A oração fúnebre de Péricles

June 1, 2017 | Autor: Joao Noronha | Categoria: Ancient History
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Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, Editora Universidade de Brasília/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 4.ª ed., Brasília/S. Paulo, 2001.
As citações da Oração fazem-se a partir da tradução de Maria Helena da Rocha Pereira, fornecida em fotocópia; não obstante isso, foi possível consultar a 3.ª ed. da obra (Hélade: antologia da cultura grega / organizada e traduzida do original por Maria Helena da Rocha Pereira, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971).
Quase todas as referências cronológicas realizadas no presente trabalho são reportadas à era pré-cristã, pelo que nos dispensamos de, doravante, fazer a referência expressa a "a. C."; as datações "d. C." estão expressamente identificadas como tal.
Os gregos antigos, p. 26; para idêntica pronúncia, cf., por exemplo, Jardé, La Grèce antique et la vie grecque, pp. 30 e ss.
Idem, Ibidem.
Cf. José Ribeiro Ferreira, Heláde e helenos, I. Génese e evolução de um conceito, p. 300: "[u]ma visão pan-helénica só começa a surgir na primeira metade do século V em ligação com as Guerras Pérsicas".
Cf. Finley, ob. cit., p. 57, assinalando que à margem desses tratados existia apenas, entre as cidades da liga espartana, uma coligação muito ténue sob a hegemonia de Esparta.
Cf. Finley, Os gregos antigos, pp. 55 e ss., salientando que, nessas coordenadas espácio-temporais, "[a] guerra era um instrumento normal da política, que os Gregos usavam em pleno e com frequência", com causas imediatas tão variadas como o desejo de poderio, os incidentes fronteiriços, o saque, apoio externo a facões internas, e que estes múltiplos fatores se intensificavam pelo fracionamento político-territorial da Hélade, tornando contínuos os atritos entre as cidades.
Cf., entre outros, Pierre Briant, From Cyrus to Alexander: A History of the Persian Empire, pp. 33 e ss..; Kitto, Os gregos, pp. 181 e ss..
Cf., entre outros, Briant, ob. cit., pp. 146 e ss.; Kitto, Os gregos, pp. 186 e 187.
Cf., entre outros, Kitto, Os gregos, pp. 187 e ss.
Cfr. Briant, ob. cit., pp. 531 e ss.. O intervalo cronológico entre as duas investidas persas é explicada por Kitto, Os gregos, p. 187, em função da morte de Dario e da necessidade, entretanto, de subjugar uma revolta egípcia.
Cfr., entre outros, Briant, ob. cit., pp. 533 e ss..
Cfr. Finley, Os gregos antigos, p. 54: [o]s Persas tinham sido vencidos a custo; não foram dizimados. Era opinião geral que regressariam para uma terceira tentativa (que, por fim, o não tenham feito deveu-se em grande parte a problemas internos no seu império, que não podiam ter sido previstos). A prudência normal requeria, pois, medidas antecipatórias de conjunto e, uma vez que tinham que ser tomadas no Egeu e na costa da Ásia Menor mais do que no continente, era natural que se entregasse o comando a Atenas".
Cf. Kitto, Os gregos, pp. 195 e ss..
Finley, Os gregos antigos, p. 58.
Sobre a transferência do tesouro para Atenas e sobre a justificação que, para tanto, foi apresentada por Péricles, cf. Plutarco, Vida de Péricles, incluída n' As vidas dos homens ilustres (foi consultada a ed. Gallimard, em tradução francesa, de Jacques Amyot, com texto estabelecido e anotado por Gérard Walter, pp. 332-378), XXIII e XXIV: "Péricles fazia notar aos atenienses que que não tinham que prestar contas aos aliados desse dinheiro [que deles recebiam], considerando que combatiam por eles e que mantinham os bárbaros afastados da Grécia, sem que aqueles contribuíssem com um só homem, um só cavalo, um só navio, mas apenas com dinheiro, que, uma vez pago, não pertence aos que o entregam mas aos que o recebem, desde que cumpram as funções para que o receberam"; cf. também Kitto, Os gregos, 199.
Assim, Finley, Os gregos antigos, p. 54.
Com perspetiva paralela, Kitto, Os gregos, pp. 227 e ss.
Apropria-se aqui um título de Cloché, Le siècle de Périclès (1963).
Aristóteles, Constituição de Atenas, V (foi consultada a ed. francesa da Société d'Édition "Les Belles Lettres", com texto estabelecido e tradução de Georges Mathieu e Bernard Haussoullier); para a teorização aristotélica dos sistemas de governo, veja-se, de novo, Aristóteles, Política, Livro III, VII, 1 e ss. (foi consultada a ed. Gallimard, s.l., 1993, com texto estabelecido e traduzido para a língua francesa por Jean Aubonnet).
Aristóteles, Constituição de Atenas, XXII, 1: "[n]a sequência dessas modificações, a constituição torna-se bem mais favorável ao povo do que era a de Sólon. Sucedera que, em consequência da Tirania, tinham caído em desuso as leis de Sólon e que Clisteres estabelecera novas leis para fazer vencer a multidão" (trad. nossa, a partir da partir trad. francesa citada na antecedente n. 21).
Cf. Aristóteles, Constituição de Atenas, XXV, I.
Aristóteles, Constituição de Atenas, XXVII, I.
Um exercício análogo ao que aqui fizemos com este enunciado cronológico, embora mais circunstanciado, pode encontrar-se em Kitto, Os gregos, pp. 192 e ss.
Um relato da vida de Péricles obtém-se em Plutarco, Vida de Péricles, cit., pp. 332-378).
Cf. Plutarco, Vida de Péricles, XI.

Para uma análise de conjunto da oratória política grega e, nesta perspectiva, da figura de Péricles, cf. a "Introdução" de Saunders em Greek Political Oratory, 21 e ss.
Disponível em recurso internet em https://books.google.pt/books?id=lxQ9W6F1oSYC&pg=PR16&lpg=PR16&dq=pierre+briant+from+cyrus+to+alexander+pdf&source=bl&ots=XCnS_otwaR&sig=EG2B2dg57JqLW9asRVFEKqtMARY&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwiszNijkb_MAhWIyRoKHbvxC-Y4ChDoAQgaMAA#v=onepage&q=pierre%20briant%20from%20cyrus%20to%20alexander%20pdf&f=false
Disponível em recurso internet em http://funag.gov.br/loja/download/0041-historia_da_guerra_do_peloponeso.pdf.




A Oração Fúnebre de Péricles


Ensaio Crítico




Licenciatura em História (1.º Ciclo)
Unidade Curricular: História da Antiguidade Clássica
Docente: Professor Doutor Nuno Simões Rodrigues


João Manuel Cardão do Espírito Santo Noronha


Lisboa, 1 de maio 2016



Introdução

Foi proposto para o presente trabalho um comentário à Oração Fúnebre de Péricles, contida no Livro II da História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides (Capítulos XXXVI-XLII), a partir de duas traduções: uma em português europeu (de Maria Helena da Rocha Pereira, in Hélade) e outra em português do Brasil (de Mário da Gama Kury).
A compreensão do texto de Tucídides, contendo um discurso imputado ao estadista ateniense Péricles, e após uma sua primeira leitura, impõe que o mesmo seja situado no respetivo contexto histórico, sendo que o mesmo só se compreende cabalmente com recuo a contextos anteriores da História da Hélade.
A Oração Fúnebre de Péricles é tida como tendo sido proferida no Inverno de 431-430 a.C., por ocasião do funeral de mortos tombados em combate na Guerra do Peloponeso.
Impõe-se, assim, segundo pensamos, situar historicamente a Guerra do Peloponeso e as circunstâncias condicionantes que a antecederam, bem como relacioná-la com as figuras de Péricles, por um lado, e de Tucídides, por outro.

Civilização grega e periodização

É convencional, na História da civilização grega, o estabelecimento de quatro períodos subsequentes à chamada Idade das Trevas ou Período Homérico (sendo que a vincada separação entre o antes e o depois do termo da Idade das Trevas se justifica pelo marcante evento da introdução do alfabeto grego, de origem fenícia, na transição entre os séculos VIII e VII). A referida periodização é a seguinte: (1) período arcaico (séculos VIII-VI); (2) período clássico (séculos V-IV); (3) período helenístico (séculos IV-III); e, (4) período romano (séculos II a. C.-IV d. C).
A periodização convencional a que aludimos encontra-se, por exemplo, em Finley. É opinião comum a de que o auge civilizacional grego foi atingido no período clássico, reportado, de novo por Finley, como "[…] o das cidades-Estado independentes e, de modo geral, das mais altas realizações culturais de toda a história grega" e, se nos referimos em particular a este período da História da civilização grega, deve-se isso ao facto de a Guerra do Peloponeso aí se situar.

A Guerra do Peloponeso: antecedentes mediatos e imediatos.

I — Em meados do século VI a cidade de Esparta entra em conflito com cidades vizinhas do Peloponeso, em tempo em que uma consciência pan-helénica não tinha ainda emergido, e, tendo-as vencido, associa-as em tratados bilaterais de recíproca proteção, que, numa visão de conjunto, estão na origem do que ficou gravado na historiografia moderna como a Simaquia ou Liga do Peloponeso. A este núcleo inicial haveriam, mais tarde, de juntar-se outras cidades do Peloponeso.
Simultaneamente, na Mesopotâmia, agonizava o Império neo-babilónico, da dinastia caldaica, o que favoreceu a expansão dos Persas — estabilizados nos planaltos iranianos — para Ocidente. Os Persa, após a tomada da Babilónia (539), avançam, ao sul, em direção à Palestina e ao Egito e, ao norte, em direção ao reino da Lídia, que conquistam (547-546), estabelecendo a fronteira norte-ocidental do seu Império na margem oriental do Egeu.
Na Lídia existiam então várias cidades costeiras fundadas por povos da Hélade, como Mileto e Halicarnasso; a tomada da Lídia colocou as cidades gregas da Jónia sob dominação persa.
Os avanços territoriais do Imperador Persa Dario I (550-486) e a sua política de favorecimento dos interesses comerciais fenícios terão suscitado o descontentamento das cidades gregas da Jónia, tendo Aristágoras de Mileto solicitado, em 499, o auxílio de Esparta contra os aqueménidas. Ante a recusa de auxílio dos espartanos, Aristágoras dirigiu-se a Atenas, que, conjuntamente com a Erétria, prestou um limitado auxílio naval.
A expedição grega destruiu Sardis, capital da Satrapia da Lídia, e, rumando a norte, tomou Bizâncio. As forças de Dario I enfrentariam a frota grega em Éfeso, destruindo-a.
Os persas demoraram perto de dez anos a reconquistar as cidades da Jónia — sendo de salientar que a revolta contra o domínio persa se generalizou e alargou às cidades-Estado de Chipre — e, restabelecida que fora a autoridade do Império, Dario enviará uma expedição militar à Hélade, em 490 (primeira Guerra Persa), retaliando sobre a Erétria e Atenas, que terminará em Maratona, com a derrota das forças persas.
Nova investida persa contra a Hélade ocorreria em 484 (segunda Guerra Persa; 484-479), sob o Imperador persa Xerxes I, que avança sobre a Grécia central e saqueia Atenas; os Persas são, todavia, vencidos em Salamina (480).
Em 483 Xerxes tinha as condições militares necessárias para uma nova invasão da Grécia; antecipando-a, Atenas e Esparta — e faça-se notar que as duas cidades, na reação à ameaça persa, mantiveram sempre relações algo tensas, com Esparta, normalmente, a reagir tarde em termos militares, e Atenas a agitar a possibilidade de, à falta do seu apoio, negociar com os Persas … particularidades que se compreendem com uma contextualização da posição geográfica de cada uma delas perante a ameaça provinda do Oriente — constituem, em Corinto, uma liga militar defensiva, que ficou conhecida na historiografia moderna como Liga Helénica (481), congregando a Liga do Peloponeso, Atenas, Plateia, Téspias, Cálcis, a Erétria, Estira, Corinto e as suas colónias e a Córsega.
Uma terceira invasão persa da Ática ocorreria em 479, culminando, com vitória grega, nas batalhas de Plateias e Mícale (479).
A Liga Helénica dissolver-se-ia em 478, após divergências entre atenienses e espartanos quanto ao comando da frota naval da mesma, recuperando-se, no Peloponeso, a configuração originária da liga do mesmo nome, liderada por Esparta. Atenas, continuando a antecipar novos ataques persas, funda, também no ano de 478, a Liga de Delos, com sede na ilha do mesmo nome, que haveria de constituir o lastro do que, mais tarde, seria o Império Ateniense. A passagem do tempo demonstraria, porém, serem as anteriores vitórias gregas definitivas quanto ao fim da ameaça persa.

II — A Liga de Delos, de carácter político-militar, congregou, sob o comando de Atenas, as cidades suas aliadas, aí se incluindo a maior parte das ilhas do Egeu e da Jónia; o seu aspeto militarmente mais relevante é constituído pelo poderio da frota, que, em pouco tempo, erradicou do Egeu a marinha persa. A integração da liga implicava, naturalmente, obrigações correspetivas da proteção conjunta conferida: barcos ou dinheiro.
À medida, porém, que o tempo corria sem que a ameaça persa se fizesse manifestar, algumas das cidades congregadas na liga procuraram, a começar por Naxos, dela retirar-se, libertando-se das respetivas obrigações contributivas; Atenas não permitiu secessões, reprimindo-as militarmente. O comando da liga por Atenas veio, assim, a assumir a configuração de um Império, denominado ateniense, no qual uma significativa parte das cidades-Estado coligadas contribuía para a sua manutenção apenas com dinheiro, ao jeito de tributo.
A assunção de um poder imperial pela cidade de Atenas sobre as restantes integrantes da Liga e dos seus territórios é simbolizada pela transferência da sede administrativa da liga e do seu cofre para a cidade de Atenas (454): Atenas oficializa o tratamento dos seus aliados como dominados: "[…] a integração [da liga] era obrigatória e proibida a secessão; os membros pagavam em dinheiro um tributo anual fixo, que Atenas recolhia e gastava como entendia; esses proventos imperiais permitiam a Atenas conduzir uma política externa complexa que, só ela, determinava; e, cada vez mais, os Atenienses se intrometiam nos assuntos internos dos estados-membros […]"-. Reportado ao ano de 454, refere Finley que "[d]durante o quartel seguinte, o Império Ateniense constituiu o facto singular mais relevante na Grécia, e Péricles foi a figura dominante nos assuntos de Atenas".
O crescendo do poderio militar ateniense, às portas de Esparta, não poderia deixar tranquilos os Lacedemónios, atenta a relação equidistante há muito mantida entre as duas principais potências militares da Hélade. Entre 461 e 451 dá-se um confronto militar entre Atenas e Esparta, com recíprocas vitórias e derrotas, no contexto da qual a primeira incorpora na Liga de Delo a Ilhas de Egina (457), tradicional aliada de Esparta; o conflito termina com uma trégua de cinco anos.
Um novo conflito entre Atenas e Esparta, encabeçando as respetivas Ligas, ocorrerá a partir de 447 — terminando em 445, firmando-se a paz dos trinta anos, constituindo a antecâmara da Guerra do Peloponeso, entre 431 e 404, que haveria de ser relatada por Tucídides.
Os antecedentes factuais da guerra são relatados por Tucídides nos capítulos 24 a 31 da sua História da Guerra do Peloponeso (que aqui se deixam a traços largos): o auxílio prestado por Atenas a Corcira (atual Corfu) contra Corinto, colónia desta; o apoio de Corinto à Potideia para a saída da Liga de Delos; e, as medidas tomadas por Atenas contra Mégara. Esses factos conduzem à rutura entre Atenas e Esparta, que assume a defesa da aliada Corinto. Numa perspetiva ao jeito da historiografia estruturalista poderá, talvez, sustentar-se, que esta guerra representa um choque entre os modelos civilizacionais dórico e jónico, concretizado em permanentes tensões, originadas na proximidade da ocupação territorial, e na oposição das respetivas estruturas sociopolíticas e militares: aristocracia e democracia, império marítimo e império continental.
A Guerra do Peloponeso terminaria com a derrota de Atenas mas teria como efeito o exaurimento dos povos da Hélade, abrindo, com isso ― depois de períodos de hegemonia, sucessivamente, de Esparta e de Tebas ―, caminho à invasão macedónica, sob Alexandre, o Grande, que inaugura, em 335, o período helenístico.

A formação do regime democrático ateniense: as linhas gerais, do final do período arcaico ao século de Péricles. Péricles e Tucídides.

I — O processo de formação do regime democrático ateniense não pode, naturalmente, ser detalhadamente desenvolvido no contexto de um trabalho de escopo limitado, como é este.
A traços largos, assinalaremos, em sequência cronológica: [no período arcaico] (a.) a anfictionia e a transição dos oikoi para a polis, acompanhada, na agregação sociopolítica, de uma transição dos governos monárquicos de cada um dos oikoi para governos oligárquico da polis (congregação de Baseleis), apoiados em famílias aristocráticas; (b.) a crise económica e social dos séculos VIII e VII, geradora, por um lado, de um acentuado enriquecimento das elites e, por outro lado, do generalizado empobrecimento da população; (c.) a acumulação de gente "sem terra" e sem meios de subsistência nas cidades, que gerou conflitos entre grupos sociais, designadamente os hectemoros e os eupátridas, e entre a riqueza não fundiária (plebe enriquecida pelo comércio, mas sem poder político) e fundiária (aristocracia, detentora do poder político); [na transição do período arcaico para o clássico] (d.) a partidarização social, que por vezes degenera em guerra civil, entre os defensores de uma governação aristocrata (governo de poucos; partido aristocrata) e uma governação pela maioria (governo de muitos; partido democrata), que explica a emergência da figura se Sólon, eleito Arconte e aceite como árbitro por ambos os partidos, encarregado de reformar a organização política de Atenas; (e.) as reformas políticas de Sólon, que, de modo geral, podem ter-se como favorecedoras dos grupos não aristocráticos, pela promoção da igualdade dos polites perante a lei; (f.) as novas reformas da organização política, de Clístenes, após o derrube dos Pisistrátidas (que são avaliadas por Aristóteles como de acentuação do regime democrático); (g.) terminadas as Guerras Persas, a assunção do governo de Atenas pelo Conselho do Areópago, que durou 17 anos, em consequência do reconhecimento generalizado do seu decisivo papel no desfecho de Salamina; (h.) por fim, e após a deposição da governação do Areópago por Efialtes, chefe do partido democrático (lugar a que, mais tarde, ascenderia Péricles), que, nas palavras de Aristóteles, teve a consequência de tornar a constituição de Atenas ainda mais favorável ao povo-.

II — Péricles é o mais aclamado estadista ateniense do século V; nascido, segundo se admite, entre 495 e 492, morreu em 429, pouco depois do início da Guerra do Peloponeso; em tenra idade aquando do início das Guerras Persas, a idade adulta atravessa a formação do Império Ateniense, da qual é a principal figura.
Péricles pertencia à tribo Acamântida e descendia, por via materna, da família dos Alcmeónidas, nobres atenienses (na sua ascendência inclui-se o Clístenes que pôs termo à carreira do tirano Pisistrátida Hípias), tendo sido educado por Anaxágoras.
A sua carreira política pode dividir-se em três períodos: (1) de 467 a 444 torna-se adversário do partido aristocrático e, com Efialtes, obtém a reforma do regime do Areópago; (2) de 444 a 431, sucessivamente eleito Estratego, torna-se a figura política cimeira da cidade, executando a política advogada pelo partido democrático; (3) de 431 a 429 entra em declínio de popularidade em consequência dos efeitos nefastos da guerra com Esparta.
Com os antecedentes Sólon e Clístenes, Péricles compõe uma trilogia heroica do regime democrático ateniense, conforme pode verificar-se na Constituição de Atenas, de Aristóteles, Capítulos VII, VIII, XX, XXI e XXVI.
Como governante, Péricles ficou para a história como o reconstrutor de Atenas após a razia persa e por ter conduzido uma política de engrandecimento de Atenas, como centro cultural intelectual e político da Grécia, no que foi favorecido pela utilização do tesouro da Liga de Delos.

III ― De Tucídides (460/455-400), reclamado como historiador pela historiografia europeia do século XIX, sabe-se ser ateniense e aristocrata de origem; sabe-se ainda que foi chefe do partido aristocrata e opositor político de Péricles; participou na Guerra do Peloponeso e foi eleito Estratego em 424 (431-404). Tucídides foi ostracizado por Atenas, tendo sido exilado na Trácia; escreveu a História da Guerra do Peloponeso durante o exílio, que deixou inacabada, por lhe ter sobrevindo a morte.

Uma análise da Oração Fúnebre

A perceção de um sentido geral da Oração Fúnebre de Péricles que não seja exercício meramente hermenêutico-textual implica a sua inserção no correspondente contexto histórico-político.
Com o seu discurso, Péricles honra os atenienses mortos em combate no conflito que opõe a sua cidade a Esparta: "[f]oi por cidade assim que pereceram nobremente em combate os que julgaram não dever consentir que os privassem dela" (41.5-6). A que cidade assim se refere Péricles? Naturalmente… Atenas. Mas não simplesmente como referência de afetividade geográfica. O que Péricles faz, efetivamente, é o elogio do regime democrático ateniense… que identifica com a própria cidade. A essência e grandiosidade de Atenas é o seu povo e a sua capacidade de se autodeterminar.
Péricles começa por homenagear os antepassados, cujo sangue foi vertido para defesa da terra e para fazê-la crescer, passando, depois, a fundar o poderio do Império ateniense na virtude do seu regime político: a democracia, cujo governo é o de muitos, a maioria, e não o de uma minoria aristocrática; na qual os cidadãos têm igual tratamento perante a lei e a consideração social de cada um é produto de mérito e não de privilégio de nascimento.
Nas palavras de Péricles, as virtuosidades da democracia haviam engrandecido a própria cidade, que, cultivando o espírito do seu povo, atraía a admiração dos estrangeiros. O povo de Atenas é elogiado, por ser culto, generoso e devotado à causa pública e, assim, a cidade surge glorificada como modelo civilizacional: "[…] esta cidade […] [,] no seu conjunto, é a escola da Grécia e de cada um de nós em particular[…]"; (41.1-2); "seremos, pois, admirados pelos presentes e pelas gerações futuras […]" (41, 4-5). O futuro se encarregou de demonstrar como foi certeiro este seu último juízo.

BIBLIOGRAFIA

— Aristóteles
Constituition d' Áthènes, Société d'Édition "Les Belles Lettres" (texto estabelecido e traduzido para a língua francesa por Georges Mathieu e Bernard Haussoullier), Paris, 1972
Politique [(Livres I à VIII), texto estabelecido e traduzido para a língua francesa por Jean Aubonnet], Gallimard, s.l., 1993

— Briant, Pierre, From Cyrus to Alexander: A History of the Persian Empire (trad. inglesa de Peter T. Daniels, a partir do original francês intitulado Histoire de l' Empire Perse, 1996), Indiana, Eisenbrauns, 2002

— Clochè, Paul, Le siècle de Périclès, PUF, Paris, 1963

— Ferreira, José Ribeiro, Heláde e helenos, I. Génese e evolução de um conceito, Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1992

— Finley, M. I., Os gregos antigos, Edições 70, [Lisboa], [s.l.], trad. port. de Artur Morão, a partir do original inglês The Ancien Greeks, 1963

— Jardé, A, La Grèce antique et la vie grecque, Librairie Delagrave, Paris, 1981

― Kitto, H. D. F, Os gregos, 3.ª ed., Arménio Amado Editora, Coimbra, 1990 (trad. portug. de José Manuel Coutinho e Castro, a partir do original inglês intitulado The Greeks, Penguin Books)

― Plutarco, "Vie de Périclès", in Les vies des hommes ilustres (trad. francesa de Jacques Amyot, com texto estabelecido e anotado por Gérard Walter, 1951, Gallimard, s.l., pp. 332-378).

― Saunders, A. N. W., Greek Political Oratory ("Introduction", pp. 7-29), Penguin Books, Suffolk, 1970

― Tucídides, História da Guerra do Peloponeso (trad. Portuguesa de Mário da Gama Kury) Editora Universidade de Brasília/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 4.ª ed., Brasília/S. Paulo, 2001

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