A Onda Coreana e a representação do passado em \"Reply 1997\"

July 24, 2017 | Autor: Daniela Mazur | Categoria: South Korea, TV drama, Korean Wave
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UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DANIELA DE SOUZA MAZUR MONTEIRO

A ONDA COREANA E A REPRESENTAÇÃO DO PASSADO EM “REPLY 1997”

Niterói 2014

UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DANIELA DE SOUZA MAZUR MONTEIRO

A ONDA COREANA E A REPRESENTAÇÃO DO PASSADO EM “REPLY 1997”

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Estudos de Mídia.

Orientador: Prof. Dr. Afonso de Albuquerque

Niterói 2014

À minha mãe que é incansavelmente presente e fonte diária de amor e inspiração. À Helen, Gaya, Cícero e Henrique que deixaram esse mundo cedo demais, mas que continuam cuidando de mim de onde quer que estejam.

AGRADECIMENTOS

À Deus, fonte de vida e amor, que me protege e me guia a cada instante. Nada seria de mim e desse trabalho sem tal interseção. À Universidade Federal Fluminense, que me deu todo suporte acadêmico para o meu crescimento intelectual e pessoal. Ao meu orientador Afonso Albuquerque, professor e grande inspiração, que foi paciente e incansavelmente generoso com a minha pesquisa. Obrigada por sempre apoiar os meus interesses acadêmicos. À todos os meus professores de Estudos de Mídia, vocês sempre serão fontes de inspiração na minha vida. Nada se compara a essa jornada de aprendizado que tive com vocês. À minha mãe e meu pai, seres humanos cheios de amor que me deram a vida. Palavras nunca conseguirão expressar toda minha gratidão e amor incondicional que tenho por vocês dois. Essa vitória é mais de vocês do que minha. Ao meu irmão que sempre me olhou com admiração e amor. Obrigada por acreditar em mim e por ser o irmão mais carinhoso que alguém poderia ter nesse mundo. Aos meus padrinho e madrinha, que realizam perfeitamente o papel de meus segundos pais. À minha prima Viviane, que sempre foi a irmã mais velha que pedi a Deus. Também ao seu marido Rodrigo e seu filho João, que são fontes de carinho e amizade para mim. À minha prima Helen, seus filhos Gaya e Cícero e seu marido Henrique que tão jovens deixaram este mundo. Gostaria que vocês estivessem aqui para comemorarmos essa vitória juntos, mas sei que vocês estão felizes por mim aonde quer que vocês estejam. À toda minha família, avó, tios, tias, tias-avós, primos, primas, que sempre tiveram uma palavra de carinho e um abraço para me dar. À minha turma de 2010.1, eu nunca imaginei que eu teria tanta sorte em conhecer pessoas tão incríveis como vocês. Obrigada por terem sido uma feliz surpresa. Jhe, Mel, Dessa, Manu, Bella, Ale, Duda, Jô e Lay, cada momento com vocês está para sempre no meu coração. Jhe, obrigada pelo apoio durante toda essa jornada de faculdade e TCC. Gabris, obrigada por ter sido meu porto seguro desde muito antes de Estudos de Mídia. Aos meus amigos do Ensino Médio, minha querida Cambada, os momentos que dividimos são memórias eternas e os nossos laços também. Ju, Bia, Ana, Aline, Topherina, Rê, Nan, Mari, Rich, Gabris e Bê, obrigada por ainda estarmos juntos.

Aos meus ex-colegas de trabalho do CNFCP, obrigada pelo carinho de sempre. Aos meus amigos do curso de japonês e à minha sensei, sempre tão amorosos comigo e extremamente tolerantes com as minhas ausências durante o período de TCC. À todos meus amigos k-poppers que me ajudaram nessa jornada de conhecimento da cultura sul-coreana e que dividiram momentos incríveis comigo. Em especial à Alessandra, Ana Caroline e Thales. Ale, obrigada por ter vivido esse momento de TCC ao meu lado, todos os telefonemas trocando informações e força foram essenciais. Ao Asian Club, um sonho realizado, espaço em que eu posso me expressar e aprender tanto. Tive muita sorte em fazer parte do nascimento desse projeto maravilhoso. Em especial a Krystal, amiga e coordenadora que dividiu muito do seu conhecimento, e a todos os membros do clube, sempre tão generosos. Ao Série Clube, porque aprender nunca foi tão divertido e tão cheio de amigos. Mel, obrigada por ter sido incansável em me ajudar e me apoiar durante esse TCC. Ao Centro Cultural Coreano de São Paulo, que doou diversos materiais de estudos sobre a Coreia do Sul. Aproveito para agradecer ao Professor Jaeho Kang que mediou esse contato e pelo esclarecimento de diversas dúvidas sobre a cultura sul-coreana. À todos os meus amigos, que nunca deixaram de me apoiar e sempre foram a minha segunda família. Obrigada por serem minha fonte de descanso, risadas e confiança. Marcella, Melissa, Carol S. e Abidjan, amigos que foram incansáveis em me apoiar durante este trabalho, obrigada. Às bandas de música, séries televisivas, filmes e livros que, mesmo sem querer, me inspiraram durante esse TCC e toda a minha vida. À todos aqueles que direta ou indiretamente ajudaram e torceram para que esse trabalho desse certo, sou imensamente grata.

RESUMO

Este trabalho se propõe a entender o novo fenômeno cultural que conquistou a Ásia e que vem cativando admiradores em outras partes do mundo: a Onda Coreana. O objetivo é compreender o nascimento desse fenômeno e, através da narrativa de “Reply 1997”, um drama de TV de 2012, observar como a Coreia do Sul se vale da sua história contemporânea. A narrativa relata o passado recente se utilizando da linguagem da cultura pop para saudar a ascensão do país como novo centro de produção cultural na Ásia. Palavras-chave: Coreia do Sul; Drama de TV; Onda Coreana; Reply 1997.

ABSTRACT This study aims to understand the new cultural phenomenon that conquered Asia and is captivating new admirers in other parts of the world: the Korean Wave. The proposition is to understand the birth of this phenomenon and, through the narrative of "Reply 1997", a 2012 TV Drama, observe how South Korea evaluates its own contemporary history. The narrative describes the recent past using the pop culture language to recognize the rise of the country as a new cultural production center in Asia. Keywords: South Korea; TV Drama; Korean Wave; Reply 1997.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................9

CAPÍTULO 1. A COREIA DO SUL..............................................................................12 1.1 Breve Contexto Histórico da Coreia do Sul durante o final do século XIX e o século XX...................................................................................................................................13

CAPÍTULO 2. A ONDA COREANA.............................................................................25 2.1 O nascimento do fenômeno Hallyu...........................................................................37 CAPÍTULO 3. O CASO “REPLY 1997”........................................................................49

CONCLUSÃO.................................................................................................................64

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................67 ANEXO 1. LISTA DE EPISÓDIOS DE “REPLY 1997”...............................................70

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INTRODUÇÃO Aquele período de tempo quando nós éramos passionais e inocentes, do qual sentimos tantas saudades, tanto que chega a doer... Você pode me ouvir? Se você me ouve, me responda, meus anos 90. (Yoon Yoonjae, episódio 16 de “Reply 1997”)

O drama de TV sul-coreano “Reply 1997” (응답하라 1997) é uma produção de 2012 que resgatou os anos 1990, uma década que foi ponto de virada para a construção da imagem da Coreia do Sul contemporânea. Aclamado pelo público e considerado como um dos melhores dramas de TV sul-coreanos no seu ano de exibição, contou a história de seis amigos que, no alto dos seus 30 anos, se reúnem para lembrar momentos de suas juventudes nos anos 1990. Nesta época, eles experimentaram a ascendente cultura pop do país ao mesmo tempo em que vivenciaram os gostos e desgostos de crescer. Celebrando a história contemporânea do país, que abrange o crescimento econômico, tecnológico e cultural, “Reply 1997” se utiliza de diversas estratégias para acionar a nostalgia e o orgulho patriótico do público sul-coreano. Ao mesmo tempo, expõe as raízes do sucesso atual para as audiências internacionais de uma forma até mesmo saudosista. Exatamente como o título do drama propõe, existe um pedido de respostas para uma dúvida que só os anos 90 podem responder para os sul-coreanos. “Responda-nos, anos 1990, como chegamos até aqui”. “Explique-nos o início de tudo”. Como um adulto que procura respostas no passado para entender seu presente, enquanto admira com saudades o que passou. Então, o título pede: Responda, 1997. Mas por que 1997? Qual é importância desse ano? Por que, entre os dez anos da década de 1990, 1997 é o ano que pode responder melhor o que o presente dispõe na realidade sulcoreana? Atualmente, a Coreia do Sul é o país detentor do mais novo fenômeno cultural de alcance global: a Onda Coreana, ou “Hallyu” como é a transliteração mais comum do termo em coreano 1. A Onda Coreana faz jus ao nome: ela representa um novo fluxo de produtos culturais advindos da Coreia do Sul que vem “invadindo a praia” de muitos mercados internacionais. Iniciou-se através do sucesso dos dramas de TV na China e, depois, no Japão, onde o fenômeno começou a fortalecer seu potencial transnacional. O mercado 1

de

entretenimento

no

Japão



estava

estabelecido

nacional

e

A fonética da leitura mais correta da escrita original do coreano seria “Han-lyu” ou “Han-ryu”, não “Hal-lyu”, mas esta última é a versão mais difundida.

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internacionalmente, com seus animes, mangás e dramas de TV, quando a Onda Coreana começou a adentrar o mercado no início dos anos 2000. O histórico entre os dois países não era favorável para abertura das fronteiras mercadológicas, especialmente para a entrada de conteúdos culturais, mas o fenômeno sul-coreano surpreendeu ao romper barreiras políticas e sociais e conquistar a audiência japonesa. Esses foram os primeiros passos interasiáticos da Hallyu, que hoje conseguiu alçar novos ares e chamar a atenção do público de outros continentes. Até mesmo o Brasil foi conquistado: há fãs brasileiros de dramas de TV sul-coreanos (k-dramas) que legendam os produtos para o português, e apaixonados pela música pop sul-coreana (kpop) que já podem até mesmo vivenciar shows dos seus ídolos com as turnês que passam pelo país. O k-pop e os k-dramas são as duas grandes vertentes do movimento Hallyu que estão conseguindo conduzir as influências culturais da Coreia do Sul para diferentes pontos do planeta com uma intensidade nunca antes imaginada. Na atual conjetura globalizada, os fluxos de informações conseguem capturar o interesse de audiências para além das fronteiras geográficas com certa agilidade. A internet é uma ferramenta fundamental para a propagação de conteúdos e abre espaço para a criação de novas formas de produção, veiculação e consumo. Novas experiências são disponibilizadas para uma audiência heterogênea que interage com o conteúdo que consome e que escolhe o que deseja consumir. Dentro deste cenário, novas tendências surgem e se propagam, como, neste caso, a Onda Coreana. Esta que, dentro da sua complexidade e vertentes de formação, eleva a Coreia do Sul ao status de poderosa exportadora de produtos finalizados e formatos de televisão na Ásia, e novo centro produção de cultura pop. O início da expansão da Onda Coreana pela Ásia foi liderado pelos dramas televisivos. Suas narrativas foram absorvidas pelos países vizinhos com certa facilidade por suas estruturas simplistas que conseguiam equilibrar as tradições comuns de uma unidade dita como “cultura asiática”. Vencendo aos poucos as barreiras linguísticas, políticas e culturais, os k-dramas abriram caminho para a divulgação da música pop sulcoreana através de suas trilhas sonoras e, mais tarde, com seus cantores-atores. Essas duas vertentes do fenômeno Hallyu dialogam entre si e, juntas, difundem uma noção do que é “ser coreano”, através da cultura, costumes e tendências do povo sul-coreano. Munidos com incentivos financeiros do Governo, o k-pop e os k-dramas se tornaram indústrias interdependentes de produção e comercialização dos produtos culturais do país.

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Esse trabalho, então, se propõe a investigar o fenômeno cultural sul-coreano Hallyu que vem conquistando não só a Ásia, mas também o cenário global. Para, então, buscar entender a proposta histórica e política do drama “Reply 1997”, que clama respostas da década de 1990 a fim de desvendar a Coreia do Sul de hoje. Entre novas tecnologias, a emergência de uma nova cultura pop e fã na Coreia do Sul, divergências econômicas e paixões adolescentes, esta obra representa este momento de amadurecimento da Indústria Cultural sul-coreana. “Reply 1997” aponta a conjugação das indústrias da música e televisão não só no texto, mas também no contexto da narrativa, enquanto reconta a ascensão da cultura pop da Coreia do Sul nos anos 1990. A proposta é entender como o país, que cresceu em velocidade tão acelerada, olha para o seu próprio passado e o vende para os telespectadores. Porém, para entender “Reply 1997” é necessário compreender um universo maior que é a Onda Coreana, especialmente o seu nascimento, e a história contemporânea da Coreia do Sul. A partir disso, proponho discutir o histórico da Onda Coreana; as peculiaridades da produção da ficção seriada televisiva na Coreia do Sul, junto com seus códigos morais e propostas de narrativas; o relacionamento entre música pop e dramas de TV como estratégia de exportação; e como o drama “Reply 1997” representou a história recente do país enquanto apresentava o crescimento da cultura pop sul-coreana, e discretamente propôs uma iniciante atualização da estrutura dos k-dramas. Todos esses tópicos de discussão estarão estruturados em três capítulos durante o desenvolvimento e argumentação deste trabalho. O primeiro deles abarcará uma contextualização simplificada da história contemporânea da Coreia do Sul, ressaltando fatos a partir do final do século XIX até a chegada da década de 1990, com os primeiros passos da formação da Onda Coreana. O segundo capítulo destrinchará os conceitos e características que formam o fenômeno “Onda Coreana”, junto a um estudo mais aprofundado sobre o formato televisivo “Drama de TV”. Já o terceiro e último capítulo, finalmente trará o estudo de caso sobre a representação do passado recente da Coreia do Sul e a formação da sua cultura pop na narrativa do drama de TV sul-coreano “Reply 1997” (2012).

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Capítulo 1. A Coreia do Sul

Na China, dramas de TV sul-coreanos são vendidos e pirateados em todos os lugares, e fãs adotam roupas e penteados usados pelos protagonistas sulcoreanos. A Coreia do Sul, historicamente mais preocupada em rechaçar tentativas de dominação cultural feitas pela China e Japão do que propagar sua própria cultura no exterior, tem, no entanto, emergido como líder da cultura pop asiática. De dramas de TV a filmes, de música pop a jogos online, a indústria midiática da Coreia do Sul e suas estrelas estão, cada vez mais, definindo o que as pessoas do Leste da Ásia assistem, ouvem e jogam.2 (Ryoo, 2009, p. 139)

A Coreia do Sul é afamada aqui no Ocidente pelos seus produtos tecnológicos da Samsung e carros da Hyundai, ou pelo seu relacionamento conturbado com sua irmã do Norte. Capitalista e abraçando o posto de 15ª maior economia do mundo 3 atualmente, o país começou a se sobressair no cenário mundial pelo seu desenvolvimento industrial e econômico no pós-guerra. O rápido crescimento econômico do país entre os anos 1960 e 1990 resultou na sua coroação como um dos quatro Tigres Asiáticos, junto com Taiwan, Hong Kong e Singapura. A Coreia do Sul conseguiu deixar para trás a sua renda per capita de apenas 100 dólares em 1963 para abocanhar a posição de 11ª maior economia global em 2004 com uma farta quantia de 14 mil dólares per capita (FREEDMAN, 2006, p. 63). Porém, do início dos anos 2000 até os dias atuais, o status de potência econômica ficou em segundo plano no imaginário internacional para dar espaço à invasão cultural da Onda Coreana. A citação no início desse capítulo trata exatamente desse novo fenômeno cultural do século XXI que vêm conquistando admiradores pelo mundo a fora: a Onda Coreana, ou Hallyu, como romanizado4 do seu idioma original. O fenômeno se refere ao sucesso de difusão e consumo dos produtos culturais sul-coreanos nos países do Leste e Sudeste Asiáticos, incluindo Japão, China, Vietnam, Taiwan, Indonésia, Tailândia, entre outros (SHIM, 2006; HANAKI et al, 2007; YANG, 2007; JOO, 2011; CHAN; WANG,

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Original: “In China, South Korean dramas are sold and pirated everywhere, and fans adopt the clothing and hairstyles used by South Korean protagonists. South Korea, historically more concerned about fending off cultural domination by China and Japan than in spreading its own culture abroad, has nonetheless emerged as Asia’s pop culture leader. From well-packaged television dramas to slick movies, form pop music to online games, the South Korean media industry and its stars are increasingly defining what the people of East Asia see, listen and play”. Tradução minha. 3 Dado do livro “Fatos sobre a Coreia”, publicado pelo Serviço de Cultura e Informação sobre a Coreia em 2011. 4 A escrita romanizada é usada aqui como versão traduzida do alfabeto coreano, o Hangul, para o vocabulário de alfabeto romano. Usado nesse caso para facilitar a leitura e a propagação do termo.

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2011). Mais recentemente, a influência cultural da Coreia do Sul começou a conquistar simpatizantes até mesmo nas longínquas Europa e Américas. Música pop, ficções seriadas e formatos televisivos, filmes, moda, estilo de vida, celebridades e gastronomia, “tudo o que for coreano” é exportado e consumido vorazmente pelos fãs da Hallyu. Somando influências culturais dos países vizinhos e dos Estados Unidos às suas próprias características tradicionais, resultou-se esses produtos culturalmente híbridos da Hallyu, que conseguem adquirir novos consumidores de diferentes contextos culturais a cada dia. A ascensão da popularidade da Coreia do Sul é um episódio recente, iniciou-se na década de 1990 e já está na sua segunda fase. Porém para compreender melhor esse fenômeno é importante entendermos o crescimento industrial, econômico e tecnológico do país e também sua construção política e sociocultural, já que a Onda Coreana também é resultado de diversos investimentos governamentais e políticas de aberturas econômicas e culturais. A história do país se estende por mais de 5 mil anos, período no qual se manteve praticamente em reclusão ao contato com outros países até a chegada do final do século XIX, quando precisou abrir suas fronteiras para o mundo (YANG, 2007, p. 182). Sua cultura se manteve isolada até tal momento, para então começar a sofrer diversas influências externas. A Colonização Japonesa, a Guerra da Coreia e a Crise Econômica Asiática de 1997 foram alguns dos fatos ocorridos no século XX que encaminharam o país para a sua atual conjetura e hibridismo cultural. Iremos abordar mais profundamente adiante a evolução do país no último século até se transformar no mais novo polo de produção e exportação cultural da Ásia.

1.1)

Breve Contexto Histórico da Coreia do Sul durante o final do século XIX e o século XX5

A Península da Coreia, que hoje é fragmentada em dois países, a República Democrática Popular da Coreia (Coreia do Norte) e República da Coreia (Coreia do Sul), era até a primeira metade do século passado uma nação íntegra da Ásia Oriental6. 5

Eu me proponho, aqui, a uma abordagem mais superficial e breve dos fatos históricos. Para os interessados em uma leitura mais aprofundada sobre o assunto, recomendo o livro “History of Korea – An Episodic Narrative” de Kyung Moon Hwang, publicado em 2010 pela editora Palgrave Macmillan. 6 Ásia Oriental, também conhecida como Leste da Ásia ou Leste Asiático, é uma sub-região do continente asiático que é composta pela Coreia do Sul, Coreia do Norte, Japão, China Continental, Mongólia, Taiwan, Hong Kong e Macau.

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A Coreia, como um todo, possui uma história que se estende por mais de 5 mil anos e se fraciona em diferentes reinos, dinastias, império, regimes de colonização, regimes ditatoriais e, então, o regime democrático. Suas fronteiras territoriais e práticas culturais específicas7 chegaram à consolidação atual durante a Dinastia Joseon, que existiu entre os anos 1392 e 1897, e foi a última da história coreana. Era considerado um país eremita até tal dinastia, quando teve que começar a ceder às demandas estrangeiras de abertura do país. Solicitações de relacionamentos comerciais e diplomáticos eram insistentes por parte de países como China, Rússia e Japão, estes que, entre si, competiam para definir qual iria influenciar diretamente a península coreana. A Península Coreana sofreu influências diretas da China desde seus primeiros reinos, através tanto da adoção do Budismo e dos padrões administrativos Confucionistas8, quanto na utilização do alfabeto chinês para a escrita (HWANG, 2009, p.4). Essa influência cultural chinesa se deu especialmente pela sua proximidade geográfica. Porém, com a chegada dos séculos XVI e XVII, diversas invasões e tentativas do mesmo foram feitas contra o território da Dinastia Joseon. Forças Japonesas e da Manchúria utilizaram seus potenciais militares diversas vezes contra a Coreia (HWANG, 2009, p. 80-87). Até que a segunda invasão por parte da Manchúria teve sucesso em 1636. Esse foi o primeiro passo manchu para a conquista da Dinastia Ming da China, resultando na posse da totalidade do território chinês 9 por parte da Manchúria e a Coreia continuou subordinada como um Estado Tributário10 chinês. Entre 1894 e 1895, ocorreu a Primeira Guerra Sino-Japonesa que se deu em solo coreano, onde Japão e China lutaram pelo poder de influência sobre a Coreia, já que a Dinastia Qing da China tinha perdido sua exclusividade sobre a península. Com a vitória japonesa, a China teve que reconhecer a Coreia como um país independente do poder chinês. Em 1897, o Rei Gojong pressionado pelas forças externas e pela opinião pública coreana pró-Independência, fundou o Grande Império Coreano, anunciando o

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Progressos culturais como a criação do alfabeto coreano, o Hangul (한글), e o crescimento da influência do Confucionismo. Observação: na Coreia do Norte, o alfabeto coreano é conhecido como Chosongul (조선글), diferentemente da Coreia do Sul. 8 Confucionismo: É um sistema ético, moral e filosófico (também conhecido como uma manifestação religiosa) baseado nos ensinamentos do filósofo chinês Confúcio (551 a.C. – 479 a.C.). Suas lições abordavam ética social, ideologias políticas e colocavam a família como centro da sociedade. Além de sua tradição religiosa, também é um sistema que rege e influencia certo estilo de vida. 9 Com a conquista do território que se referia a Dinastia Ming na China, esse território passou a ser governado pela Dinastia Qing. 10 O termo Estado Tributário se refere à ideia de que um Estado soberano impõe outra nação à subordinação através de pagamentos de tributos periódicos.

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fim dos laços políticos como um Estado Tributário da Dinastia Qing. Reformas e modernizações em diversos âmbitos da sociedade coreana foram empregadas através das influências políticas de países como Japão, Rússia, França e Estados Unidos. Países esses, que viram no fim da exclusividade política do país com a China, uma oportunidade

para

conquistá-lo

com

propósitos

ideológicos,

expansionistas,

exploratórios e também como estratégia de segurança, já que a península tem uma posição geográfica favorável para os tais países interessados. As maiores potências que lutaram pela influência e apropriação da Península Coreana foram a China, o Japão e a Rússia, todas por motivos estratégicos geográficos, de poderio territorial e de exploração de bens naturais. Porém, após a Primeira Guerra Sino-Japonesa, a China se enfraqueceu na disputa e, com a Guerra Russo-Japonesa11 onde a Rússia perdeu para o Japão, a primeira também arruinou suas chances em relação à Coreia. Nessas condições, o Japão estava em uma situação favorável para conquistar o poder sobre a península vizinha. E rapidamente, já em 1905, estabeleceu o território como seu protetorado12. Em Agosto de 1910, o Japão (na época, como Império Meiji) anexou a Coreia, instituindo o governo colonial (HANAKI et al., 2007, p. 284) e assim deu-se fim ao Grande Império Coreano. A colonização japonesa durou 35 anos e foi feroz de diversas maneiras, explorando recursos naturais de forma desenfreada, massacrando inúmeros colonos e impondo restrições contra a cultura e a identidade coreana. Restrições essas que abarcaram a proibição do estudo do idioma nacional nas escolas, impondo o ensino da língua japonesa, e o confisco de coleções privadas do gênero musical inventado no país, o Changga13. As tentativas de “niponizar” culturalmente a Coreia (YANG, 2007, p. 182; JANG; PAIK, 2007, p. 199) foram tão impetuosas e humilhantes ao ponto de, até mesmo, forçarem o povo coreano a trocar seus nomes por nomes japoneses em 1939. Também, durante esse período, centenas de milhares de mulheres foram coagidas a serem escravas sexuais do exército japonês alocado em solo coreano, e os homens foram obrigados ao trabalho forçado (tantos outros foram enviados involuntariamente para o Japão para trabalharem como escravos) (HANAKI et al., 2007, p. 284). 11

Conflito armado entre Rússia e Japão que aconteceu entre Fevereiro de 1904 e Setembro de 1905 em disputa pelos territórios da Manchúria e da Península Coreana. 12 Território independente que é protegido de forma diplomática e militar por um Estado soberano ao primeiro. 13 Changga: gênero musical que floresceu a partir do contato com a música folk e com hinos religiosos estadunidenses introduzidos pelo missionário Henry Appenzeller em 1885. A maioria dos changgas são adaptações de músicas americanas e britânicas (KOCIS, 2011b).

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Com a entrada do Japão na Segunda Guerra Mundial e em frente à escassez de alguns recursos e minerais no país, a colônia coreana virou fonte de produtos agrícolas e da matéria prima que era essencial para a produção industrial japonesa. Até mesmo indústrias de base foram estabelecidas para explorar os minérios da Coreia para abastecer o Japão, porém, consequentemente, a partir desse momento foram dados os primeiros passos para a industrialização do país. Por mais que toda a produção fosse destinada apenas para saciar a demanda da metrópole, o crescimento do setor industrial foi de alguma forma consistente. Quando a colonização japonesa na Coreia chegou ao fim em 1945, o país era a segunda nação mais industrializada na Ásia, atrás apenas do próprio Japão. O fim da colonização japonesa se deu pela redenção do Japão às Forças Aliadas14 na Segunda Guerra Mundial, após brutais ataques atômicos a Nagasaki e Hiroshima15. O Japão deixou para trás, então, uma Coreia em processo de industrialização, mas deteriorada física e ideologicamente e com o orgulho nacional ferido. Ao aceitar a redenção do Japão na Guerra, os Estados Unidos e a União Soviética concordaram em dividir o território coreano e ocupa-lo em conjunto até que um governo coreano unificado e independente pudesse ser estabelecido. Ficou então resolvido que os estadunidenses ocupariam ao Sul do 38º paralelo e os soviéticos, ao Norte deste marco na Península Coreana (HANAKI et al., 2007, p. 284). Divisão esta que foi dita como temporária, até o florescimento dos primeiros sintomas da emergente Guerra Fria modificar todas as circunstâncias. As divergências entre os dois países envolvidos na guerra, somadas às diferenças políticas que existiam dentro do próprio povo coreano, especialmente entre os que já povoavam a parcela do Sul e a do Norte, levou ao enfraquecimento das negociações por uma governança independente e única da Península. Uma Assembleia Geral da ONU foi convocada para eleições gerais da Coreia sob supervisão da comissão da própria ONU, mas a União Soviética foi contra a se sujeitar à Organização, impedindo a comissão de se aproximar da parcela norte da Coreia. Em 1948, foi eleito um governo pró-Estados Unidos para liderar o Sul, e um regime comunista foi estabelecido no Norte. Ambos

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Grupo de países que se posicionaram contra os países do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial. O grupo se formou pelos Estados Unidos da América, União Soviética, Império Britânico, República da China, França, Polônia e Brasil. 15 Cidades japonesas que foram bombardeadas pelos Estados Unidos, país que fazia parte dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Hiroshima foi bombardeada em 6 de Agosto de 1945 e Nagasaki, três dias depois.

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clamavam incessantemente a sua governança como legítima para todo o território peninsular e afirmavam que as fronteiras que dividiam o país eram temporárias. Alavancados por discursos e ideais de unificação, deu-se início a Guerra da Coreia em 1950, com a primeira invasão norte-coreana ao território sulista16. Milhões de soldados e civis tanto do Norte, quanto do Sul perderam suas vidas durante todo o processo de guerra17, que durou três anos. O desgaste e a insatisfação com um conflito aparentemente interminável, já que ambos os lados evitaram usar integralmente seu potencial militar temendo o desencadeamento de uma Terceira Guerra Mundial (SANDLER, 2009, p. 21), levou ao armistício assinado em Julho de 1953. Porém, a Guerra Fria continuou por mais de quatro décadas, e as tropas estadunidenses e coreanas continuam em guarda até hoje na fronteira 18 entre os dois, atuais, países independentes. Nenhum acordo de paz foi assinado entre as Coreias até o presente momento, então a Guerra da Coreia continua declarada, porém não ativa. A Guerra da Coreia ficou marcada como a maior catástrofe da história nacional da Península Coreana (SANDLER, 2009, p. 18). E com o fim dela, a Coreia do Sul19 teve que recomeçar do zero, já que o país estava praticamente destruído economicamente e em infraestrutura física (JANG; PAIK, 2007, p. 199). Porém, algo se fortaleceu durante esses anos de ocupação e conflitos: o patriotismo e a questão nacionalista do povo coreano, que, com os anos que se seguiram, se tornou uma questão ainda mais entranhada na cultura do país. A forte política de assimilação por parte do Japão durante a colonização, que foi chamada de “Imperialismo Cultural” 20 por Yang (2007, p. 182), estimulou o patriotismo dos coreanos. O país, que até pouco antes era considerado como um país “eremita” pelos ocidentais, se encontrou envolto de um cenário de influências culturais e ideológicas muito fortes dentro das suas próprias fronteiras. Influxos chineses, japoneses, estadunidenses e europeus ajudaram a firmar a

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Essa também foi a primeira ação militarizada da Guerra Fria. Estima-se que o número de baixas dos militares norte-coreanos e seus aliados foi próximo ao de sulcoreanos, mas não há convicção pela dificuldade de acesso aos arquivos de Pyongyang (capital da República Popular) (SANDLER, 2009, p. 348). 18 A área fronteiriça entre a República Popular da Coreia do Norte e a República da Coreia é também uma Zona Desmilitarizada, usada como contenção militar e faixa de segurança que limita os territórios. Essa área possui em torno de quatro quilômetros de largura e é praticamente despovoada por civis, dando espaço para o desenvolvimento de uma vasta diversidade de fauna e flora. 19 A partir daqui, foco meu objeto de estudo no caso da Coreia do Sul. 20 Segundo o mesmo autor, que cita a autora Diane Crane (Cultural and Globalization: Theoretical Models and Emerging Trends, 2002), o Imperialismo Cultural é um modelo de dominação cultural ou a imposição de crenças, valores, conhecimentos, comportamento e estilo de vida de uma nação “central” sobre uma “periférica”. 17

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própria consciência cultural do país, despertando o interesse pela independência e resgate das tradições. A construção da consciência patriota e nacional e o contato com estrangeirismo diário e intenso (especialmente com as tropas de soldados americanos que continuaram em terras coreanas mesmo após o armistício da Guerra) durante todo o século XX será um dos pilares que dará sustentação identitária ao futuro fenômeno cultural Hallyu. Como dito anteriormente, a Coreia do Sul teve que se reconstruir do zero após os diversos conflitos militares em que esteve envolvida. E um dos primeiros atos implementados foi o regime autoritário (1960) como forma de governança, que se utilizou da incerta Segurança Nacional como justificativa para a repressão de opiniões políticas opostas à ele. Foi o início de uma ditadura severa e impiedosa, mais um capítulo obscuro da história do país, que se estendeu até 1987. Porém, por mais que a ditadura tenha sido imposta de uma maneira extremamente cruel, é inquestionável o rápido crescimento econômico sofrido durante esta época pelo incentivo do regime ditatorial no desenvolvimento econômico visando o mercado de exportação. As duas metas prioritárias da liderança eram a Segurança Nacional e o Desenvolvimento Econômico da nação (FREEDMAN, 2006, p. 62). Após o cessar-fogo contra a irmã do Norte, o país figurava como um dos mais pobres do mundo, mesmo com o apoio financeiro oferecido pelos Estados Unidos. Por isso, a partir dos anos 60, o governo iniciou sua estratégia de reconstrução nacional: uma série de planos quinquenais de desenvolvimento econômico focados no comércio exterior. Laços entre o Estado, o setor bancário e os chaebols (conglomerados de empresas multinacionais que atualmente dominam a economia sul-coreana e que prosperaram no período pós-guerra)21 foram a chave-mestra para dar suporte a tais planos. Os sucessivos planos econômicos funcionaram, alcançando lucros e investimentos para o desenvolvimento de suas indústrias leves e pesadas, que sofreram rápida expansão nos anos 1960 e 1970. Esse período representou um grande avanço na industrialização nacional, graças ao sucesso do planejamento estatal do então governo, conquistando o status de nação industrializada. Durante as décadas de 1980 e 1990, a Coreia do Sul conquistou a posição de grande produtora de navios, aço, automóveis e eletrônicos e, posteriormente, de altatecnologia. O desenvolvimento do país passou a ser conhecido mundialmente como “O 21

Termo em coreano que foi usado pela primeira vez em 1988. Tais conglomerados são, em sua maioria, controlados por famílias. Samsung, a LG e a Hyundai são alguns exemplos de chaebols.

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Milagre do Rio Han”22, se referindo ao rápido crescimento e modernização econômica, industrial, educacional e urbana, exaltando a reconstrução do zero da nação no pósguerra. Já no final dos anos 1980, a Coreia do Sul passou por um novo momento político: em 1987 a Democracia foi instaurada depois de quase três décadas de intensa ditadura militar. Esse marco foi importante especialmente pela liberação das restrições de importação de produtos culturais estrangeiros, em 1988, e de viagens internacionais, em 1989 (SHIM, 2006; YANG, 2007; TANAKA; SAMARA, 2013). A liberação midiática sul-coreana foi bastante pressionada pelos Estados Unidos, que ambicionavam que filmes hollywoodianos pudessem ser distribuídos diretamente para os cinemas locais coreanos. Já que, durante a ditadura, apenas companhias domésticas de filmes eram permitidas a importar e distribuir produtos cinematográficos estrangeiros dentro do país (SHIM, 2006, p. 31). O contato com produtos culturais estrangeiros cresceu exponencialmente, ao ponto de causar preocupações em méritos políticos e de integridade cultural (SHIM, 2006, p.31; JOO, 2011, p. 490; JANG; PAIK, 2012, p. 200). Com a introdução do serviço de televisão a cabo em 1995, os gastos com importação de programação televisiva internacional eram enormes23. E o intenso e crescente consumo de filmes de Hollywood enfraqueceu o setor cinematográfico local (JOO, 2011, p. 491). A partir desse cenário delicado da mídia sul-coreana e com a surpresa do sucesso inesperado do filme nacional “Spyonje” 24 em 1993, o governo começou a perceber o potencial econômico inerente a uma indústria cultural desenvolvida. O Conselho Presidencial de Ciência e Tecnologia sugeriu ao presidente da época, o Kim Young Sam, que o governo promovesse a produção midiática nacional como indústria estratégica. Para embasar sua proposta, o Conselho exemplificou os enormes ganhos em receita do filme “Jurassic Park”, que lucrou tanto quanto a venda de 1.5 milhão de carros da empresa sul-coreana Hyundai. A comparação de um filme com o produto que era considerado o “orgulho da

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O nome veio da referência ao Rio Han que cruza Seul, a capital e também a maior cidade da Coreia do Sul. 23 Entre 1993 e 1996, as três grandes emissoras (as “Big Three”) da televisão coreana, a KBS, a MBC e a SBS, importaram um total de 99,5 milhões de dólares, enquanto a exportação de programação televisão lucrou apenas 19,7 milhões (JOO, 2011, p. 491). 24 Filme que conta a história de uma família itinerante que ganhava a vida apresentando performances de pansori, um estilo musical tradicional e popular coreano. O filme narra o declínio dessa forma cultural usando como pano de fundo o cenário rural do país, e conseguiu despertar no público coreano a nostalgia pelas tradições. Esse sentimento levou milhares de pessoas aos cinemas, conseguindo reviver a indústria cinematográfica nacional, que até esse momento estava sem esperanças de se reerguer. “Sopyonje” bateu o recorde nacional de público, ficando em primeiro lugar na época (SHIM, 2006).

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nação” foi eficaz em fazer os coreanos entenderem o potencial da indústria cultural como estratégia econômica (SHIM, 2006, p. 32). A partir disso, o governo coreano introduziu em 1994 um setor focado na Indústria Cultural dentro do Ministério de Cultura e Esportes e decretou, já em 1995, a Lei de Promoção Cinematográfica 25, que estipulava uma cota de exibição de filmes nacionais nos cinemas, a fim de atrair investimentos na indústria local de filmes (JANG; PAIK, 2013, p. 200; SHIM, 2006, p. 32). O apoio financeiro dos conglomerados empresariais, os chaebols, foi requerido pelo governo para desenvolver o setor cinematográfico, este que, através de tal fomento, expandiu seus setores de produção, distribuição e exibição. Através do incipiente interesse e orgulho do povo coreano pela sua própria nação, a expansão do setor cinematográfico e as condições melhoradas na experiência de “ir ao cinema” gradualmente atraíram o público local. Porém esse cenário otimista dos primeiros passos da Indústria Cultural foi encoberto pelo fim do apoio dos chaebols quando a Crise Econômica Asiática de 1997 invadiu a Coreia do Sul. Ironicamente, o modelo desenvolvimentista que elevou a economia da Coreia ao status de “Milagre do Rio Han”, foi a razão para o afundamento do país na Crise Econômica de 1997 (FREEDMAN, 2006, p. 63; YANG, 2007, p. 184). Freedman (2006) esmiúça esse momento crítico para a Coreia do Sul desde o cenário anterior à Crise no país. Ele aponta como a Crise de 1997 já estava tomando conta dos países do Sudeste Asiático em meados de tal ano, mas os analistas sul-coreanos acreditavam que o país não iria sofrer grandes consequências como os seus países vizinhos. A maioria dos cidadãos não tinha ideia sobre a iminente Crise, porque esse assunto não era comentado veementemente pela Imprensa e muito menos pelos candidatos à presidência das eleições que iriam acontecer em alguns meses no país. Gradualmente alguns sintomas da aproximação da Crise começaram a surgir, como o declínio das vendas e a forte competição de preços no mercado. E o grande fator determinante veio à tona: as empresas nacionais tinham os menores lucros, mas os maiores investimentos em capital estrangeiro da Ásia. O financiamento externo estava sendo usado para compensar os prejuízos e para cobrir gastos de produção e custos de expansão dos negócios (esse último era cobrado das empresas pelo Governo a fim de continuar com o plano desenvolvimentista nacional). Bancos nacionais também tinha uma dívida externa 25

“Motion Picture Promotion Law”. Tradução minha do termo original em inglês trabalhado pelo autor Doobo Shim.

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impossível de pagar no momento26. Dentro desse cenário, a Coreia do Sul estava submersa em uma das maiores dívidas econômicas de toda a região. Dívida esta que flutuava entre 60 e 70 bilhões de dólares em empréstimos estrangeiros. Todo o processo de industrialização da Coreia do Sul influenciou na grande dívida externa em que o país de encontrou em 1997. O modelo de reaplicar investimentos e lucros para a expansão dos próprios chaebols funcionou até a Crise Financeira mudar toda a conjuntura. A única saída para essa situação extremamente delicada da economia sul-coreana foi buscar a assistência financeira do FMI27 em Novembro deste mesmo ano 28. Como consequência, o FMI impôs ao governo sulcoreano diversas reformas nas práticas políticas que enfatizavam a liberação, desregulamentação e privatização econômicas29. Então, o país que tinha conseguido o reconhecimento mundial por ter sido a primeira sede asiática dos Jogos Olímpicos30 em 1988 e por seu milagre econômico, que o fez crescer praticamente 10% a cada ano desde a década de 1960, tinha se afogado em uma dívida bilionária que o fez dependente do FMI e o povo se encontrava com o orgulho ferido por toda essa situação (YANG, 2007, p. 185). Em meio a esta conjuntura, o candidato Kim Dae Joong venceu as eleições de dezembro para Presidente da República da Coreia. Sua vitória foi o marco definitivo para a Democratização do país, que viveu anos de uma ditadura extremamente severa. Isso porque, além do presidente representar a renovação da liderança partidária do Governo (a vitória dele foi uma conquista da Oposição), que era a mesma há vários mandatos políticos, ele também já era longamente conhecido na política pelo seu posicionamento democrata, fundamentando então a transição real do regime ditatorial para o regime democrata na Coreia do Sul. O Presidente Kim Dae Joong tomou posse em 1998, ciente da condição financeira do país e do acordo com o FMI, trazendo consigo algumas novas propostas de reformas políticas. Autodenominado “Presidente da Cultura”, adotou como estratégia econômica enfatizar o desenvolvimento da Indústria Cultural e Midiática e da Tecnologia da Informação para o crescimento do país. Sua intenção foi expandir 26

Além de carregar um grande déficit de 27 bilhões de dólares em empréstimos não pagos. Sigla referente a “Fundo Monetário Internacional”. 28 Além de Freedman, esse fato também foi citado por Yang, em 2006, e por Jang e Paik, em 2012. 29 Essas práticas são características do modelo neoliberalista que o FMI defende. 30 Os Jogos Olímpicos foram um marco importante na história da Coreia do Sul porque concederam ao país o que era desejado, mas considerado pouco possível na época: o reconhecimento internacional e os holofotes da mídia mundial. E isso incentivou o crescimento do orgulho nacionalista do povo coreano, especialmente pela conquista do feito único na Ásia, algo que nenhum dos países vizinhos tinha conseguido fazer antes (JANG; PAIK, 2012, p. 200). 27

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investimentos para a produção de produtos culturais como conteúdos televisivos, músicas e filmes, com a finalidade de alimentar o mercado de entretenimento nacional e de exportação (TANAKA; SAMARA, 2013, p. 4; SHIM, 2006, p. 34; JANG; PAIK, 2012, p. 200). A administração de Kim era fundamentada na ideia de que, para o crescimento econômico do país, era necessário que os setores midiáticos e de entretenimento recebessem tanto suporte quanto as indústrias de manufaturas recebiam (JOO, 2011, p. 499). Uma das suas primeiras atuações nesse aspecto foi transformar o Ministério da Cultura e Esportes em Ministério da Cultura, Esportes e Turismo e anexar a ele a Agência de Informação Pública, visando o desenvolvimento cooperativo das artes, cultura, radiodifusão e turismo nacionais. E também, logo no início da sua governança, foi estabelecida a Lei Básica para Promoção da Indústria Cultural31, que previa a destino do orçamento de 148.5 milhões de dólares para tal iniciativa (TANAKA; SAMARA, 2013). Durante o mandato do presidente Kim Dae Joong o incentivo financeiro para o setor cultural subiu de 0.60% por ano para 1.15% do total orçamentário do governo em 2002 (SHIM, 2006, p. 34-35). Nessa atmosfera abundante de investimentos econômicos e apoios políticos, a Coreia do Sul deu seus passos em direção a se tornar o novo centro de produção cultural na Ásia. Tanto que, em 2004, o lucro com a exportação de conteúdo televisivo ultrapassou o valor de 80 milhões de dólares, uma diferença exorbitante dos tímidos 10 milhões que eram arrecadados até 1998 (TANAKA; SAMARA, 2013, p. 5). A atual imagem nacional da Coreia do Sul e sua Indústria Cultural são, além de tudo, produtos de uma globalização acelerada. O país, que antes se mantinha fechado para interações internacionais, não estava acostumado a tais relações e temia perder sua essência cultural em face ao contato estrangeiro. A imposição da abertura de mercado feita pelo FMI e diversas invasões culturais que a Coreia do Sul sofreu ao longo dos séculos – como colonização, acordos e guerras – resultaram em cenários considerados preocupantes pelo povo coreano. Entretanto, a crescente e cotidiana interação com tais influências foi gradualmente sendo aderida, interpretada e até mesmo admirada pela população. Durante esta trajetória cultural e especialmente com a reforma neoliberalista determinada pelo acordo com o FMI, a Coreia do Sul passou por complexas mudanças não só econômicas, mas também em suas práticas sociais e valores culturais (YANG, 31

Tradução minha para a denominação redigida em inglês pelo autor. O original é “Basic Law for the Cultural Industry Promotion”.

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2007). Mais recentemente, a expansão da Tecnologia de Informação e Comunicação levou a internet para o cotidiano do povo e enfatizou o acesso ilimitado a conteúdos estrangeiros. Toda essa conjetura propõe a ideia de um processo de Globalização. Segundo Held et al. (1999) e Tomlinson (1999), que são citados por Yang (2007, p. 179), o conceito de Globalização é comumente definido como um fluxo de símbolos, produtos e pessoas entre regiões do planeta e suas conexões e a interdependência construída entre elas. É corriqueiro considerar uma corrente única de influências globais partindo do “centro” para a “periferia”, que é representado no imaginário comum como, respectivamente, Estados Unidos e os outros países do mundo. Porém, a ideia de fluxo único já não representa mais a complexidade do conceito e nem a realidade da aplicação dele, já que contra fluxos multidirecionais e novos “centros” surgiram. Também é importante considerar a apropriação e recepção diversa dos consumidores desses produtos (SHIM, 2006, p. 26). Já a Globalização Cultural contemporânea enfatiza a dimensão cultural do processo de globalização. Tal processo é encabeçado por influências culturais através do estabelecimento de novas infraestruturas de cultura global, o aumento maçante nas trocas culturais através da comunicação (especialmente, na atualidade, alimentado pelo poder da Internet), a ascensão do domínio cultural ocidental, a mudança na geografia das interações culturais globais e a migração para um padrão industrial baseado em multinacionais. O conceito de Globalização Cultural é considerado como subsequente da ideia de Imperialismo Cultural, que prevê a imposição de crenças, valores, conhecimento, normas comportamentais e estilo de vida de um país “central” sobre um “periférico”. Imperialismo Cultural evoca a ideia de superioridade dominante, e tem como objetivo homogeneizar a cultura do país “inferior” (CRANE apud YANG, 2007, p. 180). Seria como uma Globalização Cultural forçada à base da subjugação. Em contradição, a globalização estimula a busca do que é “ser local”. A influência de uma cultura globalizada e homogênea encoraja os países receptores a redescobrirem a sua própria diversidade cultural (SHIM, 2006, p. 27). O Nacionalismo, que pode ser definido como o sentimento de valorização do que representa e identifica fazer parte de tal nação, é consequente dessa busca da essência nacional (YANG, 2007). Tal soma de influências internas e externas constrói um caráter híbrido de identidade e consumo. A partir disso, o Hibridismo Cultural se coloca como consequência da Globalização e Nacionalismo, já que é o encontro de culturas local e global e sua reapropriações. Segundo Shim (2006), o Hibridismo se revela como novas práticas de

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expressões culturais e performativas. É a forma como locais se apropriam de produtos, convenções e estilos globais, colocando significados e experiências do seu cotidiano neles e assim criando um novo tipo de consumo. O Nacionalismo fortalece esse processo, já que os receptores locais reavaliam os produtos e ideias importadas através do seu espectro nacional. É dentro dessa conjuntura que a Coreia do Sul se reinventou culturalmente nas últimas décadas, especialmente após a Crise Econômica de 1997 e o subsequente acordo com o FMI. Iniciou-se então a formação de uma identidade nacional híbrida, que agregou à sua cultura as influências estadunidenses, japonesas, chinesas, norte-coreanas e de tantas outras fontes de contato adquiridas através das décadas. É uma personalidade nacional que exprime a complexidade em definir o que é “ser sul-coreano”. Com a liderança do presidente Kim Dae Joong a partir de 1998, as políticas de crescimento e desenvolvimento da Indústria Cultural foram colocadas em ação. Somadas à nova realidade cultural híbrida da Coreia do Sul, a produção da crescente Indústria Cultural refletia essa nova identidade nacional. O desenvolvimento da mídia sul-coreana, nesses últimos 20 anos, ilustra a relação entre forças globalizantes e a identidade tradicional do país, expressando a estratégia do hibridismo cultural. O grande e mais recente exemplo disso é o fenômeno cultural conhecido como Onda Coreana, ou Hallyu, que invadiu a Ásia Oriental e tem conseguido gradualmente a façanha de conquistar fãs fora do eixo asiático, especialmente os ocidentais. Então, partir de toda essa contextualização histórica, podemos dar início a discussão sobre Onda Coreana, seus produtos e consequências.

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Capítulo 2. A Onda Coreana Durante a década passada, a Coreia do Sul, com uma população de cerca de 50 milhões de pessoas, se tornou a Hollywood do Oriente, produzindo entretenimento que é cobiçado por milhões de fãs que se espalham do Japão à Indonésia. (Lara Farrar, CNN World, 31 de Dezembro de 2010)32 E essa mudança cultural pode ser atribuída à recente Globalização acelerada, que foi precipitada pela Crise Econômica de 1997 e sua subsequente reforma neoliberal, e pela rápida penetração da tecnologia digital na vida cotidiana da população.33 (Yang, 2009, p. 178)

Os anos 1990 foram decisivos para a profunda mudança na percepção do povo sul-coreano quanto à importância da valorização de sua própria Indústria Cultural e, a partir disso, o início da construção da atual Onda Coreana. Além dos primeiros atos governamentais a favor do desenvolvimento do setor cultural pelo Presidente Kim Young Sam no seu mandato entre 1993 e 1997, o presidente sucessor Kim Dae Joong fez jus a sua autonominação de “Presidente da Cultura”. Dae Joong deu início a sua governança presidencial em 1998, pouco depois da Crise Econômica Asiática invadir também a Coreia do Sul. Tal episódio serviu como um catalisador para a tão necessária reforma política do país, assim como também aconteceu na época em países como a Indonésia e a Tailândia34 (FREEDMAN, 2006, p. 61). Vários incentivos financeiros para otimizar a produção dos setores cinematográficos, televisivos, musicais e de mérito de difusão da cultura sul-coreana em geral, foram feitos em favor da economia e divulgação do país durante toda a década, porém com intensidades diferentes em cada mandato presidencial (e também diante das distintas circunstâncias econômicas). Outro fator relevante que movimentou os mercados de produtos culturais na Ásia foi a liberação midiática que se deu em boa parte dos países na época (SHIM, 2006, p. 28). Tal liberação criou um novo tráfego de informações e produtos culturais trans-asiáticos e, também, globais, já que o contato com importações originárias dos Estados Unidos havia crescido com a abertura dos mercados asiáticos. Esse cenário 32

Original: “Over the past decade, South Korea, with a population of around 50 million, has become the Hollywood of the East, churning out entertainment that is coveted by millions of fans stretching from Japan to Indonesia”. Tradução minha. 33 Original: “And this cultural change can be attributed to the recent accelerated globalization, which was precipitated by the 1997 economic crisis and subsequent neo-liberal reform, and by the rapid penetration of digital technology into people’s everyday life”. Tradução minha. 34 Ambos os países também sofreram com as consequências da Crise Econômica e modificaram suas estratégias econômicas e políticas após a Crise.

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econômico aqueceu a concorrência e incentivou as trocas de influências e aprendizados entre as indústrias de produtos culturais dos países, incentivando a criação de um espaço de elaboração de novos produtos. Segundo Yang (2007, p. 188) – que cita dados do Ministério da Cultura e Turismo da Coreia do Sul –, como resultado deste momento, o mercado consumidor da Indústria Cultural sul-coreana aumentou 21% anualmente entre 1999 e 200335, tendo uma pequena queda de ritmo entre 2003 e 2005, resultando no valor de 10.5% anuais. As exportações de produção cultural tiveram uma vasta expansão entre os anos de 1990 e 2005: em 1990, as exportações eram inexistentes e o custo com importação desses serviços era de 80 milhões de dólares; em 1999, exportaram 8 milhões e importaram 80; já em 2003, a exportação arrecadou 631 milhões de dólares para, então, em 2005, dobrar esse valor. As vendas da Indústria Cultural sul-coreana em 2005 totalizaram 6.65% do Produto Interno Bruto (PIB) 36 do país. E um dos motivos para o tamanho progresso acelerado foi a eclosão do fenômeno Hallyu. Hallyu, ou Onda Coreana, é o nome que se deu para abarcar o intenso fluxo de produtos culturais provenientes da Coreia do Sul que tem conquistado imensa popularidade na Ásia e, mais recentemente, nos países ocidentais. Tal fluxo de produtos compreende filmes, música pop, dramas de TV, celebridades, videogames, gastronomia, turismo, moda e o próprio idioma coreano (SHIM, 2006; HANAKI et al., 2007, p. 281; YANG, 2007; HUANG, 2011; CHAN; WANG, 2011, p. 291; JANG; PAIK, 2012, p. 198). A Hallyu é um fenômeno que contribuiu para a descentralização do fluxo cultural vindo exclusivamente do Ocidente para o Oriente, e apresentou uma nova alternativa de fluxo, vindo agora do Oriente para o Ocidente (ESPIRITU, 2011, p. 356). Como defendido por Yang (2007, p. 178): “essas mudanças culturais representam um desafio para a teoria de Imperialismo Cultural centrada no Ocidente e sugere uma alternativa de processo de Globalização”. O fenômeno Onda Coreana é consequência desse momento político e economicamente favorável para o desenvolvimento de tais vertentes na Indústria Cultural sul-coreana, que se deu na década de 1990. E, também, do Hibridismo Cultural que, através da soma de influências culturais externas com as tradições originalmente nacionais, reinventou a identidade da Coreia do Sul nas últimas duas décadas. 35

Dados comparados ao Produto Interno Bruto do país em tais períodos. Produto Interno Bruto (PIB): representa a soma de toda a produção de bens e serviços de uma determinada região durante um determinado período. 36

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O termo “Hallyu” foi originalmente concebido por jornalistas da imprensa de Pequim, na China, no final dos anos 1990, quando o país começou a sentir os efeitos da popularidade dessa invasão cultural (TANAKA, SAMARA, 2013, p. 4). O termo, que no Mandarim é pronunciado como “Hanliu” (assim como no original coreano; a leitura “Hallyu” é a versão difundida e oficial para o inglês), significa “fluxo da Coreia”, onde “Han” (한) se refere ao estado de ser coreano e “Lyu” ou “Ryu” (류) significa “fluxo”. Fluxo este que teve seu início no país através dos dramas de televisão e o seu marco pioneiro de sucesso foi a produção seriada “What is love” 37, exibida no país em Junho de 1997 (SHIM, 2006, p. 28; JANG; PAIK, 2012, p. 200). Tal produto televisivo foi o ponto de partida para a propagação da Onda Coreana na China e também o primeiro passo do fenômeno cultural provando-se como uma potência real de exportação. A produção “What is love” foi exibida pela rede de televisão estatal38 CCTV39 e também é conhecida até hoje por ter sido o primeiro drama de TV sul-coreano a ser exibido em toda extensão territorial da China. Tamanho foi o sucesso entre os telespectadores chineses, que foi reexibido em 1998, desta vez no horário nobre da grade televisiva, e conseguiu bater o recorde de segunda maior audiência de um produto importado na televisão chinesa da época (HEO, 2002, apud SHIM, 2006, p. 28). Seguindo o sucesso do pioneiro, outro drama de TV sul-coreano, o “Stars in my 40

heart” , conseguiu conquistar grandes audiências tanto na China, quanto em Taiwan em 1999. A partir da popularização desses e outros dramas de TV no país, foi introduzida a primeira fase da música pop sul-coreana (o k-pop) que estava ascendendo na Coreia do Sul para o público chinês, que também foi rapidamente conquistado por esse novo produto cultural. Transformando, então, a China na primeira importadora de produção de entretenimento sul-coreano e também a primeira consumidora da Onda Coreana

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Exibido na Coreia do Sul pela emissora MBC (e também produzido por esta) entre Novembro de 1991 e Maio de 1992, o drama televisivo teve 55 episódios. A trama ficcional girava em torno de embates e resoluções de um casal em que o marido e a esposa, que vieram de famílias com valores bastante diferentes – sendo uma conservadora e a outra liberal –, precisavam aprender como equilibrar tais diferenças familiares para manter o relacionamento. 38 Televisão Estatal engloba a ideia de que a emissora ou a rede de emissoras é fundada e controlada pelo Governo. No Brasil, o exemplo de emissora estatal é a TV Brasil. 39 Sigla para “China Central Television Station”. A emissora foi fundada em 1958 em Pequim e é atualmente a maior rede de televisão da China continental, com 45 canais de conteúdos e temáticas diversos. 40 Drama televisivo de 1997, com 16 episódios, produzido pela emissora MBC. Conta a história de uma órfã que é adotada por uma família hostil e tem que conviver com as crueldades da sua madrasta e irmã postiça. Isso até ela conhecer dois novos amigos, um aspirante a cantor que não tem apoio de seu pai para seguir a carreira de música e um designer de moda, e começar, então, uma nova fase da sua vida.

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(TANAKA; SAMARA, 2013, p. 5; JOO, 2011, p. 492), legitimando o início desse fenômeno cultural. A série de TV ‘What is love’ foi um grande sucesso na China. A audiência chinesa assistia majoritariamente novelas da Europa, América, Hong Kong, e Taiwan. Depois de ‘What is love’, os telespectadores chineses se apaixonaram pelos dramas sul-coreanos como se tivessem descoberto um mundo completamente novo. Em 1998, adolescentes chineses pintavam seus cabelos como o grupo idol H.O.T. Em 1999, um shopping de produtos coreanos abriu no centro de Pequim. E por volta de 2003, a Hyundai Motor Pequim estava fabricando carros e se transformando em uma marca tão grande quanto as americanas e europeias na China.41 (Hong Qingbo apud. KOCIS, 2011a, p. 21)

O sucesso inicial dos produtos sul-coreanos na China é o resultado dos primeiros êxitos dos investimentos na Indústria Cultural. Porém, antes de adentrarmos de forma significativa

nesta questão, é importante contextualizar

o

fortalecimento e

desenvolvimento do setor cultural da indústria da Coreia do Sul. Desde 1992, com o estabelecimento do governo de Kim Young Sam, iniciaram primeiras reformas favorecendo a produção de conteúdo de entretenimento. Após a Crise de 1997, com a posse do “presidente da cultura” Kim Dae Joong, movimentações aceleradas foram feitas em favor do setor. Movimentações estas que se concretizaram através do estopim de exportação da cultura nacional para as nações vizinhas, inicialmente conquistando a velha conhecida China. Como dito antes, o primeiro produto a ter real relevância no mercado exterior foram as séries ficcionais, conhecidas regionalmente como o formato televisivo Dramas de TV – que serão abordados mais profundamente adiante neste capítulo. Porém, o primeiro setor a receber as apostas dos investimentos diretos do governo do país e também dos chaebols, nos meados dos anos 1990, foi o Cinema. O setor cinematográfico sul-coreano foi o primeiro a conquistar a audiência internacional, com alguns filmes sendo bem recebidos por espectadores estrangeiros, mas ainda sem o mesmo impacto que foi conquistado posteriormente pelos Dramas de TV durante os anos 1990. A indústria do cinema sul-coreano tem quase cem anos de existência e já passou por duas renascenças. A primeira foi nos anos 1960, quando o Cinema nacional 41

Original: “The Korean TV series ‘What is Love’ had been a huge success in China. The Chinese audience had mostly watched TV soaps from Europe, America, Hong Kong, and Taiwan. After ‘What is Love’, the Chinese audience fell for Korean dramas as if they had discovered a whole new world. In 1998, Chinese teenagers colored their hair after the Korean idol group H.O.T. In 1999, a shopping center selling Korean products opened in downtown Beijing. By 2003, Hyundai Motor Beijing was turning out cars and soon becoming as big as American and European brands in China.” Tradução minha.

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ressurgiu com a emersão de diversas talentosas atuações e direções de filmes, mesmo que em pequena escala de produção. Dentro desse primeiro momento positivo para a indústria, alguns filmes sul-coreanos conseguiram conquistar certa popularidade nos países vizinhos do Sudeste da Ásia 42, evidenciando os pequenos primeiros progressos do cinema nacional. A partir disso, investimentos e incentivos à indústria do Cinema foram disponibilizados pelo próprio governo e instituições privadas da época, em uma tentativa de industrializar e centralizar a produção de filmes (RA, 2011, p. 4). Porém, com a imposição da Ditadura Militar na década de 1970 e, com ela, diversas restrições à produção de conteúdo no país, a produção de filmes decaiu em frente ao tumulto econômico e político e só voltou a dar sinais de vida com os governos de Young Sam e Dae Joong, em meados dos anos 1990, quando se deu a sua segunda renascença. Segundo Shim (2006), após ceder às pressões dos Estados Unidos, a Coreia do Sul passou pela liberação midiática do país especialmente quanto a importação de produtos culturais norte-americanos. Em 1988, o governo sul-coreano permitiu a distribuição direta de filmes hollywoodianos aos espaços de exibição locais. Tal liberação além de enfraquecer as empresas nacionais de importação e distribuição de filmes, também afetou o dinamismo já enfraquecido da indústria nacional de produção de Cinema. E neste cenário de confusão política e econômica somada à disputa injusta de espaço no mercado cinematográfico entre as produções importadas e as nacionais, o governo de Young Sam, adotando a ideia de “cultura como indústria” para o novo despertar da economia nacional, instituiu a Lei Básica para Promoção da Indústria Cultural. Tal lei, promulgada em 1995, tinha a finalidade de atrair investimentos para o setor cinematográfico local. Com a invasão da Crise Financeira Asiática de 1997 na Coreia do Sul e a posse do presidente Kim Dae Joong seguido de suas políticas econômicas focadas no desenvolvimento da Indústria Cultural, o Cinema Nacional passou por altos e baixos até chegar a uma posição favorável. E, em favor disso, foi dada continuidade a estrutura usada pelo modelo desenvolvimentista do país, através da implementação de um plano quinquenal de construção do setor midiático pelo Ministério da Cultura e Turismo, que visava incentivar a abertura de departamentos universitários com enfoque na formação de profissionais para a esfera da produção midiática e de entretenimento e que, depois, financiou intercâmbios internacionais e 42

É uma das cinco regiões dentro do continente asiático, sendo composta pelos seguintes países: Camboja, Filipinas, Indonésia, Malásia, Singapura, Tailândia, Vietnã, Timor-Leste, Laos, Mianmar e Brunei.

30

equipamentos para os estudantes (JOO, 2011, p. 500). Mantendo, assim, a estratégia governamental do foco na educação e formação da mão de obra para a reconstrução do país, como feito no pós-guerra. A partir desses primeiros esforços do Governo, surgiram acelerados

investimentos

e

uma

nova

geração

de

diretores

e

produtores

cinematográficos que impulsionaram o Cinema sul-coreano, junto ao crescente interesse do público interno nas produções nacionais. Na Coreia do Sul, o fim da década de 1990 foi marcado pela explosão de idas ao cinema pelo povo coreano 43 (RA, 2011, p. 4). Os crescentes incentivos à Indústria Cultural focados primeiramente no campo do audiovisual, neste caso o setor cinematográfico, conduziram tais produtos para o mercado exterior já nos anos 1990. Os filmes foram os primeiros produtos culturais sulcoreanos a conquistarem espaço em outros países e conseguiram adquirir certa popularidade e até mesmo alguns prêmios em festivais internacionais. O enfoque no mercado de exportação do regime econômico desenvolvimentista, que foi imposto a partir dos anos 1960, foi mantido também durante essa nova fase econômica do país. A exportação dos produtos culturais que estavam sendo produzidos era vital dentro do novo plano do governo. Esse modelo se refletiu no setor televisivo, com a introdução de novos incentivos financeiros e o relaxamento de regulamentações restritivas a favor da promoção e distribuição, tanto interna, quanto externa, das produções de programas e dramas televisivos (SHIM, 2008, p. 205). Também, nessa época, se consolidaram as três maiores emissoras da Coreia atualmente, que são chamadas de “Big Three”: a MBC, a SBS e a KBS44. E, a partir deste cenário positivo, a Indústria Midiática sul-coreana começou a se fortalecer e a provar os primeiros resultados do seu potencial. Como pioneiro desse novo momento da economia do país, os dramas de TV sul-coreanos conseguiram conquistar um sucesso nunca antes esperado na China e alertaram para o fenômeno cultural Hallyu que estava lentamente surgindo. Deve-se admitir que a cultura pop sul-coreana cruzando fronteiras e o seu consumo transnacional não é um fenômeno independente, mas um dos

43

Segundo Ra (2011) e Shim (2006), além do interesse crescente da população por produtos nacionais, essa explosão se deu pelo surgimento de diversos complexos multiplex de cinema na Coreia do Sul na época, que apuraram e facilitaram a experiência de assistir filmes no cinema. Também é importante ressaltar o aumento nas opções cinematográficas disponíveis através da ampliação na quantidade de filmes produzidos no país, especialmente por causa do vínculo de agências de investimento e distribuição de filmes com grandes companhias do mercado, como a CJ Entertainment, a Show Box e a Lotte Entertainment, que proporcionaram que mais filmes fossem produzidos. Com isso, diversos estúdios e grupos de entretenimento com foco na produção cinematográfica começaram a surgir. 44 MBC: Munhwa Broadcasting Corporation; SBS: Seoul Broadcasting Corporation; KBS: Korean Broadcasting Corporation. São também as três maiores produtoras de dramas de TV na Coreia.

31 componentes do chamado ‘trânsito cultural trans-asiático’ (Iwabuchi et al., 2004) ou ‘cultura pop do Leste da Ásia’ (Chua, 2004).45 (Shin, 2009, p. 504)

Os primeiros sucessos internacionais da Onda Coreana se devem especialmente ao fato da Coreia do Sul compartilhar características identitárias com os países receptores. Primeiramente, a China, na qual a proximidade cultural entre ela e a Coreia do Sul existe até os dias atuais. Adquirida por séculos através de seus relacionamentos políticos, econômicos e culturais, e também pela presença chinesa relevante em territórios coreanos, tais contatos costuraram a identidade de ambos os países os aproximando em questões tradicionais e de identidade. A ideia de Proximidade Cultural foi cunhada pelo autor Straubharr em 1991, expressando essa tendência do consumidor em buscar se conectar com produtos culturais que dialoguem com a sua própria cultura. Tal afinidade cultural não é exclusiva entre China e Coreia (nesse caso, a totalidade do país, não apenas uma parte da divisão entre Norte e Sul), mas em geral na Ásia Oriental. No trecho destacado acima, o autor Shin (2009) define o fluxo de consumo entre tais países como produto dessa proximidade cultural e também da existência de uma “cultura pop leste asiática” que abraça toda essa região da Ásia. O imaginário de uma “identidade asiática”, ou de “Valores Asiáticos”, abarca traços relacionáveis entres os países do Leste da Ásia por serem culturalmente próximos, resultado de diversas interações históricas, memórias coletivas compartilhadas e pela própria cercania geográfica. Outros autores, como Shim (2006), Hanaki et al. (2007), Yang (2007), Ryoo (2009), Liew (2011), Espiritu (2011), Jang e Paik (2012) e Dissanayake (2012), também afirmam que a Proximidade Cultural entre esses países facilitou a difusão dos produtos da Onda Coreana nesses territórios. A familiaridade com os valores intrínsecos desse movimento cultural facilitou a aceitação e consumo por públicos de fora da Coreia do Sul. Como afirmado em 2009 pelo autor Woongjae Ryoo:

[...] este tipo de dinamismo regional e de intercâmbios culturais transfronteiriços, com base em memórias histórias, sociais, e também coletivas, compartilhadas pelo povo asiático (ou seja, experiências coloniais e pós-coloniais experiências, neste caso), pode gerar o pano de fundo para a progressiva comunidade regional através de uma cultura mediada e popular. Parece bastante claro que, se a qualidade dos conteúdos midiáticos é

45

Original: “It should be admitted that border-crossing Korean pop culture and its transnational consumption is not an independent phenomenon but one of the components of the so called ‘trans-Asia cultural traffic’ (Iwabuchi et al., 2004) or ‘East Asian pop culture’ (Chua, 2004).” Tradução minha.

32 considerada igual, o público iria preferir produtos locais (localizados) que carregam algum tipo de afinidade cultural e significado compartilhado [...]46 (Ryoo, 2009, p. 146-147)

A afinidade cultural com os países vizinhos e a presença de um forte e compartilhado subconsciente cultural dentro da Ásia Oriental se tornou o respiratório dos consumidores de produtos culturais nestes países. Com a liberação midiática que aconteceu no final dos anos 1990, ao mesmo tempo em que se abriu espaço para trocas de conteúdos e influências internas na região asiática, também se abriu espaço para a entrada maçante de produtos estadunidenses, sufocando as produções de conteúdo locais. O apelo globalizante de tais importações influenciou de forma relevante o cotidiano das pessoas e também na feitura, divulgação e conceitualização da produção das indústrias culturais no leste-asiático. A intensa importação de músicas, séries televisivas, filmes e marcas dos Estados Unidos trouxe a modernidade consigo a proposta do que é “ser ocidental”, mas foi vista pelo povo asiático com cautela em favor da preservação da originalidade da identidade nacional, efeito este bastante recorrente como consequência da Globalização Cultural. Partindo da invasão estadunidense somada a distância cultural entre os Estados Unidos e os países do Leste Asiático, a busca por produtos que compartilhassem certa afinidade cultural se mostrou como uma saída de escape do Imperialismo Cultural do Ocidente. E, então, a Onda Coreana surge como um desafio à teoria de fluxo imperialista cultural centrado no Ocidente, e também como uma alternativa ao processo de globalização (YANG, 2007, p. 178). Como no trecho destacado mais acima, parte da argumentação do autor Ryoo reafirma o interesse da audiência leste-asiática em produções com certa qualidade de conteúdo e que compartilhe significados e afinidades culturais. Eu acredito que o ponto de referência sobre a qualidade de produção seja o difundido pelas produções estadunidenses. É fato que as influências americanas carregam uma áurea de modernidade não só para a Ásia, mas também para tantos outros países de diferentes continentes que se encontravam, especialmente durante os anos 1990 e 2000, em linhas de desenvolvimento e de modernização. A partir desse interesse equilibrado entre a 46

Original: […]this kind of regional dynamism and cross-border cultural exchanges based on shared historical, social as well as collective memories of Asian people, (i.e. colonial and postcolonial experiences in this case) may generate the backdrop for the progressive regional community through mediated and popular culture. It seems quite clear that if the quality of the media contents are deemed to be equal, audiences would prefer local(ized) products that bear some sort of cultural affinity and shared meaning […]”. Tradução minha.

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modernidade dos produtos globalizados ocidentais e a familiaridade cultural dos produtos produzidos pelos países vizinhos, a Onda Coreana surge como uma nova proposta de abordagem, misturando ambas as influências. Com isso, chegamos a uma das características mais fortes do fenômeno cultural sul-coreano que é intrínseca aos seus produtos e fator essencial para a difusão da Onda: o Hibridismo Cultural. [...]transmissão cultural não necessariamente origina do mesmo lugar ou flui na mesma direção. Em outras palavras, não há uma definição clara de centro ou periferia; receptores podem ser emissores. O efeito dos fluxos culturais é provavelmente mais uma “hibridização cultural do que homogeneização” (Crane, 2002:4). Em relação a esse modelo, Peter Berger observa ‘o crescente em significância fenômeno da globalização alternativa, que são movimentos culturais com alcances globais originários de fora do mundo Ocidental e realmente se comunicando com o último’[...]. Há também o que Berger chama de ‘subglobalização’ que se refere aos movimentos culturais dentro de uma região, em vez de com um alcance global (Berger, 2002:14). Outros chamam esse fenômeno de ‘Regionalização’, que pode ser encontrada em algumas regiões do mundo.47 (Yang, 2007, p. 180-181)

No trecho acima, Yang apresenta opções acerca da dominância proposta pela Globalização centrada em um fluxo cultural originário do Ocidente. Uma delas é a Regionalização, conceito pertinente ao englobarmos o que já foi discutido anteriormente neste capítulo sobre fluxos culturais existentes dentro da própria Ásia Oriental, que é por definição uma região do continente asiático reunindo países próximos tanto geograficamente quanto culturalmente. As trocas culturais e os fluxos comerciais existentes entre esses países são característicos desta região e criam, deveras, um efeito de uma globalização em menor escala ou mesmo uma “subglobalização”, como mencionado pelo autor. Outra opção, que também foi apresentada anteriormente, é a Globalização Alternativa, onde o centro emissor de influências está fora do eixo “dominador” ocidental. O Hibridismo Cultural é um conceito chave para essa estratégia, visando fugir do caráter globalizante comum de uma tentativa de homogeneizar a cultura do receptor. Hibridismo Cultural é veementemente defendido pelos autores que discutem Onda Coreana (Shim, 2006; Yang, 2007; Huang, 2011; Liew, 2011; Jang e

47

Original: “[..]cultural transmission does not necessarily originate in the same place or flow in the same direction. In other words, there is no clearly defined center or periphery; receivers can be originators. The effect of the cultural flows is likely to be ‘cultural hybridization rather the homogenization’ (Crane, 2002:4). In relation to this model, Peter Berger notes ‘the increasingly significant phenomenon of alternative globalization, that is, cultural movements with a global outreach originating outside the Western world and indeed imparting on the latter”[…]. There is also what Berger calls ‘subglobalization’ which refers to cultural movements within a region rather than a global reach (Berger, 2002:14). Others call this phenomenon ‘regionalization’, which can be found in some regions in the world.” Tradução minha.

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Paik, 2012) como um traço característico de uma identidade nacional sul-coreana extremamente influenciada por outras culturas e também como a importante tática de sedução e divulgação desse fenômeno cultural. Segundo Shim (2006, p. 38) e Ryoo (2009, p. 137), o Hibridismo Cultural ocorre quando elementos e agentes locais se relacionam e negociam com modelos globais, usando-os como recurso para a construção do seu próprio ambiente cultural. Huang (2011) completa a ideia conceitualizando a estratégia como uma resistência local em face da invasão cultural e a homogeneização global. O autor cita Thompson (1995) para explicar a capacidade local de “assimilar a mensagem e incorporá-la a vida”, em um processo de resignificação. Funciona como uma forma de sustentar a cultura local em meio ao contexto globalizado e de estimular a inovação. Os países do leste-asiático são pontos de encontro em que o local e o global se encontram, onde a interação entre a Modernidade (representada pelo fluxo globalizante originário do Ocidente) e a Tradição (representada por esses países e suas identidades tradicionais) acontece. Esses mercados foram intensamente expostos a influências globais, especialmente após suas aberturas durante as últimas três décadas, e tomaram essa exposição como sua estratégia mercadológica ao se inspirar diretamente nelas, incorporando estilos internacionais a sua diversidade, frente à homogeneidade proposta pelas forças globalizantes. Tudo isso prova que as culturas locais não são exatamente extinguidas por outras mais poderosas no contexto global. A Onda Coreana chega apresentando uma opção intermediária entre os produtos americanos e os japoneses, que entre as décadas de 1980 e 1990, eram dominantes no mercado transnacional de entretenimento e cultura no Leste da Ásia. Os produtos culturais estadunidenses eram o referencial de modernidade, mas não eram familiares aos valores asiáticos, tornando-os menos acessíveis e relacionáveis pelas audiências desses países. Já as produções japonesas, não conseguiam mais refletir tão bem o estilo “asiático” porque se afastaram dos valores tradicionais asiáticos e se aproximaram demais dos ocidentais. Desequilibrando a harmonia de influências, deixou de agradar como antes essa audiência regional que sentia falta da representação das tradições e morais asiáticas dentro do atual contexto moderno. A audiência leste-asiática ansiava por um equilíbrio de modernidade e tradição, que foi, então, proporcionado pela chegada dos produtos sul-coreanos. A cultura pop sul-coreana se tornou popular nessa região exatamente porque representava uma Modernidade Híbrida, misturando valores asiáticos e ocidentais, representando a realidade cultural em que esses países se

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encontravam. Por isso, podemos afirmar que a Onda Coreana não é só “sul-coreana”, mas sim um subproduto da comunicação, apropriação e negociação entre diversas culturas (JOO, 2011, p. 501-502), que consegue representar o que é ser “asiático” atualmente. “É a modernidade híbrida que faz a cultura popular ser transferível nesta região” (HUANG, 2011, p. 4).

Figura 1: “Por que você acha que a Ásia se tornou uma? Eu acredito que seja graças à Hallyu”.

Figura 2: “Cultura nos fez um só”.

O trecho em imagens acima faz parte do drama de TV sul-coreano “My love from the star”48, produzido em 2013. O drama conta a história de um alienígena em forma humana que vive na Terra há 400 anos e nunca envelhece, mas, meses antes do momento em que poderá voltar para o seu planeta, se apaixona por uma atriz “Hallyu”49, que é sua vizinha e aluna da faculdade. Nesta cena ela tenta explicar porquê que não pôde entregar seu trabalho da faculdade, argumentando estar muito ocupada

48

Há diversas outras traduções para o inglês do nome original do drama sul-coreano (별에서 온 그대), sendo “My love from a Star”, o oficial em inglês, e “You who came from the Stars”, a tradução literal do coreano. Informações retiradas do site “Asian Wiki”, acessado no dia 15/11/2014 através do link: http://asianwiki.com/You_Who_Came_From_the_Stars. 49 Ser uma atriz “Hallyu” é um adjetivo usado pelo drama para apontar que a personagem é uma atriz famosa no exterior pelos dramas de tv e filmes de sucesso internacional.

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com a sua carreira e explicando a relevância do seu trabalho como atriz para a unificação da Ásia através da cultura. A fala da protagonista, aqui, serve como exemplificação da consciência do mercado sul-coreano sobre sua capacidade híbrida de abraçar o conceito comum da cultura leste-asiática e usá-la como estratégia de conquista de audiência nesses países culturalmente próximos. A noção de uma Ásia unida pela cultura e sendo representada pela Hallyu é, além de um ideal do mercado cultural sulcoreano, um resultado da afinidade cultural construída ao longo da história na região e da consequente existência de uma “cultura pop leste-asiática”. A Onda Coreana é a representação contemporânea de um Leste Asiático culturalmente híbrido que abraça a modernidade ocidental ao mesmo tempo em que se orgulha de sua distinção tradicional (Modernidade Híbrida) (YANG, 2007, p. 192). Os Dramas de TV sul-coreanos são um dos exemplos disso. O interessante de esse trecho ser parte de “My love from the star” é que este drama veio a se tornar o maior sucesso da televisão leste-asiática no ano de 2013, considerado pela emissora CNN como a atual “fixação asiática” (Youtube CNN, 2014)50. Até Maio de 2014, 15 países51 já tinham adquirido seus direitos de exibição (CHUNG, 2014, p. 4). Provando a potência da Onda como força unificadora de interesses culturais na Ásia Oriental e reiterando, através destes resultados, a fala da própria personagem. Junto com a música pop (k-pop), os dramas de TV (k-dramas) são atualmente os principais produtos da Onda, mas este último foi absolutamente o mais importante para a primeira ancoragem dos produtos sul-coreanos fora do mercado nacional. Ambas são indústrias extremamente fortes no mercado do entretenimento asiático e mantêm muitas das características intrínsecas a ideia de industrialização: produção acelerada e em quantidade, modelos de produção e fórmulas de produtos. E, para continuarmos abordando a conquista das audiências internacionais pela Onda Coreana, é importante deixar claro que este fenômeno é dividido em dois momentos. O primeiro é o “Nascimento da Hallyu”, que abarca o início do movimento, os efeitos majoritariamente regionais e os dramas de TV como produto líder da Onda. O segundo é a “Neo-Hallyu”, que abraça essa nova geração do fenômeno que agora consegue alcançar audiências de níveis globais e tem como liderança do movimento a música pop, se utilizando especialmente das tecnologias digitais de comunicação para a difusão do seu conteúdo (KOCIS, 2011a). Proponho-me, então, nesta pesquisa a dar foco à primeira fase da 50 51

Reportagem no link: https://www.youtube.com/watch?v=BvYMq82Fl_k&noredirect=1 Como Taiwan, Hong Kong, Tailândia, Filipinas, Israel, Bélgica, Mianmar, Singapura, Camboja e Japão.

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Hallyu, o seu nascimento e ao formato Drama de TV, com o objetivo de compreender o meu objeto de estudos, o drama de TV “Reply 1997”. A partir daqui, neste e no próximos capítulos, irei abordar este recorde do universo da Onda Coreana e o estudo de caso de “Reply 1997”.

2.1)

O Nascimento do fenômeno Hallyu A partir da ideia que cultura popular estrangeira ou transnacional na Ásia tem sido associada com os Estados Unidos, Japão, ou Hong Kong, a repentina ascensão da cultura popular sul-coreana pegou de surpresa muitos asiáticos. [...] ninguém parece estar mais intrigado ou menos preparado para a ascensão da cultura popular sul-coreana na Ásia do que os próprios coreanos. Isso é porque os sul-coreanos sempre se preocuparam com o influxo de culturas estrangeiras e nunca esperaram que sua própria cultura fosse ser admirada fora da Coreia. (Joo, 2011, p. 494)

O nascimento da Onda Coreana se trata dos primeiros passos do fenômeno como produto de exportação para os países do Leste e Sudeste Asiático e o seu sucesso regional. O início se deu na China com o primeiro sucesso internacional de um drama de TV sul-coreano e a concepção do termo que dá nome ao fenômeno. Partindo da liberação midiática que se deu na Ásia durante os anos 1990 e de investimentos diretos a partir do governo da Coreia do Sul, a Indústria Cultural do país começou a produzir entretenimento em larga escala (também alavancado pela demanda de conteúdo com a penetração da TV a cabo, a partir de 1995, no país). Focando na especialização da qualidade e com especial inspiração na produção cultural dos Estados Unidos e do Japão. Na época, o Japão era o maior exportador de produtos culturais e entretenimento dentro da Ásia e, dessa forma, influenciava culturalmente grande parte dos países (esse movimento cultural, alavancado pelos mangás52, animês53 e música pop, foi chamado de “Cool Japan”). Os Estados Unidos eram uma força indiscutível dentro de todo cenário global, seus filmes, séries, músicas e marcas estavam conquistando países de todo o mundo e a Ásia não ficou de fora disso. Porém, a influência americana não se deu apenas pelo consumo de produtos importados (especialmente após a abertura de

52 53

Histórias em quadrinhos japonesas. Animações seriadas japonesas.

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mercado dada pelo acordo com o FMI), mas também pelo contato direto com as tropas de milhares de soldados estadunidenses que continuaram na Coreia do Sul mesmo após o fim da guerra. A abertura de mercado para importações na Coreia do Sul foi experienciada pela população com temor da desvalorização da sua própria identidade cultural em face às outras culturas que estavam invadindo o país (JOO, 2011, p. 490; RYOO, 2009, p. 139). Todo o processo de globalização e de reinvenção cultural da Coreia do Sul foi acompanhado pelo sentimento de medo. É por isso que, no trecho acima, Joo afirma que quem estava mais intrigado e menos preparado para a difusão da Onda Coreana eram os próprios coreanos. Realmente foi surpreendente a conquista avassaladora e acelerada de tantos países pela Indústria Cultural da Coreia do Sul. Desbancar, mesmo que parcialmente, a força do Japão dentro do Leste e Sudeste da Ásia era uma questão não imaginada, especialmente por um país que se manteve no escuro por tantas décadas. A reinvenção cultural, econômica e tecnológica recente da Coreia do Sul, abraçando o conceito de Modernidade Híbrida, conseguiu elevá-lo ao status de novo centro de produção cultural da Ásia. A Onda Coreana é produto de um momento de industrialização intensa da República da Coreia. Os investimentos governamentais em favor do desenvolvimento da Indústria Cultural do país no final da década de 1990, especialmente após a Crise Econômica de 1997, junto a uma carga cultural refinada por influências durante séculos, fomentaram e impulsionaram o que mais tarde iria se transformar em um fenômeno cultural. O pioneiro do sucesso internacional da cultura sul-coreana foram os dramas de TV, líderes absolutos na conquista de popularidade nos países vizinhos da Coreia do Sul. Com dito anteriormente, o primeiro sucesso foi em terras chinesas com o sucesso de “What is love”, exibido pela emissora CCTV em 1997, que teve grande repercussão resultando na sua re-exibição em 1998 alcançando a segunda maior audiência para um programa estrangeiro na televisão chinesa até então. Com o sucesso desse primeiro drama de TV sul-coreano, em 1999, outro também fez grande sucesso na China e em Taiwan logo depois: o “Stars in my heart”. A partir desse primeiro cenário positivo no país, as grades de programação das emissoras chinesas começaram a expandir a exibição de produtos sul-coreanos, especialmente de Dramas. Para continuarmos a discussão sobre a difusão dos dramas de TV – ou simplesmente “dramas” – sul-coreanos pela Ásia, é importante definir o que se trata Drama de TV e, especificamente, o Drama de TV da Coreia do Sul. Os dramas de TV

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são, por definição, um termo genérico que designa o formato televisivo que abrange ficções seriadas televisivas produzidas, especificamente, no Leste e Sudeste Asiático. Esse formato – por mais que se utilize bastante das características reconhecíveis do gênero audiovisual e literário Drama, não faz parte desse conceito de gênero – é atualmente o mais difundido e dominante tipo de entretenimento em grande parte da Ásia, especialmente em países das regiões leste e sudeste. A questão nacionalista neste contexto também é bastante relevante para a identidade e especificações de produção em cada país. Já que, por mais que esses países compartilhem de diversas características culturais pela sua proximidade cultural e geográfica, é o que os distanciam culturalmente que fica em destaque nas produções de dramas de TV em cada Indústria Cultural. As distâncias culturais entre, digamos, China e Índia, ou Japão e Indonésia, ou Coreia e Tailândia, são imensas. Portanto, os dramas de TV de cada país possuem a sua própria identidade cultural. No entanto, apesar de reconhecer essas diferenças, também é possível identificar algumas características comuns. (DISSANAYAKE, 2012, p. 192)

Através de tais distanciamentos culturais entre os países asiáticos que incorporaram os dramas de TV como parte de suas produções de entretenimento, surgiram denominações com sufixos nacionais para deixar claro a nacionalidade de cada produção. Tais como: j-drama (dramas japoneses), thai-dramas (dramas tailandeses), cdramas (dramas chineses) e k-dramas (dramas sul-coreanos), são alguns dos existentes. Todos os sufixos carregam a abreviação do nome de cada país54, facilitando o entendimento e reconhecimento das especificidades entre cada versão do formato original através da identidade nacional. Segundo Carlos (2012), a origem dos Dramas de TV é japonesa, datando de 1953, no período pós-guerra do país, logo após a fundação da emissora NHK55. O primeiro drama de TV – nesse caso, “dorama”, como pronunciado no japonês – que se tem conhecimento é “Sano no fue”, exibido no mesmo ano de fundação da emissora (NEVES JR apud CARLOS, 2012, p. 131). O formato entrou na grade de programação do canal e se difundiu pela televisão japonesa através do nascimento de novas emissoras pelo país. Como os dramas surgiram junto com a televisão no país, essas produções se preocupavam em apresentar a realidade cultural e social do Japão. E, então, a criação de diversos gêneros dentro do formato refinaram a 54

Abreviações que partem da versão oficial dos nomes dos países em inglês. Nihon Hoso Kyohai, ou Japan Broadcasting Corporation, que pode ser traduzido como “Corporação de Radiodifusão Japonesa”. 55

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produção e a forma de abordar tais assuntos durante as décadas seguintes. Alguns dos gêneros foram o Home Dorama56, o Taiga Dorama57, o Roller Coster Dramas58, o Cartoon Dramas59, e, o mais importante e influente, o Trendy Drama. Os Trendy Dramas são os grandes influenciadores do formato como o conhecemos atualmente, que se estabilizou nos anos 1990. Na época, a parcela feminina da sociedade japonesa estava conquistando sua independência financeira e se posicionando no mercado de trabalho, então era necessário que os dramas de TV refletissem também essa nova faceta da mulher japonesa. Os trendy dramas foram concebidos através da ideia de atrair essas jovens mulheres que entendiam a modernidade e que tinham o poder de consumo (KANAYAMA & KANAYAMA, 2005, apud HUANG, 2011, p. 6). Segundo Ota (2004, p. 70, apud HUANG, 2011, p. 6), a fórmula desse gênero era a união de elementos como cenário, elenco e música, somada a uma história trágica de amor não correspondido, abordando de forma mais realística a vida moderna e acelerada dos japoneses. Temas como relacionamentos amorosos e vida sexual, em uma narrativa mais rápida, refletindo a vida urbana, eram característicos das produções do gênero. A estética refinada das produções e a escolha de elenco, focada em uma nova geração de jovens e belos atores, também faziam parte deste universo, que se refletem até hoje nos dramas de TV. São exatamente estes aspectos singulares a este gênero que definem a grande maioria dos dramas de TV atualmente na Ásia, mais especificamente, os dramas sul-coreanos, ou os k-dramas. A Indústria de K-dramas deliberadamente se inspirou no gênero trendy dramas, inventado pelos japoneses, para sua própria produção de dramas de TV e incorporou ao gênero especificidades culturais sul-coreanas para se adaptar ao mercado nacional (YANG, 2007, p. 189). A fórmula, utilizada até os dias atuais, se baseia em histórias de casais apaixonados e todos os altos e baixos (subordinados também às influências da cultura local) que eles devem passar para conseguirem ficar juntos, com a recorrente presença de um triângulo amoroso. Utiliza-se como pano de fundo para o essas histórias, as belas paisagens e localidades nacionais, com um elenco de atores belos e trilhas sonoras marcantes preenchidas por músicas pop sul-coreanas. São histórias

56

Caracterizado pela temática que cercava as relações familiares, se passando em grande parte dentro da intimidade do lar, e abordava as mudanças ocorridas na sociedade japonesa após o fim da Guerra. 57 Caracterizado por abordar histórias de suspense/mistério, sobre detetives e aventuras. 58 Caracterizado por abordar a vida amorosa da nova geração de mulheres japonesas que fazem parte do mercado de trabalho. 59 Caracterizado por se basear em narrativas disponibilizadas pelos mangás.

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simples, mas com forte poder emocional, e até mesmo previsíveis, causando no telespectador o sentimento de familiaridade com a narrativa (CHAN; WANG, 2011, p. 297). Nossas séries devem estar perfeitamente de acordo com os valores asiáticos. E o motivo disso é o confucionismo, que é muito forte na Coreia, não tanto como religião, mas como cultura. Isto quer dizer que a família é o centro da sociedade, que a lei do sangue tem primazia sobre as outras leis; na Coreia, os irmãos e irmãs são cruciais, e ninguém discute um pedido do pai ou do irmão mais velho. E há também tudo o que diz respeito ao casamento: o amor é uma responsabilidade que compromete, cria vínculos; não podemos casar com alguém que nossa família recusasse e devemos obedecer ao código coreano ‘seon’, uma espécie de casamento arranjado pelos pais, sobretudo quando ainda não casamos aos 30 anos. Nossos dramas devem refletir essa mentalidade, definida como um código de ética muito rígido. Ao mesmo tempo, se respeitamos o código como pano de fundo, muitas coisas são permitidas na tela. [...] Um drama precisa ser divertido. Depois deve falar da realidade, pois um drama coreano é muito real, os atores interpretam seu papel normalmente, sem exagerar na representação, como nas séries japonesas, e é aí que a coisa se torna interessante. Não há sexo nas nossas séries, mas vemos beijos [...]. E, como na vida cotidiana, existem adultérios, prostituição e gays. Pois bem, nós podemos falar também desses temas. E é o que fazemos. BJ Song, produtor de música e presidente do Group8, empresa de música pop sul-coreana. Entrevista concedida a Martel (2012, p. 291).

Os K-dramas se caracterizam por seus códigos sociais e culturais entranhados nas suas narrativas, revelando o cotidiano moral da sociedade coreana. Os dramas sulcoreanos são entretenimento de massa, então é importante equilibrar prazer e valores éticos da cultura (DISSANAYAKE, 2012, p. 194). Como revelado acima por BJ Song, através da entrevista concedida ao autor Martel (2012), existe um código moral que regra o pano de fundo aonde irão se desenvolver as tramas propostas pelos dramas. É possível perceber a presença forte de tais valores culturais sul-coreanos e asiáticos no desdobramento da narrativa, como as retratações do amor puro, do envolvimento profundo com a família, do respeito incansável aos mais velhos e do cuidado ao representar o envolvimento íntimo amoroso (HANAKI et al., 2007; CHAN; WANG, 2011; ESPIRITU, 2011). Isso se dá pela influência intensa do Confucionismo ao longo de séculos na sociedade sul-coreana e que continua vivo no dia-a-dia do povo. Como citado na entrevista, não é uma influência de forma religiosa, mas como parte da cultura do país. É normal, por exemplo, acompanharmos o desenvolvimento do relacionamento de um casal de personagens que mal se tocam e, quando trocam beijos, são muito acanhados (TANAKA; SAMARA, 2013, p. 7); a exposição romântica e íntima em público, como beijos apaixonados e toques exagerados, não fazem parte da tradição confucionista da Coreia do Sul. E esse valor cultural é conduzido majoritariamente

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junto aos k-dramas. O fio condutor confucionista é uma realidade nesta versão do formato e é um fator peculiar de enriquecimento da produção, já que movimenta e complexifica a narrativa, mantendo os altos e baixos da história e sustentando a áurea de mistério. Além de tais especificidades culturais, os k-dramas também têm uma estrutura característica. Não muito diferente da realidade das produções de dramas de TV em geral no leste asiático, os dramas sul-coreanos são, em sua grande maioria, compostos por de 16 a 25 episódios (podendo se alongar por muito mais episódios dependendo do gênero do drama), com a duração média de uma hora para cada episódio. São, também em grande maioria, exibidos duas vezes por semana em dias consecutivos na parte da noite, normalmente com duplas já existentes, como Segunda e Terça-feira, Quarta e Quinta-feira ou Sábado e Domingo (este último tem até um nome especial “drama de final de semana”60). Porém, existem casos específicos, como os dramas diários que são exibidos de Segunda a Sexta-feira ou de Segunda a Sábado (estes são um dos casos em que ultrapassam a quantidade comum de episódios por drama), e os que são exibidos apenas uma vez por semana, podendo ser na Sexta-feira ou no Sábado ou no Domingo. Há também os que se utilizam da parte matutina da grade televisiva, como os que vão ao ar nas manhãs de Segunda a Sábado e os das manhãs de Domingo. Essa formatação de grade se repete em diferentes emissoras, especialmente nas da televisão aberta. Diferentes das séries televisivas estadunidenses, os k-dramas abordam histórias muito focadas, com poucas tramas secundárias e normalmente com um elenco pequeno, tornando-se comum o fato de não sofrerem desdobramentos para outras temporadas. As histórias são formatadas dentro um grande e pontual arco narrativo que se abre no primeiro capítulo, se desenvolve durante os episódios e se fecha de forma bem amarrada no último episódio (normalmente essa sequência se dá pela tríade: primeiro encontro conturbado patrocinado pelo destino + desenrolar dos interesses românticos e problemas que os separam + confirmação do sentimento, através do casamento ou outras estratégias narrativas que afirmam o comprometimento do casal com o relacionamento). Por isso, é raro encontrar k-dramas que tenham uma segunda temporada. Os poucos existentes61 são produtos do sucesso, mas não foram programados desde o início para isso; durante a exibição e produção do drama os produtores tomam conhecimento do 60

“Weekend dramas”. Alguns exemplos são: “Iris” (KBS, 2009 e 2013), “Vampire Prosecutor” (OCN, 2011 e 2012) e “I need romance” (TvN, 2011, 2012 e 2014). 61

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sucesso de audiência e a partir disso pensam na ideia de uma nova temporada. Porém, como isso não é uma mentalidade comum deste mercado, não é frequente um drama já ser concebido com a ideia de um futuro desdobramento para uma sequência. Os dramas sul-coreanos são conhecidos por misturarem diversos elementos dos gêneros audiovisuais (gêneros estes de um ponto de vista Ocidental). Mulheres entrevistadas pela pesquisa de campo da autora Espiritu (2011, p. 362) apontam como os k-dramas misturam ingredientes da Comédia, (Melo)Drama e Ação. Porém, os dramas coreanos possuem seus próprios gêneros, em que podemos classificar as produções e também enquadrá-los em diferentes estruturas. Com influências diretas das produções estadunidenses, os três mais famosos são: Melodrama, Rom-com (ou comédias românticas) e Histórico. E há um quarto gênero, que pode englobar todos os citados anteriormente, e é considerado não só um gênero, mas também um elemento de difusão dos k-dramas: os Idol Dramas. Este último usa ídolos do k-pop como atores principais da trama, enfocando no público adolescente, e/ou são tramas que abordam a jornada de ídolos da música. Desde o início, os k-dramas foram os líderes em exportação da Indústria Cultural do país e alguns valores estéticos foram essenciais para facilitar o interesse das audiências internacionais. Com belas cenografias e a onipresença de belos e jovens atores, os dramas sul-coreanos se utilizam da beleza como ferramenta de exportação dos seus produtos. A aparência e as imagens dialogam mais do que as próprias falas do roteiro, especialmente porque o idioma do país é um limitador de difusão, já que é usado exclusivamente na Coreia (MARTEL, 2012, p. 292). Porém, como a exportação tem a finalidade de os dramas serem dublados e legendados, no final das contas, o mais importante é a estética do que a linguagem, e a indústria de entretenimento da Coreia do Sul tem consciência do seu potencial nesse aspecto. Outro trecho da entrevista de BJ Song para o autor Martel (2012, p. 292) também afirma essa consideração: A beleza física é um critério essencial num drama coreano, especialmente a dos rapazes, pois o público das séries de televisão é essencialmente de donas de casa e mocinhas. [...] Além disso, como se destinam a exportação, nossas séries são dubladas: o que importa mais, portanto, não é a voz ou a dicção do ator, mas seu visual. E, muitas vezes, na Ásia, se considera que os jovens coreanos são a quintessência da beleza asiática [...]. E nós também exportamos isso.

Além disso, a grande razão para os k-dramas terem sido os pioneiros na difusão da Onda Coreana é explicado especialmente pelo seu caráter híbrido e pelo seu preço de mercado. A hibridização da sua cultura, que é difundida pelas narrativas dos dramas, é

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essencial para o alcance dos mercados internacionais, especificamente os da região do Leste e Sudeste Asiático. A China foi a primeira a consumir esses produtos exatamente porque eles conseguiram acionar no telespectador chinês uma nostalgia das próprias tradições da cultura chinesa, que tinham se perdido no tempo. Em meio a globalização do mercado e dos conteúdos de entretenimento, os dramas de TV em geral tinham começado a deixar de lado os valores asiáticos e se focar mais na fórmula de produção e código de valores estadunidenses, que, por mais que representasse a modernidade tão desejada, não se aplicava em sua totalidade à cultura asiática. E os k-dramas chegaram como uma nova opção em face desse contexto. Especialmente quando os j-dramas (dramas japoneses), que dominavam o mercado regional em meio aos anos 1990, também estavam perdendo força por essa abordagem mais ocidental do que asiática (RYOO, 2009, p. 146). Foi por abordar valores éticos, especialmente confucionistas, nas suas narrativas, que os k-dramas conquistaram com tanta rapidez e intensidade a audiência chinesa. Os dramas sul-coreanos se aproximavam culturalmente da China mais do que qualquer outro produto importado pelo país. Como disse o secretário da Comissão Central de Inspeção Disciplinar, Wang Qishan, durante a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês no início deste ano de 2014, “o núcleo e a alma das novelas coreanas são uma destilação da cultura tradicional chinesa. Elas propagam a cultura tradicional chinesa, sob a forma de um drama de TV”.62 E além da afinidade cultural entre os dois países, o preço dos k-dramas no mercado no final dos anos 1990 era muito mais interessante do que os outros disponíveis (JOO, 2011, p. 492; TANAKA; SAMARA, 2013, p. 5). O valor de mercado dos dramas sul-coreanos era um quarto em comparação ao dos dramas japoneses na época (SHIM, 2006, p. 28). Então, a estratégia da Coreia do Sul foi abaixar o seu preço no mercado para capturar a atenção dos mercados vizinhos – especialmente aqueles que não eram muito interessantes para os Estados Unidos e Japão – se destacando nesse momento delicado econômico após a Crise Financeira Asiática em 1997. Vender dramas de TV baratos, mesmo arriscando ter prejuízo, valia a pena pelo impacto cultural sul-coreano nesses países, habituando esses consumidores internacionais à cultura da Coreia do Sul, para, então, conquistar aos poucos espaços positivos para relacionamentos políticos e econômicos (MARTEL, 2012, p. 293). Com 62

Original: “The core and soul of the Korean opera is a distillation of traditional Chinese culture. It just propagates tradicional Chineses culture in the form of a TV drama”. Trecho retirado da reportagem “Chinese officials debate why China can’t make a soap opera as good as South Korea’s” do jornal The Washington Post, acessado em 17/11/2014.

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isso, a Coreia do Sul dava seus primeiros passos utilizando os k-dramas como instrumento de Soft Power. Seu segundo passo, que confirmou a potência da Onda Coreana especialmente como ferramenta de Soft Power para a Coreia do Sul, foi a inesperada conquista do público japonês através do k-drama “Winter Sonata”. Os dois países, Japão e Coreia, tiveram um passado bastante conturbado que não apresentava muitas esperanças para o desenvolvimento de qualquer relação amistosa. Tanto que, a Coreia do Sul tinha imposto a proibição de importação de produtos japoneses por décadas e o Japão, que por mais que não tivesse imposto nenhuma proibição, via a Coreia como um país inferior economicamente e em questão de raça (JOO, 2011, p. 493). Por isso, tanto os japoneses quanto os coreanos mantinham ressentimentos seculares um pelos outros e esse relacionamento minava a ideia de camaradagem ou admiração entre os países. Porém, “Winter Sonata” chegou para mudar esse cenário pouco amigável (HANAKI, et al, 2007, p. 284). A invasão do k-drama “Winter Sonata” – e também da Onda Coreana – no Japão se iniciou com a exibição pelo canal de satélite BS2 da rede de emissora NHK em 2003. O canal NHK BS2 requer o pagamento de uma taxa especial para a sua exibição (como a televisão fechada, é necessário pagar para assistir), o público do drama foi limitado, mas mesmo assim altamente aclamado, tanto que foi reexibido no mesmo canal no final de 2003 (HANAKI et al, 2007, p. 282). Com o sucesso de audiência no canal fechado, e também com a demanda do público, a NHK exibiu o k-drama no primeiro semestre de 2004, mas dessa vez no canal territorial e aberto (com o maior alcance do território da China), na parte da noite, horário antes reservado para produções estadunidenses. Em Dezembro do mesmo ano, foi exibida a versão sem cortes, com áudio em coreano e legendas em japonês, novamente na NHK BS2. No final de 2004, foi estimado que quase 70% dos telespectadores japoneses tinham assistido pelo menos um episódio do drama (KOCIS, 2011b, p. 17). Um sucesso sem precedentes no Japão, que encantou o público feminino, especialmente as mulheres de meia-idade. Como esperado dos k-dramas, “Winter Sonata” é uma história de um casal de adolescentes que se apaixona pela primeira vez e é um pelo outro. Por diversos motivos, o destino os separa e os faz se reencontrar 15 anos depois, mas ele perdeu a memória e não se lembra dela, ela acha que ele faleceu em um acidente e, para completar, ambos estão em outros relacionamentos. Em meio a tudo isso, eles se apaixonam novamente, tendo que lidar com todos os impedimentos existentes. A história de amor puro, no

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estilo de conto de fadas, foi o que conquistou a audiência japonesa que já estava consumida por produções de Hollywood e as da contemporaneidade japonesa, que não representavam essa nuance da pureza romântica. As telespectadoras japonesas sentiam falta da representação da tradição asiática nos produtos que assistiam. A narrativa de “Winter Sonata”, junto com a sua bela cenografia, belos atores e trilha sonora cativante, veio como um respiratório refrescante da tradição comum leste-asiática diante da invasão da influência e produções globalizadas. Por isso, Chan e Wang (2011, p. 302) completam a ideia ao afirmar que viver em uma sociedade pós-tradicional não significa que as tradições sumam ou deixem de ser importantes para as pessoas que nela vivem. O sucesso de “Winter Sonata” foi tão grande que fã-clubes extremamente apaixonados foram formados, espaços nas grades de programação das emissoras japonesas foram abertos para novos produtos sul-coreanos e ator principal, Bae Yongjoon, era recepcionado no Japão por multidões nos aeroportos e eventos (tal comoção pelo ator foi até chamada de “Síndrome do Yon-sama”, como ele era chamado pelas fãs japonesas) (KOCIS, 2011c). O interesse, que antes era quase inexistente na cultura sul-coreana, aumentou consideravelmente: japonesas viajavam para a Coreia do Sul para conhecer os locais de filmagem, estudavam o idioma e a história do país, compravam produtos relacionados à “Winter Sonata” e a Coreia do Sul (HANAKI et al, 2007; JOO, 2011; TANAKA; SAMARA, 2013), e, mais importante, começaram a olhar para a Coreia com outros olhos, reconsiderando os ressentimentos do passado. O drama e os atores conseguiram rapidamente aumentar a visibilidade internacional da indústria e do país (DISSANAYAKE, 2012, p. 192). E abriram espaço para a entrada de novos kdramas, como “Jewel in the Palace” 63 que também fez um sucesso enorme no Japão e em tantos outros países da Ásia. A chegada de “Winter Sonata” no Japão é considerada um ponto de virada para o relacionamento entre o país e a Coreia do Sul e também um resultado concreto e surpreendente do potencial da estratégia de Soft Power. Resultado este que foi inesperado no Japão, por causa do passado turbulento e pela sua própria força no entretenimento. A partir de então, esse scuesso se repetiu em muitos outros países da Ásia Oriental, conquistando ferozmente dezenas de consumidores de entretenimento e cultura sul-coreanos.

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K-drama histórico, exibido na Coreia em 2003. Inspirado em uma história real e usando como pano de fundo a Era Joseon, conta sobre uma cozinheira que se transformou na primeira médica do rei, se utilizando dos alimentos para a cura.

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A questão do Soft Power é relevante pela sua força influenciadora, especialmente neste caso, onde a Coreia do Sul não tinha nenhum histórico de dominância cultural anterior. O conceito de Soft Power, segundo Nye (2004), é a habilidade de conseguir o que se quer através da atração e não da coerção. É tirar vantagem da influência da opinião pública para fortalecer a diplomacia pública, conquistando a empatia e credibilidade internacional através, neste caso, de trocas culturais. Este conceito se posiciona de forma antônima ao conceito de Hard Power, onde há a imposição de interesses e influências através da força bruta e coerção. Essa estratégia foi e é altamente apoiada e subsidiada pelo Governo da Coreia do Sul, que vê na produção nacional da Indústria Cultural, uma forma de se fortalecer na Política e Economia internacional. Os produtos culturais sul-coreanos são instrumentos de conquista do mercado estrangeiro e de relações políticas através da empatia e admiração do povo pela Coreia do Sul (SHIM, 2006, p. 30; HANAKI et al, 2007; JOO, 2011, p. 496). Com os k-dramas conquistando não só a China e o Japão, mas tantos outros mercados do Leste e Sudeste da Ásia, a estratégia de Soft Power da Coreia do Sul se mostrou positivamente funcional. A consolidação da Onda Coreana na Ásia reestruturou a imagem do país no contexto internacional e o posicionou como o novo centro de produção cultural no continente (JOO, 2011, p. 490). O sucesso de venda e de popularidade dos k-dramas é impressionante até os dias de hoje. Porém, não é só de kdramas que vive este fenômeno cultural, há toda uma cultura pop que o fortalece e o estrutura. Diversos outros produtos como filmes, videogames, turismo, gastronomia, idioma, moda, celebridades e, o outro líder da Onda junto aos dramas: a música pop sulcoreana. O k-pop, como é chamada a música pop da Coreia do Sul, carrega consigo a mesma identidade nacional no nome: o “k” antes de “pop” deixando claro que esse movimento de música é sul-coreano, exatamente como é feito com a denominação “kdrama”. O movimento K-pop é altamente entranhado ao dos dramas de TV, especialmente por ter se utilizado deles para a propagação da sua música. As trilhas sonoras dos k-dramas sempre foram regadas de k-pop, que, através dessa estratégia, começou a conquistar fãs em toda a Ásia e em várias outras partes do mundo. Atualmente o k-pop é o mais poderoso instrumento de Soft Power da Coreia, mas agora visando não só os mercados asiáticos, mas também os de outros continentes, resultando na atual fase da Hallyu, a Neo-Hallyu. Uma fase estruturada em torno das tecnologias digitais de comunicação, que deram ao k-pop e aos k-dramas o poder de se propagar

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para mercados mais distantes através de plataformas de compartilhamentos de conteúdos na Internet (KOCIS, 2011d). A estratégia digital facilitou o engajamento de outras culturas à cultura sul-coreana, sem depender exclusivamente das plataformas de mídia oficial (como televisão, rádio e Imprensa). E com o sucesso crescente dos kdramas e do k-pop, podemos entrar na discussão sobre a ligação entre esses dois produtos, junto a história da Onda Coreana, foi representada no drama “Reply 1997”.

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Capítulo 3. O caso “Reply 1997” My body remembered my ‘90s. The moment I saw the person I had once been crazy about, I immediately returned to that ‘90s fangirl, and my ‘90s, which I thought were over, began all over again… (Shiwon, personagem protagonista do k-drama “Reply 1997”)

Os anos 1990 foram essencialmente marcantes para o desenvolvimento da Indústria Cultural sul-coreana e para o nascimento da Onda Coreana. Foi exatamente nessa década que o governo da Coreia do Sul começou a enxergar a cultura e o entretenimento como produtos economicamente lucráveis, especialmente no mercado exterior, e apostou nessa estratégia como uma saída para a Crise Econômica Asiática de 1997. Foi este o momento dos primeiros passos dos k-dramas em direção à popularidade internacional na região e da explosão da primeira fase do k-pop na Coreia do Sul que, invariavelmente, alcançou os mercados leste-asiáticos logo depois. A década de 1990 foi uma chave que abriu as portas para a industrialização da cultura na Coreia do Sul. Antes da Crise, a música pop sul-coreana já estava se fortalecendo internamente e os dramas de TV eram uma paixão nacional, mas esse sucesso ainda não cruzava as fronteiras do país. Os primeiros esforços do governo em apoiar a Indústria Cultural se iniciaram em 1994, com as primeiras de leis de incentivo e investimentos financeiros do governo e das grandes empresas (os chaebols). Em 1998, após a Crise, o país teve que se reestruturar economicamente, e o novo presidente no poder se comprometeu com o crescimento e desenvolvimento da Indústria Cultural como uma das lideranças industriais do país com o objetivo de reconstruir a economia nacional. Os incentivos financeiros aumentaram e começaram a dar frutos de sucesso. Primeiramente, no mercado interno: as três maiores emissoras televisivas (as “Big Three”) se estabeleceram de forma competitiva (SHIM, 2008, p. 207); a produção de conteúdos televisivos cresceu, tanto em quantidade quanto em qualidade; as primeiras bandas de k-pop começaram a fazer sucesso; e o setor cinematográfico passou pela sua renascença e bateu recordes de público nacional (JOO, 2011, p. 491). Os cidadãos sulcoreanos começaram a ser reconquistados pelos seus próprios produtos culturais, que tinham perdido a atenção do público nacional para os produtos importados. Com a nova leva de produções, o mercado interno voltou a ser dinâmico. A parcela do mercado coreano para o cinema nacional cresceu exponencialmente de 25%

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em 1998, para 39.7% em 1999, conseguindo se transformar em um dos poucos países que conseguiram desafiar a soberania dos filmes de Hollywood no mercado local. O mesmo se deu com as grades de programação nas emissoras nacionais: os programas importados passaram para horários menos populares da grade, dando espaço para os kdramas dominarem o horário nobre da televisão. E o k-pop rapidamente conseguiu dominar 60% do mercado nacional de música, que antes era dominado pela música americana. Com isso fica claro que os anos 1990 foram extremamente positivos para a Indústria Cultural do país, especialmente com a chegada do final da década, quando, segundo Joo (2011, p. 491), chegou ao início da era da cultura pop sul-coreana. Discutimos anteriormente, que os k-dramas foram a primeira liderança na difusão da cultura sul-coreana para o exterior. Porém, logo depois, e sendo guiado e intermediado pelos k-dramas, veio o k-pop, a música pop sul-coreana. O sucesso como potência musical se iniciou na própria Coreia do Sul antes de se transformar em um produto de exportação, exatamente como aconteceu com os dramas de TV anteriormente. O estilo musical, que é inspirado na música pop japonesa e estadunidense, se utiliza bastante de estratégias de hibridização tanto linguística, ao misturar o coreano com o inglês, quanto de gênero, combinando influências de diferentes gêneros musicais para a produção de música. Esse novo estilo musical deu seus primeiros passos nos anos 1990 e se fortaleceu com o sucesso do trio de meninos chamado “Seo Taiji & Boys” em 1992, que combinavam esse hibridismo musical nas suas canções junto as suas coreografias dinâmicas. A imensa popularidade do trio entre o público mais jovem despertou a Indústria Cultural para reconhecer que a parcela jovem da população era um mercado consumidor ascendente e que merecia enfoque da produção de entretenimento. Este reconhecimento foi essencial para o nascimento das primeiras girlgroups64 e boybands65, ou simplesmente idol groups, que hoje são característicos do movimento k-pop. A definição do público alvo contribuiu para o surgimento de uma leva de novos grupos de k-pop, como H.O.T, Sechs Kies, S.E.S e Fin.K.L., que, na época, conseguiram sucessos estrondosos. Em especial, o lançamento da boyband H.O.T em 1996 foi marcante para o movimento, porque efetivou o mercado virado aos consumidores mais jovens e criou um modelo de boyband que influenciou toda a geração de grupos que veio a seguir. Junto ao Sechs Kies, o H.O.T, criou e vivenciou 64 65

Grupos exclusivamente formados por mulheres que cantam e dançam em sincronia. Grupos exclusivamente formados por homens que cantam e dançam em sincronia.

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pela primeira vez o cenário fã do k-pop, com o surgimento dos primeiros fã-clubes, simbolismos e movimentações de fãs da música pop sul-coreana. Esses foram, resumidamente, os primeiros passos da primeira fase do K-pop, que se iniciou com “Seo Taiji & Boys” e se estendeu até o início dos anos 2000 66. É nesse cenário estimulante do nascimento das culturas fã e pop nacionais na Coreia do Sul, que se inspira a narrativa do meu objeto de estudos neste trabalho: o k-drama “Reply 1997”. O drama de TV “Reply 1997”67 é uma produção de 2012 que resgata o início da nova “era da cultura pop sul-coreana” defendida por Joo (2011). Realmente, o final dos anos 1990 viu uma mudança dramática na indústria cultural sul-coreana, mas também nos setores financeiro e político. Foi nesta década que o país deixou integralmente o regime ditatorial para trás, assim como tantas outras dominações que fizeram parte do seu passado. Especificamente, o ano de 1997 é o marco essencial para essa virada política do país. Por isso, não é de se estranhar que “Reply 1997” tenha exatamente 1997 como seu ponto de partida: o ano da Crise, o ano das primeiras exportações de k-dramas para a China, o ano do lançamento dos primeiros grupos de kpop de sucesso, o ano do início da Hallyu. 1997 é o ano do início do amadurecimento do país (que já tinha crescido aceleradamente por décadas) e da sua Indústria Cultural, e podemos observar a representação desse amadurecimento junto ao dos próprios personagens de “Reply 1997”. “Reply 1997” basicamente nos conta sobre seis amigos de infância, que, em 2012 já com seus 30 anos, se juntam e relembram episódios das suas adolescências e juventudes. Voltamos no tempo junto aos personagens e assistimos seis adolescentes que, no final dos anos 1990, crescem cercados de novas influências do pop nacional e de diversas mudanças no país, enquanto convivem com as novidades das suas próprias juventudes. Aqui, até mesmo me arrisco a dizer que esses seis personagens, que assistimos crescer até o ano 2012, são uma metáfora para o próprio amadurecimento da Coreia do Sul que, entre 1997 e 2012, teve que viver diversas descobertas e sofrer várias mudanças para se transformar no “adulto” da atualidade. Exatamente como aconteceu com esses personagens. Tanto que, no primeiro episódio que se chama “Eighteen”, ou “Dezoito”, somos apresentados aos personagens principais, seus núcleos e o contexto geral da história. Encontramos os personagens principais completando seus dezoito anos 66

Para mais informações indico a leitura do artigo “Have you ever seen the rain? And who’ll stop the Rain?: the globalization project of Korean Pop (K-pop)” de Hyunjoon Shin (2009). 67 Também conhecido como “Answer me, 1997”.

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– que, na Coreia do Sul, não conotam a mesma ideia ocidental de maioridade legal, já que os dezoitos anos coreanos são praticamente correspondentes aos 17 anos ocidentais68–, vivenciando o Ensino Médio da escola em Busan, cidade do interior do país. O ponto inicial na adolescência, de onde iremos acompanhar o crescimento e amadurecimento desses personagens através do desenrolar da narrativa. É o ponto inicial de uma evolução, que tem um começo (a adolescência), um meio e um fim (a idade adulta, em 2012, o Presente da narrativa). Uma idade onde você sente como se pudesse amar qualquer pessoa, onde você arrisca tudo pelas menores das coisas. Dezoito. Adultos dizem que essa é a idade onde nós rimos até se uma folha cair. Mas, naquela época, nós éramos mais sérios do que qualquer adulto, mais intensos, e tivemos a nossa força testada. 1997. Foi assim que nossos dezoito anos começaram. (Shiwon, episódio 1 de "Reply 1997")

Partindo de uma nação que ao longo dos anos se tornou extremamente nacionalista e dona de uma produção anual enorme de dramas de TV para alimentar a demanda das suas emissoras, não é de se estranhar o surgimento de uma produção temática sobre o início dessa nova era cultural do país. Especialmente agora, depois do ano 2010, que a cultura coreana conseguiu alcançar novos admiradores de lugares bem mais distantes do que apenas os seus vizinhos asiáticos. Em 2012, ano da produção e exibição oficial desse drama de TV, a Indústria Cultural sul-coreana estava vivendo a crina da Onda Coreana, com os produtos culturais nacionais levando o país ao status de grande influenciador cultural na Ásia e mergulhando em mares mais distantes no alémÁsia. “Ser sul-coreano” estava tomando uma cotação tão positiva como nunca antes. “Reply 1997” surgiu da estratégia mercadológica que somava uma demanda nostálgica do povo sul-coreano ao resgate celebrativo de um passado que corresponde ao sucesso da cultura coreana atualmente. Exibido entre 24 de Julho a 18 de Setembro de 2012, com 16 episódios e um especial chamado de “Episódio 0”, foi produzido pelo canal fechado TvN69 e criado por Shin Wonho e Rhee Myunghan. Extremamente aclamado pelo público, “Reply 1997” surpreendeu pelo seu excelente e inesperado desempenho em audiência na TV fechada e por suas milhares de visualizações nas plataformas online de exibição de dramas, e, com isso, foi considerado uma “síndrome”, que é uma 68

A contagem de anos de idade na Coreia do Sul é diferente da ocidental. Eles começam a contar os anos a partir do desenvolvimento do feto no ventre da mãe, então já se nasce com um ano de idade. 69 TvN: Total Variety Network. Canal a cabo da empresa CJ E&M, lançado em 2006 na Coreia do Sul.

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forma usada pelos coreanos para descrever produções televisivas de sucesso que conseguem uma firme base de telespectadores. Tamanho foi o sucesso, que os dois últimos episódios foram exibidos simultaneamente em outras cinco emissoras da televisão fechada, a OCN70, a Mnet71, a O’live72, a Ongamenet 73 e a OnStyle (todas são emissoras irmãs da TvN através do conglomerado chaebol CJ Group). E além da aclamação do público, o drama também foi nomeado e campeão em diversas premiações importantes da mídia sul-coreana. Shiwon (Jung Eunji) é a personagem principal de “Reply 1997”, dividindo o posto com Yoonjae (Seo Ingook), ambos personagens chaves de todo o enredo, enquanto as outras tramas orbitam em torno deles dois. Em 1997, Yoonjae é um garoto extremamente inteligente, que sempre figura em primeiro lugar na escola e, além disso, é admirado por todas as meninas, menos pela sua amiga de infância, Shiwon. Shiwon é uma grande fã da boyband H.O.T, especialmente de Tony Ahn, seu componente favorito da banda. Dona de uma personalidade muito forte, cresceu com Yoonjae e, mesmo sendo desleixada com seus estudos, consegue desarmar seu amigo de todas as maneiras por conhecê-lo muito bem. Eles dois fazem parte de um grupo maior de seis amigos (Figura 3) que estudam juntos na mesma escola, apenas divididos entre salas de aulas feminina e masculina: Mo Yoojung (Shin Soyool), Kang Joonhee (Hoya), Bang Sungjae (Lee Shiun) e Do Hakchan (Eun Jiwon). Mo Yoojung é a melhor amiga de Shiwon e também fãs das bandas de k-pop; Kang Joonhee é o melhor amigo de Yoonjae e se destaca entre os outros meninos por ser muito gentil e quieto; Bang Sungjae é o tagarela, cômico e extremamente interessado na vida alheia; e, por fim, Do Hakchan, o aluno transferido de Seul, que consegue a rápida simpatia dos meninos do grupo por ser um colecionador voraz de conteúdos pornográficos e por sua timidez ao entrar em contato com o sexo oposto na vida real. Esses seis personagens principais orbitam especialmente entre os dois núcleos locais da narrativa: a escola e a família da Shiwon. Núcleos estes onde conhecemos os personagens que dão sustentação a história e aos seis personagens principais: o pai (Sung Dong-il) e a mãe (Lee Il-hwa) de Shiwon, o irmão mais velho de Yoonjae, Taewoon (Song Jongho), e também os outros colegas da escola.

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Orion Cinema Network. Emissora fundada em 1995, focada em conteúdos cinematográficos. Music Network. Emissora fundada em 1991, com conteúdo musical orientado ao público jovem. 72 Emissora com foco em conteúdos gastronômicos. 73 Emissora com foco em conteúdos relacionados a videogames. 71

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Figura 3: da esquerda para a direita: Mo Yoojung, Do HakChan, Yoon Yoonjae, Sung Shiwon, Kang Joonhee e Bang Sungjae. Fonte: Google.

Antes do início oficial da exibição de “Reply 1997”, foi exibido pela TvN o “Episódio 0”, um especial televisivo de 44 minutos de duração. Esse especial serviu para apresentar, de forma compacta, o contexto do drama que estava para começar, com o objetivo de tanto acionar a nostalgia nos telespectadores que viveram os anos 90, quanto de expor ao público mais jovem, e até mesmo o estrangeiro, uma breve ambientalização às referências da cultura pop que seriam utilizadas pelo k-drama. Personagens, tramas principais e referências do universo pop sul-coreano em 1997, como as guerras entre fãs do grupo H.O.T e as do grupo Sechs Kies e a paixão nacional pelo k-drama “Stars in my heart” foram brevemente apresentados. Utilizando bastante materiais originais em vídeo, apresentaram trechos de apresentações dos grupos e imagens das fãs na época, como também entrevistas atuais com alguns dos membros do H.O.T e Sechs Kies e fãs explicando as características desses fandons74. Outros componentes da cultura pop da época como tamagochis75, pagers76, mangás, walkmans77, basquetebol e futebol americano também foram apresentados como parte do universo do drama. Trechos das audições para o elenco principal foram exibidos, assim como referências aos atores que faziam parte de grupos de k-pop da atualidade,

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Fandom se refere a um conjunto de fãs que se interessam por um mesmo produto cultural. Brinquedo de origem japonesa em que se cria um bichinho de estimação virtual. 76 Dispositivo de telecomunicação sem fio, que envia curtas mensagens numéricas ou de texto, que foi antecessor do celular. 77 Dispositivo portátil capaz de ler e emitir áudio a partir de fitas cassetes. 75

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como atriz Jung Eunji, membro do girlgroup APink, que interpretava a Shiwon, e ator Hoya, membro da boyband Infinite, que interpretava o Joonhee. A narrativa de “Reply 1997” celebra o crescimento e amadurecimento da Indústria Cultural Sul-coreana, enquanto conta a história de seis amigos que vivem no interior do país. E, como todo k-drama, o nascimento e estabelecimento de sentimentos românticos entre o casal principal (com a existência do triângulo amoroso) e os percalços deste relacionamento dão centralidade à narrativa enquanto os elementos históricos se posicionam como pano de fundo para o desenvolvimento da história. Porém, em diversos aspectos, “Reply 1997” é muito mais uma exceção à regra do que parte dela dentro do universo dos fatores comuns aos k-dramas. Tanto a temática, quanto a estrutura temporal da narrativa, como a arquitetura física dos episódios não correspondem diretamente ao universo diário das produções de dramas na Coreia do Sul. Existe um modo de fazer dramas no país que é seguido quase de modo fordista, trabalhado dentro de uma mesma fórmula, o que afirma uma característica que foi citada anteriormente pelas autoras Chan e Wang (2011, p. 297): a previsibilidade existente nas narrativas dos k-dramas, especialmente sobre o que acontecerá com o casal principal no encerramento dos episódios. Em parte, a previsibilidade aproxima o público pelo sentimento de familiaridade e segurança com o que estão assistindo, mas por outro lado, perde o dado da expectativa pelo final. Isso se dá por diversos códigos culturais entranhados nas narrativas que passam a ser facilmente traduzidos pela longa exposição do telespectador a esses produtos ou pelo conhecimento de caso adquirido, tanto através do entendimento de um lugar comum globalizado em que se encontram as narrativas românticas (Cinema, Literatura, Teatro), quanto da compreensão da cultura, não só sulcoreana, mas de um resultado do fluxo transnacional leste-asiático. “Reply 1997” é um k-drama que se enquadra no conceito do seu formato, mas que buscou um diferente prisma para propagar sua trama e códigos culturais. Isso pode ser explicado também pelo fato de “Reply 1997” ser uma produção de canal fechado. Assim como na televisão estadunidense, os canais da TV fechada sulcoreana também são conhecidos por inovar mais do que os da TV aberta, especialmente por terem certa liberdade e flexibilidade de estruturas e temáticas, que são bem mais rígidas nos canais abertos (e aqui podemos citar as “Big Three” da televisão sulcoreana: a SBS, a KBS e a MBC). Estruturalmente, o k-drama “Reply 1997” se diferencia tanto de forma técnica, quanto no formato drama de TV. Os episódios eram exibidos uma vez por semana (às terças-feiras), dois episódios consecutivos, um

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exatamente após o outro na grade de programação (Anexo 1). Essa sequência episódica só foi modificada nos dois últimos episódios, que foram exibidos solitariamente em semanas diferentes e consecutivas. A duração dos episódios era irregular e variava entre 30 e 50 minutos, apenas os dois últimos duraram o comum para um k-drama, com um pouco mais de uma hora cada. “Reply 1997” era exibido na parte da noite, no horário das 23 horas da grade de programação da emissora TvN. Porém, a diferença mais brusca está no material textual do drama. A maior liberdade em abordagem de temáticas abriu espaço para “Reply” abordar alguns assuntos que ainda são considerados controversos pela sociedade sul-coreana, como sexo (que também inclui o sexo antes do casamento e a masturbação), homossexualidade, identidade regional e uso de linguagem chula. Continuando partindo da premissa básica dos k-dramas e suas temáticas, “Reply 1997” se destaca também pelo seu jogo de temporalidades, já que toda a narrativa se desenvolve através de movimentos entre o passado e o presente. Enquanto o Presente se apresenta apenas como uma noite no ano de 2012 em que os colegas de turma se encontram em uma reunião de ex-alunos, o Passado é resgatado em diversas e diferentes vezes ao longo da história: voltamos a 1997, 1998, 1999 e 2005. Rápidas referências também são feitas aos anos de 1968, 1988, 1991, 1992, 2000, 2002, 2004, e ao futuro, em 2013. As ideias de Analepse e Prolepse são importantes porque são largamente utilizadas como recursos narrativos nesse caso. A Analepse, que também é conhecida como “flashback”, é referente a interrupção na cronologia da narrativa com o objetivo de

resgatar cenas que representem eventos ocorridos anteriormente, no

passado da sequência cronológica. A Prolepse, ou “flashfoward”, seria o contrário da Analepse, com a interpelação de cenas que acontecem posteriormente em referência a cronologia da narrativa, o que seria o futuro. Essas movimentações em “Reply 1997”, especialmente para o passado, servem como explicações e indicações do que está acontecendo no presente da narrativa. Pouco é explicado ao telespectador sobre a situação dos personagens em 2012 no início do drama, apenas com o desenvolvimento da história que o telespectador adquire informações que montam o quebra-cabeça final da história. São duas as perguntas que mantém o mistério, tanto sobre os acontecimentos do passado, quanto sobre a realidade de 2012: “Qual casal, nesta noite, irá anunciar o seu casamento?” e “Quem é o marido de Shiwon?”. São essas duas respostas que mobilizam as analepses, as prolepses e o presente da narrativa. Se utilizando de marcos históricos e referências da cultura pop da Coreia do Sul a temporalidade da narrativa é formada, e essas

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informações são roboradas através do mês e ano das cenas que são exibidos junto a cada troca de temporalidade brusca. Na tabela a seguir estão os anos que foram recuperados em cada episódio, considerando sequências de cenas maiores e desconsiderando os rápidos flashbacks. Os episódios que tiveram curtos flashbacks em outros anos além dos que estão na tabela abaixo foram estes dois: o episódio 9, resgatando brevemente memórias de 1968 e 1988, e o episódio 15, resgatando 2000, 2002 e 2004.

1991

1992

Episódio01

1997

1998

1999

2005

2012

X

X

X

X

X

X

X

X

Episódio05

X

X

Episódio06

X

X

Episódio02 Episódio03

X X

Episódio04

Episódio07

X

X

X

X

Episódio08

X

Episódio09

X

X

Episódio10

X

X

Episódio11

X

X

Episódio12

2013

X

X

Episódio13

X

Episódio14

X

X

Episódio15

X

X

X

X

X

X

Episódio16

X

Como podemos ver, “Reply 1997” se utiliza basicamente de um enredo baseado na história contemporânea da Coreia do Sul, abordando os primeiros sucessos nacionais da Indústria Cultural do país. O interessante é que este k-drama é classificado por sites especializados como um “rom-com”, ou comédia romântica, mas essa classificação não faz justiça a complexidade da trama. Isso porque, na realidade, além de um rom-com, “Reply 1997” é um drama histórico, por mais que não aborde a história antiga da Coreia, como é tradicional dos k-dramas históricos. A Coreia do Sul tem uma longa tradição na produção de dramas históricos. É uma das especialidades da indústria

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de k-dramas reproduzir e ficcionar os reinos, as dinastias e o império coreano, dezenas de títulos são lançados anualmente abordando esse recorte da história do país. Porém pouco conteúdo é produzido sobre a história recente do país, aqui considerada como a fase que teve início com a colonização japonesa. Alguns poucos k-dramas foram produzidos inspirados neste recorte da História, como por exemplo, “Bridal Mask” (KBS2, 2012) e “Capital Scandal” (KBS2, 2007), que se passaram durante a opressão japonesa na década de 1930, e “Road No. 1” (MBC, 2010) e “Comrades” (KBS1, 2010), que abordaram o período da Guerra da Coreia. De resto, outros pouquíssimos dramas históricos abordaram a história contemporânea do país. Porém, “Reply 1997”, que aborda a história recente do país, parece ser descartado como parte do universo dos dramas históricos, mas isso não anula o fato que ele seja um. Eu defendo “Reply 1997” como um romance histórico que representa a contemporaneidade da virada moderna da cultura sul-coreana. É baseado em fatos recentes, mas que não deixam de ser históricos e que fizeram parte da construção da identidade contemporânea da Coreia do Sul. A imagem de um país que atualmente não só é um novo centro de produção cultural, mas também uma nação moderna que é reconhecida globalmente em outros setores como o econômico e o político. Essa virada modernizante conferiu a Coreia do Sul a visibilidade global tão esperada. A década de 1990 é obviamente mais atual do que os reinos e dinastias coreanas, mas, para um país jovem em industrialização, faz sentindo um marco importante como este ser recente na sua história e isso não tira a relevância histórica dele. A escolha do ano de 1997 como o ponto de início da narrativa de “Reply 1997” não é aleatória: 1997 foi um ano simbólico tanto para o bem quanto para o mal na Coreia do Sul. Foi um ano desafiador, onde o país começou a colher os frutos dos incentivos financeiros investidos na Indústria Cultural através do sucesso desses produtos, tanto no mercado nacional, quanto no internacional, mas também foi o ano da quebra financeira, com a invasão da Crise de 1997. E é a partir desse ponto, que o drama nos conta, se utilizando da linguagem pop, sobre a trajetória de superação do país. A mensagem transmitida é: 1997 é o ano da quebra, enquanto 2012 é o ano da superação, e podemos observar isso com os recursos narrativos de ida e volta ao passado através das histórias dos personagens. “Reply 1997” é uma obra que celebra no que a Coreia do Sul se tornou nos dias de hoje. É uma celebração que mostra, através da recriação e narração do passado, enquanto se vale de referências pop, como o país venceu conflitos e virou uma nação que influencia tantas outras. E que celebra até mesmo a Crise, porque sem ela a Onda Coreana não teria

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existido ou não seria tão grande quanto é. “Reply 1997” é um romance histórico que saúda o sucesso do próprio país. Para criar esse ambiente histórico, o drama cita diversas referências que recriam e lembram o ambiente da década de 1990, especialmente do ano de 1997 em diante. São fatos, tanto da história da Coreia do Sul, quanto das movimentações da cultura fã do k-pop que estava dando seus primeiros passos de sucesso. As referências são diretas, por isso que fiz questão de estruturar este trabalho com um capítulo dedicado à história contemporânea da Coreia do Sul e outro dedicado ao nascimento e conceitualização da Onda Coreana. Primeiramente, a estrutura dos cenários demonstra uma Coreia menos modernizada do que como a conhecemos hoje, enfocando objetos que faziam parte dos anos 90, como os pagers, fitas cassetes, computadores com monitores grandes e fazendo o famoso barulho da internet discada, tamagochis, fitas VHS e disquetes. A produção do drama também se utilizou de diversos recursos de roteiro, ao introduzir falas se referindo as mudanças que o país sofreu na época e usando termos da cultura pop e posicionando os personagens em tais situações. Em uma das cenas dos pais de Shiwon (Figura 4), a mãe desliga a televisão que está informando sobre a aproximação das eleições presidenciais do país e o seu esposo discute com ela explicando a importância das eleições e de estar informado sobre os candidatos. Os dois comentam sobre a candidatura de Kim Dae Joong que, mais tarde realmente foi eleito, fato este também recriado pelo k-drama. Porém, o fato mais marcante no ano de 1997 foi a quebra financeira do país com a chegada da Crise Asiática de 1997, esse fato é citado diversas vezes durante toda a narrativa e são exibidas imagens originais do discurso do presidente avisando a população sobre a necessidade de recorrer a assistência financeira do FMI para sobreviver a esse momento delicado da economia do país (Figura 5). Outra passagem interessante que reitera o uso de marcos históricos como condutores da narrativa de “Reply 1997” faz parte do episódio 12, quando Shiwon está deixando a sua cidade Busan para estudar em Seul. A cena se inicia em 1999 e termina em 2005: enquanto viaja pela estrada a personagem vai narrando acontecimentos marcantes enquanto os anos passam. “O mundo não acabou como previsto”, o fim da banda H.O.T, o fim da banda Sechs Kies, os atentados de 11 de setembro, a chegada da Coreia do Sul às semifinais da Copa do Mundo FIFA em 2002, a eleição de Mu Hyunno como novo presidente do país e o trem KTX ligando Busan e Seul foi construído. E com isso a narrativa continua de 2005 em diante.

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Como “Reply” é um drama especialmente dedicado ao desenvolvimento da cultura pop nacional na Coreia do Sul, era de se esperar que diversas alusões às bandas de k-pop e dramas de TV tomassem um grande espaço da narrativa. Dezenas de cenas recriaram as influências do mundo pop nacional na época: meninos jogando o videogame Scarcraft e lendo os mangás de “Slam Dunk” 78; a mãe de Shiwon assistindo apaixonadamente os episódios do k-drama “Stars in your heart”, um enorme sucesso da época; meninas discutindo sobre os penteados de atrizes de k-dramas; discussões sobre fanfictions79 que abordavam os membros de bandas de k-pop; meninos jogando partidas de basquete e o pai de Shiwon liderando o time de futebol americano de Busan, os dois esportes mais populares nos anos 90; Yoonjae ganhando produtos pirateados de marcas estrangeiras; ida ao cinema para assistir “The Contact”, filme nacional que teve a segunda maior bilheteria de 1997; jogo de futebol entre Japão e Coreia do Sul; entre tantas outras referências. O florescimento do k-pop na Coreia do Sul em 1997 é o fio condutor principal para toda a narrativa, a paixão de Shiwon pela banda H.O.T é reiterada várias vezes durante o drama, então são diversas as alusões a banda, a sua rival Sechs Kies e ao k-pop em geral. Cenas de brigas entre fãs e conversas sobre as bandas eram regadas com imagens originais e produções características dos fãs da época: fanchants80, capas e bolas da cor oficial do grupo favorito, revistas com fotos, cartazes, coreografias e fã-clubes, demarcando esse momento do k-pop. Em algumas das cenas eram abordadas vastamente a rivalidade entre os fã-clubes do H.O.T e do Sechs Kies: a luta por dominação entre o branco e o amarelo (Figura 6). A abertura do drama também reafirma o conteúdo que será exibido pela narrativa. A abertura, que dura vinte segundos, é uma rápida e rica compilação de imagens originais dos momentos retratados por “Reply 1997”. Começando com a imagem de um computador da época informando o nome do drama e o barulho de internet discada, iniciam-se flashes de imagens da assinatura do acordo com o FMI, jornais televisivos informando as notícias e a cobertura geral da imprensa desses momentos marcantes, fãs das bandas de k-pop da época correndo e se emocionando com seus ídolos, protestos nas ruas, a posse de Kim Dae Joong e imagens das bandas de k-pop se apresentando em shows e programas de TV. Após essa compilação, entra o nome da série, junto com a imagem dos seis personagens principais (Figura 3). 78

Mangá sobre basquete, que fez muito sucesso no Japão e na Coreia do Sul. Contos ou romances escritos por fãs, se baseando nos produtos culturais de admiração. 80 Gritos de fãs coordenados para combinar com as músicas das bandas de admiração. 79

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Figura 4. Primeira imagem: "As eleições presidenciais começam nessa estação. Esse importante momento do ano é que irá decidir quem irá liderar esse país." Imagem 2: "Você nem vai escolher qualquer outro que não seja Kim Dae Joong."

Figura 5. Imagem do alto: "nosso Governo pediu auxílio do Fundo Monetário Internacional". Imagem de baixo: “Seu salário foi reduzido pela metade por causa da crise do FMI"

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Figura 6. Fanchant das fãs do H.O.T e a divisão entre fãs do H.O.T e as do Sechs KIes

A produção de “Reply 1997” em si já é uma forte referência a cultura pop, mas, dessa vez, a atual. As indústrias do k-pop e do k-drama são conhecidas pela sinergia, cooperando mutualmente para divulgação de ambas e fomento de atores (capital artístico) e conteúdos. As indústrias da música e dos dramas são intrínsecas e interdependentes, e “Reply” é mais um exemplo disso, exatamente por também ser um exemplo de idol drama. Além da trilha sonora rica em canções do k-pop e pela própria temática do enredo ser sobre o assunto, quatro dos seis personagens principais são interpretados por artistas da música. Shiwon, Yoonjae, Joonhee e Hakchan são todos interpretados por cantores de k-pop. Respectivamente, Jung Eunji faz parte da girlband APink, Seo Inguk é cantor solo, Hoya é membro da boyband Infinite e Eun Jiwon é, ironicamente, ex-membro do grupo Sechs Kies. Sem contar com várias participações especiais de ídolos do k-pop ao longo do decorrer do drama. É como se o k-pop da atualidade estivesse contado e vivendo o k-pop do passado. É uma grande piada interna que busca uma interação ainda mais forte com o público nacional e o público internacional já conhecedor do universo do k-pop. “Reply 1997” é realmente uma obra que se cercou totalmente de influências do pop para se assegurar do sucesso. E o sucesso realmente aconteceu, até mesmo tendo como consequência uma das raridades

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do universo dos k-dramas: uma segunda produção seguindo os mesmos passos da primeira, o “Reply 1994” (2013). Entre tantos dramas de TV sul-coreanos, “Reply 1997” é relevante porque a sua narrativa constrói o passado recente de uma forma política que atenua os conflitos se valendo da linguagem da cultura pop, mostrando a virada de uma Coreia tradicional para uma Coreia do pop. Um país que antes era apenas nacionalista e que agora é internacional. A representação do florescimento da cultura pop é importante exatamente para transmitir essa mensagem. A Coreia do Sul na atualidade é conhecida globalmente não só pelos seus carros ou produtos tecnológicos, mas também pelo seu movimento cultural, a Onda Coreana. Filmes, dramas, música, moda, celebridades são alguns dos produtos que difundem a cultura da Coreia do Sul e dão credibilidade para o país em jogadas políticas e financeiras, funcionando como instrumentos de Soft Power. E “Reply 1997”, como uma produção de 2012, se vale dessas características para transmitir a ideia de uma Coreia do Sul amadurecida e modernizada aos olhos do mundo globalizado.

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CONCLUSÃO O entretenimento é uma porta para a cultura. Co-fundador do site “Drama Fever”, Suk Park.81

Este trabalho buscou compreender esse novo fenômeno cultural que se posiciona como uma nova alternativa na ordem global: a Onda Coreana, ou a Hallyu. O senso comum das últimas décadas apontava um fluxo de informações que era sempre estruturado a partir do Ocidente para o Oriente. Apenas um centro de emissão de tendências que influenciava todo o restante. Os Estados Unidos já esteve nessa posição poderosa, mas o que a situação atual nos mostra que vários novos centros de produção de conteúdos influenciadores surgiram e estão criando uma pluralidade de regiões consumidoras, que são influenciadas e ao mesmo tempo influenciam. A variedade de interesses e de individualidades culturais, que se manifestaram especialmente com o imperialismo globalizante dos produtos estadunidenses, apresenta um novo momento em que as culturas se destacam pelas suas especificidades e tendências regionais podem conquistar todo o mundo. Assim como o sucesso das novelas brasileiras em dezenas de países pelo mundo, o sucesso do k-pop e dos k-dramas também propõe um novo consumo a parte do estadunidense. E o poder desse mercado consumidor faminto por produtos sul-coreanos fez a Coreia do Sul arrecadar 5 bilhões de dólares apenas no ano de 201382. A Onda Coreana é a mais recente potência em exportação de produtos culturais. A Coreia do Sul era o país conhecido por ter se mantido recluso por tanto tempo, ou por sua guerra separatista ou até mesmo por seus produtos tecnológicos da Samsung, LG e Hyundai que há alguns anos se destacaram no mercado. A ideia de um movimento pop originário da Coreia não era imaginado nem pelos próprios sulcoreanos. Porém, de onde não se esperava, surgiu a Onda Coreana, que vem invadindo a praia de muitos países, tanto na Ásia, quanto no resto do mundo. E a pergunta que fica é: será que essa maré tem força para alagar esses espaços por mais tempo? Essa onda é 81

Trecho retirado da matéria “Here's why millions of Americans are binge-watching Korean dramas” do site VOX no seguinte link: http://www.vox.com/2014/9/24/6832951/heres-why-millions-ofamericans-are-binge-watching-korean-dramas. Acessado em 30/11/2014. 82

Informação retirada da matéria “Soap, sparkle and pop: How a really uncool country became the tastemaker of Asia“ do site The Economist no seguinte link: http://www.economist.com/news/booksand-arts/21611039-how-really-uncool-country-became-tastemaker-asia-soap-sparkle-and-pop. Acessado em 30/11/2014.

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forte o bastante para conquistar novas praias? A Onda Coreana tem o potencial para manter o que construiu? Alguns dizem que o impacto da cultura sul-coreana conseguiu tocar em valores tão tradicionais dos países ao seu redor, que é difícil que ela deixe de agradar por um bom tempo. Outros apontam o nascimento de mais um monstro do Imperialismo Cultural, se baseando no fato da Coreia do Sul tem exportado muitos produtos pelo Leste da Ásia, mas têm importado pouco destes mesmos. Será que esse fluxo único vai continuar funcionando pelos próximos anos? Suas fórmulas repetitivas vão continuar agradando? “Reply 1997” se apresenta exatamente como uma nova fórmula para atualizar o mercado dos k-dramas, apontando para uma mudança na Indústria. O objetivo é encontrar novos consumidores e também disponibilizar novidades para os seus consumidores de antes, a fim de renovar o mercado. Os produtos culturais sulcoreanos estão no mercado leste-asiático há quase duas décadas e isso, somado ao fato que estão começando a conquistar mercados mais heterogêneos e distantes, realmente sustenta a necessidade de mudanças para a sustentação e sobrevivência da Indústria. A própria característica de “Reply 1997” como um romance histórico fora dos padrões dos k-dramas aponta uma linha de pensamento diferente, uma nova abordagem na busca por novas fórmulas. Este ano de 2014 também apresentou algumas novidades: k-dramas quebrando o padrão de narrativas exclusivamente românticas, focando mais no desenvolvimento de amizades ou nos planos e na carreira dos personagens83. É perceptível que uma nova maré de produtos está crescendo junto à Onda. A mudança está novamente se iniciando pela TV fechada, um padrão que se repete em diversas indústrias culturais pelo mundo, e o grande exemplo disso foi nos Estados Unidos, nos anos 1990, com “The Sopranos” pela HBO, segundo Newcomb (2007). O drama “Reply 1997” é relevante porque resgatou um passado que apresenta a grande razão do sucesso atual da Onda Coreana: o ano da Crise de 1997. É um fato: sem a Crise de 1997, não haveria a Onda Coreana como a conhecemos na atualidade. Poderia até existir, mas não com o impacto e potencial atual, já que a indústria cultural sul-coreana não teria se desenvolvido tão rápido se o susto da Crise não tivesse acontecido. Por isso 1997 é um marco de extrema importância tanto para a Coreia quanto para a própria indústria de k-dramas. Por isso narrar a história desde o ano de 1997 é válido. 1997 é um ponto de virada. Provavelmente a Coreia não teria

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Como, por exemplo, os dramas “Bad Guys” (OCN, 2014) e “Liar Game” (TvN, 2014).

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chegado aonde chegou se 1997 tivesse sido diferente e por isso “Reply 1997” é um objeto de peso, porque confirma a importância dessa época para a construção do país atual. Além de uma obra nostálgica e celebrativa, é uma obra que resgata a consciência política. Uma nação que aprendeu a crescer do sofrimento, passando por diversas invasões, colonizações, guerras e ditaduras se reergueu das cinzas em pouco mais de 60 anos e “Reply 1997” mostra apenas um capítulo dessa longa história. E a televisão e suas ficcionalizações do passado são um ótimo meio de comunicação para divulgar a carga nacionalista e nostálgica desses produtos. A televisão tem esse poder de conquistar massas e de reavivar sentimentalismos patriotas, especialmente em um país como a Coreia do Sul que se descobriu extremamente nacionalista desde os anos 1990. Os direitos de “Reply 1997” foram comprados pela FOX dos Estados Unidos, então, aparentemente no futuro teremos uma versão do drama na televisão americana. Isso, assim como “Homeland”, a versão da série israelense “Hatufim”, apresenta uma mudança no eixo de influências mundiais. Os passos são lentos, mas a ordem mundial que aponta os Estados Unidos como centro de influências já não é mais a mesma. Há um contra-fluxo. A Indústria Cultural sul-coreana é uma das potências que está fortalecendo esse movimento. Porém, as perguntas que ficam são: as mudanças na Indústria e o distanciamento dos valores confucionistas irão acompanhar a sociedade ou serão rápido demais e esses produtos deixarão de ter o apelo de antes? A sinergia entre as indústrias do K-pop e do K-drama será suficiente para manter a cultura pop sulcoreana em alta? Essa fórmula funcionará por muito mais tempo? Essas são perguntas que por enquanto só o tempo poderá nos responder, mas “Reply 1997” é um exemplo que a sinergia entre as duas indústrias ainda funciona e que uma abordagem mediana, entre o Confucionismo e as influências globais da atualidade continua sendo a melhor opção para o mercado leste-asiático e até mesmo para conquistar os mercados fora do eixo da Ásia. Tanto porque a Coreia do Sul ainda é um polo de modernidade no continente e não pode se manter estancado com as mesmas fórmulas por muito mais tempo, mas a inspiração no passado ainda parece funcionar para a Onda Coreana. E “Reply 1997” é o exemplo vivo disso.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO 1 Lista de episódios de “Reply 1997”

Episódio 0 Episódio 1: Eighteen (exibido em 24/07/2012) Episódio 2: Becoming more and more different (exibido em 24/07/2012) Episódio 3: What you see is not everything (exibido em 31/07/2012) Episódio 4: Fair play (exibido em 31/07/2012) Episódio 5: Life’s counterattack (exibido em 07/08/2012) Episódio 6: Love makes you do things you’ve never done (exibido em 07/08/2012) Episódio 7: Future hopes (exibido em 14/08/2012) Episódio 8: D-day (exibido em 14/08/2012) Episódio 9: The thread of fate (exibido em 21/08/2012) Episódio 10: The reason why I like you (exibido em 21/08/2012) Episódio 11: The fairness of relationships (exibido em 28/08/2012) Episódio 12: The meaning of hands (exibido em 28/08/2012) Episódio 13: Later… no, now (exibido em 04/09/2012) Episódio 14: Love is ordered by the heart (exibido em 04/09/2012) Episódio 15: While I loved you (exibido em 11/09/2012) Episódio 16: The reason why first loves don’t last (exibido em 18/09/2012)

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