A Ocupação Paleoíndia do Sudeste Brasileiro: Lagoa Santa e Além

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A ocupaçäo paleoíndia do sudeste brasileiro: Lagoa Santa e além Astolfo G. M. Araujo e Walter Alves Neves

lntrodução Qrando chegou a Lagoa Santa em 1835, o naturalista dinamarquês Peter W Lund inaugurou, sem imaginar, um longo curso de pesquisas e debates centrados nesse pequeno rincão do Brasil. Suas pesquisas levaram à descoberta de ossos de várias espécies de mamíferos extintos, preserva-

dos nas grutas da região. Num inverno especialmente seco de 1842, Lund aproveitou o baixíssimo nível da Lagoa do Sumidouro e entrou em uma gruta adjacente que ficava sempre inundada, a Gruta do Sumidouro.Lâ

o pesquisador encontrou restos humanos de pelo menos 30 indivíduos pretensamente associados a ossos de animais extintos. Isso acendeu um debate científico considerável, e tais descobertas chegaram até mesmo a ser citadas por Darwin, que mantinha correspondência com Lund. Após a morte de Lund, períodos de esmorecimento nas pesquisas foram pontuados por anos de alta atividade. Pesquisadores de várias procedências, tanto amadores como associados a instituições oficiais, realizaram intervenções na região, estudaram materiais de lá retirados, escreveram artigos e relatórios. Do ponto de vista arqueológico, o tema era o mesmo: qual a relação entre os esqueletos humanos que Lund achou na Gruta do Sumidouro com as espécies de mamíferos extintasì Qral era a idade desses esque-

letos? Seriam eles representantes dos primeiros humanos a chegaram à América? Durante os anos 1940 e 1950 o arqueólogo amador Harold Walter escavou várias grutas na região. Em uma delas, denominada Gruta de Confins, ele retomou uma escavaçáo realizada em 7929 por Padberg-Drenkpol, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, e literalmente esvaziou-a. No fundo da gruta, teria encontrado um esqueleto humano associado a ossos de mastodonte e de uma espécie de cavalo extinto (Mendonça de Souza et aI.2006). Tal crânio foi denominado "Homem de Confins", e a polêmica continuou acesa. Porém, tais questões sempre esbarravam no mesmo problema: a impossibilidade de atestar a contemporaneidade entre humanos e animais extintos, seja pela maneira com que as escavações foram feitas, ou pela impossibilidade de estimar de maneira confiável a idade dos esqueletos humanos

do chamado "Homem de Lagoa Santa". O desenvolvimento do método de datação por radiocarbono, nos anos 1950, inaugurou uma nova era em termos de pesquisas arqueológicas, e Lagoa Santa voltou a ser foco de interesse. Duas missões científicas internacionais se dirigiram à região: uma delas, chefiada pelo arqueólogo norte-americano Wesley Hurt, escavou em meados dos anos 1950 várias grutas no maciço de Cerca Grande e aLapa das Boleiras.

A

dados extrapolam a região deLzgoa Santa e ajudam a compor um cenário mais amplo das ocupações paleoíndias,onde se descortinam algumas possibilidades e hipóteses que deverão nortear pesquisas futuras.

Aspectos Físicos da Região de Lagoa Santa

A

região comurnente denominada na literatura arqueológica como "L4goa

Santa" abrange na verdade diversos municþios situados aproximadamente 50 km a oeste de Belo Horizonte, como Pedro Leopoldo, Matozinhos, Prudente de Morais,

Vespasianq Lagoa Santa, Funilândia e Confins (Figura 1 - Região de Lagoa Santa, MG). A geologia local é composta predominantemente por calcários bastante puros,depositados originalmente em ambiente oceânico,relacionados ao Grupo Bam-

(IBAMA/CPRM 1998),deidade Neoproterozóica (entre 600 e 1.800 milhões de anos). A dissolução desses calcários foi responsável pela formação de numerosas cavernas e abrþs rodrosos, que serviram de local de refigio, moradia ou ocupação buí

nípida tanto

a

humanos como

a

outros animaisrvivos

e

ortintos.

ATLANTIC OCEAN

segunda missão foi chefiada pela arqueóloga

francesa Anette Laming-Emperaire, que também escavou vririos sítios abriga-

dos na década de7970.Os trabalhos de Hurt e Laming-Emperaire forneceram idades radiocarbônicas que colocavam os sítios arqueológicos da região em uma

Brazil t¡goa S6ntE

faixa cronológica bastante recuada, por volta de 10.000 anos atrás, no limite entre o Pleistoceno e o Holoceno. Entretanto, após a morte de Laming-Emperai-u

re emt976,a região deixou de ser foco de pesquisas arqueológicas acadêmicas.

Il o

Foi apenas eff2000 que trabalhos de arqueologia foram retomados, no âmbito do projeto "Origens e Microevolução do Homem na América"l. O projeto teve duração de oito anos e permitiu a elucidação de algumas questões importantes a

o o m

z

respeito da cronologia, da subsistência e da tecnologia dos povos que habitaram a região no início do Holoceno, denominados Paleoíndios.

No entanto,

309

esses

os

1. Projeto Têmático coordenado por Walter Ncves entre 2000 e 2009 e financiado pela FAPESR procs. Nos. 99/00670-7 e 04/01321-6. Auxilio à Pesquisa outorgado Pelo CNPq a Astolfo Araujo, proc. no. 472535/2007-2 e Bolsa de Produtividade proc. no. 300339/08-9.

solos da região são majoritariamente latossolos vermelho-amarelos e litólicos (Piló 1998), relativamente pobres em nutrientes, que em conjunto com o clima atual, fortemente estacional (com estação seca de três a quatro meses), acabam por manter uma vegetação de Cerrado. Em locais específicos são observadas outras fisionomias vegetais, como a mata semidecidual, a

mata ciliar nos fundos de vale, e a mata, seca no topo dos maciços rochosos (Freire 2011).Tiata-se, portanto, de uma ârea de confluência de biomas, ou de tensão ecológica, mosaico extremamente rico do ponto de vista florístico.

As lntervençöes do Projeto "Origens Sítios Abrigados

As intervençóes arqueológicas realizadas no âmbito do Projeto "Origens" foram inicialmente focadas nos abrigos e entradas de caverna, seguin-

do a prática adotada por todos os pesquisadores que estiveram na região desde Lund. O motivo dessa escolha se relaciona a um dos objetivos primordiais do projeto, a saber, o aumento da coleção de remanescentes

ósseos

Lapa das Boleiras

ALapadas Boleiras é um abrigo com 43 m de extensão por72m de largura mfu
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