intenção de proliferar esses ‘tipos’ recai na adoção da torre mais esbelta como uma das alternativas. A nova torre se aproxima em proporções da torre de escritórios do antigo BNH. (fig. 141) O projeto trabalha sobretudo com a interpenetração dos domínios público-privado, quando se utiliza dos térreos das edificações como áreas públicas ou vias cobertas para interligação de áreas de interesse. Essa característica também estimula a coletivização dos espaços privados. Com o adensamento da área, a taxa de ocupação com edificações passa para a faixa de 36%. Estratégia de Implantação (ver croquis estratégia) A execução da intervenção deve estar dividida em duas frentes independentes, porém integradas no projeto global: (1) Acupuntura urbana – alguns pontos chave para intervenções espalhados nas bordas da área. São representados, por exemplo, pelos projetos arquitetônicos de recomposição das quadras periféricas, projetos para a Rua do Senado, para as empenas nas esquinas da Rua da Carioca, para a relocação da saída do Metrô Carioca, para a Travessa dos Artistas de Calçada, para as estruturas localizadas na Praça Cardeal Câmara, para o térreo do BNDES, entre outras. (2) Grandes intervenções – mancha centralizada abrangendo grande parte da área de projeto. Corresponde a área dos grandes vazios e dos edifícios isolados, onde estarão concentradas as novas construções. A concepção do projeto deve estar subdividida em etapas, e pode ocorrer da seguinte forma: (1) Plano de Massas definindo as áreas públicas e as massas construídas; (2) Projetos arquitetônicos

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dos principais edifícios; (3) Projeto de alteração do VLT e bonde; (4) Projetos arquitetônicos dos demais edifícios; (5) Projeto das estruturas multiuso. Quanto à implantação do projeto, como sugestão a ser confirmada em função das estratégias financeiras adotadas, ela pode ocorrer dividida nas seguintes etapas: 1ª etapa – execução da laje e desvio do bonde; 2ª etapa – execução do setor universidade; 3ª etapa – execução do trecho central (que pode ser igualmente dividido em etapas); 4ª etapa – execução das bordas da grande quadra; 5ª etapa – execução da quadra do mirante. Os concursos parciais poderão contemplar todos os temas do projeto, como os principais edifícios (cinemas, centro cultural, universidade, terminal), o conjunto de pequenas estruturas e os edifícios que formam as quadras abertas ou fechadas, criados isoladamente ou em conjunto. Programa (ver croquis programa) O programa está estruturado em cinco setores interligados: (1) Grande Praça de comércio, cultura e eventos (2) Grande setor multiuso (3) Setor universidade (4) Rua dos restaurantes (5) Setor patrimônio / natureza Quanto à distribuição na área de projeto, determinou-se a localização dos usos coletivos que promovem maior vitalidade concentrados na Grande Praça – Terminal Integrado, comércio, cultura (cinemas e centro cultural) e lazer (eventos), além dos rituais religiosos. O grande setor multiuso ocupa a quadra alongada e é composto de edifícios mistos de residência / comércio / serviços / empresas, localizados nas quadras permeáveis, hotéis, edifícios residenciais ou mistos recompondo as quadras existentes e edificações de uso escolar. O setor universidade ocupa o lugar do atual Quartel da Polícia Militar, expandindo-se no terreno do atual terminal de bondes e jardins da Petrobrás, consistindo em uma série de novos edifícios com térreos comerciais. A rua de restaurantes está ligada a este setor, ocupando a Rua Lélio Gama, já caracterizada por este uso, o qual deve ser incrementado. O setor patrimônio / natureza não é contemplado com nenhuma nova edificação além das estruturas multiuso. Espírito da Proposta (ver croquis espírito da proposta) A imagem da proposta busca transmitir impacto através de um espaço público bem delineado, com força, expressão formal e funções de grande vitalidade. A resultante é um espaço público aberto que transmite intensa centralidade e forte hierarquização, que lida com o contraste entre o vazio físico e simbólico da sua essência e os cheios e densos predominantes no centro da cidade. Ao mesmo tempo cria metáforas com o ‘cume do morro’, reinterpretando-o em um espaço vazio, ‘côncavo’, paradoxal, e com o histórico ‘Tabuleiro da Baiana’, área de concentração de pessoas e transportes, de grande vitalidade urbana.

CROQUIS CONCEITUAIS PROPOSTA 1

CATEDRAL

IDÉIA

FLUXOS DE PEDESTRES

FLUXOS DE TRANSPORTES

SISTEMA DE ESPAÇOS PÚBLICOS

PREEXISTÊNCIAS

CROQUIS CONCEITUAIS PROPOSTA 1

CATEDRAL

ESTRUTURA INTERNA

MASSA EDIFICADA

PROGRAMA

ESTRATÉGIA

ESTRATÉGIA

ESPÍRITO DA PROPOSTA

CAPÍTULO 3 – A NOVA ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

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PROPOSTA 2 Idéia Central (ver croquis idéia) A proposta parte dos fluxos e do movimento que ocorrem no entorno da área de projeto (Praça Tiradentes, Largo da Carioca, Cinelândia e Lapa). A geratriz da proposta é virtual, ou melhor, não é uma linha de força física como a geratriz da proposta anterior. É uma ligação que somente se insinua no espaço. Consiste na ruptura da hierarquia das duas avenidas ortogonais através da criação de malha de edifícios direcionada pelos vetores de fluxos observados no entorno. Novos edifícios atravessam as avenidas seguindo a malha de vetores e conectando as quatro grandes quadras. Essa idéia central está relacionada aos conceitos de fluxos, fragmentação/paradoxos e forma aberta, expostos anteriormente no capítulo 1.2 e no quadro resumo da metodologia de projeto. Sistema de Fluxos (1) Veículos Mesma solução da OPÇÃO 1 (2) Pedestres (ver croquis fluxos de pedestres) A malha de pedestres é predominante no novo projeto, como na proposta 1. A mesma solução foi pensada para as situações de carga e descarga e acesso a estacionamentos. As novas vias de penetração na área seguem a malha de vetores diagonais sem estabelecer hierarquias, cruzando as duas avenidas principais. Elas se aproveitam de servidões já existentes, insinuações de ligações diretas ou de eixos visuais de interesse para a sua materialização. Surgem algumas vias especiais como a ligação por dentro da universidade (antigo quartel), a extensão da Rua das Marrecas por dentro da mesma quadra e a ligação subterrânea da Av. Rep. do Paraguai. (3) Transportes (ver croquis fluxos de transportes) Mesma solução da OPÇÃO 1 Sistema de Espaços Públicos (ver croquis sistema de espaços públicos) O projeto está baseado nos espaços públicos e no transporte coletivo para a locomoção dos usuários no centro da cidade, como na proposta 1. O espaço público mais importante da área é a Praça de comércio, cultura e eventos conectada ao Terminal Integrado de Transportes Públicos. Ela se materializa através de placa no nível superior (Av. Rep. do Paraguai) unindo os dois lados da Av. Chile e cobrindo parcialmente esta via, porém com proporções menores em comparação à opção 1. Com exceção da Praça principal que tem um peso um pouco maior, não há hierarquia definida entre os demais espaços livres públicos, que funcionam como partes de igual importância compondo um sistema integrado. Bolsões de verde associam-se aos edifícios-vetores reforçando a fragmentação das várias pequenas praças do sistema. Praças locais (existentes e novas) relacionam-se aos novos e antigos edifícios. Ruas de pedestres e travessias ocorrem por toda a área em várias direções, inclusive eventualmente rasgando o térreo dos edifícios, a exemplo da proposta 1. A conexão com as Igrejas e o Convento a partir da Av. República do Paraguai também é adotada nessa proposta. Um acesso de escadas rolantes permite alcançar a via sobre a colina com destino no Convento, tendo acesso também pelos jardins do BNDES.

CAPÍTULO 3 – A NOVA ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

167

Preexistências (ver croquis preexistências) Estas foram manejadas de forma idêntica à proposta 1, exceto no ponto de partida, que neste caso não é a preservação do vazio, embora nessa opção também exista uma praça na mesma posição e hierarquicamente mais importante que os demais espaços. Nesta proposta 2, o vazio aparece como um espaço público relacionado às próprias linhas de força do projeto. Estrutura Interna (ver croquis estrutura interna) O ponto focal da proposta é a praça em frente à Catedral, que concentra as atividades de maior vitalidade do conjunto. Porém, a força da proposta não está concentrada neste espaço, mas repartida em diversas frações da área de intervenção. Os edifícios vetores contribuem para a descentralização dos espaços, conduzindo os fluxos e as visadas para outros espaços adjacentes. Outros espaços funcionam como atrativos dentro da intervenção, como a rua de restaurantes e as praças cercadas de edificações de uso misto. As pequenas estruturas de serviços espalhadas pela área auxiliam na ‘liga’ do projeto, associando visualmente os novos espaços entre si. As visadas especiais criadas pelo projeto são a contemplação da área central do alto da colina do Convento através da trilha, a nova visual aberta a partir do Passeio Público, as visões em direção à placa, e as múltiplas visuais dinâmicas geradas pelo conjunto de edifícios-vetores. Variação de Usos Mesma solução da OPÇÃO 1 Contido, nessa proposta a estimativa inicial mostra a possibilidade da oferta de 19 mil m2 de espaços comerciais de rua, 900 unidades residenciais, 10 mil m2 de espaços para a cultura, 25 mil m2 para uso hoteleiro, 95 mil m2 de escritórios, 70 mil m2 de instalações universitárias, 2 mil m2 de estruturas de serviços, além do terminal com aproximadamente 1500 m2 e de 20 mil m2 para outras atividades. Massa Edificada (ver croquis massa edificada) As massas edificadas apresentam quatro momentos distintos: (1) Edifícios híbridos formados por blocos lineares em forma de ‘L’ (lâmina + torre) organizados nos vetores diagonais, sobre embasamentos mais baixos e ortogonais formando quadras permeáveis (base ortogonal de 3 pavimentos + 3 pavimentos de lâmina + 19 pavimentos de torre = gabarito total de 25 pavimentos) (2) Edifícios mais baixos organizados formando quadras permeáveis ortogonais, com o gabarito de 8 pavimentos. Estes edifícios por vezes associam-se a outros existentes deixando sempre áreas públicas como ruas ou praças entre eles. (mesma solução proposta 1) (3) Edifícios colados nas divisas reconstituindo as quadras antigas existentes nas bordas da área de intervenção, com o gabarito de até 3 pavimentos. Esta compactação da malha na periferia faz a união da área de projeto com as malhas antigas do entorno. (mesma solução proposta 1) (4) Pequenas estruturas isoladas formando rede, presentes em toda a área de projeto, sobretudo na linha verde e na Praça. Estas estruturas soltas fazem a ligação virtual dos espaços e têm diversas funções, onde uma delas (a maior) é o Terminal. (mesma solução proposta 1)

CAPÍTULO 3 – A NOVA ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

168

A interpenetração dos domínios público-privado também é um critério dessa opção, quando se utiliza dos térreos das edificações como áreas públicas ou vias cobertas para interligação de áreas de interesse. Essa característica também estimula a coletivização dos espaços privados. Com o adensamento da área, a taxa de ocupação com edificações passa para a faixa de 38%, um pouco mais densa que a proposta anterior. Estratégia de Implantação (ver croquis estratégia) Mesma solução da OPÇÃO 1 Programa (ver croquis programa) Mesma solução da OPÇÃO 1 Espírito da Proposta (ver croquis espírito da proposta) A imagem da proposta busca transmitir a idéia do movimento e dos fluxos, neutralizando o impacto estático das grandes avenidas ortogonais ‘inconsistentes’ dentro do contexto do centro da cidade. Ao mesmo tempo, busca determinar a costura entre os quatro fragmentos desconectados e diluir as hierarquias entre setores. A resultante é um espaço de caráter perturbador e dinâmico. Ao mesmo tempo expressa a idéia de receptividade à fragmentação e aos paradoxos existentes, reforçando esse sistema complexo.

CROQUIS CONCEITUAIS PROPOSTA 2

CATEDRAL

IDÉIA

FLUXOS DE PEDESTRES

FLUXOS DE TRANSPORTES

SISTEMA DE ESPAÇOS PÚBLICOS

PREEXISTÊNCIAS

CROQUIS CONCEITUAIS PROPOSTA 2

CATEDRAL

ESTRUTURA INTERNA

MASSA EDIFICADA

PROGRAMA

ESTRATÉGIA

ESTRATÉGIA

ESPÍRITO DA PROPOSTA

CAPÍTULO 3 – A NOVA ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

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3.2.3 - COMPARAÇÃO ENTRE PROPOSTAS Apesar de compartilharem de diretrizes comuns, as duas propostas têm o resultado espacial e transmitem poéticas diversas. É oportuna portanto a sistematização das semelhanças e diferenças entre elas. SEMELHANÇAS Pode-se destacar como semelhantes os seguintes aspectos: (1) Sistema de Fluxos: a não alteração do sistema viário existente, a alta conectividade do sistema de pedestres em todos os sentidos, inclusive mesclando os domínios público-privado, e a alteração do sistema de transportes públicos, aglutinando os terminais na mesma posição e estimulando a intermodalidade. A adoção dos estacionamentos subterrâneos também é uma solução comum; (2) Sistema de Espaços Públicos: a criação da placa elevada determinando a praça principal em frente à Catedral, a ligação franca com os espaços públicos existentes no entorno, a distribuição balanceada de pequenas praças por toda a área de projeto, inclusive permeando os edifícios; (3) Preexistências: a valorização dos monumentos existentes através das intervenções no seu entorno, a solução adotada para a colina do Convento ligada à preservação do patrimônio natural e cultural, a valorização de visadas de interesse e a eliminação de barreiras físicas e visuais, a adoção de somente duas demolições (anexo do CIEP e terminal de bondes); (4) Estrutura Interna: a determinação do ponto focal na praça em frente à Catedral concentrando os usos coletivos ligados à idéia da âncora, a ‘descoberta’ das visadas do alto da colina do Convento avistando o centro da cidade de um novo ângulo; (5) Variação de usos: os usos variados horizontal e verticalmente, a variação entre uso cultural, comércio, serviços, empresas, residências, educação, lazer, estacionamentos; (6) Massa Edificada: a busca do contraste entre o baixo e o alto gabarito, a ocupação da zona intermediária com quadras abertas e permeáveis, a compactação das bordas da área de intervenção, a criação do programa das pequenas estruturas de serviços polvilhadas em toda a área, a interpenetração dos domínios público e privado; (7) Estratégias de Implantação: a divisão em duas frentes (acupunturas e grandes intervenções) e a divisão em etapas; (8) Programa: a determinação da localização dos usos coletivos de maior vitalidade na praça, da universidade no edifício do quartel, os demais espalhados pela grande quadra e as estruturas de serviço polvilhadas em toda a área; DIFERENÇAS Por outro lado, pode-se destacar como divergentes alguns aspectos, a saber: (1) Sistema de Fluxos: a hierarquização das vias de pedestres (opção 1) em oposição à colocação de todas no mesmo patamar de importância dentro do sistema (opção 2); (2) Sistema de Espaços Públicos: a opção por 1 vazio conciso e dominante conceitual e formalmente (opção 1) em oposição aos vazios fragmentados

CAPÍTULO 3 – A NOVA ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

172

resultantes das forças (opção 2), a oposição entre a linha verde (opção 1) e os bolsões de verde (opção 2); (3) Estrutura Interna: a forte hierarquização dos espaços do centro para as bordas (força centrípeta) (opção 1) em contraste com a descentralização conduzida pelas diagonais (opção 2), as linhas de força marcantes do centro para o exterior (‘braços’) (opção 1) se opondo ao movimento em todas as direções (opção 2); (4) Massa Edificada: as torres conformando 1 espaço único (opção 1) contrárias às diversas torres espalhadas por toda a área (opção 2); (5) Espírito: Síntese das propostas e um dos objetivos principais da dissertação, o espírito transmitido são dois diversos - embora as propostas partam do mesmo recorte teórico-conceitual: Enquanto a opção 1 conduz a uma forte centralidade e hierarquização dos espaços do centro para as bordas, a opção 2 insinua um dinamismo e descentralização condizentes com as forças dos vetores diagonais, em todos os sentidos. A geratriz da proposta 1 é física, enquanto a proposta 2 parte de linhas não físicas, ou virtuais. Assim, a primeira proposta está voltada à oposição e contraste interno enquanto a segunda está mais ligada à idéia da perturbação.

PROPOSTAS

134

135

FIG. 134 – Terreno vazio da PM ao lado do quartel – desperdício de 50% do potencial da via FIG. 135 – Funções que não contribuem para a animação urbana FIG. 136 – Diferença de formatos FIG. 137 – Área do quartel e terminal de bondes destinada à universidade

136

137

FIG. 138 – Área para a realização de pequena correção ou acupuntura

138

PROPOSTAS

139

140

FIG. 139 – Calçada elevada de muita utilização – potencialidade

FIG. 140 – Passagem subterrânea existente a ser aproveitada nos projetos

FIG. 141 – Diferença de formatos – adoção de formato para as novas torres com proporções semelhantes ao edifício do antigo BNH

141

QUADRO RESUMO DA METODOLOGIA DE PROJETO - FINAL REFERÊNCIA TEÓRICA

CATEGORIA

PROJETOS DE REFERÊNCIA (CRÍTICA)

ANÁLISE DO LOCAL (HISTÓRIA)

Articulação/acessibilidade dos espaços Fluxos (efemeridade / nomadismo)

SISTEMA DE FLUXOS VEÍCULOS PEDESTRES TRANSPORTES

Potsdamer/Paris/KvZ/Sabóia – permeabilidade de pedestres Paris – conexão entre os dois lados antes separados Paris/KvZ – ampliação do sistema de transportes Almere – placa elevada sobre as vias Agache – rede de conexões interligando o sistema Agache/Reis/FTM – galerias cobertas de pedestres

Muitas áreas vazias Grande infra-estrutura de transportes Fluxos intensos no entorno da área

Articulação/acessibilidade dos espaços Espaço público Elemento forte

SISTEMA DE ESPAÇOS PÚBLICOS VÁRIAS ESCALAS ÁREAS VIVAS ÁREAS MORTAS

Paris/Sabóia – espaços públicos entre edifícios Potsdamer – rua comercial de pedestres coberta Almere – boulevard cultural Agache – sistema integrado de espaços públicos Reidy – centro cívico como ponto focal

História Lugar / contexto Antigo e novo Superposição de idades

PREEXISTÊNCIAS URBANÍSTICAS ARQUITETÔNICAS MONUMENTOS MARCOS BARREIRAS TOPOGRAFIA

Paris/Agache/Sabóia/Reidy/Reis/FTM – preservação monumentos Potsdamer – valorização da memória urbana Paris/KvZ – novo uso para antigos edifícios Paris – preservação da idéia do vazio Agache – ligação de pedestres sobre os Arcos FTM – resistência às demolições

Articulação/acessibilidade dos espaços Novidade urbana Catalisador / âncora Elemento forte

ESTRUTURA INTERNA PONTOS FOCAIS FORÇAS VISADAS

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade

VARIAÇÃO DE USOS PRINCIPAIS COMPLEMENTARES

Normativas / regras Fragmentação / hibridismo / paradoxos Forma aberta

MASSA EDIFICADA DISPOSIÇÃO DOMÍNIOS PÚBLICO/PRIVADO ALTO/BAIXO ACESSOS TAXA DE OCUPAÇÃO

Tempo, estratégias e oportunidades Agentes e parcerias Elemento forte Acupunturas

ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Novidade urbana Moradia Cultura e lazer Multifuncionalidade Elemento forte

PROGRAMA

Superposição de idades Fragmentação / hibridismo / paradoxos Fluxos (efemeridade / nomadismo) Forma aberta Elemento forte

ESPÍRITO DO PROJETO

Potsdamer/Paris/Almere/KvZ/Agache/FTM ções – mais de um ponto focal ças Reidy – ponto focal no espaço com ção as 2) – principais Edificações Reidy – edifício cruzando avenida cria interesse especial FTM – ponto focal em frente à Catedral

Várias naturezas de espaços públicos Quatro espaços de grande vitalidade no entorno Área vazia defronte à Catedral

Diferentes malhas no entorno Arquiteturas de diferentes épocas Muitos monumentos

Mais de um local com potencial de criar novidade Topografia ajuda a criar relações diferenciadas com a paisagem

PROPOSTAS Malha de pedestres predominante e farta Conexões de pedestres por dentro dos edifícios Integração dos transportes em um terminal dentro da área (ônibus, bonde, metrô, VLT, bicicletas) Placa elevada sobre parte da Av. Chile, conectando os dois lados

Praça de comércio, cultura e eventos em frente à Catedral Forte presença do verde Praças locais entre edifícios formando uma rede integrada Rua de restaurantes coberta

Catedral, Convento, Arcos e Passeio Público valorizados Via no alto da colina para acesso ao Convento Recomposição de quadras periféricas antigas Memória do ‘vazio’ histórico Poucas demolições estratégicas

Ponto focal em frente à Catedral reunindo as principais edifica Outros pontos de interesse - rua restaurantes e pequenas pra Forças criadas pelos ‘braços’ (opção 1) e pelos vetores (op relações espaciais inusitadas

Potsdamer/Paris/Almere/KvZ/Faria Lima/Reidy/FTM – residências Potsdamer – atividades de maior vitalidade no espaço principal Potsdamer/Paris/Almere/KvZ – uso de lazer Paris – uso universitário Almere – cruzamento de funções vertical e Horizontalmente Reidy – uso cultural FTM – grande variação de usos e estacionamentos Subterrâneos

Variação de usos, porém organizados em função de um zoneamento Muitos estacionamentos Algumas funções desfavoráveis

Potsdamer/Agache – forte definição dos domínios Paris – quarteirão aberto conformando as ruas e espaços públicos Almere – mescla dos domínios público ícios e privado

Duas malhas predominantes – trama histórica e cidade dos objetos Diferença entre formatos Diferença entre gabaritos

Exploração das diferenças entre formatos (torre e edifício baixo) Quadras permeáveis Compactação das quadras antigas periféricas Interpenetração de domínios público e privado nos novos edif

Propriedades de vários donos, inclusive públicas Grandes lotes

Divisão em etapas para projeto e implantação da obra Duas frentes – grande intervenção e acupunturas

Potsdamer/Almere/KvZ – plano de massas feito por 1 escritório e edificações por vários arquitetos Paris – projeto dividido em várias etapas Paris/Almere/KvZ/Faria Lima – vários atores envolvidos KvZ – grande divulgação do projeto Potsdamer – funções âncora – ócio, comércio e cultura Paris – funções principais: cultural, universidade, terminal Almere – valorização cultura e lazer em área destacada Agache – interdisciplinaridade do projeto FTM – multifuncionalidade Paris – valorização da rua e conceito de quadra aberta Almere – interpenetração dos domínios mica e público do e privado criando novas relações espaciais KvZ – projeto como símbolo da contemporaneidade

Cultura

Terminal integrado de transportes Uso cultural concentrado no ponto focal Muita oferta de habitação e comércio Universidade Edifícios comerciais Parque, mirante e estacionamentos subterrâneos Estruturas de serviços espalhadas em toda a área

Principais funções – comércio, cultura e eventos (âncora) Grande setor multiuso Setor universidade Rua de restaurantes ligada à universidade Setor patrimônio e natureza na colina do Convento

Busca de novas poéticas baseadas ora na valorização do contraste entre cheios e vazios (opção 1), ora na valorização da dinâ movimento (opção 2) Negação da mimetização com o entorno e da forma estável

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

RIO DE JANEIRO ADRIANA SANSÃO FONTES 2004 37 Ha ÁREA CENTRAL PROPOSTA 1

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Vias de veículos sem alterações Malha de pedestres predominante Quatro ‘braços’ principais de interligação do entorno com a praça Outras vias de pedestres secundárias Bonde / VLT / ciclovia dentro da área

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Grande Praça de comércio, cultura e eventos – placa sobre Av. Chile Linha verde une Aterro a Tiradentes Pequenas praças locais entre edifícios e muitas vias de pedestres Conexão do Convento com a área

3- PREEXISTÊNCIAS

4- ESTRUTURA INTERNA

Ponto focal – Grande Praça central Linhas de força - ‘braços’ conectores Rua de restaurantes e pequenas praças – espaços de interesse Peq. Estruturas - ‘liga’ do projeto

6- MASSA EDIFICADA

Torres em torno da praça Ed. formando quadras permeáveis Reconstituição de quadras existentes Pequenas estruturas formando rede Interpenetração dos domínios

8- PROGRAMA

Grande Praça de comércio, cultura e eventos (âncora) / grande setor multiuso / setor universidade / rua restaurantes / setor patrimônio e natureza

Catedral e Convento valorizados Ligação com Passeio Público Recomposição quadras periféricas Memória do ‘vazio’ histórico Duas pequenas demolições

5- VARIAÇÃO DE USOS

Terminal integrado de transportes / cinemas / centro cultural / universidade / hotel / ed. educacionais / ed. comerciais / ed. de uso misto / parque / mirante / estac. subterrâneo / serviços

7- ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Duas frentes de intervenção: grande intervenção + acupunturas Divisão em etapas – plano de massas / proj. arquitetônicos principais / proj. complementares / proj. arquitetônicos demais edifícios / proj. estruturas multiuso

9- ESPÍRITO DO PROJETO

Espaço aberto bem marcado e de grande centralidade e hierarquização Contraste do seu vazio essencial com a densidade do centro da cidade

DIAGRAMA – PROPOSTA 1

PERSPECTIVA GERAL – PROPOSTA 1

PERSPECTIVAS – PROPOSTA 1

acima – visão geral do alto da Rua do Lavradio centro – corte da placa sobre a Av. Chile abaixo – corte da placa em frente à Catedral

PERSPECTIVAS – PROPOSTA 1

acima – visão da Grande Praça a partir de via de pedestres abaixo – visão interna da Grande Praça

PERSPECTIVAS – PROPOSTA 1

acima e abaixo – visão geral a partir da cobertura do Ed. Rio Metropolitan

CORTES ESQUEMÁTICOS PROPOSTA 1

acima – corte “braço” 1 – via vlt e bonde abaixo – corte placa elevada

CORTES ESQUEMÁTICOS PROPOSTA 1

acima – corte universidade abaixo – corte rua restaurantes

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO LOCAL AUTOR DATA ÁREA ENFOQUE

RIO DE JANEIRO ADRIANA SANSÃO FONTES 2004 37 Ha ÁREA CENTRAL PROPOSTA 2

CATEGORIAS

1- SISTEMA DE FLUXOS

Vias de veículos sem alterações Malha de pedestres predominante Vias seguem vetores de fluxos diagonais sem hierarquias Bonde / VLT / ciclovia dentro da área

2- SISTEMA ESPAÇOS PÚBLICOS

Praça de comércio, cultura e eventos - placa sobre Av. Chile Bolsões de verde junto aos vetores Pequenas praças locais entre edifícios e muitas vias de pedestres Conexão do Convento com a área

3- PREEXISTÊNCIAS

Catedral e Convento valorizados Ligação com Passeio Público Recomposição quadras periféricas Duas pequenas demolições

4- ESTRUTURA INTERNA

5- VARIAÇÃO DE USOS

6- MASSA EDIFICADA

7- ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

Ponto focal – Praça central Linhas de força – edifícios vetores Rua de restaurantes e pequenas praças – espaços de interesse Peq. Estruturas - ‘liga’ do projeto Edifícios em forma de ‘L’ (lâmina + torre) e quadras permeáveis Reconstituição de quadras existentes Pequenas estruturas formando rede Interpenetração dos domínios

8- PROGRAMA

Grande Praça de comércio, cultura e eventos (âncora) / grande setor multiuso / setor universidade / rua restaurantes / setor patrimônio e natureza

Terminal integrado de transportes / cinemas / centro cultural / universidade / hotel / ed. educacionais / ed. comerciais / ed. de uso misto / parque / mirante / estac. subterrâneo / serviços

Duas frentes de intervenção: grande intervenção + acupunturas Divisão em etapas – plano de massas / proj. arquitetônicos principais / proj. complementares / proj. arquitetônicos demais edifícios / proj. estruturas multiuso

9- ESPÍRITO DO PROJETO

Transmitir idéia do movimento e fluxos Quebrar a hierarquia dos eixos ortogonais Costura dos quatro fragmentos Caráter perturbador e dinâmico

DIAGRAMA – PROPOSTA 2

PERSPECTIVA GERAL – PROPOSTA 2

PERSPECTIVAS – PROPOSTA 2

acima – visão geral do alto da Rua do Lavradio abaixo – corte da placa sobre a Av. Chile

PERSPECTIVAS – PROPOSTA 2

acima – visão interna da praça abaixo – corte da placa em frente à Catedral

PERSPECTIVAS – PROPOSTA 2

acima e abaixo – visão geral a partir da cobertura do Ed. Rio Metropolitan

CORTES ESQUEMÁTICOS PROPOSTA 2

acima – corte vetor de acesso abaixo – corte passagem subterrânea

CORTES ESQUEMÁTICOS PROPOSTA 2

acima – corte Av. República do Paraguai

ACUPUNTURAS

acima - estrutura de serviços cria ‘frente’ para o largo abaixo – estrutura de serviços elimina a empena e preenche o vazio

ACUPUNTURAS

acima – telão cria atrativo na nova praça abaixo – nova cobertura para a estação de metrô, com menores proporções

ACUPUNTURAS

acima – cobertura na rua Lélio Gama permite a sua potencialização como via de restaurantes e serviços abaixo – nova edificação e estrutura de serviços anima a via antes deserta

TABELA RESUMO DOS PROJETOS PROJETO

LOCAL

AUTOR

DATA

ÁREA

ENFOQUE

ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

POTSDAMER PLATZ

BERLIM

RENZO PIANO e C.

1992

15 Ha

NOVA CENTRALIDADE

Venda dos terrenos para empresas privadas Estas promoveram concursos e tocaram o de as obras Plano de massas realizado por um escritório ônico Edificações projetadas por diversos arquitetos

1991

130 Ha

EXPANSÃO URBANA

Prefeitura - 80% dos custos / outros acionistas - 20% a 1 etapa – localização grandes eventos e solução linha férrea, transportes, a divisão de bairros, sistema viário e parâmetros urbanísticos gerais / 2 a etapa – desenho das massas edificadas / 3 etapa – projetos arquitetônicos

MARGEM ESQUERDA DO SENA

KOHLBECKER

PARIS

CHRISTIAN DEVILLERS e JACQUES LUCAN

Estabelece como funções âncora: ócio, comércio e cultura 56% escrit. / 19% res. / 11% com. / 9% hotéis / restante lazer e cultura

ESPÍRITO DO PROJETO Resgate da forma da cidade européia compacta Simulação do processo evolutivo com a continuidade do tecido, variaçã fachadas, mescla de atividades e leves interrupções do discurso arquitet principal Negação do vazio

Funções principais: biblioteca, universidade e estação TGV 5 mil res. / 900 mil m2 escrit. / 300 mil m2 esp. públicos / 150 mil m2 industr. comércio / escolas / cinemas / portos

Espírito da Paris Haussmaniana – grande eixo com edifícios como massas contínuas de gabarito uniforme conformando ruas tradicionais Valorização da rua e conceito da quadra aberta Negação do caos

Processo envolveu diversas camadas de interessados, além do poder público Master Plan de Koolhaas Projetos de arquitetura de vários escritórios Resto do centro da cidade também revitalizado

Dois setores: Business center + área de comércio, cultura e entretenimento 130 mil m2 empr. / teatro / concertos / bibl. / escola de artes / 1100 res. / 53 mil m2 com. / hotel / hospital / 9 mil m2 área de lazer / serviços / estac.

Potência Dois gestos projetuais marcantes para mostrar a intervenção Forma de impacto para ‘criar’ cidade Interpenetração dos domínios público-privado Forte contraste com a cidade existente

ÁREA PORTUÁRIA

Sistema de Parceria Público – Privado (PPP) Vários atores envolvidos Campanhas pré-implantação divulgando o projeto como chave do desenvolvimento local e nacional ânea Arquitetos holandeses e estrangeiros para as edificações

Uso empresarial como mote 400 mil m2 escrit. / 5300 res. / 35 mil m2 com. / 30 mil m2 serv. / 90 mil m2 ind. leve / espaços educacionais / funções especiais / teatro / cinema

SISTEMA VIÁRIO / NOVA CENTRALIDADE

Operação Urbana de parceria entre poderes público e privado Envolve venda de potencial construtivo Com esses recursos são financiadas as obras infra-estruturais Captação de recursos antes de iniciar as obras

CENTRO URBANO

ALMERE

OMA – REM KOOLHAAS

1994

25 Ha (placa)

KOP VAN ZUID

ROTTERDAM

TEUN KOOLHAAS

1987

125 Ha

SÃO PAULO

JÚLIO NEVES

1995

450 Ha

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

RIO DE JANEIRO

ALFRED AGACHE

1930

40 Ha

ÁREA CENTRAL

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

RIO DE JANEIRO

SABÓIA RIBEIRO

1941

35 Ha

ÁREA CENTRAL

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

RIO DE JANEIRO

AFFONSO EDUARDO REIDY

1948

31 Ha

ÁREA CENTRAL

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

RIO DE JANEIRO

OLIVEIRA REIS

1956

35 Ha

ÁREA CENTRAL

ESPLANADA DE SANTO ANTÔNIO

RIO DE JANEIRO

FERREIRA, TAULOIS, MAGALHÃES

1986

25 Ha

ÁREA CENTRAL

SITUAÇÃO ATUAL

RIO DE JANEIRO

2004

37 Ha

ÁREA CENTRAL

PROPOSTA 1

RIO DE JANEIRO

ADRIANA SANSÃO FONTES

2004

37 Ha

ÁREA CENTRAL

PROPOSTA 2

RIO DE JANEIRO

ADRIANA SANSÃO FONTES

2004

37 Ha

ÁREA CENTRAL

OPERAÇÃO URBANA FARIA LIMA

PROGRAMA

ÁREA CENTRAL

Principais atividades – escritórios, comércio e serviços O aumento dessas atividades provocou redução do uso residencial

Aborda a interdisciplinaridade do projeto Programa monofuncional – edifícios mistos de comércio e escritórios

Programa monofuncional – edifícios mistos de comércio e escritórios

ão

Mistura de funções segundo forte zoneamento Cada edifício tem uma função definida Prefeitura / Câmara de Vereadores / Biblioteca / Museu / Edifícios comerciais e de serviços / 8 mil residências

Elimina o uso residencial, institucional e cultural do projeto anterior

Busca a multifuncionalidade

Imagem internacional Projeto como símbolo da contemporaneidade, globalização e prosperidade econômica Relações internas de contraste e adição características da cidade contempor Integração à cidade existente Operação de renovação urbana Caráter rodoviarista Baseada na substituição dos contextos existentes

Traços da Escola de Belas Artes de Paris no caráter monumental Influência dos higienistas franceses como Haussmann Influência do movimento City Beautiful no modelo do belo Intenção de criar novo modelo de urbanismo

Inspirado nos esquemas radio-concêntricos Monumentalidade Contraposição à cidade colonial e alusão às quadras do Castelo

Projeto baseado nos conceitos do Movimento Moderno Introduz novos conceitos de ocupação dos espaços caracterizados pela invers dos cheios pelos vazios, pelos edifícios isolados sobre grandes áreas verdes Forte contraposição com a cidade existente

Relacionado às grandes obras viárias do Rio de Janeiro

Situa-se no momento histórico de crítica do Modernismo Aproximação morfológica com as malhas antigas do entorno Ordenação formal e busca de estabelecer hierarquias

Comercial (4%); Empresarial / serviços (6%) e 465 mil m2; Estacionamentos (15%); Cultural e lazer (4%) e 23 mil m2; Institucional (9%) e 65 mil m2; residencial transitório - 1200 m2

Duas frentes de intervenção: grande intervenção + acupunturas Divisão em etapas – plano de massas / proj. arquitetônicos principais / proj. complementares / proj. arquitetônicos demais edifícios / proj. estruturas multiuso

Grande Praça de comércio, cultura e eventos (âncora) / grande setor multiuso / setor universidade / rua restaurantes / setor patrimônio e natureza

Forte centralidade e hierarquização Contraste do grande vazio com áreas densas do centro

Duas frentes de intervenção: grande intervenção + acupunturas Divisão em etapas – plano de massas / proj. arquitetônicos principais / proj. complementares / proj. arquitetônicos demais edifícios / proj. estruturas multiuso

Grande Praça de comércio, cultura e eventos (âncora) / grande setor multiuso / setor universidade / rua restaurantes / setor patrimônio e natureza

Movimento e fluxos Quebrar a hierarquia dos eixos ortogonais Costura dos quatro fragmentos Caráter perturbador e dinâmico

CONCLUSÃO

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CONCLUSÃO Todas as abordagens teóricas, históricas e críticas de um determinado assunto têm por objetivo ampliar o conhecimento projetual. É crença geral entre nós que teoria, história e crítica são dimensões extremamente importantes do processo projetual.264 A motivação inicial para a elaboração de uma tese centrada no projeto urbano consistiu na possibilidade de contribuir diretamente para a melhoria da qualidade dos espaços da cidade, em virtude do atual quadro que ela apresenta: baixa qualidade do entorno construído, grande extensão, descentralização, déficit habitacional, precariedade do sistema de transportes, entre outras questões. Esse quadro revela a necessidade de se pensar soluções para a sua requalificação, particulares ou gerais, pequenas ou grandes, envolvendo vários temas atuais e relevantes. Estas tomaram forma aqui através da conjugação dos eixos da teoria, história, crítica e projeto em um só produto – na resposta a determinado problema, ou conjunto de problemas, específico do Rio de Janeiro - o que demonstrou ser a maneira mais rica de se pensar um bom projeto urbano. Aí está a validade da tese de projeto – poder concretizar um pensamento e estar diretamente ligado ao ‘caso’ previamente determinado. E, dessa forma, apresentar respostas formais, espaciais, funcionais e técnicas direcionadas a ele, ‘concretas’, no sentido do desenho enunciado. Idéias Os quatro projetos elaborados para a área da Esplanada na fase pré-desmonte denotavam quatro diferentes abordagens conceituais e quatro diferentes espíritos, que transitavam desde a implantação do “modelo europeu de cidade” nos trópicos (Plano Agache) até o modelo rodoviarista da década de 50 (Reis), passando pela proposta de influência radio-concêntrica (Sabóia) e pelo esquema racionalista do Movimento Moderno (Reidy). Pós-desmonte, retomaram-se na década de 80 as idéias de intervenção no local, baseadas na crítica do Movimento Moderno, na valorização de tecidos tradicionais e adições no contexto existente (Ferreira, Taulois e Magalhães). Como nenhum projeto elaborado saiu do papel, foi necessária uma nova avaliação da área, que, embora não concluída, já conta com infra-estrutura implantada e potencialidades de desenvolvimento. A abordagem particularizada do projeto (defendida nos novos conceitos de projeto urbano) atentou para as variáveis do sítio que o diferenciam da totalidade do centro – a natureza, a topografia, o patrimônio colonial e os vazios urbanos, entre outras características relevantes. Através da nova análise, pôde ser entendido o problema da desconexão entre os espaços públicos e a sua conseqüente subutilização, gerado por fatores como o desnível entre as vias de veículos e o seu despropósito urbano, as áreas mortas, a falta de áreas verdes e sombreadas, a topografia desfavorável, a falta de atividades ou a presença de usos desvantajosos. Porém, as potencialidades observadas indicaram a liberdade para a nova intervenção, permitida pela presença de muitas áreas vazias que, a princípio consideradas problemas, representam no entanto a possibilidade da criação de muitas novas áreas públicas e edificações. A capacidade da área de se integrar de fato ao restante da malha do centro é enfatizada pela sua posição central e pelas conexões que inclusive já se insinuam no meio dos vazios predominantes. Este fato é ampliado pela previsão do incremento do sistema de transportes. MAHFUZ, Edson da Cunha. “O projeto de arquitetura e sua inserção na pós-graduação”. Vitruvius Portal de Arquitetura. Arquitextos n° 22, mar/2002, p. 1. Disponível em: www.vitruvius.com.br. Acessado em 10/01/2004. Citação relacionada ao conteúdo do curso de pós-graduação do PROPAR/UFRGS. 264

CONCLUSÃO

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A Catedral - como marco urbano da área - e sua área frontal demonstraram-se favoráveis a se tornarem o novo centro de ebulição da Esplanada, por razões de naturezas simbólica, funcional, patrimonial e de conexão. A presença de usos culturais e de lazer noturno no entorno é o fator que facilita a contaminação da Esplanada com os mesmos atributos. O mesmo pode-se esperar do potencial turístico. Por último, o eterno desafio provocado pela variação de formatos arquitetônicos e de épocas históricas torna mais complexa a solução urbanística e eleva a diversidade e contemporaneidade da intervenção. O retrato do centro da cidade apresentado apontou para alguns caminhos, como condições para a recuperação da área de estudo. Estes vão na direção da ocupação da Esplanada como uma costura dos diferentes contextos da área central, ‘territorializando’ os seus espaços inadequados e os conduzindo à inserção dentro da totalidade dos espaços ativos do centro. Essa idéia estaria ligada à visão do grande nó, reunião dos quatro focos de atividades periféricos em um bolsão ativo localizado na Esplanada. Este novo bolsão estaria perpassando momentos históricos distintos - talvez o maior intervalo histórico da cidade - e somando a ele uma nova etapa, de novas atividades e expectativas. A Esplanada de Santo Antônio como a novidade do centro (a nova vitrine do século XXI), não ocupada nos 50 anos passados, agora é direcionada segundo novas lógicas, novos usos e por uma nova sociedade. Incluído nos novos usos propostos, o residencial revelou-se o mais promitente no sentido da garantia de vitalidade ‘full time’, aquele que vai alimentar as demais atividades, antigas ou novas. O fomento dos usos de cultura e lazer, identificados como os acolhedores de fluxos em horários alternativos, estão no centro do bolsão, garantindo a vitalidade do sistema. Este estaria em funcionamento a partir da nova rede de espaços públicos, em farta quantidade, conectando todos os pontos e privilegiando os fluxos dos pedestres, que aumentarão de volume em virtude da mutação do grande vazio urbano atual para o território formatado e articulado do futuro, de características contemporâneas. A adoção do conceito de superposição das idades da cidade significou negar o recorte temporal de uma memória específica em favor da deferência às variadas memórias mais subjetivas ou subjugadas, como as da natureza e do vazio. E essa decisão foi fundamental para os resultados espaciais finais. Trabalhar com a presença dos vazios, não tentando eliminá-los todos através da nova ocupação, e com a aceitação voluntária e potencialização das diferenças entre formatos existentes (torre x sobrado) foi a forma encontrada de pensar o projeto baseado no conceito da fragmentação. A valorização dos espaços de fluxos e conexões de pedestres pela área e a enfatização de soluções para o sistema de transportes fazem parte do conjunto de idéias adotadas sobre o tema dos fluxos, e pretendem tornar complexa a abordagem desse layer fundamental nos espaços contemporâneos – a capacidade do espaço urbano de servir ao homem contemporâneo e aos deslocamentos e atividades por ele realizados. Dentro desse layer, os espaços para a manifestação do imprevisto, ou da efemeridade, foram previstos para dar vazão às novas atividades que podem vir a surgir dentro da dinâmica da cidade. Outro tema de relevância é o fim da polarização entre os domínios público-privado, ou a forma aberta. A exploração das possibilidades de interpenetração dos domínios e da interferência dos espaços públicos nos espaços privados, auxiliando na coletivização do sistema, é uma abordagem nova e propícia para a qualidade e vitalidade dos espaços públicos centrais.

CONCLUSÃO

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A presença da ‘potência’ de forma pontual, não generalizada, está associada à idéia do catalisador ou âncora, representando o elemento forte de desestabilização projetado. Aqui, trabalhou-se com a possibilidade da introdução de uma solução espacial original, forte e consistente, relacionada a um determinado problema, que valorize o contexto e suas potencialidades, ao contrário de esvaziar as estruturas existentes (como ocorre em intervenções recentes de grande impacto formal gratuito). O objetivo perseguido no trabalho foi escapar à polarização das soluções de ‘repetição da cidade’ e ‘poética do caos’ e evitar a crença no ‘novo’ modelo único para intervenção na cidade. Este fato, inclusive, impulsionou a elaboração das duas propostas distintas, embora baseadas nos mesmos critérios. Sobre este tema e dentro do eixo da crítica, a análise dos projetos recentes revelou na prática as diferentes escolhas conceituais que caracterizam a era contemporânea, que vão desde as propostas de resgate da cidade tradicional (Berlim e Paris) até a proposta de forte impacto formal (Almere), passando pela proposta da imagem globalizada de cidade (Rotterdam) e pela intervenção de cunho rodoviarista (São Paulo). Os espíritos contraditórios compreendidos entre o resgate da forma da cidade compacta do século XIX e as propostas mergulhadas nas novas visões da cidade do século XXI indicam um grande campo de interseção e troca de idéias ainda a ser explorado conceitual e espacialmente nos novos projetos urbanos. As duas propostas elaboradas, apesar de compartilharem de vários pontos de partida comuns - como a valorização dos fluxos de pedestres, a criação de praça principal e ponto de concentração de atividades vitais em frente à Catedral, a valorização dos monumentos, a variação de usos, a contraposição entre formatos arquitetônicos, o programa e as estratégias de implantação semelhantes manifestam-se segundo diferentes espíritos. Entretanto, uma grande preocupação comum entre as propostas foi estabelecer um percentual de ocupação do solo com edificações mais baixo que a média encontrada no entorno, possibilitando a liberação de mais áreas públicas e abertas para as novas vias e praças. Enquanto a proposta 1 pretende, através do espaço público bem delineado, de expressão formal e funções de grande vitalidade, contrastar o vazio físico e simbólico da sua essência com os cheios e densos predominantes no centro, transmitindo centralidade e forte hierarquização, a proposta 2 volta-se para a idéia do movimento e dos fluxos, neutralizando o impacto estático das grandes avenidas ortogonais e transmitindo perturbação e dinamismo. A proposta 1 desenha um movimento no espaço das bordas para o centro (força centrípeta), enquanto a 2 insinua um dinamismo em todos as direções, embora os dois pontos de partida tenham sido as quatro áreas de grande concentração de fluxos do entorno e o contraste entre gabaritos. É característica desse plano de massas a definição dos espaços públicos e das massas construídas, sem a definição prévia das arquiteturas. As áreas de maior interesse do projeto, onde estão implantadas as atividades principais ou âncoras, têm legislação mais detalhada e focada para as atividades determinadas no programa, entretanto, as demais áreas não contam com normas rígidas, podendo ser ocupadas por várias funções complementares. Viabilização A divisão da implantação do projeto, pensada em etapas, permite a gradual instalação da nova realidade, facilitando sobremaneira a operação financeira. A implantação das âncoras e do sistema interligado de transportes representa o gesto de ‘tomar posse do território’, até então preterido. As demais atividades implantam-se gradativamente, de acordo com as demandas de atividades e com os interesses dos poderes público e privado. Entretanto, o contexto lá encontrado pede, além da solução mais incisiva, outra de correção pontual, o que determinou duas frentes de intervenção distintas.

CONCLUSÃO

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Este estudo inicial é um momento ainda com poucas interfaces, restringindo-se a contatos e consultas com profissionais de transportes e do patrimônio. A partir do momento da interface com o poder público, as interações se darão passo a passo, principalmente no que concerne à participação da iniciativa privada, força fundamental na implantação do projeto. É importante atentar para as implicações envolvidas em um projeto desse porte, no que se refere à sua viabilização. É necessária por parte do poder público - que, neste caso, provavelmente estaria responsável pela viabilização política da intervenção - a adequada gestão das transformações da cidade. E essas transformações envolvem, além do projeto urbano em si, variáveis como a legislação incidente, a propriedade da terra, a pressão da população, além da responsabilidade de lidar com preconceitos e visões cristalizadas sobre a cidade. O projeto urbano mal gerido e mal divulgado está predestinado a não sair do papel. De toda forma, como uma especulação sobre o futuro da área - caso a boa gestão possibilite concretizar essa importante transformação - e propondo uma seqüência do artigo de Sisson265, estaria a Esplanada ligada à idéia de uma nova centralidade carioca? No sentido da contribuição para o reforço da centralidade existente, a nova Esplanada traria como novidade novas formas de articulação dos espaços públicos do centro, novas funções combinadas segundo uma nova densidade, novos horários de utilização dos espaços, novos investimentos públicos e privados, tudo isso aliado à sensação de ‘economia’ de recursos para infra-estrutura - já implantada em uma área ainda a desenvolver. Identidade cultural reforçada e olhar nas expressões da cidade contemporânea, o aprendizado fundamental do trabalho foi responder ao ‘problema’ atual utilizando-se de ferramentas atuais, poupando-se de se submeter a modelos urbanísticos passados.

265

SISSON, Raquel. “Os Três Centros do Rio”. Revista Municipal de Engenharia. Rio de Janeiro: Out/Dez/1983.

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