A Organização Armada Secreta - a participação da extrema direita francesa na luta armada durante a Guerra da Argélia (1954 - 1962)

June 13, 2017 | Autor: G. Franco de Andrade | Categoria: Algerian war, Extreme and Far Right, Organisation Armée Secrète
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[REVISTA  CONTEMPORÂNEA  –  DOSSIÊ  GUERRAS  E  REVOLUÇÕES  NO   Ano  5,  n°  8  |  2015,  vol.2       SÉCULO  XX]   ISSN  [2236-­‐4846]  

A Organização Armada Secreta: a participação da extrema direita francesa na luta armada durante a guerra da Argélia (1954 - 1962) Guilherme Ignácio Franco de Andrade*

INTRODUÇÃO O conflito argelino aparentemente, deu a extrema direita a melhor oportunidade de rearticulação desde o final da guerra, foi uma grande oportunidade para recrutar simpatizantes e mobilizar seus “aparelhos privados de hegemonia” para tentar influenciar os acontecimentos políticos nacionais. Esse retorno da extrema direita fica evidente na variedade de pequenos grupos e associações que se formaram para fazer campanha a favor do movimento Algérie Française. A discussão sobre as colônias francesas tomou a sociedade e reacendeu os sentimentos de paixão pela pátria e ativou o sentimento de nacionalismo que não aparecia desde a 2ª Guerra Mundial (MARCUS, 1995, pg.15). A disputa da Argélia enquanto colônia francesa, permitiu o retorno de vários debates dentro da sociedade francesa e a extrema direita dirigia o debate, pautando as questões que deveriam ser discutidas. Esse período colaborou para uma crescente hostilidade de alguns setores aos partidos de esquerda que defendiam a independência das colônias (DAVIES, 2002, pg.122). A extrema direita proclamava sua preocupação com a diminuição do status do país enquanto potência mundial, visto que a França se encontrava em processo de reconstrução devido as consequentes destruições durante a guerra. O país passava por um processo de restruturação, de desenvolvimento industrial, patrocinado pelos Estados Unidos através do plano Marshall (MARCUS, 1995, pg.16).

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Doutorando em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, na

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O primeiro movimento foi a Algérie Française que surgiu na década de 50, durante as revoltas que insurgiram nas colônias francesas, em busca da independência. Ela foi providencial para que a extrema direita conseguisse se rearticular e se mobilizar no cenário político. O conflito da Argéria se mostrou a melhor oportunidade para o renascimento da extrema direita, procurando apagar o legado de Vichy e incorporar novas questões e criar uma nova identidade. Essa mobilização da extrema direita influenciou uma variedade de associações e organizações que foram criadas para fazer campanhas contra a independência da Argélia e das outras colônias francesas na África. Para Davies (2002, pg.124) esse movimento foi capaz de recriar um sentimento de paixão e nacionalismo que havia se perdido depois da 2ª Guerra, gerando um grande debate entre os partidos, já que o partido socialista era a favor da independência das colônias. Para a direita, a perda das colônias seria determinante para o rebaixamento da França como potencial mundial, perdendo mais espaço para outras potencias como Estados Unidos, União Soviética e Inglaterra. O movimento Algérie Française atraiu muitos rótulos, mais notavelmente, "ultranacionalista", "fascista" e "ultradireitista”. Ele incorporou forças intransigentes no exército: Militantes do movimento Argélia, descendentes de franceses que nasceram na Argélia, mas lutavam a favor da França e pequenos grupos neofacistas. Tal mistura gerava muita tensão dentro do exército francês, mas os três grupos trabalharam para os mesmos fins, manter a Argélia como território francês. Durante o conflito, segundo os historiadores, morrem em torno de um milhão de pessoas, o exército francês foi acusado de ter utilizado métodos barbáros de tortura, dignos da Gestapo (SIMMOS, 1996, pg.37). Para o historiador Robert Gildea (2002, pg.21) a II Guerra Mundial trouxe diversas consequências para a França, dentre essas implicações, podemos destacar algumas questões importantíssimas. A questão econômica era uma das questões que pesam no orçamento francês, que buscava se equilibrar devido aos gastos na 2ª Guerra Mundial, pois atravessava um período financeiro complicado, existia a necessidade de reconstruir o país destruído durante o conflito, desde a construção de casas, locais para o comércio, assim como obras de infraestrutura, como usinas  

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geradoras de energia, reconstrução dos portos, estradas, escolas, universidades e investir nas industrias para o desenvolvimento completo do capitalismo (GILDEA, 2002, pg.21). A política interna precisava ser reconstruída, com o fim da 3ª República havia a necessidade de uma nova constituição, repensar o modelo republicano existente no país. O período em que a sociedade passava, o nascimento da IV República (1946 - 1958), representava o retorno do processo democrático no país e era necessário o desenvolvimento de um processo eleitoral e de criar uma nova constituição. E por último o desenrolar da crise no império francês e suas colônias (GILDEA, 2002, pg.21). O processo de reconstrução do país, e o enfraquecimento político da França, que já não possuía o mesmo prestigio e poder internacional, como grande potência, aceitou o papel de coadjuvante na política internacional, deixando para os EUA e a Inglaterra o papel de liderança do bloco capitalista, a ascensão dos movimentos de esquerda no país também colaboraram para que os políticos se voltassem para resolver os problemas internos, não se envolvendo diretamente no combate ideológico á União Soviética. Esses fatores, de reconstrução do país e reestruturação nacional, colaboraram para que as colônias se mobilizassem para lutar pelo seu processo de independência. Dentre esses processos podemos colocar a guerra na Argélia como o início da crise do império francês.

A COLONIZAÇÃO DA ARGÉLIA  

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Durante o século XIX, principalmente em sua segunda metade, as potências europeias alcançavam um grande nível de desenvolvimento industrial e comercial, processo resultante da segunda revolução industrial. Tal desenvolvimento econômico, resultou em uma necessidade dos capitalistas em expandir seu mercado consumidor e também buscar formas de ampliação das forças produtivas e da obtenção de mais valia, conseguindo reduzir drasticamente os custos produtivos e aumentar potencialmente seus lucros. A saída encontrada pelos industriais europeus e por seus representantes políticos, foi buscar novos lugares a serem explorados, resultando em um novo processo de colonização. Assim deu-se início a um novo processo de disputas por conquistas na África e Ásia, denominado Neocolonialismo, onde praticamente todo o continente africano foi partilhado entre as principais potências europeias (HOBSBAWM, 2003). Segundo Eric Hobsbawm (2003, p. 88.), o processo do Neocolonialismo foi resultado de uma expansão do capitalismo, devido a superprodução e a necessidade de ampliação do mercado, o imperialismo foi uma nova forma encontrada pelo capital, para resolver os problemas de acumulo de produção e de encontrar novas formas de obtenção de lucro, barateamento dos custos produtivos e de desenvolvimento tecnológico. O processo de colonização na África não ocorreu de forma simples, foi necessário desenvolver um projeto de conquista e de dominação das regiões, pois havia muita resistência a dominação e ocupação francesa nos territórios escolhidos para serem colonizados e isso não aconteceu de forma pacífica. Foi necessário um projeto que conseguisse sucumbir os territórios conquistados a vontade máxima das potencias europeias, porque apenas a criação da indústria nas colônias não era uma garantia de sucesso. Para o desenvolvimento do imperialismo na África, era necessário implantar uma nova cultura nos territórios conquistados, porque existiam diferenças culturas, linguísticas e religiosas que constituíam barreiras no processo de desenvolvimento do capitalismo. Para que o novo formato de produção capitalista fosse consolidado nas colônias, se exigia um nível de força de trabalho adequado aos padrões tecnológicos da época, ou seja, forçar os povos conquistados a aprenderem a uma nova lógica de trabalho, que consistia em práticas diferentes, alta jornada de trabalho e em escala  

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industrial. Para que esse desenvolvimento produtivo se consolidasse, o processo de colonização não poderia ser basicamente forjado na exploração econômica da região, ele deveria ser ampliado para um projeto civilizatório, ou seja, a imposição de uma nova mentalidade, a implementação da religião católica-cristão, métodos para que a dominação fosse apresentada como um processo benéfico a população local, visto que para desenvolver um projeto de desenvolvimento do capitalismo nessas regiões, seria necessário enquadrar a população local a uma nova lógica de trabalho, de ritmo de vida, mudanças nos hábitos cotidianos. E para garantir a implementação desse novo modelo nas colônias, foi utilizado diversos aparatos repressivos, a violência foi uma das práticas utilizadas para garantir a manutenção da ordem nas colônias. Nesse mesmo sentido, a dominação das colônias africanas foi justificada pelas metrópoles, como sendo necessário para o desenvolvimento dessas regiões, que segundo o posto de vista dos europeus, as nações africanas não eram capazes de se desenvolverem sozinhas, cabendo a Europa ser a responsável por levar o progresso e o desenvolvimento. (HOBSBAWM, 2003, p. 89-90). O plano de conquista da Argélia, pela França, teve início no ano de 1830, quando os franceses invadiram a costa do país até conseguirem chegar a capital do país, a cidade de Argel. Mesmo a resistência dos argelinos não foi suficiente para expulsar os franceses, visto que o poder bélico da França era muito superior as forças militares existentes na Argélia na época. Entre os anos de 1830 a 1847, haviam duas forças de resistência na Argélia, o primeiro grupo sob comando de Ahmed Bey em Constantina e as forças nacionalistas lideradas por Adb El-Kader. Durante os conflitos políticos e militares na ocupação da Argélia, os políticos franceses enviaram diversas vezes novos contingentes militares e investiram em alguns setores do país para trazer aliados argelinos para sua causa(GILDEA, 2002, pg.25). As forças de resistência argelinas aos poucos foram sufocadas pelo exército francês, que era numericamente maior e dispunha de tecnologia militar que superava  

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os esforços da resistência. Com o investimento militar da França no conflito francoargelino, não demoraria para que o país fosse conquistado. Em 1842 em uma grande ação militar do exército francês conseguiu quase dizimar as forças de resistência e praticamente conquistaram quase que a totalidade do país, sobrando pequenos focos de resistência em locais pontuais que atuavam como milícias. Em 1847 a Argélia finalmente foi anexada ao território francês, dando fim ao conflito armado e início da exploração total da colônia (GILDEA, 2002, pg.25). Em 1848 o Império Francês deu início a criação de departamentos oficias na Argélia e criou um plano de colonização do país, em primeiro momento os soldados franceses que participaram do conflito, se estabeleceram na colônia com seus familiares, parte das terras foram divididas e entregues nas mãos dos novos colonizadores. O processo de assentamento na Argélia foi um dos principais fatores que desencadeariam as insurreições na Argélia, que futuramente seriam relevantes para gerar insatisfação dos argelinos, sendo uma das principais questões reivindicadas pelas lideranças dos movimentos nacionalistas que buscavam a independência do país no século XX. O processo de partilha das terras argelinas, ocorreram de forma injusta, privilegiando as famílias francesas que migraram para a Argélia, elas recebiam grandes porções de terras e grandes quantidades de recursos para o desenvolvimento da região, as terras pouco produtivas ficaram para poucas famílias argelinas. O trabalho de servidão nas fazendas dos novos colonos, e o trabalho pesado foram as únicas formas de sobrevivência para os argelinos. (PERVILLÉ, 2002, p.132) O processo de dominação da Argélia não se deu apenas no viés econômico e na exploração territorial, o governo francês impôs sua língua como oficial na colônia e o catolicismo como religião principal. Tal processo de dominação tinha como proposito “civilizar” a população argelina, impor língua, cultura e religião aos povos conquistados, para facilitar a exploração da mão de obra argelina e também como forma de manutenção do controle social. Os grupos argelinos que procuraram se integrar, receberam como incentivo do governo francês alguns investimentos, pequenos pedaços de terra e também a construção de escolas nos moldes educacionais da França, aqueles que permaneciam resistentes a dominação sofriam com a coerção e repressão pelo aparato militar que era responsável pela segurança da colônia, para  

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aqueles que resistiam à integração foram obrigados a trabalhos forçados. Durante o período de ocupação francesa na Argélia, foram criadas diversas leis para favorecer a metrópole, como leis de controle social, onde se reprimia os argelinos em benefício dos colonos franceses.(PERVILLÉ, 2002, p.133) A Argélia esteve sobre domínio francês por mais de 1 século, a colônia foi administrada pelos franceses como se fosse parte integral de seu território. A importância da Argélia enquanto colônia, deve à enorme extensão marítima argelina, que passou a ser controlada pela França, podendo controlar o fluxo do comércio entre o continente europeu e, assim conseguindo aumentar sua influência política, já que parte das rotas de importação dos produtos das colônias asiáticas e africanas usavam o espaço marítimo francês. Nos primeiros anos de dominação a Argélia foi o principal fluxo de imigração dentre as colônias francesas, o país recebeu mais de 100 mil franceses em seu território. Os imigrantes que se mudavam para a colônia recebiam incentivos do governo, recebendo terras expropriadas das comunidades indígenas e com diversos recursos concedidos pelo Estado Francês para o desenvolvimento da agricultura (JAUFFRET; VAÏSSE, 2012, p.21). A Argélia dentre as colônias francesas, tinha um tratamento diferenciado, a Argélia era considerada uma extensão do território nacional, como parte integrante da França. Para James Shields (2007, pg.90) essa colônia tinha maior importância para a França, por ter uma parcela significativa de franceses que habitavam esse país, em torno de 1 milhão, conhecidos como pied-noir1. Essa população mantinha relações econômicas estreitas com a França, pois a grande maioria dos franceses na Argélia representavam as classes dominantes da região, eles atuavam em setores da agricultura, exploração de minérios e no comércio. Outro ponto importante e muito significativo para que parte dos políticos franceses, defendessem a permanência da 1

Pés Negros era como se chamava a população francesa que vivia na Argélia. A referência dos pés negros vem do calçado utilizado por essa parcela da população.

 

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Argélia enquanto território, foi a descoberta de grande quantidade de petróleo na colônia, que colocava a França como uma das grandes potencias petrolíferas o que a deixava em posição de privilégio por poder controlar o valor do produto e também controlar o mercado, podendo escolher para quem fornecer ou não. O NACIONALISMO PÓS GUERRA O estudo sobre os fenômenos do nacionalismo na Europa, é visto como um produto das transformações da sociedade capitalista, assim como o desenvolvimento e ampliação do Estado, como órgão responsável pelo principal controle das sociedades. O nacionalismo também é analisado como um produto da construção histórica das nações modernas. A importância em estudar o ultranacionalismo não deriva somente do ponto de vista das relações humanas com seu meio, e principalmente dos riscos que o ultranacionalismo propiciou no Continente Europeu nos séculos XIX e XX, mas também pela urgência e atualidade, visto que observamos que o continente europeu tem sido palco de levantes sociais e de demonstrações extremistas de grupos nacionalistas. O agravamento da crise econômica, o enfraquecimento da política dos partidos tradicionais e dos conflitos de identidade nacional, nos permite perceber uma maior aceitação do discurso ultranacionalista e abre espaço para partidos e grupos extremistas no cenário político europeu e ganham força eleitoral em países com instituições de cunho liberal-democrática historicamente estabelecidas. O desenvolvimento da nação é portanto, objeto crucial do ideal nacionalista, sua materialidade, a sua expansão territorial – ou manutenção das fronteiras – a política voltada para seus membros, onde uma única comunidade política é beneficiada e a mesma, aspira os mesmos pressupostos e sentimentos nacionais. Devemos lembrar que existe uma importante separação no que é nação enquanto federação e seu significado, e o que é o Estado e suas funções burocráticas e administrativas, sendo portanto dois lados de uma mesma moeda. Nesse sentido o nacionalismo funciona como uma engrenagem que consegue desenvolver sentimentos de amor à pátria e buscar estabelecer projetos que buscam o desenvolvimento nacional e dos cidadãos, seja inserido dentro da estrutura do Estado.

 

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A diferença do significado objetivo entre Estado e nação fica mais evidente quando conseguimos enxergar as diferenças entre ambas: o Estado em sua composição é formado por instituições públicas, por estruturas hierárquicas e é detentor exclusivo do monopólio da força e da coerção. A nação em sentido estrito é uma comunidade “imaginada”, política, composta por indivíduos com aproximações culturais, detentora de singularidades linguísticas, semelhanças étnicas e pelo sentimento de pertencimento a um mesmo território comum. Ainda sobre o conceito de nação, segundo Hans-JurgenPuhle (1994, p. 13.), para se estudar o desenvolvimento das nações modernas europeias faz-se necessário compreender diversos fatores que contribuíram para seu desenvolvimento. Para Puhle, o continente europeu é um produto de sua história, pois sua formação vai além das suas fronteiras, regiões, estados e nações, sendo que não teria como sobrepor uma ordem de importância, ou maior relevância em uma característica sobre a outra, investigar como se deu essas transformações é o que ajuda a se aproximar do processo real de construção das nações europeias (PUHLE, 1994, p. 13). Além das questões da formação das fronteiras e regiões europeias, Puhle também elucida a importância de outros fatores que contribuíram para o desenvolvimento das nações modernas, como as questões de ordem econômica, social e política, que apresentam questões especificas, que resultaram em construções, invenções das “Identidades” locais e regionais, que são resultado também do mercado e da sociedade civil (PUHLE, 1994, p. 14).Dessa forma uma nação é resultado da construção de diferentes regiões, de diferentes estados, com indivíduos de diferentes nações, portanto devido à enorme riqueza cultural e da diversidade existente em toda a Europa. Para Puhle tais características do continente europeu, implica que o pesquisador deve ter o cuidado e se preocupar com duas questões de extrema relevância. A primeira é que existe um amplo material a ser moldado, investigado, explorado. A segunda é que existem processos históricos complexos de interações,  

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interferências de instituições, até mesmo as formas de violência - em que são moldadas identidades, que são igualmente importantes e não devem ser esquecidos (PUHLE, 1994, p. 13). Para alguns pesquisadores os movimentos ultranacionalistas tiveram seu auge no final do século XIX e início do século XX, com o final da Segunda Guerra Mundial, que marcou a derrota do nazismo e do fascismo, principais modelos políticos nacionalistas, o nacionalismo perdeu sua emergência e significado para as massas. No plano político europeu o discurso nacional foi substituído pela defesa do sistema capitalista, devido a intensificação do conflito do Ocidente frente o comunismo da União Soviética. Os discursos nacionalistas só iriam voltar a entrar em destaque na década de 1990, com o fim da União Soviética e do início dos processos separatistas na Europa, África e Ásia (BRUBAKER, 1996.). Para Hroch, cabe ao historiador em primeiro lugar, buscar fazer considerações sobre o conceito “nacionalismo”, visto que o mesmo é utilizado diversas áreas das ciências humanas, que tem lhe atribuído diversos significados, empobrecendo o conceito e o tornando generalizante, dessa forma afastando a discussão do significado real do conceito. A ampla exploração do nacionalismo, para caracterizar diferentes processos históricos torna difícil a compreensão do mesmo (HROCH, 1996, p. 37). Para o autor, o uso do conceito de nacionalismo deve ser restrito apenas a sua formação original, ou seja, não como sinônimo de identidade nacional ou programa de desenvolvimento nacional, mas segundo Hroch (1996, p. 37)“ como um estado de espirito (mental e coletivo), que dá prioridade aos interesses e valores da nação, acima de todos os outros interesses e valores”.

Dessa forma, na questão

contemporânea do reaparecimento do sentimento nacionalista, o autor diz que devemos tratar esse processo como “movimento nacional”, que é compreendido como um esforço organizado por parte de alguns setores da sociedade, que busca atingir determinados “direitos”. Segundo Hroch(1996, p.38) para se compreender melhor os movimentos nacionais e o nacionalismo são necessários formular algumas premissas, que segundo o autor, julga importante para conseguir compreender com maior profundidade o processo histórico estudado. Em primeiro lugar, o “nacionalismo”, deve ser entendido  

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como expressão de um grupo social existente em determinada nação, compreendido como resultado de um longo processo de formação do Estado-Nação. Em segundo lugar o principal elemento de compreensão de formação de uma nação é a identidade nacional, não o nacionalismo. Em terceiro lugar, o processo de formação das nações modernas não foi um erro na História, como sugerem alguns autores – pressupondo o nacionalismo como responsável pelas duas guerras mundiais no século XX - mas como um processo natural de transformação da sociedade europeia moderna, em paralelo com a industrialização, do capitalismo e da burocratização das instituições nacionais. Outro pronto importante para a análise da emergência do nacionalismo, seria compreender também, a emergência das nações, das formações das identidades nacionais e as disputas entre determinadas culturas que habitam o mesmo espaço cotidiano, como um processo que ocorre majoritariamente no mundo Ocidental. A derrota da Alemanha em 1945 para as forças aliadas, decretou-se o fim dos principais modelos de regime fascista, pois mesmo como fim da guerra o fascismo permaneceu políticamente ativo em alguns países europeus como a Espanha, Romenia, Portugal. Na França o fim do governo provisório de Vichy sacramentou a derrota do fascismo implantado pelos grupos extremistas no país. A Segunda Guerra Mundial e o colaboracionismo deixaram marcas profundas na sociedade francesa, em primeiro lugar a sensação de frustração diante da derrota para Alemanha, do período de ocupação alemã e em segundo pelo terror de Estado imposto por Pétain e Laval. Essas cicatrizes da ocupação geraram uma aversão por parte da população em partidos conservadores e de extrema direita. Um dos principais motivos para o enfraquecimento desses grupos políticos se deve ao fato da ainda recente e fresca lembrança da população francesa com os atos praticados por esses grupos em prol do nazismo e apoio do regime autoritário e colaboracionista de Vichy, que perseguiu sistematicamente os judeus, comunistas, socialistas e membros da resistência francesa, sendo muito deles assassinados e enviados para campos de concentração.  

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Para o historiador Peter Davies (2002, p.122) no pós guerra a direita e a extrema direita passaram por seu período político mais difícil. O Marechal Phillipe Pétain foi sentenciado a pena de morte, mas conseguiu reverter sua pena para prisão perpétua, onde ficou preso até sua morte em 1951. Pierre Laval primeiro ministro na França do governo de Vichy, foi condenado por traição e executado na França em 1945. Os outros membros do governo colaboracionistas foram exilados ou presos. Contudo apesar das complicações políticas, os adeptos do fascismo na França, não sumiram do

cenário político. Na década de 1950 o movimento Algérie

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Française reascendeu o sentimento nacionalista em alguns setores da sociedade francesa, dentre eles alguns grupos radicais que apresentam caracteristicas fascistas, extremistas e ultranacionalistas. Esses movimentos foram compostos por sujeitos que participaram do governo de Vichy, ou simpatizantes do fascismo emprendido por Pétain e Laval. O conflito argelino aparentemente, deu à extrema direita a melhor oportunidade de rearticulação desde o final da guerra, foi uma grande oportunidade para recrutar simpatizantes e mobilizar seus aparelhos privados de hegemonia para tentar influenciar os acontecimentos políticos nacionais. Esse retorno da extrema direita fica evidente na variedade de pequenos grupos e associações que se formaram para fazer campanha a favor do movimento Algérie Française. A discussão sobre as colônias francesas tomou a sociedade e reascendeu os sentimentos de paixão pela pátria e ativou o sentimento de nacionalismo que não aparecia desde a 2ª Guerra Mundial (MARCUS 1995, p.15.). A disputa da Argélia permitiu o retorno de vários debates dentro da sociedade francesa e a extrema direita tentava dirigir a discussão, entre eles o movimento poujadista pautando as questões que deveriam ser discutidas. Esse período colaborou para uma crescente hostilidade de alguns setores aos partidos de esquerda que defendiam a independência das colônias (DAVIES, 2002, p.122). A extrema direita proclamava sua preocupação com a diminuição do status do país enquanto potência mundial, visto que a França

se encontrava em processo de

reconstrução devido às consequentes destruições durante a guerra. O país passava por um processo de restruturação, de desenvolvimento industrial, patrocinado pelos 2

 

Argélia Francesa.

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Estados Unidos através do plano Marshall(MARCUS, 1996, p.16).Para a direita, a perda das colônias seria determinante para o rebaixamento da França como potencial mundial, perdendo mais espaço para outras potências, como Estados Unidos, União Soviética e Inglaterra. Para o historiador Robert Gildea, a II Guerra Mundial trouxe diversas consequências para a França, dentre essas implicações, podemos destacar algumas questões importantíssimas, como questão econômica, pois atravessava um período financeiro complicado. Existia a necessidade de reconstruir o país destruído durante o conflito, desde a construção de casas, locais para o comércio, assim como obras de infraestrutura, como usinas geradoras de energia, reconstrução dos portos, estradas, escolas, universidades e investir nas indústrias para o desenvolvimento completo do capitalismo (GILDEA, 2002, p. 21). E por último o desenrolar da crise no império francês e suas colônias (GILDEA, 2002, p. 22). O movimento Algérie Françaisese mostrou a melhor oportunidade para o renascimento da extrema direita, Para Davies (2002, p.122) esse movimento foi capaz de recriar um sentimento de paixão e nacionalismo que havia se perdido depois da 2ª Guerra, gerando um grande debate entre os partidos, já que o partido socialista era a favor da independência das colônias.

A GUERRA DA ARGÉLIA E ORGANIZAÇÃO ARMADA SECRETA  

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O conflito argelino começa a ser elaborado no ano de 1953, o crescimento dos protestos no país, devido à enorme diferença social, econômica e política entre os pied-noir e a população local, que durante o período colonial criou um abismo de diferenças entre esses grupos. O domínio colonial francês privilegiava a camada francesa da população enquanto os habitantes locais ficaram deixados de lado, deixando as condições de vidas precárias para os argelinos e para as populações indígenas que moravam no país. Essas injustiças cometidas contra o povo argelino se transformaram em motivações pela independência. Logo pequenas manifestações, protestos e greves começaram a acontecer no país, em contra partida o governo francês elevou a repressão na tentativa de conter esses protestos. Na academia francesa os historiadores e cientistas políticos, afirmam categoricamente que a Guerra da Argélia, foi o principal fio condutor para a extrema direita conseguir se mobilizar na França (WINOCK, 1994; SHIELDS, 2002; MILZA, 1987). O conflito argelino, rendeu a extrema direita vários movimentos, desde o movimento estudantil nacionalista como o partido Poujadista, representado por setores da pequena burguesia e de comerciantes em Paris. Segundo Montagnon, (1984, p.127) a extrema direita teve papel importante no cenário político, o movimento Poujadista conseguiu durante o período da Guerra, eleger 56 deputados (entre eles o futuro fundador do Front National, Jean-Marie Le Pen), que conseguiam emplacar suas pautas. Para Hainsworth (1994, p.32) a guerra permitiu um aprofundamento da ideologia da extrema direita na França, que não se pauto apenas nos chavões de sempre - anticomunismo e antissemitismo – mas em questões sobre a soberania nacional, sobre a posição da França em relação as outras potências mundiais, a continuidade do Império Francês e principalmente a oposição ao governo de Charles de Gaulle. Para Winock (1990, p.170.) a guerra promoveu uma nova cultura política na extrema direita, a primeira foi a militância dentro de ambientes universitários, a segunda como articulação entre setores econômicos, como os comerciantes e pequenos empresários e por fim uma nova forma de atuação, a extrema direita na ilegalidade. Para Anderson (1974, p. 280–81) as organizações de extrema direita francesa entre os anos de guerra 1954-1962 eram obscuras, sem uma ideologia  

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definida e de difícil acesso para novos militantes, sendo impenetrável. Para Chiroux (1974, p.92) parte desses grupos faziam parte de um complexo movimento subversivo, responsável pela disseminação do ódio e de teorias conspiratórias, que tinha como intenção causa pânico e sensação de insegurança na sociedade francesa. O aumento da repressão do Estado aos grupos nacionalistas argelinos em primeiro momento silenciou as pequenas insurreições, mas seu efeito foi o contrário, quanto mais aumentava o nível de repressão aos povos argelinos por parte do governo francês, maior o nível de insatisfação da população frente a metrópole. Em 1954 foi criada a Frente de Libertação Nacional (FLN), movimento nacionalista argelino que buscava o processo de independência do país. A forma de agir do FLN era semelhante as práticas das milícias, sua campanha começou com um ataque a unidades militares francesas. Após os primeiros ataques o FLN publicou seu manifesto de busca pela libertação da Argélia das forças opressoras francesas. Em Paris, na capital francesa, o governo em primeiro momento se assustou com os primeiros atentados da FLN. Logo o Estado começou a elaborar um plano de contenção, visto que a opinião pública estava dividida, assim como os partidos políticos apresentavam visões diferentes de como deveria ser resolvido o problema na Argélia. Os partidos de esquerda apoiavam a independência das colônias africanas. No meio universitário os movimentos estudantis e militantes do Partido Comunista também apoiavam o desmonte do Império Francês. Para o presidente René Coty, do CNIP3, partido de direita conservador, a Argélia era imprescindível para o país, pelas questões econômicas e por sua importante localização geográfica. No fim do ano de 1954, o governo francês toma a decisão de enviar tropas para garantir a manutenção da Argélia, o contingente militar francês era de 70 mil soldados na colônia antes de 1954. Após a decisão de intervir no confronto o governo francês passou a investir pesado no exército, enviando 400 mil soldados da legião 3

 

Centre National des Indépendants et Paysans

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francesa Segundo Wright (1981, p. 431) o novo contingente militar francês expedido para a Argélia foi o maior desde as cruzadas. O exército francês para Algazy (1984, p.221), estava despreparado para enfrentar os grupos de guerrilha, pois não haviam recebido treinamento especifico para essa forma de combate, o combate em forma em pequenas milícias e camufladas entre os cidadãos argelinos, dessa forma o exército francês não conseguia prever os ataques de forma eficiente, até porque parte havia colaboração da população com os soldados argelinos. Estimasse que o governo francês entre os anos de 1954 -1960, comprometeu parte importante de seu orçamento para investir no conflito armado da Argélia, segundo Wright (1981, p.430), a França gastou aproximadamente 28% da sua arrecadação na produção de armas, treinamento de soldados e gastos gerais de guerra. Segundo Marcus (1995, p.15) o governo francês aumentava gradativamente seu investimento para assegurar suas colônias, especificamente na Argélia. O investimento francês no primeiro ano de conflito segundo Horne“o custo militar no primeiro ano de guerra foi algo perto de 2.800 de francos em 1955 para 10.000 milhões em 1960, mostrando um gasto total entre 50 e 55 mil milhões durante os sete anos e meio de guerra” (1985, p. 538). Para o historiador Anderson, a crise de independência das colônias era algo esperado, visto que o cenário político mundial da Guerra Fria, aumentavam as tensões entre os diversos países, principalmente os interesses doslíderes dos blocos econômicos – EUA e URSS - pois existiam diversas promessas de ajuda nos processos de independências nas colônias africanas e asiáticas, como armamentos, treinamento militar e promessas de investimento no futuropor ambas as lideranças, visto que a independência desses países seriam novas áreas de exploração para os americanos e soviéticos, tanto no aspecto econômico, como área de influência estratégica para futuras bases de operações militares (ANDERSON, p.280-281). O ponto que chama a atenção na guerra da Argélia para Anderson é a selvageria em escala desproporcional pelo exército francês, que fazia vista grossa aos métodos bárbaros de tortura, de fuzilamentos de civis e também de milicianos. Ao mesmo tempo a prática de guerrilha da FLN, que atacavam alvos civis, escolas e igrejas. Os historiadores possuem algumas discrepâncias sobre o número de mortos no conflito,  

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mas segundo Chiroux (1974, p.92) existe um número aproximado que é aceitável entre a maioria deles, que gira em torno de mais de um milhão de argelinos mortos no conflito.Segundo dados do ministério do interior, em 1954 a população da Argélia era aproximadamente em 9,5 milhões de habitantes, a população de colonos franceses perto de 1 milhão e 8,5 milhões sendo argelinos e tribos nômades. Para Montagnon a década de 1950 foi dominada por um cenário de barbárie, o sentimento de grupos ultranacionalistas se alimentava da tensão da Guerra Fria e dos processos de independência nas colônias, para desestabilizar a política na Europa. Essa tensão na sociedade francesa permitiu que o discurso fascista retornasse ao cenário político, mesmo com todas as cicatrizes da II Guerra Mundial. Segundo Algazy os extremistas perderam o constrangimento e voltaram a agir politicamente sem qualquer inibição, com a conivência do Estado. No período da Guerra da Argélia Chiroux (p.92) afirma a existência de mais de 50 grupos de extrema direita, a grande maioria formada após 1954. Na década de 60 na França, durante os debates sobre o conflito argelino, a extrema direita procurou formar um grupo de assalto para combater a FLN, utilizando as mesmas táticas de milícia impostas na Argélia. Um desses grupos paramilitares que se formou foi a Organização Armada Secreta, compostas por militares franceses que compunham os grupos radicais. A OAS atuava em duas frentes, uma em Paris e outra na Argélia. Esse grupo paramilitar terrorista se colocava contra as posições políticas da maioria dos partidos franceses que militavam para a independência da Argélia. A OAS não combatia apenas os argelinos, mas também procurava alvos da esquerda francesa, como o atentando a vida do intelectual Jean-Paul Sartre entre outros comunistas, socialistas e intelectuais que militavam em prol da independência das colônias africanas. Ela iniciou suas atividades terroristas atacando políticos da oposição, seus primeiros alvos foram figuras políticas da esquerda e mulçumanos (SIMMONS, 1996, pg.45). O início das suas ações terroristas foi na Argélia contra  

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membros da Armada de Libertação Nacional (ALN) e da Frente de Libertação Nacional (FLN). Enquanto a OAS lutava na França e na Argélia, havia outros grupos de extrema direita se mobilizando na política, a Jovem Nação e a Federação dos Estudantes Nacionalistas militavam politicamente para o desenvolvimento do nacionalismo extremista na França. Esses grupos eram formados por estudantes, excombatentes, militares e estudantes universitários. Sua principal ação era combater o marxismo dentro das universidades.

Figura 1: Jornal da Jovem Nação Fonte: www.jeune-nation.com

A primeira aparição pública das siglas OAS da Organização Armada Secreta, apareceram pixadas nos muros da capital da Argélia, em Argel, acompanhadas do slogan L’Algérie est française et lerestera ("A Argélia é francesa e continuará   18  

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sendo"). Em primeiro momento não se sabia a procedência do movimento, muito menos saber quais seriam seus alvos e seu foco de militância, o que causou um crescimento na hostilidade entre os argelinos e os pied-noirs, porque ambos os lados não sabiam quais eram as motivações dos atentados e de que lado ele estaria lutando. No cartaz abaixo a OAS convida os cidadãos a pegar nas armas para garantir a Argélia enquanto território francês.

Figura 2: Cartaz da Organização Armada Secreta Fonte:

Oficialmente a OAS foi formada na Espanha em 1961, por oficiais do exército francês, Pierre Lagaillarde, o General Raoul Salan e Jean Jacques Susini.   19  

Posteriormente a sua formação na Espanha, seria também formado a célula da OAS em Paris, por Yves Guérin-Serac e pelo capitão Pierre Sergent. Ideologicamente a OAS apresentava características ultranacionalistas, xenófobas, anticomunista e antiliberal, sua posição política era de um estado forte, que respeitasse a soberania nacional, visando a manutenção das colônias francesas, por considerar a França o berço da civilização moderna. A motivação principal para o surgimento da OAS, segundo Shields foi após a declaração do então eleito presidente o General Charles de Gaulle, que foi eleito prometendo colocar um fim nos conflitos armados nas colônias francesas e propôs um plano de emergência onde garantiria a autonomia para as colônias que iniciassem um plano de cessar fogo. O apoio de Charles de Gaulle a independência da Argélia, provocou reações dentro das forças militares, principalmente por aliados políticos de De Gaulle, para as lideranças das forças armadas francesas, o processo de descolonização representava o fim da França Gloriosa (SHIELDS, 2007, pg.97). Abaixo um cartaz de combate ao grupo armado OAS:

 

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Figura 3: Cartaz de combate a organização OAS4 Os oficiais que integraram a OAS, anteriormente faziam parte da Organização de resistência da Argélia Francesa, quando o novo presidente começou o processo de paz e negociações para a independência, os militares se sentiram traídos, após 7 anos de combate a França saia derrotada, admitindo o fracasso das forças armadas. Varíos militares revoltados com a decisão do governo, integraram as linhas da OAS. Outras militantes que integraram a OAS, foram colonos franceses nascidos na Argélia que 4

 

“Independência integridade da Argélia contra o fascismo da OAS – Comitê pela paz na Argélia.

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não queriam a independência do país. Embora a OAS possuísse traços antissemita, eles aceitaram a colaboração de alguns judeus argelinos que se sentiam ameaçados pelo crescimento do islamismo fundamentalista na região e também após terem sidos realizados atentados as sinagogas pela FLN. A tática da OAS era fazer sabotagens e assassinatos para impedir que a independência da Argélia se concretizasse (SHIELDS, 2007, pg.104). A OAS atuava como uma organização paramilitar clandestina, composta por militares, estudantes, e neofascistas. A base de apoio da OAS incluía sobretudo os piedsnoirs, mas também os militares e os argelinos leais à França. Durante sua existência a organização realizou várias ações terroristas tanto na Argélia, como na França. A sua ação mais conhecida foi o atentado contra a vida do presidente da França o general Charles de Gaulle e dois atentados a bomba ao intelectual marxista e membro do FLN, Jean-Paul Sartre.

 

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Figura 4: Capa do jornal da Organização Armada Secreta Fonte:http://www.dominiquevenner.fr/2012/05/cinquante-ans-apres-reflexions-sur-loas/

A OAS em sua primeira fase empreendeu séries de atentados na Argélia destruindo centenas de casas e matando várias pessoas (MAZRUI; WOMDJI, 2010), sua tática de ação preferida era planejar atentados a bomba. Em seguida a OAS se voltou para França, procurando eliminar aqueles que consideravam subversivos, segundo Simmons, A OAS mudou suas operações para a França. Bombas eram enviadas para bairros árabes em cidades francesas, atentados eram feitos contra pessoas leais ao exército, a delegacias de polícia e vários escritórios e prédios do partido comunista foram alvejados (SIMMONS, 1996, p.45).

A campanha dos atentados continuou durante o ano de 1961, após seguidos atos terroristas, a OAS consegue assassinar o líder liberal Maitre Popie e a partir desse assassinato o grupo parte para a Argélia onde conseguem massacrar mais de 500 pessoas em uma série seguida de atentados à bomba (DAVIES, 2002, pg.125). Para James Shields (2007, pg.107), a OAS enquanto grupo político propôs muito pouco enquanto projeto social e político, ela apresentava sérios problemas de sectarismo e ações individuais. Outro fator que pesava contra a OAS é o hostilidade, marginalidade e rejeição do grupo pela grande maioria da população francesa.

 

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A OAS continuou sua luta contra a FLN até 1962, quando De Gaulle decide por criar o acordo Evian, que assegura a independência da Argélia e que buscava colocar fim ao conflito entre os dois países (WINOCK, 1994, pg.236). Mesmo com o acordo de cessar fogo e o fim da guerra da Argélia, a OAS continuou atuando na Argélia até 1963, quando grande parte das suas lideranças são presos e consequentemente

fuzilados

(WINOCK,1994,

pg.236).

Os

militantes

que

sobreviveram foram exilados para Espanha, acolhidos pelo ditador Franco. Em julho de 1968 o governo francês decretou anistia a Raoul Salan, Edmond Jouhaud e mais outros generais e membros da OAS, sendo os militares absolvidos de seus crimes e reintegrados ao exército (MILZA, 1987, pg.319-320).Nesse sentido os políticos que ainda estavam exilados, se articulavam com os movimentos de extrema direita na França, para que esses grupos pressionassem o governo francês para a criação de um processo de anistia. O Front National, em sua primeira eleição enquanto partido, em seu manifesto político DéfendrelesFrançais, C’estleprogrammedu Front National em 1973, o partido expõe algumas das suas propostas e demonstra como os fracassos do passado ainda têm relevância para os membros do partido. No programa de governo o FN procura manifestar sua posição contra os Acordos de Evian, criado por de Gaulle, principal inimigo dos políticos do FN. O partido acreditava que os Acordos de Evian deveriam ser revistos, pois ele havia exilado militantes da OAS e seus colaboradores, e também imposto sanções aos franceses argelinos (Pieds-noir) e os franceses argelinos mulçumanos (conhecidos como Harkis) que haviam lutado ao lado do exército francês na Argélia. E que o governo deveria indenizar os exilados pelos abusos e negligências sofridos pelos mesmos durante esses anos de exílio. O FN esperava mostrar para esses grupos que o partido jamais se esqueceu dos seus “feitos heroicos”, então reivindicar um fim ao acordo de Evian foi uma tática para aumentar suas bases.

 

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Os grupos de extrema direita na França, se aproveitaram do conflito francoargelino, para voltar ao cenário político, muitos deles escondidos por terem colaborado com as forças nazistas em Vichy e depois muitos deles trabalhando em milícias para evitar o fim do império francês. Dentre eles a OAS, defendia a expansão do Império Francês e a manutenção das colônias africanas. Para muitos militantes que haviam participado de conflitos armados, especialmente os que tinham servido o exército durante a Guerra da Coréia e da Guerra da Argélia, nas décadas de 1950 e1960, esse período da história francesa teria reascendido a causa nacional e o nacionalismo. Pois foi durante essas duas décadas, que a extrema direita militou contra o governo do Charles de Gaulle, que permitiu o desmonte do Império Francês, dando apoio e acelerando o processo de independência das colônias. Tal processo marcou a extrema direita francesa, que encorpou o ultranacionalismo como a principal bandeira política, creditando aos socialistas e aos partidos de centro-direita, uma posição de entreguista, de enfraquecimento político e como responsáveis pelo enfraquecimento do poder da França enquanto potência mundial. Ainda assim a OAS enquanto movimento ideológico, pouco produziu em nível de ideologia, ele serviu muito mais como exemplo de assalto ao poder e de tática de enfrentamento da oposição. Como grupo político pouco colaborou enquanto projeto social e político. Como movimento a OAS era extremamente elitista e sectária, não abrindo suas fileiras para qualquer militante, visto que o treinamento militar era necessário. O principal fator negativo da OAS é sua repercursão na sociedade francês, pois suas práticas terroristas nunca foram aceitas pelas pessoas comuns, dificilmente a OAS conseguiria ter projeção nacional e também acredito que nunca foi o objetivo da organização.  

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Em contrapartida a participação da OAS e de outros movimentos de extrema direita na França, demonstrou que teve força política suficiente para conseguir colocar suas pautas políticas no cenário francês, tanto que através do Front National, os militantes da OAS conseguiram lutar para conseguir anistia dos crimes de guerra e voltaram para seus países, retornando as suas atividades políticas e se filiando no partido de extrema direita Front National. A experiência desses militares que participaram do grupo terrorista OAS, da JN e da FEN, foram experiências importantes, que futuramente serviram para a formação de um partido de amplitude nacional o Front National e esses grupos paramilitares e de pequenas milícias formaram as células de segurança e proteção do partido.

 

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