A OBRA RELIGIOSA DE BENEDITO CALIXTO DE JESUS ATRAVÉS DO MECENATO DE DOM DUARTE LEOPOLDO E SILVA NA IGREJA DE SANTA CECÍLIA

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

KARIN PHILIPPOV

A OBRA RELIGIOSA DE BENEDITO CALIXTO DE JESUS ATRAVÉS DO MECENATO DE DOM DUARTE LEOPOLDO E SILVA NA IGREJA DE SANTA CECÍLIA

CAMPINAS 2016

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos Trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 14 de outubro de 2016, considerou a candidata Karin Philippov aprovada.

Profª Drª Claudia Valladão de Mattos Avolese Profª Drª Iara Lis Schiavinatto Profª Drª Angela Brandão Prof. Dr. Paulo Mugayar Kühl Profª Drª Solange Ferraz de Lima

A Ata da Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

Dedico aos meus pais e a minha irmã e às memórias intelectuais de Dom Duarte Leopoldo e Silva e Benedito Calixto de Jesus.

AGRADECIMENTOS

A minha querida orientadora, Profª Drª Claudia Valladão de Mattos Avolese, por todo seu empenho na orientação, em nossas várias reuniões e conversas por e-mail e por toda a sua ajuda e confiança durante minha longa trajetória. Ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas – IFCHUNICAMP, por ter me aprovado no processo seletivo de doutorado e aos secretários que sempre me atenderam presencialmente, por telefone e por e-mail. À CAPES por ter me fornecido a bolsa de doutorado, que possibilitou a realização desta pesquisa. À Biblioteca do IFCH e aos seus funcionários sempre tão gentis, auxiliando-me na busca de livros e no empréstimo interbibliotecas. Às funcionárias do Setor de Obras Raras da Biblioteca Central César Lattes da UNICAMP, por terem permitido meu acesso a importantes fontes de pesquisa para a realização desta tese. Aos funcionários do Arquivo Edgar Leuenroth por terem me auxiliado no acesso ao acervo. Ao Senhor Jair Mongelli Júnior, Diretor Técnico do Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, também conhecida por Arquivo Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva, pelas incontáveis tardes de pesquisa nos documentos da Igreja de Santa Cecília, por todo o seu generoso e incansável atendimento e sua enorme ajuda ao decifrar a grafia de Benedito Calixto de Jesus, que por vezes é desafiadora. Aos estimados Prof. Dr. Robert Wayne Slenes, Prof. Dr. Luiz Marques, Prof. Dr. Marcos Tognon, Prof. Dr. Nelson Aguilar, Profª Dra. Claudia Valladão de Mattos Avolese, Prof. Dr. Luciano Migliaccio, Prof. Dr. Joseph Imorde e Prof. Dr. Ricardo de Azevedo Marques, que ministraram as disciplinas no IFCH e na FAU-USP. Sem suas excelentes aulas, não teria tido a formação que tenho e não chegaria aonde cheguei. Aos queridos Professores, Prof. Dr. Jens Michael Baumgarten e à Profª Dra. Iara Lis Schiavinatto, que tão generosamente me apontaram caminhos em minha banca de qualificação, realizada em 29 de maio de 2015. Ao Prof. Dr. Luiz Marques, por ter me auxiliado com o latim. Ao Prof. Dr. Jens Michael Baumgarten e à Profª Drª Vera Beatriz Siqueira, por suas preciosas contribuições após a apresentação de minha comunicação no XXXIV Colóquio Brasileiro de História da Arte, organizado pelo Comitê Brasileiro de História da Arte – CBHA, realizado na Universidade Federal de Uberlândia, em agosto de 2014.

Ao Senhor Gilberto Calixto Rios, em especial, por sua amizade e por ter me fornecido dados preciosos sobre seu bisavô, Benedito Calixto de Jesus. À Flavia, do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, por ter me fornecido acesso ao acervo fotográfico do museu. Ao Prof. Lincoln Etchebehere do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP, por ter me auxiliado com uma bibliografia vital sobre Dom Duarte Leopoldo e Silva. Às funcionárias da Fundação Pinacoteca Benedito Calixto, em Santos, que tão pronta e gentilmente me receberam e auxiliaram em minha pesquisa. Agradeço muito pelo carinho quando me acompanharam após o término da pesquisa na Pinacoteca, em minha visita ao acervo de obras de Benedito Calixto. Aos funcionários da Igreja de Santa Cecília, por terem me recebido generosamente em minhas visitas. Às funcionárias do Arquivo Histórico da Cidade de São Paulo – AHSP – SMC/PMSP, por terem permitido meu acesso às plantas da Igreja de Santa Cecília e por seus usos em minha tese, através da autorização publicada no Diário Oficial do Município de São Paulo. Aos meus pais, Nikita e Regina, que sempre se esmeraram na minha criação, sempre me incentivando e mostrando o caminho correto dos estudos e da ótima formação. Sem eles, jamais teria chegado aonde cheguei. À Ana Paula Nascimento, por suas dicas de pesquisa. À colega do IFCH, Juliana Guide, por ter me emprestado um livro importante para a tese. A todos que, de alguma maneira, participaram da minha trajetória até aqui.

Finally, I would like to thank Prof. Alexandra Kennedy (Universidad de Cuenca- Ecuador) and Prof. Anna Hudson (York University – Canada) for their precious ideas, when we visited Santa Cecília Church together.

RESUMO

O bispo Dom Duarte Leopoldo e Silva encomenda a decoração da terceira versão da Igreja de Santa Cecília, localizada na cidade de São Paulo, a Benedito Calixto de Jesus, que trabalha em conjunto com Oscar Pereira da Silva, Carlo De Servi, Conrado Sorgenicht e Gino Catani. Este trabalho visa especificamente discutir e compreender os mecanismos do mecenato religioso na cidade de São Paulo envolvidos nessa encomenda, no início da Primeira República, analisando as condições impostas pela Igreja Romanizadora, sob a luz do conceito de piedade visual, proposto por David Morgan (2005). Salientam-se, igualmente, os aspectos históricos, políticos, sociais, teológicos e artísticos inerentes a essa encomenda. Embora todas as pinturas dentro dessa igreja tenham sido analisadas, o foco recai sobre a produção religiosa de Benedito Calixto na Santa Cecília, por possuir elementos que a tornam ímpar tanto dentro dela, quanto dentro da própria Igreja, enquanto instituição, características essas vinculadas à encomenda de Dom Duarte e suas relações com os demais artistas que produzem obras religiosas para a mesma Igreja, ocupando um arco temporal de dez anos, de 1907 a 1917. Assim, pretende-se contribuir para o aprimoramento dos estudos de arte religiosa brasileira do início do século XX, durante o período da Primeira República.

Palavras-chave: Dom Duarte Leopoldo e Silva; Benedito Calixto de Jesus; arte religiosa; mecenato religioso; Igreja Romanizadora

ABSTRACT

Bishop Dom Duarte Leopoldo e Silva commands the decoration of the third version of Santa Cecília Church, located in the city of São Paulo, to Benedito Calixto de Jesus, who works together with Oscar Pereira da Silva, Carlo De Servi, Conrado Sorgenicht and Gino Catani. This dissertation aims specifically at both discussing and understanding the mechanisms of religious patronage in the city of São Paulo related to this order, at the onset of the First Republic, analyzing the conditions imposed by the Romanizing Church, form the perspective of the concept of visual piety, as proposed by David Morgan (2005). It also addresses the historical, political, social, theological and artistic aspects inherent to this order. Although all the paintings belonging to this church were analyzed, this study focuses mainly on Benedito Calixto’s religious works at Santa Cecília, as they hold characteristics that make it stand out both inside this temple and the Church itself, as an institution. Those are related to Dom Duarte’s order and his connections with the other artists producing religious works for the same Church, within a ten-year time frame, from 1907 to 1917. Thus, this study targets at contributing to the development of Brazilian religious Art studies in the beginning of the 20th century, during the First Republic period.

Keywords: Dom Duarte Leopoldo e Silva; Benedito Calixto de Jesus; religious art; religious patronage; Romanizing Church

LISTA DE IMAGENS CITADAS:

Figura 1 - Plantas baixas e de fachada da Igreja de Santa Cecília. AHSP - Arquivo Histórico da Cidade de São Paulo - SMC/PMSP. Foto: Karin Philippov............................................27 Figura 2 - Nave central da Igreja de Santa Cecília...............................................................28 Figura 3 - Vista da nave central da Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov............30 Figura 4 - Postal da Paróquia de Santa Cecília, em 1913....................................................31 Figura 5 - Foto Panorâmica do bairro de Santa Cecília, 1901-1910, por Guilherme Gaensly................................................................................................................................32 Figura 6 - Planta Geral da cidade de São Paulo em 1905...................................................33 Figura 7 - Área Urbanizada 1882-1914. Mapa da Urbanização de São Paulo...................33 Figura 8 – Foto da Rua Ana Cintra, 1910, ao meio o cruzamento com a Rua de São João (atual Avenida), ao fundo a Igreja de Santa Cecília. Foto de autoria desconhecida..........34 Figura 9 - Casa de Amácio Mazzaropi...............................................................................35 Figura 10- Palacete Momo.................................................................................................35 Figura 11 - Palacete da Sra. Maria Angélica de Sousa Queirós Barros, construído em 1890. Foto de autoria desconhecida...........................................................................36 Figura 12 - Pia Batismal da Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.....................37 Figura 13 - Palácio da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva.....................41 Figura 14 - Vista da escada em mármore e vitral sobre a Primeira Missa no Brasil do Palácio da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva........................42 Figura 15 - Henri Bérnard. Retrato de Dom Duarte Leopoldo e Silva, 1913. Museu de Arte Sacra de São Paulo...............................................................................................42 Figura 16 - Planta baixa da Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.....................60 Figura 17 – Esquema proposto por Gino Cataneo............................................................61 Figura 18 – Planta baixa da Igreja de Santa Cecília e Esquema proposto por Gino Cataneo.............................................................................................................................62 Figura 19 - Vista da nave central da Igreja de Santa Cecília............................................63 Figura 20 - Benedito Calixto de Jesus. Santa Symphorosa. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.......................................................................................................64

Figura 21 - Benedito Calixto de Jesus. Santa Thecla. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov........................................................................................................65 Figura 22 - Benedito Calixto de Jesus. Pedro Correa Via Damasco. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.................................................................................66 Figura 23 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Pedro Correa e João de Souza. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov......................................................66 Figura 24 - Benedito Calixto de Jesus. São Tarcísio. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...........................................................................................................................70 Figura 25 - Benedito Calixto de Jesus. São Tharcisius Martyr, 1918. Capela do Santíssimo da Igreja de Nossa Senhora da Consolação...................................................70 Figura 26 - Benedito Calixto de Jesus. São Lourenço. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.................................................................................................................71 Figura 27 - Benedito Calixto de Jesus. Santo Estêvão. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov..........................................................................................................................72 Figura 28 - Benedito Calixto de Jesus. São Piónio de Esmirna. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov................................................................................................................73 Figura 29 - Benedito Calixto de Jesus. Santa Symphorosa. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...........................................................................................................................74 Figura 30 - Benedito Calixto de Jesus. São Lino. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.........................................................................................................................74 Figura 31 - Benedito Calixto de Jesus. Santa Thecla. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.........................................................................................................................75 Figura 32 - Benedito Calixto de Jesus. São Paulo. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.........................................................................................................................75 Figura 33 – Esquema proposto por Gino Cataneo.........................................................78 Figura 34 - Oscar Pereira da Silva. Assumpção de Nossa Senhora. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.....................................................................................................78 Figura 35 - Oscar Pereira da Silva. Os Esponsais de São José. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...............................................................................................................79 Figura 36 – Retratos de Dom Bernardo Rodrigues Nogueira, Dom Frei Antônio da Madre de Deus Galrão e Dom Frei Manoel da Ressurreição. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.........................................................................................................................80

Figura 37 - Retrato de Dom Bernardo Rodrigues Nogueira. Acervo Museu de Arte Sacra de São Paulo.......................................................................................................................80 Figura 38 - Retrato de Dom Frei Antônio da Madre de Deus Galrão. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo.................................................81 Figura 39 - Retrato de Dom Manuel da Ressurreição, s/d. Acervo Museu de Arte Sacra de São Paulo.............................................................................................................................81 Figura 40- Retratos de Dom Matheus de Abreu Pereira, Dom Manuel Joaquim Gonsalves de Andrade e Dom Antônio Joaquim de Mello. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...................................................................................................82 Figura 41 - Retrato de Dom Matheus de Abreu Pereira. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo........................................................82 Figura 42 – Retrato de Dom Manuel Joaquim Gonsalves de Andrade. Acervo Museu de Arte Sacra de São Paulo......................................................................................................83 Figura 43 - Retrato de Dom Antônio Joaquim de Mello. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo.......................................................83 Figura 44 - Retratos de Dom Sebastião Pinto do Rêgo, Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho e Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.................................................................................................84 Figura 45 – Retrato de Dom Sebastião Pinto do Rêgo. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo......................................................84 Figura 46 – Retrato de Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo..............................................84 Figura 47 - José Ferraz de Almeida Júnior. Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. Museu de Arte Sacra de São Paulo........................................................85 Figura 48 - Retratos de Dom Antônio Candido de Alvarenga, Dom José de Camargo Barros e Dom Duarte Leopoldo e Silva. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov................................................................................................86 Figura 49 – Retrato de Dom Antônio Candido de Alvarenga. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo......................................................86 Figura 50 – Retrato de Dom José de Camargo Barros. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo......................................................86 Figura 51 - Henri Bérnard. Retrato de Dom Duarte Leopoldo e Silva, 1913. Museu de Arte Sacra de São Paulo....................................................................................................87 Figura 52 - Benedito Calixto de Jesus. Pedro Correa Via Damasco, 1910. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...................................................................................90

Figura 53 - Benedito Calixto de Jesus. Pedro Correa Via Damasco (detalhe). Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov....................................................................................90 Figura 54 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Pedro Corrêa e João de Souza, 1912. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...........................................................92 Figura 55 - Câmera Fotográfica de fabricação alemã, do início do século XX, com lentes Bausch & Lomb, pertencente a Benedito Calixto de Jesus. Acervo Pinacoteca Benedicto Calixto. Foto: Karin Philippov...................................................................................94 Figura 56 - Reprodução do painel "MARTIRIO E MORTE DE PEDRO CORRÊA E SEU COMPANHEIRO". Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo....................................................................................................................95 Figura 57 - Victor Meirelles. Moema, 1866. Museu de Arte de São Paulo...............96 Figura 58 – Foto do trecho do teto da sacristia da Catedral da Sé de Salvador, Bahia......................................................................................................97 Figura 59 - Benedito Calixto de Jesus. São Lúcio, São Cornélio e São Zeferino. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov..........................................................................98 Figura 60- Benedito Calixto de Jesus. São Calixto I, São Fabiano e Santo Anthero. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov..........................................................................98 Figura 61 - Benedito Calixto de Jesus. São Ponciano, Santo Urbano I e São Melchiades. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...........................................................99 Figura 62 - Benedito Calixto de Jesus. Santo Estevam I, São Xisto II e São Paschoal I. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.....................................................................99 Figura 63 – Benedito Calixto de Jesus. São Xisto II e Dom Duarte Leopoldo e Silva (detalhes). Igreja de Santa Cecília. Fotos: Karin Philippov........................................102 Figura 64 - Benedito Calixto de Jesus. O Batismo de Valeriano, 1909. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov..................................................................................................104 Figura 65 – repetição da figura 64 em comparação com foto da reconstrução arqueológica do que teria sido a Cripta dei Papi nas Catacumbas de São Callisto, feita por Giovanni Battista de Rossi............................................................................................................................105 Figura 66 - Benedito Calixto de Jesus. A Aparição do Anjo do Senhor, 1909. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov.....................................................................................106 Figura 67 - Benedito Calixto de Jesus. A Imposição do Véu, 1917. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...................................................................................................107 Figura 68 - Benedito Calixto de Jesus. A Condenação de Santa Cecília, 1917. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov......................................................................................109

Figura 69 - Augusto di Prima Porta. Musei Vaticani, Roma.......................................110 Figura 70 - Benedito Calixto de Jesus. A Condenação de Santa Cecília (detalhe). Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov............................................................................110 Figura 71 - Ary Scheffer. A Tentação de Cristo, 1854. Walker Art Gallery, Liverpool……………………………………………………………...........................111 Figura 72 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Santa Cecília, 1909. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov......................................................................................112 Figura 73 - Benedito Calixto de Jesus. Os Funerais na Catacumba, 1909. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.....................................................................................113 Figura 74 - Benedito Calixto de Jesus – O Martírio de Pedro Corrêa e João de Souza, 1912. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov.......................................114 Figura 75 - Lippo di Andrea. Morte e Apoteose de Santa Cecília, 1402c. Capella Nerli, Basílica di Santa Maria del Carmine, Florença.................................................115 Figura 76 - Rafaello Sanzio. Santa Cecília, 1516-17. Pinacoteca Nazionale di Bologna....................................................................................................................116 Figura 77 - Conrado Sorgenicht. Porta de entrada da Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...................................................................................................117 Figura 78 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Santa Cecília (detalhe). Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov............................................................117 Figura 79 - Stefano Maderno. Santa Cecilia, 1600. Chiesa Santa Cecilia in Trastevere, Roma.....................................................................................................118 Figura 80 - Cópia da Santa Cecília de Stefano Maderno, c.1600, Catacumba de São Calixto, Via Appia, Roma.........................................................................................................118 Figura 81 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Santa Cecília (detalhe). Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.....................................................................................119 Figura 82 - Urna funerária com as relíquias de Santa Donata. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov............................................................................................................120 Figura 83 - Francisco de Zurbarán. Agnus Dei, 1635c. Museo del Prado......................................................................................................................124 Figura 84 - Stefano Maderno. Santa Cecilia, 1600. Igreja de Santa Cecilia in Trastevere, Roma............................................................................................................................124 Figura 85 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Santa Cecília (detalhe). Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.....................................................................................124

Figura 86 - Mesa de altar com escultura em bronze de Santa Cecília, sem atribuição de autoria ou data. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.................................................125 Figura 87 - Benedito Calixto de Jesus. Os Funerais na Catacumba (detalhe)......................................................................................................125 Figura 88 - Fotografia sem a mesa do altar e patíbulo, tirada em 1929. Autor não informado. Igreja de Santa Cecília......................................................126 Figura 89 - Relíquias de Santa Cecília na Catedral de Albi. Foto: Jean-Noël Lafargue...............................................................................................127 Figura 90 - Escultura de Santa Cecília do Túmulo da família Alencar Guimarães. Foto: Conceição Aparecida dos Santos.........................................128 Figura 91- Escultura de Santa Cecília do Túmulo da família Alencar Guimarães. Foto: Conceição Aparecida dos Santos...................................................................................128 Figura 92 – Comparação de duas obras: Stefano Maderno. Santa Cecilia. 1600. Igreja de Santa Cecilia in Trastevere, Roma; John De Andrea, Linda, 1983. Museu de Arte de Denver, Colorado.........................................................................................................................129 Figura 93 - Altar em mármore da Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov.....................................................................................................130 Figura 94 - Oscar Pereira da Silva. Assumpção de Nossa Senhora. s/d. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov......................................................................................................131 Figura 95 - Pedro Américo de Figueiredo e Mello. A Noite e os Gênios do Estudo e do Amor, 1883, Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro................................................132 Figura 96 - Benedito Calixto. Dom Bernardo Rodrigues Nogueira, Dom Frei Antônio da Madre de Deus Galrão e Dom Frei Manoel da Ressurreição. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov................................................................................................................133 Figura 97 - Benedito Calixto de Jesus. Dom Matheus de Abreu Pereira, Dom Manuel Joaquim Gonsalves de Andrade e Dom Antônio Joaquim de Mello. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov.......................................................................................................133 Figura 98 - Benedito Calixto de Jesus. Pedro Correa Via Damasco, 1910. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov..........................................................................................134 Figura 99 - Oscar Pereira da Silva. Os Esponsais de São José, s/d. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov........................................................................................................135 Figura 100 - Benedito Calixto de Jesus. Charitas, Justitia, Fides, Spes , s/d. Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov...........................................................................................137 Figura 101 - Oscar Pereira da Silva. Os Quatro Evangelistas: Marcos, Lucas, João e Mateus, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov............................................................137

Figura 102 - Benedito Calixto de Jesus. Charitas, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov.........................................................................................................................138 Figura 103 - Benedito Calixto de Jesus. Iustitia, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov........................................................................................................................139 Figura 104 – Ilustração de Fasces lictoris......................................................................139 Figura 105 - Benedito Calixto de Jesus. Fides, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov........................................................................................................................140 Figura 106 - Benedito Calixto de Jesus. Spes, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov........................................................................................................................141 Figura 107 - Oscar Pereira da Silva. Os Esponsais de São José (detalhe). Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov.......................................................................................142 Figura 108- Cúpula central da Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov....................................................................................................142 Figura 109 - Oscar Pereira da Silva. São Lucas, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov....................................................................................................143 Figura 110- Oscar Pereira da Silva. São Matheus, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov....................................................................................................144 Figura 111 - Oscar Pereira da Silva. São João Evangelista, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov......................................................................................145 Figura 112- Oscar Pereira da Silva. São Marcos, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov....................................................................................................146 Figura 113- Carlo De Servi. Painéis da Igreja Matriz Nossa Senhora do Patrocínio de Jahu. Hoje, destruídos.............................................................................................148 Figura 114 - Carlo De Servi. Cristo Santíssimo (título atribuído pela autora). s/d. Igreja de Santa Cecilia................................................................................................................149 Figura 115 - Reprodução em preto e branco da pintura de Carlo de Servi erroneamente atribuída a Benedito Calixto de Jesus..........................................................................150 Figura 116 - Conrado Sorgenicht. Vitral acima da porta de entrada da Igreja de Santa Cecília, s/d. Foto: Karin Philippov............................................................................................153 Figura 117 - Vista do teto do presbitério. Igreja de Santa Cecilia Foto: Karin Philippov...................................................................................................154 Figura 118 - Vista parcial dos vitrais da abside da Igreja de Santa Cecília.................................................................................................155

Figura 119 - Vista da nave central da Basílica Papale di San Paolo Fuori le Mura...............................................................................................160 Figura 120 - Vista do transepto esquerdo da Basilica Papale di San Paolo Fuori Le Mura..............................................................................................161 Figura 121 - Detalhe mostrando dois dos afrescos localizados no transepto da Basilica Papale di San Paolo Fuori le Mura............................................................161 Figura 122- Benedito Calixto de Jesus. São Lúcio, São Cornélio e São Zeferino. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov..............................................................162 Figura 123 - Benedito Calixto de Jesus. São Calixto I, São Fabiano e Santo Anthero. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov..............................................163 Figura 124 - Benedito Calixto de Jesus. São Ponciano, Santo Urbano I e São Melchiades. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov.........................................163 Figura 125 - Benedito Calixto de Jesus. Santo Estevam I, São Xisto II e São Paschoal I. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov....................................163 Figura 126 - Benedito Calixto de Jesus. A Aparição do Anjo do Senhor, 1909. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov.............................................................164 Figura 127 - Vincenzo Galloppi . L’Annunciazione, 1896-97. Igreja de Santa Maria dell’Avvocata................................................................................................................164 Figura 128 -Vincenzo Calloppi. Visitazione a Santa Elisabetta, 1896-97. Igreja de Santa Maria dell’Avvocata......................................................................................166 Figura 129 - Benedito Calixto de Jesus. A Imposição do Véu, 1917. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov............................................................................166 Figura 130 - Francesco Grandi. Sepultura di San Lorenzo. Esboço para a Igreja de San Lorenzo Fuori le Mura, Accademia di San Lucca............................................167 Figura 131- Benedito Calixto de Jesus. São Lourenço. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov....................................................................................................168 Figura 132- Jules-Élie Delaunay. Santa Geneviève Acalmando os Parisienses, Panthéon, Paris..............................................................................................................169 Figura 133 – Comparação entre Benedito Calixto de Jesus. A Condenação de Santa Cecília, 1917. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov; Jules-Élie Delaunay. Santa Geneviève Acalmando os Parisienses, s/d. Panthéon, Paris...............................................................................................................................170 Figura 134 - Pierre Puvis de Chavannes. A Degolação de São João Batista, 1869c. The National Gallery of Art, Londres..........................................................................171

Figura 135 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Santa Cecília, 1909. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov..........................................................................172 Figura 136 - Oscar Pereira da Silva. Os Esponsais de São José, s/d. Igreja de Santa Cecilia. Foto: Karin Philippov………………………………………….......…....173 Figura 137 - Dante Gabriel Rossetti. Ecce Ancilla Domini, c.1849, Tate Gallery, Londres………………………………………………..............................174

SUMÁRIO

Introdução....................................................................................................................20 Capítulo 1 – História da Igreja de Santa Cecília......................................................25 1.1

– A inserção da Igreja de Santa Cecília no novo bairro de Santa Cecília.........32

1.2

– Conexões históricas, políticas e religiosas da Igreja em São Paulo...............37

Capítulo 2 – A presença de Dom Duarte Leopoldo e Silva como mecenas e colecionador de obras sacras e religiosas..................................................................40 2.1 – As relações encomiásticas e históricas entre Dom Duarte Leopoldo e Silva e Benedito Calixto de Jesus.........................................................................................50 Capítulo 3 – A decoração da Igreja de Santa Cecília: aspectos teológicos, históricos e simbólicos na “piedade visual”..............................................................60 3.1 – Benedito Calixto de Jesus e sua decoração na Igreja de Santa Cecília..............68 3.1.1 – A Compreensão da Nave da Igreja de Santa Cecília......................................69 3.1.2 – Os Doze Bispos, Pedro Correa e João de Souza no Transepto da Igreja........77 3.1.3 – O Presbitério através dos doze primeiros Papas Martirizados e o Ciclo de Santa Cecília................................................................................................................97 3.1.4 – O modelo de Santa Cecília e a problematização de sua iconografia: escolhas, transmutações e instauração de um novo paradigma imagético.................115 3.2 – Oscar Pereira da Silva e sua decoração na Igreja de Santa Cecília...................129 3.2.1 – Os dois paineis laterais de Oscar Pereira da Silva.........................................131 3.2.2 – A cúpula na execução de dois artistas: Benedito Calixto de Jesus e Oscar Pereira da Silva..........................................................................................................136 3.3 – Carlo De Servi e a Capela do Santíssimo.........................................................147 3.4 – Algumas Considerações Acerca dos Vitrais de Conrado Sorgenicht..............151 Capítulo 4 – Diálogos Europeus: Itália, França e Inglaterra..............................156 4.1 - Modelos italianos e franceses: cotejo a Benedito Calixto de Jesus..................159 4.2 – Modelos ingleses: Oscar Pereira da Silva e o Pré-Rafaelismo.........................173 Conclusões................................................................................................................176 Referências.............................................................................................................. 180 Catálogo...................................................................................................................193

20

INTRODUÇÃO1

O ‘passado’ não existe como tal. Ou melhor, existe somente como é encarnado e reencarnado em memórias, textos, objetos e em nossa atividade coletiva contínua de reconstrução. Tampouco é o passado que é encorpado em um objeto, uma qualidade fixa. (...) A significância histórica de um objeto pode ela própria ser reconstituída historicamente.2

A compreensão da arte religiosa em São Paulo na virada do século XIX para o XX permite suscitar uma enorme discussão acerca da importância do patrimônio artístico religioso das igrejas erigidas durante a Primeira República na cidade de São Paulo, uma vez que a quase absoluta inexistência de pesquisas acerca do tema da arte religiosa entre finais do século XIX e início do XX faz com que o tema aqui proposto seja de total relevância para a História da Arte. Aqui, em especial a pesquisa se refere à Igreja de Santa Cecília, localizada no Largo de Santa Cecília, em São Paulo, igreja esta construída sob o comando eclesiástico do bispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, a partir de 1894. Para se compreender a construção e decoração da referida igreja, torna-se necessário apropriar-se dos conceitos de piedade visual

3

e de cultura visual religiosa

4

definidos pelo

historiador norte-americano David Morgan (2005), que trata das diversas manifestações religiosas através da arte religiosa não somente católica. Por piedade visual

5

entende-se

lançar um olhar cultural e historicamente construído sobre o patrimônio artístico e arquitetônico, pois ver religiosamente uma obra religiosa dentro de um contexto religioso inserido em um espaço urbano requer, segundo o autor, estudar “as imagens, mas também as práticas e os hábitos que dependem das imagens, assim como as atitudes e pré-conceitos que informam a visão como ato cultural” 6. Como, portanto, se pode estudar e analisar as imagens religiosas dentro de um contexto histórico-cultural, uma vez que o olhar para a obra religiosa 1

Salvo quando sinalizado em contrário, todas as traduções de textos de fontes em línguas estrangeiras presentes nesta tese são. 2 “The “past” does not exist as such. Rather, it exists only as it is incarnated and reincarnated in memories, texts, objects, and our ongoing collective activity of reconstruction. Nor is the past that is embodied in an object a fixed quality. (…) the historical significance of an object may itself be reconstituted historically”. (DAVIS, 1997 apud MORGAN, 2005, p. 127). 3 Visual Piety. (Cf. MORGAN, op.cit.) 4 Religious Visual Culture. (Cf. MORGAN, op.cit.) 5 Idem. 6 “...of images, but also the practices and habits that rely on images as well as the attitudes and preconceptions that inform vision as a cultural act”. (Cf. MORGAN, op.cit.)

21

é condicionado tanto pelo contexto religioso interno à Igreja e externo oriundo da cidade que abriga tal Igreja? Morgan propõe que:

um olhar consiste em várias partes: um observador, nos observadores companheiros, no assunto de sua observação, no contexto ou localização do assunto e nas regras que governam o específico relacionamento entre observadores e assunto 7.

Percebe-se, então, uma abordagem fenomenológica acerca do objeto religioso inserido em um espaço coletivo, no qual o observador-fiel encontra-se dentro de um espaço urbano organizado e estruturado de maneira histórico-social, e que enquanto indivíduo interage com outros indivíduos na absorção da imagem, colocada como forma de regulação social, englobando ainda tanto o tempo no qual este indivíduo se insere, quanto o tempo da imagem observada; por exemplo, na Igreja de Santa Cecília, há representações realizadas nos primeiros anos do século XX de santos oriundos dos primórdios do Cristianismo, o que requer uma adaptação do fiel à imagem antiga e vice-versa, através de um diálogo historicizado e ajustado aos ditames da própria Igreja. Assim, o envolvimento do observador-fiel dentro do espaço religioso, ou seja, da Igreja pressupõe a apreensão e o entendimento do discurso promovido pela imagem ali presente e levando-se em consideração que a imagem integra a cultura visual religiosa

8

proposta por Morgan, ver uma imagem religiosa requer observar e interagir com a mesma seguindo padrões impostos não somente pela própria Igreja e seus ditames, como também pela sociedade, pela economia e pela História. Desse modo, a presença do fiel na Igreja se torna uma experiência na qual os poderes temporal e atemporal se chocam e se entrecruzam a fim de produzir um novo sentido ressignificado conforme cada indivíduo e cada sistema político-social. Ou seja, conforme Morgan, “as religiões e suas culturas visuais configuram relações sociais” 9. Porém, neste processo descrito acima cabe propor que haja um iconoclasmo primeiro que ocorre dentro das convicções do fiel e que igualmente, imposto pela Igreja instauradora de novos paradigmas na Primeira República, faz nascer um novo tipo de fiel adaptado às 7

“A gaze consists of several parts: a viewer, fellow viewers, the subject of their viewing, the context or setting of the subject, and the rules that govern the particular relationship between viewers and subject”. (Cf. MORGAN, op.cit., p. 3). 8 MORGAN, Op.cit. 9 “Religions and their visual cultures configure social relations”. (Cf. MORGAN, op.cit., p.9).

22

premissas da Igreja e do Estado republicano laico, posto que haja um processo abrupto de substituição de sistemas visuais 10, no qual o modelo antigo é substituído pelo novo, seguindo os preceitos da Igreja Romanizadora, que prega novos cultos, substituição de santos populares não reconhecidos pela Santa Sé, por santos cultuados a partir do Cristianismo primitivo, além da defesa do fim do Barroco como linguagem artística, arquitetônica, escultural e até mesmo, teológica. Assim, se até finais do século XIX, a cidade de São Paulo possuía Igrejas feitas em taipa e com arquitetura e decoração barrocas, com a chegada de Dom Duarte Leopoldo e Silva ao bispado de São Paulo, a Igreja se transforma por completo. Enquanto muitos templos são demolidos ou reformados, outros são construídos em tijolos, com arquitetura revivalista e recebem nova decoração, condizente aos preceitos Romanizadores, incluindo cultos a santos desconhecidos que entram em substituição a santos não reconhecidos pela Santa Sé, além de novos ritos e cultos que surgem a partir do Concílio Vaticano I. Dessa maneira, ocorre um iconoclasmo promovido pela própria Igreja. Quais os sentidos desse iconoclasmo dentro da cultura paulista e da Primeira República? Como lidar com a iconoclastia geradora de novos paradigmas religiosos e culturais? Como Dom Duarte Leopoldo e Silva utiliza a iconoclastia dentro de seu discurso Romanizador? Como interpretar e analisar a produção artística religiosa de Benedito Calixto de Jesus, de Oscar Pereira da Silva e de Carlo De Servi dentro desse universo iconoclástico e fundador de uma nova linguagem dentro da Igreja Romanizadora e da Primeira República? Estes são alguns dos questionamentos desenvolvidos dentro da pesquisa de doutorado. O primeiro capítulo do primeiro volume apresenta a História da Igreja de Santa Cecília e discute criticamente sua inserção dentro do espaço urbano e territorial, entendendo o entorno da edificação religiosa como espaço de conexões históricas, políticas e religiosas da Igreja Romanizadora. Aqui, pretende-se pensar a Igreja de Santa Cecília como um templo religioso político, no qual a imagem religiosa suscita ao mesmo tempo empatia 11 do fiel para com os santos representados e piedade visual, através de um discurso ao mesmo tempo histórico e político, que situa a Igreja como espaço de memória coletiva 12, no qual a religião se afirma dentro de uma sociedade republicana laica e coloca seus valores de fé calcada nos preceitos da Primeira República controlada pelos ricos cultivadores de café, em uma cidade

10

Conceito formulado pelo Historiador da Arte e Prof. Dr. Jens Michael Baumgarten. “Empathy” (Cf. MORGAN, 1998, p. 59). 12 “Collective memory”. (Cf. MORGAN, Op.cit., 1998, p. XI). 11

23

que vive não só o auge da presença do imigrante, como também defende seu passado glorioso, através da figura do bandeirante, conforme se verá mais adiante. Já o segundo capítulo versa acerca da presença do décimo segundo bispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, que além de chefe religioso de São Paulo, também atua no mecenato religioso, através da encomenda de obras religiosas para a Igreja de Santa Cecília. Aqui, a pesquisa analisa seu papel dentro da Igreja e sua relação com Benedito Calixto de Jesus, artista amigo de Dom Duarte e que lidera o programa iconográfico da referida Igreja. No terceiro capítulo, o leitor poderá encontrar um estudo mais específico sobre Benedito Calixto de Jesus e seu extenso programa iconográfico realizado a partir de uma profunda pesquisa histórica e arqueológica em torno da vida de Santa Cecília, aqui apresentada não como padroeira da música, mas como mártir cristã. Desse modo, partindo da escultura célebre de Stefano Maderno, presente à Igreja de Santa Cecilia in Trastevere, localizada em Roma, Calixto copia a escultura em óleo sobre tela, transmutando não apenas a figura da santa, mas transformando a réplica da santa maderniana em uma relíquia, uma vez que a Igreja de Santa Cecília não possui relíquias de Santa Cecília. Além disso, a Igreja de São Paulo ainda possui uma ampla decoração que inclui os doze primeiros papas martirizados, cujos restos mortais se encontravam na Catacumba de São Callisto, local original de inumação de Santa Cecília. Ainda na mesma Igreja, encontram-se os doze primeiros bispos de São Paulo e dois paineis curiosos representando dois episódios da vida do ex-escravizador de índios, Pedro Correa e mais oito paineis instalados na nave, contendo santos martirizados, dentre os quais, santos desconhecidos da população paulista. Assim, Calixto atua na instauração de novos paradigmas imagéticos que englobam a piedade visual da nova imagem religiosa na São Paulo da Primeira República. O terceiro capítulo se refere igualmente à Oscar Pereira da Silva, artista fluminense que atua em conjunto a Benedito Calixto de Jesus executando algumas das obras da Igreja e apesar de poucas, não são menores em importância e nem em qualidade. O artista executa dois paineis em pintura mural, localizados nas extremidades dos braços do transepto, representando a Assunção de Nossa Senhora, do lado esquerdo e Os Esponsais de São José, do lado oposto. Além disso, nas bordas da cúpula, o pintor fluminense executa os quatro Santos Evangelistas. A Igreja de Santa Cecília possui, ainda, uma única pintura do artista italiano Carlo De Servi, que faz o Cristo Santíssimo para o teto da Capela do Santíssimo e Conrado Sorgenicht

24

se encarrega dos vitrais da Igreja, feitos para integrar e harmonizar a decoração da Igreja, tarefa esta também atribuída ao decorador Gino Catani. O quarto e último capítulo trata dos diálogos europeus, sobretudo italianos, franceses e ingleses na produção de Benedito Calixto de Jesus e de Oscar Pereira da Silva, a fim de estabelecer conexões entre os artistas brasileiros e a produção europeia religiosa a eles contemporânea. O catálogo localizado após as referências bibliográficas traz as localizações precisas das imagens dentro da Igreja de Santa Cecília, bem como informações detalhadas acerca de cada uma das imagens estudadas nesta tese.

25

CAPÍTULO 1 – HISTÓRIA DA IGREJA DE SANTA CECÍLIA

A Igreja de Santa Cecília, tal como pode ser vista hoje, está em sua terceira versão. A primeira versão, segundo Clóvis de Athayde Jorge (2006, p. 67)

13

data de 1860 e foi

14

executada em madeira e “desprovido de arquitetura e solidez”. Continha simplesmente um “altar-mor, duas pequenas imagens dos padroeiros e dois pequenos corredores ao lado da capela-mor, que serviam de sacristia”. 15 Sabe-se, conforme a documentação existente 16, que sua edificação não se deu onde a atual Igreja está, mas “ereta no bairro do Arouche da Freguesia de Santa Ifigênia de cuja matriz é filial” 17. Além disso, um requerimento assinado por vinte e um moradores da Freguesia de Santa Ifigênia aponta a localização exata da primeira ermida, em “um terreno sito no largo além do tanque do Arouche entre a Rua América e a Estrada de Campinas” (...) “a fim de nele construírem o mencionado templo”. 18 Sabe-se igualmente que a imagem original de Santa Cecília

19

é oriunda da Igreja dos

Remédios e que é trazida em procissão a fim de ser instalada na nova ermida. Hoje, a imagem original não parece estar na atual Igreja de Santa Cecília. Talvez, tenha retornado à igreja de origem. Com o tempo, a frágil construção em madeira se deteriora e uma reconstrução tornase necessária. Assim, em 1882, uma segunda igreja é construída, talvez em taipa de pilão, seguindo o padrão construtivo de até então. Jorge20 aponta que Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho dá o aval para nova construção. Segundo o autor, quem faz o projeto da nova igreja é o engenheiro Luís Pucci. Entretanto, sabe-se que o referido engenheiro responsável pela construção da Santa Casa de Misericórdia, não faria uma igreja em taipa, posto que tenha feito a Santa Casa em tijolos. O que parece apropriado salientar é que tal igreja também foi demolida, para ceder lugar à atual. O motivo da demolição da segunda edificação parece se dever à questões arquitetônicas, urbanísticas, artísticas e, sobretudo, religiosas e políticas. Tal demolição parece estar atrelada principalmente à Romanização, movimento religioso que prega a volta às origens da Igreja Católica Apostólica Romana, conforme se verá mais adiante.

13

JORGE, 2006, p. 67. 2006, p. 67. 15 JORGE, op. cit., p. 67. 16 “Requerimento redigido a 13 de abril de 1869”. p. 67. 17 p. 67. 18 (Atas XLVI, 188) 27 de setembro de 1860 , p. 52. 19 p. 67. 20 p. 67. 14

26

Dessa maneira, se a primeira construção está atrelada à Freguesia de Santa Ifigênia, a segunda passa para a subscrição da Igreja da Consolação, a partir de 25 de abril de 1870

21

,

talvez devido ao desenvolvimento da cidade de São Paulo naquele momento. Segundo Assis Moura 22, A nova capela, posto que pequena, tinha bonito e elegante aspecto, quer interno, quer externo, sendo construída com todas as regras de arte. O altar-mor, todo de estuque fingindo mármore tinha um pequeno trono, sacrários e dois nichos com os padroeiros – São José e Santa Cecília – e que seria benta, em 1885, pelo cônego Eugênio Leite, pároco da Freguesia da Consolação.

Embora imagens referentes às duas primeiras versões da Igreja de Santa Cecília não tenham sido encontradas, pode-se propor que tal igreja tenha sido feita e decorada conforme os preceitos barrocos, devido à decoração do altar-mor possuir estuque em trompe-l’oeil de mármore. Imagina-se, então, uma igreja talvez em taipa, talvez em tijolos, porém com linhas arquitetônicas coloniais, tal como era a arquitetura religiosa de então. Quiçá a Igreja tivesse sido erigida mesclando taipa e tijolos. O que se sabe, de fato, é que a segunda igreja é demolida a partir do momento em que a paróquia é desmembrada da Freguesia da Consolação23, para que a terceira começasse a ser construída no novo local, no Largo de Santa Cecília. Jorge

24

revela, ainda, os trâmites para a autorização e aprovação da nova Igreja de

Santa Cecília, a partir de seu desmembramento paroquial. Porém, antes do decreto oficiado junto à Câmara, no qual os dois projetos foram apresentados e carimbados e assinados por J. E. Oliveira, funcionário público que acolhe e registra as plantas, muitos fatos ocorreram dentro da própria Igreja até a construção e decoração da atual Igreja de Santa Cecília. O autor ainda menciona a data da inauguração da pedra fundamental, que se dá em 19 de março de 1897.

21

p. 67. ASSIS MOURA, op.cit, p. 68. 23 Op.cit, p.68 24 JORGE, op.cit. 22

27

Figura 1 - Plantas baixas e de fachada da Igreja de Santa Cecília. AHSP - Arquivo Histórico da Cidade de São Paulo - SMC/PMSP Foto: Karin Philippov

A escolha das plantas definitivas se deveu, muito provavelmente, a questões financeiras, uma vez que a opção escolhida é bem mais simples, porém, não menos bela que a primeira. Jorge

25

aponta que o ainda Padre Duarte Leopoldo e Silva inicia uma grande

campanha de donativos entre os féis e moradores do bairro para a construção da nova igreja. Aqui, propõe-se igualmente a participação de cafeicultores abastados

26

vizinhos que

contribuem amplamente para a construção e decoração do novo templo, uma vez que estes 25 26

p.69. MORAES, 2013.

28

participam ativamente da reconstrução da cidade de São Paulo, através da substituição da cidade arcaica e de arquitetura colonial feita em taipa pela nova cidade europeia, de tijolos. Aliás, o capital necessário à construção e decoração da Igreja de Santa Cecília vem de uma conta bancária aberta pela comunidade paroquial,

27

na qual a comunidade contribui através

de doações e de capital obtido através de festas e rifas, além de doações vultosas provenientes dos cafeicultores. Outro fator que faz com que Igreja de Santa Cecília seja inovadora concerne à questão da luz elétrica

28

, o que muda completamente sua característica de Igreja, trazendo arrojo e

conforto dentro da nova cidade de São Paulo que é construída paulatinamente. No mês de agosto de 1899, a empresa The São Paulo Tramway Light and Power Company Limited passa a fornecer luz elétrica para a região central da cidade, incluindo o novo bairro de Santa Cecília, permitindo acesso não só a iluminação, quanto ao bonde elétrico. Com isso, desde o início, a nova Igreja de Santa Cecília recebe energia elétrica feita através de “fios de pano”, ou seja, fios de cobre envoltos em tiras de tecidos, conforme se pode observar na imagem a seguir, que traz a nave central da Igreja, em uma fotografia de 1929 29.

Figura 2 – Nave central da Igreja de Santa Cecília

27

DANTAS, 1974, p. 21. p. 91. 29 SILVA, 1929, s/p. 28

29

Voltando alguns anos no tempo, para o ano de 1894, o bispo de São Paulo, Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti

30

chama o ainda jovem Padre Duarte

Leopoldo e Silva para lhe mostrar a planta do que seria a futura Igreja de Santa Cecília, agora elevada à paróquia por Dom Arcoverde

31

, um vasto templo artístico e de fé a ser erigido, na

crescente cidade de São Paulo e Assis32 não revela qual das duas versões é mostrada ao Padre Duarte. A escolha do então bispo se deveu a vasta cultura que o jovem padre possuía e demonstrava em seus escritos acerca da Igreja e da Bíblia. Ao ter sua opinião perguntada, Duarte demonstra espanto por não ser arquiteto e nem entender sobre construções; porém, responde: “É simplesmente formoso, maravilhoso e magnífico no seu admirável conjunto, Excelência! É um encanto!”

33

. Ao ouvir estas palavras de elogio, Dom Arcoverde

imediatamente determina: “Pois bem, meu caro padre, êste (sic) é o projeto da matriz de uma paróquia que vou criar para você. Será o fundador e o primeiro vigário de Santa Cecília” 34. Sendo assim, o jovem padre assume a construção da nova paróquia, ainda no mesmo ano. No dia seguinte após assumir a referida paróquia, o ainda Padre Duarte35 visita o local da construção da futura edificação e se depara com uma cena de profunda desolação, pois:

Por aquelle tempo, logo após o Largo do Arouche, a cidade de São Paulo entrava na zona do Rocio. Caminhos poeirentos e gramados. Velhos muros de taipas e cêrcas, dividindo numerosos terrenos baldios. Poucas construcções novas, um ou outro casarão antigo e casinholas arrumadas que se iam espaçando mais e mais, pela velha estrada de Sorocaba (sic) que começava na hoje Rua das Palmeiras. Emfim, a opulenta Santa Cecília, em 1904, pouco mais era que uma tapéra mal habitada.

Percebe-se pelas palavras acima, então, o quão desprovido de infraestrutura era a região e o quanto a nova Igreja suscita melhorias no entorno, através de um projeto inovador para a época, em um projeto de bairro que é criado aos poucos e que se origina do nada, conforme se compreende a partir do autor. Tal fato é corroborado pela coluna Chronica Religiosa 30

ASSIS, 1967, p. 32. “Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti”. Disponível em: http://www.arquisp.org.br/historia/dos-bispos-e-arcebispos/bispos-diocesanos/dom-joaquim-arcoverde-dealbuquerque-cavalcanti.> Acesso em: 10 ago. 2016. 32 ASSIS, op.cit., p. 32. 33 p.32. 34 p.32. 35 RODRIGUES, 1929, p. 52-53. 31

<

30

publicada pelo Jornal Correio Paulistano36, na qual se lê: “Via que muito tinha a fazer e, pondo mãos a obra tratou de transformar a pequena capella de São José e Santa Cecília na magestosa (sic) matriz que é hoje um embellezamento de nossa capital”. Assim, embora haja divergências no que concerne a data do encontro entre Dom Arcoverde e o Padre Duarte, - ou seja, segundo o livro A Igreja nos Quatro Séculos de São Paulo

37

e o autor Arruda Dantas

novembro de 1895

39

38

-, a Paróquia de Santa Cecília é criada em vinte e um de

tendo seu projeto de arquitetura românica40 e planta em cruz latina,

realizados pelo grande arquiteto florentino, Giulio Micheli 41, que “cuidou com um sentido de coerência, também toda a ornamentação, compreendendo nisso, os móveis, os altares, as pinturas” 42 e em relação às pinturas, refere-se ao decorador Gino Catani 43, pintor decorador responsável pela ornamentação das paredes da Igreja de Santa Cecília.

Figura 3 - Vista da nave central da Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov

36

Chronica Religiosa. In: Correio Paulistano. Terça-feira, 30 de outubro de 1912, p. 5. Disponível em: < http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/>. Acesso em: 10 ago. 2016. 37 A Igreja nos Quatro Séculos de São Paulo. 1955, p. 433. 38 DANTAS, op.cit., 1974, p. 16. 39 Segundo a coluna Chronica Religiosa do Jornal Correio Paulistano, a Igreja de Santa Cecília é criada por decreto em 24/03/1895. Disponível em: < http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/ > . Acesso em: 10 ago. 2016. 40 O artigo se refere à planta da Igreja de Santa Cecília como românica. 41 VANZO, 2010, p. 61. 42 SALMONI, Anita & DEBENEDETTI, Emma. 2007, p.107. 43 Mugnaini. Disponível em:< http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa24213/mugnaini. > Acesso em: 01 ago. 2016.

31

De qualquer maneira, o jovem padre recebe a enorme incumbência de levar as obras adiante e contratar artistas para a decoração da igreja fazendo da mesma, monumento de arte e fé, na Primeira República. A necessidade de se construir a terceira versão da mesma se refere ao esforço de abrigar mais féis dentro do templo localizado em um bairro de população crescente. Além disso, a construção da terceira versão da igreja serve como afirmação do poder eclesiástico representado pela figura de Dom Duarte Leopoldo e Silva, que por sua vez, atua não apenas como digno representante do Papa, mas igualmente como executor dos ditames da Igreja Católica em tempos de Romanização, ou seja, em um momento de reforma dos cultos, práticas religiosas, crenças e de controle rígido da população católica paulistana.

Figura 4 - Postal da Paróquia de Santa Cecília, em 1913. < https://sampahistorica.wordpress.com/2014/12/12/igreja-de-santa-cecilia/ >. Acesso em 20 jul. 2016.

A construção da Igreja de Santa Cecília leva anos para ser concluída e decorada, seguindo os preceitos construtivos da época, preceitos estes voltados para a Romanização, pois a igreja deve ser lugar de culto e de maravilhamento do fiel, dentro de uma sociedade fortemente comandada pela elite cafeeira. Aqui, pode-se propor que a Romanização tem por objetivo principal arrebanhar féis perdidos para o Protestantismo crescente com a imigração alemã, além de controlar a população da cidade e “consertar” a devoção dos féis, dirigindo o

32

foco de adoração para os santos reconhecidos pela Igreja Católica Apostólica Romana. Assim, a nova paróquia deveria ser projetada para ecoar os ditames romanizadores da Santa Sé, empregando o culto correto dentro de um templo com planta e decoração adequadas aos preceitos papais.

1.1

– A inserção da Igreja de Santa Cecília no novo bairro de Santa Cecília

Figura 5 - Guilherme Gaensly (1843-1928). Foto Panorâmica do bairro de Santa Cecília, 1901-1910. Foto número 64. A seta azul mostra a torre da Igreja de Santa Cecília. Disponível em: Acesso em: 20 jul. 2016.

O novo bairro de Santa Cecília surge a partir da Chácara das Palmeiras de propriedade da Sra. Maria Angélica de Sousa Queirós Barros44, cujo loteamento em arruamentos ocorre dentro de um processo de expansão a oeste do antigo centro de São Paulo. Com a criação do novo bairro a partir de 1880, Jorge

45

revela o perímetro formado pelo novo bairro que se

forma, compreendido pelas Ruas das Palmeiras, Conselheiro Brotero, Martinho Prado e Itatiaia.

44 45

JORGE, op.cit, p. 61. p. 60.

33

Figura 6 - COCOCI, Mariano & COSTA, Luiz Fructuoso F. Planta Geral da cidade de São Paulo em 1905. [S.l.: s.n.] 1 mapa, color. Escala 1: 20000. Disponível em: < http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1900.php.> Acesso em: 11 jul. 2016.

Figura 7 - Área Urbanizada 1882-1914. Mapa da Urbanização de São Paulo. [S.l.: s.n.] I mapa, color. Disponível em: < http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/mapas/urb-1890-1900.jpg.>. Acesso em: 11 jul. 2016.

Assim, observando os dois mapas acima colocados, percebe-se o quanto o novo bairro de Santa Cecília surge e se desenvolve no período entre os anos de 1882 e 1914, arco temporal que inclui a construção total e a decoração parcial da atual Igreja de Santa Cecília. A cidade de São Paulo que começa a partir do núcleo central em torno da região da Sé, passa por

34

uma ampliação, na qual novos bairros vão surgindo em todas as direções, embora o crescimento seja discreto, comparado com os dias atuais. A velha cidade de taipa vai sendo demolida, em prol de uma reconstrução que atenda aos anseios dos abastados cafeicultores, dos políticos, da população local e da Igreja. Partindo, então de uma nova Igreja de Santa Cecília, pode-se pensá-la como norteadora do espaço urbano, uma vez que sua altura ultrapassa e muito as novas construções residenciais que são feitas em seu entorno. Desse modo, deve-se pensar a função da Igreja como norteadora e organizadora do espaço urbano. Nesse sentido, a Igreja de Santa Cecília sendo construída exatamente no ponto inicial do antigo caminho que levava a Campinas, cidade localizada no interior paulista, funciona como ponto de saída e de chegada de viajantes, além de servir de local que abriga os féis e os ensina a viver dentro da nova configuração citadina, que se forma na virada do século XIX para o subsequente.

Figura 8 – Foto da Rua Ana Cintra, 1910, ao meio o cruzamento com a Rua de São João (atual 46

Avenida), ao fundo a Igreja de Santa Cecília . Foto de autoria desconhecida.

No abrigar dos féis de todas as classes sociais, a Igreja de Santa Cecília ainda desempenha um papel fulcral nas vidas de seus habitantes ao encaminhá-los para uma nova Igreja Romanizadora, reformada segundo os preceitos da Santa Sé. O bairro de Santa Cecília nos dias de hoje ainda abriga várias construções dos primeiros anos do século XX e que resistem em meio às incorporações e edifícios que foram e estão sendo construídos ao longo 46

Fotografia gentilmente cedida pelo Sr. Gilberto Calixto Rios, fotógrafo e bisneto do artista Benedito Calixto de Jesus.

35

do século XX e XXI. Não obstante, ainda é possível encontrar alguns vestígios das famílias que viveram no bairro quando a atual Igreja de Santa Cecília foi erigida e decorada. Dessa maneira, é possível saber quem são as famílias que possivelmente frequentavam a Igreja e quiçá, contribuíam financeiramente para as obras da mesma, incluindo a sua rica decoração. Sabe-se que além da fundadora do bairro Sra. Maria Angélica 47 e de Dona Veridiana da Silva Prado

48

, grande contribuidora e financiadora da construção da Igreja, diversos imigrantes

italianos estavam entre os habitantes locais, como por exemplo, o ator, comediante e cineasta Amácio Mazzaropi

49

, que nasceu em 1912 e viveu seus primeiros anos de vida na Rua

Vitorino Carmilo, nº 61. Entretanto, além do renomado ator, muitos outros imigrantes atuando no comércio por lá viveram, como um certo Ettore Momo

50

, que construiu seu próprio

palacete e que parecia viver do comércio, no mesmo logradouro do ator supracitado.

Figura 9 - Casa de Amácio Mazzaropi. . Acesso em 20 jul. 2016. Figura 10 - Palacete Momo. . Acesso em 20 jul. 2016.

47

JORGE, op. cit, p.61. “Particularidades Históricas e Artísticas da Matriz de Santa Cecília”. In: Gazeta-Magazine. 11 de maio de 1941, p. 8. Jornal consultado no Arquivo da Fundação Benedito Calixto, em Santos-SP, em 18 de fevereiro de 2016. 49 Aqui nasceu Mazzaropi. Disponível em: Acesso em: 20 jul. 2016. 50 Palacete Momo. Disponível em: Acesso em: 20 jul. 2016. 48

36

Figura 11 - Palacete da Sra. Maria Angélica de Sousa Queirós Barros, construído em 1890. Foto de autoria desconhecida.

Assim, em meio a tantos imóveis ainda existentes, pode-se pensar o bairro de Santa Cecília como agregador tanto de famílias abastadas, como a da Sra. Maria Angélica, cujo palacete hoje demolido, localizava-se na esquina da atual Avenida Angélica com a Alameda Barros, antiga estrada de Campinas, como as de classe média, famílias essas que frequentavam a novíssima Igreja de Santa Cecília. Propõe-se, assim, a presença das famílias cafeicultoras abastadas corroborando na propagação da fé católica Romanizada e participando ativamente da política na Primeira República. A participação dessas famílias atreladas aos comandantes da Igreja Romanizada, através da figura de Dom Duarte Leopoldo e Silva, parece estar diretamente vinculada à decoração política da Igreja de Santa Cecília. Entretanto, a documentação existente no Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva não apresenta efetivamente os nomes dos patrocinadores da construção e decoração da Igreja, apesar de Dona Veridiana da Silva Prado constar como financiadora da construção da Igreja 51

. O que se pode somente encontrar é constituído somente de documentos solicitantes de

batizados, missas e casamentos. Talvez, a única menção mais efetiva diga respeito a Sra.

51

Gazeta-Magazine. Op.cit.

37

Olívia Guedes Penteado52, que teria patrocinado a construção da pia batismal em mármore da Igreja de Santa Cecília, muito embora não conste o nome do escultor e nem dados sobre onde teria sido feita.

Figura 12 - Pia Batismal da Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov

1.2

- Conexões históricas, políticas e religiosas da Igreja em São Paulo

Sabe-se que São Paulo é neste momento uma cidade pequena, um arrabalde provinciano sem vida cultural estabelecida, salvo alguns poucos endereços de entretenimento vistos com maus olhos pela população e ainda mais pela Igreja. Não há vida noturna, a luz elétrica chega devagar iluminando as ruas centrais primeiramente, o que inclui a Igreja de Santa Cecília. O transporte público é feito em lombo de animais e charretes, as ruas são de terra e estreitas em sua maioria. As casas e igrejas são coloniais. Esta era a São Paulo até o final do século XIX, conforme Júlio Lucchesi Moraes53. Na virada do século XIX para o XX a Igreja de São Paulo passa por profundas reformulações em seus paradigmas. Aqui, elencam-se questões políticas, históricas, econômicas, religiosas e artísticas, por exemplo. Estando nos primeiros anos da conhecida Primeira República, a cidade de São Paulo passa por uma profunda alteração política,

52

Livro de Tombo da Igreja de Santa Cecília. Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva (AMDDLS). 53 MORAES, op.cit., 2013.

38

patrocinada em larga escala pela economia cafeeira,

54

que articula a circulação de ideias, de

capitais geradores e propagadores da cultura pelo país e pela cidade de São Paulo, sobretudo. A partir dessa circulação de ideias, a cidade de São Paulo vai crescendo e sendo recriada e remoldada segundo os padrões de gosto dos barões do café, que aqui vivem. Padrões estes calcados na linguagem arquitetônica europeia, sobretudo referente ao que se chama de ecletismo, ou seja, uma linguagem pautada pelo revivalismo de estilos arquitetônicos históricos, como por exemplo, o neogótico, o neorromânico e o neobizantino, que podiam vir misturados em uma única edificação. Assim, os estilos historicistas em voga na Europa chegam ao Brasil e se instalam nas mais variadas construções, enquanto o passado caipira55 e colonial das construções de taipa vai sendo apagado paulatinamente. Ao mesmo tempo, a Igreja também passa por uma profunda reformulação em sua estrutura religiosa, através de seu processo de Romanização, i.e., movimento que visa corrigir o culto católico e a devoção de seus féis em um momento no qual o Estado brasileiro se torna laico, através da Constituição de 1891. A partir da Romanização, a Igreja procura se afirmar regulando o culto, com normas precisas e adequadas à Santa Sé, combatendo o avanço do Protestantismo, do Espiritismo e do Ateísmo crescentes em São Paulo, devido à forte imigração europeia e a laicização do Estado. Assim, o culto devocional aos santos passa a ser determinado pela Igreja e santos populares deixam de ser aceitos, ao mesmo tempo em que novos santos são colocados no lugar. Festas populares são rejeitadas em prol de festas oficiais, pois a intenção da Igreja é regular e controlar o fiel pertencente à nova cidade criada na Primeira República. Com intuitos claramente políticos e estando independente, porém, ao lado do Estado, a Igreja procura assumir um viés determinante na vida das pessoas, sobretudo das mulheres, uma vez que elas são o lastro católico das famílias, por disporem de mais tempo para frequentarem as igrejas, rezarem e educarem seus filhos, conforme os ditames da Igreja Católica e da Constituição laica. Aqui, não se propõe a exclusão da figura masculina como controladora da educação dos filhos, mas por trabalharem fora para prover o sustento de seus lares, a regulação dos padrões educacionais e religiosos prepondera nas mãos maternas. Aliás, a questão do feminino na Igreja de Santa Cecília se faz presente na decoração, conforme se verá mais adiante. A partir do momento em que a cidade passa a ser demolida, para apagar o passado caipira e colonial, a nova urbe começa a se instaurar com muitas obras laicas e religiosas que 54 55

FAUSTO, 2006, p. 273. MARTINS, 2011, p.72-73.

39

são realizadas ao mesmo tempo, seguindo linguagens importadas diretamente da Europa. Enfim, segundo José de Souza Martins

56

, “a expansão do centro da cidade tinha um amplo

significado social e político, pois representava o início da revolução urbana em São Paulo, a efetiva ruptura com a São Paulo colonial e suas estreitezas”. Tal revolução urbana se torna evidente na grande quantidade de edifícios que irrompem na paisagem paulista graças ao capital gerado pelo café e sua elite, trazendo novos padrões arquitetônicos e urbanísticos que se impõem na paisagem como forma de recriação da cidade de São Paulo e em meio a esse conjunto de reformas, surgem as novas Igrejas paulistas, edificadas por ordem de Dom Duarte Leopoldo e Silva, bispo e posteriormente, Primeiro Arcebispo do Brasil. Ao mesmo tempo em que a cidade de São Paulo cresce e se reinventa segundo os padrões arquitetônicos, artísticos e religiosos europeus, padrões esses trazidos e defendidos pelos barões do café, a imigração italiana, sobretudo, avança para a cidade. O mercado industrial começa a ser desenhado na ainda pequena urbe e movimentos sindicais iniciam em busca de melhores salários e condições de trabalho. Assim, nos anos de 1906, 1907 e 1917

57

ocorrem três grandes greves de operários duramente reprimidas pela força policial. A primeira greve iniciada pelos ferroviários da Companhia Paulista, em Jundiaí se espalha para a capital. Já a segunda greve ocorre pela mudança da jornada de trabalho e a terceira, parte dos trabalhadores do Cotonifício Crespi e atinge outros setores, como o das bebidas e dos móveis 58

. Assim, pode-se compreender a situação da cidade de São Paulo nesse momento em que a

recém-construída Igreja de Santa Cecília está sendo decorada, momento de afirmação do baronato cafeeiro que rege a política oligárquica e a cultura, além de influir na própria Igreja, através das relações de poder que um estabelece com o outro. Igualmente, deve-se destacar o papel da Primeira Guerra Mundial59 ocorrida entre os anos de 1914 e 1918, anos em que o Brasil enfrenta uma crise cafeeira, devido à queda nas exportações, fator que corrobora as dificuldades financeiras da Igreja em se manter e continuar suas obras de construção reforma e decoração.

56

MARTINS, op.cit, p. 10. ROMANO, Cristina de Toledo. Santa Cecília: uma paróquia na confluência dos interesses da elite paulista e da Igreja Católica entre 1895 e 1920. Tese (Doutorado em História Social). 2007. 261 p. Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. SP: Universidade de São Paulo, p. 33. 58 HALL apud PORTA, 2004, p. 271-272. 59 SOUZA, 2004, p. 414. 57

40

CAPÍTULO 2 – A PRESENÇA DE DOM DUARTE LEOPOLDO E SILVA COMO MECENAS E COLECIONADOR DE OBRAS SACRAS E RELIGIOSAS

Dom Duarte Leopoldo e Silva (1867-1938) desempenha um papel fundamental não somente como padre, bispo de São Paulo e arcebispo do Brasil, mas também como mecenas para as encomendas de obras religiosas nas Igrejas que construiu e ajudou a construir na São Paulo da virada do século XX. Como colecionador de obras sacras e religiosas oriundas das inúmeras Igrejas barrocas por ele demolidas, em prol da construção de novas, Dom Duarte decide organizar o “Museu Histórico da Mitra” 60 que seria o principal Museu de Arte Sacra do país, museu que abre suas portas no Mosteiro da Luz, a partir de 1970

61

e cuja coleção começa a se formar a partir de

1907, através do colecionismo de obras sacras e religiosas extraídas de igrejas e capelas sistematicamente demolidas, em prol da construção de novas

62

. Assim, Altino Arantes

63

define seu colecionismo ao propor que Dom Duarte o faz “recolhendo para os seus ordenados mostruários as alfaias, as pratarias, os móveis, as joias e toda uma preciosa e multiforme infinidade de relíquias e objetos, a que se prendem fatos e reminiscências do nosso Passado” e a coleção por ele amealhada primeiramente, fica provavelmente armazenada em um prédio anexo ao antigo Palácio São Luís da Cúria Metropolitana de São Paulo

64

, localizado na região da Praça da Sé, na antiga Rua Santa Thereza e demolido em

1972 65, para a construção da linha norte sul do Metrô de São Paulo.

60

ARANTES, 1929, p. 28. Exemplar gentilmente obtido junto ao Prof. Lincoln Etchebehere do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo - IHGSP, a quem agradeço. Altino Arantes foi o décimo governador do Estado de São Paulo, entre os anos de 1916 e 1920. 61 COUTINHO, 2014. 62 Museu de Arte Sacra de São Paulo. Disponível em: < http://www.museuartesacra.org.br/pt/museu/museuda-arte-sacra. > Acesso em: 10 ago. 2016. 63 ARANTES, op.cit., p.28. 64 DOM Duarte Leopoldo e Silva. Disponível em: Acesso em: 07 ago. 2016. 65 NASCIMENTO, Douglas. Cúria Metropolitana de São Paulo. Disponível em: < http://www.saopauloantiga.com.br/predio-da-curia/. > Acesso em: 07 ago. 2016.

41

Figura 13 - Palácio da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva. Data e autoria ignoradas. Acesso em: 07 ago. 2016.

Construído em 1920, pelo arquiteto Abelardo Soares Caiuby 66, por quinhentos contos de réis, o imóvel de dois andares visa expandir a já existente Cúria, localizada nas proximidades. Entretanto, conforme o site da Arquidiocese de São Paulo

67

, o palácio teria

sido adquirido em 1910, para abrigar os arcebispos que residiam no Solar da Marquesa e que a demolição do Palácio se deveu à sua obsolescência. De fato, o que se pode propor é que a coleção de obras sacras e religiosas ganha corpo com as crescentes e paulatinas demolições das igrejas antigas de São Paulo e de seu entorno.

66

NASCIMENTO. Op.cit. Acesso em: 07 ago. 2016. ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. História dos Bispos e Arcebispos de São Paulo. Bispos Diocesanos – Dom Duarte Leopoldo e Silva. Disponível em: Acesso em: 10 ago. 2016. 67

42

Figura 14 – Vista da escada em mármore (á esq.) e vitral sobre a Primeira Missa no Brasil (à dir.). Acesso em: 08 ago. 2016.

Seu colecionismo, assim, parece estar mais direcionado à salvaguarda do patrimônio religioso antigo de São Paulo, do que a alguma vertente específica, tal como, por exemplo, a veneração de algum santo, como Santa Cecília. Já, como encomendante de obras, Dom Duarte Leopoldo e Silva é retratado pelo artista Henri Bérnard

68

, em 1913, por exemplo, fato que

enaltece sua figura enquanto bispo.

Figura 15 - Henri Bérnard. Retrato de Dom Duarte Leopoldo e Silva, 1913, óleo sobre tela, medidas não encontradas, Museu de Arte Sacra de São Paulo. 68

Artista sobre o qual pouquíssimo se sabe, mas que possui pinturas religiosas na Igreja de Santa Ifigênia, em São Paulo, assim como Benedito Calixto de Jesus.

43

Assim, compreender o mecenato religioso em São Paulo na virada do século XX requer percorrer um longo e quase totalmente inexplorado caminho pelo mecenato e colecionismo religioso em São Paulo na virada do século XX. A completa ausência de dados, documentos, fontes e estudos que mostrem o mecenatismo religioso abre fronteiras dentro da Historiografia Artística religiosa, uma vez que a figura de Dom Duarte torna-se fulcral para o debate acerca do mecenato e do colecionismo na São Paulo da Primeira República. Sabe-se que a cidade de São Paulo em suas primeiras décadas republicanas não possui museus e nem galerias de arte69. Quando os artistas expunham suas obras, faziam-nos em lojas comuns, tal como Anita Malfatti fez em 1914, na Casa Mappin Stores

70

ou em seus

ateliers de pintura, como José Ferraz de Almeida Júnior 71. Desse modo, pensar no mecenato religioso em São Paulo requer pensar que as obras são encomendadas para serem colocadas diretamente nas Igrejas, que são, essencialmente, locais de culto e não museus ou galerias de arte e que os féis frequentadores não consideram as obras ali instaladas como obras de arte, mas sim, como imagens religiosas a serem cultuadas, veneradas e que servem como instrumentos de reza e de piedade visual, para os quais dirigem suas empatias, pensamentos, atenções, devoções e orações. Assim, o mecenato religioso visa não somente a decoração de suas paredes e tetos, como também estabelecer um discurso ou uma narrativa, através da imagem religiosa e este é o ponto primordial a ser discutido. Ou seja, a Igreja se torna espaço político-histórico, no qual doutrina-se o fiel direcionando-o aos anseios não só da própria Igreja, como também da Primeira República. O estudo do mecenato religioso constitui-se em um “topos” específico no qual há muito a ser feito não somente em relação aos artistas aqui estudados, como também a outros, inclusive do Modernismo brasileiro, pois mesmo com a laicização do Estado a partir da Constituição de 1891, as encomendas continuam a acontecer tanto na esfera pública, quanto na privada. Assim, pode-se pensar em artistas como Benedito Calixto de Jesus e Oscar Pereira da Silva, aqui amplamente estudados e analisados em suas encomendas para a Igreja de Santa Cecília, como também em outros artistas, como Anita Malfatti

72

e Fúlvio Pennacchi

73

,

atuantes dentro e fora do Modernismo, produzindo obras para serem vendidas e colocadas dentro de Igrejas, como no caso do último. Assim, qual o lugar da produção religiosa 69

O Museu Paulista existe, mas não tema função de um museu de arte. Somente a Pinacoteca possui uma sala que recebe a partir de 1905, a doação de vinte e seis telas oriundas do Museu Paulista, apesar da própria Pinacoteca ainda não ser um museu de arte, mas uma sala dentro do Liceu de artes e Ofícios. 70 BATISTA, 2006, p. 85. 71 LOURENÇO & NASCIMENTO, 2007. 72 BATISTA, op.cit.. 73 FREITAS, 2013; KAJIYA, 2013.

44

encomiástica dentro do século XX? Como pensar criticamente produções como estas, guardadas as diferenças estilísticas? Como pensar a piedade visual em cada um dos artistas, considerando as encomendas recebidas e seus encomendantes? Evidente que o mercado de obras religiosas é fortalecido mesmo ante a laicização do Estado. Como intelectual religioso que é, Dom Duarte Leopoldo e Silva sempre atua unindo suas preocupações eclesiásticas reformísticas às político-históricas, ao mesmo tempo em que governa seu bispado. Pois, ao arrebanhar seus féis, consegue fazer com que os mesmos conjuguem dos ideais da Igreja Romanizadora e da própria Primeira República. Aqui, reforçam-se novamente as transformações profundas nos primeiros anos da Primeira República, as quais englobam fatores políticos, econômicos, sociais, arquitetônicos, urbanísticos, históricos, artísticos e religiosos partindo da questão de que São Paulo era uma cidade pequena, um arrabalde provinciano sem vida cultural estabelecida, salvo alguns poucos endereços de entretenimento vistos com maus olhos pela população. Não havia vida noturna, a luz elétrica chega devagar iluminando as ruas centrais primeiramente. O transporte público era feito em lombo de animais, havia charretes, as ruas eram de terra e estreitas em sua maioria. As casas e igrejas eram coloniais. Esta era a São Paulo até o final do século XIX, conforme Júlio Lucchesi Moraes 74 aponta. A partir do momento em que a cidade passa a ser demolida, para apagar o passado caipira e colonial, a nova urbe começa a se instaurar com muitas obras laicas e religiosas que são realizadas ao mesmo tempo, seguindo linguagens importadas diretamente da Europa. Enfim, segundo José de Souza Martins75, “a expansão do centro da cidade tinha um amplo significado social e político, pois representava o início da revolução urbana em São Paulo, a efetiva ruptura com a São Paulo colonial e suas estreitezas”. Tal revolução urbana se torna evidente na grande quantidade de edifícios que irrompem na paisagem paulista, graças ao capital gerado pelo café e sua elite, trazendo novos padrões arquitetônicos e urbanísticos que se impõem na paisagem como forma de recriação da cidade de São Paulo e em meio a esse conjunto de reformas, surgem as novas Igrejas paulistas, edificadas por ordem de Dom Duarte Leopoldo e Silva, bispo e posteriormente, Primeiro Arcebispo do Brasil. Ou seja, Dom Duarte é o responsável por promover uma autêntica revolução eclesiástica através da reforma de velhos templos, demolição de antigos e reconstrução ou construção de novas Igrejas, perfazendo ao todo quarenta e quatro novas paróquias que irrompem no horizonte paulista 76.

74

MORAES, op.cit., 2013. MARTINS, op.cit, p. 10. 76 DANTAS, op.cit., p. 40. 75

45

Por revolução eclesiástica, propõe-se o papel de Dom Duarte na implantação da Romanização em São Paulo, movimento que visa regular e transformar o culto católico unificando-o aos anseios de Roma, ou seja, Dom Duarte atua como regulador e mantenedor de um sistema religioso atrelado ainda, à Primeira República e à elite cafeeira. Há que se mencionar igualmente a necessidade moralizante e educadora do projeto de Dom Duarte em São Paulo, pois nos escritos do bispo encontram-se relatos em defesa da Pátria77, da família78, dos bons costumes e da educação, além de um desejo enorme em fundar uma nova escola artística79 em São Paulo, como no caso da Catedral da Sé, por exemplo. Este é Dom Duarte Leopoldo e Silva, homem de seu tempo que atua firmemente na manutenção da Igreja Católica em tempos de modernidade e de laicização dos costumes. Segundo Monsenhor Victor Rodrigues de Assis 80,

Dom Duarte compendiava, em si, a audácia, o brilho e o valor da gloriosa estirpe bandeirante, a quem o Brasil muito deve. Ninguém, em sã consciência, pode negar, dentro da verdade histórica, que os destemidos

e

patriotas

sertanistas

das

bandeiras

foram

os

desbravadores dos nossos sertões. Os bandeirantes, nas suas marchas e fundações de cidade, ao lado de suas justas ambições, a todos levavam a religião, o civismo, o comércio e as indústrias. (...) Ao lado daquele seu estilo invejável, estava sua vasta cultura geral e profundo conhecimento da Teologia, Filosofia, Psicologia, História, Exegese, etc. Por esta razão é que seus trabalhos literários são ostensores do seu valor.

O que se vê nas palavras de Assis é que Dom Duarte é definido como oriundo de uma estirpe bandeirante, ou seja, pertencente à mesma categoria dos cafeicultores financiadores da construção e decoração das novas Igrejas paulistas, ou seja, os verdadeiros cidadãos que comandam o poder em São Paulo, além, de integrar o conjunto de bandeirantes fundadores de São Paulo. Com isso, não se quer dizer que o mecenato seja laico exclusivamente, mas que 77

LEOPOLDO, 1923. SILVA, 1921; SILVA, 1957; SILVA, 1908, Exemplares gentilmente obtidos junto ao Prof. Lincoln Etchebehere do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP. 79 DANTAS, op.cit., 1974. 80 ASSIS, op.cit., p. 18 -19. 78

46

muito do capital empregado na construção e consequente decoração tenha vindo das mãos da elite cafeeira, atrelada à terra e ao glorioso passado bandeirante. Assim, o mito de origem bandeirante se cria como justificativa para a colonização e reurbanização da cidade de São Paulo e a decoração da Igreja de Santa Cecília possui este viés, conforme se verá no capítulo 3. Em um dos escritos de Dom Duarte, chamado Santíssimo Sacramento da Eucaristia 81, o bispo afirma seu sentido de devoção aliado à ciência, ao propor:

Para conseguirmos a graça da devoção, havemos de pôr diante de nossos olhos, de um lado, os benefícios de Deus, de outro, as nossas próprias misérias. A meditação – explica Santo Agostinho – produz a ciência; da ciência nasce a compuncção; da compuncção a devoção, que torna a oração perfeita. A compuncção é a dor interna do coração, à vista dos próprios pecados. A devoção é um sentimento, de humildade na presença de Deus: - de humildade, pelo conhecimento da própria miséria; de piedade, pela consideração da clemência Divina.

Aqui, salienta-se o viés do pensamento de Dom Duarte atrelado a Santo Agostinho, no qual o bispo busca a perfeição através da fé, da ciência e do positivismo, - ciência fundada por Auguste Comte no século XIX, que defendia o progresso da nação através da razão e da ciência. Dom Duarte se coloca, então, como guia da fé, líder espiritual, que através da pregação do Evangelho e da construção e decoração de igrejas, faz com que seu rebanho fique unido dentro da Igreja Romanizadora. Aliás, Dantas 82 ainda defende em sua biografia sobre Dom Duarte que,

como sacerdote, foi edificador de Igrejas, base material e sede física do Culto a Deus e da reunião das comunidades: - já Pároco, iniciou a construção da Matriz de Santa Cecília; e Arcebispo, tomou a iniciativa arrojada de edificação do soberbo templo da Praça da Sé.

81 82

SILVA, apud ASSIS, op.cit. p. 67. DANTAS, op.cit, p. 70.

47

Dom Duarte é visto, portanto, como aquele que vem para unir o rebanho através da pregação do Evangelho, em nome da fé. Além disso, o bispo não parece medir esforços para que isso ocorra através de sua atividade como mecenas dentro da Igreja, ou seja, agregando a arte à fé, faz com que seus féis se envolvam em seu projeto catequizador, dentro da Primeira República. Outro autor que fala elogiosamente de Dom Duarte é Altino Arantes 83, cujo discurso Bonum Opus traz a biografia completa do bispo, enaltecendo sua trajetória, conforme se pode observar:

Congregado ao redor do seu Pastor, o povo catholico da Archidiocese de São Paulo, em admirável coesão de sentimentos e de vontades, identificadas todas as classes num só propósito e numa só affirmação, para aqui accorreu. E aqui está neste recinto, que se reveste do prestígio e da magnificência de um plebiscito, para testemunhar, deante de Deus e á face dos Homens, como depoimento irrefragável do Presente para o tribunal incorruptível do Futuro, que os vinte e cinco annos de atividade episcopal do seu Antistite foram, em verdade, vinte e cinco annos de vigilância e de labor, de propiciação e de bênçãos para a sua Egreja e para a sua Pátria. Mais adiante, Altino Arantes84 situa a atividade de Dom Duarte ainda como pároco de Santa Cecília, mostrando o lado batalhador do então pároco na defesa de seu rebanho, na qual se lê:

Installada por elle numa pobre ermida, que mal comportava dentro das suas paredes núas, umas poucas dezenas de féis; a nova Parochia de Santa Cecília viu bem depressa crescer, dia a dia, o povo de crentes, multiplicarem-se os exercícios religiosos e alargar-se a pratica da caridade, nas suas differentes manifestações individuaes e collectivas. Ao mesmo tempo, à custa de um trabalho indefesso, que se sobrepunha a todos os obstáculos e quebrava todas as resistências, por 83

ARANTES, apud PEREIRA, Robson Mendonça & MAGALHÃES, Sonia Maria de. Registros privados de uma vida pública: o diário íntimo de Altino Arantes. In: Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 14, n. 27, p. 363-388, jul./dez. 2013. Disponível em: < www.revistatopoi.org. > Acesso em: 30 mar. 2015. 84 ARANTES, op.cit., p. 14-15.

48

sobre as ruinas da velha e decadente capella, levantava-se, ‘arrojada para o alto como um pensamento de fé, a mimosa edificação’ que ali pompeia, hoje, como um dos mais expressivos monumentos da religião e da generosidade dos paulistanos.

Mais adiante, Arantes

85

destaca, ainda, a atuação de Dom Duarte como pregador

ativo, que:

Com suas praticas, com as suas homilias e com os seus sermões, avidamente escutados por uma multidão de crentes, o Padre Duarte Leopoldo carreava, uma a uma, as pedras da grandiosa fabrica que a sua alma de Apostolo sonhará erigir bem no centro da rica e, porventura, displicente metrópole. A sua eloquência, toda feita de suavidade e de cordura, impregnada toda daquelle delicioso effluvio de amor e de sacrifício que reçuma das Sagradas Letras, attrahia e congregava; convencia e empolgava; agitava e construía... (...) Era assim o Vigário de Santa Cecília. Elle pregava o Evangelho. O Evangelho, que vivia e pulsava, como um coração, dentro do seu peito. O Evangelho cujas letras scintillavam, como estrellas, dentro da sua intelligência.

Com estas palavras, Arantes define e caracteriza a atuação de Dom Duarte dentro da Igreja de Santa Cecília, colocando-o como figura indispensável ao desenvolvimento e propagação da fé cristã em São Paulo. Um homem de seu tempo que torna sua Igreja vibrátil e pulsante na São Paulo da Primeira República. Qual o sentido de tudo isso? Por que Dom Duarte assume esse caráter reformístico de padre da Contra Reforma em plena São Paulo da virada do século XX? O que parece evidente na citação acima é que Dom Duarte atua como verdadeiro líder espiritual e político junto à Igreja e aos cafeicultores, fazendo de seu apostolado, doutrina de fé e de política, ao mesmo tempo, através da glorificação de seu passado bandeirante associado às origens da própria Igreja de Santa Cecília. Além disso, Dom

85

ARANTES, op.cit.

49

Duarte se insere no programa iconográfico da referida igreja como alguém que se martiriza e se sacrifica pelo bem de São Paulo e da própria Igreja Romanizadora. Assim, dentro desse quadro reformístico, Dom Duarte exerce igualmente seu mecenato religioso, através da contratação de artistas como Benedito Calixto de Jesus, Oscar Pereira da Silva e Carlo De Servi para decorarem a Igreja de Santa Cecília, a de Nossa Senhora da Consolação, decorada por Calixto e Pereira da Silva e de Nossa Senhora da Conceição de Santa Ifigênia, por Calixto e Henri Bérnard, por exemplo. Assim, a compreensão do mecenato religioso em São Paulo deve ser analisada dentro do complexo panorama da cidade de São Paulo nos primeiros anos de República. Embora não tenham sido encontrados documentos que tratem do mecenato em questão, propõe-se sua forte existência nesse período e que se dá através de inúmeras encomendas de Dom Duarte a artistas como Benedito Calixto de Jesus. Aliás, Calixto e Dom Duarte possuem laços de amizade, conforme Arruda Dantas86 explicita acerca do bispo:

Descansava na Vila Betânia, Praia de Itararé, em São Vicente. Aí, recebia assiduamente o pintor e historiador Benedito Calixto de Jesus, com quem se entretinha em palestras sobre história, religião e arte.

Aliás, Dom Duarte e Calixto possuem um forte relacionamento que transcende a encomenda da decoração da Igreja de Santa Cecília e que pode ser visto através de uma carta escrita por Calixto ao já arcebispo, na qual confirma sua contratação para a decoração da referida Igreja, além de se queixar ao mesmo por críticas duras recebidas e direcionadas ao seu trabalho de artista, que teria sido publicada com o título de “Paulista Desconfiado”, no jornal Diário Popular 87. Na missiva datada de 25 de outubro de 1910, destaca-se a relação de proximidade e respeito nutrida por Calixto em relação ao seu mecenas religioso, onde se leem as seguintes palavras:

Elles enganam-se, porém, julgando que me deprimem, que me abatem. Já agora, quer elles queirão (sic) quer não, eu heide (sic) morrer artista, pois já tenho alguma cousa que legar ao futuro nesses

86

DANTAS, op.cit., p. 86. Carta de Benedito Calixto de Jesus ao Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, escrita em 25 de outubro de 1910. Carta obtida junto à Fundação Pinacoteca Benedito Calixto, em Santos-SP. 87

50

paineis de Santa Cecília cuja execução devo simplesmente a V.Ex. que me confiou esse trabalho (...) Pesso (sic) ainda uma vez a V. Ex. que não me esqueça, em suas orações, de rogar e pedir a Deus e Nossa Mãe Santíssima, por mim e por minha família, para que me deem forças nesta lucta afim de levar a bom termo a nossa obra já acertada em Santa Cecília.

Assim, portanto, percebem-se os traços de proximidade entre ambos, ao Calixto pedir orações ao seu mecenas e amigo para que as pinturas da Igreja de Santa Cecília transcorram bem e sejam bem sucedidas. 2.1 – As relações encomiásticas e históricas entre Dom Duarte Leopoldo e Silva e Benedito Calixto de Jesus

Historicamente, a construção da Igreja de Santa Cecília termina em 1901 e Dom Duarte Leopoldo e Silva contrata Benedito Calixto de Jesus e Oscar Pereira da Silva para decorarem a Igreja de Santa Cecília, fator que demandou mais tempo para que a Igreja ficasse pronta e tivesse sua conclusão apenas na década seguinte. Segundo Leonardo Arroyo88 relata a partir de sua conversa com o Padre Paulo Pedroso, vigário que permanece trabalhando na referida paróquia por vinte e cinco anos, Dom Duarte “moveu céus e terras, chamou Benedito Calixto de Jesus e Oscar Pereira da Silva para pintar...”. Entretanto, há muito que se considerar acerca não somente da encomenda propriamente dita, como das relações do então Padre Duarte e Calixto. Aliás, aqui se incluem questões relativas à atuação de ambos dentro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, por serem ambos membros ativos dentro da mesma instituição, conforme Dantas89 aponta em relação A Dom Duarte: “Em 19 de março de 1904, foi eleito sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo”. Ainda no mesmo ano, o ainda Padre Duarte é consagrado bispo de Curitiba, Paraná. Além disso, ainda cumpre salientar as escolhas iconográficas de obra de Calixto, no que tange o tema e o tipo de pintura empregada nas telas afixadas nas paredes da igreja.

88

ARROYO, 1966, p. 238. Exemplar número 1004 consultado na Biblioteca da Universidade Federal de Uberlândia – Campus Santa Mônica em 26 de agosto de 2014. 89 DANTAS, op.cit., p. 20.

51

Em relação à encomenda que o Padre Duarte faz a Benedito Calixto de Jesus, a quem conhecia há um bom tempo, pelo menos desde 1904, não se pode precisar a data do primeiro encontro entre ambos. Porém, segundo Milton Teixeira

90

, o artista e historiador Calixto

possuía um enorme círculo de amizades, contando com a presença de “Dom Joaquim Arcoverde, primeiro cardeal brasileiro”. Embora, Teixeira não mencione Dom Duarte, o autor afirma que “Calixto foi fiel historiador. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, do Centro de Ciências e Letras de Campinas, sócio correspondente do Instituto Histórico do Paraná, de Santa Catarina, do Rio de Janeiro”

91

. Dessa maneira, pode-se

propor que Calixto tenha conhecido Dom Duarte ou através de Dom Arcoverde ou por sua atuação firme junto ao IHGSP, a partir de 1904, ano em que Dom Duarte entra como sócio no IHGSP. Sendo assim, Calixto ao receber a enorme encomenda para a decoração da Igreja de Santa Cecília, dá início a uma intensa pesquisa, por ser historiador e artista de renome para executar sua primeira grande encomenda de pintura religiosa. Segundo o depoimento fornecido pelo neto do artista, Benedito Calixto de Jesus Neto92,

Calixto tomou a peito a empreitada da decoração e para estabelecer a temática dos painéis atirou-se de ‘corpo e alma’ ao estudo da vida de Santa Cecília e de sua época. A temática dos painéis abrange cenas da vida de Santa Cecília e sua época (os painéis maiores se encontram na capela mor da matriz) e personagens de sua época (mártires e pontífices) nos painéis menores que estão colocados nos nichos superiores da nave principal e capela mor. Completam a temática os dois painéis do transepto que ilustram a ‘Conversão e o Martírio’ do jesuíta Pedro Correa e a galeria dos bispos de São Paulo até Dom Duarte Leopoldo e Silva, nos núcleos do transepto. Para a execução do trabalho, Calixto escreveu várias monografias abordando a vida e a época da Santa, abrangendo a parte Histórica e a parte da Arqueologia Cristã. Sem nunca ter ido a Roma, sem ter visto jamais uma catacumba cristã, Calixto conseguiu, nos seus painéis, reproduzir com notabilidade, os ambientes, a indumentária, os utensílios e

90

TEIXEIRA, 1982, p. 89. p. 99. 92 JESUS NETO apud POLETINI, 2003, p. 27. 91

52

mobiliários da época. Contava Monsenhor Martins Ladeira, que foi Presidente do Cabido Metropolitano de São Paulo, e que estudou em Roma, que para surpresa sua, numa aula sobre arqueologia cristã, na Faculdade Gregoriana Romana, exibiram fotografias dos painéis de Santa Cecília para ilustrar a aula.

De fato, a pesquisa realizada junto ao Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo ou Arquivo Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva (AMDDLS) confirma a existência da extensa pesquisa histórica e arqueológica feita por Benedito Calixto de Jesus, para levar adiante a encomenda de Dom Duarte, bem como as consequências que seus estudos tiveram na mídia da época. Em primeiro lugar, em relação às datas das encomendas, Poletini

93

revela

que as obras cumprem um arco temporal de dez anos, iniciando-se em 1907 e concluindo-se em 1917, fato igualmente corroborado pelas datas pintadas nas próprias telas realizadas pelo artista. As primeiras pinturas se referem ao tema de Santa Cecília e são entregues em 1910. Já o ciclo de pinturas acerca de Pedro Correa é entregue em 1912, formando, ainda conforme Poletini, um caminho martirizante paralelo ao da Santa. Já em 1917, Calixto entrega os dois paineis finais da vida da Santa. Já em relação aos paineis dos Santos, Papas Mártires e Bispos de São Paulo, não parecem apresentar uma data específica. Calixto se prepara profundamente antes de executar cada uma das pinturas, através de uma intensa pesquisa. Em uma carta inédita escrita em São Vicente pelo artista e endereçada ao já arcebispo Dom Duarte em dezoito de junho de 1912, Calixto fala sobre os elogios que recebe, conforme se percebe em sua carta94:

Aqui esteve a semana passada, na minha humilde e pobre officina, o Conselheiro Ruy Barboza, e sua comitiva, depois de ter vindo aqui, também expressamente, o Dr. Capistrano de Abreu, o grande historiador, que reside no Rio. Ambos me encheram de elogios pelos trabalhos de pintura e, sobretudo os croquis e reproduções dos pannianes (sic) de S. Cecília de Santa Ephigenia 95.

93

POLETINI, op.cit., 2003, p.28. Carta de Benedito Calixto de Jesus endereçada ao Exmo. Snr. Arcebispo D. Duarte em 18 de junho de 1912. AMDDLS. 95 Na carta citada acima, Calixto fala em “Santa Cecília de Santa Ephigenia”, o que não procede e aparenta ser algum equívoco, talvez causado pela profusão de encomendas religiosas que recebe e executa ao mesmo tempo em que prossegue com suas pinturas de temática não religiosa. 94

53

Além do orgulho que o artista expressa diante dos elogios que recebe na mesma carta, Calixto discorre acerca do andamento de outras encomendas feitas por Dom Duarte para a cidade do Rio de Janeiro e para o Paraná, estado no qual o então bispo esteve à frente da Diocese, além de ter contatos com o Instituto Histórico e Geográfico Paranaense, conforme Teixeira

96

propõe. Outro ponto de interesse fundamental sobre a feitura das pinturas da Igreja de Santa Cecília refere-se à pesquisa que Calixto faz e descreve ainda na mesma epístola

97

, sobre os

caminhos que percorre durante suas pesquisas: Nos capítulos ‘O Ideal da Arte Christã’, ‘O Symbolismo na Arte Christã’ e ‘A Sciencia nas Catacumbas’, há, creio, muita cousa aproveitável, pois é o resultado de um sério estudo, um apanhado escrupuloso que consegui, dos principaes autores que se tem ocupado da matéria; todos homens de Sciencia como Horuce Marucchi, L’abbé Salomon, Boccis (O Colombo das Catacumbas), M. de Rossi, Raoul Rochette, D. Gernager, etc. etc..

Calixto demonstra ser bastante atento às fontes consultadas, fator que revela um olhar cioso e cientificamente voltado para a intenção de elaborar um conjunto iconográfico vinculado diretamente às pesquisas arqueológicas que elabora. Aliás, o artista historiador desenvolve um corpus textual que é seguido por suas pinturas. Mais adiante, o artista esmiúça sua pesquisa98, unindo fontes antigas e contemporâneas ao artista, conforme se pode observar:

Chamo também a atenção de V.Exc. para a parte que se refere ‘A Vida de Santa Cecília’ que é uma tradução, feita não sei por quem, do livro de Louis Veuillot ‘Les Parfums de Rome’. Ahi estão anotadas, nesse folheto impresso, todas as emendas que se devem fazer quanto a datas e factos que não estão de acordo com a verdade histórica; principalmente nessa parte que se refere a Santo Urbano – o papa – que V. Exc. me autorizou a rectificar, visto que, não só o ‘breviário’ mais até ‘O Annuario Christão’ e outros mais livros de

96

Op.cit, 1982, p.99. Op.cit, 18 de junho de 1912. 98 Idem. 97

54

summa importância como esse de Louis Veuillot, incorrem nesse engano. Resolvi ajuntar a ‘Vida de Santa Cecília’ mais esse capítulo ‘Actas dos Martyrios’ afim de convencer aos leitores incrédulos que, essas narrações, ou por outro, essas reproduções dos depoimentos de Santa Cecília, são scientificamente autênticos; pois nessa época estava muito em voga e reza, em Roma, a escripta stenographica, - a taligraphia – que era empregada especialmente para apanhar os depoimentos e mais debates, nos processos e causas de importância. Esse resumo histórico que ahi está sobre ‘a stenographia’ deu algum trabalho para organizar e V.Exc. mandará o que ver que é necessário e aplicará na parte do dito folheto em que se acha aberto – uma chave – marcada a lápis. Eu não sei se V.Exc. está de posse de todos esses manuscriptos que lhe foram entregues pelo Ilm. Cônego Pedroza, a quem tanto recomendei que tivesse muito cuidado a fim de não se extraviarem, como aconteceu com ‘as notas biográficas’ dos 12 Papas da Capella-Mór, que já estavam em poder dele, há muito tempo, e é preciso, decerto, fazer novamente, se houver tempo 99.

Calixto se queixa e do extravio e justifica suas pinturas cientifica e historicamente a partir de documentos que encontra e pesquisa, a fim de obter aprovação de seu mecenas Dom Duarte, fato que revela que as pinturas somente são aceitas com sua anuência100:

Elle mandou copiar tudo de novo, e me restituiu os originaes, faltando a parte que se refere ‘aos Papas’. Não sei, portanto, se todos esses capítulos a que me refiro, estão em mão de V. Exc. Se faltar algum, V. Exc. poderá dizer-me, afim de remeter, no caso que V. Exc. julgue necessário. Além do histórico sobre os dois paineis de Pedro Correa, que já devem estar com V. Exc., eu remeto ainda esse retalho de jornal em que vem uma excelente notícia sobre esse célebre missionário, escripto e publicado em Curitiba pelo Dr. Ermelino de

99

Se Benedito Calixto de Jesus refez as notas biográficas ou não, não se sabe, pois até o presente momento as mesmas seguem extraviadas. 100 Op.cit.

55

Leão que é um escritor e investigador de grande mérito e acaba de ser distinguido pela ‘Societé Academique d’Histoire International’ de Paris, com a medalha de ouro e diploma de membro efectivo. Acho que V.Exc. poderá encaixar esse artigo, pois além de ser um juízo-crítico conciso e de valor, traz mais alguma luz sobre o facto, - declarando que esse castelhano, inimigo dos Padres, que assediou os carijós contra Pedro Correa é o tal Ruy Mochira de que nos falam as Chronicas.

Nesta longa citação da carta que Calixto escreve a Dom Duarte percebem-se alguns pontos dignos de destaque, sendo o primeiro deles, o grau de pesquisa desenvolvido pelo artista que jamais vai a Roma e logra alcançar a maestria absoluta na descrição do martírio de Santa Cecília, além da necessidade de exatidão na representação da vida e morte de Pedro Correa, partindo da interpretação de leitura de textos históricos. Aliás, essa mesma exatidão se torna verossímil através dos documentos que Calixto consulta e não se pode afirmar que os fatos tenham ocorrido realmente como os documentos apontam. Entretanto, o artista se supera em tal encomenda. No que concerne ao livro de Louis Veuillot101, cuja autoria da tradução102 segue ignorada, no arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva, existe um exemplar de 1907, com anotações feitas à mão pelo próprio Benedito Calixto de Jesus, com a intenção clara de corrigir e acrescentar detalhes aos dados apontados pelo autor francês, como se pode observar em sua leitura; por exemplo, o artista itanhaense altera o nome do Imperador Alexandre Severo para Marco Aurélio103 no capítulo “As Núpcias” e acrescenta o “anno de 177” e novamente corrige o nome Alexandre Severo para Marco Aurélio, mais adiante no capítulo “O Martyrio”

104

. Muito embora Calixto afirme que não fez a tradução do fragmento

da obra monumental de Veuillot105, no capítulo “O Martírio”, Calixto ou o tradutor anônimo da obra interrompe a tradução do autor francês e cria um capítulo chamado “Actas dos Martyres” que não corresponde ao original francês. Assim sendo, a questão da autoria da tradução para o português se torna problemática, devido às inserções corretivas de Calixto e,

101

VEUILLOT, 1858. Disponível em: < www.archive.org. > Acesso em: 19 jun. 2014. VEUILLOT, 1907. AMDDLS. 103 op.cit., “Ora, pelos tempos de Alexandre Severo, imperador clemente...” Neste trecho, Calixto desenha um traço por cima alterando o nome para Marco Aurélio. s/p, 1907. 104 Op.cit. 105 VEUILLOT. Op.cit., 1858. 102

56

além disso, o próprio Vigário da Paróquia de Santa Cecília, Paulo Pedroso pequena carta introdutória à tradução da obra de Veuillot

107

106

, adiciona uma

na qual se cita integralmente:

Aos Parochianos de Santa Cecília, Quizera apresentar-vos no dia de hoje uma lembrança da festa de nossa padroeira, que, este anno se reveste de grande pompa e de grande enthusiasmo. Não saberia escolher uma cousa melhor de que um trabalho sobre a vida e o martyrio de Santa Cecília e, procurando um meio de vol-o obter, eis que a boa vontade dum distincto e zeloso parochiano m’o depara tão gentilmente, oferecendo-me uma tradução esmerada que fez da magistral obra de Luiz Veuillot “Le Parfum de Rome”, nas passagens que dizem respeito á (sic) Santa Cecília. A todos interessa e muito conhecer pelo menos os tópicos da vida e do martyrio de Santa Cecília. É uma licção de grandeza d’alma, de fortaleza de espírito e de robustez de fé, licção que devemos recordar amiudadas vezes, principalmente nós que vivemos numa época onde se transige com tudo, até mesmo com o caracter, para se poupar um mínimo esforço, um pequenino incommodo. Santa Cecília recompensa o trabalho e o sacrifício do traductor. São Paulo, 22 de novembro de 1907. O Vigário Com algumas emendas de B. Calixto (escritas por ele).

Percebe-se, então, o quanto Calixto se preocupa em agradar a Dom Duarte, a quem tanto “o venera e estima”

108

, quanto em alcançar a correção histórica dos fatos justamente

por ser historiador, agindo como se estivesse escrevendo um artigo científico e suas imagens fossem as citações das fontes pesquisadas. Além disso, cumpre salientar o quanto Calixto elabora suas pinturas de acordo com os anseios de Dom Duarte e dos abastados cafeicultores que contribuem largamente com a construção e a decoração da paróquia, embora não haja

106

VANZO. Op.cit, p.61. VEUILLOT. Op.cit., 1907. 108 Idem, 18 de junho de 1912. 107

57

documentos comprobatórios a respeito. Ainda na mesma epístola, Calixto escreve a Dom Duarte pedindo-lhe que 109:

logo que V. Exc. Estivesse de posse das fotografias de Santa Cecília, reproduzindo os meus quadros, tivesse a bondade, quando fosse a Roma, de mostral-as ao Santo Padre, dizendo que são feitos por um humilde artista-catholico que reside em uma velha povoação do grande Estado de S. Paulo, e só conhece Roma e as Catacumbas ‘por uma visão toda espiritual’, pois que nunca lá esteve. Sua Santidade que acaba de laurear os serviços prestados a religião pelo Snr. Commendador Alafaya com uma bem merecida medalha = Pro Eclesia et Pontifex =, não uma medalha, que não mereço e nem desejo, mas uma Bênção especial para a obra que tanto me empenho: exaltar o culto Catholico e servir a Deus, com todo amor e sinceridade.

Ou seja, pelas palavras de Calixto percebe-se e comprova-se que o artista jamais vai à Itália, aliás, sua única viagem ao exterior ocorre entre 1883 e 1884, com destino à Paris, com a finalidade de aprimorar seus conhecimentos a partir de uma bolsa de estudos concedida pelo Visconde Vergueiro

110

. Além disso, Benedito Calixto de Jesus Neto

111

já havia discorrido

acerca das consequências do traslado das fotografias das obras de seu avô, ao citar a ocasião em que as referidas imagens haviam sido expostas durante uma aula sobre arqueologia cristã, na Faculdade Gregoriana de Roma. De fato, a repercussão da decoração da Paróquia de Santa Cecília toma vulto ainda maior a partir da publicação de uma reportagem escrita pelo historiador Ermelino Agostinho de Leão

112

, que integra o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), para o

Jornal Diário da Tarde de Coritiba, no dia onze de maio de 1912. Aqui, cita-se a opinião de Leão sobre Calixto:

Calixto, sem pactos condemnados, parece ter conseguido descobrir o filtro que empresta à sua arte, um rejuvenescimento, uma eterna 109

Op.cit. ALVES, 2003, p. 38. 111 POLETINI, op.cit. 112 LEÃO, Coritiba, 11 de maio de 1912, sabbado. AMDDLS. 110

58

potencialidade creadora que os anos não têm o poder de deprimir. Por outro lado, o notável pintor itanhaense não se deixa embalar no somno da gloria, à ombra dos virentes loureiros, cujas frondes lhe engrinaldam a cabeça: trabalha com afan, como jovem, rebuscando nas chronicas, e nos alfarrábios, os assumptos históricos nacionais para reanimal-os, nas telas, com aquele dom divino que anima e enaltece a verdadeira Arte.

Assim, Calixto planeja sua obra ao mesmo tempo em que pesquisa profundamente e conversa com seus amigos sobre a encomenda que recebeu do bispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, igualmente amigo do artista, conforme os documentos supracitados revelam. Aliás, no ano de 1929, por ocasião das comemorações do vigésimo quinto aniversário de sagração episcopal de Dom Duarte, o então governador de São Paulo, Altino Arantes113 assim define a atuação do então vigário Duarte, em seu discurso:

... a nova Parochia de Santa Cecília viu bem depressa crescer, dia a dia, o povo de crentes, multiplicarem-se os exercícios religiosos e alargar-se a pratica da caridade, nas suas differentes manifestações individuaes e collectivas. Ao mesmo tempo, á custa de um trabalho indefesso, que se sobrepunha a todos os obstáculos e quebrava todas as resistências, por sobre as ruínas da velha e decadente capella, levantava-se, ‘arrojada para o alto como um pensamento de fé, a mimosa edificação’114 que ali pompeia, hoje, como um dos mais expressivos monumentos da religião e da generosidade dos paulistanos. É que só os sacerdotes tíbios ou negligentes podem accomodar-se ao pé de altares mesquinhos. Para os outros, para os que fortalece (sic) a Fé e estimula o zelo, a majestade divina como que avulta e engrandece na majestade granítica das Basílicas e Cathedraes.

Pode-se propor que o discurso laudatório de Altino Arantes reflete exemplarmente o espírito da época da Primeira República, momento no qual a Paróquia de Santa Cecília é construída e 113 114

ARANTES, op.cit. 1929, p. 14. Acervo Prof. Lincoln Etchebehere Junior. SILVA, apud ARANTES, op.cit., 1929, p.14.

59

amplamente decorada por Calixto e sua equipe de artistas como Oscar Pereira da Silva e Carlo De Servi, além do pintor e decorador de igrejas florentino, Gino Catani, conforme o manuscrito com a grafia de Benedito Calixto de Jesus sobre a decoração da igreja115 revela. Desse modo, portanto, percebem-se as nuances da atuação de Dom Duarte Leopoldo e Silva junto ao Benedito Calixto de Jesus. Entretanto, não foram encontrados documentos que revelem o contato entre o bispo, a Igreja e Oscar Pereira da Silva, Carlo De Servi e Gino Catani, o que faz supor que Dom Duarte tenha contratado somente Benedito Calixto de Jesus e que este, talvez, tenha convidado os demais artistas para trabalharem em equipe, muito embora, até o presente momento, documentos comprobatórios não tenham sido encontrados, não obstante a citação de Leonardo Arroyo116 acerca do chamado a Calixto e Oscar Pereira da Silva para decorarem a Igreja de Santa Cecília.

115 116

CALIXTO, Benedito. DECORAÇÃO DA EGREJA 1 (manuscrito de 3 páginas não numeradas). AMDDLS. ARROYO, op.cit., 1966, p. 238.

60

CAPÍTULO 3 – A DECORAÇÃO DA IGREJA DE SANTA CECÍLIA: ASPECTOS TEOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SIMBÓLICOS NA “PIEDADE VISUAL”

O planejamento da decoração da Igreja de Santa Cecília, feito por Benedito Calixto de Jesus e seguido por Oscar Pereira da Silva, Carlo De Servi e Gino Catani demonstra uma perfeita adequação da pintura à arquitetura planejada por Giulio Micheli

117

e revela uma

adequação teológica, histórica e simbólica integrada à piedade visual, pois tal adequação permite a apreensão religiosa do espaço sagrado vivenciado pelo fiel.

Figura 16 - Planta baixa da Igreja de Santa Cecília. Foto: Karin Philippov

Seguindo uma arquitetura neorromânica com ecos bizantinizantes, Micheli adota a cruz latina como modelo para sua igreja. Assim, o fiel entrando pela porta frontal do templo,

117

SALMONI, op.cit, 2007.

61

cruza o nártex, ultrapassa a porta quebra vento, caminha pela nave central, chega ao transepto e atinge o presbitério absidial. Dessa maneira, tem-se uma típica Igreja do Concílio Vaticano I, na qual o fiel passa pela via purgativa

118

, constituída pelo nártex e pela pia batismal

localizada à esquerda, local em que recebe o Sacramento do Batismo, tornando-se católico. A partir desse momento, pode adentrar a via iluminativa119, representada pela nave e recebendo os ensinamentos oriundos da via unitiva

120

, ou seja, do presbitério, através da figura do

pároco, bispo ou presbítero, alcança a transcendência e atinge Deus. Ressalta-se, igualmente, que a Igreja de Santa Cecília segue o modelo proposto pelo arquiteto sienês Gino Cataneo (c.1510 – c.1569)

121

, que insere o corpo de Cristo dentro da

planta da Igreja. Dessa maneira, o corpo de Cristo seria representado pela nave. Seus braços abertos representariam os braços do transepto, enquanto sua cabeça estaria localizada no presbitério, sede dos sacramentos religiosos e local onde o presbítero reza desempenhando seus cultos divinos. Já, o coração de Cristo estaria representado pela cúpula central, ponto mais alto da Igreja.

Figura 17 – Esquema proposto por Gino Cataneo. Disponível em: Acesso em: 03 ago. 2016.

118

CLARK, 1994, p. 65. Op.cit., p. 65. 120 p. 65. 121 CATANEO, 1554. 119

62

Observando o esquema proposto por Cataneo122 e a planta da Igreja de Santa Cecília, percebe-se sua aplicação direta. A planta da Igreja de Santa Cecília repete ainda os mesmos elementos arquitetônicos, tais como o número igual de colunas e de espaços intercolúnios observados igualmente no modelo sienês. A única diferença parece residir nas bordas dos braços do transepto que possuem abóbadas na Igreja de Santa Cecília e que são retos em Cataneo123. Mas, quais são as implicações teológicas dos elementos arquitetônicos e suas relações com a “piedade visual” morganiana? Quais implicações simbólicas podem ser feitas? O que há na narrativa visual e no percurso dos féis dentro da Igreja que poderia ser pensado ideologicamente?

Figura 18 – Planta baixa da Igreja de Santa Cecília e esquema proposto por Gino Cataneo

Teologicamente, a Igreja de Santa Cecília possui outros elementos agregadores do rebanho, elementos estes tanto arquitetônicos quanto picturais, ou seja, na arquitetura e na decoração a linguagem teológica se faz presente. O primeiro desses elementos se refere à quantidade de colunas na nave, somando oito no total, com quatro de cada um dos lados da nave, número que simboliza a alma, segundo Santo Agostinho124. O número oito simboliza o infinito, o eterno retorno ao recomeço e à eternidade divina, além de ser o número da Ressurreição de Cristo e da Transfiguração125. Cada uma das colunas é quadrilobada, ou seja, possui quatro lados unidos, conforme se pode observar: 122

CATANEO, op.cit., 1554. Op.cit. 124 CHEVALIER, 2012, p. 652. 125 op.cit., p. 653. 123

63

Figura 19 Vista da nave central da Igreja de Santa Cecília. Acesso em: 16 ago. 2016.

Outra referência importante para a compreensão das colunas quadrilobadas se refere à alusão aos quatro Evangelistas Mateus, Lucas, João e Marcos, representados na cúpula da Igreja de Santa Cecília. Assim, estruturando a Igreja têm-se os elementos simbólicos e teológicos. Ideologicamente, deve-se compreender a visão de um fiel morador da região entrando na Igreja de Santa Cecília, logo após a conclusão da construção e da decoração e propor que o mesmo não sendo iniciado catolicamente e não pertencendo à classe abastada, poderia se sentir confuso diante de tantas novidades. Em primeiro lugar, não veria mais uma igreja barroca como as que existiam até então. Também, não reconheceria todos os santos ali dispostos, uma vez que novos santos foram trazidos ao Brasil, após a Reforma Romanizadora. Ele veria que as linhas curvas cederam lugar a linhas retas e austeras e que o edifício possui uma forma diferente e é feita em tijolos e não mais em taipa. Enfim, a Igreja de Santa Cecília é criada para encarnar o novo, o arrojado na cidade de São Paulo. Além das implicações teológicas que interferem na apreensão histórica e simbólica dos elementos arquitetônicos da Igreja, cabe salientar que na substituição de paradigmas construtivos partindo do barroco paulista para o revivalista neorromânico, existe um processo iconoclasta de substituição,126 caracterizado pelo medo e pela devoção, assim propostos por David Freedberg 127 que propõe:

126

MORGAN, op.cit, 2005, p. 140-141. “In the economy of religious visual culture, these two emotions, fear and devotion, are complementary. The anxiety underlying this apposition of opposite feelings may be that fear turns into devotion if the image/idol is not destroyed. Seen in this way, the image is a kind of threat that appears to elicit aggressive behavior. (FREEDBERG, apud Morgan, op.cit, p. 141). 127

64

Na economia da cultura visual religiosa, essas duas emoções, medo e devoção, são complementares. A ansiedade subjacente à aposição de sentimentos opostos podem fazer com que o medo se transforme em devoção se a imagem/ídolo não for destruída. Visto dessa maneira, a imagem é um tipo de ameaça que parece provocar um comportamento agressivo.

Pode-se propor este viés no programa iconográfico da Igreja de Santa Cecília, bem como em sua planta neorromânica, uma vez que a substituição paradigmática imposta de cima para baixo pela Igreja Católica Romanizada atrelada à Primeira República acontece de modo a impor um novo discurso narrativo através das escolhas iconográficas realizadas a partir da inserção de novos santos e santas martirizados, tais como Santa Symphorosa e Santa Thecla, não cultuadas anteriormente durante o barroco paulista e que entram para o devocionário religioso a partir da Romanização.

Figura 20 - Benedito Calixto de Jesus. Santa Symphorosa. Foto: Karin Philippov

65

Figura 21 - Benedito Calixto de Jesus. Santa Thecla. Foto: Karin Philippov

O tipo de ameaça a que se refere Freedberg128 também pode ser exemplificado pelos dois paineis de Benedito Calixto de Jesus instalados sobre os tímpanos das portas que dão acesso à Sacristia e à Capela do Santíssimo, que representam a Conversão e o Martírio de Pedro Correa e João de Souza, respectivamente. Trazendo uma iconografia inovadora para a decoração de igrejas, Calixto traz índios reais levados pelo artista para sua casa, em Itanhaém, para serem fotografados. A partir de fotografias encenadas, o artista compõe as cenas, conforme se verá a seguir. O que cabe aqui, neste momento, é demonstrar o sentido teológico da piedade visual, através da forte presença do índio dominado pelo catequizador e dominador, enquanto martirizador daquele que o catequizou. Assim, a narrativa se constrói pelo paradoxo e pelo embate entre barbárie e civilização, sendo a barbárie exemplificada pela antiga Igreja e a civilização pela dupla chave Igreja Romanizadora e Primeira República. Igualmente, ressalta-se o aspecto do simulacro de uma imagem que está ali disposta, mas que simula algo não existente no que tange sua fisicalidade, fator que ficará mais evidente mais adiante ao se tratar da questão do corpo de Santa Cecília.

128

Op.cit, p. 141.

66

Figura 22 - Benedito Calixto de Jesus. Pedro Correa Via Damasco. Foto: Karin Philippov

Figura 23 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Pedro Correa e João de Souza. Foto: Karin Philippov

Teologicamente, a luz que entra pelos vitrais coloridos da Igreja de Santa Cecília e incide sobre as pinturas, faz com que o efeito de transcendência seja fortalecido sobre as pinturas. Assim, conforme o passar das horas do dia, a mutabilidade luminosa corrobora a

67

interpretação da transcendência divina, assim como era nas catedrais góticas europeias. Observando as duas imagens acima, percebe-se o efeito luminoso sobre as pinturas como enaltecedor da piedade visual morganiana e devocional, igualmente, pois a incidência da luz colorida tornada divina faz com que as pinturas tenham sua sacralidade aumentada. Com isso, não se quer propor que o programa iconográfico seja sacro, posto que as imagens não sejam usadas nos ritos sacros da Igreja, mas que funcionam como memória religiosa e que ditem o comportamento do fiel que frequenta a Igreja de Santa Cecília, naquele momento. Cabe salientar que com o passar dos anos e décadas, a apreensão do objeto religioso se modifica, dadas as transformações políticas, históricas, sociais e religiosas pelas quais não só o bairro de Santa Cecília passa, bem como a cidade de São Paulo, em crescimento cada vez mais acelerado. Desse modo, devem-se compreender as camadas históricas que vão se formando ao longo do tempo sobre a decoração da Igreja de Santa Cecília, camadas essas acrescentadoras de novos significados teológicos e simbólicos, além de promoverem a interação nem sempre simples e direta entre os frequentadores da Igreja em questão. Voltando, então, às questões da luz e dos elementos teológicos e simbólicos, propostos acima, pode-se estabelecer um percurso dentro do templo, através do fiel que adentra a via purgativa, para se render à via iluminativa e alcançar a graça divina pela Palavra de Deus e pela luz e atingindo o ápice de sua evolução religiosa, emanado pela via unitiva, alcança o reino de Deus. A luz, evidentemente, entrando pelos vitrais e inundando o espaço religioso envolve o fiel, que recebe a palavra de Deus oriunda do culto religioso proferido pelo pároco ou bispo celebrante. Além disso, o fiel ainda entra em um processo de arrebatamento espiritual total e que se dá através da palavra sagrada, da luz, da arte e da música tocada pelo órgão de tubos. Assim, pode-se propor que este arrebatamento preconizado anteriormente pelo Concílio de Trento no século XVII, seja defendido pelo Concílio Vaticano I, Concílio este que defende o arrebatamento do fiel dentro de um espaço sacro, porém, não barroco, mas sim, voltado às origens do Cristianismo. Graças à Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti129, que apresenta a planta da Igreja de Santa Cecília a Dom Duarte Leopoldo e Silva, tem-se uma Igreja Romanizada voltada às origens cristãs, com um programa iconográfico que privilegia santos e papas martirizados nos três primeiros séculos cristãos, conforme se pode observar em seu programa iconográfico, que traz em sua nave oito santos martirizados e no presbitério os doze primeiros papas martirizados, além de Santa Cecília, Pedro Correa e João de Souza.

129

ASSIS, op.cit., 1967.

68

3.1 – Benedito Calixto de Jesus e sua decoração na Igreja de Santa Cecília

O artista historiador Benedito Calixto de Jesus, que nasce em Itanhaém em 14 de outubro de 1853 e falece em São Paulo em 31 de maio de 1927, desenvolve uma ampla e prodigiosa carreira artística dentro da qual se insere sua ampla vertente religiosa, menos conhecida e divulgada pela crítica e pela historiografia da arte. Para a decoração da Igreja de Santa Cecília que ocupa o arco temporal de dez anos, entre 1907 e 1917, o já bispo Dom Duarte Leopoldo e Silva130 convida seu próprio amigo, Benedito Calixto, artista devoto e católico fervoroso, que seguindo a tradição de Fra Angelico (1387-1455)

131

, poderia ser

classificado como “peintre à genoux”, por pintar de joelhos ao chão. Porém, apesar de não pertencer ao clero e nem pintar ajoelhado como o artista florentino do Quattrocento fazia, Calixto desenvolvia sua pintura em clara atitude de fé, reverência e respeito absoluto ao divino. Dom Duarte, assim, encarrega Calixto de realizar uma extensa pesquisa de cunho histórico-arqueológico e bibliográfico, conforme visto no capítulo precedente, a fim de executar sua extensa encomenda compreendendo o ciclo de vida e morte de Santa Cecília, os dois paineis representando a conversão e martírio de Pedro Correa e João de Souza, os oito paineis com os santos martirizados: São Tarcísio, São Lourenço, Santo Estêvão e São Piónio de Esmirna, colocados no lado do Evangelho da nave e Santa Symphorosa, São Lino, Santa Thecla e São Paulo, no lado da Epístola da referida nave. Além disso, Calixto ainda pinta os doze primeiros bispos de São Paulo, culminando em Dom Duarte Leopoldo e Silva, localizados nos braços do transepto, além dos doze primeiros papas martirizados, dispostos acima do ciclo de Santa Cecília, no presbitério. Na cúpula da Igreja de Santa Cecília ainda executa as quatro virtudes CARITAS, JUSTITIA, FIDES e SPES132.

Seu programa

iconográfico é executado de maneira ímpar e inédito, conforme se pode observar. Dessa maneira, aqui, propõe-se que o caminho seja percorrido passo a passo, para que o conjunto seja devidamente compreendido e analisado, pois as imagens são planejadas para dialogarem entre si, estabelecendo um percurso visual e teologicamente doutrinário, através de uma narrativa que estimula a “piedade visual” atrelada à História da Igreja e à política durante a Primeira República, e que fornece o aprendizado doutrinário em quem observa a

130

Carta de Benedito Calixto de Jesus ao Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, escrita em 25 de outubro de 1910. Carta obtida junto à Fundação Pinacoteca Benedito Calixto, em Santos-SP. 131 FOUCART, 1987. 132 Vide Catálogo.

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decoração ao frequentar a Igreja nesse momento. Mas como isso ocorre e quais os mecanismos empregados por Calixto? 3.1.1 – A Compreensão da Nave da Igreja de Santa Cecília

A nave da Igreja de Santa Cecília traz oito paineis executados por Benedito Calixto de Jesus e que se encontram dispostos, conforme se pode observar no segundo volume, divididos em duas partes. Do lado do Evangelho, assim chamado, por ser o lado onde a leitura o Evangelho é lido durante as missas, encontram-se quatro santos masculinos, representados por São Tarcísio, São Lourenço, Santo Estêvão e São Piónio de Esmirna. Do lado da Epístola, lado em que as epístolas são lidas nas celebrações eucarísticas, encontram-se dois santos masculinos e duas santas femininas, sendo Santa Symphorosa, São Lino, Santa Thecla e São Paulo. Mas, quem são estes santos e por que foram representados? Do lado do Evangelho, a presença de santos desconhecidos constitui uma inovação iconográfica, na medida em que são adotados pela Igreja Romanizadora em substituição a santos populares não reconhecidos pela Igreja Católica. São Tarcísio133, padroeiro dos coroinhas, foi martirizado aos doze anos de idade no ano de 257, durante as perseguições a São Valeriano, esposo espiritual de Santa Cecília. Durante sua perseguição, São Tarcísio se oferece a São Xisto II, representado no presbitério da Igreja de Santa Cecília, para levar a Santa Hóstia aos cristãos e nunca entregá-las aos pagãos 134. Assim, como símbolo da resistência cristã, o menino é representado como modelo cristão a ser seguido e na Igreja de Santa Cecília, traz a Hóstia em seu peito, mostrando todo seu amor pela Igreja Católica. Um fato curioso em relação à representação calixtiana se refere ao fato de que o artista o representa como homem e não como criança, como faz na Capela do Santíssimo da Igreja de Nossa Senhora da Consolação, conforme se pode observar nas imagens a seguir:

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São Tarcísio. Disponível em: Acesso em: 05 ago. 2016. 134 Op. cit.

70

Figura 24 - Benedito Calixto de Jesus. São Tarcísio. Foto: Karin Philippov

Figura 25 - Benedito Calixto de Jesus. São Tharcisius Martyr, 1918, óleo sobre tela, 78 x 270 cm, Capela do Santíssimo da Igreja de Nossa Senhora da Consolação. < http://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtnm.htm. > Acesso em: 05 ago. 2016.

Enquanto na Igreja de Santa Cecília, São Tarcísio é representado como uma escultura pintada sobre um pedestal, na Igreja da Consolação, em 1918, Calixto adota uma

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representação mais ágil, mostrando o menino caminhando em direção ao fiel, com seu olhar voltado para o alto, em extrema atitude que suscita a devoção e a simpatia do fiel que se solidariza e sente a dor do santo que oferta sua vida a Deus, na Via Ápia, onde é imolado. O santo, ao ver a solidariedade e a fé do fiel que ali reza, expressa sua empatia, fechando o ciclo da piedade visual. Além disso, cabe ressaltar que a representação do santo como uma criança, pode ser interpretada como símbolo da pureza e sua aproximação com o Menino Jesus se torna inevitável e Benedito Calixto de Jesus afirma ainda, sua vertente historiográficoarqueológica, ao resgatar a iconografia infantil de São Tarcísio. Aliás, o artista, inclusive, faz a citação do local do martírio. Já, na Igreja de Santa Cecília, os oito santos são apresentados sobre pedestais, como se fossem esculturas, o que teologicamente simboliza a força da Igreja que é tão dura e resistente quanto à pedra. O segundo santo representado no lado do Evangelho é São Lourenço135, santo martirizado em 258, é considerado o padroeiro dos diáconos, por ter sido guardião dos bens sacros e por ter trabalhado junto a São Xisto II. Sua presença na nave, assim como a dos demais santos martirizados se deve a uma função específica, pois este revela a força da Igreja enquanto instituição, além de demonstrar sua vertente propagadora da palavra de Deus, enquanto diácono. Do mesmo modo, São Tarcísio desempenha a mesma função ao carregar a Hóstia sagrada para levá-la aos cristãos perseguidos.

Figura 26 - Benedito Calixto de Jesus. São Lourenço. Foto: Karin Philippov.

O terceiro santo do mesmo lado é Santo Estêvão, martirizado entre os anos de 31 e 36, é considerado o primeiro mártir e foi diácono da Igreja. Sua presença na decoração da nave pode ser interpretada como aquele que dá seu sangue pela formação da comunidade cristã 135

São Lourenço. Disponível em: Acesso em: 05 ago. 2016.

72

(Atos dos Apóstolos (At 7, 3)) 136 e em seu discurso, revela que o Espírito Santo fala por ele ao dizer: “Sai da tua terra e da tua parentela, e vai para terra que eu te mostrarei”137. Estabelecendo um paralelo entre as palavras bíblicas e a presença de Santo Estêvão na nave, pode-se propor que no discurso do santo haja um paralelismo calculado por Dom Duarte Leopoldo e Silva, a fim de fortalecer sua atuação na Igreja de Santa Cecília, enquanto pastor regendo seu rebanho de féis, estimulando através da piedade visual, o sentido mais profundo de religiosidade construída a partir de um discurso narrativo e histórico, além de político.

Figura 27 - Benedito Calixto de Jesus. Santo Estêvão. Foto: Karin Philippov

O quarto e último santo presente no lado do Evangelho é São Piónio de Esmirna, conforme a pesquisa revela em DECORAÇÃO DA EGREJA 1138. Porém, a observação da imagem traz um problema a ser discutido, pois São Piónio de Esmirna139 teria sido martirizado por decapitação, no ano de 250. A imagem, entretanto, traz um santo que carrega uma chave e um livro, enquanto o arcanjo da direita traz uma cruz invertida, atributos típicos de São Pedro, que é crucificado de cabeça para baixo, por não querer se igualar a Cristo. A iconografia apresentada na Igreja de Santa Cecília lança dúvidas. O que faria mais sentido é que em frente à imagem de São Paulo, padroeiro da cidade, esteja São Pedro, pois ambos constituem os pilares da Igreja Católica Apostólica Romana.

136

Bíblia de Jerusalém. 1985, p. 2059. Op.cit. 138 DECORAÇÃO DA EGREJA 1. s/d. Documento obtido junto ao Arquivo Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva (AMDDLS). 139 São Piónio de Esmirna. Disponível em: Acesso em 19 jun. 2014. 137

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Figura 28 - Benedito Calixto de Jesus. São Piónio de Esmirna (?). Foto: Karin Philippov

A presença de São Piónio de Esmirna no lado do Evangelho também causaria estranhamento, pois, no ano 400, alguém teria se passado pelo santo para escrever a hagiografia de São Policarpo, igualmente martirizado e esta obra seria a primeira do gênero literário epistolar 140. Assim, em se tratando do lado esquerdo da nave, sua presença não faria sentido algum, apesar do documento pesquisado junto ao AMDDLS 141. Sua localização faria sentido no lado oposto da nave, portanto. Assim, do lado esquerdo da nave, pode-se propor que a escolha dos santos está atrelada à força da Igreja enquanto instituição, através de figuras pétreas que parecem olhar o fiel que entra no espaço sagrado e ultrapassa a via purgativa. Do lado oposto, lado epistolar, igualmente há quatro santos martirizados, porém, dois são masculinos e dois, femininos. A questão do elemento feminino se impõe em todos os ambientes da Igreja de Santa Cecília. A primeira santa, localizada em frente a São Tarcísio, é Santa Symphorosa,142 santa era casada, teve sete filhos e foi martirizada junto com sua prole e marido, em Roma, por ordem do Imperador Adriano, no ano de 106.

140

Op.cit.. 141 DOCUMENTO DA EGREJA 1. Idem. 142 Santa Sinforosa. Disponível em: Acesso em: 10 ago. 2016.

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Figura 29 - Benedito Calixto de Jesus. Santa Symphorosa. Foto: Karin Philippov

Ao lado de Santa Symphorosa, Calixto insere um santo masculino, São Lino 143, papa que sucede São Pedro e que é decapitado. São Lino traz mudanças para a Igreja, com novas regras, tais como, decretar que as mulheres cubram suas cabeças ao entrarem nas Igrejas144. Um fato que o distingue dos demais santos, além de sua veste papal, refere-se ao fato de que ele olha em direção ao presbitério e não para os féis, como Santa Symphorosa, por exemplo.

Figura 30 - Benedito Calixto de Jesus. São Lino. Foto: Karin Philippov

Após São Lino, outra santa é representada e seu nome é Santa Thecla Protomártir, santa que se recusa a casar e decide manter sua virgindade até o fim. Padroeira dos agonizantes, Santa Thecla enfrenta, segundo as Actas de Paulo145, três martírios representados 143

São Lino. Disponível em: Acesso em: 10 ago. 2016. São Lino, op.cit. 145 Santa Thecla. Disponível em: < http://heroinasdacristandade.blogspot.com.br/2013/09/santa-tecla-de-iconiovirgem-e-martir.html. > Acesso em: 10 ago. 2016. 144

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pela fogueira, pelos leões e pelas serpentes, mas que teria escapado e vivido até o final de seus dias, em segurança. Ao contrário dos demais santos, Santa Thecla olha em direção ou do coro da Igreja de Santa Cecília, onde está o órgão de tubos, ou para São Lino. Suas mãos em oração geram essa dúvida, pois não parece olhar para o arcanjo localizado à sua esquerda.

Figura 31 - Benedito Calixto de Jesus. Santa Thecla. Foto: Karin Philippov

Por fim, Calixto coloca São Paulo, que olha para baixo, com um olhar paralelo ao de São Piónio de Esmirna ou São Pedro.

Figura 32 - Benedito Calixto de Jesus. São Paulo. Foto: Karin Philippov

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Calixto propõe, assim, um circuito teológico que revela um percurso repleto de significados teológicos, no qual o número oito146 se impõe através do total de oito santos, conforme visto anteriormente, como símbolo do eterno e da Ressurreição de Cristo, além do número quatro147, referente à quantidade de santos de cada lado da nave, simbolizando a alma. Além disso, a programa iconográfico da Igreja de Santa Cecília ainda traz a questão do feminino como modelo de comportamento dentro da sociedade paulistana da Primeira República. A sociedade patriarcal e laica do início da Primeira República ainda coloca a mulher como responsável pela educação de seus filhos e pela manutenção do lar, além de ser a responsável pela manutenção da fé dentro de seus lares, enquanto o homem trabalha fora para manter economicamente sua família. Assim, a decoração calixtiana da Igreja de Santa Cecília é pensada por Dom Duarte Leopoldo e Silva e pela Igreja para servir de modelo de comportamento não só para as mulheres católicas frequentadoras, como para suas famílias, ou seja, como paradigmas de virtude religiosa e social, ao mesmo tempo, em que estimula e demonstra um forte viés moralizante para o público feminino. Observado, desse modo, na hagiografia de Santa Symphorosa e de Santa Thecla, destaca-se que enquanto a primeira é uma mulher casada e que possui uma família com sete filhos, a segunda se recusa a casar para viver seu amor a Deus. Percebe-se, então, que as duas santas se sacrificam em nome do amor divino, pois Santa Symphorosa se vê e a seu marido e sete filhos martirizados em nome de uma causa maior que é o Cristianismo. Santa Thecla também se sacrifica em nome da fé cristã. Assim, a presença de ambas na decoração da nave, no lado epistolar parece se configurar como uma mensagem espiritual vinda de cima para baixo, revelando a intenção doutrinária da Igreja em construir um discurso para os frequentadores e para a sociedade, demonstrando o caminho correto a ser seguido tanto para os homens quanto para as mulheres, caminho este que passa pelo sacrifício a Deus e à sociedade. A observação dos oito santos martirizados e seus pares de arcanjos suscita, portanto, uma análise acerca da construção ideológica de um discurso pautado pela fé, pela história e pela política em um prisma dinâmico, no qual se percebe que a encomenda de Dom Duarte caminha em direção a um constructo de uma memória coletiva, ou seja, a Igreja de Santa Cecília se torna local privilegiado no qual as imagens religiosas surgem como produtos culturais voltados a uma sociedade republicana, na qual as trocas comerciais e culturais são 146 147

CHEVALIER, op.cit. Op.cit.

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negociadas e mediadas pela Igreja e pela Primeira República, na medida em que favorecem a circulação dos bens culturais eclesiásticos e promovem comportamentos a serem seguidos por seus féis. Portanto, ao estimular determinados comportamentos, cada um dos oito santos atua como poderoso regulador social, através da construção social da realidade, conforme Morgan148 aponta. 3.1.2 – Os Doze Bispos, Pedro Correa e João de Souza no Transepto da Igreja

Benedito Calixto também executa os paineis dos doze primeiros bispos de São Paulo, dispondo seis de cada lado dos braços do transepto. Embora não haja documentação sobre este trecho da encomenda e que os mesmos não possuem a assinatura de Calixto, sabe-se que foram executados pelo artista, pois possuem a mesma gramática visual dos oito santos e seus pares de arcanjos dispostos na nave da Igreja de Santa Cecília. Tanto os doze bispos quanto os doze santos mártires apresentam-se sobre pedestais e seus corpos são pétreos, escultóricos. Com a exceção de Santa Thecla, que se apresenta em movimento contido, os demais santos são praticamente imóveis em seus nichos de fundo em mosaico dourado. Assim, localizando os doze bispos nos braços do transepto da Igreja, Calixto e Dom Duarte estabelecem um evidente discurso teológico, no qual os bispos se transformam em operários de Cristo, seguindo o modelo proposto por Cataneo149. Além disso, os doze bispos se colocam como operários de Nossa Senhora e de São José, cujos paineis pintados por Oscar Pereira da Silva, encerram os dois lados do transepto.

148 149

MORGAN, p. 41. CATANEO, op.cit.

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Figura 33 – Esquema proposto por Gino Cataneo. Disponível em: Acesso em: 03 ago. 2016.

Figura 34 - Oscar Pereira da Silva. Assumpção de Nossa Senhora. Foto: Karin Philippov

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Figura 35 - Oscar Pereira da Silva. Os Esponsais de São José. Foto: Karin Philippov

Em relação dos doze bispos presentes nos braços do transepto, propõe-se que Dom Duarte, na verdade, é o décimo terceiro bispo de São Paulo e não o décimo segundo como consta no conjunto iconográfico dos bispos da Igreja de Santa Cecília. Na realidade, o quarto bispo de São Paulo se chama Dom Frei Miguel da Madre de Deus da Cruz

150

, frade

franciscano ordenado em 1793, que por problemas de saúde, recusa-se a aceitar o bispado de São Paulo e permanece em Portugal. Assim, por vários anos, o posto fica vago e é preenchido por outros dois membros menores da Igreja, a saber: “o vigário capitular cônego doutor Antônio José de Abreu e o arcipreste Paulo de Souza Rocha”151. Desse modo, Dom Duarte se beneficia e ocupa seu lugar na decoração como o último bispo de São Paulo até aquele momento. Teologicamente, os bispos se sacralizam na decoração, pois se colocam no mesmo nível em que os santos martirizados localizados na nave estão o que contribui, para sua ascese. Além disso, estando isolados cada qual em seu nicho de luz dourada, ou seja, de luz divina, tornam-se divinos, por consequência. A mensagem é bastante clara, portanto. Quando o fiel adentra o espaço sagrado de uma Igreja e se depara com os representantes de Cristo, na terra, sentem-se próximos a eles. Propõe-se, então, que a piedade visual seja, nesse caso, um 150

“Dom Frei Miguel da Madre de Deus da Cruz”. Disponível em:Acesso em: 11 ago. 2016. 151 Op.cit.

80

modo de alcançar a graça divina através da intercessão dos tornados santos, estabelecendo uma relação de aproximação e distanciamento com o fiel, relação essa que revela a força do programa iconográfico da Igreja de Santa Cecília. Assim, iconograficamente, têm-se os doze bispos dispostos em grupos de três, completando dois pares de cada lado do transepto. Iniciando pelo primeiro grupo do lado esquerdo do transepto esquerdo, veem-se Dom Bernardo Rodrigues Nogueira - 1º Bispo Diocesano (1746-1748), Dom Frei Antônio da Madre de Deus Galrão – 2º Bispo Diocesano (1749-1764) e Dom Frei Manoel da Ressurreição - 3º Bispo Diocesano (1771-1789).

Figura 36 - Dom Bernardo Rodrigues Nogueira, Dom Frei Antônio da Madre de Deus Galrão e Dom Frei Manoel da Ressurreição. Foto: Karin Philippov.

Figura 37 - Retrato de Dom Bernardo Rodrigues Nogueira. Acervo Museu de Arte Sacra de São Paulo.

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Figura 38 - Retrato de Dom Frei Antônio da Madre de Deus Galrão. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo.

Figura 39 - Retrato de Dom Manuel da Ressurreição, s/d. Acervo Museu de Arte Sacra de São Paulo.

Observando os retratos dos bispos acima apresentados, supõe-se que Calixto tenha tido acesso aos mesmos ou às suas fotografias para a execução dos paineis da Igreja de Santa Cecília. Excetuando-se os nimbos sobre as cabeças dos mesmos, afirma-se que este é o elemento que os diferencia dos santos representados na nave da Igreja referida, além da ausência dos oito pares de arcanjos portadores dos atributos de cada um desses santos. Na parede oposta a este primeiro conjunto, vê-se o segundo painel com mais três bispos que são: Dom Matheus de Abreu Pereira - 5º Bispo Diocesano (1796-1824), Dom

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Manuel Joaquim Gonsalves de Andrade - 6º Bispo Diocesano (1827-1847) e Dom Antônio Joaquim de Mello – 7º Bispo Diocesano (1852-1861). O 4º Bispo nomeado recusou ao cargo e por esta razão não consta na decoração da Igreja de Santa Cecília.

Figura 40 - Dom Matheus de Abreu Pereira, Dom Manuel Joaquim Gonsalves de Andrade e Dom Antônio Joaquim de Mello. Foto: Karin Philippov.

Figura 41 - Retrato de Dom Matheus de Abreu Pereira. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo.

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Figura 42 - Retrato de Dom Manuel Joaquim Gonsalves de Andrade. Acervo Museu de Arte Sacra de São Paulo.

Figura 43 - Retrato de Dom Antônio Joaquim de Mello. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo.

Novamente, percebe-se que os retratos são os mesmos utilizados por Calixto, incluindo a mesma pose e gestual, conforme se pode observar nas imagens acima. Mudando para o lado direito do transepto, veem-se os dois últimos trípticos dispostos uma de frente ao outro, contendo a continuação do ciclo dos bispos. Assim, do lado esquerdo do braço do transepto direito veem-se os bispos: Dom Sebastião Pinto do Rêgo – 8º Bispo Diocesano (1862-1868), Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho - 9º Bispo Diocesano

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(1873-1894) e Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti – 10º Bispo Diocesano (1894-1897).

Figura 44 - Dom Sebastião Pinto do Rêgo, Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho e Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. Foto: Karin Philippov

Figura 45 - Retrato de Dom Sebastião Pinto do Rêgo. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo.

Figura 46 - Retrato de Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo.

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Figura 47 - José Ferraz de Almeida Júnior. Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, óleo sobre tela, Museu de Arte Sacra de São Paulo.

Observando-se o tríptico acima, percebe-se que existe uma diferença em relação aos dois primeiros, diferença essa localizada nas vestes e no gestual de Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. Talvez, a razão pela diferença indique a intenção de Dom Duarte em revelar o idealizador verdadeiro da construção da nova Igreja de Santa Cecília, apontada por Dantas.152 Nota-se em seu gestual uma postura de apresentação do novo templo e que carrega a mitra episcopal em sua mão esquerda, denotando seu poder dentro da Igreja. Por fim, na parede oposta encontra-se o último tríptico que traz as imagens dos bispos: Dom Antônio Candido de Alvarenga – 11º Bispo Diocesano (1899-1903), Dom José de Camargo Barros – 12º Bispo Diocesano (1903-1906) e Dom Duarte Leopoldo e Silva – 13º Bispo Diocesano e 1º Arcebispo Metropolitano (1907-1938).

152

DANTAS, op.cit.

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Figura 48 - Dom Antônio Candido de Alvarenga, Dom José de Camargo Barros e Dom Duarte Leopoldo e Silva. Foto: Karin Philippov

Figura 49 - Retrato de Dom Antônio Candido de Alvarenga. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo.

Figura 50 - Retrato de Dom José de Camargo Barros. Destino não encontrado. Foto disponível no site da Arquidiocese de São Paulo.

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Figura 51 - Henri Bérnard. Retrato de Dom Duarte Leopoldo e Silva, 1913, óleo sobre tela, Museu de Arte Sacra de São Paulo.

Assim como Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti que parece estar trajando vestes arcebispais, Dom Duarte Leopoldo e Silva surge com os paramentos arcebispais, incluindo seu báculo, conforme se pode observar na imagem. Ambos possuem status mais elevados na representação na Igreja de Santa Cecília, o que indica a superioridade de Dom Duarte e sua homenagem ao mentor da construção da nova igreja. Ressaltam-se as qualidades de ambos na história da construção da referida Igreja. Além disso, pode-se propor que as vestes arcebispais de ambos podem estar vinculadas não só à homenagem ao mentor Dom Arcoverde, como também ser a indicação de uma quase santidade de ambos, para os féis, o que os tornaria mais próximos de Deus, devido às vestes e ao gestual. Enquanto Dom Arcoverde se volta em direção ao presbitério, Dom Duarte assume a direção oposta, voltandose ao altar de São José, localizado no transepto direito, o que também revela uma atitude teatral de ambos, oriunda do topo de seus pedestais pétreos. Desse modo, Calixto os torna tão santos quanto os santos martirizados presentes na nave da Igreja e Dom Duarte se torna um paradigma a ser seguido por aqueles que frequentam a Igreja e pelos próprios padres que ali professam seus cultos ao longo dos anos e décadas, por encarnar em sua efígie, o modelo de sacerdote que se sacrifica em nome de Deus e conduz a seu rebanho rumo ao projeto Romanizador da Igreja Católica. Além disso, é necessário salientar que a Igreja de Santa Cecília é frequentada igualmente, por barões do café e suas famílias abastadas e sua presença como ápice propulsiona sua força diante da sociedade paulistana de então, o que o coloca como condutor da fé católica junto aos condutores da

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Primeira República, pois Dom Duarte se alia à política brasileira, sobretudo de São Paulo, a fim de garantir a continuidade da Igreja, fortalecendo-a em detrimento dos avanços do laicismo determinado pela Constituição de 1891, do protestantismo e de outras religiões que adentram o território nacional, através da imigração europeia. O papel de Dom Duarte, portanto, é fundamental para a manutenção da fé católica em São Paulo. Além disso, sua atuação junto ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), a partir de 1904, instituto este também frequentado e dirigido por Benedito Calixto, assegura a tradição de São Paulo na própria Igreja, conforme se poderá ver a partir dos próximos dois paineis presentes sobre os tímpanos das portas da Sacristia e da Capela do Santíssimo, respectivamente. Aliás, deve-se destacar a relevância dos estudos indígenas dentro do próprio Instituto, bem como os estudos acerca do processo colonizador do território a partir de 1500. Tratam-se, pois, de dois paineis acerca da Conversão e do Martírio de Pedro Correa e de João de Souza, dois ex-escravizadores de índios que se convertem à Igreja Católica e passam a atuar como defensores dos índios. Porém, a História não parece ser bem assim, pois ambos acabam sendo martirizados, conforme se pode observar. Calixto inova ao colocar dois paineis de tema indigenista na Igreja de Santa Cecília e os sentidos dessa colocação parecem estar atrelados ao passado bandeirante de São Paulo, mas não apenas isso. O artista faz uma intensa pesquisa histórica para dar continuidade a sua encomenda, conforme se pode observar no catálogo anexo. A primeira pintura acerca da Conversão de Pedro Correa se chama Pedro Correa Via Damasco, em clara referência a Jesus Cristo e a Paulo de Tarso, este presente no lado epistolar da nave da Igreja de Santa Cecília. A cidade de Damasco, capital da Síria, segundo os escritos de Paulo, seria o local apontado por Jesus Cristo a Paulo, para que li fosse converter os pagãos, conforme se pode ler nos Atos dos Apóstolos153:

Estando ele em viagem e aproximando-se de Damasco, subitamente uma luz vinda do céu o envolveu de claridade. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: “Saul, Saul, por que me persegues?’ Ele perguntou: ‘Quem és, Senhor?’ E a resposta: ‘Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo’. ‘Mas levanta-te, entra na cidade, e te dirão o que deves fazer’. Os homens que com ele viajavam

153

Bíblia de Jersusalém, op.cit., p. 2064.

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detiveram-se, emudecidos de espanto, ouvindo a voz, mas não vendo ninguém. Saulo ergueu-se do chão. Mas, embora tivesse os olhos abertos, não via nada. Conduzindo-o, então, pela mão, fizeram-no entrar em Damasco. Esteve três dias sem ver, e nada comeu, nem bebeu.

Assim, percebe-se que o discurso bíblico é apropriado pelo artista para compor sua pintura. Porém, destaca-se sua vertente política, ao inserir Pedro Correa, ex-escravizador de índios em uma terra santificada pela presença de Paulo ou Saulo, que age através de Jesus Cristo, para evangelizar os judeus em Damasco, trazendo-os para a luz do Cristianismo. Ao chegar a Damasco, Saulo ou Paulo cumpre sua missão evangelizadora, conforme se lê (Atos dos Apóstolos (9, 20-22)) 154:

Saulo esteve alguns dias com os discípulos em Damasco e, imediatamente, nas sinagogas, começou a proclamar Jesus, afirmando que Ele é o Filho de Deus. Todos os que o ouviam ficavam estupefatos e diziam: ‘Mas não é este o que devastava em Jerusalém os que invocavam esse nome, e veio para cá expressamente com o fim de prendê-los e conduzi-los aos chefes dos sacerdotes?’ Saulo, porém, crescia mais e mais em poder e confundia os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo.

Nas palavras bíblicas de Paulo percebe-se a apropriação que Calixto, via Dom Duarte, faz do episódio sagrado que adquire contornos indigenistas, tornando os judeus em índios, conforme se vê na tela pintada por Calixto. Assim, na tela pintada pelo artista se vê ainda Pedro Correa no momento de sua conversão, pelo Padre Leonardo Nunes, que viveu entre 1490 e 1554 e foi conhecido como O Abare’Bebe, ou Padre Voador, pelos índios que o cercavam. Aliás, a luz vinda do vitral colorido da Igreja de Santa Cecília incide sobre o gesto do Padre Leonardo Nunes e sobre Pedro Correa, o que santifica a cena, conforme explicitado anteriormente. Assim, em uma cena ocorrida em frente à Ilha do Guarahu em Itanhaém, a cena histórica adquire contornos maiores de realidade, pois Calixto acrescenta os dizeres na

154

Op.cit, p. 2065.

90

própria tela, para que os féis vissem o sacrifício de um escravizador de índios que encontra Jesus, através do Padre Leonardo Nunes, tornado Paulo aqui.

Figura 52 - Benedito Calixto de Jesus. Pedro Correa Via Damasco, 1910, óleo sobre tela, 500 x 300 cm. Foto: Karin Philippov

Figura 53 - Benedito Calixto de Jesus. Pedro Correa Via Damasco (detalhe). Foto: Karin Philippov

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Além disso, Calixto elabora uma intensa pesquisa sobre a trajetória de Pedro Correa e do padre Leonardo Nunes, na qual afirma que no momento da conversão, O Abara’Bebe consegue uma mudança radical de vida dizendo que:

operou nelle um verdadeiro prodígio, fazendo com que abandonasse a vida de aventureiro e se convertesse, dando liberdade a todos os seus índios captivos e fazendo doação de todos os seus bens, inclusive os seus domínios territoriais, ao Collegio de S. Vicente e a Aldea e Capella da Praia de Peruhibe, fundada por Leonardo Nunes155.

Obviamente, o discurso é novamente político, pois se espera que os féis frequentadores da Igreja de Santa Cecília sigam por caminhos semelhantes, aderindo não somente à fé católica cristã, como também sejam exemplos e doem dinheiro para as obras da Igreja. Além disso, salienta-se o discurso de exaltação do passado bandeirante do povo paulista, através da dominação do indígena em prol do progresso e nesse momento, a cidade de São Paulo continua em crescimento e até hoje, conta com uma pequena, porém, resistente população indígena, nos bairros mais afastados, como Engenheiro Marsillac, por exemplo. O viés ideológico da decoração se atrela, então, à questão do expansionismo territorial rumo ao interior paulista, que se dá pela estrada de ferro e pelas fazendas de café, ainda em crescimento e fortalecimento. Além disso, a partir dos anos de 1910, com a expansão dos imigrantes em território paulista, o café plantado pelos portugueses começa a entrar em declínio, também, o que gera conflitos com a população indígena ainda presente no oeste paulista e a Igreja de Santa Cecília se torna um marco civilizatório evidente, conforme o Professor Doutor Paulo Garcez Marins156 aponta, pois a imagem religiosa necessita de decoro em suas representações e a tela Pedro Correa Via Damasco possui esta qualidade. A imagem revela a aceitação pacífica de Pedro Correa, ao abaixar sua cabeça em direção ao solo, enquanto o Padre Leonardo Nunes lhe aponta determinando sua conversão, tendo dois índios pacificamente ajoelhados em oração junto a seus pés, como se esse fosse Paulo convertendo os judeus.

155

Conversão de Pedro Corrêa – quadro de Benedito Calixto, s/d, AMDDLS. Conforme anotações tomadas pela autora em sua aula “Os bandeirantes na Decoração do Museu Paulista", ministrada dentro do curso Coleções em Diálogo: Museu Paulista e Pinacoteca de São Paulo, no dia 11 de junho de 2016. Curso oferecido pela Pinacoteca do Estado de São Paulo. 156

92

A segunda tela localizada sobre o tímpano da porta da Capela do Santíssimo, no braço direito do transepto traz a cena do martírio de Pedro Correa e de João de Souza, conforme se pode ler na inscrição logo abaixo da tela: “PEDRO CORREAE MARTIRIUM COMITISQUE JOHANNIS DOEU SOUZA”, que significa “O martírio de Pedro Correa e de seu companheiro João de Souza"157, na qual se veem índios carijós assassinando Pedro Correa e João de Souza, a flechadas e golpes de tacape, conforme se pode observar na imagem.

Figura 54 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Pedro Corrêa e João de Souza, 1912, ost, 500 x 300 cm, assinado B. Calixto, 1912. Foto: Karin Philippov.

Não obstante a observação da imagem acima cumpre salientar a longa pesquisa empreendida por Calixto, na qual se leem os motivos de suas execuções158:

No dia 5 de Outubro, desse mesmo ano de 1554, Pedro Corrêa e o irmão João de Souza prosseguiram a viagem para o Sul, deixando em Cananéa o irmão Fabiano com o fim de doutrinar aqueles índios e bem assim de curar um enfermo castelhano que havia sido ferido por flexa (sic), em um combate com os carijós. 157 158

Tradução gentilmente fornecida pelo Prof. Dr. Luiz César Marques, a quem muito agradeço pela atenção. Martyrio de Pedro Corrêa e João de Souza – Quadro de B. Calixto, s/d, AMDDLS.

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Depois de alguns dias de viagem, por longos e ásperos caminhos, chegaram os dois missionários as terras dos Carijós, onde se demoraram algum tempo, com o fim de firmar a paz com aqueles índios belicosos. (...) Logo após a retirada dos missionários as terras dos Carijós ali apareceu um dos castelhanos, que tinha ódio aos jesuítas, pelas admoestações que este lhes haviam feito, em consequência da depravação de seus actos para com os índios Tupys. Este castelhano procurou então convencer aos carijós que, - o principal fim da missão de Pedro Corrêa era desarmal-os (sic), pela paz, e entregal-os (sic) depois a vingança e a gula dos Tupys, seus inimigos; e que, portanto, os Carijós deveriam, o mais breve possível, dar cabo desses missionários.

Desse modo, o martírio de ambos ocorre e Calixto assim os representa conforme o decoro religioso esperado, citado pelo Prof. Dr. Paulo Garcez Marins159, ou seja, de maneira a não mostrar muito sangue. Aliás, pode-se afirmar que a decoração da Igreja de Santa Cecília não possui arroubos de sofrimento e todas as cenas representadas tanto no transepto, quanto no presbitério possuem alto grau de teatralidade, obtido graças ao recurso da fotografia, pois a formação artística de Benedito Calixto de Jesus ocorre somente de maneira formal em Paris, a partir do ano de 1883, quando obtém uma bolsa de estudos concedida por Nicolau Pereira de Campos Vergueiro

160

, o Visconde de Vergueiro. Calixto é contratado para executar a

decoração do Teatro Guarany, localizado na cidade de Santos, pelo engenheiro Garcia Redondo, que aprova a qualidade de seu trabalho e convence o referido Visconde a concedelhe a bolsa para Paris. Assim, permanecendo por dois anos na capital francesa, Calixto frequenta dois ateliers de artistas, sendo o primeiro de Jean François Raffaëlli (1850-1924) e o segundo, a Académie Julian, local que se torna uma espécie de Meca artística que atrai alunos de todas as partes do mundo, inclusive do Brasil. Na Académie Julian, para onde vai seguindo conselhos de seu amigo Victor Meirelles161, Calixto estuda com artistas como Jules Lefèbvre (1834-1912), Gustave Boulanger (1824-1888) e William Bouguereau (1825-1905) e aprende a

159

Conforme anotações obtidas em sua aula no dia 11 de junho de 2016. TEIXEIRA, op.cit., p.61. 161 p.63. 160

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lidar com a fotografia, como forma de estudo para compor suas obras e ao voltar ao Brasil, traz uma câmera fotográfica para dar prosseguimento às suas composições, de maneira mais ágil.

Figura 55 - Câmera Fotográfica de fabricação alemã, do início do século XX, com lentes Bausch & Lomb, de bastante luminosidade para a época (1:8). Esta máquina quando fechada convertia-se numa pequena maleta, pesando em torno de 1 kg. Acervo Pinacoteca Benedicto Calixto. Doação do bisneto do artista, Sr. Gilberto Calixto Rios. Foto: Karin Philippov162.

Assim, o artista trabalhava em suas composições, porém, sem jamais abandonar os desenhos e estudos preparatórios. O que se propõe é que o artista fotografa seus modelos com roupas e acessórios de época, inclusive utilizando índios verdadeiros para suas obras. Aliás, este é o caso das duas telas do transepto referentes a Pedro Correa e João de Souza. Segundo Milton Teixeira163, “os índios retratados” em O Martírio de Pedro Correa e João de Souza e Pedro Correa Via Damasco “são da aldeia do Bananal de Itanhaém, que o pintor mandou buscar e hospedou em sua casa”. Além disso, o Padre que serve de modelo para as duas telas

162

Segundo conversa informal com o bisneto do artista, Sr. Gilberto Calixto Rios, esta é a segunda câmera fotográfica que o artista teve, pois a lente data de 1900 e já possui recursos que a primeira câmera não possuía. Ainda segundo Senhor Rios, a primeira câmera era fixa e não portátil, portanto, sem os recursos da supracitada. Conversa firmada no dia 27 de agosto de 2016, por ocasião da palestra da autora sobre a produção religiosa de Benedito Calixto na Capela do Santíssimo da Igreja de Nossa Senhora da Consolação, por ocasião da 2ª Jornada do Patrimônio. 163 p. 78.

95

é seu amigo Padre Afonso Chiarechia ou Chiaradia164, que trabalhava em Santos, segundo os arquivos fotográficos do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.

Figura 56 – Reprodução do Painel "MARTIRIO E MORTE DE PEDRO CORRÊA E SEU COMPANHEIRO" 1-03305-0000-0000 FOTOGRAFIA/NEGATIVO DE VIDRO, 12,9 x 17,8 cm. Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Disponível em: Acesso em: 15 ago. 2016.

Calixto introduz uma inovação iconográfica na decoração da Igreja de Santa Cecília ao representar índios reais, através de sua lente fotográfica. Seu procedimento difere dos artistas românticos, exemplificados por Victor Meirelles em sua célebre Moema, por exemplo, realizada em 1866, na segunda metade do século XIX. Calixto, no entanto, produz suas telas indigenistas religiosas entre 1907 e 1917 e este distanciamento temporal deve ser considerado, uma vez que o artista atua em direção à correção histórica no seu conjunto iconográfico na Igreja de Santa Cecília.

164

Disponível em: Acesso em: 15 ago. 2016.

96

Figura 57 - Victor Meirelles. Moema, 1866, óleo sobre tela, 190 x 129 cm, Museu de Arte de São Paulo.

Assim, em suas duas telas acerca de Pedro Correa e João de Souza se propõe que exista um artifício que ultrapassa a questão da encenação para as poses fotográficas e que se relaciona à questão do próprio indígena, pois os carijós que martirizam a Pedro Correa e João de Souza, na realidade, são oriundos da Ilha do Bananal, ou seja, Calixto cria cenas teatrais em suas obras. Aliás, segundo o bisneto do artista, Sr. Gilberto Calixto Rios165, o artista levou os indígenas para sua casa a fim de estudá-los cientificamente em suas poses, gestos e atitudes. Por exemplo, Calixto queria entender como eles empunhavam arcos e flechas, como atiravam, caminhavam, comiam e viviam. Além disso, é a primeira vez que ambos aparecem representados em suas cenas de martírio, dentro da instituição Igreja. Aliás, a única representação de Pedro Correa dentro da História da Arte conhecida se dá no teto da sacristia da Sé de Salvador

166

, onde existe a representação de vinte e um jesuítas martirizados e que

aparecem apenas em formato de busto com os atributos de seus flagelos. Pedro Correa aparece com duas flechas em suas costas, ou seja, não há qualquer forma de sofrimento explícito nessa representação mais privada em Salvador, por ser o ambiente da sacristia, no qual poucas pessoas circulam.

165

Informações obtidas conforme conversa informal com o bisneto do artista, Sr. Gilberto Calixto Rios no dia 27 de agosto de 2016. 166 CYMBALISTA, Renato. Martírios de jesuítas e a construção de uma territorialidade cristã na América Portuguesa. Disponível em: < https://usp-br.academia.edu/RenatoCymbalista. > Acesso em: 25 jun. 2015.

97

Figura 58 – Foto do trecho do teto da sacristia da Catedral da Sé de Salvador, Bahia. Pedro Correa é o segundo a esquerda, de cima pra baixo. Disponível em: Acesso em: 15 ago. 2016.

Assim, ao inserir duas cenas de Pedro Correa e sendo a segunda delas, a de seu martírio, Calixto e Dom Duarte parecem explicitar didaticamente aos féis uma narrativa política visando mostrar que o verdadeiro fiel é aquele que se converte e dá seu próprio sangue à Igreja. Portanto, o artista adota um modelo novo de representação visando igualar santos martirizados ao ex-escravizador de índios, tornado jesuíta, ao mesmo tempo em que iguala os algozes pagãos aos indígenas, unindo-os através da não fé católica. Assim, a Igreja consegue transmitir sua mensagem de fé e doutrinação a seus féis e galga caminhos firmes rumo a sua continuidade, durante a Primeira República. 3.1.3 – O Presbitério através dos doze primeiros Papas Martirizados e o Ciclo de Santa Cecília

Saindo do transepto em direção ao presbitério absidial da Igreja de Santa Cecília, chega-se à conclusão do extenso programa iconográfico de Benedito Calixto, através da inserção de seis paineis acerca do ciclo de vida e morte de Santa Cecília, o que constitui outra novidade calixtiana, além da colocação dos doze primeiros papas martirizados dispostos em trios acima de quatro das seis pinturas de Calixto.

98

O artista novamente traz inovações iconográficas importantes referentes aos papas, pela primeira vez representados em uma igreja paulistana, além de trazer Santa Cecília como mártir e não como padroeira da música, conforme se faz desde Rafaello Sanzio, que por uma variante interpretativa, a coloca desse modo, fato que gera uma multiplicidade infinita de artistas representando-a tocando órgão e/ou flauta, ou ainda personificada em dama de corte, conforme se verá neste capítulo. Iniciando didaticamente pelos doze papas martirizados, torna-se necessário compreender a origem do conjunto, a fim de estabelecer um cotejo com Santa Cecília. Assim, se têm os seguintes papas, São Lúcio, São Cornélio, São Zeferino, São Calixto I, São Fabiano, Santo Anthero, São Ponciano, Santo Urbano I, São Melchiades, Santo Estevam I, São Xisto II e São Paschoal I, dispostos em quatro trios, conforme se pode observar abaixo:

Figura 59 - Benedito Calixto de Jesus. São Lúcio, São Cornélio e São Zeferino. Foto: Karin Philippov.

Figura 60 - Benedito Calixto de Jesus. São Calixto I, São Fabiano e Santo Anthero. Foto: Karin Philippov

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Figura 61 - Benedito Calixto de Jesus. São Ponciano, Santo Urbano I e São Melchiades. Foto: Karin Philippov

Figura 62 - Benedito Calixto de Jesus. Santo Estevam I, São Xisto II e São Paschoal I. Foto: Karin Philippov

Os doze papas martirizados são pela primeira vez representados em uma igreja de São Paulo, o que demonstra o alto grau de pesquisa empreendida por Calixto, a partir da encomenda de Dom Duarte Leopoldo e Silva, uma vez que a escolha iconográfica do artista parece proceder da fisicalidade de seus restos mortais, ou de pelo menos, suas memórias registradas na Catacumba de São Callisto, localizada em Roma167. Mesmo Calixto não tendo estado na Itália, como Teixeira168 explicita em sua biografia sobre o artista, propõe-se, que o acesso às imagens e documentação possa ter sido fornecido pelo próprio Dom Duarte a 167

Le Catacombe Cristiane di Roma. La Cripta dei Papi. Disponível em: Acesso em 12 ago. 2016. 168 Op.cit.

100

Calixto, principalmente em se tratando das imagens de Santa Cecília, por exemplo, conforme se verá mais adiante. Os modelos adotados por Calixto parecem não seguir a realidade encontrada na Catacumba de São Callisto, pois lá constam, em grego, apenas os nomes escritos dos papas martirizados169 e seus restos mortais não são mais encontrados por lá, devido às transferências de seus espojos para as Igrejas romanas, como no caso de Santa Cecília, levada para a Igreja de Santa Cecilia in Trastevere, Roma, a partir do ano 821, pelo Papa Pascoal I170. Assim, Calixto cria sua galeria de papas martirizados partindo de uma intensa pesquisa arqueológica sobre as atas dos martírios existentes, bem como acerca de documentos pesquisados referentes à Santa Cecília. Pode-se propor, então, que Calixto tenha tido a intenção de transformar o presbitério da Igreja de Santa Cecília em um novo centro propulsor do Cristianismo, ou melhor, em uma espécie de Vaticano paulistano, uma vez que as catacumbas de San Callisto, em Roma foram elevadas a tal condição a partir de 1854, pelo grande arqueólogo Giovanni Battista de Rossi, que as define da seguinte maneira: “o pequeno Vaticano, o monumento central de todas as necrópoles cristãs” 171. A definição sintomática de Rossi transformaria, então, as catacumbas em símbolo da Cristandade máxima expressada pelo Vaticano. Mas que sentidos haveria em se pensar o presbitério da Igreja de Santa Cecília, uma vez que os corpos martirizados não estão na Igreja? Qual a intenção de Dom Duarte em propor a Calixto a inserção dos papas primitivos em um templo da Primeira República? Em primeiro lugar, salienta-se a necessidade de afirmação da Igreja em si, mesmo que seja através de simulacros de figuras ausentes, como são os corpos de todos os santos da nave e dos papas do presbitério. Calixto os representa em seu mais alto grau de santidade isolandoos em nichos de fundo de mosaico dourado, dispostos sobre pedestais cúbicos, em possível alusão à “sabedoria, verdade e perfeição moral”172. Assim, segundo Chevalier,173 os papas ocupariam o mais alto grau de superioridade e seus isolamentos em nichos os tornaria ainda mais santificados, então. Não obstante ensaiem leves movimentos, Calixto não os torna dinâmicos em seus nichos. Aliás, a produção religiosa de Benedito Calixto se caracteriza pela estaticidade e pela teatralidade de suas poses ensaiadas diante da câmera fotográfica, o que não deixa de ser uma qualidade positiva de sua obra, pois a arquitetura e a decoração da Igreja 169

Op.cit. GÓMEZ, 2005, p. 47. 171 “il piccolo Vaticano, il monumento centrale di tutte le necropoli cristiane”. , op.cit. 172 CHEVALIER, op.cit., p. 317. 173 p.137 170

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de Santa Cecília parecem pressupor este sentido classicizante e contrário aos movimentos exagerados do Barroco, muito embora conserve a teatralidade e a encenação como formas de propagar o discurso político da fé. A concepção do conjunto iconográfico da referida Igreja parece privilegiar a recuperação da Igreja primitiva, com a intenção de se afirmar em uma cidade como São Paulo, que igualmente está em busca de suas origens históricas e quando sua decoração iguala os doze primeiros bispos dispostos nos braços do transepto aos doze primeiros papas do presbitério, tendo como pontos máximos do programa, as figuras de Dom Duarte Leopoldo e Silva e o Papa Mártir Sisto II, a ideologia política e histórica atinge seu auge, este marcado por São Cipriano de Cartago174, que define Sisto II, como “um dos mártires mais ilustres”175 da catacumba de São Callisto, e como “sacerdote bom e pacífico, ”176 pode-se propor uma aproximação à figura de Dom Duarte, que atua como um verdadeiro pastor de ovelhas, agregando seus féis a passos largos, tanto através de suas pregações, quanto através de seu exemplo sacrificial durante a Primeira República. Assim, o discurso empreendido pela decoração de Calixto demonstra seguir um viés marcadamente político e histórico, ao reunir em um mesmo espaço, santos e papas martirizados, Pedro Correa, ex-escravizador de índios tornado jesuíta e consequentemente santo, após seu martírio e bispos que se reúnem nos braços do transepto, a fim de imporem suas presenças como verdadeiros operários de Cristo, oferecendo seu sangue e sua vida em prol da Igreja. Assim, o discurso proposto por Dom Duarte, através da produção religiosa de Calixto, insere os doze papas martirizados como bastiões da Cristandade, fazendo-os emanar a partir da via unitiva, a fé e a ideia de salvação. Instalados no alto das paredes laterais do presbitério, parecem descer do céu dourado a fim de guiar os féis em direção a Deus. Observando-se e cotejando-se as representações iconográficas de São Xisto II e Dom Duarte, percebe-se que Calixto representa o bispo com maior grau de pompa e maior grandiloquência em sua postura e propõe-se que tal engrandecimento faça de Dom Duarte, guia mór da Igreja Católica Romanizada em São Paulo.

174

Bispo africano martirizado em 258, durante as perseguições a Valeriano, esposo de Santa Cecília. Disponível em: Acesso em: 17 ago. 2016. 175 “uno dei martiri più illustri”. Disponível em: Op.cit. 176 “sacerdote Buono e pacifico”. Disponível em:< www.catacombe.roma.it/it/peercorsi_criptapapi.php.> Op.cit.

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Figura 63 – Benedito Calixto de Jesus. São Xisto II e Dom Duarte Leopoldo e Silva (detalhes). Fotos: Karin Philippov

Outro ponto a ser discutido refere-se à identidade dos demais papas representados no presbitério da Igreja de Santa Cecília, uma vez que a inserção de São Pascoal I177 se deve ao fato de o mesmo estar associado à descoberta do corpo de Santa Cecília, além de ter-lhe sido atribuído um sonho no qual a Santa teria lhe informado onde estaria os restos mortais de seu esposo, Valeriano. Assim, percebe-se como a estrutura iconográfica trazida por Calixto e planejada por Dom Duarte, encerra o discurso dentro de uma narrativa plausível e fabricada segundo os ditames eclesiásticos do próprio Concílio Vaticano I, visando à justificação do poder sacro da Igreja e que, transportado para a cidade de São Paulo, durante os primeiros anos da República, assume contornos precisos de manutenção do poder religioso dentro de um Estado tornado laico. Ou seja, os ditames contrarreformísticos defendidos a partir de Trento são atualizados pelo Concílio Vaticano I e transportados para a Igreja do século XX, forjada em São Paulo, através de uma arquitetura revivalista e historicista, que recebe uma decoração classicizante voltada para o resgate de um passado cristão, que por sua vez, é igualmente um constructo direcionado à memória coletiva. Desse modo, então, forja-se aqui uma nova ideologia, através do resgate histórico-arqueológico de um passado bandeirante e indigenista cotejado ao habitante paulistano. Assim, através da empatia suscitada pelas imagens piedosas, o fiel é levado a se identificar com a dor sofrida pelos santos martirizados e a se espelhar em seus 177

São Pascoal I. Disponível em:< http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/PPPasc01.html. > Acesso em: 18 ago.2016.

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exemplos e agir em consonância às suas supostas histórias de vida, conforme Morgan178 defende. O caráter pedagógico se afirma, portanto, como forma de condução de uma sociedade voltada à moral, aos bons costumes e à aceitação passiva dos preceitos eclesiásticos e republicanos, devido à aproximação da Igreja ao governo, através de seus condutores políticos, representados pelos barões do café. O presbitério da Igreja de Santa Cecília ainda traz seis grandes paineis realizados por Benedito Calixto de Jesus, abrangendo desde o Batismo de Valeriano, até os funerais de Santa Cecília. A disposição cronológica das pinturas se dá da esquerda para a direita e as imagens concentram momentos precisos do ciclo de Santa Cecília, com fatos construídos historicamente, de maneira a estimular a piedade visual dos féis, além de servir de paradigma comportamental, por ser a Santa o exemplo de mulher que se casa, mas se despoja de suas necessidades conjugais para servir a Deus, unicamente, além de convencer seu marido a adotar a mesma postura. Novamente, o discurso se constrói baseado em documentos tidos por históricos, porém, sem comprovação científica, visto que as atas de seu martírio “carecem por completo de fundamento histórico.”179 Assim, iconograficamente o conjunto se impõe em telas de grande formato, com narrativas religiosas históricas ou pseudo-históricas, com a intenção de fornecer uma mensagem direta aos féis, através de mais um exemplo de martírio realizado em busca da salvação eterna. Assim, O Batismo de Valeriano abre a sequência teatral idealizada por Calixto. Feita com o uso da câmera fotográfica, o artista compõe sua cena colocando seus amigos e familiares vestindo roupas e usando acessórios de época, a fim de encenar a realidade que ele cria e define. Após fotografar o grupo, Calixto inicia a segunda etapa de sua produção, partindo de sua imaginação sobre como seria um espaço do Cristianismo primitivo, como uma catacumba, por exemplo. O artista executa sua composição resgatando vestígios arqueológicos do que ele nunca viu pessoalmente, fator que leva a crer que Dom Duarte ou algum outro membro da Igreja tenha lhe fornecido fotografias de catacumbas, livros ou publicações contendo ilustrações catacumbiais. Aliás, Calixto como historiador e homem versado que é, deve ter pesquisado por conta própria, também, além de ter tido profundos contatos com a arte em sua viagem a Paris, entre 1883 e 1884.

178 179

Idem. “carecen por completo de fundamento histórico”. GÓMEZ, op.cit., 2005, p. 47.

104

Figura 64 - Benedito Calixto de Jesus. O Batismo de Valeriano, 1909, ost, 190 x 350 cm. Inscrição: “AB VRBANO EPISCOPO VALERIANVS BAPTIZATVR VBI PETRVS BAPTIZABAT”. Foto: Karin Philippov.

Por exemplo, a imagem acima traz elementos arqueológicos que demonstram a tentativa de citar a Cripta dos Papas, conforme se pode observar na reconstrução feita pelo arqueólogo Giovanni Battista de Rossi180, em 1854. Em uma citação que parece evidente, Calixto insere as personagens e praticamente repete o mesmo ângulo escolhido por De Rossi, apesar de não inserir a pintura ao fundo. Propõe-se, então, que o artista tenha tido acesso a esta gravura, inclusive por ser relativamente recente e revelar o interesse científico de ambos pela arqueologia e pela história. Aliás, a circulação de imagens religiosas arqueologizantes parece prosperar no período, conforme se verá no próximo capítulo.

180

Disponível em: < http://www.wikiwand.com/it/Catacombe_di_San_Callisto. > Acesso em 18 ago. 2016.

105

Figura 65 – Repetição da figura 64 em comparação com foto da reconstrução arqueológica do que teria sido a Cripta dei Papi nas Catacumbas de São Callisto, feita por Giovanni Battista de Rossi. Disponível em: Acesso em: 18 ago. 2016.

A segunda pintura do ciclo traz o tema da Aparição do Anjo à Santa Cecília e Valeriano que vem para coroá-los em sua união, cena esta carregada de vários elementos simbólicos, como o símbolo da providência divina ou da Santíssima Trindade181 envolto por uma nuvem ou fumaça, representado pelo olho inserido em um triângulo, de onde partem os raios que iluminam as coroas de rosas e lírios182 trazidas pelo anjo flutuante. A cena se dá em um aposento iluminado por uma janela, mas que parece fornecer menos luz do que a luz divina. O jovem casal tem suas costas voltadas para o mundo exterior, revelando uma existência espiritual mais forte do que a humana. Valeriano abre seus braços para receber seus desígnios sagrados, enquanto Cecília observa em profunda contemplação. Calixto ainda insere cortinas vermelhas, cor da paixão de Cristo, separando esses dois mundos e coloca um coroinha assustado com a cena, enquanto tenta se esconder atrás da cortina, em uma pose titubeante. No primeiro plano, um vaso com lírios brancos, simbolizando castidade e pureza. A cena teatralizada ocorre em um aposento doméstico simples, com pouca mobília. Novamente, coloca-se a questão da fotografia encenada pelo artista e calculada para revelar o sagrado por trás da cortina vermelha.

181

Dicionário de Símbolos. Disponível em:< http://www.dicionariodesimbolos.com.br/olho-tudo-ve/. > Acesso em 18 ago. 2016. 182 DECORAÇÃO DA EGREJA. Op.cit. AMDDLS.

106

Figura 66 - Benedito Calixto de Jesus. A Aparição do Anjo do Senhor, 1909, ost, 190 x 350 cm, assinado B. Calixto. Inscrição: “DVPLIVI CORONA ROSIS ET LILIS CONTEXTA ANGELVS DOMINI SPONSIS CORONANDIS APPARET”. Foto: Karin Philippov.

A observação da segunda cena de Calixto reforça as concepções imagéticas voltadas não somente à piedade visual, como à questão da imagem ser usada como recurso devocional ligado à narrativa histórico-política da Igreja de Santa Cecília, conforme o restante da decoração demonstra. A terceira obra trata do tema da Imposição do Véu a Santa Cecília, momentos antecedentes aos martírios de Valeriano e seu irmão Tibúrcio. Santa Cecília, então, consegue, então, converter o chefe da escolta e seus guardas para o Cristianismo.

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Figura 67 - Benedito Calixto de Jesus. A Imposição do Véu, 1917, ost, assinado B. Calixto. Inscrição: “CAECILIAE VRBANVS EPISCOPVS SACRVM FLAMMEVM IMPONIT”. Foto: Karin Philippov.

Enquanto a cena precedente trazia ar mais familiar e privado, esta adquire contornos solenes, ao se ver a santa ajoelhada diante do Papa Urbano, que coloca um véu sobre sua cabeça. A cerimônia religiosa parece ocorrer em uma catacumba, devido às carneiras localizadas na parede direita. A abertura ao fundo, por onde entram em procissão os novos convertidos, faz com que o espaço seja diferente da Catacumba de São Callisto. Nota-se que Papa Urbano olha para o alto, em consonância aos desígnios divinos, ao mesmo tempo em que o lustre representado traz três velas acesas, talvez simbolizando não somente a Santíssima Trindade, como também Santa Cecília, Valeriano e Tibúrcio.

108

Assim, em mais uma cena encenada e projetada através da fotografia, Calixto novamente reforça os sentidos da piedade visual, através da criação de mais um constructo histórico que visa reiterar as funções da própria Igreja de Santa Cecília, como centro difusor da união com Deus e, sobretudo, do controle social, político e religioso proposto por Dom Duarte. A quarta cena do presbitério traz a cena da condenação ou interrogatório de Santa Cecília pelo Pretório de Almachio, ou seja, aqui a obra de Calixto adquire contornos judicias, além de apresentar dois títulos para a mesma pintura, conforme o documento acerca da decoração da Igreja de Santa Cecília.183 Assim, em uma cena solene, vê-se Cecília, após as mortes de seu esposo e de seu cunhado, sem qualquer sinal de dor ou sofrimento. Aliás, o ciclo de Santa Cecília não revela arroubos de sofrimento, visto que o decoro iconográfico se faz presente, corroborando a questão do decoro apontada nas duas cenas de Pedro Correa e João de Souza, localizadas no transepto da Igreja. O ciclo calixtiano se faz por escolhas de momentos escolhidos junto a Dom Duarte, revelando os episódios mais relevantes e emblemáticos da vida da santa, ou seja, o artista pontua com precisão aquilo que os féis devem compreender e levar para suas vidas, através de exemplos moralizantes e pedagógicos construídos a partir dos estudos feitos por Calixto.

183

Op.cit.

109

Figura 68 - Benedito Calixto de Jesus. A Condenação de Santa Cecília, 1917, ost, 190 x 350 cm. Inscrição: “IN ALMACHI TRIBVNAL PRODVCTA CAECILIA MORTI DAMNATA”. Foto: Karin Philippov

Iconograficamente, veem-se Cecília que se coloca como uma escultura grega, em pé e com o braço direito levantado. Aqui, ela não é mais a jovem delicada das cenas precedentes, mas, sim, uma fortaleza de fé cristã, que se adentra o recinto adornado por pinturas de ninfas dançantes, no topo. O cenário representado por Calixto traz elementos arquitetônicos clássicos, típicos das construções romanas atualizadas para o neoclassicismo, ou seja, revestidos de grandeza. Santa Cecília, além disso, é vista de cabelos presos, com seu corpo estático evocando, talvez, em sua postura e gestos, a estatuária masculina romana exemplificada até pela figura

110

de Augusto de Prima Porta, com seu gesto solene e de imposição de poder temporal. Porém, o poder visado pela santa é de outra ordem, ou seja, o que almeja é o poder supremo divino trazido pelo Cristianismo. Assim, a aproximação formal aqui proposta não tem como intenção afirmar que Calixto tenha representado a santa como um imperador romano, mas que seu gestual e postura se assemelham, nesse sentido.

Figura 69 (foto à esq.) - Augusto di Prima Porta. Musei Vaticani, Roma. Disponível em: Acesso em: 18 ago.2016. Figura 70 (foto à dir.) - Benedito Calixto de Jesus. A Condenação de Santa Cecília (detalhe). Foto: Karin Philippov.

A aproximação da firme figura de Santa Cecília, que ergue seu braço direito e coloca a mão esquerda sobre o peito, enquanto eleva seu olhar ao alto, evoca igualmente a figura de Cristo em pregação, conforme se pode observar na obra do artista Ary Scheffer, por exemplo. Propõe-se, então, o uso devocional suscitador da piedade no fiel em ambas as imagens.

111

Figura 71 - Ary Scheffer. A Tentação de Cristo, 1854, óleo sobre tela. Walker Art Gallery, Liverpool. Disponível em: Acesso em: 19 ago. 2016.

O ápice do drama da vida de Santa Cecília se dá na quinta tela do ciclo, após receber sua condenação no tribunal, para que fosse asfixiada no Caldarium. Como em muitos dos episódios de martírio, se não em todos, Santa Cecília não morre na primeira tentativa e somente após receber três golpes de espada na nuca, ordenados pelo pretor Almachio, é que morre lentamente, conforme seus relatos históricos184 apontam. A cena trazida pelo artista insere Cecília no ápice de seu martírio, mostrando seu corpo já morto sobre o patíbulo. Calixto dispõe suas figuras de maneira profundamente teatral, concentrando a ação na morte de Santa Cecília, com seu corpo sendo observado por seus algozes, dentre os quais Almachio, que aparece de frente, carregando seu cetro, enquanto observa vitorioso e solenemente os resultados daquilo que ordenou. Enquanto Santa Cecília se isola no meio de seus detratores, ao fundo se veem cristãs que choram, ao mesmo tempo em que três anjos surgem em meio a nuvens esfumaçadas, trazendo guirlandas de flores para coroá-la após seu martírio. Assim, percebem-se os símbolos teológicos da cena, em número de três, através da tríade de anjos, dos três golpes que a santa sofreu e, sobretudo de seus gestos finais, com as duas mãos, formando ao todo, três dedos indicados, ou seja, a referência à Santíssima Trindade parece se impor no todo sagrado. 184

VANZO, op.cit., p. 42.

112

Figura 72 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Santa Cecília, 1909, ost, 190 x 350 cm. Assinado B. Calixto. Inscrição: “EX CALDARIO ILLAESA, CAECILIA IVSSV ALMACHI, TER SECVRI ICTA TRIDVO POST, EVOLAT IN COELVM”. Foto: Karin Philippov

O sexto e último painel do ciclo de Santa Cecília se refere aos funerais da santa na Catacumba de São Callisto, em Roma. Assim, o ciclo inicia e termina dentro do ambiente da catacumba, expressão máxima da sacralidade de Santa Cecília, que é trazido para a Igreja de Santa Cecília em São Paulo. O corpo da santa é levado para sua cerimônia fúnebre, presidida por Santo Urbano. Calixto assinala a presença dos cristãos agitando lírios e palmas, durante a cerimônia carregada de devoção, emoção e piedade.

113

Figura 73 - Benedito Calixto de Jesus. Os Funerais na Catacumba, 1909, ost, 190 x 350 cm. Assinado B. Calixto. Inscrição: “PLAVDENTE FIDELIVM TVRBA SVPRA CORPVS CAECILIAE VRBANVS ESPISCOPVS SACRVM PERAGIT”. Foto: Karin Philippov.

O artista insere este quadro sobre a porta que sai do presbitério para a Capela do Santíssimo, local de encontro íntimo do fiel com Cristo vitorioso que venceu a própria morte e ressuscitou em nome da humanidade. A referida Capela possui outra porta, que parte do braço direito do presbitério, cuja imagem de entrada constituída em seu tímpano, traz a cena do Martírio de Pedro Correa e João de Souza.

114

Figura 74 - Benedito Calixto de Jesus – O Martírio de Pedro Corrêa e João de Souza, 1912, ost, 500 x 300 cm, assinado B. Calixto, 1912. Foto: Karin Philippov.

Pode-se, então, propor que o fiel veja ambas as cenas tanto dos funerais de Santa Cecília, quanto o martírio dos jesuítas Pedro Correa e João de Souza e busquem identificar-se em seus sofrimentos, terminados na vitória divina e entre na Capela do Santíssimo, já com a firme esperança e certeza de que seus problemas serão solucionados, por intermédio da graça divina. Simbolicamente, cabe ressaltar que os lírios representam a pureza e as palmas, a vitória, além, de prefigurar a Ressurreição de Cristo, após seu sofrimento no Calvário.185 Assim, o uso dos símbolos cristãos pelas figuras piedosa e devocionalmente ajoelhadas prepara o fiel para entrar no universo da vitória e do triunfo eucarístico da Capela do Santíssimo. O discurso de Dom Duarte, portanto, é concluído em parte. Aliás, ainda cabe salientar que sua figura se encontra em frente à porta de entrada da Capela do Santíssimo, em clara referência de sua piedade, mas também de seu poder como sacerdote operário de Cristo, além de bispo e arcebispo.

185

CHEVALIER. Op.cit., p. 680.

115

3.1.4 – O modelo de Santa Cecília e a problematização de sua iconografia: escolhas, transmutações e instauração de um novo paradigma imagético

A escolha do paradigma de Santa Cecília suscita várias questões. A primeira delas se refere ao fato do artista não ter adotado a iconografia da santa como padroeira da música, constituindo assim, uma novidade iconográfica planejada por Dom Duarte e executada por Benedito Calixto de Jesus, mas sim como mártir e exemplo de virtude a ser seguido. Dessa maneira, as várias inovações iconográficas da Igreja de Santa Cecília a tornam ímpares. A primeira das inovações se refere ao modo como a representa no presbitério, pois, Calixto além de elaborar sua obra a partir de uma intensa pesquisa histórico-arqueológica, ainda recupera a iconografia da santa martirizada que foi amplamente empregada até o século XIV, na Itália e aqui, cita-se, por exemplo, Lippo di Andrea (1370-1451c.), conhecido como Pseudo Ambrogio di Baldese, que afresca as paredes da Capella Nerli, da Basílica di Santa Maria del Carmine, em Florença, com cenas da vida e morte de Santa Cecília e São Valeriano, seu esposo espiritual.

Figura 75 - Lippo di Andrea. Morte e Apoteose de Santa Cecília, afresco, 1402c., Capella Nerli, Basílica di Santa Maria del Carmine, Florença. Disponível em: Acesso em: 23 ago. 2016. 255 KAUFMANN, op.cit. 256 GINZBURG, op.cit.

165

Apesar de haver informações mais precisas em relação às obras de Galloppi, referentes às dimensões de suas pinturas na Igreja napolitana e acerca de suas funções específicas dentro da referida igreja, bem como de seu encomendante, ainda é possível aproximar ambas a pinturas e analisá-las iconograficamente, a fim de estabelecer um discurso historiográfico e artístico. Enquanto a pintura de Galloppi localiza-se na nave257, esta de Calixto ocupa um local de honra na decoração, ao estar no presbitério. Além da questão trazida pela localização, salientam-se outras aproximações concernentes às suas escolhas iconográficas e à ambientação de suas cenas, apesar das diferenças temáticas das pinturas. Nota-se o caráter estático de ambos, através de pinturas encenadas, nas quais há pouco movimento, mas muita devoção, o que estimula a piedade visual e a empatia em seus féis, com o intuito de promover a fé. Destaca-se igualmente que ambas as pinturas possuem um chão devidamente geometrizado que rebaixado em direção ao observador, parece convidá-lo a participar da cerimônia ali presente. Os anjos em ambas também possuem similaridades ao serem dispostos em patamares mais elevados, não obstante as diferenças em suas poses. Igualmente, ressaltase a aparência juvenil das figuras de Santa Cecília, Valeriano, do coroinha e da Virgem Maria nas cenas. Outro cotejo a ser discutido se refere a outra pintura de Galloppi para a mesma igreja, na qual se observa a tentativa do artista em elaborar uma pintura que demonstra sua preocupação em fazer uma pintura com correção histórica, voltada para o resgate arqueológico das reminiscências cristãs bíblicas, inseridas em um ambiente arquitetônico que revela sua pesquisa. Tal procedimento também é visto na produção calixtiana. Outra questão a ser discutida se refere ao diálogo com a tradição da pintura nazarena, movimento surgido dentro do Romantismo alemão, no século XIX.

257

S. Maria dell'Avvocata, op.cit.

166

Figura 128 - Vincenzo Calloppi. Visitazione a Santa Elisabetta, 1896-97, óleo sobre tela, dimensões não encontradas. Igreja de Santa Maria dell’Avvocata. Disponível em: Acesso em: 23 ago. 2016. Figura 129 - Benedito Calixto de Jesus. A Imposição do Véu, 1917, ost, assinado B. Calixto. Inscrição: “CAECILIAE VRBANVS EPISCOPVS SACRVM FLAMMEVM IMPONIT”. Foto: Karin Philippov.

Novamente, aqui se percebe a aproximação formal entre as duas pinturas, que se abrem para o fundo, apesar de Galloppi oferecer uma paisagem evocadora do Oriente, em uma tentativa de fornecer uma garantia de autenticidade para sua cena. Além disso, ambas as obras possuem o mesmo grau de solenidade, apesar das diferenças temáticas e apresentam um rebaixamento no chão, convidando o fiel a participar da cena. Permanece, também, a mesma monumentalidade do todo e a descrição do cenário as cenas ocorrem. Michaela Giebelhausen258 aponta, em relação à arte Pré-Rafaelita esse cotejo com o Oriente e a busca pela correção histórico-arqueológica pautada pela ampla circulação de Bíblias ilustradas no século XIX, como forma de apresentar a “noção de história” de modo a “historicizar, particularizar e orientalizar o evento bíblico”259. Embora Giebelhausen não se refira à arte italiana, mas sim ao Pré-Rafaelismo inglês, parece lícito propor a circulação de gravuras soltas que reproduzem pinturas religiosas, bem como as próprias Bíblias Ilustradas 258 259

GIEBELHAUSEN, 2006. “notion of history (...) to historicize, particularize and orientalize the biblical event”. Op.cit, p. 141.

167

como, por exemplo, a Illustrated Family Bible de John Cassell (1859-63)

260

, publicação que

contém imagens bíblicas executadas através de pesquisas histórico-arqueológicas. Assim, sugere-se que Calixto tenha tido acesso a esse arcabouço imagético, no qual, o artista produz obras religiosas com muita intensidade, a fim de atender a todas as suas encomendas. Votando aos artistas italianos, cita-se Francesco Grandi, que produz dentro do ambiente da Accademia di San Lucca261, uma encomenda para a Igreja de San Lorenzo Fuori Le Mura e que chama muito a atenção pela enorme semelhança com a decoração da nave da Igreja de Santa Cecília, feita por Calixto.

Figura 130 - Francesco Grandi. Sepultura di San Lorenzo. Esboço para a Igreja de San Lorenzo Fuori le Mura, s/d, técnica mista, 70,5 x 64,5 cm, Accademia di San Lucca, inv. 0091. Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2016.

260

GIBELHAUSEN, op.cit. Accademia di San Lucca. Disponível em: http://www.accademiasanluca.eu/it/collezioni_online/pittura/archive/cat_id/1791/id/1942/sepoltura-di-s.lorenzo>. Acesso em: 23 ago. 2016. 261

<

168

Figura 131 - Benedito Calixto de Jesus. São Lourenço, s/d, óleo sobre tela. Foto: Karin Philippov

A primeira semelhança que se ponta diz respeito ao tema exposto por ambos. Em segundo lugar, percebe-se a atmosfera do conjunto através da decoração de Gino Catani, realizada na Igreja de Santa Cecília. O isolamento do santo em um nicho e os padrões decorativos e as paletas cromáticas adotados em ambos os casos, demonstram a ampla circulação de ideias e de modelos, muito embora não tenham sido encontrados documentos que revelem contatos entre Calixto e Grandi e nem se saiba a data em, que o último realiza sua obra. Já, em relação à arte francesa, propõe-se em primeiro lugar o contato direto que Benedito Calixto de Jesus tem com a arte e o patrimônio religioso francês durante sua estada em Paris262, por ocasião de sua bolsa recebida em 1883. Como católico e devoto que é seguramente frequenta as igrejas parisienses, além dos museus. Enquanto a arte italiana se faz presente em sua obra, através da encomenda que recebe de Dom Duarte, a qual visa atender aos anseios da Igreja Romanizadora, a arte francesa pode ser vinculada à sua produção, devido ao contato direto do artista com a França e também, com sua cultura, uma vez que a arte francesa começa a entrar no Brasil a partir de 1816, com os artistas da Missão Artística Francesa263.

262 263

TEIXEIRA, op.cit. TAUNAY, 1983.

169

Assim, ao se pensar nas possíveis igrejas visitadas pelo artista, propõe-se que tenha tido contato com igrejas como o Panthéon264, igreja monumental decorada por artistas como Pierre Puvis de Chavannes, Jules-Élie Delaunay, entre outros. Propõe-se, aqui, uma análise comparativa das obras apresentadas, no sentido de observar o quanto Calixto pode ou não estar estabelecendo um diálogo com esse tipo de produção, sem que haja o questionamento daquilo que é periférico ou não na produção calixtiana, pois se deve considerar a produção do artista brasileiro dentro da relação centro-periferia, através do embate, conforme visto anteriormente. Observando-se a pintura de Jules-Élie Delaunay, por exemplo, destaca-se sua busca pela historicidade, na qual se vê Santa Genoveva acalmando o povo parisiense, diante da ameaça de Átila, o rei dos Hunos.

Figura 132 - Jules-Élie Delaunay. Santa Geneviève Acalmando os Parisienses, s/d, óleo sobre tela, dimensões não encontradas, Panthéon, Paris265. In: LÉPINAY, François Macé de. Peintures et Sculptures du Panthéon. Paris: Éditions du Patrimoine, 1997.

Lépinay266 analisa a pintura e propõe que, “a força espiritual triunfa sobre a brutalidade. Delaunay, como Pierre Puvis de Chavannes, rejeita o realismo em prol de uma 264 265

LÉPINAY, 1997. op.cit.

170

visão poética”. Desse modo, deve-se comparar a obra acima e estabelecer uma diferença fundamental com Calixto, uma vez que o mesmo não rejeita o realismo, em prol de um historicismo construído, conforme se observa em seu conjunto iconográfico. Entretanto, cabe salientar que apesar das distâncias entre ambos, há aproximações formais a serem feitas, considerando-se a obra de Calixto. Assim, observando A Condenação de Santa Cecília, de Calixto e Santa Geneviève Acalmando os Parisienses, de Delaunay, apontam-se semelhanças formais relacionadas aos gestos e a colocação das figuras protagonistas em cada uma das obras. Porém, enquanto Calixto opta por uma representação calcada na recuperação histórica de Santa Cecília posicionada dentro de um ambiente arqueologicamente construído segundo suas pesquisas, Delaunay parece se preocupar mais em concentrar sua obra na ação da santa que vem para acalmar e restabelecer a paz dos parisienses, sem se ater muito à arquitetura local, em seus aspectos arqueológicos.

Figura 133 – Comparação entre Benedito Calixto de Jesus. A Condenação de Santa Cecília, 1917, ost, 190 x 350 cm. Inscrição: “IN ALMACHI TRIBVNAL PRODVCTA CAECILIA MORTI DAMNATA”. Foto: Karin Philippov; Jules-Élie Delaunay. Santa Geneviève Acalmando os Parisienses, s/d, óleo sobre tela, dimensões não encontradas, Panthéon, Paris267.

O segundo artista a ser analisado em relação a Benedito Calixto de Jesus é Pierre Puvis de Chavannes, porém, a partir de uma obra religiosa e que não pertence ao Panthéon, 266

“la force spirituelle triomphe de la brutalité. Delaunay, comme Pierre Puvis de Chavannes, rejette le réalisme au bénéfice d’une vision poétique”. Lépinay, op.cit,. p. 22. 267 Op.cit.

171

porém, apresenta o tema do Martírio de São João Batista e que pertence à National Gallery de Londres, Inglaterra. Para além da questão da obra pertencer a um museu e não a uma igreja, aqui se analisam as questões formais da obra e seus cotejos ao Martírio de Santa Cecília, de Benedito Calixto de Jesus.

Figura 134 - Pierre Puvis de Chavannes. A Degolação de São João Batista, 1869c., óleo sobre tela, 31,8 x 24,3 cm, Inv. NG3266. The National Gallery of Art, Londres. Disponível em:< http://www.nationalgallery.org.uk/paintings/pierre-cecile-puvis-de-chavannes-the-beheading-of-saint-john-thebaptist.> Acesso em: 23 ago. 2016.

172

Figura 135 - Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Santa Cecília, 1909, ost, 190 x 350 cm. Assinado B. Calixto. Inscrição: “EX CALDARIO ILLAESA, CAECILIA IVSSV ALMACHI, TER SECVRI ICTA TRIDVO POST, EVOLAT IN COELVM”. Foto: Karin Philippov

A pintura de Pierre Puvis de Chavannes, que traz um episódio extraído do Evangelho de São Marcos, revela uma composição que se aproxima e se afasta de Calixto, ao mesmo tempo. Talvez, os únicos fatores reais de aproximação sejam o tema do martírio e a paleta cromática rebaixada, pois Chavannes apresenta uma cena de martírio segundos antes de acontecer e Calixto, traz a cena já finalizada. Outra questão se refere ao contexto em que as obras se encontram, uma vez que o conjunto iconográfico de Calixto permanece até os dias de hoje dentro do local para onde foi planejado. Já, em relação à pintura em pequenas dimensões de Chavannes que se encontra em um museu, pode ser propor que tenha sido pensada como um estudo para alguma obra maior ou que tenha pertencido a alguma instituição religiosa e que tenha sido transportada em um determinado momento, ao museu.

173

Portanto, pensar a produção religiosa de Calixto dentro de um contexto que se abre para além das fronteiras da própria Igreja, requer analisar suas implicações acerca de seus possíveis diálogos com a tradição europeia, sobretudo oriunda da Itália e da França. 4.2 – Modelos ingleses: Oscar Pereira da Silva e o Pré-Rafaelismo

Enquanto Benedito Calixto de Jesus demonstra dialogar abertamente com as tradições italianas e francesas a ele contemporâneas, sugere-se que Oscar Pereira da Silva desenvolva uma arte que dialogue com os modelos ingleses, sobretudo, Pré-Rafaelitas, muito embora nunca tenha estado na Inglaterra. Aliás, o artista vai a Paris, a partir de 1893, conforme Tarasantchi268 aponta. Assim, observando a obra Os Esponsais da Virgem, percebem-se tanto elementos Art Nouveau, presentes no caráter decorativo da obra, quanto Pré-Rafaelitas na colocação das figuras na cena que demonstra o resgate artístico de um tipo de arte primitiva, anterior a Rafaello Sanzio.

Figura 136 - Oscar Pereira da Silva. Os Esponsais de São José, s/d. Foto: Karin Philippov

Como tentativa de aproximação ao Pré-Rafaelismo, pode-se propor a figura do artista Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), através de sua célebre pintura de temática religiosa Ecce 268

TARASANTCHI, op.cit, p. 175.

174

Ancilla Domini, pintada em c.1849. Em uma iconografia que traz o tema da Anunciação, feita não para decorar uma igreja, mas para ser exposta e vendida em uma galeria de arte, a cena estreita seria, segundo Frances Fowle269, parte de um díptico que nunca foi realizado pelo artista, devido às fortes críticas recebidas por sua obra, devido a duas questões principais270, sendo a primeira constituída pelo uso do fogo nos pés do anjo e a segunda, pelos cabelos ruivos da Virgem. Mesmo assim, Rossetti continua a trabalhar em sua pintura até o ano de 1853, quando o mecenas Francis McCracken of Belfast, adquire a pintura por cinquenta libras esterlinas.

Figura 137 - Dante Gabriel Rossetti. Ecce Ancilla Domini, c.1849, óleo sobre tela, 41,9 x 72,4 cm. Inv. N01210, Tate Gallery, Londres. . Acesso em: 24 ago. 2016.

269

FOWLE, Frances. Ecce Ancilla Domini! (The Annunciation) 1849–50. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2016. 270 ROSE, Andrea. The Pre-Raphaelites. London: Phaidon Press, 1993, p. 40.

175

As questões teológicas Anglicanas apontadas na obra de Rossetti rompem com a tradição Católica Apostólica Romana e aqui, não serão discutidas em relação à pintura de Oscar Pereira da Silva, pois se opta por analisar ambas as imagens em suas semelhanças e diferenças iconográficas, salientando-se o posicionamento de suas geografias artísticas e seu embate entre centro e periferia. Desse modo, cumpre salientar que as semelhanças iconográficas se apresentam no modo pelo qual apresentam suas imagens. Enquanto Oscar Pereira da Silva traz em uma imagem monumental, uma profusão de figuras celebrativas, Rossetti traz uma cena pequena e de tom intimista devocional, porém criada para ser exposta e vendida, como obra de arte e não como objeto religioso oratorial, por exemplo. Aqui, destaca-se, portanto, a figura do anjo e compara-se imediatamente à da Virgem presente na Igreja de Santa Cecília, através de suas posturas e gestuais próximos, além de seus posicionamentos em cada uma das obras. Outro ponto de aproximação em relação ao anjo ocorre nos nimbos posicionados em paralelo ao suporte. Entretanto, percebe-se que a obra do artista brasileiro possui alto nível de acabamento e que tem uma função específica dentro do contexto religioso, conforme visto anteriormente. Em relação ao embate entre centro e periferia, ressalta-se novamente a necessidade de se considerar a produção tanto d e Oscar Pereira da Silva, quanto de Dante Gabriel Rossetti no entrecruzamento de centro e periferia, devido à irradiação de seus modelos e da absorção de novos conteúdos provenientes dos diálogos que estabelecem com a tradição. Portanto, pensar a produção dos dois mais importantes artistas presentes na Igreja de Santa Cecília requer localizá-los em um panorama vasto e controlado pelo universo de seu encomendante, Dom Duarte Leopoldo e Silva, cuja figura deve ser pensada como o grande articulador imagético e guia de seu rebanho de féis em uma Igreja centrada no embate estabelecido entre centro e periferia, embate esse que faz com que a referida Igreja se coloque como centro difusor paradigmático, através de sua decoração planejada através do resgate de um Cristianismo primitivo reconstruído segundo os ditames da Igreja Romanizadora, mas que ao mesmo tempo, dialoga com as tradições artísticas europeias, sobretudo italianas, francesas e inglesas, guardadas suas semelhanças e diferenças imagéticas, históricas e ideológicas.

176

CONCLUSÕES

As encomendas de Dom Duarte Leopoldo e Silva para a terceira versão da Igreja de Santa Cecília e executadas pelos artistas Benedito Calixto de Jesus, Oscar Pereira da Silva, Carlo De Servi, Gino Catani e Conrado Sorgenicht, inseridas na planta neorromânica projetada pelo arquiteto Giulio Micheli, revelaram a necessidade de um estudo aprofundado no qual se objetivou analisar e compreender a atuação de cada um dos artistas dentro da encomenda. Igualmente, encontraram-se nos documentos pesquisados junto às bibliotecas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, do Setor de Obras Raras da Biblioteca Central César Lattes e do Arquivo Edgar Leuenroth da Unicamp, ao Arquivo Histórico da Cidade de São Paulo - SMC/PMSP e junto ao Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva (AMDDLS) as fontes necessárias para a realização da presente tese, possibilitando, assim, a compreensão dos mecanismos de cada parte das encomendas, levando em consideração o contexto da Igreja Romanizadora atuante na cidade de São Paulo e suas relações com a Primeira República. Segundo os autores pesquisados, dentre os quais se destacam Clóvis de Athayde Jorge,271 que detalhou cuidadosamente o histórico das três versões da Igreja de Santa Cecília em suas relações com o novo bairro que se forma entre o final do século XIX e início do século XX. A partir do referido autor, passou-se a analisar os mecanismos de construção e decoração da Igreja de Santa Cecília, através de sua articulação histórica, política, econômica e social, com o intuito de estabelecer uma análise vinculando questões devocionais, teológicas e religiosas como mecanismos do poder de Dom Duarte e da própria Igreja. Nesse sentido, David Morgan272 mostrou-se como fonte vital para o andamento da pesquisa, na medida em que suas duas obras trouxeram questões metodológicas fundamentais ao entendimento da arte religiosa, a partir dos conceitos de “piedade visual”273 e “memória coletiva”274, amplamente detalhados pelo autor em seus dois livros. Dessa maneira, foi possível associar seus conceitos à produção religiosa na Igreja de Santa Cecília, levando em consideração tanto as pinturas de Benedito Calixto de Jesus, Oscar Pereira da Silva e Carlo De Servi, como fontes de um discurso político-religioso que revelaram ser parte de um 271

JORGE, op.cit. MORGAN, David. The Sacred Gaze: Religious Visual Culture in Theory and Practice. Berkeley: University of California Press, 2005; MORGAN, David. Visual Piety. California: University of California Press, 1998 273 Idem. 274 Idem. 272

177

processo que visou à educação do fiel, controlando-o dentro da sociedade. Assim, buscou-se demonstrar através da análise iconográfica de cada uma das pinturas que a iconografia calcada em uma profunda pesquisa histórico-arqueológica, exemplificada pela ampla decoração de Calixto, possuía as condições necessárias para educar o fiel e lhe mostrar o caminho a ser seguido em sua vida. Além disso, viu-se, através dos documentos encontrados, que o artista pareceu chefiar os demais e que sua produção se consolidou em uníssono às dos outros artistas. Calixto, ainda, introduziu novidades iconográficas na Igreja de Santa Cecília e que suas propostas foram definidas por Dom Duarte, que figura na galeria dos primeiros doze bispos de São Paulo. Igualmente, viu-se a inserção e a discussão acerca da presença do exescravizador de índios e tornado jesuíta Pedro Correa, que aparece junto a índios reais, trazidos por Calixto, para sua própria casa. Com isso, o artista desenvolveu uma iconografia atrelando não apenas a questão do martírio, mas também extrapolou para os limites da Igreja de Santa Cecília, o debate sobre a figura do indígena na sociedade paulista, no contexto do expansionismo cafeeiro no oeste paulista, pois como Paulo Garcez Marins275 apontou, os índios se tornaram verdadeiros entraves sociais na disputa por solo para o plantio do café. Além disso, observou-se que a decoração da Igreja de Santa Cecília se tornou marco civilizatório, tanto pela afirmação do bandeirante como verdadeiro fundador da terra, como também revelou que o indígena inserido na Igreja se tornou tão algoz quanto os pagãos romanos que martirizaram Santa Cecília. Igualmente, mostrou-se a necessidade do percurso dentro da Igreja de Santa Cecília, como forma de manutenção de um decoro atrelado aos anseios de Dom Duarte, que atua tanto como bispo, como mecenas, estudando-se seu papel enquanto tal em uma sociedade paulista que não possuía nem museus e nem galerias de arte e que para promoverem seus trabalhos, os artistas tinham que expor ou em lojas, ou em seus próprios estúdios de pintura. Dom Duarte demonstrou, assim, possuir um papel fortemente controlador em seu mecenato, fazendo com que os artistas que trabalharam para ele, elaborassem obras classicizantes com forte senso de decoro nas representações. As pinturas do Ciclo de Santa Cecília revelaram mais uma novidade icnográfica, através do resgate da figura da santa como mártir e não como padroeira da música, tal como se vinha fazendo a partir de uma interpretação equivocada das atas de seu martírio. Assim, Calixto elaborou um conjunto de seis telas narrando os principais episódios de sua vida,

275

Vide nota 167.

178

através do uso da fotografia encenada, ou seja, o artista vestia seus familiares e amigos, com roupas e acessórios de época e os fotografava em seu jardim. A partir de então, usava as fotografias como modelos para suas pinturas classicizantes, segundo o gosto e a intenção de Dom Duarte. Ainda no presbitério, o artista inovou inserindo um conjunto de doze papas martirizados, cujos restos mortais se encontravam na catacumba de San Callisto, em Roma, apesar de seus corpos não estarem mais lá e nem ter havido qualquer representação de suas efígies no local. Outra questão fundamental foi constituída pela análise do corpo de Santa Cecília, oriundo de uma suposta visão de seus restos mortais na posição em que supostamente teriam sido encontrados por Bosio e pelo Cardeal Paolo Emilio Sfondrato e, que a partir de então, o escultor lombardo Stefano Maderno teria feito sua representação para acompanhar a transferência de seus despojos para a Igreja de Santa Cecilia in Trastevere, Roma. A partir desse momento, sua escultura passou a ser copiada e servir de modelo para outras, tais como a que se encontra em Albi, a feita por Calixto, a de bronze presente no patíbulo da Igreja de Santa Cecília, além de uma cópia em mármore do túmulo da família Alencar Guimarães, localizado no Paraná. Com isso, chegou-se a conclusão de que a imagem de Santa Cecília, feita por Calixto tratou-se de um simulacro de sua figura, uma vez que a Igreja de Santa Cecília possui apenas as relíquias de Santa Donata, que foram presenteadas a Dom Duarte. Ou seja, a imagem de Santa Cecília simbolizada por seu corpo martirizado, demonstrou um importante paralelismo com a figura do Cordeiro Místico, pintado por Zurbarán, poucos anos após o descobrimento do corpo da santa. Outro artista que colaborou na decoração da Igreja, mesmo com poucas obras, foi Oscar Pereira da Silva, que executou dois paineis para as cúpulas do transepto e os quatro Evangelistas da cúpula. Estabeleceu-se, assim, um diálogo entre ambos os artistas, revelador da sintonia com Dom Duarte. Além disso, suas obras mostraram-se capazes de educar o fiel. Carlo De Servi executou apenas uma única pintura para a Capela do Santíssimo, obra essa que dialogou fortemente com as de Calixto, através de um percurso imbricado pela teologia e seus símbolos, conforme vistos na própria arquitetura de Giulio Micheli. Assim, o percurso foi sendo criado de maneira a arrebatar o fiel, através da imagem, das missas, dos sermões e da música proveniente do órgão de tubos da Igreja de Santa Cecília Gino Catani realizou a decoração das paredes da igreja inserindo elementos florais e teológicos, corroborando na integração de todos os artistas na Igreja de Santa Cecília e a pesquisa efetuada não encontrou quase nenhum traço de sua existência e nem de sua atuação junto aos artistas. .

179

Por fim, os vitrais de Conrado Sorgenicht demonstraram a importância da luz transfigurada e abençoadora do ambiente religioso, como forma de emanação divina dentro da “piedade visual”,276 na qual o fiel adentra o espaço religioso para rezar e se sente inundado e acompanhado por uma plêiade de santos e papas martirizados, bispos e Santa Cecília e se sente confortado e acolhido. No último capítulo privilegiou-se o estudo das pinturas de Benedito Calixto e de Oscar Pereira da Silva cotejando-as às produções artísticas religiosas a eles contemporâneas, realizadas na Itália, na França e na Inglaterra, com o intuito de analisá-las em um contexto mais amplo, levando em consideração o embate entre centro e periferia. Portanto, o estudo aprofundado sobre o mecenato religioso na Igreja de Santa Cecília logrou abrir o campo de estudos sobre arte religiosa no início do século XX na cidade de São Paulo e permitiu estimular novos estudos acerca do tema.

276

Idem.

180

REFERÊNCIAS

ACCADEMIA

di

San

Lucca.

Disponível

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http://www.accademiasanluca.eu/it/collezioni_online/pittura/archive/cat_id/1791/id/1942/sep oltura-di-s.-lorenzo. > Acesso em: 23 ago. 2016.

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193

CATÁLOGO

A Igreja de Santa Cecília é aqui apresentada em seus detalhes obtidos a partir de fotografias tiradas pela doutoranda Karin Philippov e descrita em detalhes a partir da pesquisa inédita de documentos relativos às decorações da Igreja. Os documentos aqui colocados foram obtidos junto ao Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva (AMDDLS) e junto ao AHSP - Arquivo Histórico da Cidade de São Paulo - SMC/PMSP, onde foi possível ter acesso às inéditas plantas da referida Igreja, conforme se poderá observar nas páginas seguintes. Em primeiro lugar, apresentam-se as plantas de fachada e baixas, em duas versões. O primeiro projeto conhecido para a fachada da Igreja de Santa Cecília e que se tem notícia é este:

Projeto da fachada da Igreja de Santa Cecília. Aprovado em 1896, mas não construído, talvez por razões orçamentárias277.

277

As quatro plantas que se seguem foram gentilmente cedidas pelo Arquivo Histórico de São Paulo, através da Sra. Zilá Ponzoni em novembro de 2015.

194

Planta baixa da Igreja de Santa Cecília e que não foi executada. Datada de 1896.

Observando ambas as plantas, percebe-se que seria uma construção muito maior e mais rebuscada do que de fato é. Abaixo se seguem as duas plantas que foram construídas. Datando de 1896, mostram uma versão menor e as fotografias tiradas se referem às cópias em papel azul.

195

Planta da fachada da Igreja de Santa Cecília, 1897.

196

Planta baixa da Igreja de Santa Cecília, 1897.

197

Planta baixa da Igreja de Santa Cecília com a localização da decoração da nave.

A partir da entrada principal se veem do lado esquerdo, lado do Evangelho: São Tarcísio, São Lourenço, Santo Estêvão e São Piónio de Esmirna. Do lado direito, lado da Epístola, igualmente do fundo para a frente da Igreja se veem: Santa Symphorosa, São Lino, Santa Thecla e São Paulo.

198

Planta baixa com a localização das imagens no transepto e cúpula da Igreja onde se veem da esquerda para a direita, em sentido horário, os doze primeiros bispos de São Paulo em ordem cronológica: Rev. Dom Bernardo Rodrigues Nogueira, 1746, Primus Episcopus..., Anno Domini 1745-1748; Dom Frei Antônio da Madre de Deus Galvão, 1750, II Episcopus..., Anno Domini MDCCL?; Rev. Dom Frei Manoel da Ressurreição, 1774, III Episcopus Paulopolitanus Anno Domini MDCCL? Em frente e acima do painel Pedro Correa Via Damasco, se veem mais três bispos: Dom Matheus de Abreu Pereira, 1797: quarto bispo de SP (1796-1824); Dom Manuel Joaquim Gonsalves de Andrade, 1827, Sexto Bispo de São Paulo. 1827-1847; Dom Antonio Joaquim de Mello, 1851. Sétimo Bispo de São Paulo. Do outro lado, mais três bispos: Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, 1878, Dom Sebastião Pinto do Rêgo, 1861 (seguindo a sequência de bispos, ele é o sucessor de Dom Lino); Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. Em frente a este painel triplo, os três últimos bispos até Dom Duarte Leopoldo e Silva, encomendante da decoração e amigo de Benedito Calixto: Dom Antonio Candido Alvarenga; Dom José de Camargo Barros; Dom Duarte Leopoldo e Silva. Abaixo do penúltimo painel de bispos, vê-se o painel do Martírio de Pedro Correa e João de Souza. Fechando como parênteses a decoração do transepto, veem-se duas pinturas de Oscar Pereira da Silva: A Assumpção de Nossa Senhora, do lado esquerdo e Os Esponsais de São José, do lado direito. A cúpula traz em seu centro as quatro virtudes: CARITAS, JUSTITIA, FIDES e SPES, de Benedito Calixto de Jesus. De Oscar Pereira da Silva são os Quatro Evangelistas: Mateus, João, Marcos e Lucas, cada qual com seus atributos e que margeiam as quatro virtudes.

199

Planta baixa com a localização da decoração do Presbitério e Capela do Santíssimo. Da esquerda para a direita se veem: O Batismo de Valeriano coroado por três dos doze primeiros papas martirizados: São Lúcio, São Cornélio e São Zeferino. A Aparição do Anjo do Senhor com São Calixto I, São Fabiano e Santo Anthero. A Imposição do Véu e o altar em mármore de Carrara, no centro. Do lado direito se veem: A Condenação de Santa Cecília, O Martírio de Santa Cecilia com São Ponciano, Santo Urbano I e São Melchiades. Por fim, Os Funerais na Catacumba com Santo Estevam I, São Xisto II e São Paschoal I. No teto da Capela do Santíssimo há uma única pintura feita por Carlo de Servi e que representa o Cristo Santíssimo.

A

DECORAÇÃO

DA

IGREJA

DE

SANTA

CECÍLIA

EM

DETALHES

E

DOCUMENTAÇÕES: A decoração da Paróquia de Santa Cecília segue o seguinte programa iconográfico, teológico e histórico em uma planta em cruz latina, conforme mencionado anteriormente: LADO ESQUERDO SUPERIOR DA NAVE – Lado do Evangelho:

200

São Tarcísio, óleo sobre tela, 82 x 176 cm, inscrição na mão do anjo da direita – “S.THARCISIUS MARTYR ANNO DOMINI CCLVII” (São Tarcísio Mártir no Ano do Senhor de 257). No documento DECORAÇÃO DA EGREJA 1278 obtido junto ao AMDDLS, consta como São Tharcizo. Atributos do arcanjo: a palma do martírio que traz em sua mão direita e o cálice com a Hóstia que está em seu peito, com o santo apontando para a mesma. O arcanjo da esquerda traz o cálice com a hóstia iluminada e o da direita traz uma inscrição sobre um tecido. O santo está sobre um pedestal e os arcanjos, não. São três nichos separados por colunas reais pintadas. O santo aparece contra um fundo em mosaico dourado. Já os arcanjos surgem contra um fundo que imita azulejos, dado o formato reticulado. O Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva não possui documentos acerca dos paineis dos mártires localizados na nave principal da Igreja de Santa Cecília. Localização: primeiro conjunto de paineis à esquerda na entrada da nave.

278

DECORAÇÃO DA EGREJA 1. Op. cit.

201

São Lourenço, óleo sobre tela, 82 x 176 cm. No pedestal em que se encontra o santo aparece seu nome escrito em latim. Atributos: o santo segura a grelha em sua mão esquerda e a palma do martírio na direita. O arcanjo da esquerda traz um pote com incenso. O arcanjo da direita carrega a mesma grelha com as duas mãos, além de uma pequena tocha acesa. São três nichos separados por colunas reais pintadas. O santo aparece contra um fundo de mosaico dourado. Já os arcanjos surgem contra um fundo que imita azulejos, dado o formato reticulado. Localização: segundo conjunto de paineis à esquerda.

Santo Estêvão, óleo sobre tela, 82 x 176 cm. No documento DECORAÇÃO DA EGREJA 1 obtido junto ao AMDDLS consta o nome Santo Estevam. Atributos: manto verde com as pedras com que foi apedrejado, carregadas no manto. O santo possui uma calvície no topo da cabeça. Na mão direita traz a palma do martírio. O arcanjo da direita traz uma pedra na mão esquerda e apalma do martírio na direita. O arcanjo da esquerda

202

olha para baixo e traz lírios brancos na mão esquerda e uma pedra na mão direita. São três nichos separados por colunas reais pintadas. O santo aparece contra um fundo de mosaico dourado. Já os arcanjos surgem contra um fundo que imita azulejos, dado o formato reticulado. O santo não está sobre um pedestal. Localização: terceiro conjunto de paineis à esquerda.

São Piónio de Esmirna, óleo sobre tela, 82 x 176 cm. Atributos: O santo segura na mão direita contra o peito, uma grande chave dourada. Na mão esquerda carrega o Livro. Veste verde com túnica púrpura. Ancião com barba branca. No documento DECORAÇÃO DA EGREJA 1279 obtido no AMDDLS consta: Lado do Evangelho – São Pione (sic). De fato, existiu um São Piónio de Esmirna que teria sido sacrificado em 250 D.C., por se recusar a seguir a religião pagã romana

280

. De qualquer

maneira, parece ser mais provável que o santo seja São Pedro, por ser pai fundador da Igreja e por estar de frente para São Paulo, complementando-o como fundador da Igreja Católica, além dos atributos evidentes de São Pedro, que traz a chave em sua mão e a cruz invertida. Já São Piónio de Esmirna teria sido decapitado. O arcanjo da esquerda traz a palma do martírio na mão esquerda e uma chave na direita. O arcanjo da direita exibe a cruz invertida com ambas as mãos, cruz na qual São Pedro foi crucificado e a cruz é menor do que o santo. São três nichos separados por colunas reais pintadas. O santo aparece contra um fundo de mosaico dourado. Já os arcanjos surgem contra um fundo que imita azulejos, dado o formato reticulado. O santo não está sobre um pedestal. Localização: quarto e último conjunto de paineis da esquerda. 279

DECORAÇÃO DA EGREJA 1. Op. cit. http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/463-martirio-de-policarpo-deesmirna. . 280

203

LADO DIREITO DA NAVE – Lado da Epístola:

São Paulo, óleo sobre tela, 82 x 176 cm. Atributos: O santo traz um Livro na mão esquerda e na direita, uma espada desembainhada. Veste branca com cinto dourado e mantos azul e vermelho. Santo com barba grisalha. Diferentemente de S. Pedro, São Paulo está sobre um pedestal no qual se lê seu nome: “S.PAULUS APOSTOLUS ANNO DOMINI LXVIII”. O arcanjo da direita segura uma espada. O arcanjo da esquerda olha para ele e traz uma flâmula sobre a qual se lê: “PAULUS VAS ELECTIONIS DEO”. Os arcanjos flutuam no espeço. São três nichos separados por colunas reais pintadas. O santo aparece contra um fundo de mosaico dourado. Já os arcanjos surgem contra um fundo que imita azulejos, dado o formato reticulado. Localização: quarto e último painel da direita da nave, em frente ao São Pedro ou São Piónio de Esmirna.

204

Santa Thecla Protomártir, óleo sobre tela, 82 x 176 cm. Atributos: A santa é jovem, possui uma coroa de flores na cabeça. Veste manto azul com túnica branca por cima. Tem as mãos em oração. Seus cabelos são negros e longos, cobertos por um véu azul longo que desce por suas costas. O arcanjo da esquerda traz uma tocha pequena na mão esquerda. Este arcanjo ainda traz uma tira de tecido que percorre seu corpo. O arcanjo da direita traz outra coroa de flores e a palma do martírio. São três nichos separados por colunas reais pintadas. A santa aparece contra um fundo de mosaico dourado. Já os arcanjos surgem contra um fundo que imita azulejos, dado o formato reticulado. Localização: terceiro painel à direita da nave em frente ao painel de Santo Estêvão.

São Lino, óleo sobre tela, 82 x 176 cm. Papa e mártir Atributos: O santo papa surge com vestimenta papal. Em são mão esquerda traz o báculo e na mão direita, um Livro. Seu manto é de cor púrpura com toga branca, por baixo. O arcanjo da esquerda traz na mão esquerda a palma do martírio e na direita, uma machadinha. O arcanjo da direita desenvolve um gesto de reverência ao santo e traz um Livro. O santo aparece contra

205

um fundo de mosaico dourado. Já os arcanjos surgem contra um fundo que imita azulejos, dado o formato reticulado. Localização: segundo painel à direita da nave, em frente ao painel de São Lourenço.

Santa Symphorosa, óleo sobre tela, 82 x 176 cm. Inscrição: “S. SYMPHOROSA VIDVA ET MARTYR ANNO DOMINI CVI”. (Santa Symphorosa, viúva e mártir no ano do Senhor de 106). Atributos: A santa traz a palma do martírio na mão direita e a mão esquerda no peito. Usa um véu acinzentado na cabeça. Veste uma túnica branca com cinto dourado logo abaixo de seu peito e manto vermelho por volta do corpo. Está sobre um pedestal. O arcanjo da esquerda segura a palma do martírio com a mão esquerda e uma machadinha na mão direita. O arcanjo da direita segura uma palma do martírio com a mão direita ao mesmo tempo em que traz uma flâmula segurada por ambas as mãos. A santa aparece contra um fundo de mosaico dourado. Já os arcanjos surgem contra um fundo que imita azulejos, dado o formato reticulado. Localização: primeiro painel à direita da nave, em frente ao painel de São Tarcísio.

CÚPULA - pinturas de Oscar Pereira da Silva e de Benedito Calixto:

206

Cúpula pintada por Oscar Pereira da Silva e Benedito Calixto de Jesus. No centro do zimbório há quatro alegorias: CARITAS, JUSTITIA, FIDES e SPES, que são segundo o documento DECORAÇÃO DA EGREJA 1281, obtido junto ao AMDDLS, as quatro “virtudes cardeaes – prudência, justiça, fortaleza e temperança”, pintadas por Benedito Calixto. Nos quatro triângulos formados pelo arco do zimbório, os Quatro Evangelistas pintados por Oscar Pereira da Silva, que são: São Lucas, São Mateus, São João e São Marcos com seus respectivos atributos.

281

Op.cit.

207

São Lucas com o touro alado.

São Matheus com o anjo.

208

São João Evangelista com a águia.

São Marcos com o leão alado.

209

TRANSEPTO ESQUERDO:

Abóbada semicircular no topo pintada por Oscar Pereira da Silva com o tema da Ascenção de Nossa Senhora Imaculada. Altar de Nossa Senhora Imaculada Conceição.

Oscar Pereira da Silva: “Assumpção de Nossa Senhora” aos céus acompanhada por anjos. Feita pintura mural, a imagem traz a santa com meia lua a seus pés. O céu é envolto em nuvens predominantemente douradas e pouco se vê do azul do céu. Um dos anjos à direita dela traz a coroa para coroá-la. De sua cabeça parte uma auréola de onde ecoam raios que sobem em direção à esfera celeste.

Lado esquerdo do transepto esquerdo:

210

Da esquerda para a direita: obras de Benedito Calixto de Jesus. O Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva não possui documentos sobre a encomenda dos retratos dos doze bispos. 1.

Rev. Dom Bernardo Rodrigues Nogueira, 1746. Primus Episcopus... Anno

Domini 1745-1748. 2.

Dom Frei Antônio da Madre de Deus Galrão, 1750. II Episcopus... Anno

Domini MDCCL? 3.

Rev. Dom Frei Manoel da Ressurreição, 1774. III Episcopus Paulopolitanus Anno

Domini MDCCL? Os três paineis são executados colocando os bispos sobre pedestais e contra um fundo dourado em trompe-1’oeil de mosaico. Situado em frente aos três bispos está o painel em óleo sobre tela de Benedito Calixto, que encima a porta que dá acesso à sacristia.

211

Benedito Calixto. Pedro Correa Via Damasco, 1910, óleo sobre tela, 500 x 300 cm. A pintura do tímpano da entrada do corredor de acesso à Sacristia traz Pedro Corrêa em meio aos índios na paisagem que se abre ao mar. A pintura necessita de restauro, possui há perdas iconográficas e descascamentos de tinta. No canto direito inferior da obra se lê: “O caminho de Damasco de Pedro Corrêa. Ouvindo as admoestações do P. Leonardo Nunes (O ABARE BEBE), Pedro

212

Corrêa, o terrível escravizador de índios, se arrepende e faz-se tanbém (sic) missionário da C. de Jesys. A acção passa-se em frente a Ilha do Guarahú, em Itanhaém, anno 1550.” Assinado B. Calixto 1910.

Além disso, em um documento encontrado no Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva contendo a legenda do quadro, cita-se integralmente sua legenda282: “Pedro Corrêa é uma das figuras de mais destaque nos primórdios da capitania de São Vicente e um dos mais dedicados apóstolos da fé que teve a 'Companhia de Jesus’ na fundação desta primeira Capitania do Brasil. Possuía grandes cabedais e extensos domínios territoriais na villa de S. Vicente e na de Itanhaém, e adquiro, nos primeiros tempos, grande nomeada como ‘dos mais famosos conquistadores e captivadores de índios’, conforme relatam os antigos chronistas; porém, a influência da palavra do Venerando Padre Leonardo Nunes (o abarebebê) operou nelle um verdadeiro prodígio, fazendo com que abandonasse a vida de aventureiro e se convertesse, dando liberdade a todos os seus índios captivos e fazendo doação de todos os seus bens, inclusive os seus domínios

282

Conversão de Pedro Corrêa – quadro de Benedito Calixto, s/d, AMDDLS.

213

territoriais, ao Collegio de S. Vicente e a Aldea e Capella da Praia de Peruhibe, fundada por Leonardo Nunes. Este facto teve lugar em 1549, em frente a Ilha grande do Guarahú, em Itanhaém, onde ele ‘ancorava as suas naus’. Eis o que, sobre este célebre personagem, diz o Chronista Simão de Vasconcelos. ‘Foi o irmão Pedro Corrêa no século da geração nobre dos Corrêas de Portugal. Passou-se ao Brasil naqueles princípios da Capitania de S. Vicente, e foi nella o mais poderoso dos moradores. Gastou muitos anos de sua vida acomodando-se ao modo de viver do lugar, salteando e captivando índios por mar e por terra, de que enriquecia a sua casa. Não entendendo a grande injúria que nisso fazia àquelas criaturas racionais por natureza livres; antes parecendo-lhe fazia serviço a Deus com capa que, entre christãos, poderiam reduzir a Christo. Chegou àquela Capitania o Padre Leonardo Nunes no ano de 1542. E ouvindo Pedro Corrêa sua doutrina e as razões com que estranhava aquele modo de viver, de saltear e captivar os índios, como era homem capaz e bem entendido, fez nelle tanta impressão que deliberou não só deixar o offício, mas com ele o mundo, e dedicar-se todo a um perpétuo sacrifício, entrando em religião. Julgava que só desta maneira poderia pagar seus fracassos. Tratou com o Padre Leonardo Nunes, foi dele recebido, com efeito, na Companhia, e foi semelhante a Conversão de S. Paulo, por que foi insigne o zelo com que tratou os índios d’ahi em diante, padecendo pela liberdade de seus corpos e vida de suas almas, fomes, sedes, frios, calmas e malquerenças, perigos do mar e terra e todo o gênero de trabalhos, com constância do outro apóstolo de gentes. Foi ouvido dizer muitas vezes que, não poderia alcançar perdão dos grandes males que tinha obrado contra os Brasis, sinão empregando-se todo em seu serviço até morrer. Assim cumpriu, porque cinco anos depois (trecho riscado) que lhe restaram de vida foram outros tantos que teve de – captivo dos índios – sendo afinal martyrisado por eles próprios...’”

214

Painel que está acima da obra precedente. Benedito Calixto de Jesus - da esquerda para a direita: 1.

Dom Matheus de Abreu Pereira. Quinto Bispo de São Paulo.

2.

Dom Manuel Joaquim Gonsalves de Andrade, 1827. Sexto Bispo de São Paulo.

1827-1847. 3.

Dom Antonio Joaquim de Mello, 1851. Sétimo Bispo de São Paulo.

TRANSEPTO LADO DIREITO:

215

Altar de São José com abóbada semicircular pintada por Oscar Pereira da Silva.

Oscar Pereira da Silva. Os Esponsais de São José, s/d. Foto: Karin Philippov

Pintura mural ou afresco em importante estado de descascamento da superfície nas partes superiores esquerda e direita. Lado esquerdo do transepto direito:

Da esquerda para a direita: 1.

Dom Sebastião Pinto do Rêgo.

2.

Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho.

3.

Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti.

216

Benedito Calixto de Jesus – O Martírio de Pedro Corrêa, 1912, óleo sobre tela, 500 x 300 cm, assinado B. Calixto, 1912. Inscrição na parte inferior: “PEDRO CORREAE MARTIRIUM COMITISQUE JOHANNIS DOEU SOUZA”, que significa “O martírio de Pedro Correa e de seu companheiro João de Souza" 283. Tímpano localizado sobre a entrada da Capella do Santíssimo.

283

Tradução gentilmente fornecida pelo Prof. Dr. Luiz César Marques, a quem agradeço muito pela gentileza.

217

No Arquivo da Cúria há um documento contendo a legenda com as seguintes informações284: “Martyrio de Pedro Corrêa e João de Souza – Quadro de Benedito Calixto Legenda A 24 de Agosto de 1554 partiram de Piratininga os Missionários Jesuítas: Pedro Corrêa, Manoel de Souza e o irmão leigo Fabiano, por ordem do Padre Provincial Manoel da Nóbrega, dirigiam-se a Cananéa, em missão especial de apaziguar algumas nações de gentios que ali viviam em constantes luctas com os Tupys do litoral e alguns castelhanos que então dominavam aquela região. Chegando ao porto de Cananéa, ali encontraram alguns castelhanos em companhia dos índios Tupys. No dia 5 de Outubro, desse mesmo ano de 1554, Pedro Corrêa e o irmão João de Souza prosseguiram a viagem para o Sul, deixando em Cananéa o irmão Fabiano com o fim de doutrinar aqueles índios e bem assim de curar um enfermo castelhano que havia sido ferido por flexa (sic), em um combate com os carijós. Depois de alguns dias de viagem, por longos e ásperos caminhos, chegaram os dois missionários as terras dos Carijós, onde se demoraram algum tempo, com o fim de firmar a paz com aqueles índios belicosos. Uma vez convencidos do bom exhito desta empresa, fizeram os dois missionários as suas desprovidas nas aldeias e de novo se puseram a caminho de volta para Cananéa. Logo após a retirada dos missionários as terras dos Carijós ali apareceu um dos castelhanos, que tinha ódio aos jesuítas, pelas admoestações que este lhes haviam feito, em consequência da depravação de seus actos para com os índios Tupys. Este castelhano procurou então convencer aos carijós que, - o principal fim da missão de Pedro Corrêa era desarmal-os, pela paz, e entregal-os depois a vingança e a gula dos Tupys, seus inimigos; e

284

Martyrio de Pedro Corrêa e João de Souza – Quadro de B. Calixto, s/d, AMDDLS.

218

que, portanto, os Carijós deveriam, o mais breve possível, dar cabo desses missionários. Os Carijós, convencidos desta ardilosa intriga, precipitam-se contra os dois indefesos missionários que, tranquilos e satisfeitos, voltavam aos aldeamentos dos Tupys. Eis como é relatado o facto pelo chronista Simão de Vasconcelos: ‘Tinhão (sic) eles chegado, bem fora do sucesso, a uma campina, rezando suas devoções, apé (sic), com seus bordões em as mãos, quando ouviram alaridos, e vozes, que atroavam os montes vizinhos, e de improviso vêm-se cercados de bandos de seus mesmo hóspedes e juntamente de um chuveiro de suas flechas. Encontram primeiro com o irmão João de Souza, com um cestinho de pinhões, pendurado no braço (viático que devia ser no caminho), o qual vindo dos bárbaros conheceu logo seus damnados intentos; e posto de joelhos, invocando o Santo nome de Jesus e Maria foi trespassado de duas cruéis flechas, até que cahindo desmaiado em terra deu o espírito ao Creador. Tudo via o irmão Pedro Corrêa; e enquanto durava aquele expetaculo (sic) sanguinio (sic) pregava ele em voz alta, repreendendo tão grande desatino, com aquela sua costumada eloquência, que abrandava aos mais duros penedos. Porém, não eram mais ouvidas as suas palavras, nem eram aqueles corações os mesmos; trocaram-se em corações de feras; endurecêraos o fogo ardente do inferno! Carrega logo o Cordeiro manso uma nuvem de flechas e feito o corpo todo em um crivo, (qual outro martyr São Sebastião), passado o peito e entranhas, não podendo ter um bordão, e cahindo de joelhos, levantadas as mãos ao Céo (sic), rompeu aquela alma ditosa as ataduras da carne mortal e voou a terra dos viventes por quem tanto havia suspirado e padecido neste desterro. Ficaram os corpos defuntos no mesmo lugar do martyrio, para serem comidos das aves e das feras, e ficaram até o dia derradeiro os seus ossos, por testemunho de tão grande maldade’”. Lado direito do transepto direito:

219

Em frente, ao lado oposto dos três paineis sobre fundo dourado em trompe-l’oeil de mosaico dourado e o painel do Martírio de Pedro Correa e João de Souza:

Da esquerda para a direita, veem-se: 1.

Dom Antônio Candido de Alvarenga

2.

Dom José de Camargo Barros

3.

Dom Duarte Leopoldo e Silva.

CAPELA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO: Teto decorado com pintura a óleo sobre tela de De Servi:

220

Carlos De Servi. Cristo Santíssimo (título atribuído pela autora). s/d, Inscrição: “ACCIPITE ET MANDUCATE HOC EST. ENIM. CORPUS. MEUM.” Assinado De Servi no canto inferior direito. Segundo o livro A Parochia de Santa Cecília A Mons. Marcondes Pedrosa 1904-1929

285

, a pintura acima é da autoria de Benedito Calixto, porém, a assinatura não

confere. No Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva não há qualquer menção a esta encomenda e muito pouco ou quase nada se sabe além da autoria de Carlos De Servi (1871-1927), artista italiano oriundo da cidade de Lucca 286. De Servi vem para o Brasil em 1896, onde executa uma série de obras religiosas e laicas.

285

SILVA, Dom Duarte Leopoldo e et alli. A Parochia de Santa Cecília A Mons. Marcondes Pedrosa 19041929, SP: Paróquia Santa Cecília, 1929, sem páginas. 286 http://www.pitoresco.com/laudelino/servi/carlos.htm. Disponível em 20 de fevereiro de 2015.

221

PRESBITÉRIO COM ABSIDE SEMICIRCULAR AO FUNDO – (pinturas de Benedito Calixto dispostas da esquerda para a direita com seus respectivos papas agrupados de três em três, que as encimam). Lado do Evangelho:

222

223

Benedito Calixto – O Batismo de Valeriano, 1909, óleo sobre tela, 190 x 350 cm. Inscrição: “AB VRBANO EPISCOPO VALERIANVS BAPTIZATVR VBI PETRVS BAPTIZABAT”. No Arquivo MDDLS287 há um documento de três páginas que descrevem os quadros da capela mór, pintados por Benedito Calixto. Aqui, cita-se: “St Urbano Episcopo Valerianus baptizatur sebi Petrus Baptizabat. Em uma das cryptas das catacumbas de S. Calixto, sob um Arco Solium, debaixo de cujo tympano se vê gravada esta inscripção = Ad nymphas santi sebi Petrus Baptizabat = o Bispo Santo Urbano, diante de Cecília e de seus cathecumenos, administra o Santo Baptismo a Valeriano, patrício Romano, esposo de Cecília”.

287

Quadros da Capella Mór – Pintados por Benedito Calixto, s/d. AMDDLS.

224

1. São Lúcio288 2. São Cornélio 3. São Zeferino

288

Conforme o documento Decoração da Egreja 1, consultado no Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte Leopoldo e Silva. Nas imagens dos papas martirizados não há qualquer menção aos nomes deles. Assim, seguindo a ordem estabelecida no documento, identificam-se os mesmos da esquerda para a direita.

225

Benedito Calixto de Jesus. A Aparição do Anjo do Senhor, 1909, óleo sobre tela, 190 x 350 cm, assinado B. Calixto. Inscrição: “DVPLIVI CORONA ROSIS ET LILIS CONTEXTA ANGELVS DOMINI SPONSIS CORONANDIS APPARET”. Segundo o documento DECORAÇÕA DA EGREJA 1, obtido junto ao AMDDLS, o nome atribuído ao painel é “A Câmara Nupcial”. No referido documento que traz as legendas lê-se289:

289

Op.cit. AMDDLS.

226

“A Câmara Nupcial Duplici conôme rosis et liliis cotexta Angelus Domini Sponsis coronandis apparet. No palácio de Valeriano, na Câmara nupcial, em o dia immediato aos esponsórios, aparece aos castos esposos, um Anjo do Senhor trazendo duas coroas de rozas e lyrios que depõe sobre a fronte de Cecília e de seu esposo Valeriano, já convertido”.

1. São Calixto I 2. São Fabiano 3. Santo Anthero

227

Benedito Calixto de Jesus. A Imposição do Véu, 1917, óleo sobre tela, assinado B. Calixto. Inscrição: “CAECILIAE VRBANVS EPISCOPVS SACRVM FLAMMEVM IMPONIT”. Conforme o documento DECORAÇÃO DA EGREJA 1, obtido junto ao AMDDLS, o nome atribuído ao painel é “Apostolado de Santa Cecília”. No supracitado documento da Cúria lêse290:

290

Op.cit. AMDDLS.

228

“O Apostolado Caecilia quase apis argumentosa Domino deservit. No dia immediato a Condemnação de Valeriano e de seu irmão Tibúrcio, Cecília comparece, antes da hora do martyrio de seu esposo e irmão e, consegue, pela sua eloquência, que o chefe da escolta, Maximo, e sua família, bem como os demais soldados se convertam a Christo e recebam o baptismo. Maximo é também martyrizado”.

229

Benedito Calixto de Jesus. A Condenação de Santa Cecília, 1917, óleo sobre tela, 190 x 350 cm. Inscrição: “IN ALMACHI TRIBVNAL PRODVCTA CAECILIA MORTI DAMNATA”.

230

Segundo o documento DECORAÇÃO DA EGREJA 1291, obtido junto ao AMDDLS, o nome atribuído ao painel é “O Interrogatório de Santa Cecília” e em Quadros da Capella Mór se lê292: “O Interrogatório Caecilia virgo Almachium superabat. Após o martyrio de seu esposo e companheiros Cecília comparece, ante o pretório de Almachis, para ser interrogada e condemnada. Tais foram, porém as convicções e a energia de suas respostas que o Pretor, tomando um pronunciamento de revolta, por parte da Cohorte, não a condemnou publicamente, mas ordenou que a levassem ao seu palácio e ali fosse asfixiada dentro do banho do Caldarium”.

291 292

Idem. Idem.

231

232

Benedito Calixto de Jesus. O Martírio de Santa Cecília, 1909, óleo sobre tela, 190 x 350 cm. Assinado B. Calixto. Inscrição: “EX CALDARIO ILLAESA, CAECILIA IVSSV ALMACHI, TER SECVRI ICTA TRIDVO POST, EVOLAT IN COELVM”. No referido documento pode-se ler293: “O Martyrio. Ex caldario illaesa Caecilia, iussu Almachii, ter securi icta, tridus post evolat in Coelium. Não tendo Cecília perecido no banho asfixiante do caldarium, em seu próprio palácio, o pretor Almachio ordena que a victima seja conduzida para a área, junto a pessino (sic) de banho, e ahi sofra o martyrio pelo gladio. O carrasco

293

Idem.

233

fere-a com trez golpes, sem conseguir decapital-a. Almachio aproxima-se com seus lictores e, tocando a victima com a ponta de sua vara de pretor, verifica se ella está bem morta...”

Detalhe.

Patíbulo com bronze de Santa Cecília. A cabeça dela está virada para os fieis e não para trás mostrando os cortes na nuca. A data da instalação da escultura e da mesa de altar é posterior,

234

pois no projeto original, não constava, conforme se pode observar em uma foto da época da finalização da construção e decoração da Igreja294.

Fotografia sem a mesa do altar e patíbulo. Tirada em 1929. Autor não informado.

294

SILVA, Dom Duarte Leopoldo et alli. A Parochia de Santa Cecília A Mons. Marcondes Pedrosa 19041929, SP: Paróquia Santa Cecília, 1929, sem numeração de páginas.

235

1. São Ponciano 2. Santo Urbano I 3. São Melchiades

236

Benedito Calixto de Jesus. Os Funerais na Catacumba, 1909, óleo sobre tela, 190 x 350 cm. Assinado B. Calixto. Inscrição: “PLAVDENTE FIDELIVM TVRBA SVPRA CORPVS CAECILIAE VRBANVS ESPISCOPVS SACRVM PERAGIT”. Foto: Karin Philippov. Segundo o documento DECORAÇÃO DA EGREJA I, obtido junto ao AMDDLS, o nome atribuído ao painel é “Os Funerais de Santa Cecília” e em Quadros da Capella Mór se lê: “Os Funeraes. Plandante fidelium turba, supra corpus Caecilia, Urbanus Episcopus sacrum peragit. Os christãos, depois de ungirem o corpo de Cecília levam-no em procissão, do seu palácio para as catacumbas de São Calixto. Ahi, no dia immediato, antes de lhe

237

darem sepultura, o bispo Santo Urbano celebra o Santo Sacrifício sobre a pedra tumular que cobre o esquife com o cadáver de Santa Victima. Os fieis, para quem este acto fúnebre era um ‘verdadeiro triumpho’ agitam palmas e ramos de lyrios”.

1. Santo Estevam I 2. São Xisto II 3. São Paschoal I

Altar da Igreja de Santa Cecília. Feito em mármore de Carrara. Contém cinco santas. Da esquerda para a direita: Santa Luzia, Santa Ignês, Santa Cecília no topo dentro do baldaquino, Santa Apolônia e Santa Catarina. Segundo o livro A Parochia de Santa Cecília a Monsenhor

238

Marcondes Pedrosa,

295

“em dezembro de 1920, concluía-se o altar-mor. Obra do artista de

nomeada Antonio Mingoli, sob as vistas do hábil escultor Sr. Francisco Leopoldo e Silva. O altar é de mármore. Contém alabastro finíssimo”. Somente Santa Cecília está presente debaixo do baldaquino. Já, as outras quatro santas não aparecem no projeto e são adições posteriores, conforme se pode ver na foto seguinte:

Fotografia proveniente do livro sobre a Igreja de Santa Cecília. 296

295 296

Op.cit, 1929, s/p. Idem.

239

Porta interna com vitrais de Santa Cecília padroeira da música. Topo da porta. Vitrais da Casa Conrado Sorgenicht.

Portas esquerda e direita com anjos tocando violino e alaúde.

240

Vista

parcial

dos

vitrais

www.patrimonioespiritual.org.

da

abside

da

igreja

de

Santa

Cecília.

Fonte:

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