A NOVA LÓGICA DE GESTÃO DOS PROFESSORES NO ESTADO DE SÃO PAULO: QUAIS AS IMPLICAÇÕES PARA O TRABALHO DOCENTE?

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A NOVA LÓGICA DE GESTÃO DOS PROFESSORES NO ESTADO DE SÃO PAULO: QUAIS AS IMPLICAÇÕES PARA O TRABALHO DOCENTE?

Jean Douglas Zeferino Rodrigues - PARFOR/PUCCAMP Resumo: Resultado de uma pesquisa mais ampla este trabalho busca analisar a nova lógica de gestão e avaliação implementada pela Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo (SEE) nos últimos anos e suas repercussões para o trabalho dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental. A partir de um conjunto de mecanismos de gestão fundamentados nos princípios gerenciais e performativos, as ações da SEE operam uma lógica que objetiva reformar/remodelar não somente as instituições, mas os indivíduos. Para tanto, uma reforma da gestão foi encaminhada e práticas pautadas na competitividade, meritocracia, avaliação de desempenho, responsabilização, publicização de resultados, entre outros, foram atreladas ao próprio trabalho pedagógico determinando em grande parte a intervenção do professor em sala de aula. As consequências desta perspectiva de gestão foram identificadas na pesquisa empírica, entre as quais se destacaram: a conformação da prática docente às exigências das avaliações externas (SARESP), ambiente de trabalho permeado por cobranças de resultados pelos próprios pares, constante insegurança com as metas propostas, constrangimento com a divulgação dos resultados, visibilidade positiva/negativa, migração docente e acirramento do individualismo em detrimento das relações de solidariedade e cooperação. Cabe ressaltar que a pesquisa empírica contou com a participação de seis professoras da rede estadual paulista que lecionavam nos 5ºs anos (antiga 4ª série) de três escolas com diferentes classificações no IDESP (Abaixo do Básico, Básico e Adequado). A partir do recurso da entrevista semiestruturada foram coletadas diversas informações que ao final confirmaram que as ações implementadas pela SEE proporcionam inúmeras implicações para o trabalho dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental. Palavras-chave: Gerencialismo, Performatividade, Trabalho Docente, Meritocracia. 1. Introdução O artigo se propõe a identificar e sistematizar os mecanismos atuais de gestão e avaliação do trabalho docente utilizados pela Secretaria de Estado da Educação do estado de São Paulo (SEE) e as implicações destes para o trabalho de professores dos anos iniciais do ensino fundamental. Para tanto foi realizada uma pesquisa documental e empírica de modo que se puderam observar medidas que apontam para um movimento de sistematização de políticas que, apesar de organizadas em frentes distintas, articulam a gestão dos professores aos processos pedagógicos. O estudo além de identificar um conjunto de repercussões que interferem no trabalho das profissionais em diversos aspectos demonstrou a estreita relação entre as medidas implementadas e as perspectivas gerencial e performativa, eixos centrais na concepção das políticas de

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gestão e avaliação dos professores da rede pública estadual. A aplicação de tais princípios administrativos à relação pedagógica modificou a prática dos professores uma vez que a intervenção em sala de aula passou a considerar as demandas exigidas pelas avaliações externas. Observa-se uma clara relação entre os inúmeros mecanismos de controle instituídos na rede escolar e a sedimentação de um ambiente de trabalho cuja competitividade e meritocracia são fios condutores centrais, numa suposta busca pela qualidade da educação. O texto abaixo permitirá compreender a partir de uma breve introdução aos princípios gerenciais e performativos, a relação entre os mecanismos implementados pela SEE e as implicações destes para o trabalho de professores dos anos iniciais do ensino fundamental.

2. Aspectos gerenciais e performativos na educação Não é propósito deste trabalho aprofundar os fundamentos teóricos gerenciais e performativos, mas introduzir breves elementos que facilitarão a compreensão geral do amplo processo reformador presente na educação paulista. O gerencialismo caracterizase por uma série de fatores extremamente articulados em seus objetivos e especificamente voltados para a função precípua da maior produtividade com o menor custo. Para tanto, lança mão de uma série de iniciativas congregando aspectos objetivos e subjetivos de modo a transformar o ambiente segundo as suas finalidades. Segundo Shiroma (2006) o gerencialismo pode ser compreendido como uma fórmula racional para a melhor utilização dos recursos públicos tendo como objetivo o aumento da produtividade e a máxima eficiência dos processos. O gerencialismo busca transformar o servidor com características do tipo burocrático em um “líder dinâmico” promovendo mudanças na subjetividade dos educadores. Ao mesmo tempo utiliza inovações linguísticas com o intento de inserir não apenas novos modismos, mas influenciar e transformar a prática, assim como estimula certo entusiasmo individual ou coletivo na superação das dificuldades. Estes instrumentos são articulados a dinâmicas que transformam os desafios gerais da organização em metas individuais alocadas por um lado, a um pretenso ambiente solidário e, ao mesmo tempo, acirrado contraditoriamente por avaliações de desempenho individual. Em consonância aos princípios do gerencialismo as políticas performativas constituem um nível mais específico, mas não menos eficiente de controle. Conforme Ball (2005, p.543) a performatividade se apresenta como “(...) uma tecnologia, uma

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cultura e um método de regulamentação que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e mudança.” Enquanto o gerencialismo relaciona-se em maior grau às questões relativas à reforma da gestão do setor público imprimindo orientações administrativas sob novos parâmetros, a performatividade, como uma ferramenta imprescindível das gestões gerenciais, direciona-se com maior vigor aos aspectos subjetivos, de controle e atrito entre os indivíduos. Este sistema envolve de maneira articulada alvos e incentivos cujo objetivo se estabelece na produção de novos perfis institucionais utilizando recompensas e punições fundadas na competitividade (BALL, 2005). A partir da reorientação da função do Estado, que no Brasil ocorre principalmente a partir da Reforma de 1990, observa-se a criação de mecanismos de gestão que permitem a constituição hegemônica dos parâmetros mercadológicos voltados para o seu próprio interior. É nessa conjuntura que as políticas performativas ganham visibilidade, pois Ela funciona de diversas maneiras para “atar as coisas” e reelaborálas. Ela facilita o papel de monitoramento do Estado, “que governa a distância” – “governando sem governo”. Ela permite que o Estado se insira profundamente nas culturas, práticas e subjetividades das instituições do setor público e de seus trabalhadores, sem parecer fazê-lo. Ela (performatividade) muda o que ele “indica”, muda significados, produz novos perfis e garante o “alinhamento”. Ela objetifica e mercantiliza o trabalho do setor público, e o trabalho com o conhecimento (knowledge-work) das instituições educativas transforma-se em “resultados”, “níveis de desempenho”, “formas de qualidade”. (BALL, 2004, p.1116)

Entre a miríade de iniciativas postas em prática no intuito de se estabelecer uma perspectiva calcada nos parâmetros performativos destaca-se a elaboração e divulgação de informações e indicadores que tem como objetivo o estímulo ao julgamento, a comparação e a classificação a partir dos resultados (BALL, 2005). Para Lopes e Lopez (2006) entre as novas medidas relacionadas à cultura da performatividade está a adoção de critérios de avaliação dos professores como parte de um conjunto de princípios pautados pela responsabilização (accountability) e competição, visando a eficiência, a racionalidade e a transmissão da cultura do desempenho através da constituição de sujeitos mais produtivos, polivalentes, pró-ativos, assertivos e flexíveis. Sob a égide desses princípios os professores acabam direcionando a prática docente segundo as

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exigências externas abandonando o desenvolvimento das atividades e conteúdos que não se relacionam diretamente aos indicadores de desempenho (SANTOS, 2004). Afonso (2009) diz que o novo modelo de Estado reforçou o seu poder de regulação (na elaboração e avaliação de políticas educacionais) acionando a avaliação como um suporte no processo de responsabilização relacionado aos resultados educacionais, passando estes a serem mais importantes que os próprios processos pedagógicos. Introduzidos os elementos que fundamentam o conteúdo das medidas tomadas pela SEE relativas à nova concepção de gestão da educação e dos profissionais pretende-se abaixo sistematizar as ações e identificar as possíveis repercussões que tais medidas ocasionam ao trabalho dos professores.

3. Sistematizando os mecanismos de controle do trabalho docente na rede estadual de ensino do estado de São Paulo Pode-se observar um número razoável de decretos, leis e resoluções que tecem a rede de sustentação da política educacional desses últimos anos, sobretudo as medidas relativas à gestão dos professores da SEE. As iniciativas ao serem analisadas conjuntamente acabam se apresentando como peças de um quebra-cabeça cuja figura a ser desenhada ao fim da montagem estranhamente será identificada. Isso porque a junção das diversas medidas implementadas se traduzem tanto por objetivos mais evidentes, como a mensuração dos resultados obtidos através de avaliações externas, como por iniciativas de caráter mais subjetivo, como, à conformação docente aos parâmetros pré-estabelecidos pela SEE. Contudo, entre as diversas ações três podem ser consideradas a coluna vertebral para a consecução dos objetivos da gestão atual da SEE, são eles: o Programa de Qualidade da Escola – PQE e a Bonificação por Resultados – BR para a Secretaria da Educação e o Sistema de Promoção para os Integrantes do Quadro do Magistério (Prova de Mérito). Entretanto, implementações secundárias, mas que articuladas influem na vida profissional dos professores também foram observadas. Como por exemplo, a alteração do Estágio Probatório; fixação de metas para os indicadores da SEE e a criação do Comitê Central de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional. Não é intenção deste artigo analisar todos os pormenores de cada medida, mas caracterizar as ações que, gradativamente, apontam para a constituição de um sistema de controle sobre o trabalho docente que, por sua vez, oferecem mudanças na prática docente. E neste sentido o Programa de Qualidade da Escola, a Bonificação por

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Resultados e o Sistema de Promoção (Prova de Mérito) em conjunto com outros dispositivos secundários, integram uma complexa rede de controle que elegeu a prática docente o alvo de suas ações. Portanto, neste primeiro momento o Programa de Qualidade da Escola – PQE, a Bonificação por Resultados – BR e a Prova de Mérito serão brevemente caracterizados de modo que em um segundo momento seja possível relacionar e identificar as possíveis implicações destes mecanismos ao trabalho dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental.

3.1 O Programa de Qualidade da Escola - PQE O programa apresenta como objetivo central a promoção da qualidade e da equidade da rede estadual de ensino (SÃO PAULO, 2008c). Para tanto, a perspectiva de qualidade passa impreterivelmente pela constante avaliação e monitoramento propondo metas anuais no sentido de se aprimorar a qualificação do ensino. O IDESP - Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo, eixo central do programa, é um indicador que avalia a qualidade do ensino oferecido pela escola. O índice é composto por dois critérios: o Índice de Desempenho (ID) dos alunos em avaliações externas, no caso o SARESP, que verifica o quanto aprenderam, e o fluxo escolar, também compreendido como Indicador de Fluxo (IF), que representa em quanto tempo aprenderam. O IDESP resulta da multiplicação desses indicadores segundo cada Etapa de Escolarização (S) e, ao final, além de proporcionar um banco de dados sobre o desempenho da rede serve de base para que sejam feitos os cálculos para o pagamento do BR (Bonificação por Resultado) aos professores.

3.2 A Bonificação por Resultados - BR A Bonificação por Resultado, o conhecido bônus, normatizado e instituído através da Lei Complementar de nº 1078, de 17 de dezembro de 2008 é um típico instrumento de gestões pautadas na competitividade e meritocracia como promotores da qualidade. Segundo ela, para efeito da aplicação da BR, são considerados dois fatores: as metas, que sugerem o valor a ser alcançado em cada um dos indicadores, e o índice de cumprimento de metas, que se referencia como a relação percentual estabelecida entre o valor que foi alcançado no processo de avaliação e a meta fixada previamente. A BR será paga segundo a proporção direta entre o índice cumprido pelo professor ao longo do ano letivo e a meta estabelecida pela SEE durante o período de avaliação dos resultados. A avaliação dos resultados de cada unidade escolar terá como

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base “(...) indicadores que deverão refletir o desempenho institucional no sentido da melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, podendo considerar, quando for o caso, indicadores de desenvolvimento gerencial e de absenteísmo.” (SÃO PAULO, 2008a).

3.3 Sistema de Promoção para os Integrantes do Quadro do Magistério (Prova de Mérito) Fundamentado na Lei Complementar nº 1097 de 27 de outubro de 2009 as bases deste projeto reproduz os mesmos princípios das demais ações buscando a instalação de uma perspectiva meritocrática e competitiva nas relações que permeiam o magistério. Através de uma prova de conhecimentos a SEE verifica a competência do professor com relação aos conteúdos associados ao seu campo de atuação permitindo que os 20% mais bem classificados recebam evolução salarial (SÃO PAULO, 2009). O sistema de promoção elaborado pelo governo permite que apenas uma parcela mínima dos servidores receba evolução salarial, contribuindo, desta forma, para criação de relações competitivas entre os profissionais.

4. As implicações dos mecanismos de gestão/avaliação para o trabalho docente A pesquisa desenvolvida (RODRIGUES, 2010) indica que a implementação das diversas medidas pela SEE produziu inúmeras implicações para os docentes dos anos iniciais. A verificação se deu a partiu de pesquisa empírica utilizando o recurso das entrevistas com questionário semiestruturado com 6 professoras (denominadas A, B, C, D, E e F) de 3 escolas estaduais da cidade de Bauru (denominadas 1, 2 e 3). A partir das entrevistas buscou-se levantar diversos eixos que se evidenciavam ao longo das falas das professoras e que apresentavam relações com as medidas implementadas na própria rede estadual. Para a compreensão mais clara das interferências ocasionadas pelas ações da SEE ao trabalho docente recomenda-se que os mecanismos apresentados anteriormente sejam compreendidos como instrumentos que operam com o mesmo objetivo, isto é, dar consecução à política gerencial e performativa, ambas norteadoras de um projeto maior que vislumbra não somente reformar as instituições objetivando uma nova organização escolar (OLIVEIRA, 2004), mas acima de tudo, “remodelar” os profissionais concebendo-os como meros executores de objetivos externamente definidos (BALL, 2002).

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Mediante a organização dos dados fornecidos pelas professoras (será utilizado a partir de agora o gênero feminino para referência das professoras entrevistadas) se pode identificar as mudanças mais evidentes que afetavam o trabalho das profissionais. Estas mudanças/implicações podem ser organizadas em dois eixos: “Mecanismos de controle e conformação da prática docente às exigências do SARESP”; e “As políticas de desempenho da SEE e o ambiente de trabalho da escola”.

Mecanismos de controle e conformação da prática docente às exigências do SARESP Neste eixo ficou muito claro que a escola e, consequentemente, a prática docente das professoras, tiveram suas ações redirecionadas para treinamentos dos alunos nos conteúdos exigidos pelas avaliações externas, em detrimento de uma formação mais ampla de base geral. Entretanto, tal mudança não se deu por acaso, mas a partir de uma articulação de iniciativas atreladas a um mecanismo central com forte poder de persuasão e controle, a Bonificação por Resultado (“bônus”). Foram constantes nas entrevistas citações comentando a cobrança feita pelas direções escolares para que os professores trabalhem os conteúdos baseados nas orientações do SARESP. A fala da professora 2C (RODRIGUES, 2010, p. 139) é bastante elucidativa:

A gramática não é citada e você tem que trabalhar se baseando sempre na proposta do SARESP. Então aquilo se torna uma coisa muito cansativa, porque o aluno ele tem as alternativas a, b, c, e d e os alunos não vão mais aos textos, retiram informação, colocam nas respostas, parece meio mecânica e condicionada, eu acho que.... porque sempre tem que trabalhar de acordo com o SARESP, porque assim você estará preparando o aluno para a prova.... então eles não terão dificuldade para a prova.

O que se verificou com certa predominância é uma concepção de educação voltada imediatamente para o âmbito dos resultados mensuráveis de modo que o SARESP torna-se o mecanismo legitimador de tal opção. Outro dispositivo utilizado, entre os diversos que agem sobre a prática docente, é a verificação dos conteúdos através da Rotina Semanal (planejamento semanal) exigida com certa antecedência pelo professor-coordenador. A Rotina Semanal é um instrumento que permite ao professor coordenador acompanhar e verificar os conteúdos que o professor da sala irá trabalhar. Porém, o planejamento elaborado pelo professor da sala deve atender às Orientações Curriculares

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(SÃO PAULO, 2008b) da SEE. As Orientações Curriculares representam as bases de conteúdos do próprio SARESP. Portanto, observa-se a articulação entre a prática do professor, o instrumento de verificação do planejamento pela Rotina Semanal e a posterior avaliação conferindo todo o processo anterior através do SARESP. Esse conjunto de ações foi amplamente explicitado pelas professoras entrevistadas e, segundo elas, resultou em perda de autonomia na elaboração e planejamento das aulas, haja vista que a solicitação de mudanças na Rotina Semanal segundo as oriantações das OC e da avaliação externa (SARESP) eram constantes. Por outro lado questiona-se a ocorrência de resistência por parte das professoras, uma vez que muitas discordavam de práticas pedagógicas que se orientavam pelos resultados dos alunos em avaliações externas. Segundo Rodrigues (2010, p. 139) devese considerar o fato destas professoras estarem “(...) imbuídas no interior de uma instituição permeada por um ambiente que articula eficazmente os lastros de suas ações a ponto de quantificar seu desempenho a partir de um formato previamente definido.” Desta maneira, o resultado de suas ações, verificáveis pelos resultados do SARESP, estarão suscetíveis a comparações, publicizações e julgamentos propiciando ao indivíduo certa visibilidade, seja ela positiva (bons resultados) ou negativa (maus resultados).

As políticas de desempenho da SEE e o ambiente de trabalho da escola Serão discutidas neste eixo especificamente as implicações provenientes das medidas que atrelam o desempenho dos professores – verificados e medidos pelo desempenho dos alunos no SARESP, à possibilidade de recebimento da Bonificação por Resultado (BR). Entretanto, anterior a esta análise, cabe observar que duas outras avaliações são desenvolvidas no interior da escola, mas não são utilizadas para fins de premiação pecuniária. São a avaliação do trabalho docente pelos alunos e pais de alunos e a avaliação interna do trabalho docente pelo professor coordenador. A primeira avaliação, feita pela pelos pais de alunos e alunos, refere-se a um questionário enviado aos pais nas semanas que antecedem o SARESP. É um questionário diverso com 40 questões que, entre outros objetivos, solicita que os pais e os alunos avaliem a capacidade do professor proferindo nota de 0 a 10. A outra avaliação corresponde ao processo de observação da aula pelo professor coordenador seguindo um documento denominado Roteiro de Observação e Acompanhamento. Neste processo o professor coordenador assiste à aula e ao final emite suas observações

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fazendo o professor da sala tomar ciência assinando o documento. Destaca-se que neste roteiro há o registro se o professor da sala está seguindo, ou não, as Orientações Curriculares da SEE (SÃO PAULO, 2008b). Na perspectiva dos professores, tanto a avaliação pelos pais/alunos como pelo próprio professor coordenador não apresentaram intensidade mais explícita. No entanto, as duas medidas somando-se às demais acabam colaborando na construção de um ambiente cuja vigilância é permanente de modo que o indivíduo sente-se avaliado em cada ação que desenvolve. A política gerencial e performativa faz uso de distribuição calculada de mecanismos de modo que se elabora formas arquiteturais de poder, de motivação, hierarquia, pretendendo-se a remodelação do indivíduo (BALL, 2002). Neste sentido, a articulação entre IDESP e a BR possibilitam ao Estado formas de persuasão e controle do trabalho docente já que o IDESP indica quem serão os premiados/punidos com o recebimento/ou não da BR. Este processo parece simples, mas a pesquisa indicou que a partir das diversas ações implementadas pela SEE, a escola, gradativamente, incorporou determinados princípios gerenciais e performativos passando a utilizá-los como parâmetros de análise e releitura para a condução de seus trabalhos. Consequentemente, os dois principais mecanismos de controle produziram inúmeras repercussões para o trabalho docente e o ambiente de trabalho. Entre as quais destacam-se: 

5º ano (antiga 4ª série): foco das políticas de desempenho

A partir das entrevistas nota-se claramente que o 5º ano torna-se o centro das cobranças, das verificações, dos julgamentos e das fiscalizações pelos próprios pares. Isso ocorre uma vez que todos os profissionais da escola dos anos iniciais dependem do desempenho deste ano para receberem/ou não a BR. As falas das professoras esclarecem a situação: A única coisa que tenho para te dizer é que o professor de 4ª série é o que é mais pressionado né. (...) Só que quando chega na 4ª série até servente fala “olha, tem que fazer acontecer, porque se não nosso bônus vem baixo” (...). (Professora 2C). Olha, eu já tive brincadeiras assim “olha eu quero ganhar meu bônus hem, trabalha direitinho com seus alunos hem” (Professora 3E). (RODRIGUES, 2010, p. 156)



Visibilidade positiva/negativa

Um dos objetivos das políticas performativas é a tentativa de “remodelar” os indivíduos segundo padrões determinados. Para tanto, lançam mecanismos que se

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baseiam a partir de elementos como o atrito, a comparação, o julgamento, a classificação, a publicização de resultados, entre outros. Pode-se afirmar, segundo os dados pesquisados, que a SEE ao divulgar o IDESP das escolas e o desempenho dos professores, no Boletim da Escola e entre os professores da unidade, respectivamente, acabou criando uma “imagem” da escola e dos professores, uma visibilidade, podendo ser ela positiva ou negativa. Ao tornar público os resultados obtidos observou-se o estímulo à competitividade entre escolas e professores sendo que, em toda competição há os que “triunfam” e os que “perdem”. A nova lógica disseminada pela SEE legitima tal perspectiva premiando o triunfo daqueles que atingiram as metas não só com valores maiores da BR, mas estimulando a visibilidade perante seus pares. A lógica também vale para os que não atingiram as metas propostas. Portanto, a visibilidade positiva refere-se às situações daqueles que atingiram as metas, sejam escolas ou professores. Exemplo são as faixas em frente das escolas divulgando que tal unidade atingiu a meta, ou ainda, os anúncios dos jornais divulgando o mérito. Já a visibilidade negativa ocorre quando a escola/professor não atingem a meta proposta ocasionando diferenciações por terem desempenho inferior e não receberem o “bônus” por mérito. 

“Migração” docente

A instituição de índices de desempenho por escolas acaba classificando as unidades segundo sua capacidade de atingir as metas propostas. Nessa perspectiva a boa escola torna-se a organização eficiente que produz resultados. Essa constatação está gerando uma situação preocupante do ponto de vista pedagógico. As professoras entrevistadas revelaram um movimento de “migração” de professores, ou seja, diversos profissionais estão buscando lecionar em escolas cuja possibilidade de receber a BR seja maior. Desse modo, as escolas que supostamente apresentam menores condições para atingir a meta acabam sendo colocadas em segundo plano pelos professores nos processos de atribuição de aulas. As condições investigadas levam a crer que de médio a longo prazo a seleção de escolas orientadas por critérios como a capacidade de resultados da unidade, no mínimo, estimulará um movimento de reorganização do deslocamento dos melhores profissionais, ou pelo menos, dos mais experientes, para escolas que já apresentam condições positivas (nível básico ou adequado) se comparadas a muitas outras unidades em condições inferiores (abaixo do básico).

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A partir dos dados observaram-se duas frentes de avaliação. Há os mecanismos que se voltam predominantemente para os aspectos pedagógicos, cobrando e exigindo dos professores um tipo específico de prática docente e conteúdo. São as Orientações Curriculares, a cobrança da Rotina Semanal coerente às OC, o acompanhamento da aula pelo professor coordenador segundo o Roteiro de Observação e Acompanhamento. Por outro lado, há uma frente, não descolada da primeira, que se volta para o campo da gestão dos professores e da mudança de comportamento segundo princípios gerenciais e performativos. Representam esta frente o IDESP e a BR, e as implicações decorrentes deste tipo de gestão.

Considerações finais Tentou-se demonstrar ao longo do artigo os principais mecanismos de controle implementados pela SEE e as implicações que tais instrumentos propiciaram ao trabalho dos professores dos anos iniciais do ciclo I do ensino fundamental. Inspirados nos princípios gerenciais e performativos tais mecanismos buscam, reformar as instituições e os servidores passando de uma lógica taylorista/fordista a uma lógica gerencial. Para consecução de tais objetivos uma série de implementações foram colocadas em prática na maior pasta do governo paulista. Tais mudanças constituem em verdadeiros mecanismos de controle sobre o trabalho docente uma vez que tanto o planejamento como a seleção dos conteúdos passam a ser centralizados através das Orientações Curriculares da SEE. Observa-se uma tendência de valorização em grande parte do Português e da Matemática em detrimento das outras disciplinas, numa clara formatação a partir das exigências das avaliações externas, tal como o SARESP. Da mesma forma, criaram-se instrumentos de monitoramento do trabalho do professor através da Rotina Semanal e do acompanhamento da aula pelo professor coordenador. A nova lógica de gestão da SEE emprega a competição e a meritocracia como fios condutores de sua política. Foram criados os indicadores e as metas (IDESP) a serem cumpridas premiando-se os melhores desempenhos (BR). Em nenhum momento verificou-se as condições sociais e econômicas da comunidade escolar, muito menos as condições físicas das escolas. Há uma clara intersecção de ações que relacionam ações pedagógicas à política de desempenho de modo que os professores, considerados executores ou técnicos em pedagogia, tivessem seu trabalho percorrido por uma constante avaliação e mensuração, uma inconsequente comparação e publicização de seus resultados e, por um profundo processo de responsabilização. Resiliência,

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frustração, constrangimento, desestímulo, insegurança, são algumas características subjetivas ocasionadas por ações objetivas que circunscrevem a percepção das professoras mediante as políticas implementadas. Para tanto, este não é o caminho que se deve percorrer para a construção de uma perspectiva educacional que atenda a ampla maioria da sociedade.

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